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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Letras
Seminário de Leitura: Literatura Clássica
Professor: Olimar Flores Junior

Breve análise sobre as convergências e discordâncias entre as apologias de Sócrates


escritas por Platão e por Xenofontes

Aluna: Amanda Sáviza Veríssimo de Almeida

Belo Horizonte
2020
Breve análise sobre as convergências e discordâncias entre as apologias de
Sócrates escritas por Platão e por Xenofontes

       A apologia de Sócrates, como o próprio termo “apologia” sugere juridicamente, é


o discurso de defesa de Sócrates no tribunal ateniense, em que o filósofo está sendo
julgado, sob a acusação de ceticismo diante dos deuses e de corromper a mente da
juventude ateniense. Existem outros diálogos socráticos sobre a defesa de Sócrates,
escritos por demais autores, mas aqui nos limitaremos apenas às apologias de
Platão e Xenofonte. A justificativa para esta escolha é que estes transmitem uma
imagem mais fiel do Pensador, ainda que o fato de Sócrates nunca ter documentado
nada, torne frágeis todas as informações que temos sobre ele, uma vez que seus
ideais se encontram nas publicações de seus discípulos.
     Primeiramente, deve-se compreender que tanto na apologia de Sócrates
segundo Platão, quanto na apologia de Sócrates segundo Xenofonte não existe
imparcialidade, uma vez que é iminente a tomada de posição em favor de Sócrates
nas duas obras. Desta forma, ambos demonstram que consideram injusta a
condenação do filósofo. Sustenta-se a dúvida de até que ponto os dois autores
documentaram o episódio do julgamento de forma verossímil e totalmente fiel a tudo
o que foi dito, e se em determinado momento os pensamentos de Platão e
Xenofonte interferiram nas descrições dos fatos.  Nesse sentido, podemos comparar
as duas obras em questão, a fim de obtermos as informações convergentes e
divergentes entre elas e chegarmos a um corpus que esteja, na medida do possível,
mais alinhado com a realidade. 
        O primeiro ponto discordante entre as apologias de Platão e Xenofonte é o fato
de que Platão estava presente no tribunal ateniense, durante todo o processo de
julgamento de Sócrates. Em contrapartida, Xenofonte não foi um expectador do
julgamento, tão pouco da condenação, pois estava em expedição e apenas tomou
conhecimento a respeito da sentença do filósofo tempos depois. Portanto, tudo o
que Xenofonte documentou a respeito da apologia de Sócrates baseou-se em
relatos e testemunhos dados por terceiros. Desta forma, muitos defendem a ideia de
que a versão dos fatos documentada por Platão é a que mais se aproxima da
realidade, pois este estava mais próximo do tempo. 
     Outro aspecto que difere as duas apologias é a posição em que Platão e
Xenofonte assumem nos textos. Conforme já mencionado, Platão foi um expectador
do julgamento de Sócrates, mas teoricamente se ausenta da narrativa. Sua obra
está organizada sob forma de diálogo, sendo estruturada na visão do próprio
Sócrates e de outros personagens envolvidos, como Mileto, Licão e Anitos. Em
oposição a Platão, ainda que Xenofonte não se cite na obra, é evidente sua posição
como autor e narrador. No entanto, a apologia escrita por Platão instaura muitas
incertezas ao longo do texto, a respeito do que foi propriamente dito por Sócrates e
o que são reflexões a relativas apenas ao sentimento de Platão, em torno do
julgamento.
        Entre as acusações que culminaram no julgamento e condenação de Sócrates
estava a denúncia de que o filósofo intensionava a criação de novas entidades
divinas, conhecidas como daimonions, conforme mencionadas em Platão (Lacerda,
p 8):
“-Sócrates - diz a acusação - comete crime corrompendo os jovens e não
considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras
divindades novas”. Entretanto, Platão e Xenofonte discordam a respeito da função
dos daimonions atribuída por Sócrates.  Em Platão, os daimonions eram algo como
as vozes da razão, que impediam o filósofo de passar por experiências negativas.
Em Xenofonte, um daimonion era um mentor, que também exercia influência em
outras pessoas, além de Sócrates. 
      Em decorrência de sua posição como autor-narrador, fica muito mais evidente a
intenção de Xenofonte em defender Sócrates das acusações proferidas no tribunal
ateniense, diferentemente de Platão, que apesar de deixar transparecer suas
próprias convicções em algumas passagens, nem sempre isso é evidente. Em
algumas passagens, torna-se cristalina o propósito de Xenofonte em glorificar a
figura de Sócrates, sem se ocupar com aspectos jurídicos 
      Uma inferência presente em ambas as obras de Platão e Xenofonte é a de que
após a condenação, cabia a Sócrates a responsabilidade de fixar sua pena, tendo
como opção exílio político, pagamento e multa e a pena de morte. Sócrates preferiu
a última. Em Xenofonte, essa evidência é dada em:

Que se passa? Agora é que vos dá para chorar? Por acaso não sabiam há
muito tempo que, desde o dia em que nasci, estava sentenciado, pela
natureza, à morte? Claro que, se estivesse a morrer novo, enquanto podia
gozar ainda de muitos bens, é óbvio que teríamos de nos lamentar, tanto eu
como os que me fossem próximos; mas, pelo contrário, se, tendo atingido a
idade limite, liberto a minha vida das dificuldades que me esperam, julgo
que todos devem ficar felizes por eu ter esta boa oportunidade.” 
Já em Platão, Sócrates não menciona o fato de já ter atingido a idade limite e
por isso prefere a morte, mas defende a necessidade de se fazerem cumpridas as
leis e ainda argumenta sobre sua condição financeira, que não permite o pagamento
de qualquer multa que seja. Esta ideia evidencia-se em: “E, por outro lado, não
estou habituado a acreditar-me digno de nenhum mal. De fato, se tivesse dinheiro,
me multaria em uma soma que pudesse pagar, porque não teria prejuízo algum;
mas o fato é que não tenho” (Lacerda, p 24).
Analisando as apologias de Sócrates segundo Platão e Xenofonte, pode-se
inferir que é impossível garantir o retrato fiel de Sócrates, em seu julgamento no
tribunal ateniense. Entretanto, é inegável a importância histórica e bibliográfica de
ambas as obras, ainda que estas apresentem pontos discordantes entre si.
Bibliografia:

XENOFONTE. Memoráveis. Tradução do grego, introdução e comentário: Ana Elias


Pinheiro. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. São Paulo: Annablume,
1ª edição, 2009.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução do grego, Maria Lacerda de Souza. São


Paolo: Editora Escala, Sem data. 

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