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Cadine, 4 de agosto de 2017

Encontro das e dos responsáveis de focolare

Maria Voce (Emmaus):

“Maria - No seu desígnio, o meu, o nosso desígnio”

Emmaus: Eu conto realmente com a unidade de vocês


porque este tema não é fácil. Por ser um tema denso, requer
toda a atenção, todo o cuidado; e pensei que, de vez em
quando, é bom parar um momento, justamente para que
penetre bem dentro de nós. Mas também, à parte o fato de ser
denso, como é possível conhecer Maria? Como é possível falar
de Maria? É impossível, impossível, impossível!
Por outro lado, é possível não falarmos de Maria, se nós
somos Obra de Maria? É possível ignorar aquilo que Chiara quis
colocar nos Estatutos: a Obra de Maria quer ser – seus
membros, bem como a Obra no seu conjunto – “uma presença
de Maria e, de certo modo, uma sua continuação”1?

1
Cf. Estatutos gerais, art. 2.
1
Justamente quando queremos aprofundar a identidade da
Obra, como não ver esta identidade a não ser em Maria?
Devemos, portanto, falar de Maria.
Uma consolação é o que eu disse no dia 16 de julho –
que muitos de vocês, talvez todos, ouviram –, ou seja, que
depois do ano em que aprofundamos a realidade de Jesus
abandonado, tenho a impressão de que Ele nos preparou,
porque Chiara disse uma vez – e falei sobre isso naquele
encontro –: “É com o teu abraço – de Jesus abandonado –
riqueza minha” [doçura minha, sabedoria minha... foram dados
muitos adjetivos deste tipo a Jesus abandonado, mas...], “é
com o teu abraço que nos tornamos outra Maria”.
Durante o ano inteiro, pouco ou muito, procuramos
encontrar Jesus abandonado. Portanto, Ele nos preparou para
sermos aquele “nada por amor”, que é Ele, para conseguirmos
colher o “nada por amor” que é Maria, para podermos
entender pelo menos um pouco quem é este “nada por amor”
que é Maria.
Para considerar estes elementos, dividi o assunto em
três pontos:

2
O primeiro ponto: um retorno à fonte. O que o encontro
com Maria significou para Chiara: quando e como Ela se
manifestou.
São episódios que vocês conhecem, que conhecemos,
mas vamos relembrá-los juntos, muito rapidamente.
Um segundo ponto: como Chiara viu em Maria o modelo
da nossa vida, o caminho; tanto é verdade que se fala de
“etapas” da via Mariae, uma via Mariae feita de etapas que
repercorrem, de certo modo, as etapas da vida de Nossa
Senhora. Não farei a análise das etapas porque temos depois
todo o ano para aprofundar esta realidade e para aprofundar o
retorno às fontes, porque depois será publicado o livro sobre
Maria; teremos a antologia com todo o material e os temas de
meditação sobre Maria. Temos um ano inteiro para
aprofundar, por isso vou procurar resumir esta parte, de modo
a poder aprofundar melhor a terceira parte, ou seja, o que
significa para nós, hoje, ser Maria. Neste momento da Obra,
em 2017, neste momento da nova configuração, de mudanças,
de novos desafios, o que significa “ser Maria” hoje, para nós.

3
Este me parece o aspecto mais atual e que tentarei
expor do melhor modo possível.
Como “retorno à fonte” lembremos alguns momentos.
Chiara mesma diz que Maria veio depois, não se
apresentou logo, mas estava presente desde o início, ainda
antes que nascesse o focolare; porque o primeiro vislumbre da
ideia sobre ele – vocês sabem – foi em Loreto. Portanto, Loreto
é o primeiro encontro de Chiara, líder da Obra, fundadora de
uma obra – não de Chiara pessoa, porque ela teve o encontro
com Maria ainda quando criança: ela lembrava das irmãs de
Maria Menina, etc. –, mas como responsável de uma Obra que
estava nascendo, Chiara teve este primeiro encontro em
Loreto. E ela lembra este encontro assim: foi o primeiro olhar
de amor de Maria2 sobre esta Obra. E Maria estava ali, de certa
forma, esperando – porque ali Chiara entendeu que surgiria
uma multidão de virgens, que nasceria um novo caminho na
Igreja, que ela chamou o “quarto caminho” –. Então, sobre
aquela circunstância Chiara disse depois: Maria estava ali, à

2
Cf. C. LUBICH, S. Clara e Maria, na festa de S. Clara, Bulle-Suíça, 10 de agosto de

2003.
4
espera de todos aqueles que a seguiriam na sua Obra 3. Era o
ano de 1939.
Outro momento importante, que Chiara mesma narrou,
foi quando, sob um bombardeio – vocês se lembram? – Chiara
se encontrou à beira de partir para a Outra vida, junto com as
suas companheiras, e quando, quase por milagre, levantando-
se do chão, ainda toda coberta pela poeira do abrigo antiaéreo,
disse às suas companheiras: “Sabem, o que mais me fez sofrer
foi pensar que nunca mais poderia recitar, aqui na terra, a Ave-
Maria”4. Muitas coisas podiam fazê-la sofrer, mas, naquele
momento, lhe veio à tona isto. E mais tarde ela explicou:
“Entendi depois que recitar na terra a Ave-Maria significava ter
uma multidão de pessoas que, com a própria vida, glorificariam
Maria5. Como que as contas de um rosário, que são todas as
pessoas da Obra que glorificam Maria com as suas vidas”.
Depois chegamos ao ano de 1949 e Chiara, nesse ano,
tem uma extraordinária compreensão de Maria. Também esta
foi, de certa forma, uma surpresa, porque Chiara conta que viu

3
Cf. ID., Maria, transparência de Deus, Cidade Nova, São Paulo 2003, pág. 17.
4
Cf Ibid., pág. 18-19.
5
Cf Ibid., pág. 19.
5
o Pai, que tinha entrado no Seio do Pai graças ao Pacto de
unidade com Foco; que tinha visto o Verbo, e depois esperava:
Pai, Filho… Espírito Santo. Ao invés não, o Verbo lhe apresentou
Maria, o Verbo de Deus lhe apresentou a sua Mãe no Paraíso,
como se – dizia Chiara – o Espírito Santo, o Esposo de Maria,
tivesse intencionado dar espaço a Ela, como faz um cavalheiro.
Portanto, também este fato representou uma surpresa
para Chiara, não é que ela raciocinava sobre as coisas.
E como Chiara viu Maria? Chiara diz: de uma beleza
indescritível6; grande na mesma proporção em que soubera
desaparecer até aquele momento, de uma beleza imensa. “Eu a
vi tão grande a ponto de suscitar em mim – diz Chiara – um
amor por Ela, como nunca havia experimentado” 7. Portanto,
um amor novo por Maria. Isso aconteceu em 1949. Foi naquele
período de graças extraordinárias do Paraíso que Chiara viu em
Maria esta figura extraordinária a ponto de sentir este imenso
amor.
Entendemos – narra Chiara mais tarde – que por meio
desta Obra, formada por leigos, sacerdotes e consagrados;
6
ID., Paraíso de 1949, par. 63 (Escrito de 19 de julho de 1949);
7
Cf Ibid., par. 56 (primeiros dias).
6
virgens e casados, adultos e crianças, em uma exultação de
vida que repetia na terra a vida bem-aventurada da Trindade e
se desenvolvia sob o assustador e amoroso açoite da dor,
alimento de Maria histórica, sempre alimento de Maria
Mística, o seu anseio era voltar à terra para lhe reconduzir
Jesus”8.
Foi ali que Chiara pensou: “Você está sozinha? Forme
aqui na terra uma família. Como você pode trazer Jesus se não
formar uma família?” Aquela oração, que parecia absurda.
Passam-se os anos e chegamos ao ano de 1957, outra
experiência de Chiara que, sem dúvida, vocês conhecem, uma
nova etapa, uma nova experiência de Chiara que ela mesma
nos narrou, dizendo:
Um dia […], impelida, acho, pelo Espírito, que me
colocava as palavras na boca, entrei numa igreja e, com o
coração cheio de confidência, perguntei a Jesus por que motivo
Ele, que ficou na terra, em todos os pontos da Terra, na
dulcíssima Eucaristia, não encontrou um modo de deixar aqui
também a sua mãe, para nós que precisamos de ajuda na
viagem da vida. E – lembram a resposta – do sacrário, no
8
ID., Discurso preparado para a Mariápolis de 1959 (datilografado).
7
silêncio, Ele parecia me responder: ‘Não a deixei porque quero
revê-la em ti’ (em vós)9.
E chegamos à década de 1960. Chiara descobre a
Desolada, e na Desolada “um monumento de todas as
virtudes”, a ponto de encontrar nela como que “o molde” no
qual nos colocamos para podermos ser Jesus. Por sinal, desde o
início, no primeiro focolare, se costumava começar o dia
dizendo: “Porque estás abandonado, Jesus; porque estás
desolada, Maria”10, eis-me aqui; de certa forma um pacto com
Jesus abandonado e Maria desolada. … porque estás desolada,
dizia Chiara, que significa, ser somente Palavra de Deus11.
Perder, portanto, todo o resto. Existe um forte vínculo
entre a Desolada e a Palavra, porque, realmente, se somos
Palavra de Deus não somos mais nós. Nela, ademais,
contemplamos vividas todas as Palavras, vemos resplandecer
todas as virtudes12.
E em 1962 ela escreve aquela maravilhosa meditação:

9
Cf ID., Maria, transparência de Deus, Cidade Nova, São Paulo 2003, pág. 40-41.
10
Cf ID., A unidade e Jesus Abandonado, Cidade Nova, São Paulo 1985, p. 59.
11
ID., Paraíso de 1949, par. 299 (Escrito de 27 de julho de 1949).
12
Cf Ibid., notas 280-281.
8
Tenho uma só Mãe na terra: Maria desolada, de certa
forma um espelho do seu outro escrito: Tenho um só Esposo na
terra: Jesus abandonado.
Se concordarem, podemos ouvi-la lida por Chiara
mesma. Em 2003, por ocasião da festa de santa Clara na Suíça,
ela relê esta meditação e faz como que uma releitura, uma
atualização, expressando o que significam estas palavras que
ela escreveu em 1962, o que significam em 2003. E hoje
poderíamos nos perguntar: o que significam hoje, para nós?
(Vídeo, Chiara, 10.08.2003)
«Tenho uma só mãe na terra: Maria Desolada. Não
tenho outra mãe além dela. Nela está toda a Igreja pela
eternidade” – é Mãe da Igreja – e toda a Obra na unidade:
Maria é Mãe da Obra no seu conjunto.
No seu desígnio o meu desígnio: no seu desígnio de
Desolada, o meu destino, o meu desígnio e, portanto, também
o de cada pessoa individualmente.
Irei pelo mundo revivendo-a. Toda separação será
minha: perder tudo, tudo, para viver o presente, o momento
presente, a vontade de Deus.

9
Todo desprendimento do bem que fiz: – que é uma das
maneiras mais difíceis de perder –, uma contribuição para
edificar Maria em mim e nos outros.
No seu ‘stabat’ o meu ‘estar’: nela, Desolada, a minha
maneira de viver.
No seu ‘stabat’ o meu ‘caminhar’: nela, a maneira de
agir, a minha maneira de agir.
Hortus conclusus e fonte lacrada (Ct 4,12): nada e
ninguém deve infringir a minha solidão com Deus, nem mesmo
os irmãos, porque vejo Jesus neles.
Cultivarei suas virtudes mais amadas: aquelas que
podem ser chamadas de virtudes negativas, mas todas filhas da
caridade. E para quê?
A fim de que sobre o nada silencioso de mim fulgure a
Sabedoria dela.
Este é o efeito de viver a Desolada; é o mesmo efeito de
quando amamos Jesus abandonado, em que sentimos
imediatamente o Ressuscitado em nós. Assim, amando a
Desolada desta maneira, ou seja, perdendo, para viver somente

10
o momento presente, nós constataremos, em nós, a Gloriosa
que é plena de Sabedoria.
E que muitos, todos, os seus filhos prediletos, os que
mais necessitam de sua misericórdia [...], encontrem sempre a
sua materna presença numa outra pequena Maria 13».
Emmaus: Entendem que não é só uma contemplação.
Chiara o diz: a fim de que todos encontrem por toda parte
outra pequena Maria, uma Sua presença numa outra pequena
Maria.
Eis então a segunda parte: o que é Maria para nós, o que
ela nos ensinou, como nos conduziu no nosso caminho
Chiara diz:
Maria é a porta que nos introduz em Deus. E a porta não
é porta se não se abre para deixar passar. Uma porta sempre
fechada é uma parede. Quem se detém na porta não chega a
Deus. A porta é para Jesus”14.
Chiara disse uma vez que também o fato de que Maria
tenha se manifestado tarde na Obra era um modo de
testemunhar que ela queria desaparecer para dar lugar a Deus:
13
ID., S. Clara e Maria, na festa de S. Clara, Bulle -Suíça, 10 de agosto de 2003.
14
ID., Maria, transparência de Deus, pag. 24.
11
que primeiro vinha Deus, Deus Amor, a vontade de Deus, o
amor recíproco, Jesus abandonado, todos os pontos da
espiritualidade, e depois chegava ela, porque ela tinha feito
tudo por Deus, viveu só para Jesus.
Este papel de Maria é muito importante, inclusive se
pensarmos em Maria do ponto de vista ecumênico, porque
muitas vezes se pensa que Maria é uma dificuldade, um
obstáculo para o ecumenismo. Senti muita alegria quando
recebi uma cartinha de uma nossa focolarina evangélica que
vocês conhecem, a Heike, que trabalha no Centro Uno.
Justamente sabendo que eu estava preparando esta reflexão,
ela me escreveu e me indicou a homilia de um teólogo
evangélico15 na igreja luterana de Roma, por ocasião da festa da
Anunciação. Este professor de teologia alemão, apresentou
Maria essencialmente como “a mulher de fé”, aquela que,
diante do anúncio do anjo, soube responder: “Eis a serva do
Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra”.
Portanto Maria, Palavra de Deus, Maria que diz a Deus:
“Faça-se em mim segundo a Tua palavra”.

15 Cf Homilia do Prof. Dr. Notger Slenczka (Berlim) para a Festa da Anunciação, Igreja luterana de Roma, 25 de março de 2017.

12
E Chiara nos diz: Este ver Maria como Palavra de Deus
nos parece rico de consequências, especificamente em relação
ao diálogo ecumênico. Com efeito, se o que diz respeito à figura
de Maria pode constituir um obstáculo à unidade plena com os
irmãos evangélicos, o que acontecerá quando eles, que tanto
evidenciam o valor das Escrituras, nela reconhecerem a
‘personificação’ das próprias Escrituras?16.

Chiara, justamente sobre a Anunciação assim se


expressa:
Nossa Senhora, pronunciando a frase ‘Eis aqui a serva
do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra’, segundo a
Palavra de Deus, […] toca realmente em algo importantíssimo:
fazer a vontade de Deus. Ora, se todos os cristãos colocarem
em mente que, para se santificarem, não é tão necessário que
imitem outros santos, [...] mas o importante é fazer, como
todos os santos, [...] a vontade de Deus, se os cristãos
entenderem isso [...], encontrarão o elo entre essas duas
realidades que parecem opostas: a vida espiritual de um lado e,
16 Cf.
C. LUBICH, Maria, transparência de Deus, pag. 27.
13
do outro, estar imersos no mundo: no mundo da família, da
política, da arte, da ciência, da medicina, da cultura... 17.
Estes são os mundos com os quais todos nós, da Obra de
Maria, vivemos em estreito contato hoje, através do trabalho e
das muitas e variadas relações interpessoais que tecemos,
inclusive através dos vários âmbitos de diálogo da nossa Obra:
ecumênico, inter-religioso, cultural. E é lá que Maria nos
espera!
Maria encarnou o Evangelho na normalidade do seu dia
a dia, certamente como “dona de casa”, mas também como
“sede da Sabedoria”, seguindo passo a passo o Filho desde o
momento em que Ele saiu à vida pública, desde o triunfo das
bodas de Caná até o Gólgota, aos pés da cruz. E também
depois, quando o Filho morreu, nós a vemos ainda na Igreja
nascente, sustentando os apóstolos.
Maria se apresenta também hoje a nós como um
modelo, um modelo a ser seguido, especialmente para nós
leigos que temos tarefas e responsabilidades na vida da Igreja e
na vida no meio do mundo, diante do mundo.

17 Cf. ID.,
Entrevista, Rádio Vaticana Brasileira, Rocca di Papa, 4 de junho de 1987.
14
Nela, Chiara nos exorta a ver não somente a Mãe de
Deus, a Imaculada, a Assunta, a Rainha, mas também “a cristã
perfeita, a noiva, a esposa, a mãe, a viúva, a virgem, o modelo
de todo cristão, Aquela que – como nós leigos – não pode
oferecer sacramentalmente Cristo ao mundo porque – como
nós – não faz parte da hierarquia, mas, como mãe, é sempre
muito ativa na Igreja, pela caridade que lhe urge no coração,
de onde provém o seu sacrifício com que partilha o sacrifício do
Filho.
Maria, leiga como nós, leigos, ressalta que a essência do
cristianismo é o amor e que inclusive cada sacerdote e cada
bispo, antes de serem tais, devem ser cristãos verdadeiros,
devem ser crucificados vivos, como crucificado foi Jesus, que
fundou a sua Igreja na cruz18.
E foi Maria que nos sugeriu esta espiritualidade
comunitária, universal, esta espiritualidade que tende à
unidade, porque é característico de uma mãe desejar que
todos os seus filhos sejam unidos; é característico de uma mãe
estar atenta para dar aos filhos o modo de viver para se
entenderem, para se sentirem bem quando estão juntos.
18
Cf ID., Ideal e Luz, Cidade Nova, São Paulo 2003, pag. 155.
15
Portanto, é ela que nos guia no nosso caminho, e é por isso que
Chiara reconheceu nas etapas da Sua vida certamente
momentos extraordinários.
São todas de Maria estas etapas que ela viveu, dando-
nos, porém, exemplos de como nós podemos viver a nossa
vida, de como pode ser a nossa Santa Viagem com Maria.

E chegamos ao terceiro ponto: identidade da Obra de


Maria na Igreja e no mundo hoje, à luz, certamente, das
intuições que Chiara teve.
É claro que a identidade mais íntima da nossa Obra
afunda as suas raízes naquela compreensão de Maria que
Chiara teve em 1949. Portanto, se quisermos saber o que é a
Obra, devemos procurá-la ali: quando nasceu, o que é a Obra
hoje, o que é a Obra sempre, devemos procurá-la ali.
Eu me lembro muito bem de um momento
especialíssimo – que talvez muitos de vocês tiveram a ocasião
de ver – da Escola Abba com Chiara na Suíça, em Flüeli (9 de
agosto de 2000), onde Chiara nos falou de Maria. Ela deu uma

16
aula da Escola Abba, retomando os escritos do Paraíso sobre
Maria e aprofundando-os ela mesma.
Partindo de algumas páginas do Paraíso, Chiara nos abriu
a alma para nos contar como Maria se manifestou, como Deus
fez com que ela a conhecesse naquele período de iluminações
e de graças, de que já falamos.
Chiara relembrou primeiramente o que aconteceu no dia
19 de julho. Vamos lembrar, estamos no início; no dia 16 de
julho houve a entrada no Pai, no dia 19 de julho, o que
aconteceu? No dia 19 de julho de 1949, quando, depois de ter
conhecido no Paraíso o Pai e o Verbo, o Verbo de Deus lhe
mostrou Maria. Portanto, é uma das primeiras coisas que
Chiara viu no Paraíso.
Chiara diz: Jamais alma humana A viu tão grande. Era
maior que Deus: Deus a fizera maior do que Ele mesmo.
Até então Maria me tinha sido simbolizada como a lua,
maior do que as estrelas, que me representavam os santos,
menor do que o sol que representava Deus. Agora eu A via
como o céu azul que continha tanto o sol como a lua e as
estrelas. Tudo estava Nela19.
19 ID.,
Paraíso de 1949, par. 53-55 (Primeiros dias).
17
Portanto, de uma parte para um todo.
Depois, justamente ali em Flüeli, após a leitura desta
página, Chiara comentou ainda:
Aquilo que entendi é que Maria é enorme. “Grande
como o Pai e como o Filho.” É a plena realização daquilo que
Jesus disse, dirigindo-se ao Pai: “amaste-os como amaste a
mim” (Jo 17,23). Vi Maria tão grande quando Ela se manifestou
a mim como “Mãe de Deus”. É aqui, penso, ou seja, na sua
maternidade divina, que se atua aquele “como”; é aqui que
Maria é amada pelo Pai “como” Jesus é amado. A sua grandeza
está na maternidade divina. O que podia fazer o Pai para torná-
la semelhante a Ele, igual a Ele, embora por participação?
Devia fazê-la como Ele: Ele era Pai do Verbo, depois Verbo
encarnado; Ela, mãe daquele mesmo Verbo, Verbo encarnado.
(…) Além do mais, no Paraíso – continua Chiara –, eu a vi, por
assim dizer, “quarta na Trindade” e, para ser quarta na
Trindade, Maria devia ter, por participação, algo de
proporcional aos outros Três. Na ocasião fiquei surpresa por
esse lugar ajustado a Maria e não sei dizer o que experimentei
ao vê-La. Mas a nossa Obra é uma Obra mariana e Deus

18
estabelecia ali suas fundações, fazendo-nos compreender quem
é Maria para Ele e qual é o seu lugar20.

Sempre no mesmo dia, em Flüeli, na Suíça, olhando para


Maria também como mulher, Chiara nos confidenciou que, em
Maria, a mulher – justamente como mulher – encontra a plena
dignidade. O Verbo se encarnou no sexo masculino – nos
explicava –. Jesus era homem e elevou a dignidade do homem
a alturas vertiginosas. Se Maria tivesse sido apenas filha de
Deus e não mãe, a mulher nunca alcançaria a estatura do
homem.
Uma vez um focolarino da escola de Loppiano perguntou
a Chiara: “Chiara, pode nos dizer por que Deus inventou
Maria?” Ela respondeu:
Em primeiro lugar penso que ele a fez para poder se
desafogar. Visto que ele tinha feito a criação, pensava na
criação, queria fazer um pequeno modelo de como ele
desejaria esta criação, inclusive para que todos nós, que
iríamos nascer, pudéssemos olhar para este “modelo”, sempre
inatingível, mas, ao mesmo tempo, sempre muito perto de nós,
20
Cf. Ibid., nota 80 do Escrito de 19 de julho de 1949.
19
pois Maria é uma escada que vem até nós. Depois, certamente
Deus a inventou para Jesus, para que tivesse uma mãe digna,
considerando que o Filho haveria de se encarnar 21.
E Chiara acrescentou, um pouco brincando e ao mesmo
tempo séria, que, se Maria não tivesse existido, haveria um
grande vazio no sexo feminino e concluiu, dizendo que Deus
inventou Maria também por justiça.
No início nos perguntamos: qual é a identidade da nossa
Obra hoje; o que significa ser na terra hoje “uma presença de
Maria e, de certa forma, uma sua continuação”? E, em 1957,
ouvimos que Chiara sentiu Jesus responder: “Não a deixei por
que quero revê-la em ti”.
Também hoje Jesus diz a mesma coisa a Chiara, a Chiara
presente na sua Obra, àquele “pós-Chiara” de que falamos
constantemente. Jesus diz a Chiara também hoje: “Não a deixei
porque quero revê-la em ti, quero revê-la em vocês”. Jesus nos
pede que saibamos abrir braços e corações de mães à
humanidade, para lenir as dores, curar as feridas, enxugar as
lágrimas. E olhando para o percurso de todos estes anos,
21
Cf. ID., Respostas às perguntas (cf. resp. n. 7), Encontro dos focolarinos/as
europeus, Rocca di Papa, 25 de dezembro de 1972.
20
embora conscientes de que poderíamos viver mais e melhor,
devemos, porém, constatar que Maria viveu na Sua Obra e
muitas vezes, nela, pôde cantar o seu Magnificat em todos os
cantos da terra onde a Obra existe.
Então, vamos repercorrer por um momento o
Magnificat de Maria: “A minha alma engrandece o Senhor
porque… o Onipotente fez grandes coisas em mim”, diz Maria.
E a Obra pode dizer: porque o Onipotente fez grandes coisas na
Obra. Maria em Chiara, Maria na Obra pode dizer: o
Onipotente fez grandes coisas na Obra – pode dizê-lo para a
glória de Deus, porque foi Deus quem fez – pelos abundantes
frutos que o carisma continua realizando graças à vida de cada
um de seus membros e da Obra inteira no seu conjunto.
Claro que, se olharmos a realidade de modo objetivo, o
que vemos? Vemos as muitas fragilidades, vemos a diminuição
de forças, tanto físicas quanto numéricas, quanto de pessoas;
vemos a nossa impotência diante dos muitos desafios, das
muitas solicitações que o mundo de hoje nos apresenta. E
muito frequentemente vemos os nossos limites, os nossos
pecados, os nossos erros. Eu creio que, se cada um de nós

21
começasse a contar os próprios erros poderia fazer uma lista
interminável, mas isso não adianta, não adianta.
Então: nós podemos dizer que a Obra pode cantar o
Magnificat? Que existe um Magnificat da Obra? Podemos dizer
isso como um dever ser, ou seja, “deveria” poder dizer: o
Onipotente fez em mim grandes coisas. Talvez mais como um
“dever ser” do que uma realidade. Todavia isso não nos
humilha, porque quanto mais percebemos as nossas
fragilidades, tanto mais se evidencia a grandeza do carisma,
isto é, a grandeza de Deus, a grandeza da qual Deus, através do
carisma, nos faz portadores no mundo. De fato, como continua
o Magnificat? “Olhou para a humildade de sua serva”. Sim,
Maria desolada, ensinando-nos a perder tudo, nos ajuda
constantemente a nos colocarmos numa atitude de serviço
diante de cada irmão, com a consciência da nossa nulidade, a
única que permite evidenciar a ação de Deus e transmitir a sua
mensagem de amor, como diz o Magnificat, “de geração em
geração”, às novas gerações.
Ainda hoje, com a sua presença na Obra, Deus “dispersa
os soberbos, derruba os poderosos de seus tronos e exalta os

22
humildes”. Vocês me dirão: “mas isto é verdade?”. Eu lhes digo:
Maria nos impele a reconhecer em cada pessoa um filho de
Deus, portanto um irmão. E isto, embora no respeito a cada
especificidade, estabelece uma igualdade fundamental, que
nenhuma diferença pode prejudicar. Lembramos a canção das
primeiras Mariápolis: “Motoristas, estudantes e médicos,
farmacêuticos e deputados, chegando aqui na Mariápolis, já se
tornam todos iguais. Para que servem os títulos, se aqui somos
todos irmãos?”: esta é a humildade da sua serva, da sua
escrava, de Maria na Obra.
“Encheu de bens os famintos, despedindo os ricos de
mãos vazias”. Maria realiza isso na Obra? Inserindo uns e
outros no circuito do amor recíproco, Maria, na Obra, nos
solicita a colocar em comunhão tudo: corações, bens, talentos,
serviços, para tender a fazer de cada pequena ou grande
comunidade uma verdadeira família, na qual não exista quem
tem em superabundância, e que talvez esbanje, e quem não
tem o necessário. É Maria que nos impulsiona a fazer isso.
A presença de Maria nos ajuda a lembrar a nós mesmos
e ao mundo, a misericórdia prometida por Deus a todos os seus

23
filhos, “a Abraão e à sua descendência para sempre” diz o
Magnificat, e nos ensina – como diz o Papa Francisco – “a
virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido: ela
permanece sempre confiante no mistério de Deus, até quando
Ele parece desaparecer por culpa do mal do mundo” 22. Como
aos pés da cruz. Maria nos impulsiona a esperar sempre, a
ajudar todos a irem em frente com os olhos fixos no horizonte,
na certeza de que o motor da história é Deus e que Deus é
Amor.
E Ela, na Obra, abraça pessoas e situações as mais
variadas com o seu amor de mãe. Pensemos nos diálogos, em
toda a sua amplidão. Este ano, foi Maria que orientou de modo
particular toda a Obra ao ecumenismo. E o que nós vimos?
Vimos que impulsionou todos nós, cristãos de diversas Igrejas,
unidos pelo carisma que temos – esta experiência de unidade
no carisma –, a testemunhar, a experimentar como é forte o
vínculo que vem do comum batismo e a nos empenharmos a
fazer de tudo para que se acelere a hora da plena e visível
unidade. Foi Maria que nos impeliu a viver assim este ano.
22
PAPA FRANCISCO, AUDIÊNCIA GERAL 10/05/2017, “A ESPERANÇA CRISTÃ – 21. A MÃE DA
ESPERANÇA”, PRAÇA DE S. PEDRO, LIBRERIA EDITRICE VATICANA.
24
Ou ainda, as muitas iniciativas que tomamos para
construir a paz, para solucionar os conflitos de todo tipo, para
construir pontes, colocando-nos muitas vezes a serviço
também de outras obras ou de realidades existentes que,
porém, sejam orientadas para o bem dos homens, a fim de
apoiá-las e, juntos, ajudar a difundir no mundo o estilo de vida
do Evangelho, inclusive influindo em todas as esferas culturais:
na economia, na política, na arte, na ciência... todas as nossas
“Inundações” que conhecemos bem. E a sua presença,
silenciosa, mas ativa, contém e reúne todos em unidade e,
como no cenáculo, atrai a presença de Jesus e do Espírito
Santo.
Chiara nos disse uma vez que ser Maria significa “ter um
coração de carne”. E nos explicou que ter um coração de carne
significa ter um coração de mãe e que precisamos ser mães
para sermos Maria.
É Maria que possui o coração de carne. [...]. É a mãe! 23.
Chiara nos fez uma lista de tudo aquilo que uma mãe faz
pelo filho, por exemplo: é a primeira a se levantar de manhã e a
23
C. LUBICH, “Coração de carne – Maria Mãe = vocação do focolarino”, Encontro

das/dos focolarinas/os italianos, Rocca di Papa, 3 de junho de 1973.


25
última a ir dormir; quando o filho está doente, não chora, mas
fica ao seu lado, sem nem mesmo trocar de roupa para estar
sempre pronta para procurar o médico, e não deixar a criança
preocupada, mas é ela que se preocupa… Por quê? Porque é a
mãe que faz tudo isso e não se cansa, entra em contato com
todos e deixa a criança tranquila.
O exemplo mais evidente de quem possui o coração de
mãe – nos dizia Chiara – é Maria, é Maria, a Mãe. O Papa
Francisco diz que é aquela “Mãe que Jesus deu de presente a
todos nós” como a nossa mãe, este presente de Jesus a nós, de
Mãe, que nós devemos imitar.

Existe uma página maravilhosa do Papa Francisco, que


eu gostaria de ler para vocês, na qual ele vê Maria aos pés da
cruz, e a descreve, comentando: nos Evangelhos Maria
“reaparece precisamente no momento crucial: quando grande
parte dos amigos fogem por terem medo. As mães não traem,
e naquele instante, aos pés da cruz, nenhum de nós pode dizer
qual foi a paixão mais cruel: se a de um homem inocente que
morre no patíbulo da cruz, ou a agonia de uma mãe que

26
acompanha os últimos instantes de agonia de seu filho. Os
Evangelhos – diz o Papa – são lacônicos e extremamente
discretos. Mencionam com um simples verbo a presença da
Mãe: Ela ‘estava’ (Jo 19,25). – Stabat, como diz Chiara –. […]
Estava ali, no momento mais triste, mais cruel, e sofria com o
filho. ‘Estava’. Maria ‘estava’, simplesmente estava lá. Ei-la
novamente, a jovem de Nazaré, agora com cabelos grisalhos
pelo passar dos anos, ainda ocupada com um Deus que só deve
ser abraçado, e com uma vida que chegou ao limiar da
escuridão mais densa. Maria ‘estava’ na escuridão mais
espessa, mas ‘estava’. Não foi embora.
Maria está fielmente presente, cada vez que surge a
necessidade de manter uma vela acesa num lugar de bruma e
neblina. Nem ela conhece o destino de ressurreição que o seu
Filho estava abrindo naquele instante para todos nós, homens:
está ali por fidelidade ao plano de Deus do qual se proclamou
serva no primeiro dia da sua vocação, mas também por causa
do seu instinto de mãe que simplesmente sofre, cada vez que
um filho atravessa uma paixão”24.
Esta é Maria na descrição do Papa Francisco.
24
PAPA FRANCISCO, Audiência Geral 10/05/2017, cit.
27
Portanto, é Maria com o coração de mãe.

Mas, o que fazer para ter um coração de carne?,


perguntava Chiara a si mesma. Se vocês soubessem – dizia – o
que é necessário para transformar um coração de pedra num
coração de carne! Não podem imaginar quantos cinzéis Deus
usou neste período para transformar o meu coração num
coração de carne! […]25.
Também Chiara é discreta, não nos diz muito, nos deixa
imaginar, nos diz: “se vocês soubessem...”, ao revelar com
quantos sofrimentos nos gerou como filhos seus, com quantos
sofrimentos se tornou aquele coração de mãe que
conhecemos. Mas lembramos que ela mesma cantou o que eu
disse antes: É com o teu abraço, riqueza minha, que nos
tornamos outra Maria. E é somente percorrendo este caminho
que também nós podemos compartilhar a sua maternidade.
Sem dúvida é o que sempre procuramos viver, de
maneira mais ou menos consciente, desde o primeiro
momento em que conhecemos o Ideal. Em todas as realidades
da Obra em que nos encontramos, procuramos fazer isso, mas
25
C. LUBICH, “Coração de carne – Maria Mãe = vocação do focolarino”, cit.
28
o tema deste ano talvez nos estimula a ir mais em
profundidade também em relação a este aspecto, a encontrar a
maneira de ser realmente este coração de mãe para a
humanidade.
Recordávamos que Chiara disse que, durante o
bombardeio, sofria por não poder mais recitar a Ave-Maria. E,
passado algum tempo, lembrando esta frase e parafraseando a
Ave-Maria quando diz: “Bendito o fruto do teu ventre, Jesus”,
Chiara dizia:
“Por toda parte no mundo, onde apareceres – tu, Maria
– na tua obra, o teu filho florescerá novamente em meio a ti”26.
Portanto, podemos dizer que, em todo lugar onde a
Obra nasceu, ali floresceu – de alguma forma – uma certa
presença de Jesus em meio à comunidade, renovando assim a
função fundamental de Maria: a de dar Jesus ao mundo.
Quando lembramos Maria nos textos do Paraíso,
dissemos: Maria queria voltar ao mundo para dar Jesus,
portanto Maria “quer” voltar ao mundo para dar Jesus. Como
faz isso?
Em um Diário de Chiara de 2002 encontramos:
26
ID., Maria, transparência de Deus, cit. pag.19.
29
Se é verdade que santa Teresinha dizia: “Eu, na Igreja,
minha Mãe, serei o amor”, também eu (nós) deveríamos dizer:
“Eu, na Igreja, minha Mãe, serei Maria.” […] esta não é outra
coisa senão a nossa vocação: pequenas Maria diante Dela, que
é grande. Mas sempre Maria. […]
Pensei no meu testamento, que anunciei: deixar a todos
Jesus no meio deles. Hoje […] entendi que mesmo se deixasse a
cada um, quando morrer, o mundo inteiro, isso não se
equipararia a ele. Jesus é o bem supremo e todos poderão
herdá-lo. Por quê? Porque Ele não é senão o fruto da vivência
da nossa espiritualidade. Vivendo cada um dos seus pontos
fundamentais –ponto por ponto –, chegamos a oferecer Jesus
ao mundo. E talvez seja por isso que podemos afirmar: “Eu na
Igreja, minha Mãe, serei Maria”. Maria, encoberta pelo Espírito
Santo, ofereceu Jesus fisicamente ao mundo. Nós, pela luz de
um carisma, podemos oferecer Jesus espiritualmente 27.

Para realizar o desígnio de Deus para a Obra, para ser a


Obra hoje, é preciso, portanto, gerar constantemente entre
nós, por toda parte, a presença de Jesus.
27
ID., Diário autógrafo, 30 de novembro e 1º de dezembro de 2002.
30
Não, porém, como fim em si mesma – nos admoestava
ainda Chiara em uma conferência telefônica do ano 2000 –,
mas como um trampolim para poder amar a todos e incendiar
o mundo com o amor; para semear nele os valores verdadeiros
e cancelar os falsos; para aí construir o Reino; para permitir
que Maria cante novamente o seu Magnificat, através da
Obra28.

Esta é a nossa identidade, nunca completamente


alcançada, sempre na nossa frente, mas esta é a nossa altíssima
vocação, de todos nós. (Aplausos)

28
ID., “Uma nova unidade”, Collegamento CH de 29.06.2000, In unità verso il
Padre, Città Nuova, Roma 2004, pp. 25-27
31

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