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Fichamento do texto do ensaio Manoel Bomfim, antropólogo de Darcy Ribeiro.

RIBEIRO, DARCY. Antropologia/Manoel Cap.


Manoel Bomfim, Bomfim.
antropólogo in Bomfim,
Manoel. América Latina
Males de Origem.
Topbooks, Rio de Janeiro,
1993.

 P.9. – Que é um antropólogo? A antropologia, ciência do homem e dos modos


humanos de ser, é tão vasta que os antropólogos se dispersam numa miríade de
especialistas. Tantos que acabam por desconhecer-se uns aos outros. O que faz
deles – um paleontólogo, um raciólogo, um arqueólogo, um etnólogo, um
especialista em lingüística comparada ou em antropologia da civilização –
antropólogos é partirem todos de um discurso em comum sobre a natureza do
fenômeno humano que, cada qual, põe à prova em seu campo de pesquisas.

Nota: Darcy Ribeiro discorre sobre a natureza da ciência antropológica e de seus


ramos. O que denota da sua dissertação é que a antropologia dialoga com várias
ciências humanas, em especial com a história.

 P.10. - Nessa acepção, Manoel Bomfim não seria tido como antropólogo. O
classificariam como historiador ou como filósofo social, poderiam até
reconhecer seu talento, mas tratá-lo como antropólogo, isso jamais. Entretanto, é
de perguntar a que ramo do saber cabe a tarefa de indagar como nosso povo
surgiu e como veio a ser o que é? À antropologia, certamente. Mais que isto, à
antropologia da civilização que poderá certamente beber sabedorias etnológicas,
arqueológicas e outras, mas não se reduzirá jamais a elas. (...) Essa antropologia
da civilização tem importância crucial para o povo brasileiro, porque a ela é que
cabe compor o discurso científico de explicação de nosso ser. Mentes muito
variadas, como por exemplo, Euclidesw da Cunha, Capistrano de Abreu e
Manoel Bomfim, escreveram suas obras versando os temas e problemas dessa
antropologia que cumpre retomar para compreender e criticar, a fim de escrever
à luz de nossa própria percepção e experiência melhores teorias explicativas de
nós mesmos.

Nota: Traçar as fronteiras das diferentes ciências humanas é quase impossível.


Antropologia cultural em alguns sentidos está tão próxima da história cultural
como assinala José D’Assunção Barros no livro O campo da história especialidades
e abordagens de 2004.

Nota: Darcy Ribeiro percebe em Manoel Bomfim o nosso primeiro antropólogo


cultural, o qual supera o racialismo determinista europeu que atribuía a nossa
formação étnica – negros, índios e brancos, miscigenados – a razão do nosso atraso
e a nossa falta de perspectiva para um futuro promissor. Bomfim vai no sentido
contrário das teorias racistas europeias ao afirmar que o Brasil tem futuro,
justamente por ser mestiço, basta difundir a instrução popular e possibilitar o
exercício da cidadania aos milhões de brasileiros pobres que ainda sofrem com as
conseqüências de mais de três séculos de escravatura.

RIBEIRO, DARCY. Trabalho/índios e negros. Cap.


Manoel Bomfim,
antropólogo in Bomfim,
Manoel. América Latina
Males de Origem.
Topbooks, Rio de Janeiro,
1993.

 P.10-11. – (...) lendo e repensando nossas vivências, que rompi com meu
provincianismo brasileiro para perceber que somos parte de um todo: a América
Latina. Que nossa história é feita das mesmas vicissitudes vividas pelos povos
que construíram, aqui, com a carne e com a alma dos índios e dos negros que os
brancos caçaram e encurralaram para produzir riquezas.

Nota: Ribeiro usa uma linguagem dura em seu texto quando fala da colonização do
continente americano, aproxima-se muito do discurso de Manoel Bomfim na
defesa de negros e índios.

 P.11-12.- Manoel Bomfim desmascara o “parasitismo europeu” como a causa


real e efetiva das nossas desgraças. Elas resultam, de fato, da economia
especulativa que se implantou aqui, tão prodigiosamente lucrativa para os
senhores, como desgastante e mortal para a força de trabalho nela engajada. (...)
Tudo isso produzido com o desgaste de milhões de escravos, caçados aqui ou na
África por senhores brancos, cristãos e civilizados.

 P.12.- “Algumas centenas de escravos e um chicote” diz Manoel Bomfim, foi a


fórmula europeia de enriquecer, no cumprimento de seu papel civilizatório. Toda
a literatura tida como científica produzida e exportada pelos europeus para nos
explicar, é cega para esse fato capital. O fato de que, por todo o mundo, o papel
real do homem branco foi o de dizimador genocida de povos, apodrecidos em
seus corpos pelas pestes e pragas trazidas pelos europeus. Foi o de queimar
milhões de homens no trabalho escravo, como um carvão humano, para
produzirem o que não consumiam.
Nota: Ribeiro sintetiza o conceito chave para entender a pobreza latino-americana
em Manoel Bomfim – parasitismo social.

Nota: Os horrores da colonização da América Latina pelos europeus são retratados


com tinta púrpura por Darcy Ribeiro no estilo da combatividade de Bomfim. O
fato é que os exemplos do antropólogo de Montes Claros são irrefutáveis.

RIBEIRO, DARCY. Bomfim/historiografia da Cap.


Manoel Bomfim, época.
antropólogo in Bomfim,
Manoel. América Latina
Males de Origem.
Topbooks, Rio de Janeiro,
1993.

 P.11. – No meio desse cipoal bibliográfico, às vezes surgia uma luz. Até sóis
brilhavam ali, em cintilações fugazes de lucidez. Mas minha maior surpresa,
meu encantamento, foi encontrar um dia, ao acaso, atraído pelo título, esse livro
extraordinário que é América Latina – males de origem, de Manoel Bomfim.
Lendo-o, me vi diante de todo um pensador original, o maior que geramos, nós,
latino-americanos.

Nota: Darcy Ribeiro estava exilado no Uruguai e lá pesquisando sobre um livro que
deseja escrever sobre o povo brasileiro, deparou-se com a obra prima de Bomfim e
encantou-se com a originalidade deste cientista social sergipano.

 P.13.- O fato é que Manoel Bomfim surgia com um livro sábio e profundo,
pensado , trabalhado, em que demonstra cabalmente, dizendo-o com todas as
letras - exemplificando com propriedade, contracitando com sábios europeus
que se opunham aos teóricos do racismo tão admirados no Brasil – que nossos
males não vêm do povo. São, isto sim, produto da mediocridade do projeto das
classes dominantes que aqui organizaram nossas sociedades em proveito
próprio, com o maior descaso pelo povo trabalhador, visto como uma mera fonte
de energia produtiva, que ele podia desgastar como bem quisesse.

Nota: O livro América Latina... é sem sombra de dúvida um livro singular. Nele,
Bomfim aponta que a causa da pobreza e do atraso do Brasil e dos latino-
americanos está no tipo de colonização que esta parte da América teve por parte
dos espanhóis e portugueses que saquearam e exterminaram os povos nativos do
continente, e ainda trouxeram milhões de africanos para produzirem riquezas na
condição de trabalhadores escravizados.
 P.12. – Nem se pode dizer que a obra de Manoel Bomfim não foi vista. Pouco
depois de publicada, ela foi objeto de todo um livro de contestação do genioso
Sílvio Romero. Nesta polêmica, Sílvio desanca Manoel Bomfim procurando
demonstrar que ele é um completo idiota. Idiota era Sílvio, coitado. Tão
diligente no esforço de compreender o Brasil, mas tão habitado pelos pensadores
europeus em moda, que só sabia papagaiá-los.

Nota: Como diz a antropóloga Lilian Schwarcz no livro “O espetáculo das raças”, a
ciência brasileira do século XIX e início do século XX era pura cópia das teorias
científicas ou pseudo-científicas europeias, ou como disse o historiador Nelson
Werneck Sodré é a ideologia do colonialismo travestidas de ciência. O Próprio
Sílvio Romero foi objeto de estudo de Sodré no livro “Ideologia do colonialismo”.
A razão dá-se a quem tem e hoje os livros de Bomfim são estudados como
importantes obras de história, sociologia, antropologia, ciência política, psicologia
e pedagogia e os livros de Romero com pretensões de ciências sociais e história
estão no limbo do esquecimento. O que é merecido, pois a produção historiográfica
e sociológica de Romero é ciência europeia barata e colonialista que o genioso e
rancoroso intelectual sergipano compilou sem nenhuma originalidade.

 P.14. – (...) o tão citado Joaquim Nabuco, que, em sua bobice, se jactava de
pensar em francês e só tinha olhos para belezas europeias. (...) Outro alienado
era Nina Rodrigues que apesar de certo mérito como etnógrafo, só via na
negridão o sofrimento dos africanos purgando culpas e considerava a presença
dos negros como a maior desgraça do Brasil. José Veríssimo, êmulo de Sílvio
Romero na discussão das ideias de moda, viveu atolado no racismo e no vexame
de si mesmo e de seu povo, tanto que escreve: “O que se pode esperar de um
povo feito de conluio de selvagens inferiores, indolentes grosseiros, de
colonizadores oriundos da gente mais vil na metrópole – calcetas, assassinos,
barregões – e de negros bossais e degenerados”.

 P.14. – O próprio Euclides da Cunha(...) repetiu, mais de uma vez, a balela de


que a mistura de raças é danosa, de que o mestiço é um desequilibrado, o
mulato, quase um estéril. (...) Oliveira Viana, que tanto esforço fez para o
entendimento do nosso povo, era mulato e viveu sua vida sem se olhar no
espelho, sucumbido debaixo da suposta sabedoria dos Gobineau e Lapouge, mas
regeu o pensamento brasileiro.

Nota: É estarrecedor constatar que a elite intelectual brasileira branca, ou até


mestiça, corroboraram as teorias racistas europeias, ideologias colonialistas do
Velho Mundo, que aportaram em terras tupiniquins com a pompa de ciência
objetiva. Bomfim destoou de seus compatriotas letrados, porque viu nos índios,
negros e mestiços o futuro promissor do Brasil com “educação popular e
democracia radical” como assevera o cientista político Aluízio Alves Filho que
começou o resgate da produção científica do psicólogo do Pedagogium.

 P.15. – Só muitas gerações depois as interpretações magistrais de Manoel


Bomfim entraram em curso, lidas todas em outros autores. Muito antes de
Gilberto Freyre aprender isto Nova Iorque – como a sabedoria mais sábia da
Universidade de Colúmbia – Manoel Bomfim dizia com toda a clareza que as
taras do crioléu não vinham da raça, mas da escravidão. (...) Caio Prado ainda
estava nascendo quando Manoel Bomfim nsos falava com exatidão do caráter
classista, intrinsicamente tirânico e espoliativo, do Estado Brasileiro, por isso
mesmo, justamente odiado ontem e hoje pelo povo. Também antes de qualquer
outro, Manoel Bomfim nos deu o dignóstico do racismo como a técnica
ideológica europeia de dominação e escravização. O próprio Gilberto, quando
retoma essas teses, trinta anos depois, o faz torpemente, encaqntado que estava
com a bondade do senhor de engenho. Até o reconhecimento dos méritos do
português como povo com grande capacidade de assimilação e de adaptação é
assinalado por Manoel Bomfim, que o faz sem cair nos tropicalismos coloniais
de Gilberto.

Nota: Penso que a abordagem de campo intelectual Pierre Bourdieu (1968) nos
esclarece sobre a situação de Manoel Bomfim na produção científica de sua época,
posto que o professor de Moral e Cívica, pedagogia, psicologia e língua portuguesa
da Escola Normal da República não integrou o campo intelectual hegemônico das
ciências sociais brasileiras das primeiras décadas da República. O fato é que
Bomfim foi copiado por vários historiadores de renome a partir dos anos 1930, eles
defenderam suas teses em obras propagandeadas pelas academias que tem o poder
de sacralizar alguns intelectuais apresentando suas teorias sociais como pioneiras
do pensamento social brasileiro.

 P.15-16. – Multiplicaram-se, depois de Gilberto, os autores que se acercaram da


visão de Manoel Bomfim, tais como Arthur Ramos, Josué de Castro, Sérgio
Buarque, Caio Prado. Nenhum deles, porém, o leu. Nem Gilberto, tão lido, o
terá lido, porque à sua inteligência não passaria desapercebida a grandeza de
Manoel Bomfim, Gilberto e os demais, tendo uma doméstica de água pura,
foram beber seu anti-racismo na nova antropologia boaziana; ou na postura anti-
fascista, oriunda no horror que a brutalidade de Mussolini e de Hitler nos
propunha como explicação da história e como projeto de mundo.

Nota: Não se pode atribuir o fato de Bomfim ter ficado no ostracismo intelectual
por cinco décadas no Brasil por obra do acaso. É relevante lembrar que Manoel
Bomfim passou a defender uma revolução popular de caráter nacionalismo como
alternativa para a superação da pobreza, da indigência educacional e do
autoritarismo no Brasil e que a beira da morte nos idos de 1930 ele parou a
impressão do livro Brasil nação em que defendia a insurreição popular para
escrever um posfácio desqualificando a revolução de 1930, comandada por Getúlio
Vargas.

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