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Integridade em
Moçambique
Problemas práticos e desafios reais
Maputo, Dezembro de 2013
Capítulo 1 15
Os Três Poderes do Estado 15
Sobre as recomendações do relatório de 2008 15
A situação actual em relação aos três poderes 16
Os novos desafios que surgiram 19
Capítulo 2 22
Direitos Humanos e Liberdades Básicas 22
Sobre as recomendações do Relatório de 2008 22
Quadro legal e institucional: ponto de situação 23
Novos desafios 26
Novas Recomendações 28
Capítulo 3 29
Governação e Financiamento Eleitoral 29
Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 30
Problemas Práticos e Desafios Reais 33
Áreas Prioritárias de Intervenção e Reforma 35
Capítulo 4 37
Governação Local e Relações Intergovernamentais 37
Sobre as recomendações do RGIM 2008 37
Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticas 38
públicas
Capítulo 5 46
Oversight e Corrupção 46
Sobre as recomendações do RGIM 2008 46
Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticas 47
públicas
Problemas práticos e novos desafios 49
Áreas prioritárias de intervenção e reforma 51
Capítulo 6 53
Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação Social 53
Sobre as recomendações do RGIM 2008 53
Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticas 54
públicas
Problemas práticos e novos desafios 56
Áreas prioritárias de intervenção e reforma 58
Capítulo 7 60
Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governação 60
Sobre as recomendações do RGIM 2008 60
Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticas 61
públicas
Problemas práticos e novos desafios 62
Áreas prioritárias de intervenção e reforma 66
Capítulo 8 67
A Governação da Terra: Políticas, Realidade e Desafios 67
Capítulo 9 81
Governação Ambiental e Garimpo: Políticas, Realidade e 81
Desafios
Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 81
Problemas práticos e desafios reais 85
Áreas prioritárias de intervenção e reforma 87
Capítulo 10 91
Sector Público 91
Sobre as recomendações do RGIM 2008 91
Ponto de Situação do Quadro Legal, Institucional e de 92
Políticas Públicas
Problemas práticos e novos desafios 97
Áreas prioritárias de intervenção e reforma 105
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Índice de Transformação
Bertelsmann
Entre 2008 e 2012, Moçambique re-
gistou um ligeiro agravamento do seu
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que o Governo transfere para as au- Locais (CCL). Entretanto, estes fora
tarquias locais um máximo anual de não se tornaram representativos e
0,9%, e não 1,5% como previsto na participativos. A lógica e as estruturas
lei, são indicadores de que existem que perpetuam a centralização e a
recuos no processo. Ainda se verifica exclusão mantêm-se sempre presentes
o descompasso entre a transferência no seu funcionamento.
de recursos e competências dos níveis As recomendações formuladas em
central para o local. O descompasso 2008 não foram atendidas. Uma pro-
é interpretado como inobservância posta de Política e Estratégia de Des-
do princípio estabelecido na teoria da centralização (PED) foi preparada e
descentralização fiscal no qual a des- aprovada pelo Governo. Entretanto, a
centralização de finanças só pode ser PED não trouxe aspectos inovadores
consolidada quando acompanhada e catalisadores da promoção de uma
da descentralização de funções. cultura de governação inclusiva e co-
O RIGM 2008 recomendou a promo- laborativa entre os vários níveis admi-
ção, aceleração e aprofundamento da nistrativos.
descentralização fiscal, aumentando
o nível de transferências fiscais para
os governos locais, assim como Ponto de situação do quadro
apoiando-os no aumento da sua capa- legal, institucional e de
cidade de arrecadação de receitas. A políticas públicas
este propósito, nota-se que o Governo
A Lei 9/1996 institucionalizou o Po-
prosseguiu com (i) a transferência
der Local, e reafirmou a importância
para os municípios da consignação e
dos princípios da descentralização
da responsabilidade de cobrança do
e desconcentração, no contexto da
Imposto sobre os Veículos (vulgo Ma-
reorganização do Estado. A Lei
nifesto) e (ii) a previsão legal das re-
2/1997 definiu o quadro jurídico para
ceitas municipais do Imposto Pessoal
a implementação da descentralização
Autárquico e sua actual cobrança.
política. A Lei 8/2003 aperfeiçoou as
Também se recomendou o aperfeiçoa- bases institucionais para a materiali-
mento das reformas de representação zação da desconcentração. Nelas, são
política e dos sistemas e procedimen- estabelecidos princípios e normas de
tos eleitorais. Na área de planificação organização, competências e funcio-
e participação comunitária, regista- namento dos Órgãos de Poder Local
ram-se progressos no que diz respeito e dos Órgãos Locais do Estado (Pro-
ao estabelecimento e instituciona- víncia, Distrito, Posto Administrativo
lização dos Conselhos Consultivos e Localidade).
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Num período de 15 anos (1998- Com prazos muito apertados que de-
2013), o país teve 43 autarquias locais viam ser alcançados em 12 meses, o
circunscritas às capitais provinciais, processo de transferência de compe-
cidades e vilas. Das 68 vilas, somente tências não ficou concluído. O Gover-
10 alardeiam o estatuto de autarquias no prorrogou o período de vigência
locais. A transformação dos Postos do Decreto 33/2006 para um prazo
Administrativos em autarquias locais indeterminado (Decreto 58/2009).
é muito mais lenta. Estima-se o A Lei 1/2008 aperfeiçoa o sistema
surgimento de novas autarquias locais tributário autárquico, transferindo
a partir das vilas, no quinquénio 2010- novos impostos para a gestão
2014. Até ao momento, nenhum posto autárquica: imposto autárquico de
administrativo transitou à categoria veículos, imposto autárquico de
de Autarquia Local. Seguindo este SISA, assim como sobre as tarifas e
ritmo lento, o país necessitará de taxas pela prestação de serviços ao
quase meio século para transformar nível local. Esta lei reduz o limite das
as vilas e postos administrativos transferências do governo central para
em Autarquias Locais. A Política e as autarquias locais, passando de um
Estratégia de Descentralização não máximo de 3% anuais (anteriormente
estabelece as metas para a conclusão estabelecidos na Lei 11/1997), para
da autarcização em Moçambique, o um limite máximo de 1,5% das receitas
que deixa um vazio na busca de metas fiscais (actualmente estabelecido na
para o processo. Lei 1/2008). No quadro da provisão
Através do Decreto 46/2003, o Go- de serviços públicos, as autarquias
verno definiu os procedimentos de serviram-se do Decreto 54/2005 que
transferência de funções e compe- depois de revogado, deu lugar ao
tências dos Órgãos do Estado para Decreto 15/2010 que regulamenta
as Autarquias Locais, no âmbito das o processo de Contratação de
atribuições enumeradas no artigo 6 da Empreitada de Obras Públicas,
Lei 2/97. O Decreto 33/2006, por seu Fornecimento de Bens e Prestação de
turno, estabelece o quadro de transfe- Serviços ao Estado.
rência de funções e competências dos A Lei 5/2007 estabelece o regime ju-
Órgãos do Estado para as Autarquias rídico-legal para a implementação das
Locais, no âmbito das atribuições1. Assembleias Provinciais, cujas elei-
ções se realizaram em Dezembro de
1
Através deste instrumento, foi estabelecido
que é da competência dos órgãos autárquicos comunicações, ii) estradas; iii) educação, cultura e
o planeamento, a gestão e realização de acção social; iv) saúde, v) ambiente e saneamento
investimentos nos domínios dos: i) transportes e básico; e vi) indústria e comércio.
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totais, enquanto menos de 35% são capital provincial (mais Nacala Porto
alocados para despesas de capital (in- e Maxixe - Decreto 52/2006) criavam
vestimento, serviços)3. A capacidade uma situação de coabitação territorial
dos municípios de planificarem estra- e institucional.
tegicamente, adoptarem metodolo- Uma análise global das relações inter-
gias para alargarem a base tributária governamentais confronta-nos com
(principalmente as receitas próprias), vários retrocessos associados a uma
aumentarem a capacidade de mobi- forte politização dos governos locais.
lização de recursos ou controlarem As autarquias locais ressentem-se de
a gestão das receitas e despesas, não uma forte influência político-partidá-
melhorou. O excessivo controlo do ria que esvazia o pressuposto legal e
governo central sobre os níveis locais teórico da autonomia que elas devem,
continua. Por exemplo: o imposto legalmente, gozar. Um caso inédito
autárquico de veículo automóvel e o na administração moçambicana e que
imposto do SISA foram transferidos constitui um desafio aos pressupostos
para os municípios, mas continuam teóricos da tutela administrativa e da
sendo parcialmente cobrados pelo autonomia das autarquias, verificou-
governo central. Além disso, as trans- se quando, em 2011, três presidentes
ferências do governo central (FCA, de conselhos municipais (Quelimane,
FIIL) constituem o grosso das recei- Pemba e Cuamba) viram-se forçados
tas das autarquias (aproximadamente pelos seus partidos políticos, a renun-
60% das receitas totais). ciarem à posição que ocupavam. As
dinâmicas que anteciparam aquelas
Tutela Administrativa renúncias revelaram existir na tute-
la administrativa moçambicana um
O relatório de 2008 denunciava que a
nível de controlo hierárquico muito
tutela administrativa foi confundida
elevado e alguma interferência do
com a noção de controlo hierárquico
governo central (Ministério da Admi-
e interferência dos níveis centrais so-
nistração Estatal), do Governo Pro-
bre o governo local. A introdução da
vincial e do partido no poder sobre
figura do administrador distrital e re-
os governos locais. A interferência e
presentante do Estado nas autarquias
o controlo do governo provincial nas
locais cujas circunscrições territoriais
assembleias municipais e as dificulda-
coincidem com os limites de cidade
des que os municípios da Beira e Que-
limane (ambos sob gestão e liderança
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Bernhard Weimer (Ed.), 2012, Moçambique: do MDM) têm na aprovação dos seus
Descentralizar o Centralismo. Economia Política, planos de actividades e orçamentos
Recursos e Resultados.
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Anti-Corrupção
Com o início da aprovação dos pro-
jectos de lei constantes do PLAC, em
2012, o desafio que se coloca é o da
implementação da referida legislação.
Por um lado, será o de verificar se os
órgãos do judiciário são suficiente-
mente equidistantes para aplicar a lei
sem olhar para os agentes que estejam
em causa e, por outro, se conseguem
resistir a pressões vindas de fora dos
órgãos para agirem num ou noutro
sentido. É que a reforma da legislação
em curso visa combater a grande
corrupção na vertente dos conflitos
de interesses, tráfico de influências,
enriquecimento ilícito, peculato e ma-
térias ligadas às declarações de bens,
em que os maiores prevaricadores
têm sido figuras ligadas à elite políti-
co – empresarial moçambicana.
Para tanto, o GCCC deve ser um
órgão verdadeiramente indepen-
dente. No actual quadro legal, esta
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todos os órgãos sociais, poderia haver 2 do artigo 245 da CRM], para efeitos
uma lista para cada órgão social, o de solicitação de apreciação de in-
que permitiria que os membros ele- constitucionalidade da norma contida
gessem o grupo que se apresentasse no número 6 do artigo 48 da CRM,
com o melhor perfil para cada tarefa que defere, para uma lei ordinária, o
social. Os integrantes dos conselhos usufruto deste direito fundamental, o
fiscais, funcionando eles como uma que, em boa verdade, esvazia a própria
espécie de auditores internos, devem CRM, uma vez que esta estabelece o
ter alguma capacidade técnica para imediatismo da aplicação das normas
avaliar as contas da organização, para sobre direitos fundamentais (número
que não se limitem a assinar o que, 1 do artigo 56), o que deve ser obri-
não poucas vezes, eles próprios não gatoriamente feito em harmonia com
percebem. a Declaração Universal dos Direitos
No âmbito do decorrente processo de Humanos (DUDH) e da Carta Afri-
revisão da Constituição da República, cana dos Direitos do Homem e dos
acha-se oportuno que a norma refe- Povos (CADHP), conforme reza o
rente ao direito à informação (artigo 48) artigo 43 da lei suprema.
seja revista por forma a tornar possível No que respeita à comunicação social,
o usufruto deste direito fundamental a “migração digital”, com Junho de
a partir da própria Constituição, sem 2015 como prazo mandatório para a
se depender da existência de uma lei televisão, existe um grande risco de os
ordinária, arquitectura que, de resto, órgãos de comunicação desse sector
tem contribuído para o adiamento do serem afectados pelo apagão, uma
usufruto de muitos direitos humanos vez que a “[chamada] ‘Estratégia’ ora
(por exemplo: direito à informação, em estudo não mostra como é que
direito à greve na função pública, di- o Governo está a preparar-se para
reito à réplica política, etc). Enquan- alcançar o que se pressupõe e como
to os que têm iniciativa de lei não o irá fazer”6, com o que o direito à
avançarem em prol da efectivação informação (na dimensão de acesso
do direito à informação, os próprios a conteúdos televisivos) do próprio
interessados no direito à informação cidadão será afectado.
(sociedade civil, académicos, jor-
nalistas, pesquisadores, etc) devem 6
Informação extraída do Relatório da
avançar proactivamente, recorrendo, Pesquisa sobre o Impacto da Migração Digital
da Radiodifusão no Acesso à Informação
por exemplo, ao Conselho Constitu- em Moçambique (Setembro de 2012),
cional, reunindo, para o efeito, duas comissionado pelo FORCOM e CEC, no âmbito
mil assinaturas [alínea g) do número da Componente “Acesso à Informação” do
Programa AGIR.
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2010. Para 2012, a previsão é de uma para este efeito, a créditos não con-
redução até 39,5% e para 2013 até cessionais.
32,8%, representando uma redução O país entra numa fase de transição
drástica da dependência do orçamen- com níveis de ajuda que vão diminuir,
to da ajuda externa nos últimos 2 e receitas de exploração dos recursos
anos. A ajuda externa ficou à volta de minerais que, a curto e médio prazos,
13% do PIB entre 2002 e 2010, mas continuarão a ser virtuais. Observa-se
o FMI prevê uma descida ate 5,7% que os indícios de redução da de-
em 2018. A OCDE relata níveis de pendência da ajuda externa criaram
apoio oficial (AOD) em relação ao um sentimento de alívio e quase de
Rendimento Nacional Bruto e nota a uma segunda independência. Mas
mesma estabilidade entre 2000 e 2010 a ajuda externa foi principalmente
(por volta de 22%), mas uma descida dirigida para os sectores sociais e
forte em 2011 para 16% (mantendo o serviços básicos e as novas fontes de
valor nominal de 2 biliões de Dólares financiamento externo são exclusiva-
Americanos). mente destinadas a infra-estruturas
As razões são várias. Mesmo sem que devem permitir a exploração das
reduzir os níveis de apoio em termos riquezas do país. Apresenta-se então
absolutos (só ligeiramente a partir de um desafio em manter e mesmo au-
2013), o Governo fez avanços consi- mentar o financiamento dos sectores
deráveis na arrecadação de receitas sociais e serviços básicos com menos
internas (um aumento de 13,5% do apoio, por um lado, e pressão para
PIB em 2008 para 23,5% em 2012). investir em infra-estruturas dispendio-
Em segundo lugar, a descoberta de sas, por outro 2.
gás na bacia de Rovuma e o início da
exploração de carvão em Tete, muda-
Desintegração da dependência
ram completamente as perspectivas.
mútua
Não só se projectam elevados ren-
dimentos de exportação de recursos Mesmo ficando sistematicamente
naturais, como se catapulta o Inves- abaixo dos resultados esperados do
timento Directo Estrangeiro a níveis apoio externo (visível nas avaliações
que ultrapassam o volume de ajuda anuais do quadro de desempenho do
(pela primeira vez em 2011). Alem apoio programático e nas múltiplas
disso, o país necessita de investir em
infra-estruturas (na maior parte em
parceria com grandes investidores 2
A alocação para os sectores de educação e saúde
estrangeiros) e, desde 2012, recorre, baixou de 34,8% do orçamento em 2006 para
25,8% em 2012.
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Admite-se que os objectivos e metas de muitos
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MINEC, Setembro 2011, Reflexão sobre
projectos não são realísticos, mas o quadro de as motivações de redução ou retirada de
desempenho do AGO é de consenso e cada vez financiamento dos parceiros de cooperação.
mais baseado nas propostas do governo. 5
MINEC, 2011, op. cit., p.21.
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Áreas prioritárias de
intervenção e reforma
A abrangência e robustez deste con-
trato social determina a influência que
o financiamento do desenvolvimento
tem na qualidade da governação. As
intervenções prioritárias, também
envolvendo a sociedade civil, devem
então visar reforçar as bases para o tal
contrato social. Possíveis pontos de
entrada são:
~~ melhorar as receitas internas
(i) evitando, monitorando e
denunciando a presença de
privilégios fiscais para grandes
investimentos e/ou membros
da elite local, e (ii) evitando,
monitorando e denunciando
possíveis fugas ilícitas de capi-
tal;
~~ melhorar o uso de fundos
do erário público através da
planificação participativa e
da monitoria sistemática dos
resultados das despesas;
~~ melhorar a capacidade de
gestão, em particular em tudo
o que tem a ver com a indústria
extractiva;
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Este Decreto no seu artigo único, al- Com efeito, a nova regra trazida pelo
tera o artigo 35, alínea d) do Regula- Decreto 50/2007 parece contrariar o
mento da Lei de Terras de 1998, es- artigo 250, n°1 da Constituição, que
tabelecendo que o processo relativo à estabelece o princípio da desconcen-
titulação do DUAT conterá “decisão tração, e viola os princípios da des-
burocratização e desconcentração
da entidade competente em função da
estabelecidos na Lei sobre os Órgãos
área, conforme definido na alínea a)
Locais do Estado (acima aflorados)13.
do n°1, alínea a) do n° 2 e alínea a) do
n° 3 do artigo 22 da Lei 19/97”. Desde que se aprovou o Decreto
50/2007, a titulação das áreas comu-
A regra do parágrafo precedente é,
nitárias que já era difícil, estagnou.
pois, recente. Com efeito, no Regu-
lamento da Lei de Terras, apenas se Na verdade, não há conhecimento de
impunha o Despacho do Governador terras comunitárias reconhecidas a
no reconhecimento ou titulação do partir dessa altura.
DUAT a favor das comunidades, não Um problema comum aos três proces-
interessando a dimensão da área11. sos administrativos é a ausência de um
No entanto, a disciplina actual, tra-
prazo formal que deve correr desde o
zida pelo novo decreto, estatui que a
início do procedimento até à tomada
decisão da entidade competente será
em função da área, o que levanta uma de decisão pela autoridade competen-
preocupação sobre a conformidade te. Existem práticas dos serviços de
ou não desta nova medida à Lei de cadastros que estabeleciam 90 dias, e
Terras de 199712. mais tarde 60 dias até à tomada de de-
cisão. A Lei 14/2011, em matéria de
prazos para a conclusão de um pro-
organizado pelo Centro de Formação Jurídica e
Judiciária do Ministério da Justiça, a Faculdade cesso administrativo, estabelece que o
de Direito da UEM, e a União Nacional dos procedimento deve ser concluído no
Camponeses (UNAC), de 17-19 de Outubro prazo de 25 dias, a menos que outro
de 2007, em Maputo. Ver síntese Final da
Conferência ( não publicado).
prazo decorra da lei ou seja imposto
11
Para a aquisição do DUAT via pedido, a Lei por circunstâncias excepcionais, e os
de Terras 19/97, no seu artigo 22, distribui as interessados devem ser informados da
competências em função da dimensão da área justificação pelo órgão da conclusão
requerida, assim: n° 1, alínea a) o Governador
Provincial autoriza pedidos de DUAT de áreas
do procedimento nos prazos legais e,
até 1000 hectares, ...n° 2, alínea a) o Ministro da sendo previsível, da data em que a re-
Agricultura autoriza pedidos de DUAT de áreas solução definitiva é tomada.
entre 1000 e 10000 hectares....e n° 3, alínea a) o
Conselho de Ministros autoriza pedidos em áreas
que ultrapassam o limite maximo do Ministro de 13
Chiziane, E. O retorno à concentração e
Agricultura.... centralização do Poder Administrativo em
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Chiziane, E. op. cit., p. 42. Moçambique, CIEDIMA, 2011, p. 41.
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Esta disciplina dos prazos da Lei nos locais onde não existam órgãos
n°14/2011 parece impor-se aos pro- municipais, autorizar pedidos de uso
cessos administrativos ligados à atri- e aproveitamento da terra nas áreas
buição ou reconhecimento de DUAT cobertas por planos de urbanização
nas áreas rurais. Assim, entendemos e desde que tenham serviços públicos
que se devem estruturar os diferentes de cadastro” (art. 23).
actos e formalidades que antecedem Assim, notamos que o legislador esta-
a decisão, dentro do prazo de 25 dias. beleceu duas condições prévias para a
A dupla atribuição de DUAT repre- atribuição com validade de um DUAT
senta outro grave problema ao nível nas vilas e cidades/municípios: a exis-
da gestão pública da terra no país. Vá- tência de um Plano de Urbanização
rios órgãos de informação referem-se e de um Serviço de Cadastro. A atri-
de uma forma sistemática a este pro- buição de DUAT em conflito com o
blema. Por exemplo, o Diário de Mo- artigo 23 acima referido torna o acto
çambique de 17 de Outubro de 2012, jurídico em questão invalidado.
página 3, intitula um dos seus artigos Hoje a administração da terra é con-
“Zona turística da praia de Xai-Xai: frontada com a multiplicidade de
Dupla atribuição de terra inviabiliza organismos públicos que têm atri-
construção de casas para magistra- buições e competências na gestão da
dos”. E, na sequência disso, o gover- terra, por exemplo: o Ministério da
nador Raimundo Diomba cancela Agricultura, Ministério do Ambien-
lançamento da primeira pedra. te, Ministério dos Recursos Minerais,
Regra geral, a dupla ou múltipla atri- Governador Provincial, Adminis-
buição da terra resulta da acção da trador Distrital, Presidente do Con-
autoridade administrativa, situação selho Municipal, etc. Esta situação
que resulta da fraca capacidade do gera conflitos positivos e negativos de
Estado de gerir convenientemente a competências entre os referidos orga-
terra. A dupla atribuição da terra ori- nismos.
gina conflitos que vão opor os sujeitos Tomemos, como exemplo, a confron-
que adquiriram o DUAT entre si, e tação das funções de coordenação
aquelas e a autoridade administrativa do “ordenamento do territorial”, do
que atribui a terra. “planeamento territorial” e do “sis-
Com efeito, a Lei de Terras dispõe tema de gestão territorial”, por um
que “Compete aos Presidentes dos lado; e a função de “atribuição da pe-
Conselhos Municipais e de Povoação didos sobre a terra”, por outro. Ora,
e aos Administradores de Distritos, a Lei do Ordenamento do Território
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ou neutralização dos danos por si que não seja acompanhado pela cor-
causados. respondente capacidade de controlo e
A actividade de extracção ilegal do de fiscalização põe em causa a própria
ouro deve ser estancada e estritamente continuidade dos recursos naturais,
controlada, por via do poder coercivo com graves prejuízos económicos,
estatal, na medida em que, como ficou sociais e ambientais. Isto é, sem um
demonstrado anteriormente, quando sistema de fiscalização eficiente,
desenvolvida sem que estejam asse- dinâmico, abrangente, motivado e
gurados os mecanismos de prevenção preventivo, toda a sustentabilidade
dos impactos negativos ao ambiente, fica comprometida, pondo em risco
as consequências que dai advêm são, a continuidade dos recursos naturais.
em muitos casos, irreversíveis. Tais Para o efeito, importa criar melhores
são os casos dos inúmeros danos que condições para que a fiscalização seja
o mercúrio causa à saúde das pessoas, efectiva, o que passa necessariamen-
e ao sistema hídrico público, tendo te pela afectação de mais recursos
sempre em linha de atenção que o ser humanos bem capacitados, recursos
humano é componente importantís- materiais e financeiros.
sima do ambiente, não descurando Se é verdade que o modelo legislativo
que se deve ter em linha de conta que em vigor, que rege o garimpo, não é
o ambiente deve ser sempre visto de perfeito, sobretudo quando compa-
maneira integrada. rado com o disposto na legislação
Uma última recomendação ao nível ambiental, é igualmente verdade que,
institucional é a necessidade de ga- se fosse plenamente observado, ga-
rantir a participação inclusiva para se rantindo-se a devida fiscalização per-
aferir os indicadores de boa governa- manente, traduzir-se-ia num cenário
ção e desenvolvimento sustentável do totalmente diferente do actual – no
país, com realce para os locais onde se qual o garimpo está a ser realizado à
desenvolvem as actividades ou onde custa de uma grave degradação am-
se encontra o empreendimento, pois biental, da produção de danos contra
nada adianta um país possuir um PIB a saúde pública e de enormes prejuí-
altíssimo se as pessoas e a sociedade zos na economia nacional resultantes
que compõem esse país sofrem várias da perda de receitas significativa nas
formas de exclusão social, nomeada- modalidades de taxas de licenciamen-
mente, a pobreza. to/comercialização e de impostos
sobre a actividade mineira.
Em termos legais, é preciso realçar
que o licenciamento de actividades Ademais, o licenciamento não deve-
rá ser feito, portanto, sem que haja
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definição do sector público que vai até 90 dias após a sua nomeação,
para além da Administração Pública que constitui a base para a avaliação
central e descentralizada e inclui do seu desempenho. As EPs
entidades autónomas como o Banco também estão sujeitas à análise da
de Moçambique, institutos públicos e sua sustentabilidade económica e
o sector empresarial do Estado, este financeira, assim como da eficiência,
também objecto de um dispositivo eficácia e economicidade da sua
legal recente a ser descrito adiante. gestão. As EPs passam a ter uma
A LPA traz uma visão mais ampla dupla tutela, sectorial e financeira.
da gestão pública que responde ao A sectorial, dentre outros aspectos,
contexto actual de desmonopolização aprova os estatutos, enquanto à
da gestão pública pelo Estado, em que financeira, exercida pelo Ministério
existem entidades estatais que não fa- das Finanças, cabe a participação na
zem parte da Administração Pública aprovação dos contratos programa,
directa, mas que estão a prestar algum dar parecer sobre mudanças ou
serviço público, como os concessioná- encerramento de delegações e
rios e instituições particulares. Dentre representações e dos estatutos das
os aspectos de destaque que a LPA EPs.
apresenta está o direito de participa- Além destes aspectos, na governação
ção dos cidadãos e as formas da sua das EPs foi introduzida a obrigatorie-
efectivação na Administração Públi- dade de o Conselho Fiscal se pronun-
ca, a cooperação entre a Administra- ciar sobre as contas de gerência, a exis-
ção Pública e os cidadãos e os direitos tência de órgãos de auditoria interna
de estes participarem e contribuírem e a realização regular de controlo
na formação da vontade daquela. externo por auditores independentes,
Ainda no âmbito da organização e seleccionados por via de um concur-
governação do sector público, foi so público e numa base rotativa, e a
aprovada a lei das empresas públicas possibilidade de o Tribunal Admi-
(EPs; Lei 6/2012 de 8 de Fevereiro), nistrativo (TA) auditar as contas das
cuja concepção traz de forma mais EPs. Estas passam ainda a submeter o
incisiva as preocupações com os relatório das suas contas de gerência
mecanismos de funcionamento ao TA, que sobre elas passa a exercer
e governação interna destas a fiscalização sucessiva. Ademais, o
organizações. Ao abrigo da nova desempenho económico-financeiro
lei, os Presidentes dos Conselhos das EPs passa a ser incluído na Conta
de Administração (PCAs) devem Geral do Estado e, por esta via, pode
apresentar um contrato-programa ser fiscalizado pela Assembleia da
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Este relatório foi elaborado com o apoio das seguintes entidades de cooperação internacional: