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FICHA INFORMATIVA

PORTUGUÊS

“Sermão de Santo António aos Peixes”

ESTRUTURA DO SERMÃO
EXÓRDIO Introdução Conceito predicável: “Vós sois o sal da terra.”; “Santo António foi o sal da Cap. I
terra e foi o sal dos mares.”

Em geral: “Ao menos têm os peixes duas qualidades de


ouvintes: ouvem e não falam.” “Começando
pois, pelos vossos louvores (…) vós fostes
as primeiras criaturas que Deus criou.”
“… a primeira que se me oferece aos olhos Cap. II
hoje é aquela obediência…”
“… antes louvo este seu retiro…” E
LOUVORES
Em particular: santo peixe de Tobias Cap. III
“Descendo ao rémora
particular” torpedo
quatro-olhos
EXPOSIÇÃO Desenvolvi-
mento
E Em geral: “… assim como ouvistes os vossos
louvores, ouvi também agora as vossas Cap. IV
CONFIRMAÇÃO repreensões.”
“… é que vos comeis uns aos outros…” E
REPREEN-
SÕES
Em particular: roncadores Cap. V
“Descendo ao voadores
particular” pegadores
polvo

PERORAÇÃO Conclusão “Com esta última advertência vos despido, ou me despido de vós, meus Cap. VI
peixes.”

Conteúdos essenciais do “Sermão”:

 Foi pregado em 1654, no Maranhão, na igreja e em dia de Santo António;

 A construção do sermão assenta numa estrutura argumentativa:


1.º tese (argumentos, provas, exemplos);
2.º progressão temática e lógica dos argumentos;
3.º técnica do discurso: interrogação retórica, paralelismo, comparação,
hipérbole, alegoria…

 Estratégias seguidas pelo orador:


- alusões e subentendidos;
- processos de influência sobre o destinatário;
- discurso engenhoso: riqueza e diversidade
vocabular, gosto pelo jogo da palavra;
- sátira dos vícios e louvor das virtudes.
 Parte da epígrafe ou conceito predicável: “Vós sois o sal da terra.” (S. Mateus,
5);

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 Em termos de classificação, é um sermão alegórico, porque surge construído
sobre um conjunto de alegorias. O pregador, desde o início, finge pregar não aos
homens, mas aos peixes, louvando-lhes as virtudes e criticando-lhes os vícios e
defeitos. Este foi um estratagema encontrado pelo orador para prender a atenção
dos ouvintes. Para além disso, apresenta-nos, no início do sermão, a alegoria da
vida colonial em conjunto, seguindo-se uma série de alegorias (espécies de
peixes) que representam os vários tipos de colonos mais suscetíveis de
caricatura. Portanto, o sermão apoia-se numa estrutura argumentativa que parte
do geral (vida colonial) para o particular (tipos de colonos).

Vieira é simultaneamente um missionário e um


militante social.

 A obra reflete a fina ironia do pregador e visa a crítica social da exploração vista
como uma espécie de “universal antropofagia”: o facto de os homens, tal como
os peixes, se comerem uns aos outros e em que os pequenos são o pão
quotidiano dos grandes;

 A obre insere-se no contexto da sua luta empenhada contra os abusos dos


colonos brasileiros na exploração dos pequenos (índios, escravos…);

 Trata-se de um sermão barroco pelo jogo de ideias e conceitos engenhosos, e


também pela perfeição absoluta da forma como alguns jogos de palavras são
feitos. No entanto, não se trata de um discurso obscuro, pois visa sempre um fim
didático, ou seja, moralizar, corrigir os costumes. O sermão foi suficientemente
claro, de tal modo que o pregador teve de embarcar para Lisboa como “persona
non grata” aos olhos dos colonos, que o tinham escutado e entendido
perfeitamente.

Estrutura do sermão:

 Cap. I – Exórdio:
- parte-se do conceito predicável “Vós sois o sal da terra.”;
- a palavra “sal” encerra um significado profundo, surgindo,
na
obra, metaforicamente;
- o pregador é aquele que, pela sua boca, prega a palavra de
Cristo; assim, a palavra “sal” simboliza a palavra Deus;
- o pregador vai, então, lançar o sal, que é a palavra que Deus
lhe confiou;
- o pregador simboliza o sal da terra e tem a tarefa de
impedir a corrupção;
- causas:
- ou o sal não salga (a palavra não foi passada);
- ou a terra não se deixa salgar (a mensagem não está a
ser seguida);

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- conclusão: a terra não se deixa salgar, ou seja, os
colonos não estão a seguir a mensagem de paz e amor
de Deus, uma vez que se aproveitam e maltratam os
seus trabalhadores e escravos;
- perante esta situação, o que fazer? Deitar o sal fora,
como inútil, ou fazer como Santo António e pregar
aos peixes?

Conceito predicável: “Vós sois o sal da terra.”

os pregadores a doutrina os ouvintes

os ouvintes meio de evitar a corrupção o povo

o povo

A terra está corrompida A terra está corrompida


ou ou
porque o sal não salga porque a terra não se deixa salgar

a) os pregadores não pregam a verdadeira a) os ouvintes não querem receber a


doutrina; verdadeira doutrina;
b) os pregadores dizem uma coisa e fazem b) os ouvintes querem imitar o que os
outra; pregadores fazem e não o que eles dizem;
c) os pregadores pregam-se a si mesmos e c) os ouvintes querem servir os seus
não a Cristo. apetites em vez de servir a Cristo.

O que se há de fazer ao sal que não salga? O que se há de fazer à terra que não se
deixa salgar?

Resposta de Cristo Resposta de Santo António


a) lançado fora como inútil; a) mudou o púlpito;
b) calcado pelos homens. b) mudou o auditório.

 Cap. II – Confirmação:
- louvores:
- os peixes foram as primeiras criaturas criadas
por Deus e foram os primeiros a serem
nomeados, quando Deus deu ao Homem o
domínio dos animais;

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- são os mais numerosos e os maiores.
- virtudes que resultam do verdadeiro louvor:
- obediência;
- não se domam nem se domesticam como todos
os
animais.

Propriedades do sal Propriedades da pregação de Santo António

a) conservar o são; a) louvar o bem;


b) preservar a corrupção. b) repreender o mal.

Finalidade do sermão Finalidade do sermão

Louvar as virtudes dos peixes Repreender os vícios dos peixes

Virtudes que dependem sobretudo de Deus Virtudes naturais dos peixes


- foram as primeiras criaturas criadas por Deus; - não se domam;
- foram as primeiras criaturas nomeadas pelo - não se domesticam;
homem; - escaparam todos do dilúvio, porque
- são os mais numerosos e os maiores; não tinham pecado.
- obediência, quietação, atenção, respeito e
devoção com que ouviram a pregação de Santo
António.

Animais que se domesticam Animais que vivem presos


Cavalo, boi, bugio, leões, tigres, aves que se Rouxinol, papagaio, açor, bugio, cão,
criam e vivem com os homens, papagaio, boi, cavalo, tigres e leões.
rouxinol, açor, aves de rapina.

 Cap. III – Confirmação:


- o pregador desce do geral ao particular:
- fala do peixe de Tobias e dos moradores do
Maranhão: a rémora, o torpedo e o quatro-
-olhos;
- os peixes são companheiros do jejum e da
abstinência dos justos;
- as sardinhas são o sustento dos pobres.

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Peixe de
Rémora Torpedo Quatro-olhos
Tobias
-o fel sara a -pequena no -energia. -dois olhos olham
cegueira; corpo; para cima;
Virtudes -o coração lança -grande na força -dois olhos olham
fora os demónios. e no poder. para baixo.
-sarou a cegueira -pegou-se ao -faz tremer o -defende-se dos
do pai de Tobias; leme de uma nau; braço do pescador; peixes;
Efeitos -lançou fora os -prende a nau e -não permite -defende-se das
demónios. amarra-a. pescar. aves.
Peixe de Tobias e Rémora e Santo Torpedo e Santo Quatro-olhos e
Santo António António António pregador

Comparação -alumiava e curava -a língua de -22 pescadores -o peixe ensinou o


a cegueira dos Santo António tremeram, pregador a olhar
ouvintes; domou a fúria das ouvindo as para o Céu (para
-lançava os paixões humanas: palavras de Santo cima) e para o
demónios fora de soberba, António e Inferno (para
casa. vingança, cobiça, converteram-se. baixo).
sensualidade.

 Cap. IV – Confirmação:
- desigualdade social: exploração dos maiores e dos
mais ricos (os colonos) em relação aos pequenos (“Os
peixes comem-se uns aos outros.”);
- crítica à vaidade, à ostentação do homem (“É loucura
desperdiçar a vida por dois retalhos de pano.”), à ganância
(aproveitamento da morte de familiares) e hipocrisia;
- ideia de castigo divino em relação à conduta dos
colonos;
- apela-se ao bem comum e à igualdade social.

1.ª repreensão: Os peixes comem-se uns aos outros. Ou seja, Os homens


comem-se uns aos outros.

a) Apelo à observação:

Vedes:
- todo aquele bulir;

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- todo aquele andar;
- aquele concorrer e cruzar;
- aquele subir e descer;
- aquele entrar e sair.

Tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de


comer e como se hão de comer.

b) Exemplificação:

Alguém que morreu Algum réu em julgamento


Comem-no os herdeiros Come-o o meirinho
Comem-no os testamenteiros Come-o o carcereiro
Comem-no os legatários Come-o o escrivão
Comem-no os credores Come-o o solicitador
Comem-no os oficiais dos defuntos e os Come-o o inquiridor
ausentes Come-o o médico
Come-o o advogado Come-o a testemunha
Come-o o sangrador Come-o o julgador
Come-o a mulher
Come-o o coveiro
Come-o o tocador dos sinos
Comem-no os padres
Conclusão Conclusão
Ainda o não comeu a terra e já o tem Ainda não está executado nem
comido toda a terra. sentenciado e já está comido.

c) Amplificação:
- os peixes/homens comem os mais pequenos;
- os peixes/homens comem não só o povo, mas a sua
plebe;
- os peixes/homens não só os comem, mas engolem-nos
e devoram;
- os homens devoram e comem como pão.

2.ª repreensão: A ignorância e a cegueira dos peixes. Ou seja, A ignorância e a


cegueira dos homens.

a) Comparação/Exemplificação:

Peixes Homens
Deixam-se iludir por pouco e não pensam. Deixam-se iludir por vãs riquezas (“dois
retalhos de pano”) e não pensam.
Conclusão
Sucumbem às suas ilusões

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b) Amplificação: Os homens deixam-se encantar pelo aspeto exterior e
arruínam-se por causa disso (dívidas).

 Cap. V – Confirmação:

Peixes (colonos) Vícios Argumentos Exemplos de homens


-pequenos, mas com
Soberba muita língua; facilmente Pedro
Orgulho pescados; Golias
Roncadores Arrogância -os peixes grandes têm Caifás
Gabarolice pouca língua; Pilatos
-muita arrogância, pouca
firmeza.
-vivem na dependência
dos grandes e morrem
Parasitismo com eles; Toda a família da
Pegadores social -os grandes morrem, corte de Herodes
porque comeram; os Adão e Eva
pequenos morrem sem
terem comido;
-foram criados peixes e
Presunção não aves;
Capricho -são pescados como Simão mago
Voadores
Ambição peixes e caçados como
aves;
-morrem queimados.
Traição -ataca sempre de
Polvo Dissimulação emboscada, porque se Judas
Hipocrisia disfarça.
Falsidade

É muito diferente de Santo António, porque:


- tendo tanto saber e tanto poder, não se orgulhou disso, antes se
calou. Não foi abatido, mas a sua voz ficou para sempre;
- pegou-se com Cristo a Deus e tornou-se imortal;
- tinha duas asas: a sabedoria natural e a sabedoria sobrenatural.
Não as usou por ambição; foi considerado leigo e sem ciência,
mas tornou-se sábio para sempre;

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- foi o maior exemplo de candura, de sinceridade e verdade, onde
nunca houve mentira.

Alegoria do polvo:
- o polvo merece um destaque especial, não só por ser o
último peixe a ser analisado, mas, sobretudo, por causa dos seus defeitos graves:
“aparência tão modesta e hipocrisia tão santa.”;
- traduz tão somente a aparente simplicidade e inocência, que
encobre uma terrível realidade; é de notar que, nesta fase, o recurso estilístico mais
usado é a ironia
o polvo apresenta um ar tão santo, mas encobre uma realidade fria;
usa uma máscara de fingimento inofensivo.

- recurso traiçoeiro do polvo: o mimetismo, ou seja, tem a


capacidade de adquirir a cor do local onde se encontra para assim passar despercebido e
evitar que as suas presas fujam.

Polvo vs camaleão

O mimetismo é um artifício para O mimetismo é um artifício de defesa


atacar os peixes mais distraídos. contra os agressores.

Judas e o polvo:
- ambos são traidores, mas Judas apenas denunciou Cristo,
a traição de Judas é abraçando-o, não o prendeu;
de grau inferior à do - o polvo abraça e prende.
polvo

 Cap. VI – Peroração (conclusão):

- os peixes foram excluídos dos sacrifícios, pois, quando se


apresentam no altar, já vêm mortos e não se pode oferecer coisa
morta a Deus;
- também muitos homens chegam a Deus mortos, porque a vida
deles está repleta de pecados;
- é preferível não chegar ao sacrifício que do chegar morto (com
pecados).

Animais Peixes Homens


-foram escolhidos para os -não foram escolhidos para -os homens também
sacrifícios; os sacrifícios; chegam mortos ao altar,
-podiam ir vivos para os -só poderiam ir mortos; porque vão em pecado
sacrifícios; Deus não quer lhe mortal; assim, Deus não os
-ofereçam a Deus o ser ofereçam coisa morta; quer.
sacrificado; -ofereçam a Deus não ser
-ofereçam a Deus o sangue sacrificados;
e a vida. -ofereçam a Deus o

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respeito e a obediência.

Orador Peixes
-tem inveja dos peixes; -têm mais vantagens do que o pregador:
-ofende a Deus com palavras;  a sua natureza é melhor que a razão do
-tem memória; orador;
-ofende a Deus com o  não ofendem a deus com a memória;
pensamento;  o seu instinto é melhor que o livre arbítrio do
-ofende a Deus com a vontade; orador;
-não atinge o fim para que Deus  não falam;
o criou;  não ofendem a deus com o pensamento;
-ofende a Deus.  não ofendem a deus com a vontade;
 atingem sempre o fim para que Deus os
criou;
-não ofendem a Deus.

Linguagem e estilo de Padre António Vieira:

 Função apelativa da linguagem (apóstrofe, pontuação expressiva com muitas


interrogações e exclamações, antíteses, repetições anafóricas e paralelísticas,
enumerações, comparações, metáforas, gradações, hipérboles e alegorias);
 Uso de imagens bíblicas; uso do raciocínio lógico, notando-se um vigor na
argumentação e poder de convicção, clareza e precisão na linguagem;
 Ritmo oratório.

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