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Cf. Estatutos gerais, art. 2.
1
Justamente quando queremos aprofundar a identidade da
Obra, como não ver esta identidade a não ser em Maria?
Devemos, portanto, falar de Maria.
Uma consolação é o que eu disse no dia 16 de julho –
que muitos de vocês, talvez todos, ouviram –, ou seja, que
depois do ano em que aprofundamos a realidade de Jesus
abandonado, tenho a impressão de que Ele nos preparou,
porque Chiara disse uma vez – e falei sobre isso naquele
encontro –: “É com o teu abraço – de Jesus abandonado –
riqueza minha” [doçura minha, sabedoria minha... foram dados
muitos adjetivos deste tipo a Jesus abandonado, mas...], “é
com o teu abraço que nos tornamos outra Maria”.
Durante o ano inteiro, pouco ou muito, procuramos
encontrar Jesus abandonado. Portanto, Ele nos preparou para
sermos aquele “nada por amor”, que é Ele, para conseguirmos
colher o “nada por amor” que é Maria, para podermos
entender pelo menos um pouco quem é este “nada por amor”
que é Maria.
Para considerar estes elementos, dividi o assunto em
três pontos:
2
O primeiro ponto: um retorno à fonte. O que o encontro
com Maria significou para Chiara: quando e como Ela se
manifestou.
São episódios que vocês conhecem, que conhecemos,
mas vamos relembrá-los juntos, muito rapidamente.
Um segundo ponto: como Chiara viu em Maria o modelo
da nossa vida, o caminho; tanto é verdade que se fala de
“etapas” da via Mariae, uma via Mariae feita de etapas que
repercorrem, de certo modo, as etapas da vida de Nossa
Senhora. Não farei a análise das etapas porque temos depois
todo o ano para aprofundar esta realidade e para aprofundar o
retorno às fontes, porque depois será publicado o livro sobre
Maria; teremos a antologia com todo o material e os temas de
meditação sobre Maria. Temos um ano inteiro para
aprofundar, por isso vou procurar resumir esta parte, de modo
a poder aprofundar melhor a terceira parte, ou seja, o que
significa para nós, hoje, ser Maria. Neste momento da Obra,
em 2017, neste momento da nova configuração, de mudanças,
de novos desafios, o que significa “ser Maria” hoje, para nós.
3
Este me parece o aspecto mais atual e que tentarei
expor do melhor modo possível.
Como “retorno à fonte” lembremos alguns momentos.
Chiara mesma diz que Maria veio depois, não se
apresentou logo, mas estava presente desde o início, ainda
antes que nascesse o focolare; porque o primeiro vislumbre da
ideia sobre ele – vocês sabem – foi em Loreto. Portanto, Loreto
é o primeiro encontro de Chiara, líder da Obra, fundadora de
uma obra – não de Chiara pessoa, porque ela teve o encontro
com Maria ainda quando criança: ela lembrava das irmãs de
Maria Menina, etc. –, mas como responsável de uma Obra que
estava nascendo, Chiara teve este primeiro encontro em
Loreto. E ela lembra este encontro assim: foi o primeiro olhar
de amor de Maria2 sobre esta Obra. E Maria estava ali, de certa
forma, esperando – porque ali Chiara entendeu que surgiria
uma multidão de virgens, que nasceria um novo caminho na
Igreja, que ela chamou o “quarto caminho” –. Então, sobre
aquela circunstância Chiara disse depois: Maria estava ali, à
2
Cf. C. LUBICH, S. Clara e Maria, na festa de S. Clara, Bulle-Suíça, 10 de agosto de
2003.
4
espera de todos aqueles que a seguiriam na sua Obra 3. Era o
ano de 1939.
Outro momento importante, que Chiara mesma narrou,
foi quando, sob um bombardeio – vocês se lembram? – Chiara
se encontrou à beira de partir para a Outra vida, junto com as
suas companheiras, e quando, quase por milagre, levantando-
se do chão, ainda toda coberta pela poeira do abrigo antiaéreo,
disse às suas companheiras: “Sabem, o que mais me fez sofrer
foi pensar que nunca mais poderia recitar, aqui na terra, a Ave-
Maria”4. Muitas coisas podiam fazê-la sofrer, mas, naquele
momento, lhe veio à tona isto. E mais tarde ela explicou:
“Entendi depois que recitar na terra a Ave-Maria significava ter
uma multidão de pessoas que, com a própria vida, glorificariam
Maria5. Como que as contas de um rosário, que são todas as
pessoas da Obra que glorificam Maria com as suas vidas”.
Depois chegamos ao ano de 1949 e Chiara, nesse ano,
tem uma extraordinária compreensão de Maria. Também esta
foi, de certa forma, uma surpresa, porque Chiara conta que viu
3
Cf. ID., Maria, transparência de Deus, Cidade Nova, São Paulo 2003, pág. 17.
4
Cf Ibid., pág. 18-19.
5
Cf Ibid., pág. 19.
5
o Pai, que tinha entrado no Seio do Pai graças ao Pacto de
unidade com Foco; que tinha visto o Verbo, e depois esperava:
Pai, Filho… Espírito Santo. Ao invés não, o Verbo lhe apresentou
Maria, o Verbo de Deus lhe apresentou a sua Mãe no Paraíso,
como se – dizia Chiara – o Espírito Santo, o Esposo de Maria,
tivesse intencionado dar espaço a Ela, como faz um cavalheiro.
Portanto, também este fato representou uma surpresa
para Chiara, não é que ela raciocinava sobre as coisas.
E como Chiara viu Maria? Chiara diz: de uma beleza
indescritível6; grande na mesma proporção em que soubera
desaparecer até aquele momento, de uma beleza imensa. “Eu a
vi tão grande a ponto de suscitar em mim – diz Chiara – um
amor por Ela, como nunca havia experimentado” 7. Portanto,
um amor novo por Maria. Isso aconteceu em 1949. Foi naquele
período de graças extraordinárias do Paraíso que Chiara viu em
Maria esta figura extraordinária a ponto de sentir este imenso
amor.
Entendemos – narra Chiara mais tarde – que por meio
desta Obra, formada por leigos, sacerdotes e consagrados;
6
ID., Paraíso de 1949, par. 63 (Escrito de 19 de julho de 1949);
7
Cf Ibid., par. 56 (primeiros dias).
6
virgens e casados, adultos e crianças, em uma exultação de
vida que repetia na terra a vida bem-aventurada da Trindade e
se desenvolvia sob o assustador e amoroso açoite da dor,
alimento de Maria histórica, sempre alimento de Maria
Mística, o seu anseio era voltar à terra para lhe reconduzir
Jesus”8.
Foi ali que Chiara pensou: “Você está sozinha? Forme
aqui na terra uma família. Como você pode trazer Jesus se não
formar uma família?” Aquela oração, que parecia absurda.
Passam-se os anos e chegamos ao ano de 1957, outra
experiência de Chiara que, sem dúvida, vocês conhecem, uma
nova etapa, uma nova experiência de Chiara que ela mesma
nos narrou, dizendo:
Um dia […], impelida, acho, pelo Espírito, que me
colocava as palavras na boca, entrei numa igreja e, com o
coração cheio de confidência, perguntei a Jesus por que motivo
Ele, que ficou na terra, em todos os pontos da Terra, na
dulcíssima Eucaristia, não encontrou um modo de deixar aqui
também a sua mãe, para nós que precisamos de ajuda na
viagem da vida. E – lembram a resposta – do sacrário, no
8
ID., Discurso preparado para a Mariápolis de 1959 (datilografado).
7
silêncio, Ele parecia me responder: ‘Não a deixei porque quero
revê-la em ti’ (em vós)9.
E chegamos à década de 1960. Chiara descobre a
Desolada, e na Desolada “um monumento de todas as
virtudes”, a ponto de encontrar nela como que “o molde” no
qual nos colocamos para podermos ser Jesus. Por sinal, desde o
início, no primeiro focolare, se costumava começar o dia
dizendo: “Porque estás abandonado, Jesus; porque estás
desolada, Maria”10, eis-me aqui; de certa forma um pacto com
Jesus abandonado e Maria desolada. … porque estás desolada,
dizia Chiara, que significa, ser somente Palavra de Deus11.
Perder, portanto, todo o resto. Existe um forte vínculo
entre a Desolada e a Palavra, porque, realmente, se somos
Palavra de Deus não somos mais nós. Nela, ademais,
contemplamos vividas todas as Palavras, vemos resplandecer
todas as virtudes12.
E em 1962 ela escreve aquela maravilhosa meditação:
9
Cf ID., Maria, transparência de Deus, Cidade Nova, São Paulo 2003, pág. 40-41.
10
Cf ID., A unidade e Jesus Abandonado, Cidade Nova, São Paulo 1985, p. 59.
11
ID., Paraíso de 1949, par. 299 (Escrito de 27 de julho de 1949).
12
Cf Ibid., notas 280-281.
8
Tenho uma só Mãe na terra: Maria desolada, de certa
forma um espelho do seu outro escrito: Tenho um só Esposo na
terra: Jesus abandonado.
Se concordarem, podemos ouvi-la lida por Chiara
mesma. Em 2003, por ocasião da festa de santa Clara na Suíça,
ela relê esta meditação e faz como que uma releitura, uma
atualização, expressando o que significam estas palavras que
ela escreveu em 1962, o que significam em 2003. E hoje
poderíamos nos perguntar: o que significam hoje, para nós?
(Vídeo, Chiara, 10.08.2003)
«Tenho uma só mãe na terra: Maria Desolada. Não
tenho outra mãe além dela. Nela está toda a Igreja pela
eternidade” – é Mãe da Igreja – e toda a Obra na unidade:
Maria é Mãe da Obra no seu conjunto.
No seu desígnio o meu desígnio: no seu desígnio de
Desolada, o meu destino, o meu desígnio e, portanto, também
o de cada pessoa individualmente.
Irei pelo mundo revivendo-a. Toda separação será
minha: perder tudo, tudo, para viver o presente, o momento
presente, a vontade de Deus.
9
Todo desprendimento do bem que fiz: – que é uma das
maneiras mais difíceis de perder –, uma contribuição para
edificar Maria em mim e nos outros.
No seu ‘stabat’ o meu ‘estar’: nela, Desolada, a minha
maneira de viver.
No seu ‘stabat’ o meu ‘caminhar’: nela, a maneira de
agir, a minha maneira de agir.
Hortus conclusus e fonte lacrada (Ct 4,12): nada e
ninguém deve infringir a minha solidão com Deus, nem mesmo
os irmãos, porque vejo Jesus neles.
Cultivarei suas virtudes mais amadas: aquelas que
podem ser chamadas de virtudes negativas, mas todas filhas da
caridade. E para quê?
A fim de que sobre o nada silencioso de mim fulgure a
Sabedoria dela.
Este é o efeito de viver a Desolada; é o mesmo efeito de
quando amamos Jesus abandonado, em que sentimos
imediatamente o Ressuscitado em nós. Assim, amando a
Desolada desta maneira, ou seja, perdendo, para viver somente
10
o momento presente, nós constataremos, em nós, a Gloriosa
que é plena de Sabedoria.
E que muitos, todos, os seus filhos prediletos, os que
mais necessitam de sua misericórdia [...], encontrem sempre a
sua materna presença numa outra pequena Maria 13».
Emmaus: Entendem que não é só uma contemplação.
Chiara o diz: a fim de que todos encontrem por toda parte
outra pequena Maria, uma Sua presença numa outra pequena
Maria.
Eis então a segunda parte: o que é Maria para nós, o que
ela nos ensinou, como nos conduziu no nosso caminho
Chiara diz:
Maria é a porta que nos introduz em Deus. E a porta não
é porta se não se abre para deixar passar. Uma porta sempre
fechada é uma parede. Quem se detém na porta não chega a
Deus. A porta é para Jesus”14.
Chiara disse uma vez que também o fato de que Maria
tenha se manifestado tarde na Obra era um modo de
testemunhar que ela queria desaparecer para dar lugar a Deus:
13
ID., S. Clara e Maria, na festa de S. Clara, Bulle -Suíça, 10 de agosto de 2003.
14
ID., Maria, transparência de Deus, pag. 24.
11
que primeiro vinha Deus, Deus Amor, a vontade de Deus, o
amor recíproco, Jesus abandonado, todos os pontos da
espiritualidade, e depois chegava ela, porque ela tinha feito
tudo por Deus, viveu só para Jesus.
Este papel de Maria é muito importante, inclusive se
pensarmos em Maria do ponto de vista ecumênico, porque
muitas vezes se pensa que Maria é uma dificuldade, um
obstáculo para o ecumenismo. Senti muita alegria quando
recebi uma cartinha de uma nossa focolarina evangélica que
vocês conhecem, a Heike, que trabalha no Centro Uno.
Justamente sabendo que eu estava preparando esta reflexão,
ela me escreveu e me indicou a homilia de um teólogo
evangélico15 na igreja luterana de Roma, por ocasião da festa da
Anunciação. Este professor de teologia alemão, apresentou
Maria essencialmente como “a mulher de fé”, aquela que,
diante do anúncio do anjo, soube responder: “Eis a serva do
Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra”.
Portanto Maria, Palavra de Deus, Maria que diz a Deus:
“Faça-se em mim segundo a Tua palavra”.
15 Cf Homilia do Prof. Dr. Notger Slenczka (Berlim) para a Festa da Anunciação, Igreja luterana de Roma, 25 de março de 2017.
12
E Chiara nos diz: Este ver Maria como Palavra de Deus
nos parece rico de consequências, especificamente em relação
ao diálogo ecumênico. Com efeito, se o que diz respeito à figura
de Maria pode constituir um obstáculo à unidade plena com os
irmãos evangélicos, o que acontecerá quando eles, que tanto
evidenciam o valor das Escrituras, nela reconhecerem a
‘personificação’ das próprias Escrituras?16.
17 Cf. ID.,
Entrevista, Rádio Vaticana Brasileira, Rocca di Papa, 4 de junho de 1987.
14
Nela, Chiara nos exorta a ver não somente a Mãe de
Deus, a Imaculada, a Assunta, a Rainha, mas também “a cristã
perfeita, a noiva, a esposa, a mãe, a viúva, a virgem, o modelo
de todo cristão, Aquela que – como nós leigos – não pode
oferecer sacramentalmente Cristo ao mundo porque – como
nós – não faz parte da hierarquia, mas, como mãe, é sempre
muito ativa na Igreja, pela caridade que lhe urge no coração,
de onde provém o seu sacrifício com que partilha o sacrifício do
Filho.
Maria, leiga como nós, leigos, ressalta que a essência do
cristianismo é o amor e que inclusive cada sacerdote e cada
bispo, antes de serem tais, devem ser cristãos verdadeiros,
devem ser crucificados vivos, como crucificado foi Jesus, que
fundou a sua Igreja na cruz18.
E foi Maria que nos sugeriu esta espiritualidade
comunitária, universal, esta espiritualidade que tende à
unidade, porque é característico de uma mãe desejar que
todos os seus filhos sejam unidos; é característico de uma mãe
estar atenta para dar aos filhos o modo de viver para se
entenderem, para se sentirem bem quando estão juntos.
18
Cf ID., Ideal e Luz, Cidade Nova, São Paulo 2003, pag. 155.
15
Portanto, é ela que nos guia no nosso caminho, e é por isso que
Chiara reconheceu nas etapas da Sua vida certamente
momentos extraordinários.
São todas de Maria estas etapas que ela viveu, dando-
nos, porém, exemplos de como nós podemos viver a nossa
vida, de como pode ser a nossa Santa Viagem com Maria.
16
aula da Escola Abba, retomando os escritos do Paraíso sobre
Maria e aprofundando-os ela mesma.
Partindo de algumas páginas do Paraíso, Chiara nos abriu
a alma para nos contar como Maria se manifestou, como Deus
fez com que ela a conhecesse naquele período de iluminações
e de graças, de que já falamos.
Chiara relembrou primeiramente o que aconteceu no dia
19 de julho. Vamos lembrar, estamos no início; no dia 16 de
julho houve a entrada no Pai, no dia 19 de julho, o que
aconteceu? No dia 19 de julho de 1949, quando, depois de ter
conhecido no Paraíso o Pai e o Verbo, o Verbo de Deus lhe
mostrou Maria. Portanto, é uma das primeiras coisas que
Chiara viu no Paraíso.
Chiara diz: Jamais alma humana A viu tão grande. Era
maior que Deus: Deus a fizera maior do que Ele mesmo.
Até então Maria me tinha sido simbolizada como a lua,
maior do que as estrelas, que me representavam os santos,
menor do que o sol que representava Deus. Agora eu A via
como o céu azul que continha tanto o sol como a lua e as
estrelas. Tudo estava Nela19.
19 ID.,
Paraíso de 1949, par. 53-55 (Primeiros dias).
17
Portanto, de uma parte para um todo.
Depois, justamente ali em Flüeli, após a leitura desta
página, Chiara comentou ainda:
Aquilo que entendi é que Maria é enorme. “Grande
como o Pai e como o Filho.” É a plena realização daquilo que
Jesus disse, dirigindo-se ao Pai: “amaste-os como amaste a
mim” (Jo 17,23). Vi Maria tão grande quando Ela se manifestou
a mim como “Mãe de Deus”. É aqui, penso, ou seja, na sua
maternidade divina, que se atua aquele “como”; é aqui que
Maria é amada pelo Pai “como” Jesus é amado. A sua grandeza
está na maternidade divina. O que podia fazer o Pai para torná-
la semelhante a Ele, igual a Ele, embora por participação?
Devia fazê-la como Ele: Ele era Pai do Verbo, depois Verbo
encarnado; Ela, mãe daquele mesmo Verbo, Verbo encarnado.
(…) Além do mais, no Paraíso – continua Chiara –, eu a vi, por
assim dizer, “quarta na Trindade” e, para ser quarta na
Trindade, Maria devia ter, por participação, algo de
proporcional aos outros Três. Na ocasião fiquei surpresa por
esse lugar ajustado a Maria e não sei dizer o que experimentei
ao vê-La. Mas a nossa Obra é uma Obra mariana e Deus
18
estabelecia ali suas fundações, fazendo-nos compreender quem
é Maria para Ele e qual é o seu lugar20.
21
começasse a contar os próprios erros poderia fazer uma lista
interminável, mas isso não adianta, não adianta.
Então: nós podemos dizer que a Obra pode cantar o
Magnificat? Que existe um Magnificat da Obra? Podemos dizer
isso como um dever ser, ou seja, “deveria” poder dizer: o
Onipotente fez em mim grandes coisas. Talvez mais como um
“dever ser” do que uma realidade. Todavia isso não nos
humilha, porque quanto mais percebemos as nossas
fragilidades, tanto mais se evidencia a grandeza do carisma,
isto é, a grandeza de Deus, a grandeza da qual Deus, através do
carisma, nos faz portadores no mundo. De fato, como continua
o Magnificat? “Olhou para a humildade de sua serva”. Sim,
Maria desolada, ensinando-nos a perder tudo, nos ajuda
constantemente a nos colocarmos numa atitude de serviço
diante de cada irmão, com a consciência da nossa nulidade, a
única que permite evidenciar a ação de Deus e transmitir a sua
mensagem de amor, como diz o Magnificat, “de geração em
geração”, às novas gerações.
Ainda hoje, com a sua presença na Obra, Deus “dispersa
os soberbos, derruba os poderosos de seus tronos e exalta os
22
humildes”. Vocês me dirão: “mas isto é verdade?”. Eu lhes digo:
Maria nos impele a reconhecer em cada pessoa um filho de
Deus, portanto um irmão. E isto, embora no respeito a cada
especificidade, estabelece uma igualdade fundamental, que
nenhuma diferença pode prejudicar. Lembramos a canção das
primeiras Mariápolis: “Motoristas, estudantes e médicos,
farmacêuticos e deputados, chegando aqui na Mariápolis, já se
tornam todos iguais. Para que servem os títulos, se aqui somos
todos irmãos?”: esta é a humildade da sua serva, da sua
escrava, de Maria na Obra.
“Encheu de bens os famintos, despedindo os ricos de
mãos vazias”. Maria realiza isso na Obra? Inserindo uns e
outros no circuito do amor recíproco, Maria, na Obra, nos
solicita a colocar em comunhão tudo: corações, bens, talentos,
serviços, para tender a fazer de cada pequena ou grande
comunidade uma verdadeira família, na qual não exista quem
tem em superabundância, e que talvez esbanje, e quem não
tem o necessário. É Maria que nos impulsiona a fazer isso.
A presença de Maria nos ajuda a lembrar a nós mesmos
e ao mundo, a misericórdia prometida por Deus a todos os seus
23
filhos, “a Abraão e à sua descendência para sempre” diz o
Magnificat, e nos ensina – como diz o Papa Francisco – “a
virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido: ela
permanece sempre confiante no mistério de Deus, até quando
Ele parece desaparecer por culpa do mal do mundo” 22. Como
aos pés da cruz. Maria nos impulsiona a esperar sempre, a
ajudar todos a irem em frente com os olhos fixos no horizonte,
na certeza de que o motor da história é Deus e que Deus é
Amor.
E Ela, na Obra, abraça pessoas e situações as mais
variadas com o seu amor de mãe. Pensemos nos diálogos, em
toda a sua amplidão. Este ano, foi Maria que orientou de modo
particular toda a Obra ao ecumenismo. E o que nós vimos?
Vimos que impulsionou todos nós, cristãos de diversas Igrejas,
unidos pelo carisma que temos – esta experiência de unidade
no carisma –, a testemunhar, a experimentar como é forte o
vínculo que vem do comum batismo e a nos empenharmos a
fazer de tudo para que se acelere a hora da plena e visível
unidade. Foi Maria que nos impeliu a viver assim este ano.
22
PAPA FRANCISCO, AUDIÊNCIA GERAL 10/05/2017, “A ESPERANÇA CRISTÃ – 21. A MÃE DA
ESPERANÇA”, PRAÇA DE S. PEDRO, LIBRERIA EDITRICE VATICANA.
24
Ou ainda, as muitas iniciativas que tomamos para
construir a paz, para solucionar os conflitos de todo tipo, para
construir pontes, colocando-nos muitas vezes a serviço
também de outras obras ou de realidades existentes que,
porém, sejam orientadas para o bem dos homens, a fim de
apoiá-las e, juntos, ajudar a difundir no mundo o estilo de vida
do Evangelho, inclusive influindo em todas as esferas culturais:
na economia, na política, na arte, na ciência... todas as nossas
“Inundações” que conhecemos bem. E a sua presença,
silenciosa, mas ativa, contém e reúne todos em unidade e,
como no cenáculo, atrai a presença de Jesus e do Espírito
Santo.
Chiara nos disse uma vez que ser Maria significa “ter um
coração de carne”. E nos explicou que ter um coração de carne
significa ter um coração de mãe e que precisamos ser mães
para sermos Maria.
É Maria que possui o coração de carne. [...]. É a mãe! 23.
Chiara nos fez uma lista de tudo aquilo que uma mãe faz
pelo filho, por exemplo: é a primeira a se levantar de manhã e a
23
C. LUBICH, “Coração de carne – Maria Mãe = vocação do focolarino”, Encontro
26
acompanha os últimos instantes de agonia de seu filho. Os
Evangelhos – diz o Papa – são lacônicos e extremamente
discretos. Mencionam com um simples verbo a presença da
Mãe: Ela ‘estava’ (Jo 19,25). – Stabat, como diz Chiara –. […]
Estava ali, no momento mais triste, mais cruel, e sofria com o
filho. ‘Estava’. Maria ‘estava’, simplesmente estava lá. Ei-la
novamente, a jovem de Nazaré, agora com cabelos grisalhos
pelo passar dos anos, ainda ocupada com um Deus que só deve
ser abraçado, e com uma vida que chegou ao limiar da
escuridão mais densa. Maria ‘estava’ na escuridão mais
espessa, mas ‘estava’. Não foi embora.
Maria está fielmente presente, cada vez que surge a
necessidade de manter uma vela acesa num lugar de bruma e
neblina. Nem ela conhece o destino de ressurreição que o seu
Filho estava abrindo naquele instante para todos nós, homens:
está ali por fidelidade ao plano de Deus do qual se proclamou
serva no primeiro dia da sua vocação, mas também por causa
do seu instinto de mãe que simplesmente sofre, cada vez que
um filho atravessa uma paixão”24.
Esta é Maria na descrição do Papa Francisco.
24
PAPA FRANCISCO, Audiência Geral 10/05/2017, cit.
27
Portanto, é Maria com o coração de mãe.
28
ID., “Uma nova unidade”, Collegamento CH de 29.06.2000, In unità verso il
Padre, Città Nuova, Roma 2004, pp. 25-27
31