Você está na página 1de 50

FUNDAMENTOS DO BIOGÁS

Características e aplicações do biogás e do digestato


Projeto “Programa de Capacitação” (GEF Biogás Brasil)

Este documento está sob licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives


4.0 International License.
O GEF Biogás Brasil permite a citação deste material, desde que a fonte seja citada.
Contato: contato@gefbiogas.org.br

COMITÊ DIRETOR DO PROJETO FICHA TÉCNICA

Global Environment Facility


Nome do produto:
Organização das Nações Unidas para o Fundamentos do Biogás
Desenvolvimento Industrial
Componente Output e Outcome:
Ministério da Ciência, Tecnologia, Componente 2.1.4
Inovações e Comunicações

Ministério da Agricultura, Pecuária e Elaborado por:


Abastecimento Centro Internacional de Energias Renováveis –
CIBiogás
Ministério de Minas e Energia Organização das Nações Unidas para o
Ministério do Meio Ambiente Desenvolvimento Industrial - UNIDO

Centro Internacional de Energias Renováveis Colaboraram para a realização deste documento:


Eliana Mira de Bona
Itaipu Binacional Leidiane Ferronato Mariani
Jessica Yuki de Lima Mito
PARCEIROS
Leonardo Pereira Lins
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas Coordenador do documento:
Felipe Souza Marques
Associação Brasileira de Biogás
Revisão pedagógica:
Iara Bethania Rial Rosa

Data da publicação:
Foz do Iguaçu, maio/2020
APRESENTAÇÃO
O Projeto “Aplicações do Biogás na mais eficiente ganha competitividade frente à
Agroindústria Brasileira” (GEF Biogás Brasil) concorrência internacional. Indústrias de
reúne o esforço coletivo de organismos equipamentos e serviços, concessionárias de
internacionais, instituições privadas, entidades energia e de gás, produtores rurais e
setoriais e do Governo Federal em prol da administrações municipais estão entre os
diversificação da geração de energia e de beneficiários diretos do projeto, que conta com
combustível no Brasil. A iniciativa é US $ 7,828,000 em investimentos diretos.
implementada pela Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial Com abordagem inicial na região Sul do Brasil,
(UNIDO) e conta com o Ministério da Ciência, em especial no oeste do estado do Paraná, a
Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciativa pretende impactar todo o país. Entre
(MCTIC) como instituição líder no âmbito seus resultados previstos estão a compilação e
nacional. O objetivo principal é reduzir a a divulgação de dados completos e atualizados
dependência nacional de combustíveis fósseis sobre o setor, a oferta de serviços e recursos
através da produção de biogás e biometano, para capacitação técnica e profissional, a
fortalecendo as cadeias de valor e de inovação criação de modelos de negócio e de pacotes
tecnológica no setor. tecnológicos inovadores, a produção de
Unidades de Demonstração seguindo padrões
A conversão dos resíduos orgânicos internacionais, a disponibilização de serviços
provenientes da agroindústria e de financeiros específicos para o setor, a
empreendimentos diversos, muitas vezes ampliação da oferta energética brasileira, e
descartados de forma insustentável, pode se articulações indispensáveis entre a alta gestão
tornar um diferencial competitivo para a governamental e entidades setoriais para a
economia brasileira, além de reduzir a emissão modernização da regulamentação e das
de gases de efeito estufa nocivos à camada de políticas públicas em torno do tema, deixando
ozônio e ao meio ambiente. um legado positivo para o país.

O biogás e o biometano podem ser utilizados


para a geração de energia elétrica, energia
térmica ou combustível renovável para
veículos, e seu processamento resulta em
biofertilizantes de alta qualidade para uso
agrícola. Os benefícios se estendem tanto ao
pequeno produtor agrícola, que reduz os custos
de sua atividade com o reaproveitamento de
resíduos orgânicos, quanto ao desenvolvimento
econômico nacional, já que um setor produtivo
FUNDAMENTOS DO BIOGÁS

Aula 2 – Características e Aplicações do Biogás e do


Digestato

Data da Publicação:

Maio 2020
Sumário

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
2. CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÃO DO BIOGÁS ......................................................... 11
2.1. Tratamento do biogás ................................................................................................. 13
2.1.1. Tratamento para retirada de umidade – Desumidificação ................................. 16
2.1.2. Tratamento para remoção de gás sulfídrico (H2S) .............................................. 17
2.1.3. Tratamento para retirada de siloxanos ............................................................... 18
2.1.4. Tratamento para retirada do gás carbônico (CO2) .............................................. 19
2.2. Armazenamento de biogás ......................................................................................... 21
2.3. Transporte de biogás e biometano ............................................................................. 23
2.4. Aplicação energética do biogás ................................................................................... 24
2.4.1. Energia elétrica.................................................................................................... 26
2.4.1.1 Uso da energia elétrica gerada em uma planta de biogás ...................................... 31
2.4.2. Energia Térmica ................................................................................................... 35
2.4.3. Energia mecânica ................................................................................................ 35
2.4.4. Produção e uso de biometano ............................................................................ 36
3. CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÕES DO DIGESTATO .................................................. 39
3.1. Aplicação do digestato como biofertilizante líquido................................................... 41
3.2. Utilização do digestato como matéria-prima para produção de fertilizante
organomineral ......................................................................................................................... 42
3.3. Tratamento para lançamento em corpo de água ....................................................... 44
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 46
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 47
Lista de Figuras
FIGURA 1 - FLUXOGRAMA DOS PROCESSOS DE TRATAMENTO DO BIOGÁS ................................ 12
FIGURA 2 - TRATAMENTO DO BIOGÁS CONFORME O USO FINAL.................................................. 14
FIGURA 3 - MEMBRANA POLIMÉRICA................................................................................................... 21
FIGURA 4 - SISTEMA DE ARMAZENAMENTO DE BIOGÁS EM PROPRIEDADES DE PEQUENO
PORTE. ............................................................................................................................................. 22
FIGURA 5 - GASÔMETRO PARA ARMAZENAMENTO DE BIOGÁS ...................................................... 22
FIGURA 6 - MÓDULO DE ARMAZENAMENTO COM CILINDROS ........................................................ 24
FIGURA 7 - PRODUTOS ENERGÉTICOS QUE PODEM SER OBTIDOS A PARTIR DO BIOGÁS ....... 25
FIGURA 8 - ESQUEMA DE UTILIZAÇÃO DE UM MOTOR DE COMBUSTÃO INTERNA .................... 27
FIGURA 9 - DIAGRAMA DE PROCESSO DA TURBINA A VAPOR ........................................................ 28
FIGURA 10 - MICROTURBINA A BIOGÁS (VISTA EM CORTE) .......................................................... 29
FIGURA 11 - ESQUEMA DE UMA USINA DE BIOGÁS COM COGERAÇÃO DE ENERGIA ................. 30
FIGURA 12 - ESQUEMA DE OPERAÇÃO DA GERAÇÃO DISTRIBUÍDA .............................................. 32
FIGURA 13 - ESQUEMA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA NO MERCADO LIVRE ......................... 33
FIGURA 14 - ESQUEMA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA NO MERCADO REGULADO................ 34
FIGURA 15 - MOTO BOMBA A BIOGÁS ................................................................................................. 36
FIGURA 16 - ABASTECIMENTO VEICULAR NO POSTO DE BIOMETANO UD ITAIPU ..................... 39
FIGURA 17 - APLICAÇÃO DO DIGESTATO ........................................................................................... 41
FIGURA 18 - ORGANOMINERAL ............................................................................................................. 43
FIGURA 19 - FLUXOGRAMA DO PROCESSO GERAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE BIOGÁS DA UNIDADE
DA JBS SWIFT ................................................................................................................................. 44
Lista de Tabelas
TABELA 1 - PRINCIPAIS GASES QUE COMPÕEM O BIOGÁS ............................................................. 11
TABELA 2 - SOLUBILIDADE DE ALGUNS GASES EM ÁGUA ............................................................... 12
TABELA 3 - COMPARAÇÃO ENTRE BIOGÁS E OUTROS COMBUSTÍVEIS ......................................... 13
TABELA 4 - CARACTERÍSTICAS DO GÁS APÓS PASSAR PELO PROCESSO DE PURIFICAÇÃO,
REFINO OU PURIFICAÇÃO + REFINO ......................................................................................... 16
Lista de Quadros
QUADRO 1 - ESPECIFICAÇÃO DO BIOMETANO DE PRODUTOS E RESÍDUOS
AGROSSILVOPASTORIS E COMERCIAIS, DE ATERROS E ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE
ESGOTO ........................................................................................................................................... 37
Características e aplicações do biogás e do digestato

Desenvolvimento Proporcionado

Nesta aula será proporcionado o desenvolvimento de conhecimentos e


habilidades que poderão ser colocados em prática por você ao longo do curso e após a
finalização das atividades propostas:

COMPETÊNCIAS:
1. Conhecimento detalhado das características do biogás;
2. Conhecimento básico de cenários para aplicação do biogás;
3. Conhecimento básico do funcionamento e operação de biodigestores
para obtenção de digestato.

HABILIDADES:
1. Percepção;
2. Flexibilidade.

10
Características e aplicações do biogás e do digestato

1. INTRODUÇÃO

Na primeira aula aprendemos sobre o processo de produção e aproveitamento


energético do biogás, as características dos substratos, dados sobre potencial de
produção de biogás, pré-tratamento do substrato e tecnologias de digestão anaeróbia
para tratamento e produção de biogás. Nesta aula, para darmos continuidade ao
aprendizado sobre biogás, serão abordados os conteúdos referentes às características,
tratamentos e aplicação energética do biogás e da produção do biometano. Além disso,
apresentaremos sobre o digestato e sua aplicação para fertilização do solo.
Ao final da aula, assista aos vídeos complementares e, caso tenha, dúvidas
procure seu tutor. Bons estudos!

2. CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÃO DO BIOGÁS

Como visto na Aula 1, o biogás é uma mistura de gases gerados durante a


biodigestão, e devido a isso, a sua composição é variável, dependendo do tipo e
concentração do substrato a ser digerido, das condições físico-químicas no interior do
digestor (pH, alcalinidade, temperatura) e da presença de outros ânions, como o sulfato
e o nitrato (NOYOLA et al., 2006).
Em termos gerais, o biogás é composto majoritariamente por metano (CH4) e
dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2), com outros gases presentes a baixas
concentrações, como sulfeto de hidrogênio ou gás sulfídrico (H2S), hidrogênio (H2), e
nitrogênio (N2), conforme Tabela 1.

Tabela 1 - Principais gases que compõem o biogás


Concentraçã
Poder calorífico (kWh.kg-1)
Gás Sigla o no Biogás
(%) Inferior Superior
Metano CH4 50 - 80 13,88 15,40
Dióxido de carbono CO2 20 - 40 - -
Hidrogênio H2 1-3 33,29 39,40
Nitrogênio N2 0,5 – 0,3 - -
Sulfeto de hidrogênio
H2S, CO e NH3 1–5 4,22; 2,8 e 5,16 4,58; 2,8 e 6,23
e outros
Fonte: COLDEBELLA, 2006; REGO, HERNANDEZ, 2006.

Dependendo da aplicabilidade do gás produzido, o mesmo poderá ser usado nas


condições em que é gerado ou deverá passar por tratamento antes de sua utilização.
Esse tratamento geralmente consiste na remoção da umidade, redução de H2S e
remoção de sólidos suspensos, e caso for destinado para uso como combustível ou

11
Características e aplicações do biogás e do digestato

comprimido em cilindros de pressão, o tratamento consistirá, principalmente, na


separação do metano e do dióxido de carbono, além da retirada de componentes
gasosos indesejáveis (H2S, NH3 e vestígios de outros gases).
A Figura 1 apresenta o exemplo de um Fluxograma dos processos de tratamento
do biogás.

Figura 1 - Fluxograma dos processos de tratamento do biogás

Fonte: Adaptado de GIZ (2016).

Os gases presentes no biogás também apresentam solubilidade em água


bastante diferenciadas, conforme dados disponíveis na Tabela 2. Essa informação é útil
para a escolha do sistema de purificação do gás, adaptando a necessidade do usuário,
haja vista que os sistemas envolvendo lavagem do biogás podem aumentar
significativamente seu poder calorífico pela remoção do CO2.
Tabela 2 - Solubilidade de alguns gases em água
Componentes Solubilidade (g L-1)
Metano 0,025/0,064
Dióxido de carbono 520
Amônia 4,19
Gás sulfídrico 1,69
Mercaptanas <50
Fonte: LIMA, 2005.

Em consequência do alto teor de metano, o biogás é uma ótima fonte para


geração de energia, e quando comparado o seu potencial calorífico com a gasolina,
chega-se a um fator de equivalência energética de 0,60 litros de gasolina para cada m³
de biogás. As informações de comparação entre biogás e a outros combustíveis com
seus fatores de equivalência energética estão disponibilizadas na Tabela 3.

12
Características e aplicações do biogás e do digestato

Tabela 3 - Comparação entre biogás e outros combustíveis


Combustíveis 1m³ de biogás equivale
à
Gasolina 0,613 litros
Querosene 0,579 litros
Óleo diesel 0,553 litros
Gás de cozinha (GLP) 0,454 litros
Lenha 1,536 kg
Álcool hidratado 0,790 litros
Eletricidade 1,428 kW
Fonte: Gaspar, 2003.

Para que o biometano atenda aos padrões de qualidade e aos requisitos exigidos
pela Agencia Nacional de Gás e Petróleo (ANP) é necessário o refino do biogás e
acondicionamento adicional (por exemplo, ajuste no teor de metano e poder calorífico,
etc).
Além disso, antes da injeção do biometano na rede de gás natural, são exigidas
etapas complementares, tais como: ajuste de pressão, pressão de proteção, medição do
gás e odorização.

Para saber mais:

Para mais informações sobre a composição do


biogás, acesse:
Coldebella, A. Viabilidade do uso de biogás da
bovinocultura e suinocultura para geração de
energia elétrica e irrigação em propriedades
rurais. Unioeste, Cascavel, Dissertação, 2006.
Disponível em:
http://tede.unioeste.br/bitstream/tede/284
1/1/Anderson%20Coldebella.pdf

2.1. Tratamento do biogás

O biogás contém “impurezas” que são prejudiciais aos equipamentos, além de


elementos não combustíveis que reduzem a eficiência na conversão em energia, tais
como umidade, CO2 (dióxido de carbono) e H2S (sulfeto de hidrogênio). Devido a isso,
aplicam-se os processos de filtragem e refino que têm como objetivo retirar os elementos

13
Características e aplicações do biogás e do digestato

danosos, ou pelo menos reduzir a quantidades mínimas, aumentando o poder calorífico


e a eficiência de uso do biogás.
Contudo, o tratamento requerido para o biogás é diferente conforme a aplicação
energética planejada. Basicamente, quanto mais avançada a tecnologia dos
equipamentos para gerar energia, maior será a exigência de tratamento ou refino do
biogás.
Na Figura 2, você pode entender melhor essa relação entre o tipo de tratamento
do biogás e seu uso final.

Figura 2 - Tratamento do biogás conforme o uso final

Fonte: Adaptado de BTE, IFEU, ISA (2004) apud Probiogás (2015).

14
Características e aplicações do biogás e do digestato

Para fixar:

É denominado biogás o gás que ainda não passou


pelo processo de purificação e refino.
A principal diferença entre Purificação e Refino de
biogás deve-se as características finais do gás
obtido.

Assim, para que o biogás possa ser utilizado na geração de energia elétrica,
térmica, mecânica e também na produção de biometano, é necessário passar por alguns
processos de tratamento, denominados de purificação e refino, retirando umidade, ácido
sulfídrico e siloxanos, e separando o metano e gás carbônico, por exemplo, para
aumentar o poder calorífico, rendimento térmico e evitar corrosão no sistema.
A escolha de uma tecnologia economicamente viável para purificação e refino é
fortemente dependente da qualidade e quantidade do biogás bruto que será tratado, da
utilização final desse gás, do funcionamento da biodigestão anaeróbia e dos tipos de
substratos utilizados para sua produção. As características do gás após os processos de
purificação, refino ou combinação de ambos, são apresentadas na Tabela 4.

15
Características e aplicações do biogás e do digestato

Tabela 4 - Características do gás após passar pelo processo de Purificação, Refino ou


Purificação + Refino
Purificação +
Purificação Refino
Refino
Parâmetros Concentração
Metano (CH4) 66% 99% 94%
Dióxido de Carbono (CO2) 33% 0,80% 5%
Oxigênio (O2) 0,70% 0,08% 0,70%
Sulfeto de Hidrogênio (H2S) 0-100 ppm 0 ppm 0 ppm
Hidrogênio (H2) 191 ppm 6 ppm 0 ppm
Ponto de Orvalho -66°C
Eficiência na remoção de CO2 97,41% 87%
Eficiência na remoção de H2S 98,50% 100% 100,00%
Fonte: Adaptado de CIBiogás (2015).

Os principais tratamentos aplicados ao biogás são apresentados a seguir:

2.1.1. Tratamento para retirada de umidade – Desumidificação

O biogás gerado nos biodigestores pode apresentar concentrações de umidade


relativa a 100%, ou seja, completamente saturado de vapor d’água (FNR, 2010). Há
condições onde a concentração de umidade pode chegar a 10% do volume de biogás.
A retirada de parte da umidade contida no biogás – processo denominado
também de secagem é importante para que os equipamentos utilizados nas etapas
seguintes do tratamento e de aproveitamento energético sejam protegidos contra
desgaste e corrosão.
Os processos utilizados para esse tratamento são a secagem por condensação,
chamada também de resfriamento; secagem por adsorção (sílica gel ou carvão ativado)
ou a secagem por absorção (desidratação por glicol). A descrição destes processos está
disponibilizada na sequência:
• Secagem por Condensação: É o processo mais utilizado por sua
praticidade e baixo custo, onde o princípio de separação se baseia no resfriamento do
biogás até o ponto de orvalho requerido.
O processo pode ser realizado através de uma troca indireta ou direta entre o
fluido refrigerante e o gás. No sistema de refrigeração por troca indireta, há um circuito
onde o fluido refrigerante refrigera a água que por sua vez refrigera o gás. Já no sistema
de troca direta a troca de calor ocorre diretamente entre o gás e o fluido refrigerante.
• Secagem por Absorção: A técnica utiliza-se do processo químico tipo
deliquescente onde determinada substância química (líquida ou sólida), altamente
higroscópica, incorpora massa de água formando uma terceira substância como resíduo,

16
Características e aplicações do biogás e do digestato

sendo necessário assim o descarte e substituição ao final da vida útil do material, como
por exemplo, sais a base de Lítio e Cálcio (FARGON,2006).
Segundo FRN (2010) o glicol ou trietilenoglicol podem ser utilizados para
desidratar o gás, onde o biogás flui em uma torre absorvedora em contracorrente com
a solução desidratadora. Na desidratação por glicol, a regeneração se dá pelo
aquecimento da solução de lavagem a 200 ºC, que provoca a vaporização de materiais
estranho. Segundo a literatura é possível atingir um ponto de orvalho de -100 ºC.
Em termos econômicos, essa técnica é indicada para vazões volumétricas maiores
(500 m³/h) e também garante o teor de umidade do biogás para qualquer aplicação
(FNR, 2010).
• Secagem por adsorção: No processo de adsorção, recomendado para
qualquer aplicação do biogás, determinados materiais (como zeólitas, sílica gel e óxido
de alumínio) incorporam certa massa de água sem serem combinados quimicamente,
onde são instalados em um leito fixo e operados alternadamente a uma pressão de (6-
10) bar, se destinando a fluxos volumétricos de gás pequenos e médios. Os materiais
adsorventes podem ser regenerados, por meio de uma dessorção.

2.1.2. Tratamento para remoção de gás sulfídrico (H2S)

O gás sulfídrico (H2S) é um gás corrosivo que pode danificar tubulações e peças
metálicas. Devido a essa característica, a remoção deste gás é um processo essencial e
prévio a qualquer processo de refino do biogás.
O processo para retirada do H2S, chamado de dessulfurização, pode ser biológico
(filtro biológico percolador, injeção de ar no digestor), químico (adição de compostos de
ferro no substrato, filtros com óxido de ferro) ou físico (adsorção em carvão ativado ou
sistemas de water scrubbing). A seguir alguns desses processos são caracterizados.
• Biodessulfurização: Esta técnica pode ser realizada no biodigestor, e,
baseia-se na oxidação biológica aeróbia do H2S por um grupo específico de micro-
organismos, que convertem o gás sulfídrico em enxofre elementar, elemento que ficará
disponível no digestato para nutrição do solo.
O oxigênio necessário, é disponibilizado pela utilização de um soprador de ar, por
meio de uma bomba de aquário ou outro tipo de mini compressor, introduzido no
biodigestor. Neste processo é importante realizar o controle das condições necessárias
para eficiência e segurança no processo de biodessulfurização.

17
Características e aplicações do biogás e do digestato

Também pode ocorrer por meio da adição de oxigênio puro (O2) que pode ser
obtido de outros processos químicos (como produção de hidrogênio) ou com
equipamentos que fazem a separação do oxigênio presente no ar.
Como o ar é composto por 70% de nitrogênio, quando o biogás produzido for
utilizado para a produção de biometano, faz-se mais interessante a adição de oxigênio
puro em vez de ar, uma vez que o nitrogênio é de difícil remoção nos processos de refino.
Existe a possibilidade de conduzir esse processo externamente, através de
colunas de biodessulfurização dispostas em reservatórios separados. Dessa maneira o
processo de injeção de ar pode ser melhor controlado, porém, mesmo com um melhor
controle, esse processo continua não sendo recomendado para propriedades que
desejam injetar o biogás em redes de gás natural, uma vez que também utiliza ar.
• Carvão ativado: A adsorção em carvão ativado utilizada como método
de dessulfurização fina se baseia na oxidação catalítica gás sulfídrico na superfície do
carvão ativado. É possível impregnar o carvão ativado, com determinados compostos
como o iodeto de potássio, para aumentar a velocidade da reação e melhorar a
capacidade de carga. A dessulfurização adequada exige a presença de vapor e oxigênio.
O carvão ativado é utilizado para uma dessulfurização mais refinada. Geralmente
utiliza-se quando as concentrações são de no máximo 200 ppm, pois, acima disso, os
custos operacionais podem se tornar inviáveis.

2.1.3. Tratamento para retirada de siloxanos

Os siloxanos são elementos que não são degradados na digestão anaeróbia e,


no processo de combustão, formam micro cristais abrasivos (dióxido de silício), os quais
podem depositar nos equipamentos de geração de energia, danificando-os ou
comprometendo o seu funcionamento (BRANCO, 2010).
Os siloxanos são comuns no biogás proveniente de aterros sanitários e
produzidos a partir da metanização de esgotos domésticos e resíduos sólidos urbanos
(BEIL; HOFFSTEDE, 2010), contudo, os níveis de siloxanos variam muito de local para
local e podem também ser significativas ao longo do tempo num lugar específico.
O método comercialmente mais usado para remoção dos siloxanos, consiste na
adsorção destes compostos por carvão ativado, contudo, existem outros métodos a
serem utilizados, tais como adsorção em alumínio ativado ou sílica gel, por absorção
empregando solventes orgânicos, peroxidação, biofiltração, condensação usando azoto
líquido, hidrólise química (BRANCO, 2010).

18
Características e aplicações do biogás e do digestato

Definição

Os siloxanos correspondem a compostos orgânicos


sintéticos de difícil degradação, ligados a átomos
de silício.
São utilizados em diversos processos industriais e
adicionados a alguns produtos de consumo, tais
como shampoo, cremes, detergentes,
desodorantes, entre outros.

2.1.4. Tratamento para retirada do gás carbônico (CO2)

O objetivo desse tratamento é separar o gás carbônico (CO2) do biogás para que
a concentração de metano (CH4) se eleve, aumentando o poder calorífico do gás;
ampliando a capacidade de estocagem quando comprimido; além de atender as
especificações para biometano definidas em cada país ou região. Assim, caso atenda aos
requisitos legais, pode ser utilizado como gás natural.
As principais tecnologias para separação do dióxido de carbono seguem os
princípios de: adsorção, absorção, permeação ou criogenia (PROBIOGÁS, 2015). Abaixo
estão descritos alguns exemplos dessas tecnologias:
• Adsorção com modulação de pressão (Pressure Swing
Adpsortion - PSA): O princípio desse tratamento se baseia no uso de adsorvente sólido
poroso, como sílica, zeólito, carvão ativado ou um peneiro molecular de carbono (CMS -
Carbon Molecular Sieve).
O biogás a ser purificado é pressurizado a uma determinada pressão, quanto
maior for a pressão, maior a quantidade de gás adsorvido, e quando a pressão é reduzida,
o gás é liberado ou adsorvido.
Esta tecnologia possui a seguinte vantagem: se operada corretamente, os
intervalos de manutenção dos adsorventes são praticamente infinitos desde que o gás
bruto não contenha enxofre nem vapor de água. Um outro ponto a ser ressaltado dessa
tecnologia é que as perdas de metano do processo são relativamente altas, sendo de
aproximadamente 1-5% (FNR, 2010).
• Lavagem por Água (Water Scrubbing – WS): O método utiliza o
princípio da solubilidade, onde o gás carbônico tem maior solubilidade, cerca de 26 vezes
maior do que o metano em água.

19
Características e aplicações do biogás e do digestato

O gás carbônico é separado do biogás e dissolvido em água na coluna de


absorção através da alta pressão. Nessa coluna, o sulfeto de hidrogênio, o gás carbônico
e o metano se dissolvem na água, bem como as partículas e os microrganismos
eventualmente presentes no gás. Após a redução de pressão da água, essas substâncias
são removidas do sistema.
Esse processo é usualmente utilizado e bastante eficiente, pois seu custo
operacional é baixo e o processo é relativamente fácil, onde a pressão pode ser regulada,
permitindo que gases com diferentes quantidades de gás carbônico possam ser tratados,
além de possuir uma operação automática. A desvantagem desse processo seria o alto
consumo energético e as grandes perdas de metano ao longo do sistema (próximas de
1%) (FNR, 2010; BAUER et al., 2013).
• Separação criogênica: Este tratamento realiza a separação do gás
carbônico por meio da retificação (liquefação de gases), que origina o CO2 líquido, ou
pela separação a baixas temperaturas, que ocasiona o congelamento desse gás.
Essa tecnologia consegue fornecer um gás com a concentração de metano
superior a 99% tendo perda inferior a 0,1%, porém, possui um alto consumo energético
para possibilitar as temperaturas de operação (FNR, 2010).
• Membranas: A purificação através de membranas utiliza o princípio das
diferentes características de permeabilidade dos elementos químicos através de filtros
de membrana.
Durante a separação do gás carbônico do metano, um feixe de membranas
poliméricas é utilizado (Figura 3), ocorrendo a separação por membrana entre uma faixa
de pressão de 10 a 20 bar, com base nas diferentes velocidades de difusão que as
distintas moléculas do gás apresentam (HOYER et al.,2016).

20
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 3 - Membrana Polimérica

Fonte: CIBiogás (2017).

2.2. Armazenamento de biogás

O biogás é produzido de forma constante em condições normais de operação dos


biodigestores, já o consumo de biogás é variável, pois os períodos de operação dos
equipamentos geralmente não são constantes, como grupos moto geradores, sistemas
de filtragem para biometano, ou até mesmo a queima para geração de energia térmica
em fogões ou secadores rurais.
Sendo assim, é preciso armazenar o biogás a fim de evitar seu desperdício em
intervalos de não operação do sistema de consumo, pois seu objetivo é suprir a demanda
dos equipamentos, visando a eficiência máxima do sistema para geração seja ela elétrica,
térmica ou veicular.
A Figura 4 apresenta um modelo de sistema de armazenamento, chamado de
gasômetro, utilizado por pequenas propriedades em Marechal Cândido Rondon – PR, no
Condomínio Ajuricaba.

21
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 4 - Sistema de armazenamento de biogás em propriedades de pequeno porte.

Fonte: CIBiogás (2017).

Para isso, é essencial entender como funciona este processo de armazenamento,


os cuidados envolvendo a segurança do sistema, e a escolha correta do tipo e tamanho
de gasômetro de acordo com as necessidades da unidade.
A Figura 5 apresenta o gasômetro utilizado na Unidade de Demonstração Itaipu,
que armazena o biogás produzido para posterior produção de biometano.

Figura 5 - Gasômetro para armazenamento de biogás

Fonte: CIBiogás (2017).

Conforme estudado na Aula 1, alguns biodigestores já possuem espaço para


armazenar uma determinada quantidade de biogás, em maiores ou menores
quantidades de acordo com o modelo e material utilizado. Neste caso, é preciso analisar
a necessidade de se instalar um gasômetro na unidade.

22
Características e aplicações do biogás e do digestato

2.3. Transporte de biogás e biometano

Atualmente não é possível transportar biogás bruto comprimido por meio de


cilindros devido à presença de gás carbônico (CO2) em sua composição, pois, o CO2
liquefaz a pressões inferiores às necessárias para a compressão do biogás em cilindros,
ocasionando assim o bloqueio do compressor sem que o metano consiga ser armazenado
para o transporte.
Além disso, o biogás bruto, na maioria dos casos, possui concentrações
consideráveis de gás sulfídrico (H2S) que é altamente corrosivo em contato com metais
que é a composição dos cilindros que suportam as altas pressões exigidas para se
armazenar e transportar gases.
Independentemente da aplicação final do biogás, se recomenda a retirada de H2S
e umidade, a fim de preservar e proteger, da corrosão, todos os componentes produtivos
(tubulações, bombas e motores). Sensores, controladores e medidores também têm vida
útil reduzida em contato com esses compostos, o que conduz, na inexistência de
precaução, à perda de segurança e de confiabilidade no processo.
O transporte do biogás pode ser realizado por meio de redes coletoras de biogás,
que tem como finalidade interligar as fontes produtoras de biogás e realizar seu
transporte até a fonte consumidora.
As redes coletoras de biogás são compostas por ramais primários localizados nas
propriedades rurais, ligados aos ramais principais e direcionado até um determinado
ponto de consumo, operando em baixa pressão, com pressão de trabalho de até 14 kPa
(o equivalente a 2 psi = 0,14 kgf/cm2 = 0,14 bar = 1,4 mH2O).
Normalmente a produção e consumo de biometano se localizam em diferentes
lugares, havendo, assim, a necessidade de realizar o transporte do biometano, do ponto
produtor até o consumidor. As principais formas de distribuição de biometano ocorrem
através da injeção na rede de GNV e através do transporte na forma comprimida (Gás
Biometano Comprimido - GBC).
O biometano injetado na rede de GNV deve conter a qualidade requerida em
normas. Em determinados países a qualidade pode variar entre o biometano injetado na
rede e o fornecido exclusivamente para ser utilizado como combustível veicular
(WELLINGER,2014). Contudo no Brasil a composição deve ser a mesma para ambos os
casos (BRASIL,2015).
Já o transporte do biometano por meio de cilindros possui a vantagem de estar
disponível em lugares sem infraestrutura de recebimento, podendo ocorrer de diversas
formas, entre elas através de módulos contendo cilindros (Figura 6).

23
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 6 - Módulo de armazenamento com cilindros

Fonte: CIBiogás (2017).

Na operação com os módulos, estes são pressurizados com biometano,


transportados por caminhões, e substituídos por módulos vazios no consumidor. A troca
é realizada por máquinas, o que torna mais rápido o tempo de carga e descarga dos
módulos.

2.4. Aplicação energética do biogás

Após o tratamento, o biogás pode ser utilizado para a geração de energia elétrica,
produção de calor ou energia térmica, energia mecânica, biometano e CO2. A Figura 7
apresenta os produtos energéticos que podem ser obtidos a partir do biogás e a escala
de necessidade de tratamento do biogás de acordo com a sua aplicação.

24
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 7 - Produtos energéticos que podem ser obtidos a partir do biogás

Fonte: Ferreira (2012).

É importante entender que a decisão sobre qual aplicação será dada ao biogás é
precedida por uma análise das demandas energéticas da planta e do entorno. Sendo
assim, devemos buscar dados sobre que tipo de energia é consumida, a quantidade, o
custo e a demanda, ou seja, o consumo energético conforme o período do dia, do mês
e do ano.
Assim, sabendo como é o comportamento da demanda de energia elétrica e
térmica ou de combustíveis da planta e do seu entorno, é possível decidir qual será o
melhor arranjo técnico para o aproveitamento energético do biogás.
Dentro deste contexto, vamos entender melhor as opções disponíveis.

Exemplo

Vamos exemplificar isso para facilitar a


compreensão:
O biogás pode ser usado para aquecimento
em aviários onde substitui o GLP ou lenha, e
pode ser usado como combustível em
secadores de grãos, caldeiras de
agroindústrias além de outras aplicações.

25
Características e aplicações do biogás e do digestato

2.4.1. Energia elétrica

As tecnologias disponíveis para geração de energia elétrica a partir do biogás


podem utilizar diferentes tecnologias, tais como:
• Motor gerador Ciclo Otto (ignição por centelha)
Os motores de Ciclo Otto foram especialmente desenvolvidos para operar a gás
e funcionam sob o princípio dos motores Otto. Esta tecnologia é a mais utilizada
atualmente e seu funcionamento ocorre a partir da mistura de ar com o combustível no
cilindro do motor, onde ocorre a explosão devido à ignição e compressão da mistura. A
força da explosão é transferida ao pistão, que por sua vez desce e sobe em um
movimento periódico. Esse movimento é transformado em movimento rotativo e ligado
ao eixo do gerador (MACHADO, 2014).
• Motor gerador Ciclo Diesel (ignição por compressão)
Os motores com ignição a compressão trabalham sob o princípio do motor a
Diesel. Nem sempre são utilizados motores especialmente desenvolvidos para a
combustão de gás, o que exige que sejam adaptados, modificando alguns componentes
(ottolização), dentre eles: remoção da bomba injetora, inserção de carburador e um
sistema de ignição por centelha, redução da taxa de compressão, entre outros.
• Combustão interna
Os motores de combustão interna são motores térmicos que tem por finalidade
transformar energia calorífica em energia mecânica, através da queima de combustível
e vapor dentro de um cilindro (ALMEIDA, 2016).
Nesse caso, o biogás é utilizado como combustível em um motor de combustão
interna para movimentar um gerador de energia elétrica – Grupo Motor Gerador. O
esquema de funcionamento desse sistema para obtenção de eletricidade é ilustrado na
Figura 8.

26
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 8 - Esquema de utilização de um motor de combustão interna

Fonte: FEAM (2015).

Para saber mais:

A transformação do motor para a utilizar


exclusivamente o biogás ou o gás natural, é
chamado de ottolização, e inclui a execução
de uma série de alterações mecânicas
visando a otimização de seu funcionamento
com o gás combustível.

• Turbina a vapor (Ciclo Rankine)


Neste sistema o biogás é utilizado como combustível dentro de uma caldeira para
aquecer o fluido, normalmente água, nas serpentinas existentes no interior da caldeira
até o ponto de ebulição.
O vapor em alta pressão e temperatura, movimenta as palhetas da turbina e
desta forma a energia é transformada em energia mecânica e, acoplada ao gerador, em
energia elétrica.
O funcionamento ocorre da seguinte forma:
• Antes de entrar na caldeira, a água é pré-aquecida para que ocorra a
mudança de fases (líquida para vapor) em alta pressão;

27
Características e aplicações do biogás e do digestato

• Na sequência, a água é direcionada e aquecida a temperatura próxima


aos 105 °C, no desgaseificador, e após bombeada para a caldeira. Ocorre
então, a troca de massas entre o combustível e o vapor, fazendo com o
vapor sobreaqueça-se, e entre na turbina;
• Ao entrar na turbina o vapor expande, acionando-a e produzindo energia
mecânica e elétrica quando acoplada em um gerador;
• Após gerar trabalho na turbina, o vapor, em baixa pressão, é direcionado
ao condensador para retornar à sua fase liquida para reiniciar o ciclo
(Figura 9) (BRANDÃO, 2004; MARTINELLI, 2002).

Figura 9 - Diagrama de processo da turbina a vapor

Fonte: GEHRING (2014).

• Microturbina a gás (Ciclo Brayton)


São motores de combustão interna que transformam energia química em energia
mecânica, sendo compostas por três grupos de elementos: os compressores, o
combustor e as turbinas.
O compressor comprime o ar para dentro da câmara de combustão, onde o
biogás é injetado. Dentro da câmara é formada uma mistura de gases em alta pressão
explosiva. A queima do biogás, a pressão constante, eleva a temperatura da câmara e
provoca uma reação em cadeia com as novas misturas de combustível (biogás) e
oxigênio injetados.
A expansão dos gases liberados pela queima do combustível movimenta as
turbinas, devido a diferença de pressão interna e externa. Essa energia mecânica pode
ser transformada em energia elétrica, quando há um gerador acoplado à turbina
(GEHRING, 2014) (Figura 10).

28
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 10 - Microturbina a biogás (vista em corte)

Fonte: FEAM (2015).

Em todos os casos, além da energia elétrica, é possível gerar energia térmica por
cogeração, ou seja, aproveitando os gases de escape ou o vapor excedente que é
liberado em alta temperatura.
A tecnologia mais utilizada, principalmente para plantas de biogás de pequena e
média escala, são os motores de combustão interna, especificamente ciclo Otto, pois as
plantas são de escalas menores que 500 kW. Já o uso de turbinas a vapor se viabiliza
em usinas acima de 20 MW.
• Cogeração
A cogeração de energia é o processo de geração coincidente de calor e energia
elétrica e/ou mecânica, ou a recuperação de calor rejeitado para a produção de potência.
Entretanto a adoção da cogeração deverá obedecer, além da racionalidade
energética, à racionalidade econômica, podendo ser aplicada de duas formas em função
da sequência relativa da geração de energia eletromecânica para a térmica: geração
anterior de energia eletromecânica (topping) e geração posterior de energia
eletromecânica (bottoming).
Topping: É quando a energia disponibilizada pelo combustível é primeiro
aproveitada para a geração de energia elétrica e/ou mecânica, e em seguida para o
aproveitamento de calor útil.

29
Características e aplicações do biogás e do digestato

Bottoming: É quando o primeiro aproveitamento da energia disponibilizada pelo


combustível se dá para o aproveitamento de calor útil e em seguida a energia residual
do vapor é utilizada para a geração de energia eletromecânica.
A maioria das usinas à cogeração se baseiam nos ciclos topping, e as tecnologias
de conversão envolvem as mais diversas máquinas térmicas apresentadas anteriormente.
Já nos ciclos bottoming as aplicações são mais restritas às turbinas a vapor e a
sua utilização é menos usual, uma vez que o calor rejeitado pelos processos industriais
se encontra em níveis de temperatura geralmente insuficientes para o seu emprego na
produção de energia eletromecânica
O calor produzido pelo gerador, seja pela exaustão dos gases de escape, ou pelo
líquido de arrefecimento do radiador por meio da combustão interna, pode ser
aproveitado, por meio da energia térmica, para produção de água quente para
aquecimento de água, aquecimento do biodigestor e dos substratos (caso a usina
necessite de aquecimento), para geração de vapor em processos industriais, e para
refrigeração de ambientes por meio de chillers.
A Figura 11 exemplifica como esse processo de cogeração de energia ocorre em
uma planta de biogás.

Figura 11 - Esquema de uma usina de biogás com cogeração de energia

Fonte: PROBIOGÁS (2015).

30
Características e aplicações do biogás e do digestato

2.4.1.1 Uso da energia elétrica gerada em uma planta de biogás

A energia elétrica gerada a partir do biogás pode ser enquadrada como Geração
Distribuída (GD) de pequeno porte, aderindo, assim, ao sistema de compensação de
energia, estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em 2012 por
meio da Resolução Normativa nº 482.
Além disso, no Brasil, o mercado de energia é composto por dois tipos de
ambientes de contratação, regulamentados através do Decreto nº 5.163/2004, sendo
eles: o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Ambiente de Contratação Livre
(ACL).

Definição
Geração distribuída: ou geração
descentralizada (GD), é a expressão
usada para designar a geração elétrica
realizada junto ou próxima do(s)
consumidor(es) independente da
potência, tecnologia e fonte de energia
(INEE, 2015).

Vamos agora entender como funcionam as possibilidades de uso da energia


elétrica gerada em uma planta de biogás:
• Sistema de compensação de energia elétrica
Segundo a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012, sistema de compensação
de energia, do termo em inglês net metering, é definido como um sistema no qual a
energia ativa injetada por unidade consumidora, através de microgeração ou
minigeração distribuída, é cedida por meio de empréstimo gratuito, à distribuidora local
e posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa.
A resolução citada estabelece as condições gerais para o acesso de microgeração
e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica e o sistema de
compensação de energia elétrica.
A mesma passou por aprimoramentos e alterações em 2015 com a Resolução
Normativa nº 687 (de 24 de novembro de 2015 - em vigor desde 1º de março de 2016)
e em 2017 com a Resolução Normativa n° 786 (de 17 de outubro de 2017), pela ANEEL.

31
Características e aplicações do biogás e do digestato

Com essas atualizações, a Resolução Normativa n°482 permitiu o uso de fontes


de energia renovável e classificou a microgeração como uma central geradora com
potência instalada de até 75kW e minigeração como centrais de potência instalada
superior a 75kW e menor ou igual a 5MW, conectadas à rede de distribuição de energia
elétrica por meio de unidades consumidoras.
O sistema de compensação consiste em converter a energia ativa, gerada por
microgeração ou minigeração distribuída, em créditos de energia, sendo um empréstimo
gratuito de energia para concessionária que são descontados do consumo de energia
elétrica ao fim de cada mês.
No caso de consumo menor do que a quantidade de créditos gerados (energia
injetada) no mês de referência, ele é acumulado e pode ser debitado nos meses
subsequentes pelo prazo máximo de 5 anos (60 meses). A Figura 12 ilustra o esquema
de operação em GD.

Figura 12 - Esquema de operação da geração distribuída

Fonte: BGS (2013).

• Venda de energia elétrica no mercado livre de energia – ACL


O mercado livre de energia elétrica, ou Ambiente de Contratação Livre (ACL), é
um ambiente em que os consumidores podem escolher livremente seus fornecedores de
energia, exercendo seu direito à portabilidade da conta de energia.
Nesse ambiente, consumidores e fornecedores negociam as condições de
contratação de energia, onde, neste mercado, participam as usinas (que querem
vender eletricidade), os consumidores livres (que querem comprar) e as
comercializadoras (como intermediárias).
Os consumidores livres compram energia diretamente dos geradores ou
comercializadores, através de contratos bilaterais com condições livremente negociadas,
como por exemplo, preço, prazo, volume, etc.

32
Características e aplicações do biogás e do digestato

Cada unidade consumidora paga uma fatura referente ao serviço de distribuição


para a concessionária local (tarifa regulada) e uma ou mais faturas referentes à compra
da energia (preço negociado de contrato).
O prazo contratual será definido entre as partes, assim como a tarifa contratual.
A Figura 13 apresenta um esquema de como é o fornecimento de energia no Mercado
Livre.

Figura 13 - Esquema do fornecimento de energia no Mercado Livre

Fonte: ABRACEEL (2016).

• Venda de energia elétrica no mercado regulado – ACR


No Ambiente de Contratação Regulada (ACR) o governo abre leilões para venda
de energia nova. Participam as usinas (que querem vender), as distribuidoras (que
querem comprar) e o governo como intermediário (ANEEL, EPE, CCEE e ONS).
Não existe uma capacidade pré-definida de geração, máxima ou mínima, pois, a
cada ano, o governo faz a projeção de demanda elétrica para os anos seguintes e calcula
o quanto falta contratar para atender o mercado.
Além de regras específicas de cada leilão, só podem participar empreendimentos
com licenciamento ambiental, com comprovação de disponibilidade de combustível (no
caso das térmicas), monitoramento de vazões (no caso das usinas hídricas) ou
monitoramento anemométrico (para as eólicas).

33
Características e aplicações do biogás e do digestato

Definição

Ambiente de Contratação Regulada


(ACR): refere-se ao segmento de
mercado em que as operações de
compra e venda de eletricidade ocorrem
através de agentes vendedores e
agentes de distribuição.

Esses requisitos podem ser encontrados nos documentos de “Instruções para


Solicitação de Cadastramento e Habilitação Técnica com vistas à participação nos Leilões
de Energia Elétrica” disponível no site da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para
cada fonte de energia específica.
Os consumidores deste mercado são os consumidores cativos, que são aqueles
que compram a energia das concessionárias de distribuição às quais estão ligados. Cada
unidade consumidora paga apenas uma fatura de energia por mês, incluindo o serviço
de distribuição e a geração da energia, e as tarifas são reguladas pelo Governo.
A Figura 14 demonstra as principais características do fornecimento de energia
elétrica no mercado regulado.

Figura 14 - Esquema do fornecimento de energia no Mercado Regulado

Fonte: ABRACEEL (2016).

34
Características e aplicações do biogás e do digestato

Resumo:

Consumidor
ACR ACL

- Compra energia elétrica


- Possuem a possibilidade
da distribuidora local – as
de desenvolver estratégias
quais adquiriram tal
comerciais na contratação
energia em leilões
da energia elétrica;
realizados pelo governo;

- Não tem possibilidade de


- Tem a condição de
negociar preço, ficando
negociar preço, prazo,
sujeito às tarifas de
indexação e flexibilidade
fornecimento estabelecidas
na quantidade consumida;
pela ANEEL;

- Com as novas regras


- Tem a opção de escolher
tarifárias ficam expostos às
seu fornecedor de energia,
variações mensais do custo
que pode ser um Gerador
de geração de energia
ou um agente
através das bandeiras
Comercializador.
tarifárias.

2.4.2. Energia Térmica

A conversão do biogás, em energia térmica pode ser feita de duas formas: (1)
cogeração – a partir da instalação de trocadores de calor nos coletores de escape dos
motores geradores de energia; ou na (2) utilização direta de biogás como combustível
em caldeiras, processos já descritos no item 1.4.1.
Em processos como de cocção, onde é gerado calor por meio de um fogão,
fogareiro ou forno, o calor pode ser utilizado no cozimento de alimentos e aquecimento
de água; existe também a possibilidade de uso para aquecimento de instalações,
aquecimento do próprio biodigestor e no pré-tratamento do substrato.
A grande vantagem da aplicação do biogás na geração de energia térmica é a
substituição de lenha e/ou combustíveis fósseis, como gás natural ou GLP.

2.4.3. Energia mecânica

O biogás pode ser utilizado como combustível para a geração de energia


mecânica em um motor. A maior aplicação no Brasil é no bombeamento do digestato
para as áreas de lavoura, como uso de biofertilizante.
Porém, normalmente a quantidade de biogás requerida é baixa, em comparação
com a quantidade de biogás produzido no processo, sendo necessária sua queima em

35
Características e aplicações do biogás e do digestato

flare ou aproveitamento do biogás para geração de outro tipo de energia, como descrito
nos itens anteriores.
A Figura 15 apresenta uma moto bomba a biogás, utilizada para bombeamento
de digestato.

Figura 15 - Moto bomba a biogás

Fonte: Biogas Motores (2017).

2.4.4. Produção e uso de biometano

Outra aplicação que pode ser dada ao biogás é a produção de biometano,


combustível que exige uma composição com propriedades equivalentes ao gás natural.
Para a comercialização em território nacional cabe à Agência Nacional de Petróleo,
Gás e Biocombustíveis (ANP), regulamentar e dispor as diretrizes para uso do biometano.
Segundo a última norma da ANP Nº 685/2017, fica dispensado o atendimento à
especificação e às obrigações quanto ao controle da qualidade, o produtor de biometano
que comercializar o produto exclusivamente para fins de geração de energia elétrica.
Para que o biometano seja injetado na rede de gás natural e utilizado para o
abastecimento de veículos, devem-se respeitar as especificações vigentes para o
biometano. Tais especificações são informadas no Quadro 1.

36
Características e aplicações do biogás e do digestato

Quadro 1 - Especificação do Biometano de produtos e resíduos agrossilvopastoris e comerciais,


de aterros e estações de tratamento de esgoto
Limite1 Método
Característica
Unidade Centro-Oeste,
Norte Nordeste NBR ASTM D ISO
Sudeste e Sul

34.000 a
kJ/m3 35.000 a 43.000 15213 3588 6976
Poder Calorífico 38.400
Superior 9,47 a
kWh/m3 9,72 a 11,94
10,67
40.500 a
Índice de Wobbe kJ/m3 46.500 a 53.500 15213 6976
45.000
Metano, mín % mol. 90,0 90,0 14903 1945 6974
Oxigênio, máx. % mol. 0,8 0,8 14903 1945 6974
CO2, máx. % mol. 3,0 3,0 14903 1945 6974
CO2+O2+N2, máx. 10,0 14903 1945 6974
6326-3
Enxofre Total,
mg/m3 70 15631 5504 6326-5
máx. 23
19739
4468
4084 -
Gás Sulfídrico 6326-3
mg/m3 10 15631 07
(H2S), máx. 19739
5504
6228
6327
Ponto de orvalho
10101-2
de água a 1atm, ºC -39 -39 -45 15765 5454
10101-3
máx.4
11541
Teor de siloxanos, 16560
mgSi/m3 0,3 0,3
máx. 16561
Fonte: ANP Nº 685 (2017).

O principal parâmetro para diferenciar o biogás do biometano é a concentração


de metano, que deve passar de cerca de 60% para 90%. Esse processo também é
conhecido como refino, separação ou upgrading.
Conforme exposto nesta aula, as tecnologias disponíveis para o tratamento do
biogás são: adsorção com modulação de pressão (PSA), lavagem com água e gás
pressurizado; absorção química com solventes orgânicos; absorção física com solventes
químicos; e membrana.
O gás carbônico (CO2), quando separado e captado, pode ser utilizado como
matéria-prima para indústrias de bebidas gaseificadas, injetado de forma controlada em

1
Os limites especificados são valores referidos a 293,15K (20ºC) e 101,325kPa (1atm) em base seca, exceto os pontos
de orvalho de hidrocarbonetos e de água.
2
A odoração do Biometano, quando necessária, deverá atender a norma ABNT NBR 15616 e NBR 15614.
3
É o somatório dos compostos de enxofre presentes no Biometano.
4
Caso a determinação seja em teor de água, a mesma deve ser convertida para ponto de orvalho em (ºC), conforme
correlação da ISO 18453. Quando os pontos de recebimento e de entrega estiverem em regiões distintas, observar o
valor mais crítico dessa característica na especificação.

37
Características e aplicações do biogás e do digestato

estufas de produção de alimentos para aumentar sua concentração no ar e, assim,


aumentar a produtividade do cultivo, gelo seco, extintor, entre outros.
Esses processos de separação dos gases são relativamente caros, quando
comparados aos de geração de energia elétrica ou térmica. Assim, a produção de
biometano torna-se mais viável em plantas de biogás de médio e grande porte e em
locais onde há demanda pelo gás.

Para fixar:

Biogás: Gás bruto obtido da decomposição


biológica de produtos ou resíduos orgânicos;

Biometano: Biocombustível gasoso constituído


essencialmente de metano, derivado da separação
de gases do biogás.

De qualquer forma, a possibilidade de produzir biometano em qualquer região do


país e próximo aos consumidores é muito interessante para a economia e o setor
energético.
O biometano pode ser injetado na rede de gás natural e utilizado como
combustível em indústrias ou em veículos, e dependendo da aplicação, o transporte e a
armazenagem devem ser em baixa ou alta pressão. A Figura 16 apresenta o
abastecimento sendo realizado na Unidade de Demonstração Itaipu.

38
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 16 - Abastecimento veicular no posto de biometano UD Itaipu

Fonte: CIBiogás (2018).

A produção de biogás e/ou biometano pela iniciativa privada é possível e


independe de autorização ou concessão do Poder Público, assim o aproveitamento do
biogás e/ou biometano como fonte de energia é possível e sua circulação em território
nacional pode se dar por qualquer meio de transporte.
Contudo, a questão da comercialização esbarra na circulação desses produtos
por meio de gasodutos, a qual, constitucionalmente, é monopólio dos Estados, que
poderão, por sua vez, delegar essa circulação à iniciativa privada por meio da assinatura
de contratos de concessão.
Alguns projetos de biometano que estão em operação ou estão sendo
implantados no Brasil, comercializam o gás de duas formas: realizando o abastecimento
diretamente no local de produção e separação dos gases ou transportando o biometano
comprimido em caminhões até o local de consumo.
De qualquer maneira, os arranjos e formas de comercialização que viabilizem a
produção e uso do biometano ainda estão em fase de definição e discussão no Brasil.
Na Europa, já há centenas de plantas de biometano em operação, sendo um combustível
consolidado em diversos países daquele continente.

3. CARACTERÍSTICAS E APLICAÇÕES DO DIGESTATO

Como estudado na Aula 1, o material digerido obtido após a biodigestão é


chamado de digestato, e dependendo das características sanitárias do composto, o
mesmo pode ser utilizado na agricultura já que a carga orgânica dos substratos é
reduzida, causando menor impacto na disposição direta nos solos e águas do ambiente.

39
Características e aplicações do biogás e do digestato

Uma das principais vantagens do uso de digestato na agricultura é o baixo custo


pois não gera problemas referentes à acumulo de sais minerais, ou seja, a salinização
do solo, e muito menos a níveis de estrutura, como ocorre com o uso de fertilizantes
químicos.

Para fixar:
O digestato é o material obtido após o processo
de biodigestão, podendo ser sólido ou semi-
sólido, constituído basicamente por matéria
orgânica.

Segundo Angonese (2006), o digestato desempenha uma série de benefícios ao


solo, dentre elas: poder de fixação, pois mantêm no solo sais minerais na forma
aproveitável pelas plantas, evitando a solubilidade excessiva; melhora a estrutura e a
textura do solo, favorecendo o enraizamento das plantas e umidade do solo; firmeza aos
agregados do solo, proporcionando melhor absorção da chuva, o que evita a erosão;
aumenta a porosidade do solo, favorecendo melhores condições no desenvolvimento da
planta, e a multiplicação das bactérias, fator importante na fixação do nitrogênio no solo.
O conhecimento da composição do digestato é indispensável, pois permitirá
calcular a adubação adequada para cada cultura, baseando-se na produtividade
pretendida.
Através de análises laboratoriais, é possível tomar conhecimento das
características do solo, e determinar a quantidade de nutrientes que cada cultura precisa
para atender a demanda por produtividade. Diante destes dados é possível calcular a
quantidade necessária de digestato que será aplicado de acordo com a cultura.
Os principais nutrientes minerais do substrato são nitrogênio (N), fósforo (P) e
potássio (K), onde as concentrações desses minerais no digestato dependente do tipo
de material utilizado no processo de biodigestão, clima, taxas de diluição e o sistema de
tratamento, por exemplo.

40
Características e aplicações do biogás e do digestato

3.1. Aplicação do digestato como biofertilizante líquido

Reconhecido como uma substância com aspecto de lodo, o digestato pode ser
separado entre fração líquida e sólida após a digestão, e após espalhado no solo, caso
seja utilizado como fertilizante agrícola, torna-se biofertilizante.
Segundo o Decreto n° 86.955 de 18 de fevereiro 1982, do Ministério da
Agricultura, o biofertilizante é um “produto que contém princípio ativo ou agente capaz
de atuar direta ou indiretamente sobre o todo ou parte das plantas cultivadas, elevando
sua produtividade”.
O biofertilizante pode ter origem dos mais diversos tipos de fontes, alterando
suas características físico-químicas. Devido a isso, para caracterização dos fertilizantes
orgânicos simples, mistos, compostos, organominerais e biofertilizantes destinados à
agricultura, do ponto de vista legislativo, utiliza-se a Instrução Normativa SDA/MAPA 25
de 2009.
A Figura 17 demonstra a aplicação do digestato, produzido na Unidade de
Demonstração Itaipu.

Figura 17 - Aplicação do digestato

Fonte: CIBiogás 2018.

Há muitas experiências no uso do digestato como biofertilizante, podendo ser


aplicado em cultivos nas proximidades da planta de biogás, pois, ainda que haja um alto
valor de nutrientes, o uso do resíduo gerado na biodigestão como fertilizante agrícola
nem sempre é possível.

41
Características e aplicações do biogás e do digestato

Os fatores que limitam sua aplicação podem ser de ordem prática ou de ordem
logística, como a indisponibilidade ou dimensões insuficientes de área agrícola disponível;
ou elevada distância entre o local da geração do material e sua área de aplicação – o
que pode inviabilizar seu uso ou acarretar em custos que inviabilizam a prática; ou legais,
como a proibição do seu emprego como fertilizante.
Para realizar esse aproveitamento deve-se elaborar um plano de manejo de
biofertilizante que considere as características do digestato, a qualidade do solo e a
rotação de cultura para determinar a forma e a aplicação do digestato.
Nos digestatos oriundos de substratos como esgoto e lodo sanitário, resíduos
sólidos urbanos e de origem animal (matadouros, frigoríficos, processamento de leite),
é imprescindível a higienização para a eliminação de coliformes fecais e parasitas antes
de sua aplicação no campo.
Para tanto, de acordo com a recomendação da Organização Mundial de Saúde
(OMS, 2006), é necessária uma exposição ao calor acima de 50°C durante sete dias para
a eliminação de coliformes fecais e parasitas, e para a higienização pode ser feita por
meio da inclusão de um tratamento térmico antes ou depois da digestão anaeróbia.
No Brasil, a produção, a comercialização e a utilização do biofertilizante devem
seguir as regulamentações estabelecidas pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA).
O digestato de esgoto, por exemplo, é um fertilizante orgânico composto,
proveniente do sistema de tratamento de esgotos sanitários, que resulta em produto de
utilização agrícola como biofertilizante ou organomineral, porém, para atender à
resolução n° 375/2006 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que define
critérios e procedimentos para o uso agrícola de lodos de esgoto gerados em ETEs, é
necessário que seja submetido a etapas de pós-tratamento que envolvem os processos
de higienização e desaguamento do material.
Normalmente, esse lodo, é desidratado, misturado ao calcário e só após
estabilizado então pode ser deslocado para as áreas agrícolas.

3.2. Utilização do digestato como matéria-prima para produção de


fertilizante organomineral

O fertilizante organomineral se constitui num produto novo e alternativo, fruto


do enriquecimento de adubos orgânicos com fertilizantes minerais. A Figura 18
apresenta uma imagem do organomineral.

42
Características e aplicações do biogás e do digestato

Figura 18 - Organomineral

Fonte: MF Rural (2014).

Como decorrência da maior concentração de nutrientes em relação aos


fertilizantes orgânicos, apresenta a vantagem de poder ser empregado em menores
quantidades por área, além do menor custo de transporte (FERNANDES, et.al. 2002).
Além disso, Kiehl (1994) observa que o fertilizante organomineral, ao contrário
do químico, pode ser empregado de uma só vez no solo, pois seus nutrientes estão sob
a forma orgânica e mineral. Por exemplo, o nitrogênio mineral é prontamente assimilado
pelas raízes, enquanto o nitrogênio orgânico, do adubo orgânico, será absorvido pela
planta quando o nitrogênio mineral já foi absorvido ou lavado pela água da chuva, ou
irrigação, que atravessa o perfil do solo.
Pelo Decreto n.º 86.955, de 18-02-1982, do Presidente da República, foi criada
a categoria FERTILIZANTE ORGANOMINERAL, assim caracterizada: fertilizante da
mistura ou combinação de fertilizantes minerais e orgânicos.
Nessa composição, a parte orgânica e inorgânica pode ser obtida a partir de
digestatos resultantes da digestão anaeróbia, principalmente digestatos de dejetos
suínos e aves, que possuem alta concentração de nutrientes NPK e reduzida
concentração da fração orgânica em relação ao dejeto não biodigerido.
No Brasil, a produção, comercialização e a utilização do biofertilizante devem
atender às regulamentações estabelecidas pelo MAPA. As certificações são realizadas de
forma opcional e, assim como na Alemanha, é realizada por uma empresa certificadora,
denominada Organismo da Avaliação da Conformidade Orgânica (OAC), que é
credenciada junto ao MAPA.

43
Características e aplicações do biogás e do digestato

3.3. Tratamento para lançamento em corpo de água

Para ocorrer o lançamento em corpos d’água, o digestato deve-se se enquadrar


em alguns limites máximos de emissões para parâmetros físicos, químicos e biológicos
do artigo 16 da Resolução CONAMA nº 430/2011, o qual estabelece condições e padrões
de lançamento de efluentes no meio ambiente.
Assim como para a aplicação no solo, o tratamento através da digestão anaeróbia
não é suficiente para atingir os padrões de lançamento brasileiros, sendo necessário um
pós-tratamento.
Os reatores anaeróbios dificilmente geram efluentes que atendem aos padrões
de lançamento estabelecidos pelas normativas ambientais. Dessa forma, o pós-
tratamento é uma etapa de grande importância.
Em uma estação de tratamento de esgotos (ETE), por exemplo, as etapas de
pós-tratamento usuais para o efluente líquido são: filtro biológico de alta taxa ou filtro
biológico percolador; filtro aerado submerso ou biodiscos; lodos ativados; e biofiltro
aerado submerso.
No fluxograma apresentado na Figura 19, segue um exemplo de aplicação do
processo de produção de biogás em agroindústria de abate animal seguido do
tratamento do biogás e digestato.

Figura 19 - Fluxograma do processo geração e utilização de biogás da unidade da JBS Swift

Fonte: FEMA (2015).

O material digerido resultante do processo é submetido à separação das frações


sólida/líquida. A fração sólida é utilizada como fertilizante por agricultores dos arredores.

44
Características e aplicações do biogás e do digestato

Já o efluente líquido é enviado para lagoas de tratamento/estabilização, onde é possível


a recuperação do residual energético, por meio da reinserção no processo, como líquido
para ajuste de teor de sólidos do material em digestão (GREER, 2008).

45
Características e aplicações do biogás e do digestato

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta aula foi possível dar continuidade ao aprendizado sobre o processo de
produção e aproveitamento energético do biogás, aprofundando o estudo em relação as
características do gás produzido na biodigestão, os tratamentos que o biogás necessita
para ser utilizado, como também do biometano, e as aplicações energéticas de ambos
os gases. Além disso, vimos sobre o digestato e sua aplicação para fertilização do solo.
Na próxima aula, para darmos continuidade ao estudo, veremos sobre a operação,
monitoramento e manutenção de plantas de biogás, arranjos de
viabilidade econômica e panorama do biogás.

46
Características e aplicações do biogás e do digestato

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRACEEL – Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia. Mercado
livre de energia elétrica - Um guia básico para consumidores potencialmente
livres e especiais. Disponível em:
<http://www.abraceel.com.br/archives/files/ Abraceel_Cartilha_MercadoLivre_V9.pdf>.
Acesso em: 01 fev. 2018

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP BRASIL.


RESOLUÇÃO ANP Nº 8, DE 30.1.2015. DOU 2.2.2015. Brasilia, 2015.

ALMEIDA, L. I. J. Potencial de produção de biogás e energia elétrica a partir da


remoção da matéria orgânica oriunda de tratamento de esgotamento
sanitário na ETE Norte – Palmas – TO. Dissertação (Dissertação em engenharia
ambiental) - Universidade Federal de Tocantins (UFT), 2016.

BEIL, M.; HOFFSTEDE, U. Guidelines for the implementation and operation of


biogas upgrading systems. Biogasmax – Integrated Project n° 019795. Set. 2010.

BGS. Geração distribuída, 2013. Disponível em: < http://bgsequipamentos.


com.br/blog/493/> Acesso em: 01 fev. 2018.

BIOGAS MOTORES. Características da Motobomba biogás MBB, 2016. Disponível


em: <http://www.biogasmotores.com.br/produto/16-motobomba-biogas-mbb>.
Acesso em: 01 fev. 2018.

BRANCO, M. S. R. C. Avaliação do impacto da presença de siloxanos em sistemas


de aproveitamento de biogás. 142 fl. Dissertação (Mestrado) – Universidade Nova
de Lisboa, Lisboa, 2010.

BRANDÃO, S. S. Produção e Planeamento de Energia Elétrica. Departamento de


Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. Universidade de Coimbra. 2004.

BRASIL. Decreto nº. 5.163, de 30 de julho de 2004. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2004/Decreto/D5163compilado.h
tm>.
CENTRO INTERNACIONAL DE ENERGIAS RENOVÁVEIS–BIOGÁS - CIBIOGAS.
Purificação de biogás e identificação de equipamentos para geração de
energia elétrica, térmica e veicular. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <
https://www.embrapa.br/documents/1355242/1529323/BiogásFert+6.pdf/4383a60c-
6ac8-4496-99e8-998326c0aa62>. Acessado em: 24 mai. 2018.

COGEN – Associação da Indústria de Cogeração de Energia. Conceitos e tecnologias


a respeito da cogeração. Disponível em:< http://www.cogen.com.br/
cogeracao/conceito-e-tecnologias>. Acesso em: 01 fev. 2018.
COLDEBELLA, A. Viabilidade do uso do biogás da bovinocultura e suinocultura
para geração de energia elétrica e irrigação em propriedades rurais.
Dissertação (Dissertação em engenharia agrícola / engenharia de sistemas
agroindústrias) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2006.

DEUTSCHE GESELLSCHAFT FÜR INTERNATIONALE ZUSAMMENARBEIT - GIZ.


Diretrizes para o uso seguro da tecnologia de biogás. BIOGAS Safety first!

47
Características e aplicações do biogás e do digestato

Associação Alemã de Biogás. Alemanha, nov. 2016. Disponível em: <https://biogas-


safety.com/Download/biogas_safety_por.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2018.

FACHAGENTUR NACHWACHSENDE ROHSTOFFE - FNR. Guia Prático do Biogás –


Geração e Utilização, 5. Ed. 2010 Disponível em:
<http://mediathek.fnr.de/media/downloadable/files/samples/l/e/leitfadenbiogas-por-
finalweb-20131002.pdf>.

FARGON (2016). Manual de tratamento de ar comprimido. Disponível em:


<http://www.fargon.com.br/catalogos/manual_tratamento_ar_comprimido_Fargon.pdf
>. Acesso em: 01 jun. 2016.

FEMA – Fundação Estadual de Meio Ambiente. Guia técnico ambiental de biogás na


agroindústria. Belo Horizonte, 2015. Disponível em: <http://www.feam.br/images/
stories/2015/PRODUCAO_SUSATENTAVEL/GUIAS-TECNICOS-AMBIENTAIS/
Guia_Biog%C3%A1s.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2016.

FERNANDES, A.L.T. TESTEZLAF, R. Fertirrigação na cultura do melão em


ambiente protegido, utilizando-se fertilizantes organominerais e químicos.
Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. V.6. Campina Grande/PB. 2002.

GARZON, S. Mecanismos de transformacion de energia, 2014. Disponível em:


<http://mecanismosdetransformacion1003.blogspot.com.br/2014/05/mecanismos-de-
transformacion-de-energia.html>. Acesso em: 01 jun. 2017.

GASPAR, R. M. B. L. Utilização de Biodigestores em Pequenas e Médias


Propriedades Rurais com Ênfase na Agregação de Valor: Um Estudo de Caso
na Região de Toledo – PR. Dissertação (Dissertação em engenharia de produção).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003.

GEHRING, C. G. Análise da geração de energia elétrica a partir do biogás


produzido na fermentação anaeróbica de vinhaça. Trabalho de conclusão de curso
(Engenharia Elétrica) – Escola de Engenharia Elétrica de São Carlos, Universidade de
São Paulo. São Carlos, 2014.

GUERRERO, R. B. S. Biodessulfurização do biogás gerado no processo de


digestão anaeróbia da estação de tratamento de efluentes de uma indústria
cervejeira. Tese (Doutorado em química) - Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Instituto de Química, 2015. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/11449/126583>. Acesso em: 01 jun. 2017.

KIEHL, E. J. Fertilizantes orgânicos. Piracicaba: Editora Agronômica "Ceres", 1985.

MARTINELLI, L. C. Máquinas Térmicas II. Pinambi: DeTEC, 2002. 135p.

NOYOLA, A., ORGAN-SAGASTUME, J. M. & LÓPEZ-HERNÁNDEZ, J. E. Treatment of


biogas produced in anaerobic reactors for domestic wastewater: odor control
and energy/resource recovery. Rev. Environ. Sci. Biotechnol. 5 (1), 93–114. 2006

PROBIOGÁS. Brasil. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Probiogás. Guia


técnico de aproveitamento energético de biogás em estações de tratamento
de esgoto / Probiogás; organizadores, Ministério das Cidades, 2015.

48
Características e aplicações do biogás e do digestato

REGO, E. E.; HERNANDEZ, F. D. M. Eletricidade por digestão anaeróbia da vinhaça


de cana-de-açúcar: contornos técnicos, econômicos e ambientais de uma
opção. In: AGRENER GD: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE GERAÇÃO
DISTRIBUÍDA E ENERGIA NO MEIO RURAL, 6., 2006. Anais... Campinas: UNICAMP, 2006.

49

Você também pode gostar