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Contextualização do Sermão
I. Introdução e Estrutura
A lei promulgada na colónia, regulando a liberdade dos índios e suas restrições foi
encoberta até sua quase completa inutilidade. O jesuíta, reconhecendo-a ineficaz, enquanto
não fosse evitada a intervenção civil na cristianização e civilização dos índios (selvícolas).
Ele procurou obter a assinatura de todos os principais da cidade de São Luís do Maranhão
afetos à Companhia, para uma representação a dirigir ao Rei. Logo que os colonos tiveram
do caso conhecimento, houve alarido breve, e é nesse momento que Vieira, do alto do seu
púlpito de pregador, tece duras críticas aos seus inimigos e inimigos dos índios.
A causticidade da ironia, a expressividade dos símbolos, o poder de observação no
descritivo, com trechos de imortal beleza clássica, o relevo, o brilho, a graça da linguagem,
até a própria orgânica do sermão – primeiro a alegoria da vida colonial em conjunto, depois
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In: António Sérgio e Hernâni Cidade, Prefácio de Sermões do Padre António Vieira (adaptado)
Estrutura1
Est. Interna Est. Ext.
“Conceito predicável”: “Vós sois o sal da Terra” – Santo António foi sal da
Exórdio Introdução I
terra e sal do mar.
“Ao menos têm os peixes duas qualidades
de ouvintes: ouvem e não falam”.
“Começando, pois, pelos vossos louvores II
Exposição (…) vós fostes as primeiras criaturas que
Em geral: Deus criou.”
“(…) a primeira que se me oferece aos
Louvores olhos hoje é aquela obediência (…)”
“(…) antes louvo este seu retiro (…)”.
Este Sermão (“Pregado na cidade de São Luís do Maranhão, ano de 1654, (que todo
é alegórico) pregou o Autor antes de se embarcar ocultamente para o Reino, a procurar o
remédio da salvação dos índios. Vos estis sal terrae (São Mateus, 5) ‘Vós sois o sal da terra’,
Sermão de Santo António aos Peixes).
Como o próprio Padre António Vieira o afirma, a alegoria é a figura de estilo que
domina todo o Sermão. A alegoria compara uma realidade de carácter abstrato com um
termo metafórico sempre concreto, visível e, frequentemente, uma personificação. No caso
deste Sermão, Padre António Vieira compara a cidade de São Luís do Maranhão com uma
colónia de peixes. Num caso mais simples, uma alegoria é termos a personificação de um
anjo para o Bem e de um Diabo para o Mal.
1 In: GUERRA, João Augusto da Fonseca e VIEIRA, João Augusto da Silva, Aula Viva, Português A, 11º Ano, Porto Editora, p. 48.
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Capítulo I
Capítulo II
O Sermão é uma alegoria, porque os peixes são metáfora dos homens, as suas
virtudes são por contraste metáfora dos defeitos dos homens e os seus vícios são
diretamente metáfora dos vícios dos homens. 0 pregador fala aos peixes, mas quem escuta
são os homens. Os peixes ouvem e não falam. Os homens falam muito e ouvem pouco.
O pregador argumenta de forma muito lógica. Partindo de duas propriedades do sal,
divide o sermão em duas partes: o sal conserva o são, o pregador louva as virtudes dos
peixes; o sal preserva da corrupção, o pregador repreende os vícios dos peixes.
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Para cumprir o seu objetivo, ele utiliza articuladores do discurso (assim, pois…),
interrogações retóricas, anáforas, gradações crescentes, antíteses, entre outros; demonstra
as afirmações que faz tirando partido do contraste entre o bem e o mal, referindo palavras
de S. Basílio, de Cristo, de Moisés, de Aristóteles e de St. Ambrósio, todas referidas aos
louvores dos peixes. Confirma-as com vários exemplos: o dilúvio, Santo António, Jonas e os
animais que se domesticam.
Os peixes não foram castigados por Deus no dilúvio, sendo, por isso, exemplo para
os homens que pouco ouvem e falam muito, pouco respeito têm pela palavra de Deus.
Neste ponto, evidencia-se que os animais que convivem com os homens foram
castigados, estão domados e domesticados, sem liberdade. Por sua vez, Santo António foi
muito humilde, aceitando sem revolta o abandono a que foi votado por todos, ele que
conhecia a sua sabedoria. O pregador pretende condenar os homens que possuem vícios
opostos às virtudes dos peixes.
Convém referir que o discurso é pregado; por isso, envolve toda a pessoa do orador.
Os gestos, a mímica, a posição do corpo - a linguagem não verbal - têm um lugar importante
porque completam a mensagem transmitida.
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Capítulo III
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Conclusões: primeira, os homens pescam muito e tremem pouco; segunda, "Se eu pregara
aos homens e tivera a língua de Santo António, eu os fizera tremer."; terceira, "… se tenho fé
e uso da razão, só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo". Os
peixes são o sustento dos membros de várias ordens religiosas. Há peixes para os ricos e
peixes para os pobres. Esta distinção tem por finalidade criticar a exploração dos ricos sobre
os pobres.
Capítulo IV
Para comprovar a tese de que os homens se comem uns aos outros, o orador usa
uma lógica implacável, apelando para os conhecimentos dos ouvintes e dando exemplos
concretos. Os seus ouvintes sabiam a verdade do que ele afirmava, pois conheciam que os
peixes se comem uns aos outros, os maiores comem os mais pequenos. Além disso, cita
frequentemente a Sagrada Escritura, em que se apoia. As conclusões são implacáveis, pois
são fruto claríssimo dos argumentos usados.
O ritmo é variado: lento, rápido e muito rápido. Quando as frases são longas, o ritmo
é repousado; quando as frases são curtas, quando se usam sucessivas anáforas nessas
frases, o ritmo torna-se vivo, como acontece no exemplo do defunto e do réu. Uma das
características do discurso de Vieira é a mudança de ritmo, que prende facilmente os
ouvintes.
A repetição da forma verbal "vedes", que deverá ser acompanhada de um gesto
expressivo, serve para criar na mente dos ouvintes (e dos leitores) um forte visualismo do
espetáculo descrito. O uso dos deícticos demonstrativos tem por objetivo localizar os atos
referidos, levando os ouvintes a revê-los nos espaços onde acontecem. A substantivação do
infinitivo verbal está também ao serviço do visualismo. O verbo deixa de indicar ação
limitada para se transformar numa situação alargada. Há uma passagem semelhante no
momento em que o orador refere a necessidade de o bem comum prevalecer sobre o apetite
particular: "Não vedes que contra vós se emalham…".
O orador expõe a repreensão e depois comprova-a como fez com a primeira
repreensão: dá o exemplo dos peixes que caem tão facilmente no engodo da isca, passa em
seguida para o exemplo dos homens que enganam facilmente os indígenas e para a
facilidade com que estes se deixam enganar. A crítica à exploração dos negros é cerrada e
implacável. Conclui, respondendo à interrogação que fez, afirmando que os peixes são muito
cegos e ignorantes e apresenta, em contraste, o exemplo de Santo António, que nunca se
deixou enganar pela vaidade do mundo, fazendo-se pobre e simples, e assim pescou muitos
para salvação.
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Capítulo V
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Capítulo VI
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Uma das questões que se colocam frequentemente sobre a obra Frei Luís de Sousa,
de Almeida Garrett, é se esta se encontra mais próxima da tragédia ou do drama.
Garrett disse que o conteúdo de Frei Luís de Sousa tem todas as características de
uma tragédia. No entanto, chama-lhe drama, por não obedecer à estrutura formal da
tragédia.
Frei Luís de Sousa é uma tragédia porque:
• as personagens desafiam o destino: Madalena casa com Manuel de Sousa Coutinho
sem ter a certeza de que o primeiro marido está morto e Manuel incendeia o seu palácio
para não receber os governantes castelhanos;
• o sofrimento e a aflição das personagens vai-se acentuando, à medida que a ação
progride e atinge também os “inocentes” (Maria, a filha);
• há uma mudança repentina na ação, desencadeada por alguém que vem de fora,
sucedendo o “reconhecimento”: o Romeiro é identificado como D. João de Portugal, o
primeiro marido de D. Madalena;
• a partir deste momento, é impossível evitar a “catástrofe”: as consequências
terríveis que atingem todos os que estão próximos de quem desafiou o Destino: Maria morre
e os pais “morrem para o mundo”, vão para o convento;
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Este subgénero dramático foi doutrinado por Victor Hugo, grande escritor
romântico francês. O drama corresponde à valorização do Homem como brinquedo não do
destino, mas das suas próprias paixões. Desta forma, pretende ser uma aproximação da
realidade, por isso mistura o sublime com o grotesco, a alegria com a tristeza, visto que a
vida real é assim constituída.
O drama romântico é escrito em prosa e a personagem do coro da tragédia clássica
desaparece.
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Personagens
Manuel de Sousa Coutinho – segundo marido de Madalena, ama a esposa; pai de Maria; teme
que a saúde débil da sua filha progrida para uma doença grave; decidido, patriota (incendeia
o seu palácio porque este iria ser ocupado pelos governadores espanhóis); sofre, sente
remorsos ao pensar na cruel situação em que ficará a sua querida Maria; amor paternal.
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tinha família, não tinha lugar na sociedade, tinha morrido para todos, não fazia sentido
“regressar dos mortos”.
D. Madalena – viúva de D. João de Portugal; casa com Manuel de S. Coutinho; nasce Maria,
filha de Manuel; angustiada em relação à situação insegura do seu casamento; remorso por
ter gostado de Manuel de Sousa enquanto era ainda casada com D. João; inquietação em
relação a Manuel de Sousa e a Maria; insegurança e hesitação; profunda, feminina; mulher
para as lágrimas e para o amor, ela sofre e sofrerá sempre, porque a dúvida não a deixará
ser feliz; perfil romântico; solidão.
Telmo Pais – escudeiro de família dos condes Vimioso, anseia pela volta de D. João, mas
sofre, pois esta tirará a tranquilidade da sua "menina”; sofre porque é forçado a ver o seu
velho amo como um intruso que nunca deveria ter vindo; por amor a Maria, dispõe-se a
declarar o Romeiro como um impostor; fiel, confiante, desentendido, supersticioso,
sebastianista, humilde, enorme sabedoria.
A crença do sebastianismo
O mito sebastianista está espalhado por toda a obra. Logo no início, Madalena afirma
a Telmo "mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei
de D. Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda quis acreditasse que morresse, por
quem ainda espera em sua leal incredulidade!".
No sebastianismo, como ele é representado em Frei Luís de Sousa, por Telmo e Maria,
reside somente na crença de que o Rei ao voltar conduzirá a uma época mundial do direito
e da grandeza, a qual será última no plano de salvação dos Homens.
• «Sexta-feira» e a sua carga semântica negativa; dia considerado aziago e fatal para
Madalena; coincidência ou não, todos os acontecimentos marcantes da vida de Madalena
ocorreram a uma sexta-feira: primeiro casamento, primeiro encontro com Manuel, Batalha
de Alcácer Quibir e desaparecimento de D. João, regresso de D. João;
• Ambiente crepuscular/noturno, caracteristicamente romântico.
• A preferência pelos ambientes noturnos, característica romântica, pode simbolizar
a morte que se abaterá sobre a família.
• A permanência do número 7:
- 7 anos de procura de D. João;
- 14 anos de casamento com Manuel de Sousa Coutinho (7+7);
- 21 anos desde o desaparecimento de D. João (7+7+7).
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A atmosfera
O tempo
Tempo histórico: conjunto de referências a acontecimentos reais que conferem cor epocal
ao texto e que permitem a sua inserção numa determinada época. No Frei Luís de Sousa
encontramos referências a:
1. Batalha de Alcácer Quibir (4 de Agosto de 1578);
2. Reforma - meados do séc. XVI;
3. Governação por Castela, D. Filipe II de Espanha, I de Portugal, aclamado rei em 1580, pelo
que se conclui que a ação representada se situa nos finais do século XVI, início do século
XVII.
Tempo representado: tempo que medeia entre o início e o fim da ação representada. Assim,
através das falas das personagens, conclui-se que os Atos I e II estão separados por oito dias
e que entre os Atos II e III, decorrem apenas algumas horas. Logo, o tempo representado
será de oito dias (e mais algumas horas...).
Tempo da diegese dramática: tempo global referido no texto dramático. Nesta obra, será
definido a partir da Batalha de Alcácer Quibir (4 de Agosto de 1578) referida por D.
Madalena na cena 10 do Ato II. Assim, assume especial importância para a definição dos
limites da diegese dramática a cena 2, do Ato I.
Conclusão: Após o estudo do tempo, pode-se concluir que, no Frei Luís de Sousa, não há
respeito pela unidade de tempo, regra básica das tragédias clássicas (a ação dever-se-ia
desenrolar em doze ou vinte e quatro horas, facto que ajudava à construção da tensão
dramática), mas que a concentração temporal progressiva (vinte e um anos – catorze anos
– sete anos – oito dias – um dia, cinco horas da madrugada) constitui um dos elementos
fundamentais para a estruturação dessa mesma tensão dramática. De facto, existe um
afunilamento temporal que reduz as hipóteses de «saída» para as personagens que ficam
presas numa espécie de rede da qual a única fuga possível é a morte (física ou psicológica).
O espaço
ATO I
Palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada: num primeiro momento este espaço
simboliza a paz e a aparente harmonia que domina a família. No entanto, o incêndio (final
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ATO II
Palácio de D. João de Portugal, também em Almada: este salão está imbuído de uma forte
carga simbólica, não só pela quase ausência de luz pressagiadora da catástrofe final, mas
também pelos retratos que, para além do carácter nacionalista que transmitem (D.
Sebastião, Camões), evocam um passado ameaçador que inviabiliza o presente e, também,
o futuro.
ATO III
Conclusão: Assim, e tal como o tempo, o espaço assume, logo desde o início, um carácter
pressagiador do desenlace final, contribuindo também para a intensificação progressiva da
tensão dramática.
As personagens
• Maria: é uma personagem marcada pelo «pecado», porque fruto proibido entre Madalena
e Manuel, é o símbolo do nacionalismo romântico (defesa da pátria, empolgamento em face
da atitude de Manuel em incendiar o palácio) e também do sebastianismo dos finais do séc.
XVI/ início do séc. XVII. Um sebastianismo voltado para o passado, centrado num hipotético
e mais que improvável regresso de D. Sebastião e que integrará, para sempre, o imaginário
e a personalidade nacionais. Maria é a única personagem que morre, simbolizando a sua
morte, e bem ao jeito romântico, a impossibilidade de viver sem o amor (dos pais), sem o
sonho e o aspeto irreconciliável entre o «eu» e a sociedade.
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ideais, é nas palavras de Telmo «guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português». No
entanto, a partir do momento em que vê o seu retrato devorado pelas chamas que ele
próprio ateou, os pressentimentos de que algo poderá ensombrar o seu futuro começam a
ganhar forma. O destino de Manuel de Sousa será idêntico ao do seu pai, no sentido de que
são eles próprios que «provocam» o destino e atraem a fatalidade e a morte. Manuel de
Sousa Coutinho é, também, o símbolo da luta pela liberdade, da não subjugação à tirania (e
daí a sua atemporalidade) e de um certo nacionalismo e é através destes dois aspetos que
ele se aproxima de Maria. Aliás, ao contrário de Madalena, Manuel é primeiro pai e depois
marido. É também o símbolo do Portugal novo e racional (transposto para a época de
Garrett) que pode ser «engolido» pelo passado, se não souber evoluir.
• Frei Jorge: impõe uma certa racionalidade tentando manter o equilíbrio no meio da família
angustiada e desfeita.
Sebastianismo
A leitura interpretativa de Frei Luís de Sousa não pode esquecer a atuante presença
do Sebastianismo e o que este mito do "Desejado" significava na conceção de Portugal: uma
nação à procura da sua identidade, assombrada por mitos do passado.
A possibilidade teórica do regresso de D. Sebastião é simbolicamente representada
na peça pelo regresso de D. João de Portugal, na figura do Romeiro. As personagens que
melhor simbolizam a esperança no seu regresso são Telmo e Maria. Ao longo da peça, são
várias as referências expressas à mítica figura de D. Sebastião [...]: no primeiro diálogo entre
D. Madalena e Telmo, D. Madalena censura ao velho aio as suas crendices sebásticas ("(...)
as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais desgraçado
povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal
incredulidade" Ato I, cena II).
As crenças sebastianistas de Telmo são assimiladas pela influenciável jovem Maria
de Noronha, que acredita indubitavelmente no regresso do desejado monarca, D. Sebastião
("(...) que não morreu e que há de vir, um dia de névoa muito cerrada (...)" Ato I, cena III).
Esta influência de Teimo no espírito de Maria provoca grande aflição a D. Madalena de
Vilhena ("(...) não vês que estás excitando com tudo isso a curiosidade daquela criança,
aguçando-lhe o espírito (...)" Ato I, cena II).
Podemos, então, concluir que o mito do Encoberto assume uma conotação negativa
em Frei Luís de Sousa, sendo perspetivado como sinal de paragem no tempo, de estagnação.
[...] Mais do que meras personagens de um drama familiar, na peça de Garrett, temos seres
simbólicos, representativos do destino coletivo português, num momento de profunda crise
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Bibliografia utilizada:
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