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P.10. - Nessa acepção, Manoel Bomfim não seria tido como antropólogo. O
classificariam como historiador ou como filósofo social, poderiam até
reconhecer seu talento, mas tratá-lo como antropólogo, isso jamais. Entretanto, é
de perguntar a que ramo do saber cabe a tarefa de indagar como nosso povo
surgiu e como veio a ser o que é? À antropologia, certamente. Mais que isto, à
antropologia da civilização que poderá certamente beber sabedorias etnológicas,
arqueológicas e outras, mas não se reduzirá jamais a elas. (...) Essa antropologia
da civilização tem importância crucial para o povo brasileiro, porque a ela é que
cabe compor o discurso científico de explicação de nosso ser. Mentes muito
variadas, como por exemplo, Euclidesw da Cunha, Capistrano de Abreu e
Manoel Bomfim, escreveram suas obras versando os temas e problemas dessa
antropologia que cumpre retomar para compreender e criticar, a fim de escrever
à luz de nossa própria percepção e experiência melhores teorias explicativas de
nós mesmos.
P.10-11. – (...) lendo e repensando nossas vivências, que rompi com meu
provincianismo brasileiro para perceber que somos parte de um todo: a América
Latina. Que nossa história é feita das mesmas vicissitudes vividas pelos povos
que construíram, aqui, com a carne e com a alma dos índios e dos negros que os
brancos caçaram e encurralaram para produzir riquezas.
Nota: Ribeiro usa uma linguagem dura em seu texto quando fala da colonização do
continente americano, aproxima-se muito do discurso de Manoel Bomfim na
defesa de negros e índios.
P.11. – No meio desse cipoal bibliográfico, às vezes surgia uma luz. Até sóis
brilhavam ali, em cintilações fugazes de lucidez. Mas minha maior surpresa,
meu encantamento, foi encontrar um dia, ao acaso, atraído pelo título, esse livro
extraordinário que é América Latina – males de origem, de Manoel Bomfim.
Lendo-o, me vi diante de todo um pensador original, o maior que geramos, nós,
latino-americanos.
Nota: Darcy Ribeiro estava exilado no Uruguai e lá pesquisando sobre um livro que
deseja escrever sobre o povo brasileiro, deparou-se com a obra prima de Bomfim e
encantou-se com a originalidade deste cientista social sergipano.
P.13.- O fato é que Manoel Bomfim surgia com um livro sábio e profundo,
pensado , trabalhado, em que demonstra cabalmente, dizendo-o com todas as
letras - exemplificando com propriedade, contracitando com sábios europeus
que se opunham aos teóricos do racismo tão admirados no Brasil – que nossos
males não vêm do povo. São, isto sim, produto da mediocridade do projeto das
classes dominantes que aqui organizaram nossas sociedades em proveito
próprio, com o maior descaso pelo povo trabalhador, visto como uma mera fonte
de energia produtiva, que ele podia desgastar como bem quisesse.
Nota: O livro América Latina... é sem sombra de dúvida um livro singular. Nele,
Bomfim aponta que a causa da pobreza e do atraso do Brasil e dos latino-
americanos está no tipo de colonização que esta parte da América teve por parte
dos espanhóis e portugueses que saquearam e exterminaram os povos nativos do
continente, e ainda trouxeram milhões de africanos para produzirem riquezas na
condição de trabalhadores escravizados.
P.12. – Nem se pode dizer que a obra de Manoel Bomfim não foi vista. Pouco
depois de publicada, ela foi objeto de todo um livro de contestação do genioso
Sílvio Romero. Nesta polêmica, Sílvio desanca Manoel Bomfim procurando
demonstrar que ele é um completo idiota. Idiota era Sílvio, coitado. Tão
diligente no esforço de compreender o Brasil, mas tão habitado pelos pensadores
europeus em moda, que só sabia papagaiá-los.
Nota: Como diz a antropóloga Lilian Schwarcz no livro “O espetáculo das raças”, a
ciência brasileira do século XIX e início do século XX era pura cópia das teorias
científicas ou pseudo-científicas europeias, ou como disse o historiador Nelson
Werneck Sodré é a ideologia do colonialismo travestidas de ciência. O Próprio
Sílvio Romero foi objeto de estudo de Sodré no livro “Ideologia do colonialismo”.
A razão dá-se a quem tem e hoje os livros de Bomfim são estudados como
importantes obras de história, sociologia, antropologia, ciência política, psicologia
e pedagogia e os livros de Romero com pretensões de ciências sociais e história
estão no limbo do esquecimento. O que é merecido, pois a produção historiográfica
e sociológica de Romero é ciência europeia barata e colonialista que o genioso e
rancoroso intelectual sergipano compilou sem nenhuma originalidade.
P.14. – (...) o tão citado Joaquim Nabuco, que, em sua bobice, se jactava de
pensar em francês e só tinha olhos para belezas europeias. (...) Outro alienado
era Nina Rodrigues que apesar de certo mérito como etnógrafo, só via na
negridão o sofrimento dos africanos purgando culpas e considerava a presença
dos negros como a maior desgraça do Brasil. José Veríssimo, êmulo de Sílvio
Romero na discussão das ideias de moda, viveu atolado no racismo e no vexame
de si mesmo e de seu povo, tanto que escreve: “O que se pode esperar de um
povo feito de conluio de selvagens inferiores, indolentes grosseiros, de
colonizadores oriundos da gente mais vil na metrópole – calcetas, assassinos,
barregões – e de negros bossais e degenerados”.
Nota: Penso que a abordagem de campo intelectual Pierre Bourdieu (1968) nos
esclarece sobre a situação de Manoel Bomfim na produção científica de sua época,
posto que o professor de Moral e Cívica, pedagogia, psicologia e língua portuguesa
da Escola Normal da República não integrou o campo intelectual hegemônico das
ciências sociais brasileiras das primeiras décadas da República. O fato é que
Bomfim foi copiado por vários historiadores de renome a partir dos anos 1930, eles
defenderam suas teses em obras propagandeadas pelas academias que tem o poder
de sacralizar alguns intelectuais apresentando suas teorias sociais como pioneiras
do pensamento social brasileiro.
Nota: Não se pode atribuir o fato de Bomfim ter ficado no ostracismo intelectual
por cinco décadas no Brasil por obra do acaso. É relevante lembrar que Manoel
Bomfim passou a defender uma revolução popular de caráter nacionalismo como
alternativa para a superação da pobreza, da indigência educacional e do
autoritarismo no Brasil e que a beira da morte nos idos de 1930 ele parou a
impressão do livro Brasil nação em que defendia a insurreição popular para
escrever um posfácio desqualificando a revolução de 1930, comandada por Getúlio
Vargas.