NATAL-RN
2016
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Música da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, na linha de
pesquisa - Processos e Dimensões
da Formação em Música. Área de
estudo: Educação Musical, como
requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Música.
NATAL-RN
2016
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RESUMO
ABSTRACT
This paper deals with the musical knowledge transmission in the Coco de Roda Group
Master Severino. Discuss here the processes and strategies used in the group for the
seizure and dissemination of coconut play in the context of the unique cultures of oral
tradition. The group has unique characteristics about their training, in which the
members play not part of the family within the Master or form part of your community.
To carry out this research in a context as complex, I use the method of ethnographic
case study, as well as techniques from ethnography, such as participant observation,
semi-structured interviews and unstructured, informal conversations, audio transcripts
and videos of rehearsals and performances as well as the recording of the second group
CD process. Balizo this research with the theoretical assumptions of anthropology,
sociology, ethnomusicology and music education in order to discuss the concepts
related to the transmission, culture, popular culture, coconut, tradition and memory.
LISTA DE FOTOS
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Célula básica do ritmo do coco de roda do grupo CRMS.............................68
Figura 2 - Célula rítmica do coco de roda executado pelo Mestre Severino..................68
Figura 3 - Célula rítmica do coco de roda executada por um dos tocadores..................68
Figura 4 - Formação do grupo CRMS no momento das brincadeiras............................69
Figura 5 - Célula rítmica do passo do coco no grupo CRMS..................................................72
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Localização da cidade de Vera Cruz tendo como base a capital Natal....................................54
Mapa 2 - Demarcação territorial do município de Vera Cruz.................................................................54
Mapa 3 - Demarcação territorial e localização da Vila de Ponta Negra..................................................62
8
Sumário
1.INTRODUÇÃO.....................................................................................................................10
9
2. DISCUSSÃO TEÓRICA......................................................................................................14
2.1 O Coco..........................................................................................................................14
2.1.2 Coco Potiguar..............................................................................................................18
2.2 Cultura, cultura popular.............................................................................................22
2.3 Memória.......................................................................................................................28
2.4 Tradição.......................................................................................................................30
2.5 Transmissão.................................................................................................................32
2.6 Norteando o Pesquisador............................................................................................34
2.6.1 Pesquisa qualitativa.....................................................................................................36
2.6.2 Pesquisa qualitativa em música..................................................................................38
2.6.3 Estudo de caso etnográfico..........................................................................................39
2.6.4 Estudo de caso..............................................................................................................39
2.6.5 Procedimentos de coleta no estudo de caso................................................................41
2.6.6 Etnografia....................................................................................................................42
2.6.7 Uma etnografia da música..........................................................................................46
2.6.8 Reentrando em campo.................................................................................................47
2.6.9 A observação participante...........................................................................................48
2.6.10 As entrevistas...............................................................................................................52
2.6.11 A revisão bibliográfica como coleta de dados............................................................56
3. O GRUPO COCO DE RODA DO MESTRE SEVERINO...............................................57
3.1 Como se Forma um Mestre? Historia de Vida do Mestre Severino........................57
3.2 Criação do grupo CRMS............................................................................................69
4. TRANSMITINDO O COCO, COMPARTILHANDO CONHECIMENTOS.................80
5. CONCLUSÃO......................................................................................................................87
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................91
1. INTRODUÇÃO
10
A escolha por estudar o grupo Coco de Roda do Mestre Severino (CRMS), parte
do desejo pessoal de saber como e quais são as práticas musicais dos grupos de cultura
popular e tradicionais do Estado do Rio Grande do Norte (RN). Esse desejo, estava
pautado no meu olhar de percussionista interessado em apreender conhecimentos
musicais ligados à performance dos ritmos produzidos no RN, ou seja, ritmos
potiguares1. No entanto, em um primeiro momento, minha aproximação e inserção no
grupo CRMS em 2013, foi ampliando meu olhar sobre aquela prática musical.
A partir dos primeiros ensaios que participei como integrante do grupo, percebi
que somente a prática do ritmo não era suficiente para apreender o conhecimento
musical daquela brincadeira popular, conhecimento esse que se mostrou intrinsicamente
ligado há outros aspectos da brincadeira, como a dança, o canto, as relações
interpessoais existentes na brincadeira, assim como a transmissão do conhecimento
musical. Após esse primeiro contato com o grupo, a motivação por investigar a
transmissão de conhecimento musical nas práticas realizadas no grupo CRMS, surgiu
após minha inserção no Programa de Pós-Graduação em Música na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em que as várias discussões acerca dos temas
ligados à educação em ambientes não formais de ensino, assim como discussões
etinomusicologicas sobre transmissão de conhecimento musical, me guiaram para o
tema desta pesquisa.
O grupo CRMS foi fundado no ano de 2008, na vila de Ponta Negra, pelo senhor
Severino Bernardo Santiago com o intuito de resgatar a brincadeira do coco de roda,
que habitava a sua memória, lembranças das rodas de coco realizadas por seu pai em
sua infância. Atualmente o grupo CRMS é constituído por sete participantes, sendo seis
mulheres e um homem, mais o mestre.
Nos primeiros encontros com o grupo pude constatar que diferente dos ensaios
realizados em grupos musicais profissionais, dos quais fazia e ainda faço parte atuando
na noite como percussionista, a prática musical em si, ou seja, a prática dos cocos, não
era o ponto que predominava, mas a relação do Mestre Severino com a brincadeira do
coco, relatada em suas histórias contadas durante a maior parte dos ensaios. Nessas
histórias ficavam evidentes aspectos culturais que iam me revelando uma riquíssima
moldura em torno da prática musical, como sua origem, seus atores, localidades onde
1
Potiguar, potiguara, pitiguar ou petiguar eram uma das tribos que abitavam o litoral do Rio
Grande do Norte no período da colonizaçã o (Suassuna & Mariz, 2005). O termo também designa
aquele individuo que nasceu no RN.
11
no Mestre Severino depois de um hiato de setenta anos, período que vai da morte do seu
pai até a criação do grupo, é peça chave para compreender a transmissão musical no
grupo CRMS.
Este trabalho está organizado em cinco capítulos, iniciando com a discussão
teórica a cerca de conceitos basilares nessa pesquisa – coco, cultura popular, memória,
tradição e transmissão – assim como também abordo em mesmo capítulo questões
referentes a metodologia. E seguida trato especificamente do grupo CRMS, com o
relato de vida do mestre, tendo ênfase na sua ligação com a brincadeira do coco, a
criação do grupo, seus integrantes e o coco que é praticado nesse grupo. No quarto
capitulo abordo diretamente o ponto central desse trabalho que é a transmissão musical
no grupo, mostrando como ocorre esse processo, as estratégias e modos de ensinar e
aprender o coco nesse contexto. O quinto e último capítulo traz minhas considerações
finais acerca da transmissão do conhecimento musical no grupo CRMS como também
reflexões sobre como e o que é o grupo CRMS.
Vale aqui salientar que, mesmo que este trabalho trate da transmissão musical no
grupo CRMS, como é explicitado no subtítulo, ele também se propõe a contribuir para
história cultural do RN em especial na cidade do Natal, em que os relatos do mestre
Severino, sobre seu contato com outras brincadeiras, além do coco, possibilitam
vislumbrar uma história da cultura local, por uma perspectiva oriunda da historia de
vida de Seu Severino. O titulo deste trabalho “o coco do meu pai” está ligado à forte
ligação que Mestre Severino tem com a lembrança de seu pai, através do legado do coco
deixado por ele, e retido na memória do Mestre como a relíquia mais preciosa de sua
história.
14
2. DISCUSSÃO TEÓRICA
Quando decidi que iria fazer uma pesquisa sobre o grupo Coco de Roda do
Mestre Severino (CRMS), e depois da minha inserção no curso de pós-graduação, um
olhar científico foi se delineando, me fazendo enxergar as particularidades existentes
dentro do grupo, do qual sou integrante desde 2013. Essas particularidades causaram em
mim questionamentos acerca da brincadeira do grupo CRMS; que tipo de grupo seria?...
Da cultura popular? De tradição? Que brincadeira é praticada pelo grupo? Afinal o que
é o coco? Através destes questionamentos, outros foram surgindo em nível mais
profundo; o que seria cultura popular? O que seria tradição? O que se entende por
transmissão de conhecimento? Essas questões serão discutidas mais a frente e servem de
suporte teórico para auxiliar no entendimento da questão central desse trabalho que é:
como ocorre a transmissão do conhecimento musical no grupo CRMS?
2.1 O Coco
“o coco anda por aí dando nome pra muita coisa distinta. Pelo
emprego popular da palavra é meio difícil a gente saber o que é coco
bem. O mesmo se dá com “moda”, “samba”, “maxixe”, “tango”,
“catira” ou “cateretê”, “martelo”,“embolada” e outras. (ANDRADE,
1984, P.347)
Esse “viés regionalista” nos estudos sobre o coco foi criticado por Inês Ayala e
Marcos Ayala, em trabalho intitulado Cocos: Alegria e Devoção, em que tratam dos
cocos da Paraíba. Nesse trabalho os autores discutem (não somete) a produção
intelectual sobre o coco, atestando a falta de rigor cientifico dos trabalhos realizados por
folcloristas. Sobre isso eles apontam que essa produção,
[...] reflete uma forte tendência de abordagem calcada em
especulações que mais parecem preocupadas em encontrar uma
origem dentro da região (no caso, Alagoas), o que demonstra um viés
17
No início do século XX, mais precisamente entre os anos de 1928 e 1929, Mário
de Andrade realizou algumas viagens pelo norte e nordeste do país a fim de pesquisar a
cultura popular dessas regiões. Nessas pesquisas 245 cocos foram registrados e reunidos
em um livro inacabado, que leva por título uma expressão dita por um dos seus
principais interlocutores, o coquista potiguar Chico Antonio, que em seus cocos a
expressão “na pancada do ganzá” tinha forte recorrência.
Além da enorme contribuição de Mario de Andrade na construção de um acervo
de informações referentes às manifestações de tradição populares do norte e nordeste,
seus estudos estão na vanguarda das pesquisas de cunho etnomusicológico no país, isso
devido aos então modernos métodos de coleta e analises de dados empregados por ele
que se apoiava na etnografia, como esclarece Oneyda Alvarenga ao relatar que Mário de
Andrade
[...] cercou de todas as garantias informativas tudo quanto fez: anotou
lugares, datas, circunstâncias da pesquisa, observações sobre os
informantes e a qualidade da colaboração deles; grafou melodias e
textos com honestidade paciente, controlando seu trabalho por
diversos meios e obtendo assim a maior exatidão atingível fora do
registro fonográfico, que aliás, nos idos de 1928, não era recurso ao
18
Esse rigor científico na coleta de dados para suas pesquisas é o que o diferencia
das pesquisas folclóricas, e que atesta o trabalho de Mario de Andrade, nas palavras de
Ayala (2000), como o primeiro material reunido sobre os cocos feito com o rigor do
método científico. Dez anos após sua ida ao Norte e Nordeste, Mário de Andrade
organiza uma nova ‘Missão’ formado por quatro pesquisadores – Antonio Ladeira,
Benedicto Pacheco, Martin Braunwieser e Luíz Saia “Munidos de aparelhagem de
grande qualidade técnica e de formação segura para um desempenho com rigor
científico (...)” (AYALA, 2000. P. 25) os pesquisadores se valeram de fotos, filmes e
gravações feitas no fonografo. Isso possibilitou a construção de um riquíssimo acervo
sobre as manifestações tradicionais do Norte e Nordeste do país.
O coco é uma manifestação com grande ocorrência na região nordeste até os dias
de hoje, com inúmeros grupos atuantes e diversas variações da brincadeira. Com o
tempo, o coco foi se adaptando a novas realidades e contextos, e nesse sentido é preciso
cada vez mais de trabalhos que tratem do tema, que não estejam preocupados em
desenterrar uma brincadeira de coco dos confins da história nacional, mas sim
evidenciar esse coco contemporâneo, seus atores e os mais novos contextos em que essa
brincadeira e praticada nos dias de hoje.
No Rio Grande do Norte, o tema dos cocos tem sua maior produção no campo
folclorista, figurando como principais nomes Câmara Cascudo (2000), Deífilo Gurgel
(1999) e Hélio Galvão (1967). Essa ideologia folclorista fica clara em trabalhos desses
autores, preocupados em eleger no estado do Rio Grande do Norte os traços identitários
da cultura local. Gurgel (1999) ao tratar do movimento do folclore Potiguar, atesta que
Hélio Galvão por sua vez, é o autor dessa geração de folcloristas que mais se
dedicou ao tema dos cocos. Em suas Cartas da Praia, compilação de três trabalhos,
Cartas da Praia (1967), Novas Cartas da Praia (1968) e Derradeiras Cartas da Praia
(1978), o autor relata aspectos da vida do município de Tibau do Sul. O detalhado relato
feito por Galvão sobre os costumes do município imprimem um valor cientifico de
extrema importância para a os estudos dos costumes e práticas culturais daquela
localidade, o que abarca a brincadeira do coco ali realizada.
Em carta escrita no dia 20 de abril de 1967, Galvão relata uma conversa que teve
com dois interlocutores, lembravam que os cocos naquela região eram bastante
apreciados, “com refrãos fixos e parte improvisada a cargo do tirador” também deixa
claro nessa carta que a brincadeira do coco era bastante apreciada pela população local,
que diferente dos bailes que ocorriam na cidade no período de carnaval, o coco era mais
democrático e permitiria a participação de quem quisesse entrar na roda. Nessa carta o
autor ainda nos aponta que o “coco de zambê é uma dança tipicamente africana, com
20
Em carta escrita no dia 06 de março de 1968, Galvão relata sua ida a uma
brincadeira de coco de zambê. Essa carta traz preciosas informações sobre o coco de
zambê, nos revelando através das palavras de um interlocutor local que no coco de
zambê só dança homem, e que seria o coco de roda uma dança mista (homem e mulher).
Galvão também nessa carta nos passa informações acerca da instrumentação, apontando
que os instrumentos utilizados no coco de zambê são “pau e chama” e que existiam
grupos de zambê nos municípios de Mari, Pipa, Sibauma, Cururu, Porto e
Pernambuquinho. Ainda em mesmo relato, o autor dá uma descrição de que o pau teria
cerca de seis palmos de comprimento (1,70cm) com uma abertura de palmo e meio
(30cm) tendo uma das extremidades fechadas com um couro. A chama segundo
descrição de Galvão mediria meio metro de comprimento (50cm) e abertura de doze
centímetros, também tendo uma das extremidades lacrada com couro. Delineando a
forma de tocar, o autor relata que o “pau é amarrado à cintura do batedor, que nele se
monta e se apóia e até faz movimentos cadenciados. A chama é presa pelo pescoço e
fica pendurada á altura do estômago”. Sobre a nomenclatura dos tambores, Galvão
atesta que o nome do tambor chama seria por conta do longo alcance que o seu som
agudo conseguia atingir, servindo de chamado para que as pessoas soubessem onde
estava ocorrendo a brincadeira. Em mesmo relato Galvão descreve como um grupo de
zambê observado por ele se organiza para realizar a brincadeira, apontando que
Imagem: https://static.wixstatic.com/media/
Tirador: Cabra verde não me morda Que aqui não tem curador
Coro: Nos braços de uma morena Eu morro e não sinto a dor.
22
Não é raro ver e ouvir que manifestações musicais, ou melhor, toda arte
produzida pelo povo, estão alojadas na esfera da cultura popular ou da tradição: como as
brincadeiras de coco, os sambas de roda, a capoeira, enfim tudo que não for produzido
pela elite. Esta pesquisa tem como objeto um grupo de coco de roda que inicialmente
pode se entender como um grupo de cultura popular, por se tratar de uma manifestação
tipicamente das classes mais pobres da sociedade. Como também pode ser encarado
como grupo de tradição, pelo fato de ser um grupo praticante de uma manifestação
23
secular. Digo isso pautado no que ouço nas ruas, em conversas com colegas músicos,
que em sua maioria, alimentam pensamentos folcloristas, que ainda exercem forte
influencia na concepção de cultura popular e tradição que habita o senso comum da
cidade de Natal. Porém, a configuração do grupo CRMS foge à regra, tendo integrantes
com cargos de professores universitários, estaduais e municipais, estudantes
universitários de curso de graduação e pós-graduação como brincantes do grupo, sendo
o Mestre Severino o único representante de uma ancestralidade, assim como o tempo de
existência do grupo que contabilizam oito anos. Estas peculiaridades na construção do
grupo nos instigam a entender o que seria cultura popular. Para tal vamos seccionar o
conceito e verificar o que se entende por cultura e o que se entende como popular. Em
seguida verificaremos o conceito de tradição.
A partir dos estudos sobre cultura realizados no século XIX nos campos da
sociologia e antropologia, diversos conceitos sobre cultura se formaram até a atualidade.
A reflexão sobre alguns desses conceitos é importante para a abordagem de certos
assuntos em nosso trabalho.
É importante destacar que quando Tylor defende seu conceito de cultura, ele a
transforma em uma coisa amorfa, um grande caldeirão de capacidades e hábitos
humanos. Até esse ponto Tylor não está totalmente equivocado, pois as crenças de um
povo, como o culto aos orixás na Bahia, a questão moral na aceitação da poligamia do
povo mulçumano, assim como a música produzida na região da Guiné Conacri (África),
são elementos que constituem e identificam a cultura desses povos. No entanto, Tylor
restringe os elementos que compõem a cultura a uma condição do homem como
membro da sociedade. O problema está no conceito de sociedade empregado por Tylor,
que por está ligado ao pensamento evolucionista, vê a sociedade pelos moldes da
sociedade europeia, ou seja, a cultura só seria alcançada através dos meios formais
estabelecidos pelo modelo europeu, sendo os povos não europeus considerados
primitivos, não civilizados, e que esses povos estariam atrasados, e um dia chegariam ao
mesmo modelo cultural alcançado pela Europa. Esse pensamento evolucionista e
universalista, com base na cultura europeia, distanciou durante algum tempo o
entendimento de que cultura é formada, estabelecida e praticada de formas distintas em
diferentes contextos em que haja o convívio humano em coletividade.
cultura como os modos de vida que caracterizam uma coletividade; cultura sendo as
obras e práticas da arte, da atividade intelectual e do entretenimento; e cultura como
fator de desenvolvimento humano.
de cultura popular, pois os intercâmbios sócio culturais que ali ocorrem, servem a um
propósito, que é o de dar vida a uma brincadeira de origem popular, e digo isso pois o
que é posto em prática na brincadeira do grupo CRMS são as memórias do mestre, de
sua vida junto as práticas do povo, tanto da zona rural quanto das periferias urbanas,
assim como da memória das brincantes de suas participações em festas populares, do
povo para o povo. Esse intercambio sócio cultural também molda o que é o coco do
grupo CRMS, caracterizando-o como um novo modelo de grupo popular, nem
totalmente formado por atores da zona rural, nem por indivíduos das periferias urbanas.
O CRMS demostra ser um belo exemplo de simbiose cultural, em que toda a
informação que o Mestre Severino traz consigo, precisa do suporte do grupo para se
encaixar na atualidade, ponto onde entra a experiência das brincantes junto a burocracia
de eventos e editais de fomento a cultura, que nos dias de hoje se faz mais do que
necessários para manter viva e evidente a cultura popular.
2.3 Memória
Dentro do contexto do coco do Mestre Severino, a memória é elemento chave
para a perpetuação e transmissão dos elementos culturais dessa brincadeira. A memória
é conceituada por Simson (2006, p. 1) como sendo “a capacidade humana de reter fatos
e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações através de diversos
suportes empíricos”. Neste conceito a memória está presa a um tempo distante, o
passado a que se refere Simson, mas este passado pode ser expandido se pensarmos que
a memória humana guarda informações que apenas se concretizam no instante/momento
em que as ações ocorrem, o que torna a memória um mecanismo utilizado no tempo
presente e de uma forma continua. Ou como afirma o historiador Julio Pimentel Pinto
(1998, p. 207), “memória como lugar de persistência, de continuidade, de capacidade de
viver o hoje inexistente. Projeção do passado no presente, identificação de maracas de
uma continuidade pouco notável e certamente não obrigatória”
Para o semioticista russo Yuri Lotman “cultura é memória” ele reforça essa ideia
destacando que “toda cultura se cria como um modelo inerente à duração da própria
existência e a continuidade da própria memória” (LOTMAN apud. FERREIRA,
1994/95, p. 5). Nesse caso Lotman reforça a idéia de que cultura depende de uma
fixação ao longo do tempo, e que a memória seria esse suporte, no entanto se pensarmos
que muita coisa que é dita e aceita como parte da cultura de um povo, as vezes não são
elementos ou fragmentos de praticas longínquas, as vezes esses elementos são criados,
29
forjados no tempo presente com tanta força que se tornam elementos da cultura, ou nos
fazem acreditar nisso. A exemplo disso podemos citar o movimento dos blocos afro da
Bahia, que surgem na década de 80 como um movimento de auto afirmação de uma
negritude africana, que em poucos anos se torna símbolo da cultura negra baiana,
deixando no ostracismo todo um movimento ideológico e estético dos anos 70 que
remetia totalmente a cultura Black power americana.
O sociólogo Maurice Halbwachs (1950) apresenta à ideia de memória coletiva,
que envolve memórias individuais, que não estão inteiramente fechadas em si, para
construir uma memória formada por percepções e relatos externos a experiência do
indivíduo. Como muitas vezes acontece quando relatamos fatos de nossa infância, que
nem sempre estão vivos em nossa memória individual, mas ganham veracidade quando
os citamos baseados em relatos de nossos pais, omitindo essa fonte no discurso.
Pinto (1998, p.207) ao tratar das ideias de Halbwachs, nos ressalta que a
“memoria está afeiçoada ao passado”, mas que a materialização desse passado, reposto
no presente, “são sempre compostas nas tensões entre individuo e coletivo.” Trazendo
esse pensamento para este trabalho, nota-se essa tensão entre o individual e o coletivo
com relação aos cocos que são lembrados por Mestre Severino, isso fica evidente nas
falas do Mestre em que ele relata comentários de terceiros de que o que ele esta
cantando e brincando é coco de roda, o que validaria sua memória, seriam outras
pessoas afirmando que as lembranças das brincadeiras de coco do seu pai são legitimas.
Para que os elemetos culturais locados na memória sejam transmitidos para as
gerações posteriores fazem-se necessários estímulos, seja por parte de quem detém a
memoria, através do anseio de passar o conhecimento à frente, assim como os estímulos
podem partir de outras pessoas, que criam métodos e estratégias para que as lembranças
de uma pessoa venha à tona. O caso aqui estudado, o grupo CRMS nos mostram
algumas desses estratégias, em que o próprio grupo já é um estimulo para Mestre
lembrar dos cocos, tendo o mestre que montar junto com as brincantes o repertório do
grupo, uma vez que nas apresentações os cocos não são improvisados; outro estimulo
vem diretamente das brincantes, que no processo de aprender os cocos, perguntam sobre
um coco ao Mestre, pedem para que ele cante, ou guardam em sua própria memória
fragmentos de cocos que são cantarolados pelo Mestre em varias ocasiões, que não
necessariamente em ensaios, esses fragmentos servem muitas vezes de gatilho para que
o mestre cante o coco por completo.
30
2.4 Tradição
O conceito de tradição, em uma primeira vista e segundo o dicionário de
sociologia2, “é tudo que é transmitido do passado para o presente: os objetos, os
monumentos, as crenças, as práticas e as instituições” (Shils, 1981), já segundo o
2
Não foram encontradas as referencias desse dicionário, mas ele pode ser encontrado o endereço:
https://pt.scribd.com/document/19018804/DICIONARIO-DE-SOCIOLOGIA
31
3
SILVA, Kalina Vanderlei. SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos, v. 3, 2005.
32
2.5 Transmissão
O conceito de transmissão é balizador nessa pesquisa, uma vez que se tenta aqui
saber como esse processo ocorre no grupo CRMS. Entre tanto o conceito de transmissão
sofre varias criticas no meio educacional, que acredita que o conhecimento não pode, ou
melhor, não deve ser transmitido e sim construído. Isso por que a escola traz consigo o
papel de preparar o indivíduo para a vida, e leia-se vida como viver em sociedade.
Nesse caso a pedagogia procurou quebrar como o paradigma tradicional de ensino,
alegando ser o conceito de transmissão vertical, em que o professor é quem dita o que o
aluno deve aprender e como aprender, entre tanto a pedagogia continua presa a essa
verticalização de poder, pois ela (a pedagogia) tem suas ações determinadas pelos meios
33
de produção, que por sua vez moldam a sociedade e suas necessidades, limitando a ação
docente sobre o que deve ser ensinado.
Para defender o uso do conceito de transmissão nesse trabalho, farei uma analise
acerca do tema, e de inicio, me apoio na educadora xxxxx, que em seu trabalho
intitulado Ensinar: do mal entendido ao inesperado da transmissão, a autora se debruça
sobre a discussão do tema, que em seu trabalho tem o foco na transmissão como
categoria a ser repensada, e de certo modo, incorporada as praticas dos professores em
ambiente escolar.
Primeiramente vamos verificar a origem do termo, que do latim - trans + mittere
– teria incorporado dois significados: trans, que quer dizer para além de; mittere que
significa enviar. A autora problematiza o entendimento do termo em uso cotidiano
como apenas a ação de enviar, deixando de lado o sentido de que transmissão (além de)
que diferentemente de enviar, em que se envia (desloca) um objeto ou alguém para um
destino, transmitir seria a ação inconsciente ou não de passar conhecimento de uma
pessoa a outra, sem deslocamentos de quem faz e recebe a transmissão. ou seja, “o
enviar é um fato, enquanto transmissão é um fenômeno , estando situada entre a escuta e
a fala, sendo essa a condição que justifica o acréscimo do "para além" ao enviar, para
significá-la.”
Sendo a transmissão um fenômeno e não um fato, sua apreensão não pode ser
realizada de um modo direto, pois não se pode admitir que o eu que transmite tenha
total competência da razão, dizendo o que realmente quer dizer, assim como o outro que
recebe tenha total compreensão dos códigos e significados transmitidos.
As visões contrárias ao conceito de transmissão, só comportam o ambiente
escolar ou de ensino regular. Pois esse está interessado em um sistematização dos
métodos de ensino que não comporta o fenômeno da transmissão. Nos contextos extra
escolares, ou nos contextos das tradições orais, a não sistematização, evitada pelos
pedagogos, é o meio pelo qual as tradições vem se perpetuando ao longo dos séculos. A
relação mestre aprendiz em inúmeros contextos e de varias formas, é o que sustenta esse
tipo de conhecimento inerente às culturas orais, e em especial quando se trata de
fenômenos musicais. Quem detém a conhecimento é o Mestre, e a forma de levar esse
conhecimento adiante, além, depende dele e do contexto de transmissão em que ele se
encontra. Como é o caso do grupo CRMS, em que o Mestre Severino é quem detém o
conhecimento sobre os cocos deixados por seu pai, e o grupo se configura em
indivíduos que compartilham do desejo de apreender esse conhecimento, criando
34
mutuamente estratégias para que a transmissão ocorra. Nesse sentido a transmissão não
pode ser entendida como uma via de mão única, mas uma interação de estímulos entre
Mestre e aprendiz. Essa via de mão dupla é observada no grupo CRMS, em que nota-se
um processo mais horizontal de aprendizagem, entre os brincantes.
Ainda sobre minhas reflexões sobre o grupo, percebi que o Mestre Severino
comanda a brincadeira no momento em que ela ocorre, mas os brincantes do grupo,
através das sistematizações organizacionais para a realização dos ensaios e
apresentações, em que a disponibilidade dos brincantes e a logística de mobilidade,
tanto para o mestre quanto para os brincantes, são pontos decisivos para que a
brincadeira ocorra, demonstra forte comando do grupo nesse sentido. Essa divisão de
poder se mostra também no processo de transmissão, em que o mestre ensina, mas
também os aprendizes se ensinam mutuamente. Sobre isso, ainda foi possível observar
que a cadeia de hierarquia com relação à transmissão também é peculiar, que diferente
do que nos relata Arroyo (2000) sobre o aprendizado do congado, em que o ato de
ensinar sempre é do mais velho brincante para o mais novo. No grupo CRMS nota-se
que é possível que um brincante recém-chegado no grupo, apresente um elemento de
dança ou de execução vocal, que desperta nos brincantes mais antigos a vontade de
aprende-los e incorpora-los a brincadeira. Isso traz um foco investigativo mais amplo
sobre os processos de transmissão, uma vez que não é só o mestre que ensina e ou
brincantes aprendem, todos ensinam e aprendem entre si.
manipulado como um objeto, os seres humanos são mais complexos que isso, tendo
suas atividades marcadas por interações e interpretações proporcionadas pelas relações
com os outros humanos, construindo sentido a partir dessas relações. É nessa vertente
que se encontram os estudos das ciências humanas, assim como as pesquisas de cunho
qualitativo. Nesse sentido acredito que este trabalho de pesquisa, que tem como objeto
de estudo um grupo de indivíduos que interagem, interpretam e dão sentido às suas
práticas na brincadeira do coco de roda, estar dentro da grande área do conhecimento
das ciências humanas, que como reforça Prus, tem como objeto de estudo as pessoas e
suas atividades
[...]considerando-os não apenas agentes interpretativos de seus
mundos, mas também compartilham suas interpretações à medida que
interagem com outros e refletem sobre suas experiências no curso de
suas atividades cotidianas.(PRUS apud MOREIRA, 2002, p. 50-1)
Caso, Planejamento e Métodos define que “um estudo de caso é uma investigação
empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida
real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão
claramente definidos” (YIN, 1988, p. 32). Nesse sentido esta pesquisa se encaixa na
definição de Yin por contemplar a investigação empírica, uma vez que sou integrante do
grupo agindo diretamente em suas práticas. Também, há a investigação de um
fenômeno contemporâneo, levando em conta que o grupo surge em 2008 e está ativo no
atual momento desta pesquisa.
Outro tipo de classificação do estudo de caso foi realizada por Maffesoli (2008)
em que o divide em estudo de caso exploratório, descritivo ou explanatório. Encaixo
essa pesquisa na categoria de estudo de caso descritivo, que apesar de ter a
interpretação e reflexão como eixos centrais, em virtude da postura adotada em campo,
a descrição se torna fundamental nesse trabalho, a fim de detalhar o contexto em que o
grupo CRMS está alocado e como ocorre o processo de transmissão, como também
visa aproximar o leitor do universo aqui pesquisado, descrevendo os tambores
utilizados na brincadeira, a dança, os locais de brincadeira, os brincantes, bem como
descrito na sessão que caracteriza o grupo.
Neste ponto faço uma ressalva quanto ao conceito de coleta de dados, que está
destacado no titulo desta sessão simplesmente porque os autores que aqui abordo sobre
o estudo de caso assim o tratam, mas tomando o conceito para reflexão e, não sou eu o
primeiro a fazê-lo, penso que de certa forma os dados com os quais nos deparamos no
campo, não são passiveis de serem coletados, como quem retira amostras de plantas de
uma floresta. Ao que concerne à complexidade dos estudos das ciências humanas,
42
2.6.6 Etnografia
Desde que me deparei com os conceitos de etnografia, apresentados a mim no
curso de Pós-graduação em educação musical, através de seminário que realizei sobre o
43
tema, percebi que neste trabalho a etnografia seria a base para minhas ações
investigativas, pois percebi que através dela podia investigar as estruturas de significado
dos participantes nas diversas formas que são expressas, assim como o contexto que as
acolhe (WILSON, 1977). Essa postura praticada pela etnografia serve muito bem ao
propósito dessa pesquisa, pois sendo o grupo CRMS heterogêneo em sua formação, no
sentido social e de geração, apreender o que os integrantes do grupo (incluindo eu) junto
com o Mestre pensam a respeito da sua prática na brincadeira e acima de tudo como eles
enxergam sua aprendizagem, é fator preponderante para a compreensão da transmissão
do conhecimento dentro do grupo.
Ela deve estar ligada à transcrição analítica dos eventos, mais do que
simplesmente à transcrição dos sons. Geralmente inclui tanto
descrições detalhadas quanto declarações gerais sobre a música,
baseada em uma experiência pessoal ou em um trabalho de campo.
(SEEGER, 1992. p. 239)
Sobre esse conflito citado acima, destaco minha peculiar posição junto ao objeto
de pesquisa e as dificuldade que encontrei para não interferir no cenário pesquisado.
Isso porquê como membro do grupo e pesquisador, algumas vezes me vi encurralado
em questões éticas sobre meu papel em certas decisões. Isso fica claro nas decisões
tomadas para a gravação do segundo CD do grupo CRMS, em que eu partilhava de uma
opinião contraria as dos demais participantes. A saber, para a gravação do disco foi
decidido pela maioria do grupo em um primeiro momento que: a gravação ocorreria em
estúdio (para que se garantisse um nível de qualidade), alguns ensaios seriam realizados
em estúdio (a fim de adaptação do grupo a esse ambiente), um produtor musical
(externo ao grupo) assumiria a direção da gravação. Na reunião em que estas decisões
foram tomadas, me posicionei contrariamente ao restante do grupo, mas infelizmente ou
felizmente fui voto vencido. Infelizmente porque acredito que a gravação dentro do
estúdio “endurece” a performance do grupo, retira o grupo de seu ambiente natural, em
que as brincantes tanto cantam quanto dançam e o Mestre segue um repertório que é
50
Passado esse momento, percebi que por mais que eu tivesse uma opinião
contraria ao resto do grupo de como proceder nesse processo de gravação, felizmente
minha decisão de não interferir mais nas decisões do grupo, permitiu que um cenário
totalmente novo se revelasse, e com ele muitos pontos sobre as estratégias de
transmissão do grupo, que ainda não tinham ocorrido, fossem vividas na observação
participante. Sobre isso volto ao meu encurralamento ético, em que tive que decidir em
me comportar como integrante do grupo, preocupado com os impactos que as ações
citadas nos parágrafos acima trariam para a brincadeira, ou no meu posicionamento
como pesquisador, que estaria mais interessado em observar (nesse momento, sem
partido) esses impactos a titulo de pesquisa. Confesso que não sei se agi corretamente
ou não, mas optei nesse momento por me manter como pesquisador e só observar.
Para que a observação gere dados relevantes para a pesquisa, é necessário que o
pesquisador aprenda a fazer registros descritivos do que é observado, tendo a
competência para selecionar o que é relevante para a pesquisa do que é trivial, como
também deve saber fazer anotações organizadas e rigorosas de suas percepções. No caso
51
Nesse sentido apresentado por Angrosino, nesta pesquisa alguns dos dados
foram cedidos pelos próprios integrantes, como gravações de ensaios fotos e vídeos de
oficinas e do processo de gravação, pois como na maioria das vezes estava tocando o
tambor para que ocorresse a brincadeira, me apoiava nas brincantes que não estavam
52
tocando, e que muitas vezes, em virtude de algumas brincantes serem atuantes da área
profissional do áudio visual, estavam interessadas em registrar aqueles momentos.
Meu pertencimento ao grupo CRMS, traz consigo as condições necessárias para
que se realize uma observação participante segundo os apontamentos de Carlos
Nogueira Fino (2003), citando Bogdan e Taylor (1975), que caracteriza a observação
participante como um tipo de investigação em que por um período de interações sociais
intensas entre o investigador e os sujeitos, no ambiente destes, sendo os dados
recolhidos sistematicamente durante esse período de tempo, e mergulhando o
observador pessoalmente na vida das pessoas, de modo a partilhar as suas experiências.
Além da observação participante, outras técnicas foram utilizadas para fazer
imergir do contexto aqui pesquisado, as informações que serviram à construção dos
dados para a pesquisa. A observação participante em si já revelaria varias informações a
respeito do campo estudado, mas, também,
Através das entrevistas etnográficas, que são as conversações
ocasionais no terreno, portanto não estruturadas, e mediante o estudo,
quer de documentos “oficiais”, quer, sobretudo, de documentos
pessoais, nos quais os nativos revelam os seus pontos de vista pessoais
sobre a sua vida ou sobre eles próprios, e que podem assumir a forma
de diários, cartas, autobiografias. (FINO, 2008, p. 4)
2.6.10 As entrevistas
Durante a estadia do pesquisador em campo, não bastará apenas a observação
por si só, mas deve-se procurar utilizar outras técnicas de coletas de dados,
principalmente no que diz respeito ao estudo etnográfico, uma vez que os resultados
alcançados com esse método se valem da triangulação dos dados construídos em campo
através de mais de uma técnica de coleta.
Neste trabalho de pesquisa, foi utilizado como suporte para essa triangulação,
além da observação participante e levantamento bibliográfico, a utilização da entrevista
como recurso para a apreensão da visão do mestre e dos brincantes, sobre o processo de
ensino e aprendizagem musical dentro do grupo.
53
Para que se possa chegar a uma conclusão confiável nos estudos qualitativos, de
cunho etnográfico, é preciso cruzar informações sobre o que se sabe sobre o que se
pesquisa; a percepção do pesquisador; e a percepção do pesquisado. Nesse sentido, a
entrevista se configura em uma ferramenta de excelência para revelar a percepção do
pesquisado sobre sua própria realidade, em outras palavras, a entrevista literalmente dá
voz aos entrevistados, fazendo com que se tenha um relato de suas experiências de
forma mais fidedigna. Mas a entrevista, sendo mal planejada e executada, pode
modificar o sentido que o pesquisado tem da sua realidade. Por isso é importante
escolher bem o tipo de entrevista que será empregado na pesquisa.
Uma ferramenta muito utilizada nesse trabalho foi a transcrição dos áudios e vídeos
dos ensaios e da gravação do CD “Trem de Mangaba”. Essa estratégia foi de um
enorme auxilio no sentido de tanto ajudar a confirmar dados do caderno de notas,
quanto para coletar alguns dados que não foram registrados por mim no ato dos
acontecimentos. Como foi esclarecido acima, na sessão que tratei da observação
participante, sei da extrema importância da presença do pesquisador in loco, mas meu
distanciamento ocorre em função da minha condição quanto pesquisador e integrante do
grupo, em que boa parte do processo eu estava tocando, e por mais que parte da coleta
de dados desta pesquisa seja através da observação participante, muitas coisas não
poderiam ser apreendidas por mim naquele momento, eu não estava em uma situação
em que minha participação era parcial, mas em alguns momentos a participação
superava a observação. Para suprir essas lacunas, as transcrições, que foram realizadas,
serviram de reforço para os dados levantados em campo de modo empírico. Ás
transcrições de áudios e vídeos tanto de entrevistas quanto de momentos de ensaio ou
apresentações do grupo CRMS, se torna uma verdadeiro peneiramento de informações,
em que tenho que selecionar o grau de relevância da informação, a importância do
interlocutor ou do fenômeno registrado, assim como os assuntos presentes nessas
gravações, que sempre são mais de um.
4
Technological advances in the following century contributed to the institutionalization of cross-cultural music studies using a
methodology mirroring science: fieldwork and laboratory work. The establishment of ‘‘comparative musicology’’ as an academic
field in the 1880s was facilitated by the invention of the gramophone in 1877 and the creation of a pitch and interval measurement
system by A. J. Ellis (Ellis 1885; see also Krader 1980:275–77; Stock 2007).
56
Torna-se necessário para esta pesquisa, o uso de imagens captadas tanto nos
ensaios, quanto nas apresentações e brincadeiras que ocorrem no “terreiro” do mestre.
Entendendo que muitos elementos que compõem a brincadeira e o contexto onde ela se
insere, seja deveras complexo de se verbalizar, faz-se imperativo o uso da imagem para
descrever melhor certas características da brincadeira, como: os instrumentos utilizados,
as vestes, o “terreiro” do mestre Severino, e outros elementos que se faça necessário o
registro visual. Quanto a isso devo ressaltar a colaboração do grupo CRMS em conceder
acesso ao acervo de imagens e vídeos do grupo. Ainda sobre as imagens, áudios e
vídeos utilizados nessa pesquisa, cito que os materiais utilizados para isso foram
celulares, gravador portátil e câmeras profissionais e semiprofissionais.
Um ponto interessante sobre esta pesquisa e as técnicas para levantamento de
dados que utilizei, foi a observação indireta feita através da rede social Wattsapp, em
que pude acompanhar uma serie de discussões e decisões do grupo através de conversas
realizadas no aplicativo. Considero essa ação como observação indireta por não intervir
nem interagir nas conversas, me mantive na maior parte do tempo como alguém que
acompanha um plantão de notícias, apenas recebendo a informação. Esse aporte no
Wattsapp demonstra que os avanços tecnológicos da contemporaneidade, proporcionam
novas possibilidades e técnicas de pesquisa para o levantamento de dados.
Aqui serão apresentados relatos de vida do Mestre Severino, com foco em suas
experiências vividas junto ás brincadeiras populares, a fim de montar o caminho
percorrido pelo Mestre em seu aprendizado quanto brincante. Não desejo aqui realizar
uma biografia de Seu Severino, mas sim “atingir a coletividade de que o informante faz
parte, e o encara, pois, como (...) representante da mesma através do qual se revelam os
traços desta”. (QUEIROZ, 1988. Apud. SILVA, 2002. p.32) Ou seja, através do
percurso que Mestre Severino trilhou durante sua vida junto a brincadeira do coco, e
outras brincadeiras, entender que tipo de coco é praticado pelo grupo CRMS, assim
como entender o próprio grupo.
Severino Bernardo Santiago, ou Mestre Severino como é mais conhecido hoje,
nasceu no dia 2 de junho de 1936 na cidade de Vera Cruz interior do estado do RN.
Negro e de origem humilde, compondo a classe economicamente menos abastada da
sociedade e tendo seu direito ao estudo negado por questões raciais, dado que me foi
revelado em conversa informal com o Mestre em uma das vezes que o levei da vila de
ponta negra até sua casa em Alcaçuz. Nesse translado o mestre sempre conversava
muito e em uma dessas conversas ele me revela que quando criança era impedido de
estudar por ser negro, ele diz que “negro na minha época não podia estudar, era só para
branco”, esse impedimento contribuiu para que até hoje o Mestre Severino integre a
lista de analfabetismo do nosso país, fator que é por ele relatado como uma das maiores
tristezas de sua vida, a privação ao estudo.
Em sua infância Seu Severino teve seus primeiros contatos com a brincadeira do
coco através do seu pai Luiz Bernardo Santiago, brincante não somente de coco. Em
entrevista realizada na casa do Mestre Severino, em um momento que ele fala de sua
família, quando se lembra da relação com seu pai, ele relata:
MS - (...) Meu pai conversava muito comigo, conversava muito, dizia, me ensinava... aí
cantava os cocos que ele sabia, negocio de... fandango, chegança... boi do reis...ele
brincava muitas brincadeiras... congo.
Ao perguntar para o Mestre Severino sobre como o seu pai teria aprendido os
cocos, se seu pai teria aprendido a brincadeira com seus avós, o Mestre Severino faz um
rico relato de sua origem, conta que:
“óio” azul, (...) parecei... ela parecia ser uma estrangeira. A minha vó foi pegada no
mato.(...) foi pega no mato, mas “a casco de cavalo”, ela mordia, ela dava “bufete” de
todo tamanho, e eu só sei que foi pegada assim, mas... eu sei que o que acontece é que
eu hoje estou aqui, tudo que eu “seio”, que eu aprendi, eu dou graças a deus, a deus
primeiramente, segundo a meu pai.
Com base no relato do mestre, observamos que o coco era uma prática de seus
avós, e que provavelmente o pai do Mestre Severino teria aprendido o coco dessas
brincadeiras de seus avós. O Mestre ainda nos revela que seus avós seriam escravos e
que aqui no Estado do RN residiram e brincaram coco no engenho Lagoa do Fumo, esse
Engenho foi fundado em 1810 pela Família de Miguel Ribeiro Dantas, o conhecido
Barão de Mipibu. Após sua morte a propriedade passou para as mãos do Coronel Felipe
Ferreira em 1897 e permanece até hoje na posse da família Ferreira 5. Este dado é
importante, pois apesar do primeiro nome do proprietário do engenho ser diferente no
relato do mestre, o sobrenome Ferreira dá respaldo às informações cedidas pelo Mestre,
assim como traz a tona uma origem afro-brasileira para o coco que o Mestre Severino
aprendeu com seu pai.
5
Artigo escrito por Tádzio França in www.tribunadonorte.com.br/noticia/no-coracao-dos-
engenhos/260381
60
Mapa 1: localização da cidade de Vera Cruz tendo como base a capital Natal
Mapa: https://www.google.com.br/maps/dir/Natal+-+RN/Vera+Cruz,+RN
Mapa: https://www.google.com/maps/place/Vera+Cruz+-+RN,+Brasil
por alguns autores sobre a origem afro-brasileira do coco. Os estudos que atribuem uma
forte presença da cultura afro-brasileira, como os de Mario de Andrade e Inez Ayala,
são apontados no trabalho de Isabella Viggiano Lago, em que trata da cultura pupular
em sala de aula, com enfoque no gênero coco, em que nos diz,
“é consenso entre os estudiosos (como, por exemplo, Mário de
Andrade e Ayala) a forte presença da cultura negra que se revela na
dança com umbigada (ou atualmente a simulação desta), nos
instrumentos de percussão (ganzá, bumbo, caixa, pandeiro), no ritmo
(característico de outros gêneros de origem afro como, por exemplo, o
samba e o jongo) e no canto estruturado em pergunta e resposta
(cantada em coro)”. (LAGO, 2011. p.13)
Mestre Severino, ao falar sobre suas origens, aponta uma ancestralidade negra
quando relata, em um dos momentos que antecedem o ensaio, que sua “família veio da
África” e que ele através da brincadeira do coco se sente “um nêgo rico”. Mestre
Severino em muitas dessas falas que antecedem os ensaios, que na verdade essas falas já
seriam o inicio do ensaio, deixa claro que ele se identifica quanto negro e que elementos
que compõe sua brincadeira tem sua origem nos negros escravos. Em uma dessas
conversas ele trata sobre o sistema de afinação dos tambores utilizado pelo grupo, que
mantem o sistema de afinação através do calor, em que a pele animal fixada por pregos
ou colada na boca do tambor, ao esquentar é tensionada até o ponto desejado pelo
tocador. Nessa conversa ele diz que “o pau furado ou zambê é coisa dos escravo”.
Ayala & Ayala (2000, p.32) nos mostram que alguns cantadores de coco do
Estado da Paraíba atribuem o coco uma origem africana, isso fica mais evidente na fala
de Seu Manoel Ventinha, Mestre de coco do bairro da Torre em João Pessoa, em que
diz, “esse coco de roda, exatamente, primeiramente isso veio da banda da África né?
Isso é negocio de africano né?”. Na mesma fala Seu Manoel acrescenta que “não
podiam dançar com uma corrente no pé, não é? passado o cadeado, o camarada não
podia se largar para dançar. Eles tinham somente que fazer aquele passo.”
brincadeira do coco, pode ser tratada como elemento cultural de grande valor idenitário,
no sentido da afirmação étnica.
As lembranças que o Mestre guarda da sua infância, até seus nove anos, são
marcadas pelas conversas com seu pai, que como o Mestre Severino relata, “meu pai
conversava comigo como se eu fosse um adulto”. Isso pode indicar que o pai do Mestre
conversava sobre os mais diversos assuntos com ele, ou que as conversas tinham um
tom de seriedade. Outra parcela de suas lembranças da infância provém das viagens
feitas com seu pai no ciclo da cana, entre os meses de junho e julho, em que o Mestre
Severino o acompanhava pela rota dos engenhos. Mestre Severino indica a rota feita
por seu pai e cita o Engenho Murici, Curralinho, Jardim e Guajirú. Nessas andanças o
Mestre pode presenciar varias brincadeiras feitas por seu pai nos locais onde trabalhava,
mas não era apenas nesse momento que o pai do Mestre brincava o coco, ele também se
deslocava do destrito de Japecanga no município de Macaiba em direção a praia de
Pirangi do Sul para brincar coco, carregando o tambor e por vezes o Mestre, que por ser
ainda uma criança, ficava cansado da longa jornada. Sobre isso o mestre fala que “as
vezes ele me levava no braço, as vezes eu ia correndo”.
Dessas vindas do Mestre juntamente com seu pai a praia de Pirangi, o Mestre
relata que o coco praticado naquela época era o coco de zambê, e que “o coco de roda
veio a ser descoberto, agora a uns 60 anos, 50 anos ou mais é que veio esse coco de
roda”. O mestre ainda nos revela o período do ano e as situações em que ocorria o coco.
O mestre nos diz que:
Em entrevista O Mestre Severino relata também que seu pai não realizava a
brincadeira em casa, mas em uma casa de farinha que ficava próximo.
MS – “Ele em casa não brincava não, brincava no mesmo lugar mas em outra rua. Era
uma casa de farinha. Lá ele ensaiava ensinando o congo, ensinava o caboco... o
cabocolinho e ensinava o coco zambê. (...) a um bocado de rapaz, de Luiz de
mãezinha... Luiz de benzinho... e aí por diante. Aos filhos do dono da casa de farinha,
Pedro e João.”
63
Ao que parece não só o coco foi transmitido de pai para filho, mas também a
ação de transmiti-lo, de promover a prática da brincadeira para as pessoas interessadas
em brincar. Nesse relato do mestre ainda podemos observar que seu pai tinha
conhecimento de outras duas brincadeiras, o congo e o “cabocolinho” ou caboclinho,
duas manifestações que também ocorrem no estado do Rio Grande do Norte.
vida, só retornando muitos anos depois. Sobre a morte do seu pai e seu contato com o
brincadeira do coco, Mestre Severino nos diz:
“eu ia quando meu pai era vivo, mas meu pai morreu logo cedo, muito novo, eu fiquei
quando meu pai morreu, eu fiquei... eu fiquei de... de oito pra nove anos de idade, ai é
por isso que eu fiz aquele coco: “tava de... tava de oito pra nove anos quando mamãe
me chamou, eu corri para os braços dela mamãe me abraçou, em menos de meia hora
o telefone tocou, minha mãe foi atender foi o meu pai que morreu, minha mãe sofreu ô
mundo enganador, não fui eu quem lhe enganei, foi você que me enganou, apareceu um
vaqueiro pra tomar conta do gado, tocou fogo na fazenda e queimou o capim do gado,
o capim não era meu era de pastar o gado, ê que vaqueiro malvado, ê que vaqueiro
malvado, tocou fogo na fazenda, queimou o capim do gado, o capim num era meu era
de pastar o gado”.
MS – “rapaz esses coco é tudo é... coco que eu já venho “trabaiando”, que o que meu
pai sabia ele ia cantando tudo. Ai de noite ele ia brincar e eu ia mais ele, ele era
brincando lá e eu aqui mais os outros meninos. (...) ficava perto brincando mais os
outros meninos. Ai ficava eu, ficava finado Badidiu... que era meu amigo, ficava
Floriano, Floriano num sei nem se ainda é vivo. Ai ficava eu, “cumpade” Zé Marrêra.
Tendo em vista essa não prática do Mestre nos cocos brincados por seu pai,
como poderia o mestre ter aprendido os cocos que hoje ele reproduz? Algumas
evidencias de como o mestre aprendeu os cocos do seu pai, são pontuadas em algumas
de suas falas.
Em conversa com o Mestre, quando o levava para casa depois de um ensaio, ele
contou que nas andanças com seu pai, para ir brincar coco ou trabalhar nos engenhos de
cana de açúcar, varias cantigas eram entoadas por ele no caminho, e sendo a distância
percorrida muito longa, ás vezes chegando a 28 quilômetros de distancia entre um
distrito e outro, vários cocos eram cantados, nesse sentido, a repetição dos cocos nessas
viagens pode ter sido a principal forma de aprendizado das cantigas do coco pelo Mestre
Severino, juntamente com a observação da brincadeira quando a mesma o interessava,
pois se o Mestre Severino estava tão próximo do pai nas brincadeiras, em algum
momento, mesmo que não relatado pelo Mestre nas entrevistas ou em conversas
65
informais, ele (o Mestre) deve ter tido sua atenção voltada para a brincadeira do coco,
ou mesmo uma participação direta na brincadeira.
Após a morte do seu pai, o Mestre nos indica que o coco se fez presente em
alguns momentos de sua vida, entre a morte do pai e a criação do grupo.
MS - “eu brincava as “vêis” (vezes) um coco assim, lá no meio da bagunça, que a gente
tava a turma bagunçando no “rêse” (reis), ai eu inventava de cantar um coco, ai a gente
começava aquela baderna ali, era só para fazer o povo “sirrir” (sorrir)
No relato acima o mestre nos indica que ele cantava uns cocos em momentos de
descontração do boi de reis, revelando assim duas coisas: a primeira, que ele durante sua
vida exercitou essa memória do coco, no caso esse período da vida do Mestre destacado
no relato, é precisado por ele como sendo na juventude; a segunda é que o mestre nos
indica que o coco era utilizado por outra brincadeira em momentos de descontração,
revelando assim o intercambio entre as brincadeiras. Provavelmente os cocos cantados
pelo Mestre foram entoados por ele em alguns momentos de sua vida, inseridos no
contexto de outras brincadeiras brincadas pelo Mestre.
http://cacuademamulengos.blogspot.com.br/2011/10/joao-rendondo-ou-mamulengo.html
Mestre Severino relata que quando seu pai morreu ele mudou-se para o
município de São Paulo do Potengi, local onde trabalhou alimentando o gado em uma
fazenda da região, que tinha como proprietário um homem chamado Manoel de Brito.
Nesse período o Mestre conhece a brincadeira de João Redondo que foi durante um
tempo fonte de renda, sendo a principal atividade do mestre em um momento de sua
vida. No entanto, o mestre revela em uma conversa informal que teve que parar de
brincar, pois passava muitos dias fora de casa se apresentando nas residências das
pessoas mais abastadas da cidade de Japecanga, em que na maioria das vezes a
brincadeira acabava a em cachaça. Nesse sentido o mestre ficou apreensivo de perder a
família para a brincadeira. Nesta época Mestre Severino já era casado e com filhos, a
saber, o Mestre se casou aos doze anos de idade.
67
O boi de reis foi a brincadeira mais apreciada pelo Mestre, também servindo
como fonte de renda para ele. Dentre os personagens da brincadeira, Mestre Severino
assumia o papel de “birico”, personagem cômico da brincadeira que representa um
negro empregado do fazendeiro que é o proprietário do boi. Nessa brincadeira o Mestre
nos diz que “se o birico for bom o cabra ganha dinheiro”, pois ao que parece gorjetas
eram oferecidas ao “birico” se ele divertisse bem a plateia. Essa prática plural já foi
evidenciada antes nos relatos sobre seu pai, que além do coco, também era um brincante
de fandango, chegança, boi de reis, congo e caboclinho.
Imagem: https://www.google.com.br/maps/place/Vila+de+Ponta+negra,+Natal+-+RN
“para mim o mestre ele tem um saber. Porque que ele é mestre? porque ele aprendeu
aquele saber, pode ser qualquer saber, se eu me reportar à capoeira, o mestre de
capoeira que aprendeu o saber da capoeira, que passa o fundamento da capoeira, então
no caso o mestre Severino que é mestre de coco, ele foi intitulado mestre de coco pelo
saber que ele tem, pelo repertório que ele tem dessa manifestação e de conseguir
transmitir aquilo que ele aprendeu para as pessoas.” (BRINCANTE, 25 de março de
2015)
Sobre esse reconhecimento não podemos negar que, desde a era de ouro dos
festivais de folclore, os mestres e brincantes de manifestações populares buscam
evidenciar suas brincadeiras a fim de alcançar grandes públicos, conseguindo assim
tanto notoriedade quanto retorno financeiro. No caso de Mestre Severino, esse
reconhecimento por parte de terceiros tornou-se importante em função de seu
70
anonimato, que esconde uma longa historia de vida ligada a brincadeira popular, mas
que através das tramas tecidas ao longo dessa Historia só encontra voz através das
cantigas do coco. E agora através deste trabalho.
Na primeira formação o grupo era constituído por seis brincantes mais o Mestre,
que relata que no primeiro ensaio que realizaram um Mestre de congo de calçola da Vila
de Ponta Negra, ao observar o ensaio bateu palma e disse ao Mestre: “Você tirou em
primeiro lugar”, atestando a qualidade do grupo.
A criação do grupo traz consigo o titulo de Mestre para Seu Severino, como ele
mesmo narra, não era conhecido como Mestre, teria sido as brincantes do grupo que o
intitularam dessa forma. Sendo assim é importante notar que a criação do grupo é
também a criação do Mestre, como figura central, detentora do conhecimento,
representante da cultura popular tradicional.
O coco de roda que é praticado pelo grupo apresenta peculiaridades que vão da
instrumentação utilizada até a construção poética das cantigas, passando pela dança e
pelo canto, isso comparado às descrições dos cocos citadas nas sessões que aqui tratam
do tema. Algumas semelhanças também são encontradas, com um pouco de variação,
como o exemplo dos tambores utilizados para a realização da brincadeira.
Foto 7. Á esquerda Zambê feito de abacateiro, á direita Mestre Severino e outro zambê feito de
abacateiro
Foto 8. Visão do interior do zambê, mostrando o tronco com seu interior oco.
73
Foto 10. Pele de cabra sobre o tambor e modo de fixação da pele no tambor
célula rítmica do coco de roda do Mestre Severino é a mesma para todos os tambores,
no entanto cada tocador acaba imprimindo suas particularidades na interpretação, o que
gera uma massa sonora grave, em que se houve a célula rítmica da figura a baixo,
O canto no grupo segue o modelo apresentado por Hélio Galvão, quando esse
relata o coco de roda no município de Cabeceiras, em que todos que estão na roda
cantam respondendo o mestre, que diferente do relato de Hélio Galvão, não se localiza
no centro da roda para cantar, mas compondo a roda junto com os outros tocadores.
As respostas apresentam duas formas, uma como verso fixo e outra como a
repetição do verso cantado pelo mestre. Em análise preliminar feita sobre o canto, nota-
se que a uma diferença de tonalidade entre a pergunta feita pelo mestre e a resposta do
coro, variando entre um tom e um tom e meio, na maioria das vezes descendente. Isso
não é uma característica técnica na execução do canto no grupo, mas um desnível de
afinação, em ralação ao canto do mestre e a resposta das brincantes. Aparentemente esse
desnível na afinação da resposta se dá pela diferença da extensão vocal do Mestre
Severino em relação à extensão vocal das brincantes, que naturalmente tendem a
adequar a melodia a tonalidade de conforto para as vozes femininas.
concentram em sua performance e acabam não respondendo o coro, o que não prejudica
a brincadeira.
Sobre essas pausas que ocorrem durante a brincadeira, nota-se que existe a
postura do Mestre Severino, que não está preocupado com uma dinâmica de
apresentação, e existe as brincantes (incluindo a mim), que ficam tentando controlar o
andamento da apresentação. Muitas das ocasiões em que a brincadeira é realizada,
inclusive nos ensaios, o tempo de brincar é demasiado curto para tudo que ocorre nesse
processo, incluindo aí as falas do mestre e o tempo que ele leva para lembrar dos cocos.
Com isso, em muitos momentos algum brincante alerta Mestre Severino que faltam
poucos minutos para acabar ou o lembra de algum coco. Em algumas apresentações um
repertório impresso é levado, a fim de ali estar um catalogo com os cocos cantados pelo
mestre, esse repertório não impõem uma ordem, até mesmo porque o fato de dizer ao
mestre o nome, ou ainda sim cantar um trecho do coco, não é garantia de que o Mestre
vá lembrar de imediato daquele coco que está sendo sugerido. Esse repertório serve
como suporte não só para a memoria do mestre, mas para a memoria do grupo, que
também precisa lembrar dos cocos cantados pelo Mestre.
A dança se mostra outro ponto curioso desse coco. O grupo nunca teve homens
na roda, na roda sempre figuraram as mulheres, com exceção de algumas apresentações
em que homens do publico entraram na roda. A presença masculina no grupo conta com
quatro participações até o presente momento. Assim como eu os outros homens que
passaram pelo grupo exerciam a função de tocador. Isso não é uma imposição, mas ao
que parece os homens que se aproximam do coco não estão interessados em dançar.
Mas por quê? Em uma de suas “Outras Cartas da Praia” Hélio Galvão cita a fala de um
77
de seus informantes, Chico Miguel, em que esse o diz “no zambê só dança home. No
coco de roda, sim, tanto dança mulher como homem. Agripina dança que é uma beleza,
mas só coco de roda”. (GALVÃO, 1968. p.204). Em outra carta, Hélio Galvão (1968.
p.221) ao descrever uma brincadeira de coco de roda no distrito de Cabeceiras, aponta
que “formou-se o circulo misto, mãos dadas. (...) houve uma jornada, 17 minutos, com
quarenta pessoas, só mulheres. Tirador, Agripina”. Sobre esses relatos de Galvão
podemos ver que, o zambê era dança de homens, onde não se podia dançar mulheres; o
coco de roda era misto, com homens e mulheres, no entanto aparentemente as mulheres
tomavam conta da roda em determinado momento. Se o coco de roda era dança mista,
por quê no grupo CRMS, assim como em outros grupos de coco de roda, como o de
Mestre Pedro, não vemos a presença de homens na dança? Essas são questões que
enveredam por áreas muito complexas, que envolvem estudos sobre o comportamento
masculino do Potiguar na contemporaneidade, e esse não é o foco aqui, deixo essa
discussão para outro momento, ou para outra pessoa.
Outro movimento seria o de uma das integrantes da roda que está na ponta, ou
seja, situada ao lado dos tambores, realizar um movimento de zig-zag por entre as outras
brincantes que estão na roda, até chegar à outra extremidade. Durante o percurso
percorrido em zig-zag a brincante que está em movimento segura na mão da brincante
ao lado (geralmente a mão direita), elas giram juntas em torno de um eixo criado pelo
unir das mãos, após um giro a brincante em movimento passa para a próxima brincante
e realiza o mesmo movimento. Ao chegar na outra extremidade da roda, a brincante
passa na frente dos tambores e volta ao seu lugar, dando a vez para que a brincante do
lado realize o movimento em zig-zag, isso acontecerá até que todas as participantes
tenham realizado o movimento, ou o Mestre encerre o coco.
coco do grupo para a dança feita pelas senhoras. As dançantes mais velhas executavam
passos curtos, mantendo-se na maior parte do tempo ao centro da roda, trocando o
protagonismo com outra brincante, em algumas vezes, através de uma umbigada. No
coco de roda do Mestre Severino os passos das dançantes são amplos, vigorosos,
chegando as dançantes a saltitarem durante a dança, executando coreografias ensaiadas
ou propondo jogos corporais, em que uma tenta pegar no calcanhar da outra, elemento
introduzido no grupo por duas brincantes, no momento em que figuram duas dançantes
na roda, mas na maioria das vezes a dança é um solo, que diferente das dançantes mais
velhas, percorre toda a extensão da roda, dependendo de quem esteja dançando.
Com a criação do grupo uma ação teria que ser realizada: os cocos teriam que
ser aprendidos pelos brincantes, uma vez que os mesmos só estavam na memória do
Mestre, que agora teria que assumir o papel de professor de coco.
Ao perguntar para o mestre como era para ele ensinar os cocos para o grupo ele
demonstra que sua postura quanto Mestre que está ensinando a alguém, depende mais
de um jeito de ser e de tratar os outros, sendo essa ação de ensinar algo além do âmbito
musical. O Mestre diz que para ensinar os cocos,
“a pessoa tem que ser delicado, ser paciente, falar brincando sem
falsidade, querer bem sem falsidade, (...) é ter sinceridade tanto para o
homem quanto para a mulher. A sinceridade é o que vale, porque
agente tem coração e tem consciência das coisas, não se deve se lucrar
da inocência dos outros”
Durante os ensaios os cocos vão sendo transmitidos à medida que o mestre vai
se lembrando deles. Essa lembrança pode ocorrer em diversos momentos, não somente
nos encontros para os ensaios. Mais de uma vez presenciei o mestre lembrando de um
coco em quanto estava sendo levado de sua casa para um apresentação, ou voltando
81
LUA – “o cilindro estourou. Olha ai, tamo junto. Simbora! Daí mesmo”
Quando o mestre diz que “perdeu o coco” ele quer dizer que esqueceu dele, e
prontamente Lua, que não faz parte do grupo, mas estava por perto no processo de
gravação do segundo CD do grupo, ajuda o mestre falando para ele um trecho de um
verso do coco que o mestre queria cantar, a saber o coco seria trem de mangaba. Assim
que lua fala para o Mestre o verso ele rapidamente completa com o segundo verso, no
entanto ele troca uma palavra do verso, ao invés de falar cilindro o Mestre fala pneu,
mas Lua ao repetir o verso que o mestre acabará de falar, corrige a palavra e incentiva e
encoraja o Mestre a continuar do ponto onde haviam parado. Durante todo o áudio do
ensaio é possível perceber que vários momentos como esse acima ocorreram no ensaio.
CRIS – “vocês cantam com a gente, do jeito que a gente cantar vocês cantam também”
RICELLI – “essa a gente só repete isso, a resposta é sempre: eu plantei o meu coqueiro que eu
trouxe la da bahia...”
CRIS – “tá”
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Dentre as estratégias utilizadas tanto pelo grupo, quanto pelo Mestre para que os
cocos sejam transmitidos, uma delas me chamou muita atenção por se tratar de uma
ruptura, em primeira vista, de como são transmitidos os conhecimentos nas culturas
orais. No grupo CRMS a oralidade não é o único recurso utilizado para apreender os
cocos. No processo de gravação do segundo CD do grupo, pude presenciar momentos
em que as brincantes se valiam das letras dos cocos impressas, de forma a ajudar as
brincantes não só a aprender mais rápido os versos, como também serviu de roteiro para
guiar o mestre na hora dos ensaios preparatórios para a gravação, assim como para o
próprio momento da gravação. Quando me deparei com essa situação, a primeira coisa
84
que pensei foi “estarão as brincantes modificando a forma de transmitir o coco dentro
do grupo?” pois esse recurso ainda não tinha sido presenciado por mim, nem no período
que passei pesquisando o grupo, nem nesse tempo que faço parte do grupo. No entanto
essa prática não é assim tão nova no CRMS.
Em entrevista com uma ex-brincante do grupo, ela nos revela que a utilização de
letras de cocos escritas, era uma prática do grupo no inicio, e que isso partia do próprio
Mestre.
Nesse contexto do grupo CRMS, não são apenas as brincantes que aprendem, o
Mestre também recebe informações das brincantes, não necessariamente musicais, mas
de como funciona as questões para se realizar uma brincadeira em determinados
lugares, como na UFRN por exemplo, ou como uma oficina deve ser construída, ou até
sobre o cenário político do país. Essa troca de saberes ora musicais ora sociais,
demonstra que no grupo CRMS a transmissão não é uma via só de ida, mas uma via de
mão dupla, em que conhecimentos são trocados, como um escambo cultural.
B
85
B M B
Em primeiro lugar foi observado que o Mestre não segue um roteiro fixo, o que
mais se aproxima disso é o fato que o Mestre sempre começa as oficinas se
apresentando e contando um pouco do seu dia ou de sua história de vida. Com relação
as ações do mestre em ensinar, nota-se que ele conduz como se estivesse ensaiando o
grupo, cantando cocos que lhe vem a mente no momento, ou quando alguma brincante
sugere, “canta aquele coco...”. O que se nota é que para o Mestre ensinar o coco é
brincar o coco, raramente o mestre para a brincadeira para explicar um verso ou a
melodia, cabendo às brincantes tentarem promover uma organização para o
ensinamento. O que na maioria das vezes falha. Isso porque o que o Mestre promove e
que recebe o nome de oficina, é na verdade uma vivencia do que seria a brincadeira do
coco.
MS – essa brincadeira se chama zambê. Aí o zambê significa coco, agora, tem dois cocos, o
coco de roda, o coco zambê. Agora, significa três porque tem o coco de ganzá .
Brincante – o coco dele é meio misturado, ele tem referencias do coco de zambê, porque são
vários tipos de coco. As vezes é pelo instrumento, como o coco de ganzá, as vezes coco de roda,
porque se caracteriza porque sempre tem a roda, o coco de zambê é por causa do instrumento,
que eles chamam esse instrumento de zambê. Existem varias variações, existem instrumentos
variados, e ele, o coco dele, pega as duas referencias do coco de roda e do coco de zambê.
5. CONCLUSÃO
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Após esse mergulho no complexo contexto que é o grupo CRMS, com o olhar
interessado em desvendar como ocorre o processo de transmissão musical dos cocos,
alguns pontos sobre essa questão são claros e serão destacados aqui, outros pontos, no
entanto, confesso que tanto esse pesquisador quanto esse trabalho, por hora, não darão
conta de discuti-los com o devido aprofundamento que eles merecem.
Sobre o grupo CRMS destaca-se sua atípica formação, o que gera um contexto
bastante particular desse tipo de brincadeira popular, em que temos um mestre, detentor
de um conhecimento vindo da memória de seu pai, de sua própria história de vida junto
a brincadeiras populares, prática das camadas pobres da sociedade, e as brincantes que
são de outra realidade social, mas com suas próprias experiências com as brincadeiras
populares, em especial com o coco. Isso mostra que a visão de grupos que evocam a
cultura popular e suas práticas tradição, na contemporaneidade, podem se configurar de
formas diversas, para além dos modelos folclóricos de grupos formados por familiares
ou membros da comunidade, o entrelaçamento dos segmentos sociais e de pessoas de
varias origens diferentes, ocorrer no seio da brincadeira popular, lhe permitindo adaptar-
se as demandas contemporâneas.
REFERÊNCIAS
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FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 5. ed. São
Paulo: Cortez, 1999. p. 35- 46.
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EDUFRN.
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education. 1982.
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. Editora Companhia das Letras,
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92
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SILVA, Valéria Levay Lehmann da. " Seu Zé, qual é a sua didática?": a
aprendizagem musical na Oficina de Pífano da Universidade de Brasília. 2011.
ANEXOS.
MS_ Esse coco, ninguém mandou ninguém pediu... eu comecei esse coco, eu comecei
ali ó, no canto que tá aquele portão, nessa “pestera” de mato, dali eu batia no tambor,
dali eu batia no tambor, começava a bater uma hora dessa... aí... eu viajava por “mode”
todo sábado, todo sábado eu “tava” em ponta negra, dormindo la na minha casa, e vinha
na segunda feira, na terça...
MS_ é... eu morava lá e já morava aqui também, lá só tava a “famia”. Ai eu... trabalhava
lá no conjunto; Tião Matias me chamou pra brincar um “reize”, eu digo: eu não posso
brincar boi do “reize” Tião, porquê eu tenho esse tornozelo quebrado, e é o que eu mais
gosto é de brincar no boi de “reize” porquê a minha parte no boi de “reize” é biríco...
KM_ Biríco?
MS_ O biríco, o mateu, a catirina, esses três é do “reize”, agora... passando para o
“espleitado” é o mestre, contra mestre... primeiro galante, segundo galante, terceiro
galante, quarto galante, dama e daí por diante; ai passa para “boiêro”, passa pra brincar
Jaraguá, curiabá, bode e daí por diante. Ai eu disse a ele que não ia, porquê não dava
para eu brincar, e eu gostava de dançar baiano, ai eu dançava baiano penerava que eu
rodava o mundo todinho só...
KM_ só se amostrando
MS_ só se amostrando ai...passou quando foi na outra semana ele tava no mermo canto,
ele disse: “agora vamo mudar de brincadeira, vamo brincar mais eu bambêlo?
MS_ É, Pedro de lima, ele é conhecido lá como Pedro de piloto, agora depois que é
mestre, ai é que tá com essa frescura; ai... ele chegou sendo o mestre de bambêlo de
Tião “Matia”, ai num deu foi nada nessa primeira noite, eu fui brinquei tudo mais, na
segunda vez na outra semana, ai eu fui quando cheguei lá Pedro... ai Pedro me chamou
96
ai... maçariquinho da beira da praia/ como é que a muié veste a saia? / é assim é assim
é assim... eu digo Pedro isso num é coco de bambêlo não, isso ai é um... isso ai é de... eu
disse o que era...pinduca, ele disse: “a isso passa por coco de roda”, eu digo, eu quis
dizer, Pedro deixa de ser burro, que bambêlo é uma coisa e... maçariquinho é outro...
MS_ pinduca é quem canta isso ai, ele é que é o dono dessa cantiga...
MS_é... ai é num é, é num é ai eu digo: num vô teimar mais não, ai fui e fiquei calado,
lá mandaram me chamar lá da fundação José augusto, eu fui, quando cheguei lá era para
saber se eu, se eu podia ir pra limoeiro eu digo: “rapaz eu num sô o chefe não, quem é o
chefe é Tião Matias que é o dono...
MS_ foi.. agora esqueci do nome dele... agora tô esquecido do nome dele...
KM_ sim
MS_ ai eu disse: “quem é o dono é Tião Matia eu num delego nada não, apenas eu sou
convidado dele para brincar” ai...ai eu sei que...foi buiú agora que eu me lembro...
MS_não ele num foi não, quem foi foi nós, ai “arranjemo” um carro... o “fio” de Tião
Matias se atravessou, “por quê o quê e tal”, ai eu fiquei na minha, ai ele foi cantou,
brincava ele pegava o dinheiro e não pagava a dançarina e nem a ninguém... ai fui a
primeira vez, fui a segunda, na terceira vez veio encher meu saco, ai...
MS_ o “fio” de Tião” Matia”, “Gabi”... ai eu digo: você sabe de uma coisa, eu canto
coco porquê sei cantar, num peço caridade a ninguém não, eu num peço caridade a seu
ninguém pra cantar, um coco, se eu for cantar coco dos outros, ai é que eu canto coco!
Porquê o que eu canto é meu, quem deixou para mim foi o meu pai; ai... isso lá... a
primeira vez quando nós “fumo” eu tava no tambor, assim em cima do palanque, e aqui
por “d’átraz” arrudiado de gente, Pedro cantou: pássaro branco arapirá/ senta na
pedra num pode voar...; ai cantou o outro, ai quando era só três cantiga, ai o cara
disse...o cara que tava apresentando disse: chegou encerra aqui já, o coco de ponta negra
já “compretô”, eu nunca vi coco de roda ser cantado em musica de carimbó; ai a muié
pegou aqui na minha calça balançou e disse: “isso é de pinduca né?” eu digo: é... ai
chegou aminha... agora o mestre Severino... foi quando eu cantei: cajueiro abalou/
97
abalou meu cajueiro... ai bateram palma, eu terminei o coco, ai disse: a... agora eu
escutei um coco, num escutei carimbó não. Ai o que acontece, a primeira vez, a segunda
e a terceira ai ele veio... ai o fio de tião matia veio encher meu saco, eu digo: óia... por
vida minha e saúde minha, de vocês e de meu povo em casa, eu só venho aqui em
limoeiro agora, com um grupo que eu vou fazer, é quando eu venho... e ainda num fui,
mas no dia que eu for...
MS_ se buiú tivesse na fundação josé augusto, ele já tinha telefonado, eu já tinha sabido
se para quando era o encontro de mestre de limoeiro, ai quero me encarregar de arranjar
um carro par ir. Lá é para valer mesmo. Ai eu fiquei brincando, brinco aqui, brinco ali,
brinco acolá, todo mundo gosta das minhas brincadeiras...
KM_ eu sei... ai quando o senhor veio de limoeiro tava decidido a fazer um grupo?
MS_ foi... só disse lá, ai quando o povo chegando espaiando, ai a primeira que chegou e
disse: “vai fazer um grupo” eu disse: vô, “eu quero ir pro seu grupo, posso?” foi Bel...
MS_ Foi a primeira e ainda viajou mais eu, “fumo” bater em Bom Jesus
KM_ mestre, Bel se ofereceu para participar do grupo ou o senhor chamou Bel?
MS_ não, ela que se ofereceu, perguntou se podia entrar, eu digo: pode
MS_ Bel foi a primeira, Lilian a segunda, terceira foi Mariana... não a segunda foi Ede,
a terceira foi lilian, quarta mariana, quinta foi Paula, e... qual foi a outra?... eu tô
esquecido da outra, eu sei que eram seis... e se apresentava todas seis logo quando
começaram, ai “adepois” foi que começou, sim... a baixinha como é?... essa doença ta
me deixando lélé...é...
MS_ é...
KM_ Ilnete?
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MS_ Ilnete, Ilnet foi encostado, Ilnet foi primeiro e depois foi aquela menina que eu
disse agora o nome dela... ai “adepois” foi Paula e ai completou o grupo. Ai quando eu
dei o primeiro ensaio, finado zé correia bateu palma e disse:” você tirou em primeiro
lugar”. E dai para cá eu tenho sido; eu só vejo o povo dizendo: “coco é o mestre
Severino” e eu já fui e já sou conhecido por... recife já fui cinco vezes, são Paulo já fui
uma, uma para Uberlândia.
KM_ as meninas que começaram a chamar o senhor de mestre. Antes quando o senhor
participava lá com os outros...?
MS_é mestre Severino, mestre Severino pra qui, mestre Severino pra culá, mestre
Severino pra qui...
MS_ e mestre ficou... eu sou assim, me dou com todo mundo... eu me dou com todo
mundo né, ai...eu num seio lê mas também num carece a pessoa querer fazer de mim...
escravo não por quê se torna “rim” fica feio...
KM_ mestre ai o senhor já conhecia o coco como coco de roda? Ou antes ele era
chamado de outra coisa assim... na época do seu pai como ele chava?
MS_ a diferença é por quê a dança do zambê você dança no pé do tambor, e o coco de
roda você dança “espaiado” ; um par, puxa uma “cavalêra”, dança com ela aqui, solta
ela para outro, vai puxando outro lá e outro ali, e sei que esse que é o coco de roda.
MS_ meu pai brincava os dois, coco de roda e zambê; aquela menina ela dança coco de
zambê
MS_ ela quebrou tudo... a bicha, fazer que nem o caboclo: a bicha é invocada
MS_ é o mermo , agora só, que os meus num é... eu quis fazer, mas num deu por quê, ja
o cara quando cortou já cortou os pedaço assim, ai num deu pra eu fazer, por quê era
para eu fazer para me escanchar em cima, pra o coco de roda e de zambê. Ai.. o coco de
zambê tem uma parte que, o batedor de zambê faz rodando, e esse ai é pequeno, num
dá pra eu botar a corda e preder no meio das minhas pernas e andar, ai fico só parado.
Ai eu sei que eu gosto muito da brincadeira e... eu já tô... óia, me faz um favor, aqui em
cima onde tem a TV, espia assim que tu vê meu chapéu de couro e um saco “prastico”,
pega o saco “prastico e traz pra mim, com o que tem dentro.
MS_ ai o que acontece, o que acontece... eu... eu luto pra ensinar as pessoa, e eu penso
que, eu não tenho maldade... eu disse de baixo do chapéu de couro, tem uma bolsa de
“prastico” dessa e puxe ela de baixo do chapéu e traga. Né essa não.
MS_ ai eu... ensino que as “veis” a pessoa, passa por uma situação, e tem... aha ai viu
agora? Senta aqui, bota a cadeira aqui Marilia. Ali óia. Bote mais para lá que ta na
sombra... então eu tô escrevendo óia, isso é pra quando eu tô trabalhando... óia, eu
tenho, num é nada de ninguém aqui, num é de ninguém, isso ai...
MS_ Manuela... aí ela ficou com esse livro lá, ai eu, sabe de uma coisa, eu num vô
deixar meu livro lá não. Aí sai daqui e fui busca-lo.
KM_ num deixe ninguém levar esse livro não fique com ele.
100
MS_ esse livro num sai da minha mão não, num sou doido não
KM_ mestre esses cocos, o senhor faz os coco? Como é que funciona? Da onde é que
vem esses bixo ai?
MS_ rapaz esses coco é tudo é... coco que eu já venho “trabaiando”, que o que meu pai
sabia ele ia cantando tudo. Ai de noite ele ia brincar e eu ia mais ele, ele era brincando
lá e eu aqui mais os outros meninos.
MS_ ficava perto brincando mais os outros meninos. Ai ficava eu, ficava finado
Badidiu... que era meu amigo, ficava Floriano, Floriano num sei nem se ainda é vivo. Ai
ficava eu, “cumpade” Zé Marrêra... tu tava fosse... da vez que nós “fumo” pra Santa
Cruz, tu tava Marilia?... ai ele já tá bem “véinho”, mas é um “véio mago”...
KM_ mestre ai o senhor brincou coco assim... em que período da sua vida?
MS_ rapaz eu o... o meu temporada que eu comecei, foi quando... Tião Matias me
chamou, ai eu quando era livre de o que passou pra traz, eu num brincava coco,
brincava “rêse” (reis), eu era “mateu” de “rêse”.
MS_ era
MS_ não, brincava... eu brincava as “vêis” um coco assim, lá no meio da bagunça, que a
gente tava a turma bagunçando no “rêse”, ai eu inventava de cantar um coco, ai a gente
começava aquela baderna ali, era só para fazer o povo “sirrir”
MS_ é eu ia quando meu pai era vivo, mas meu pai morreu logo cedo, muito novo, eu
fiquei quando meu pai morreu, eu fiquei... eu fiquei de... de oito pra nove anos de idade,
ai é por isso que eu fiz aquele coco: “tava de... tava de oito pra nove anos quando
mamãe me chamou, eu corri para os braços dela mamãe me abraçou, em menos de
meia hora o telefone tocou, minha mãe foi atender foi o meu pai que morreu, minha
mãe sofreu ô mundo enganador, não fui eu quem lhe enganei, foi você que me enganou,
apareceu um vaqueiro pra tomar conta do gado, tocou fogo na fazenda e queimou o
capim do gado, o capim não era meu era de pastar o gado, ê que vaqueiro malvado, ê
que vaqueiro malvado, tocou fogo na fazenda, queimou o capim do gado, o capim num
era meu era de pastar o gado”. E ai...
MS_ aconteceu que meu pai morreu né, e quando ele morreu eu tava com nove anos,
ai... começando por aqui...
101
KM_ esse coco é composição do senhor? Esse foi o senhor quem fez?
MS_ foi esse coco e...e eu... tem esses outros que é... esse... “mané fulô é um mestre
que anda de noite a dia, ele chegou de navio por que o vento levou” Mané fulô que é
esse coco aqui, ai daí por diante isso tudo é coco, e o outro caderno é o que eu vou
trazer essa sexta-feira, eu vou trazer o caderno que ta lá em Parnamirim, que é pra
passar esses coco aqui, e ninguém vai “butar” a mão nesse caderno, por quê eu vou
passar esse coco... vou levar esse pra passar pra o outro, e quando for... quando eu fizer
aqui o quarto é que eu trago ele de lá pra cá, e o dono desse caderno vai ser esse nêgo
ai....
MS_ eu gosto de brincar o coco, eu comecei esse coco eu fiz o tambor, e... ai eu tô com
um tambor furado ai... ai ainda falta eu lixar ele; eu fiz de coqueiro...
KM_ é eu vi esse. Rapaz eu sou doido para fazer um zambê, eu voou vir aqui para o
senhor me ensinar a fazer esse negocio
MS_ vou lixar ele; falta eu ter uma lixadeira, pra eu lixar e encorar ele. O dia hoje foi
tão bom pra encorar um...
MS_ é...um sol, ai o caba quando acaba de arrochar, de pregar, ai fica no sol e fica de
gemer; eu batia nele, no tambor, que eu vendi ele a Marilia... cumé? A Manuela, eu
vendi ele, Manuela comprou por quatrocentos.
MS_ comprou, eu vendi a ela, por quatrocentos; botava ele ali, as vezes vinha para aqui,
plantava as munheca nele aqui e escutavam lá no Pium. Ali na Vila Feliz vinha um
senhor já idoso, moreno, ai eu cheguei um dia lá ele disse: “mais rapaz, eu ouvia o caba
bater aqui em baixo, eu pensava que era lá pelos murrinho ou Nízia, mas você era ali em
Alcaçuz, você batia lá e eu escutava aqui; e pela sua pancada e o som do tambor, eu vi
que era você, e o tambor ta aqui. Ai era eu brincando... eu brincava ali naquele colégio
que tem do lado aqui, lá junto daquela parada, que vai pra lá, ai brinquei uma vez la na...
da feira pra cá, e depois fui brincar lá na... antes disso eu devo brincar lá onde Cris
arranjou, aquele negócio coberto de palha; rapaz eu fui bater tambor aculá, fiquei com
os pés todo chamegando, ai o mocotó aqui... eu fui de chinela vice...
MS_ aquele mosquito maruim; eu bati e achei bom, só achei ruim o danado do maruim
Km – eu sei...
102
Ms – o engenho lá era do lado de lá, do outro lado do rio, do aceiro da mata lá. Ele
agora ta do outro lado de cá, em curralinho, como daqui lá para a distância daquele mato
(apontando para o final da rua onde mora). Ele era lá e veio ficar aqui, mas do lado de
cá do rio...
Km – eu sei...
Ms – eu era assim... do tamanho daquele menino de... de coisinha de.... aquele menino
que veio aqui...
Ms – não... mas oia, eu as vezes depois me lembrando fico... meu deus eu me lembro
dessa coisa toda, foi deus que me ajudou, me deu esse dom, essa lembrança, pra eu me
lembrar das coisas... que... eu mesmo não ia saber cantar um coco, por que ai... eu já fui
lá em Geraldo... os cocos que meu pai cantava, alguns de coco de zambê, Geraldo lá
canta: “foi no mato passou camurim, foi no mato camurim passouo, passou
camurim....” dai por diante.
Ms – era... “ a uzina santa helena, a usina santa helena, de grande fica a gemer, de dia
pra cortar cana, de dia pra cortar cana, de noite para moer, de noite para moer.” Isso
é coco de roda e também uma parte é zambê, é coco zambê. Ai quem canta zambê bota
ele, quem canta coco de roda bota ele.
Ms – “helena quebrou o mastro, mas não quebrou a bulina, inda ontem eu vi helena, no
bueiro da usina” e dai por diante. Ai tem coco que... muitos cocos que Geraldo canta eu
num canto por que... ai alguém já escutou Geraldo aí vai dizer “esse coco é de
Geraldo” , mas ai eu num tenho medo de cantar ele, só que eu num dô conta do resto de
coco que tem. É um coisa que.... e outra, pra mim aqui num da para eu tá cantando coco
de zambê por que eu num gosto de misturar. Tô canatando coco de roda ai com um
pouco puxo um coco de zambê, ai num dá, por que o coco de roda é de um jeito o
zambê é de outro. O zambê o cara fica assim se balançando se quebrando, ai mergulha
no pé do... (tambor) ai vuco, vuco, vuco, com um pouco se levanta e vai buscar outro, e
aí eu fico na minha... “amanhã de manhã eu vou à praia, cuidar do meu amiguinho pro
tubarão não pegra.” Tudo é coco de zambê, aí já o meu é uma diferença, “boa noite
dono da casa, boa noite lhe dê deus, cadê o dono da casa, por ele pergunto eu, boa
noite dono da casa, boa noite lhe dê deus...” ai... “po´r detrás da minha casa, tem um
grande arvoredo, onde canta o nambu, o sabiá e o papa sebo.” Aí Geraldo canta num
intalado só: “boa noite doo da casa, eu vou-me embora eu voou-me embora, boa noite
103
meu povo todo, eu vou-me embora eu vou-me embora, boa noite dono da casa que eu já
estou ido, boa noiute dono da casa, boa noite lhe dê deus, boa noite dono da casa, está
chegando a hora, boa noite dono da casa, dê adeus e vou-me embor.” E daí vai
simbora. Aí eu canto ele, mas é: “mas cadê o dono da casa por ele pergunto eu, boa
noite dono da casa, boa noite lhe dê deus.” Aí... “por detrás da minha casa, tem um
grande arvoredo, onde canta o nambu, o sabiá e o papa sebo,”
Ms – ele é mudado
Km – muda né?
Ms –muda, e é que nem já... o coco de zambê tem: “eu fui tomar um banho no poço da
curimã, diz as seis horas da manhã eu avistei a donzela” eu comecei cantando coco de
zambê, mas ai eu queria pegar a toada pra entrar em coco roda. E justamente eu peguei.
Aí... “zé de nana meu nego mandou me chamar...” esse zé de nana é coco de roda, é
coco de roda e o coco zambê é o... eu fui tomar um banho no posso da curimã. Esse aí é
o coco de zambê, o da curimã é coco de zambê e zé de nana é coco de roda.
Ms – curimã é um peixe
Ms – é... e daí por diante, o cara canta aquilo ali, aqueles coco. Aí tem “rosa roseira ô
rosa rosedá, menina abre essa roda que o coco vai começar, fui tomar banho com a
aliança no dedo, eu tive medo para ela não mariá, saí da praia a maré tava encendo,
eu vi a moça correndo de maiô à beira mar”
104
KM – é porque ilana disse que as meninas disseram que Lilian estava doente, você saiu
tarde daqui, ricceli não ia poder ir...
IL – foi, mas assim... sempre quando... mesmo se tiver uma ou duas pessoas ele nunca
deixa de fazer, né? Então assim... porque eu não fui, porque achava que não iria dar
tempo realmente, as meninas tiveram complicações, mas leila que disse que ia, né? Mas
ela queria saber se ia ter, se Seu Severino não fosse é que não ia ter, porque sempre que
ele vai acontece, né? Ou faz uma coisa...
IL – isso tem que ligar para ele, assim inicialmente tem que ligar para ele, ou no começo
da manhã ou no dia anterior...
IL – você já ta gravando é?
KM – já...
IL – então tá...(risos)
IL – eu conheci o mestre Severino foi em 2006, que foi um evento que cacau organizou
na casa dele, ele morava na vila de ponta negra, cacau, e ele tava com um grupo de
pessoas fazendo uma oficina, inclusive eu era uma das pessoas que estavam fazendo
essa oficina com ele, com cacau, e ele também tinha conhecido o mestre há pouco
tempo, e nesse momento, nesse envolvimento com a oficina, ele sugeriu um evento
chamado “sambada”, que além de agente que estava fazendo a oficina, e depois formou-
se um grupo para estar se apresentando nesse evento “sambada”, ele chamou o boi de
Seu Pedro e chamou também Seu Severino, então foi nesse dia, nessa “sambada” que
foi em 2006 que eu conheci Seu Severino. Conheci Seu Severino assim, ele já morava lá
na vila, mas assim... eu não o conhecia.
IL – antes do grupo ele participava do bambelô, que é um coco né? Também, ele era do
bambelô, que eu saiba ele participava do bambelô. Mas assim... um grupo com ele
coordenando, ele na direção como mestre, nesse momento não. O grupo que ele quis
formar... ele diz que sempre quis ter um grupo dele, não está com outro grupo, no caso
ele tava com o bambelô, mas também ele participava de outras brincadeiras, mas um
105
grupo dele, quando ele diz “o meu grupo”, foi quando ele fez uma viagem com esse
grupo bambelô... ele conta essa história bem direitinho, mas assim... acho que quando
você estiver conversando com ele, ele vai dizer o que foi que aconteceu, que parece que
ele se chateou com pessoas nessa viagem do grupo que ele tava junto, e disse que ainda
ia fazer um grupo dele. Aí foi depois, como ele já me conhecia, conhecia bel, agente que
era desse grupo, formado a partir dessa oficina de cacau, foi o coco maracajá, e cacau
precisou... foi embora, voltou para Pernambuco, e agente ficou sem o grupo e ele
(mestre Severino) perguntou se agente queria participar do grupo que ele tava
pretendendo formar.
IL – ele que chamou, chamou eu, chamou bel, também falou com lilian, e com outras
meninas, e também com duas pessoas la da vila de ponta negra que também participava
do bambelô. Isso foi em novembro, quando agente fez a primeira reunião, que agente
aceitou participar com ele desse grupo...
KM – novembro de 2006?
IL – foi dois anos depois, exatamente, foi dois anos depois , agente conheceu ele no
segundo semestre de 2006 e em 2008 ele chamou, agente aceitou e deu certo, iai agente
foi ensaiar com ele. os ensaios agente fazia lá na vila de ponta negra, há principio foi na
minha casa, porque não tinha ainda um canto, depois agente conseguiu o espaço do
conselho, coincidiu que na época estava o projeto encantos da vila, que tinham uns
mestres que participavam, Seu Severino também participava como mestre né? Ligado
ao coco de roda, além de outros mestres. Aí agente tinha um horário que podia ensaiar
nesse espaço do conselho comunitário. Pronto foi isso, essa historia.
KM – Ilnet qual era a sua relação com a brincadeira antes de estar participando do grupo
do mestre, a sua relação com o coco?
IL – olha com o coco, eu sempre gostei muito do coco, porque assim... eu já tinha
viajado para arco verde, e arco verde é muito forte o coco, só que lá não é o coco de
roda, o que eu conheci não era o coco de roda, era o samba de coco Raizes de Arco
Verde, que eu também já tinha conhecido bem antes e, na cidade deles né? Em arco
verde, que foi num carnaval em Olinda, sempre o coco Raizes de Arco Verde tava se
apresentando , ou em recife ou em Olinda, e aí eu tava encantada com aquele pessoal
fazendo aqueles trupé com os tamanquinhos, que é um tamanco que eles usam, de
madeira, eles fazem uma batida que se chama de trupé, porque tem uma influencia
indígena o trupé. Então tem o samba de coco raízes de arco verde que era na época que
eu conhecia, depois foram criando outros grupos de coco, de samba de coco lá em arco
verde, e assim... foi a partir daí mesmo, do coco que eu via no carnaval, no carnaval de
olinda, nos cocos. E aí também cacau, eu gosto muito do trabalho de cacau e cacau tem
106
esse viés da cultura popular, trás o coco também no trabalho dele, a oficina que teve o
elemento coco tava muito presente na oficina, que foi a oficina que agente fez com ele
em 2006. Aí pronto veio esse gostar do coco, eu também já tinha um gostar muito forte
pelas manifestações da cultura popular, desde a época que eu fazia capoeira, e essas
minhas idas ao carnaval de Olinda e muito em Pernambuco. É isso, esse gostar das
manifestações, das brincadeiras, e dentre essas brincadeiras o coco dele (mestre
Severino) ta aí, faz patê da família...
IL – é.
KM – como você pensa a figura do mestre Severino, assim... como você descreve ele
como mestre?
KM – pensando a figura do mestre Severino, hoje em dia, que é uma figura na cidade
conhecida, e todo mundo conhece o trabalho dele e o visita, você acha que o grupo ele é
responsável por isso assim, desse conhecimento do mestre para as outras pessoas?
IL – eu acho que ele... ele é importante, mas eu acho que sem o grupo ele, Seu Severino,
ele era conhecido, mas a partir do momento... ele era conhecido sem o grupo, e a partir
da criação do grupo eu acho que o tornou mais visível, porque sem o grupo sem ele está
atuando, mesmo ele detentor daquele saber, onde é que Seu Severino iria conseguir
107
fazer as apresentações, Seu Severino não fazia apresentação, não viajava, porque ele
não tinha o grupo para poder viajar com ele, para se apresentar com ele, para poder
participar de eventos, que desde a época que o grupo foi criado o grupo já participou de
vários eventos, já viajou, então assim.. o grupo é importante, Seu Severino não deixava
de ser Seu Severino por que não tinha um grupo, mas assim... em termos de visibilidade
do coco de Seu Severino como Mestre de coco, eu acho que o grupo foi super
importante. Porque deu esse caráter de Seu Severino não ser mais do que ele era no
sentido do coco, levando o coco e ele sendo apresentado como mstre de coco, por quê?
Porque ele tava atuando, e ele começa a atuar, ou recomeça a atuar, não como... ele
atuava, mas não como... no coco de roda, mas em outras manifestações, mas acho que
Seu Severino, sendo mestre desse coco de roda, veio a partir do grupo, sim... foi
importante, a visibilidade né? Tava lá, ele tava com todo esse conhecimento, todo
aquele saber dentro, nele, mas não tava sendo colocado para fora, porque tava faltando
alguém que ele passasse, que levasse ele para algum lugar, que no caso foi com a
formação do grupo. Eu acredito que nesse sentido foi importante enquanto mestre ser
reconhecido, porque nem se falava em Seu Severino, ele passa a ser visto como mestre a
partir do grupo, não tô dizendo que ele não era mestre, ele era, mas assim... do passar
aquele conhecimentom das pessoas o verem dessa forma, foi importante o grupo para
ele sim.
IL – aí qualquer coisa... por exemplo a história de onde vem, de onde vem esse coco de
Seu Severino. Quem começou a fazer uma pesquisa mais aprofundada foi bel antes dela
sair do grupo, aí ela viu que, ela me contando, tem uma relação com, assim... de onde?
Do rio grande do norte? Tem relação com as relações dele com um coco de
Pernambuco, num sei se ouro branco...
KM – amaro branco
IL – amaro banco, alguma coisa com amaro branco, mas assim... eu acho que essa parte
ai, você vai conversar muito com ele... eu só sei a partir do memento que ele me conta,
que quando criança ele acompanhava esse pai, que esses cocos dele ele foi se
lembrando, ele foi relembrando, e no momento que ele ta exercitando aí vem na
memoria né? Ele tanto vai relembrando como ele vai, acho, que fazendo adaptações
com o que ele lembrava , algumas coisas que ele não lembra ele vai recriando também,
eu acho, mas assim... na medida que você estiver conversando com ele você vai
puxando ai essa história né? Aí eu queria falar que, o grupo desde 2008, sete anos esse
ano vai fazer, então assim... muitas pessoas já passaram por ele, passaram e deixaram
porque foram embora, outros porque tiveram outras prioridades, que não estavam dando
conta, e assim... talvez seja interessante você também conversar com as pessoas que
também já foram e não estão mais, as pessoas que estão chegando...
KM – inclusive você falando de cacau, eu tenho que entrar em contato com ele...
108
IL – acho que ele vai ter muita historia para contar também, porque foi a partir dele que
agente ficou conhecendo seu Severino. Acho que ele deu uma força no sentido de dizer
“vá seu Severino, vá” como posso dizer... um incentivo de Seu Severino...
KM – cacau com relação à Seu Severino, ele vem antes do encantos da vila? Cacau é
uma figura na vida do Seu Severino antes do encantos da vila? Ou o projeto encantos da
vila é antes de cacau.
KM – depois?
IL – é... deixa eu ver aqui se eu tenho algo do encantos da vila, porque tem que ver...
tem o livrinho do encantos da vila que você vai ver a data mais ou menos, que 2006 foi
o ano que agente descobre Seu severino, decobre que eu diga assim... eu conheço Seu
Severino, e eu acho que o encantos da vila vai ser depois... que foi importate também
esse projeto para as manifestações da vila de ponta negra. Deixa eu ver aqui se eu tenho
algo do livrinho... por exemplo, em 2007 Seu Severino participou do CD do coco
maracajá, que foi esse grupo que agente formou com cacau, e realmente foi isso, em
2007 cacau foi embora, ele ficou vindo para agente fazer esse projeto, que foi um
projeto do BNB. Em 2008 Seu Severino chamou agente, ficou querendo formar esse
grupo. Guara é uma pessoa legal que você possa estar conversando , que guara também
tava junto nesse momento também de Seu Severino, acho que guara também tava nessa
viajem para limoeiro do norte...
IL – foi nessa viagem que ele se chateou, eu não vou entrar em detalhes não, mas ele
fala que...
KM – pedro de lima...
IL – acho que foi com alguém no bambelô, não sei ao certo, acho que Seu Severino vai
contar... e ele dizia “eu ainda vou formar meu grupo”. Aí pronto ele viu que agente
ficou sem cacau no coco maracajá, ai ele ficou conhecendo agente né? Teve assim... o
maior carinho por ele... aí ele se sentiu a vontade para chamar eu, bel, as meninas,
Lilian...
IL – então... as primeiras pessoas foram: eu, bel, é... mariana, Edie, Lilian, e as duas
menias lá da vila é... Neca que era irmã de Seu Pedro, que ela ia para os ensaios, mas
elas não ficaram nem um ano, e teve outra... teve uma professora também, dá vila de
ponta negra... tem um portifólio que da para agente ter uma idéia aqui... aqui... aqui tem
109
uma foto... Mariana, Edie, Llilian, eu e Bel, aí tinham mais as duas da vila que não estão
aqui nesse momento. Isso aqui foi em dezembro, essa foto foi em dezembro...
KM – quando tá o grupo.
KM – nega Paula...
IL – pronto, Paula acho que participou durante um ano, pronto aí tem Paula que eu não
tinha falado, mas que ela entra depois, depois logo em seguida, no ano de 2009 né?
Aqui também são as meninas... ó aqui ele também é convidado para encontro de arte e
cultura de Alcaçuz, no cortejo...
IL – é, 2010 cortejo cultural vila de ponta negra, que tinha uns eventos pontuais é... no
encantos da vila, era o cortejo era em dezembro, e era o são joão. Em dezembro fazia
um evento e depois no são joão também. Aqui é quando grava o CD coco imbolê 2010
(mostrando foto) que foi um premio, agente escreveu um projeto para a gravação do
CD. Aqui é numa escola (mostrando foto) aquilo que eu falei né? Ele passa a ter
visibilidade enquanto mestre integrante de um grupo, com a criação do grupo mesmo
né? Ta bonita essa foto né? Essa é a professo que te falei, participou por um ano e meio
e depois saiu, não tinha mais horário. Ó... universidade, chamado para interagir nas
disciplinas de arte. Aqui em 2011 apresentação em eventos nacionais... essas meninas
que não estão mais Bia e Jessica. Aqui é no circuito, encontro de saberes 2013, 2013 é
nas escolas. Aqui foi os cinco anos... eu não tava, essa foto é tão linda né?
KM – ei... massa Bia, queria só pedir autorização tua para poder usar as informações...
KM – então, é relax, queria saber como foi que você entrou no grupo, conheceu o
mestre... como foi essa sua trajetória, desde quando você entrou até você sair.
BT – eu não me lembro, as referencias que vão vir na minha cabeça são de Bel, de Ilnet
e de Negão (lilian), principalmente de Bel, acho que na época que eu fiz parte, foi de
2011 até 2013, de 2011 foi mais ou menos uns dois anos, aí eu entrei no mestrado e
meus horários não deram mais certo com os ensaios, mas uma referencia grande para
mim foi Bel, não lembro quem exatamente me chamou, “a vamo lá pro ensaio pra tu
sentir se tu quer ficar”, iai eu comecei a ir para os primeiros ensaios ali no conselho
comunitário da vila, ao lado da igrejinha, e agente começou a ensaiar ali e era massa,
porque tinha toda aquela energia da vila de ponta negra...
BT – lembro que na época eu fazia renda de birro também ali com a vó, então já era
uma coisa meio que familiar né? E para mim sempre foi muito massa assim... porque eu
sempre na realidade tinha sempre essa coisa da brincadeira, para mim a apresentação
em si não era o foco, quando agente ia apresentar era massa, mas o ensaio em si, o
brincar quando agente ia lá para o mestre...
BT – era... porque essa coisa da aprendisagem, com as próprias meninas que faziam há
mais tempo, tanto das musicas como dos trupé, Da dança mesmo, com Bel né? Que ela
tinha uma pegada de passar o conhecimento, Bel tinha uma pegada de passar o
conhecimento, assim... no meu olhar.
BT – tomava a frente de passar, de ensinar, de orientar... eu tinha ela como uma mestra
também, no fundo com mestre Severino ela era como uma aprendiz direta dele, e ela já
tava tomando esse lugar de maestria também, para mim.
KM – eu sei. Tipo Bel tinha mesmo meio esse papel, ela era a pessoa que se um dia o
mestre morresse, agente achava que ela é que iria ficar no lugar dele, mas ela saiu.
BT – iai foi nessa época né? 2011, aí comecei a participar dos ensaios, e participei de
algumas apresentações...
BT – é... em 2013 eu ainda participei, mas já estava menos presente, mas presente
mesmo, constante, foi um ano um ano e meio, eu não me lembro, é um pouco vago para
mim as datas assim... mas foi mais ou menos um ano um ano e meio.
BT – então... ele tinha, eu não sei se porque Bel é professora, a didática dela era
diferente, o mestre Severino ele ensinava na ação né? Na pratica mesmo, assim...
tocando tambor mesmo e já cantando, e já querendo que agente respondesse, as vezes
era coco até novo, aí ele mostrava a primeira vez a resposta e já queria que na próxima
vez agente já tivesse decorado, mas acho que essa coisa é mesmo da sabedoria desses
mestres e anciões né? Que assim... eles aprendem na prática, aprendem na labuta e é
assim que ele vai passar para agente, então mestre Severino tava o tempo todo é...
quando passava apara agente os cocos, eu que tava iniciando assim..., muitos dos cocos
eu não sabia, as meninas já sabiam as respostas tudo, era também ele mesmo praticando
a memória dele para não esquecer, então tinha essa urgência também né?
BT – de botar para fora para não se esquecer. Então era essa... esse trator vamos dizer
assim, de passar, passar, passar, e para mim era muito legal também quando agente ia na
casa dele, porque tinha um ambiente assim... que em fim né? Era um viagem para ele
chegar, ele fazia muitos esforços para chegar na vila de ponta negra, ele pegava ônibus,
andava a pé um tempão. Quando agente decidiu uma época fazer os ensaios lá, eu sentia
que era mais leve sabe? Não tinha essa pressa, “porque o ônibus de Alcaçuz vai passar,
agente precisa... vamo terminar”
BT – no grupo e nele. Nele e por isso na gente assim... sabe? Porque agente tinha essa
coisa de começar na hora mas acabava atrasando quando era lá na vila, em fim...
transito, tudo, iai tem a hora do mestre voltar, tinha vez que ele precisava dormir na
vila... quando agente ia para lá era de outra... era mais orgânico, era de fazer o
112
BT – é porque no centro comunitário agente tinha uma urgência do tempo, aí tinha que
ter uma didática, vamos dizer, “vamos passar esse coco e esse coco, iai vamos dançar
assim, vamos cantar assim, vamos... quando agente ia para lá agente tava fazendo
também uma visita ao mestre, então agente tinha sim a coisa, “a... vamos levar um
almoço, vamos levar uma coisa, fazer um cafezinho. Tinha uma outra leveza, iai eu
acho que ele também ficava meio... sei lá...
BT – é... iai vinha que vinha, vinha tudo, vinha os cocos, não precisava ser os cocos da
apresentação, vinha fluía, e para mim era um aprendizado bem forte de estar lá com ele.
KM – de ouvir as historias
BT – sim, porque também faz parte, cada coco trazia uma história, era bem orgânico
assim... gostava bastante.
KM – pode crer, porque assim... eu não me lembro da minha época, de 2013 até pouco
tempo atrás, sempre era oral, nunca é... você se lembra de algum momento do tempo
que você passou, se tinha algum recurso, “a... vamos anotar um coco”
BT – não
KM –“ a... vamos usar aqui a letra pra gente aprender mais rápido...
BT – não, era sempre oral. Ele, eu lembro de uma época que ele tinha pedido, eu não
vou me lembrar mas acho que foi a Bel, para ela começar a anotar...
BT – ela fez um caderninho para ele, mas assim... ele passava para agente, eu nunca tive
acesso ao caderno, eu via assim... mas ele passava sempre para agente na oralidade,
cantando.
BT – Lilian, Ilnet, ED, Mari (mariana), Marilia também, peguei ainda a época de
marilia também, no finalzinho que eu estava vocês chegaram, é... acho que só... acho
que Ni, pequei o finzinho da época de Ni...
113
BT – é, lembro que foi ela ou foi Mari que me passou a saia, depois eu devolvi a saia,
que elas tinham acabado de fazer o figurino, Ni tinha acabado de passar no concurso
para ir para o interior, uma coisa assim, e ela me passou a saia dela, acho era esse o
grupo, tinha uma outra menina, mas eu me esqueci o nome dela, que ela também tava
saindo, uma baixinha, é... branquinha, não vou me lembrar agora... á.. Ricelli, Ricelli
ainda tám eu lembro que agente fazia reunião na casa de Ricelli, que é lá na vila né?
Para capitar recursos, escrever edital, essas coisas, agente fez algumas reuniões lá.
KM – eu sei, vixe pode crer, as meninas fizeram um gora para gravar disco, justamente
isso, reuniões, projeto. Como é que é o coco para você assim... como ele surgil na sua
vida, como você conheceu o coco, a brincadeira?
BT – então, eu conhecia, na realidade de forma é... forte como foi com o mestre assim...
eu não tinha tido contato ainda, não tinha participado de outro grupo, eu conheci o coco
acho que pelas festas, pela cena mesmo de natal, por outros grupo que acabavam
trazendo o coco... por meu gosto musical né? De pesquisa assim... pesquisa não, de
gostar mesmo de coisa que tragam o batuque, o tambor, tinha feito aula de dança lá na
gira dança com a Rose de dança afro e tal, aí conheci o jongo, mas o contato com a
brincadeira em si foi com o mestre Severino mesmo, até então não tinha... tinha
participado de um pastoril na época que eu morava em macau...
KM – participasse de um pastoril?
BT – participei, era do cordão vermelho e minha irmã era a diana. Mas até então não
tinha participada assim, e foi muito simbólico a primeira vez que eu tive contato com o
coco de roda de Seu Severino, poque foi como eu falei, foi lá no terreiro dele, numa
noite de lua cheia, e eu senti muita força, muita ancestralidade, a coisa do tambor ela me
conecta muito com o coração, então para mim é isso, tambor... coco né? E todas as
musicalidades que utilizam o tambor assim... ela me conecta com essa coisa ancestral e
não tem como eu ficar... não querer dançar, não tem como não querer remexer. Então eu
sentia muita força quando eu estava dançando, era uma força mais ao mesmo tempo era
uma liberdade, para mim dançar e cantar era muito bom. E o coco me trouxe isso, era
um contato que eu nunca tinha tido, com essa força, essa liberdade, essa leveza de
dançar e cantar ao mesmo tempo, musicas tão fortes, e foi com o coco do Mestre
Severino que eu entrei em contato.
114
KM – legal, eu também passava por isso, os grupos né, porque eu como percussionista
ia pesquisando para ver os ritmos e tal, mas sempre via um grupo, num palco...
KM – aí quando eu fui num ensaio a sensação era essa, “eita to dentro do negocio
mesmo”
BT – é força!
KM – o mestre mesmo né? Como você via a figura do mestre quando você entrou?
KM – quando você fala assim, que sentiu uma ancestralidade quando chegou no grupo,
você acha que é uma ancestralidade mais... ampla, assim... negra, ou uma ancestralidade
potiguar, algo que é nosso e que agente meio que tem uma distancia?
BT – a primeiro... no primeiro contato acho que era uma coisa mais ampla, no primeiro
contato eu me senti conectada com essa sensação mais ampla, né? Mais negra. Depois
que eu fui talvez, entrando dentro do grupo mesmo, eu vi que tinha coisas mesmo na
própria música, nas próprias letras das musicas que identificavam esse coco como um
coco nosso, potiguar, as palavras, a forma de se expressar, que dizia “não, esse coco é
daqui!” mas acho que tem um fio que liga, né? A esse algo maior, essa ancestralidade
negra, e isso foi oque primeiro se manifestou para mim. E talvez, que é interessante
isso, eu sempre nessa minha coisa de gostar de dançar e de musica, e de “a... o coco de
Arco Verde e nã nã nã” né? eu sempre tinha a sensação, “mas assim... e aqui no nosso
estado, tem o quê? Sabe? “a... Pernambuco é bom de frevo, Bahia é bom de num sei o
quê...” e Natal? E Rio Grande do Norte? Então acho que essa identidade...
de ponta negra fervilha a coisa e é só você se abrir para ver e para vivenciar né? Então
certamente ele me trouxe isso.
KM – pode crer, foi essa a sensação que eu tive també, “eita tem coisa que agente
num...”
BT – é coisa boa.
BT – não
KM – já tinha acabado?
BT – acho que teve um ultimo que eu não consegui ir, se eu não me engano, salve
engano teve um que eu não consegui ir. Coisa de data, ai não deu para ir.
BT – era... eu acho que eu fui um, mas eu acho que eu tô me lembrando que teve uma
apresentação alí em frente a igrejinha e que eu participei, era do encantos da vila
assim... era com outros grupos que foi bem linda. Acho que foi a ultima, salve engano
foi a ultima
KM – foi massa....
116
BL – assim... a criação do coco é... Seu Severino... agente participava de uma oficina
com cacau arco verde que era de percussão e ciranda, coco e ciranda, e Seu Severino
começou a se aproximar... e ele conheceu Seu Severino ali pela vila e ai se juntou com
ele e outros mestres, e fizeram um trabalho resgatando Seu Severino cantando, certo? Aí
Seu Severino conheceu agente no grupo que se chamava coco maracajá, que era eu,
Lilian, Ilnet, Ciro, Rodrigo, Patricia e Cacau...
KM – rodrigo sena?
KM – sim
BL – então ele conheceu agente nesse contexto do coco maracajá, e ele participava de
algumas sambadas que Cacau fazia lá na casa, lá onde era o espaço cultural dele...
KM – o mestre participava?
BL – o mestre participava junto com o bambelô de mestre Pedro, o boi de reis de mestre
Pedro, ele não tinha nenhum grupo formado na época, ele participava assim... quando as
pessoas davam oportunidade ele cantava o que ele sabia. Só que as pessoas as vezes
negligenciavam o conhecimento dele, né? Em fim...
BL – não, ele que dizia para agente depois. Aí cansado dessa situação de não ter
oportunidade, porque ele tem muito conhecimento, agente que conhece ele sabe, ele
resolveu criar o grupo, aí ele com esse conhecimento da gente, que agente sempre tava
ali na vila, era amiga de Cacau e tudo, participava das atividades ali do encantos da vila
e tal, aí ele foi e disse assim:
Eu disse:
Aí pronto começou assim, aí ele foi chamando eu, Ilnet, Llilian, Mariana, Ed, foram
essas as primeiras. O primeiro ensaio foi na casa de Ilnet, no dia 20 de Novembro de
2010 se eu não me engano. Aí nesse primeiro ensaio foi eu Ilnet, Mariana, Luzia, e nega
que era irmã de Seu Pedro piloto, que era mestre do boi de reis lá da vila de ponta negra,
nós cinco. Aí depois, na sequencia Lilian entrou, aí varias pessoas foram entrando,
foram saindo, e hoje né? Des daquela época o grupo se mantem sempre com a força do
mestre.
BL – nos primeiros assim... ele tava num processo de rememorização desses cocos,
então ele trazia um pedacinho dos cocos, ensinava pra gente como era o refrão, agente
respondia, e ele tocava e agente ia respondia e agente ia nesse processo de ir
rememorando isso que ele trazia pra gente, foi nesse processo de ir exercitando essas
cantigas que algumas ele lembravam um trechinho, aí ele pedia para a sobrinha dele
trazer escrito aí ele trazia pra gente e ensinava pra gente, como ele aprendeu, como era
cantado, e agente tentava reproduzir né?
KM – sim, então tinha esses dois meios de ensinar, que era oralmente, de ficar cantando
e repetindo...
BL – isso
BL – isso exatamente
BL – a parte escrita sempre fez parte, porque ele ia lembrando, aí a proximidade que ele
tinha mais era com essa sobrinha dele que sabia escrever, ele ia falando e ela ia
escrevendo, aí ele trazia para gente, aí agente...(ele) cantava como era, aí agente
digitava e passava para as outras... o grupo tem esse acervo de algumas que... apesar de
que eu não gosto, eu prefiro que a cantiga fica na memoria do que escrita num papel,
né? Mas existiu esses dois processos de transmissão, o oral e o escrito nesse sentido
dessas memorias que ele trazia.
BL – não,
KM – por que eu não e lembro que nos ensaios, quando eu entrei no grupo, desde que
eu entrei no grupo eu nunca tinha visto isso, mas aí tinha a coisa que meio que o grupo
já sabia as musicas.
BL – já sabia as musicas e assim, acho que existia mesmo assim uma coisa da segurança
dele nas pessoas, entendeu? Então, comigo ele sempre teve uma relação muito próxima,
ele ia muito lá quando eu morava com Ilnet, então ele tinha uma proximidade maior
comigo, eu não sei se era por afinidade mesmo ou se era porque ele sentia o interesse da
pessoa. Aí ele sempre trazia, “oia Bel ta aqui essas cantigas, vê se você digita e passa
para as outras meninas.
BL – partia dele
BL – isso...
118
KM – interessante, tem uma coisa que eu fico pensando, na época que o grupo surgiu,
mestre Severino era mestre Severino ou ele era Seu Severino?
BL – o grupo que resolveu batizar ele como... coco de roda do Mestre Severino, por
considerar pelo conhecimento que ele tinha, de carga, de história, de vida no coco, não
tinha como não ter esse titulo.
KM – pode crer...
BL – mestre Severino foi assim também, das outras relações dele com as outras pessoas,
com Cacau, com Guara, que são dois Musicos, um é percussionista e hoje é musicista
toca rabeca e outros instrumentos, então dessa valorização da cultura popular e da figura
dos que são portadores da cultura.
KM – bel com relação a questão de se aprender a tocar o tambor, né ali dentro do grupo,
porque na cantiga eu assim... esse momento é bem claro, de que o mestre canta agente
responde e tal, mas sempre que eu vejo alguém tocando o tambor ali no grupo né? Tipo,
alguma menina vai tocar porque alguém não pode, aí eu fico “em que momento foi que
ela aprendeu a tocar o tambor” eu nunca vi o mestre parar para explicar como toca o
tambor.
BL – mas existiu, assim... não sei se era da frequência dos momentos de vc não está
presente né? Porque assim... nem todos os mementos vc estava na época que vc fez
parte do grupo, não sei se vc ainda faz, mas assim... como começou la em Ilnete aí
depois ele migrou lá para o centro comunitário lá da vila de ponta negra.
BL – e agente ensaiava alí em baixo, ou então alí no salão, então como agente tinha
necessidade de também aprender, não ficar só na parte da musica mas também aprender
o toque né? Porque é um toque mais complexo, ele junta, ele faz a fusão num toque só
do ritmo do coco com as batidas do zambê, eu creio assim que ele faz a célula principal
do toque se caracteriza assim, de juntar um mesma... não sei dizer direito o nome certo,
na melodia lá do tambor ele junta esses dois ritmos, é uma fusão. Então agente também
tinha a necessidade de agente também ser ligada a questão de percussão, eu e Ilnete,
lilian, agente já tinha um pouquinho de conhecimento e agente também queria aprender
porque não existia pessoas para tocar no tambor com ele era só ele e lilian e agente... ele
tinha mais tambores e agente queria aprender, então ele passava, ele tentava no
conhecimento dele passar, só que é diferente agente aprender como método, por uma
pessoa que tenha a formação, que saiba ensinar bem direitinho, do que com o mestre,
que vai ensinar do jeito dele, embora que ele faça devagar, mas tem as viradas aquelas
nuances que agente não consegue captar né? mas existia essa curiosidade da gente das
meninas também ta aprendendo, porque nem sempre em todas as apresentações todas
119
poderiam estar todas presentes, então sempre tinha alguém que ia lá e fazia a base e ele
fazia as viradas em cima entendeu? Existia sempre essa preocupação.
KM – por que desde que eu entrei no grupo... em fim, eu toco aí olhei para ele fazendo e
repeti, aí nunca teve um momento assim... “não, é assim, é assado,” aí eu não me
lembro de ver esse momento , aí eu queria saber se acontecia...
BL – é... quando agente foi lá para casa de Ilana, tinha os tambores dele, tinha os
tambores de Ilana e todo mundo pegava um tambor e também ia exercitando essa parte
ai da percussão, do toque do tambor. Mas tudo sempre como uma coisa muito alto
didata dele de passar isso
KM – mas ai tipo... no seu caso você usava de qual estratégia para conseguir aprender
daquela metodologia do mestre alí né? Conseguir absorver a informação.
KM - é interessante você falar nisso porque é aquela característica que eu falei para
você, que eu acho a coisa mais peculiar no grupo do mestre é essa formação dele, que é
justamente isso, tem o mestre e ele tem um jeito próprio, pela história dele, pela
formação dele, em fim... mas todo mundo que está ao redor dele tem outra relação com
isso, todo mundo estudado, todo mundo formado mestre, professor universitário, voc~e
é professora, em fim... ta noutro contexto...
Bl – mas ai acho que vai da humildade das pessoas de reconhecer ele como essa pessoa
que tem toda essa bagagem que é diferente de uma pessoa que vem da cultura popular,
que aprendeu com o pai, ele ensina o que ele aprendeu, ele via o pai tocar quando ele
era criança, então isso é guardado na memoria dele, é a questão da oralidade mesmo né?
KM – o que é impressionante essa coisa da memoria dele, por que pelo que ele relata
assim... é uma lacuna muito grande do ultimo contato com o pai até ele voltar a fazer os
cocos tem sei lá... quarenta e poucos anos no meio.
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KM – outras coisas que não aquilo e aquilo ficou na cabeça dele, o pai dele é importante
demais para ele
BL – é, com certeza, iai acho que agente tem uma certa importância nesse sentido de
incentivar, quando da questão dele tá rememorando isso né? Que foi um momento bem
importante, esse momento que ele formou esse grupo, acho que foi o que deu sentido
mais à vida dele, de encontrar uma coisa que motivasse ele a querer continuar ne?
Porque ele tem uma historia de vida bem sofrida .
KM – esse contexto que se cria, tendo um mestre alí todo “roots” e nós alí ao redor dele,
com todas as coisas que agente sabe sobre aprendizagem, por que todo mundo meio que
mexe com isso, agente acaba meio que... o mestre é o poço de conhecimento
literalmente e agente meio que vai lá e fica pegando um balde de conhecimento de vez
em quando, assim... quando agente está perto dele...
KM – ele é uma fonte de onde se beber, mas que você não fique só de beber essa fonte,
que você possa espalhar essa fonte, o objetivo principal, pelo menos para mim quanto
professora, é isso de repassar o coco, agora eu to parada mas na sequencia tem muita
coisa vindo por ai. Aí é isso, agente chegou a criar um grupo lá na escola com as
crianças em 2014, qu eu saí do grupo por essa época, um pouco depois que eu saí.
Agente fez um projeto que se chamava roda de coco, e agente trabalhava com os alunos,
Lilian trabalhava com a parte musical, mais de tocar, e eu trabalhava com o canto e a
dança. Foi um projeto bem interessante, agente chegou a apresentar num mini curso que
agente deu para os professores, e depois nesse mini curso agente fez uma vivencia com
o Cd dele, com os professores, eles ficaram empolgados e agente também apresentou
esse trabalho em congresso internacional... no griôs, não lembro exatamente, faz
bastante tempo, mas assim... um exemplo de que você tem uma função aqui, você ta
puxando de um lugar se embebendo de toda aquela riqueza, mas que ela não fique ali
nem vá embora com você, que ela possa se perpetuar através das novas gerações, que
era esse o objetivo das pessoas que estavam lá, que são professoras, eu creio que vai
muito nesse sentido também, não só de estar ali fortalecendo o grupo com ele, mas
também de ter esse outro viés, e também de levar para esses outros ambientes né? Como
as escolas, a faculdade, outros espaços.
BL – para mim é uma coisa assim bem única, eu até me emociono... porque eu acho que
assim... a vivencia do coco não é para qualquer pessoa, e as pessoas as vezes fazem uma
banalidade disso entendeu? Então eu vejo muito... eu observo muito essa coisa de seu
Severino, que ele tem esse cuidado né? Que as vezes muitas pessoas não tem esse
cuidado, acha que é... qualquer pessoa vai fazer, eu vejo noutro sentido, uma coisa mais
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profunda.... mas é isso, é uma coisa que eu não sei explicar bem, mas eu sei que eu
sempre tive essa necessidade de buscar na cultura popular, desde de quando eu comecei
a trabalhar numa escola particular que ele incentivava muito, na época tinha o festival
de folclore que eles traziam os grupos de coco de Canguaretama, o mestre do bambelô,
mestre guedes, esses grupos eu cheguei há conhecer.
KM – o asa banca?
BL – é uma brincadeira séria, e pode se tornar muito séria, ainda mais do que ela já...
então por isso dessa questão do respeito... você mexe com energias que você as vezes
não tem nem noção do que é. Iai tudo que envolve musica, que tem essa raiz mais da
africanidade e tal, ela gera nas pessoas a energia própria de cada um, e das coisas que
estão encantadas que agente não sabe, em fim... para mim é muito isso, eu tenho esse
amor.
KM – Bel existia... tipo... na época que você fazia parte do grupo, a organização do
grupo? Tipo, era o mestre a grande figura que comandava tudo ou existia o Mestre e o
grupo...
crescer, então agente sempre fazia reuniões nessa tentativa de pesquisar mesmo, de
escrever projeto desses de incentivo à cultura.
BL – tem esse pensamento, agente aprovou logo no inicio, acho que fundou e no ano
seguinte agente aprovou pela fundação josé augusto, que foi o figurino e o som. Depois
agente escreveu outro que foi pelo ministério da cultura, que foi o arété, que era um
encontro de cocos, mas foi aprovado, mas a verba não chegou finalmente aos grupos.
Então agente sempre teve essa preocupação de que o grupo ele saísse da fronteira da
vila de ponta negra e que ele pudesse chegar á outros espaços, é tanto que ele vem
chegando né? Acredito eu, com essas aprovações, porque é difícil você manter um
grupo com a vontade própria assim né? Das pessoas, porque tudo isso envolve uma
questão financeira, de deslocamento, de transporte, iai você tem que buscar outras
formas de alternativas que viabilizem a existências desses grupos.
BL – é... mas nem sempre, as vezes as coisas caminhavam como agente pensava, que
sempre acontece de você pensar uma coisa e pelo fluir das coisas mesmo não acontecer
né? Mas agente sempre teve essa preocupação de tentar estruturar o grupo de alguma
forma, porque se agente dependesse só do mestre, claro que sem ele o grupo não seria
nada, mas acho que teve que ter essa alavancada das pessoas que tavam ali para que o
mestre pudesse né? Acender os lugares que ele né?
KM – Bel tem uma coisa que me chama muita atenção assim... principalmente em
acontecimentos recentes, mas qual era a sua relação com o canto dentro da brincadeira
do coco?
KM – mas tipo assim... a decisão de “vamos fazer aula de técnica vocal para gravar o
CD partiu de quem?
BL – o grupo sentiu a necessidade e convidou guara, Então ele ia lá para a vila, ele fazia
as orientação, tudo isso no sentido de você ter uma produto que tivesse uma qualidade
vocal que fosse condizente com a energia da rua, porque cantando na rua você canta e a
energia vai, mas num CD é diferente, tem a capitação das vozes, tem a captação do
instrumento, você sabe né? Toda essa técnica que existe que existe lá dentro que perde
um pouco da essência da brincadeira.
KM – você acha que as vozes tinham que se adaptar a essa realidade do estudio?
BL – tinha por que se não iria ficar bem sofrido, num tem o que fazer, é a real se agente
for escutar. É tanto que nesse outro, nesse CD que veio agora ás meninas tiveram que
pedir um reforço de outras pessoas que são da parte de musica para dar uma encorpada.
Mas acho que é muito dessa insegurança delas né? Ai eu num sei cantar, ai eu num
gosto, então existe toda uma problemática ai que gera nisso aí, mas por necessidade do
grupo né? Por Seu Severino não que Seu Severino ele diz “não minha fia, vamo cantar
aqui, eu canto você responde” ai agente ia e fazia, mas sem essa preocupação de ter
uma coisa plástica artística né? E que no CD você quer mostrar um produto que né? E
realmente as vozes não alcançavam aquilo. Agente tem que ter modéstia e humildade
para reconhecer né? Iai também tem a energia da voz quando a pessoa tem aquela
coisa lá de dentro, é diferente, eu acho né?
KM – quando mestre Severino ouviu o disco novo ele disse “krebi, eu só acho estranho
é que não é as voz das menias “ ele dizendo para mim.
BL – e é a relação que ele tem com as meninas né? Vamos dizer “o núcleo duro” por
que vejo assim, tem pessoas que se aproximam com alguma intenção, que não fica bem
clara né? E as vezes elas... geram um desequilíbrio dentro do grupo né? Normal isso. E
a minha saída do grupo foi muito por essa coisa de estar sempre ali com Seu Severino,
na frente e tal, e as vezes as pessoas não tinham essa mesma responsabilidade que vc
(ela), de dar conta de instrumento, de quem é que vai buscar, de quem... toda essa
logística que tinha que ser todo mundo junto, mas ficava sempre pesando né? Em
alguém. E é tanto que quando eu saí a primeira vez... que eu saí uma vez, afastada por
questões pessoais, e eu ia toda terça feira lá para Alcaçuz, aí algumas pessoas do grupo:
“mais como, ela saio do grupo e está indo para Alcaçuz? Num vem para o ensaio mais
vai...” Quer dizer que eu não podia ter acesso á Seu Severino, nem de tentar um outro
viés? Que era que eu fiquei de pesquisar sobre a história dele mais profundamente, da
124
origem, como o pai dele chegou, com arelação com Pernambuco, e ai pronto, em fim...
não tô aqui para falar disso, as desavenças pessoais que pode ter tido, mas que não foi
isso... exatamente uma desavença pessoal, foi uma insatisfação mesmo de sentir que eu
já tinha dado ali a minha contribuição e que eu necessitava de caminhar para outras
direções, que não quer dizer que o coco saiu da minha vida né? Apenas eu estou
afastada por outras situações, não me vejo mais fazendo parte do grupo Coco de Roda
do Mestre Severino, apesar de ser embebida de todo esse conhecimento dele né? Por
que acho que tem essa questão do grupo, mas tem outras vertentes no grupo... no coco,
que me atrai mais, como o coco lá de Pernambuco, o samba de coco, essa coisa mais da
ancestralidade dos mestres me atrai muito, entendeu? E assim... de estar cantando os
cocos de Seu Severino, os coco lá de Canguaretama, cantando os coco de... eu acho que
não se restringe a um estilo só sabe? Tem que...
KM – é coco né?
BL – é coco é!
KM – assim... você diz que não tem nada haver você ta falando disso, mas de certa
forma era importante, porque você pra mim, e acho que para todo mundo no grupo, pelo
menos eu acho isso, você era como a segunda pessoa ... tipo... tinha o mestre, se por
ventura viesse a acontecer alguma coisa... pelo menos para mim você era a pessoa que
tinha aquele conhecimento mais verdadeiramente, sabe... assim mais do que qualquer
um de nós ali.
BL – talvez eu sentisse isso né? Essa coisa que parte muito da sua relação com o outro,
quando você constrói uma verdade ali naquele né? E existia muito essa relação comigo
e Seu Severino né? E aí talvez as pessoas viam...(querendo indicar desconfiança), e ele
confiava, e era visível que ele confiava muito em mim, que ele se garantia. Se ele
tivesse uma apresentação e fosse só eu e ele agente ia e agente dava conta. Porque
existia essa ligação mais forte né? De nós dois, e que os outros viam também para
fortalecer né? E aí acontece né?
BL – é difícil porque as pessoas tem mil e uma outra coisas. Eu sempre tive uma
filosofia assim... eu só sirvo a um senhor, eu não sei servir a dois senhores. Porque
quando eu me envolvo com uma coisa eu gosto de estar envolvida com aquilo,
entendeu? Eu não fico com aquilo, isso, isso e isso, iai você não dá conta de nada, de
tudo que você tem que dá, é uma coisa assim... meio estanque eu acho. Então por isso
que eu acho também que existia essa coisa por que existia uma dedicação pra aquilo...
BL – sim, só que aí chega um momento que você não! Minha vida não da para mais
continuar assim, porque eu tenho os meus desejos, minhas coisas pessoais que não é só
isso também, como eu sentia essa necessidade, então pronto. Já que eu estou tendo
outras perspectivas da vida, de outras coisas que eu quero vivenciar, então o coco do
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Seu Severino para mim parou aqui nesse momento, assim... a minha saída, mas eu
continuo embebida por tudo que eu vivenciei, que eu... um dia desses ele veio aqui,
quando eles vinham de uma apresentação, acho que de Santa Cruz, aí eles passaram
aqui , e fazia tempo que eu não via ele, acho que tinha visto ele há um ano atrás, por
essas coisas né, que eu fiquei muito tempo afastada né? Aí Ilnete disse que ele ficou
muito feliz porque me viu.
KM – ele sente muito a sua falta, porque é como você disse, você era a pessoa que se
doava para aquilo, você era amiga dele, ninguém ali... atualmente é....
BL – essa preocupação assim... de ficar ligando pra ele para saber se ele estava bem,
quase todo dia eu ligava para ele, então existia uma ligação muito forte nesse sentido.
KM – é mais isso aconteceu, meio assim... você saiu né? Ai aquela pessoa... que tem
todo aquele papo do coletivo, que no final das contas não existe o coletivo, né? Tem
uma pessoa que sempre faz tudo sozinho
BL – é.
KM – em fim...
BL – eu acho que em todo grupo é difícil de distribuir tarefas quando as pessoas não
tem responsabilidade, por isso que acaba você centralizando que é para coisa funcionar.
KM – em fim... o grupo quase parou em 2015, ao ponto do mestre falar “vou montar
outro grupo”
KM – por que ele não pode parar, porque aquilo que mantem ele vivo né? No final das
contas. Se você pensar na realidade dele o coco é a única coisa que de boa assim...
BL – iai nesse meio tempo aconteceu uma situação, que por essa necessidade dele de
está querendo dar continuidade e o grupo não está dando essa resposta, que entrou uma
pessoa... você já sabe da história, não precisa agente falar ne? Que tentou se apropriar...
então agente tem que está muito alerta...
KM – gente eu fui lá na fundação jose augusto com ele pra falar com bico, eu disse
“bico mostre o documento para ele que está aí” aí tinha lá, ela queria o direito durante
cinco anos e se o mestre morresse o direito era dela...
KM – não existe isso. Aí tipo “rasgue esse negocio agora” aí bico “eu vou rasgar” eu
digo “homi pelo amor de deus rasgue esse negocio aí”, aí ele foi e rasgou...
KM – mas a minha leitura é essa, de que o grupo ficou fazendo corpo mole, enquanto
era buninho (comodo) estar alí na vila de ponta negra, tudo acessível... mas quando... “é
em alcaçuz, vai ficar ruim para o mestre vir para ponta negra, vai ter que ser lá” todo
mundo fez corpo mole para ir...
BL – é... em fim...
BL – a questão também é que as pessoas talvez se preocuparam porque ele já está com
uma certa idade né? Mas só que as pessoas não se organizaram para descolar pela
universidade um, veio acontecer isso um tempo recente talvez, um transporte que
levasse o grupo até ele...
KM – por enquanto ta todo mundo indo de carro próprio mesmo. Mas cara eu penso
muito...
BL – acho que é uma... é a raça mesmo de Seu Severino, é a força dele que chama as
pessoas para que a coisa aconteça, em fim...
KM – engraçado essa coisa do mestre... você acha que temos necessidade de ter um
mestre? nós que eu falo assim... os potiguares, agente aqui de Natal ... eu sinto meio que
uma busca das pessoas pelo mestre né? Porque agente... foi meio apagado da nossa
história isso né?
BL – acho que é a necessidade mesmo de você, pelo menos eu sempre tive, porque
antes de entrar no grupo eu dizia “Seu Pedro, quando é que o senhor vai abrir uma
vaguinha para mulher no boi de reis?” porque eu tinha essa vontade dessa vivencia, de
como o grupo funciona o grupo mesmo alí na raiz, de você está entrando envolvida
mesmo do que só sendo um espectador. Então eu acho que quando parte dessa
necessidade de você ter o mestre, a figura do mestre, é mais nesse sentido de você está
fortalecido pela raiz que aquela figura representa, do conhecimento que ele tem. Para
mim assim né? Então nesse sentido da cultura popular mesmo a figura do mestre eu
acho que é fundamental sem esses conhecimentos ancestrais como é que agente iria ter
esses conhecimentos. Como é que se forma uma cultura popular? É popular mesmo?
Entendeu? É porque é muito abrangente essa história de cultura popular o que não é
popular... acho que nasce da necessidade mesmo das pessoas se reunirem e quererem ter
vontade de “a vamos formar isso aqui” e independente se isso aqui vai ser cultura
popular, folclore, mas é um momento histórico de agente está criando isso aqui,
entendeu? Acho que tem coisas que por exemplo, você não cria um grupo de coco,
assim com essa característica de manter a tradição, é... como é que eu vou dizer...
descaracterizando totalmente a dança, descaracterizando totalmente o ritmo, fazendo
127
mais aquela coisa estilizada, que não tem nada há ver, para mim é a energia mesmo da
roda, o pisar da batida do pé, não tem essa coisa da plasticidade que as pessoas as vezes
querem, sentem a necessidade, mas... “a aquele grupo canta bem, mas na hora da
dança...” mas não sente a energia que rola alí para aquela dança acontecer .
KM – e com relação a dança bel? Não sei se é uma percepção minha, que eu num danço
né? Fico sempre tocando o tempo todo...
BL – é o pé de valsa de cada um, pelo menos na minha concepção o que tem que ser é o
pé de valsa de cada um, e aí quando agente ia para a roda agente sentia necessidade de
uma coisa mais plástica mesmo, mas sem descaracterizar o que é a dança do coco, a
batida do pé e tal, então no meio do ensaio agente criava umas figuras lá, umas roda
girado e tal, e ele também tinha a memoria de como era dançado, e ele passava para
gente também a dança, tem algumas musicas que ele dizia, “essa tal aqui se dançava
assim” como era para entrar. Quando ia começar uma apresentação ele fazia como era
um chamada para as pessoas irem entrando na roda, que era uma vivencia que ele talvez
ele via do pai dele...
KM – engrassado, e porque foi que isso não, no caso do grupo, não se perpetuou?
BL – no inicio teve, logo quando começou, acho que nas primeiras apresentações que
agente fez ali, lá no conselho comunitário em algum evento agente ensaiava as entradas
que ele dizia como era e depois se perdeu mesmo, chegava formava a roda e já
acontecia, porque a dança é importante, mas acho que o canto mesmo, que é mais
singular, no grupo dele que é uma coisa muito bonita né? Os cocos se você for analisar a
letra né? Das musicas, não é um coco... porque agente tem muito... o coco de
Canguaretama ele tem só trechinhos que se repetem, se repetem...
KM – como o zambê.
BL – no zambê aquele refrãozinho que vai se repetindo se repetindo, e o dele não, não
todos, mas a maioria eles tem uma história...
KM – uma narrativa
BL – uma narrativa mais forte, mais bem desenhada, que conta uma coisa bem bonita de
amor né?
KM – é... que é interessante porque mestre Severino ele fala assim, “meu pai brincava
coco de zambê, brincava coco de roda, brincava boi de reis” em fim, o pai dele era uma
brincante, e ele também, mestre Severino relata que era um brincante, brincou boi de
reis...
BL – foi mateu...
KM – foi mateu no boi de reis, brincou de joão redondo, ele disse que ganhava dinheiro
com isso, em fim... mas quando ele faz o coco de roda, aí ele diz que a lembrança que
ele tem do pai dele, o pai dele tocava zambê, mas todos os cocos alí são meio que coco
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de roda, só tem uns dois ou três alí que tem essa característica de uma pergunta curta
uma resposta curta, do zambê, todos os outros são meio que uma historinha e são versos
tudo quadra, quadras de pergunta e quadras de resposta. Quando você vai ver o livro de
hélio Galvão, que ele vai catar os cocos lá da região de tibal por ali, ai ele diz essa
característica, ó os cocos de zambê as letras são mais curtinhas, e o coco de roda os
cocos são maiores....
BL – por exemplo, tem uns cocos de Canguaretama também, que são bem antigos, que
foi na época que eu conheci... eu entrei nessa escola em noventa né? Há vinte e seis
anos atrás né? Então... a mestre era Maria de Belchior, que era quem era a frente do
grupo, depois ela ficou bem velhinha mesmo, numa cadeira sem andar, nas
apresentações ela ficava sentadinha na cadeirinha, cantando daquele jeito dela tem umas
letras também bem interessantes, bem antigas, bem bonitas. Um dos primeiros cocos
que eu aprendi a cantar: eu perdi perdi maria, eu perdi pra não achar, eu perdi minha
aliança, lá no balanço do mar ,ô que joia tão bonita, que josé deu à maia, um anel e
dois abraços,uma lenço de fantasia. O refrão é esse: eu perdi perdi maria, eu perdi
para não achar, (outra parte da estrofe como pergunta) cravo branco na janela, é sinal
de casamento, meina me dá seu crravo, que eu boto em meu cálice bento. Aí tem varia
partesinhas que se encaixa nesse refrão ai. Então tem uns que são bem né, do coco de
roda, mas também o coco de roda tem uns pequenininhos...
BL – era lindo, era um grupo enorme , a maioria dessas pessoas não devem estar mais
aqui com agente, mas um dos herdeiros que foi zé de Lia, que ela deixou com ele, e
depois ele se desentendeu por questões de politica e foi embora de Canguaretama para
um outro município. mas o grupo ainda continua, mas a formação era um bombinho né?
BL – como mestre bacalhau. Pandeiro triangulo, uma formação mais ampla do que o do
Seu Severino, que é aquela tradição do pau furado que varia os tamanhos , mas que são
pau furado...
KM – tudo zambê
Bl – muito lindo, tem outras tembem, é... na tapira deu um peixe, que a balança não
pesou... é que eu num me lembro mais... a carne o povo comeu, o couro urubu levou,
você pode me atirar, que bala em mim não dói, não sou filha de queiroz, se me atirar
não volta mai, ôô mulher você vai me abandonar, eu não vou lá para não ver você
chorar. Tem umas coisas bem bonitas. Eu gosto disso, eu não gosto de ficar presa. Eu
gosto muito de cantar as cantigas de Seu Severino, mas eu sinto falta dos outros cocos
que me envolve. Por que qué um coco mais lindo do que esse... faz tempo que eu não
canto, mas pera ai... daqui a pouco eu vou me lembrar e eu canto ele.
KM – é daqui apouco você se lembra. Ei mas é interessante a coisa do... você cantar um
coco de Canguaretama, isso você aprendeu em noventa? (1990) nesse período que você
falou?
BL – aprendi a cantar e assim... não tinha toda, porque eu ficava pesquisando numas
fitas de vídeo que tinha uns vídeos dele e eu ficava tentando captar o audio, iai nessa
oportunidade que agente teve no coco maracajá de gravar o CD, e agente teve contato
com Mestre Zeca de Lia, então algumas letras eu consegui pegar com ele, alguns
trechos que completavam mais as cantigas, entendeu?
KM – entendi, e é engraçado. Teve uma coisa que aconteceu nesse disco que tipo
assim... vai gravar o disco e vai botar de quem são as musicas, né? Ai... gente é de
domínio publico né? Ai “não tem que ver porque e tal...” como você vê essa coisa da
autoridade sobre o coco, assim... de quem é o coco... porque assim parece que...
BL – assim... não dá para agente dizer que tudo é domínio publico, a grande parte é
domínio publico, porque quando você vem para uma questão de memória, você pega o
pai de Seu Severino, ele já aprendeu com outras pessoas, iai entra a questão de que as
pessoas registram aquela cantiga que é de domínio publico como se fosse dela,
propriedade dela, e você não tem mais o domínio de você gravar aquela musica porque
outra pessoa já registrou, uma coisa que era aqui da cultura popular, e registrou como
uma coisa própria. Então passa muito por isso né? Mas eu acredito que a maioria das
cantigas de Seu Severino tem muitas cantigas que agente vê algumas variações da
mesma cantiga lá em Pernambuco, mais algumas variações, que tem muito essa questão
do domínio de você aprender, com a tradição oral mesmo né?
BL – isso, então é bem complicado essa parte quando você vai assim, para gravar né?
Cantar você pode cantar em qualquer lugar qualquer musica né? É... eu tava tentando...
KM – lembrar o coco.
que tu chora, ai morena não chore não, quando abriu o meu bilhetinho, meu bem se
emocionou, nas asas de um passarinho, mandou um botão de flor. Esse ultimo verso aí
já fui eu que... só tem esses dois e o meio, aí esse outro eu já fiz baseado na historia e já
criei esse outro refrãozinho ai. É um coco das irmãs Lopes, de... que é um samba de
coco lá de Arco Verde. E aí nessa minha vivência também, eu criei alguns cocos, eu
tenho um coco de roda, eu tenho um coco que é no estilo do samba de coco lá de Arco
Verde...
KM – eu me lembro que você cantava um coco, tinha um coco que você tava
começando a cantar já no grupo, nera?
BL – sim, tem umas coisas que vem aqui no juízo, aí vc vai exercitando e vai deixando
guardadinho, um dia quem sabe... quando vier a oportunidade você joga a palavra pro
ar. Assim... tem aquele projeto que o povo sempre me chama para aquele... num sei se é
porque eu sou muito... tenho as minhas coisas, minhas cismas, minhas coisas... aquele
pé de coco que tem alí, no pé do... na frente do...
KM – coco no pé?
BL – coco no pé... no morro do careca. Os meninos sempre me chamam, mas para mim
alí tem uma coisa que não casa com o coco...
KM – que é a birita
BL – é a birita
KM – é e ali é pesado
BL – é e ali eu num vô, porque tudo que envolve birita, que lhe tira do seu centro...
KM – tem uma coisa que eu aprendi, não dá para bater tambor na rua e beber, não
funciona
BL – e também da o exemplo de Seu Severino, que ele nunca deixou nem agente que
dança e que canta nem beber um golinho de cerveja, entendeu? Então eu tenho isso
comigo.
BL – ele não deixava agente biritar, se biritava alguma coisa era na surdina.
BL – só isso, era a única restrição, que ele ão gostava que agente bebesse, também ele
nunca bebeu né? Assim... então ele dizia que não casava. E você vê que quando você ta
tocando, sempre aparece uma figura no meio da roda, você ta tocando assim... sempre
aparece uma figura que está nesse... nessa sintonia da bebida e você vê que as vezes é
uma coisa assim...
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BL – é. Eu gosto muito de cantar coco, mas nesse âmbito ai eu fujo é tanto que eu
nunca... eu gosto muito de cantar coco, mas tem que ser uma coisa mais
responsabilidade.
KM – bel só mais uma coisa assim... sobre a organização no grupo para se aprender.
Porque geralmente você vê um mestre de um grupo assim, tipo mestre Pedro, mestre
Pedro de lima, né? Que ele num tem um grupo agora? Você vê que ele diz as meninas,
“rode pra cá, rode pra lá” né? Ele é bem diretivo assim... né? Eu não sinto isso no
mestre ele dificilmente ele...
BL – ele domina mesmo é o campo da musica, do canto, para ele alí de qualque jeito
ta... entendeu? Do jeito que a musica fluir ali para ele ta bonito né? Ele não tem muito
essa preocupação, Seu Pedro já tem a vivência de ser um mestre de outras danças,
como a chegança, o boi de reis, então ele tem muito essa vivência de conhecer mesmo a
dança e de você vê que ele é imbuído de uma energia quando ele canta ou quando
ele...iai vai dessa questão de ele ser mesmo assim, do modo de ser dele mesmo, de
querer... de ter um domínio maior assim... de ter o conhecimento e de ter uma liderança
maior, nesse sentido já acho que é diferente de Seu Severino que não tem muito essa
preocupação, a preocupação que surge é das próprias pessoas que estão alí...
BL – é do grupo, isso é bem positivo nesse sentido, que não fica restrito só a uma pesso.
Claro que eu tenho uma opinião, ela tem outra, ela tem outra, mais você consegue
mediar alí no meio daquelas opiniões, entendeu? Num dá é para as vezes é as pessoas
quererem que você tenha a mesma opinião que ela, então você compreende a opinião,
respeita, mas não é obrigado a aceitar o que aquela pessoa ta dizendo, né verdade? Se
não assim não seria um grupo, seria a idéia daquela pessoa, e um grupo não se constitui
assim, é esse dialogo entre as pessoas que sai uma coisa que é de todo mundo. Em fim...
eu acho que nesse sentido da dança mesmo era uma necessidade do grupo mesmo, das
pessoas né? De estar... é tanto que você viu la em arco verde quando agente fez aquela
apresentação lá né, que rolou uma energia muito interessante alí, do grupo com as
pessoas mesmo que... por isso que eu digo que quando vem o pé de valsa que a pessoa
entra, qualquer pessoa entra , qualquer pessoa ali dança, e quando as pessoas que
estavam na plateia que começaram a entrar na roda, que no final agente sempre faz isso
né? Chama as pessoas, parece que cresce né? Tem um encorpamento mais... é muito
interessante isso...
KM – tipo nesse sentido dessa organização do grupo, de ser meio que aliderança,
refletia também de como se aprender as coisas alí né, o grupo que se organizava no final
das contas para aprender, porque assim... pegando o exemplo das oficinas né? “vamos
levar o mestre Severino para fazer uma oficina” mas... eu não sei como acontecia antes,
mas agora tem uma organização da oficina, pré organização que as meninas fazem e
tal... o mestre nunca segue né? Mais tem uma pré organização, então, nesse sentido
132
também acontecia no dia a dia do grupo na aprendisagem, uma organização para agente
aprender , “a mestre ensina o tambor”...
BL – sim... sim... mais era uma necessidade do mometo, as vezes só iam duas pessoas,
“não vamos fazer dança hoje não, vamos só tocar” né? Que não vai ter muitas pessoas
para agente fazer variação de dança e era bem puxado, porque era duas horas
praticamente de ensaio direto e é paulera.
KM – então partia dos integrantes né? O aque fazer naquele momento de aprendisagem
BL – isso aí nas oficinas , é porque Seu Severino não é um homem de poucas palavras,
ele vai lhe dizer uma coisa ele dá um arrodeio todinho no universo, para poder chegar
no centro daquilo ali, então as vezes você não tem o tempo necessário, numa oficina
dessas de uma hora, duas horas, quatro horas... de você abarcar tudo que você quer, tudo
que você quer passar, dá importância que é o coco dele por exemplo, aí você da
oportunidade de ele falar, aí ele vai falar a hora todinha, mas é muito rico agente deu
uma oficina no enearte, para os estudantes que eram de outro... né? De outras cidades de
outros estados e foi bem interessante assim... agente estruturou tudo bem direitinho,
primeiro trabalhava o tambor , aí ele ia ensinando os toques de cada instrumento: do pau
furado, da puita, da chama... aí as pessoas vivenciavam alí, aprendia, aí depois a dança,
ensinava o passo básico aí pronto começava, depois ele ensinava as cantigas agente
aprendia as respostas e pronto, juntava as pessoas que tocavam, quem queria tocar
tocava, iai agente ia cantando, respondendo, dançando, girando, interagindo á principio
com quem estava do seu lado na roda, dando umbigada fazendo giro e....por ai sempre
nesse sentido, existe aquele passo básico do coco e tal e dali você pode rodar o salão
todinho, ficar num canto só...