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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 1ª REGIÃO

A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO TRABALHADOR SAFRISTA

Luiz Antonio Ribeiro da Cruz

Trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção do certificado da I Jornada


de Direito Previdenciário da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região

BRASÍLIA/VARGINHA
JANEIRO/2010
1. INTRODUÇÃO

No exercício de nossa jurisdição, a partir de 2005, na Subseção Judiciária de

Varginha, sul de Minas Gerais, região notória pela grande produção de café

(http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=7527), defrontamo-

nos com uma questão tormentosa, ocasionadora da quase totalidade das ações

destinadas ao reconhecimento de tempo de serviço rural para fins previdenciários: a

situação do safrista, contratado para trabalho em colheita (“panha”, no linguajar local)

de café.

Nesta região de Minas Gerais onde exercemos a jurisdição, a safra de café

inicia-se no início de maio e estende-se até o final de setembro de cada ano

(http://www.coffeebreak.com.br/i-ocafezal.asp?SE=1&ID=1). Para que o produto atinja

sua melhor qualidade, a colheita do café tem que ser feita o mais rapidamente possível a

partir do amadurecimento do fruto (http://www.epamig.br/index.php?

option=com_content&task=view&id=707&Itemid=220, pdf de Sara Maria Chalfoun), o

que leva os produtores da região à contratação de um exército de safristas,

principalmente mulheres1, exército que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na

Agricultura (CONTAG) estima em até 500.000 (quinhentas mil) pessoas por ano

(WWW.rel-uita.org/sectores/cafe/entrevistas/neto-per.htm). Este exército movimenta-se

sucessivamente de fazenda em fazenda durante a safra, estabelecendo-se em cada uma


1
Em seu texto http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST68/Mariana_Silva_Carlos_68.pdf, Mariana Silva
Carlos explica a preponderância do trabalho feminino nas safras de fumo em Santa Catarina, podendo
suas conclusões serem perfeitamente adaptadas ao trabalho safrista do café: pelo lado positivo, a maior
disponibilidade do tempo nos períodos em que não há safra, a permitir maior espaço de tempo para
cuidado da casa e educação dos filhos; pelo lado negativo, a freqüente redução dos direitos trabalhistas
devidos na hora da contratação, conseqüente de sua hipossuficiência, o que as destaca na “preferência”
dos empregadores.

2
por curtos períodos de tempo (dificilmente mais que dois meses em cada uma),

contratado exclusivamente para a colheita rápida e intensiva do café maduro e

dispensados logo que o trabalho acaba.

2. A posição do INSS frente o safrista

Quando um desses safristas vem requerer o benefício da aposentadoria por

tempo de serviço, requerendo sua assimilação ao trabalhador rural empregado clássico 2

para obtenção do favor legal contido no artigo 143 da Lei 8.213/91 (BRASIL, XXX) –

aposentadoria sem comprovação do recolhimento de contribuições ou do registro em

carteira, mas pela mera comprovação (por início de prova material complementado por

prova testemunhal) do exercício da atividade rural nos quinze anos anteriores ao

requerimento – tanto lhes é negado, exigindo a autarquia deles a prova do número

mínimo de 180 contribuições necessárias para preenchimento da carência do benefício,

conforme previsto no artigo 25, II da Lei 8.213/91 (BRASIL, XX). Instalam-se, então,

as lides previdenciários em torno do tema, do que são exemplo a Apelação Cível

2004.01.99.046672-4/MG, julgada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e a

Apelação Cível 2009.70.99.002310-7/PR, julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª

Região.

Em suas negativas administrativas, geralmente impressionam o Instituto

Nacional do Seguro Social (INSS) dois fatos: a) a circunstância de os safristas

normalmente residirem nas zonas urbanas dos municípios das regiões em que atuam, o

que descaracterizaria sua condição de trabalhador rural; b) a curta duração dos vínculos

de trabalho rural alegados, muitos deles sem registro, a sugerir um trabalho eventual do
2
Aquele “nascido e criado em uma única fazenda, como tantas vezes já escutamos em nossas audiências.

3
requerente, o que lhe retiraria até mesmo a condição de empregado segundo o artigo 11,

I, “a” da Lei 8.213/91 (BRASIL, XX), para lhe atribuir a condição de contribuinte

individual, regulamentada pelo artigo 11, I, “g” da mesma Lei, responsável único pelo

recolhimento das próprias contribuições, caso queira contá-las como tempo de serviço,

segundo o artigo 21, §3º da Lei 8.212/91 (BRASIL, XX).

3. A verdadeira condição trabalhista e previdenciária do safrista

Quanto ao primeiro argumento do INSS, é preciso lembrar, conforme consta

da introdução deste estudo, que o trabalho em safra de café tem uma série de

peculiaridades em relação ao trabalho rural “tradicional”, sendo a principal delas ser um

trabalho intensivo (com elevado número de trabalhadores por área) e de curta duração,

esgotando-se completamente para todos os contratados quando se encerra a colheita.

Nessas circunstâncias, não há como os produtores rurais recorrerem a seus

empregados residentes no imóvel rural, porque estes geralmente são muito inferiores ao

número necessário, já que não há outra atividade durante o ano numa fazenda de café

que exija tanta mão de obra simultânea.

Examinando o mesmo argumento em seu sentido inverso agora, não é

economicamente lógico manter-se contratada e residindo no imóvel rural a quantidade

de pessoas que será necessária para aquele trabalho específico de curta duração.

Recorre-se então à mão de obra disponível nas cidades próximas à fazenda

(majoritariamente mulheres, como visto na introdução), contratando-a diretamente ou

com o auxílio de por profissionais conhecidos na região como “turmeiros”.

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Com estes pressupostos fáticos, deve ser relembrado que o trabalho em

propriedade rural a empregador rural é o critério que o doutrinador e Ministro do

Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado (Introdução ao Direito do

Trabalho – 320/321) considera suficiente para caracterização do trabalho rural, devendo

ser desprezado qualquer outro, como o local de moradia do trabalhador, a que o INSS

muitas vezes se aferra.

Já o segundo argumento do INSS mostra-se equívoco no momento em que

assimila a expressão “eventual” contida no artigo 11, I, “a” da Lei 8.213/91 (BRASIL,

XXX) a vínculo de cura duração, dá decorrendo uma pretensa autonomia do trabalho do

safrista.

Invocando ainda a doutrina de Maurício Godinho Delgado (idem, fl. 255), o

conceito de eventualidade que caracteriza o trabalho autônomo (e descaracteriza a

relação de emprego também para fins previdenciários) traz ínsitos os seguintes

elementos simultâneos: “a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como

a não permanência em uma organização com ânimo definitivo; b) não fixação jurídica

a uma fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços; c) curta

duração do trabalho prestado; d) natureza do trabalho tende a ser concernente a

evento, certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do

empreendimento tomador dos serviços; e) em conseqüência, a natureza do trabalho

prestado tenderá a não corresponder, também, aos padrões normais do

empreendimento.”

Embora se possa dizer que o trabalho do safrista preenche adequadamente os

três primeiros elementos, não há como se dizer, em absoluto, que o trabalho de colheita

5
seja episódico (único) em uma fazenda, ou que não esteja compreendido nos padrões

normais de um empreendimento cafeeiro.

E são estes aspectos destacados, somados à evidente subordinação do safrista

ao empregador rural que lhe remunera por salário, que fazem toda a diferença entre

trabalho autônomo eventual e trabalho empregado de curta duração.

Muito contribuiu para esta confusão o laconismo do artigo 14 da Lei

5.889/73 (BRASIL, XX), que incluiu o safrista entre os trabalhadores rurais

(PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL, MARCEL CORDEIRO, P. 166), mas relutou em

indicá-lo expressamente como empregado rural, muito provavelmente com o fito de

reduzir seus direitos trabalhistas na rescisão àquela indenização constante do mesmo

dispositivo legal.

Se dúvida pudesse haver ainda, foi a mesma definitivamente afastada pela

edição da Lei 11.718/08 (BRASIL, XXX), que, introduzindo na Lei 5.889/73 o artigo

14-A finalmente esclareceu que o safrista deve ser considerado um empregado

contratado por pequeno prazo3 e nunca um autônomo.

Assim sendo, a conseqüência previdenciária é seu enquadramento evidente

no disposto no artigo 11, I, “a” da Lei 8.213/91, que trata dos segurados empregados. E,

com base em toda a evidência doutrinária colacionada, precisamos ainda dizer que a Lei

11.718/08 não constituiu uma nova categoria, mas simplesmente aclarou e interpretou

uma situação jurídica obscura por décadas, ante o laconismo do dispositivo legal que a

regulamentava.

4. Conclusão

3
Categoria distinta de trabalhador temporário terceirizado, regulamentado pela Lei 6.019/74 (BRASIL,
xxx), contratado mediante intermediação de empresa de trabalho temporário, para fins distintos daquele
principal da organização contratante.

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Por estas razões, não temos receio de concluir que o safrista desde sempre

foi merecedor do favor legal previsto no artigo 143 da Lei 8213/914, combinado com

artigo 3º, I da Lei 11.718/08 (BRASIL, XXX), bastando para obtenção de sua

aposentadoria por tempo de serviço a ser requerida até 31/12/2010 a comprovação de

que participou de safras pelos últimos quinze anos anteriores ao pedido. A partir

daquela data, sua situação previdenciária acompanhará para um regime de prova

tarifada que se estenderá até 2020, momento após o qual será instituída a necessidade de

comprovação das contribuições também para todos os trabalhadores rurais.

4
Norma esta que sempre reconheceu que a atividade rural é, por natureza, descontínua, característica
ainda mais marcada no trabalho do safrista.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarP

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tipoConsulta=PROC&numeroProcesso=4277&siglaClasse=ADI. Acesso em 12 de

agosto de 2009.

4. BRASIL. Procuradoria Geral da República. Petição inicial da Ação Declaratória de

Inconstitucionalidade nº 4277. Disponível para consulta em

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarP

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agosto de 2009.

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8. GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto: a possibilidade

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10. MOTT, Luiz. Estratégias para a promoção dos direitos humanos dos homossexuais

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http://www.cacp.org.br/homo-agenda%20gay-julio.htm.)

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