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Por Márcio Joffily Pereira da Costa – E.E. Professora Guiomar R. Rinaldi/SP-Fev. / 2016
Professor no magistério paulista, das intenções ao produto:
2005/2015 – década de aprendizagem, sentido e reflexão.
“A conclusão é o momento de atar as duas pontas, as intenções
e o produto, mostrando como neste estão aquelas.” José Luiz Fiorin

Introdução
O trabalho aqui apresentado tem como propósito o de mostrar o resultado de uma
experiência iniciada em 2005, na rede pública de ensino paulista, quando ingressei
como professor de língua portuguesa no ensino básico.
Apesar das muitas dificuldades encontradas, que dispensam comentários, pois são
do conhecimento geral e alongariam a tarefa ora iniciada, não posso furtar-me de
expressar grande satisfação em poder apresentar esta breve síntese, que se refere a
experiências feitas acerca do desenvolvimento cognitivo no processo de aprendizagem
e com alunos dos ensinos fundamental e médio na rede pública. Agradeço o auxílio da
professora Edna Feitosa (Matemática) pelas breves, mas esclarecedoras conversas
acerca do tema, e aos alunos que têm colaborado com nossas pesquisas.
Iniciada de forma espontânea e intuitiva, portanto, assistemática, com base apenas
em leituras acerca do ensino gramatical, como, por exemplo, Comunicação e prosa
moderna – Othon Moacir Garcia, a experiência expandiu-se e foi assumindo
sistematização com base em leituras de Vigotski, Piaget, dentre outros.
Cronologicamente, grosso modo, assim ocorreu: 2005 – estudos de lógica e aplicação
de exercícios com silogismos em sala de aula ( ensino fundamental ); entre 2006 e
2008 – estudos de lógica e aplicação de exercícios com silogismos para os estudos de
sintaxe em sala de aula ( ensino médio ); entre 2009 e 2011 – leituras de textos de
Vogotski e aplicação de exercícios com base na classificação de conceitos científicos e
conceitos cotidianos em sala de aula; entre 2012 e 2015 – leituras de textos de Piaget
e aplicação de exercícios com base em classificações não-hierárquicas, hierárquicas,
assim como operações lógico-proposicionais em sala de aula.
Obviamente, e o escasso material apresentado o comprova, a maior parte dos
períodos indicados foi ocupada por meus estudos teóricos, para então efetuar
aplicações mais sistematizadas as quais mostrarei, de forma resumida, abaixo. Os
exercícios referentes à segunda fase ( 2006 / 2008 ) foram mais constantes, visto que
são os mais passíveis de utilização no cotidiano escolar.
Quanto à forma de apresentação, com base na periodização elencada acima, serão
mostradas e comentadas, de forma pontual e à luz dos textos orientadores, as
atividades propostas aos educandos.

2005 – ingresso na rede pública


Sob influência de textos que tratam apenas de aspectos formais da lógica clássica e
desconhecedor da abrangência e riqueza de pormenores acerca dos procedimentos de
raciocínio relativos às lógicas de classe e de relações, conforme mostradas por Piaget
em Gênese das estruturas lógicas elementares, as atividades em sala de aula
resumiram-se apenas na realização “mecânica” de silogismos. Como podemos
observar abaixo, os exercícios não foram além de encaixamentos
simples/classificações em silogismos de pura extensão.
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Os exercícios apresentados acima, pequena mostra de uma classe composta por


trinta alunos de 7ª série, foram feitos individualmente ou em duplas. O primeiro
refere-se à elaboração de premissas e respectivas conclusões acompanhadas de
ilustrações/gráficos; o segundo diz respeito às formas de procedimentos de raciocínio
dos sujeitos, com base em reagrupamentos de palavras previamente mostradas na
lousa as quais são reagrupadas conforme adequações entendidas pelos sujeitos.
Sugeridos intuitivamente, dos exercícios, o segundo foi mais interessante, pois pude
começar a vislumbrar, ainda que de forma muito vaga e embrionária, os
desdobramentos de uma atividade cognitiva.
No ano seguinte, ao ler Teeteto ( Platão ), percebi que estava no caminho certo, visto
que aí está apresentada a processualidade básica de instauração dos conceitos, por via
da constatação das semelhanças, diferenças e identidades. Mais tarde, como
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comentarei abaixo, entre 2009 e 2011, ao ler Vigotski, sobretudo acerca dos processos
de classificação gráfico-visual e categorial, minha “descoberta” tornou-se obviedade.

Entre 2006 e 2008


Nesse período, com classes de ensino médio, dei continuidade aos exercícios com
silogismos formados pelos próprios educandos e por via de reagrupamentos de
conjuntos de palavras previamente mostradas na lousa, bem como dei início aos
exercícios de sintaxe ( períodos compostos por coordenação e subordinação ) com
base nos silogismos, sobretudo a forma subordinativa hipotético-dedutiva se . . . então
. . . . Exemplo:
Cobre é bom condutor de energia porque é um metal ( subordinação causal );
Se cobre é um metal, então é bom condutor de energia ( subordinação condicional );
Cobre é um metal, portanto, é bom condutor de energia ( coordenação conclusiva ).

Entre 2009 e 2011


Essa fase foi promissora e o salto de qualidade foi grande, pois as experiências já
feitas foram mais compreendidas e aprimoradas, com base nas leituras iniciais de
Piaget, e aprofundamentos e maior compreensão dos textos de Vigotski. Além de tudo
isso, um fator de aspecto muito prático deu impulso a esse processo de estudo,
pesquisa e atividade prática. Refiro-me à introdução do Currículo por competências –
Nova Matriz Curricular na rede pública de São Paulo.
Esse fato, iniciado em 2008, causou grande impacto pelas modificações propostas,
em razão dos aspectos relativos às questões de competências e habilidades, ratificou o
que eu já vinha estudando acerca dos aspectos cognitivos no processo de
aprendizagem. A partir de então, além de satisfazer meu interesse particular, meus
estudos e pesquisas passaram também a contemplar a necessidade de compreensão
da nova proposta curricular. Dessa nova necessidade, resultaram dois trabalhos feitos
e publicados no sítio Recanto das Letras, que discutem aspectos positivos e negativos
da proposta governamental.
Em 2011, como resultado de estudos e prática escolar mais sistematizados, fiz e
publiquei, no sítio mencionado acima, o trabalho mostrado abaixo. Para tanto, as
leituras de Vigotski, Luria e Leontiev foram cruciais, o que não aconteceu com Piaget
cujas leituras foram bem panorâmicas.
A pesquisa foi realizada com seis turmas formadas por 150 alunos da segunda série do
ensino médio. O ponto de partida, sem que as pessoas soubessem, foi dado em
fevereiro de 2011, quando fiz comentários sobre relações semânticas entre palavras e
relações de coordenação e subordinação entre orações nos períodos compostos. A
pesquisa propriamente dita ocorreu em março de 2011, quando solicitei aos
estudantes que resolvessem, em uma aula, individualmente, cinco questões ( 1ª
silogismo – elementos diferentes de uma mesma espécie, 2ª classificação gráfico-
situacional / categórica, 3ª relação e dedução / inferência, 4ª raciocínio hipotético-
dedutivo e 5ª classificação gráfico-situacional / categórica ) conforme abaixo:

QUESTIONÁRIO - número e percentual, do total de pesquisados ( 150


alunos ), de respostas adequadas e inadequadas por questão:
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A referência direta para a atividade apresentada acima, afora a leitura variada já


mencionada, foi o trabalho mostrado por A. R. Luria em Desenvolvimento Cognitivo. À
parte as discutíveis condições de aplicação, em nosso caso, via de regra, precárias por
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minha ignorância e circunstâncias, o fato é que o nosso público-alvo, a considerar-se o


número de anos de escolaridade, comparado ao público-alvo de Luria, apresenta muita
dificuldade conforme podemos perceber ao confrontarmos nosso desempenho com o
desempenho mostrado por Luria, a seguir:

Entre 2012 e 2015


Dessa década ( 2005/2015 ) de aprendizagem, busca de sentido e reflexão, o último
quadriênio, 2012/2015, foi imensamente gratificante devido ao alargamento
substancial, como visão mais ampla e qualificada, que adquiri acerca das questões
cognitivas do processo de construção das estruturas mentais necessárias para a
aprendizagem. Esse alargamento decorreu de leituras sistematizadas e recorrentes de
três obras essenciais de Piaget/Inhelder: Ensaio de lógica operatória, Gênese das
estruturas lógicas elementares, Da lógica da criança à lógica do adolescente.
À luz desses textos-chave, dentre muitos outros, que explicam Piaget ou lhe serviram
de suporte para construção de sua psicogênese, em 2015, apliquei as atividades abaixo
para alunos do ensino fundamental ( 7º Ano-faixa etária 12 anos ) e de ensino médio
( 1ª série-faixa etária 15 anos ).
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Portanto, a partir de agora, como a obra-referência é a de Piaget, as atividades


expostas serão comentadas à luz de seus conceitos, mas não será nada mais do que
uma breve introdução aos estudos do referido autor.
À guisa de dar mais objetividade e clareza às atividades apresentadas abaixo, faz-se
necessária uma breve retomada dos conceitos de Piaget que tratam dos exercícios
propostos e os situam no conjunto da obra. Convém observar que, assim como o
trabalho feito em 2011, as opiniões ou juízos de valor não expressam diagnóstico em
razão das condições de aplicação das atividades, bem como da minha ignorância
acerca do tema.

Situando a questão
( Das coleções figurais à classificação aditiva )
Embora Piaget proponha a periodização da processualidade de estruturação
cognitiva em senso-motor, pré-operatório, operatório-concreto e operatório-formal,
que representa caracterização mais exaustiva do conjunto dos períodos, para tratar
das questões mais específicas das estruturas de raciocínio, em Gênese das Estruturas
Lógicas Elementares, Piaget / Inhelder propõem as fases I, II e III, que se referem ao
desenvolvimento da capacidade de classificação materializada na elaboração das
coleções figurais, coleções não-figurais e classificação propriamente dita cuja função
propicia as condições para a instauração das estruturas de raciocínio que possibilitam
as operações formais ou hipotético-dedutivas.
Sob aspecto mais geral, a classificação de conceitos ocorre quando há inclusão
hierárquica e coordenação entre extensão e compreensão, itens dos quais decorre a
operação de reversibilidade, como no exemplo a seguir: num conjunto formado por
uma classe B composta de duas subclasses A e A’, a inclusão hierárquica refere-se à
relação de subordinação de A e A’ para com B; a coordenação entre a extensão e
compreensão refere-se à constatação das características comuns – compreensão - às
subclasses A e A’ que as tornam subordinadas à classe B, bem como à “quantidade” –
extensão : todos, alguns etc - referente a cada uma das subclasses. A reversibilidade
consiste na operação inversa à direta, isto é, A + A’ = B tem como operação inversa A =
B – A’.
A classificação tal como mostrado acima ocorre apenas na fase III (operatório-
concreto, operatório-formal ). Na fase I (coleção figural/pré-operatório), ocorrem as
coleções figurais, embriões das futuras classificações, que expressam como
características principais, dentre outras, o emprego do princípio de “conveniência
prática”, total ausência da idéia de conservação etc. Nesse caso, o sujeito põe um
triângulo sobre um quadrado e nomeia o conjunto como “casa”. Na transição da fase I
para fase II (coleção não-figural/operatório-concreto), a criança já consegue fazer
encaixamentos hierárquicos, mas de forma intuitiva, pois não há coordenação entre
extensão e compreensão, e tampouco reversibilidade. Na fase II, os encaixamentos
hierárquicos, já com recurso simbólico-abstrato (mental), mas com suporte no real,
tornam-se recorrentes e, em sua transição para a fase III (classificação/operatório –
formal), apresentam, conforme citado acima, todas as características de uma
classificação propriamente dita.
Desse modo, acerca de um conjunto B, formado por contas, cujas subclasses A –
contas marrons e em maior número – e A’ – contas brancas e em menor número –, um
sujeito da fase I dirá corretamente que há mais contas marrons do que brancas, mas,
se perguntado se há mais contas marrons ou contas, dirá que há mais contas
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marrons,justamente em razão da ausência das estruturas de raciocínio que propiciem


a percepção do conjunto-classe; por sua vez, o sujeito da fase II responderá com
desenvoltura conforme citado acima.
( Da classificação aditiva à lógica proposicional )
A classificação aditiva consiste no encaixamento de uma ou mais subclasses numa
classe imediatamente superior ou subordinante, como, por exemplo, vertebrado (A) +
invertebrado (A’) = animal (B). A classificação multiplicativa, intermediária entre a
aditiva e as combinações proposicionais, refere-se à classificação de duas ou mais
características relativas a um mesmo elemento x, como, por exemplo, x é brasileiro e
católico; x é aquático e mamífero; x nasceu em Curitiba e é curitibano; x é número
primo e divisível por ele mesmo e por um etc. Um dos experimentos aplicados por
Piaget / Inhelder para verificar o desempenho acerca dessa classificação é o seguinte:
em quatro caixas, juntar o que se combina ( comando ) das seguintes figuras:
automóvel, caminhão, motocicleta, lambreta, carrinho de bebê, carrinho de mão,
bicicleta, carrinho de compras. O desempenho eficaz na referida atividade, isto é, a
classificação multiplicativa na forma de uma matriz de dupla entrada, ocorre quando o
sujeito consegue, num quadrado subdividido em quadrados menores, encaixar e
classificar as figuras com a seguinte distribuição: VEÍCULOS

4 rodas 2 rodas
Com automóvel motocicleta
MOTOR caminhão lambreta
Sem carrinho de bebê bicicleta
MOTOR carrinho de mão carrinho de compras

A classificação multiplicativa, como embrião das combinações proposicionais,


apresenta as possibilidades de conjunções de proposições que determinam o grau de
veracidade ou falsidade das proposições apresentadas, bem como a forma de
raciocínio utilizada. No exemplo acima, as proposições p = tem 4 rodas e q = é
motorizado ( dupla caracterização de um mesmo elemento ) é composta pelas
seguintes relações: p e q, p e não-q, não-p e q, não-p e não-q, das quais, uma única
possibilidade satisfaz as proposições destacadas, isto é, p e q ou uma conjunção, onde
um elemento contém simultaneamente duas características. Os mesmo caso ( p e q ou
conjunção ), serve às proposições p ( x é aquático ) e q ( x é mamífero ).
Com a palavra, os sujeitos
Ensino fundamental ( 7º Ano )

Único caso dentre todos (7º Ano), classificação figural segundo o princípio de
conveniência empírica – Fase I (pré-operatório) : círculo/triângulo=ladeira, rampa etc .

Comando / 2ª questão com organização figural, mas panorâmica, não-exaustiva.


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Resposta à 2ª questão comando da 3ª questão: reorganização exaustiva

Comando 3ª questão – verificação da ocorrência de inclusão e 4ª questão – prova com


relação assimétrica transitiva parcialmente correta cuja menção a C reforça ausência
de classificação aditiva.

Respostas 3ª questão, com presença de inclusão intuitiva, parcialmente correta.


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Ensino médio ( 1ª série )


Percepção de relações de combinação

Classificação aditiva e percepção da relação assimétrica transitiva, com poucos acertos


no conjunto dos sujeitos pesquisados.

Resposta relação assimétrica transitiva


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Comando para classificação aditiva

Questão 1-Classificação aditiva e aleatória; 2ª classificação aditiva parcial

Comando para classificação aditiva, com inclusão e reversibilidade intuitivas.


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Respostas: reversibilidade intuitiva

Comando para prova de reversibilidade e relação assimétrica transitiva

Reversibilidade parcial e transitividade quase correta.


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Comando preparação classificação multiplicativa, com matriz de duas entradas

Ocorreu multiplicidade de critérios de classificação, confusão do aplicador

Comando para classificação multiplicativa e possibilidade combinatória: ficou


percebido que as proposições p e q (duas primeiras) não são as únicas possíveis, mas
todas.

Comando para prova combinatória de possibilidades proposicionais


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Percepção de implicação recíproca ou equivalência ( bicondicional )

Matriz de dupla entrada e constatação das quatro possibilidades

Conclusão
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Atadas as pontas, as intenções com o produto, cresce a necessidade de aprofundar e


sistematizar de forma mais precisa e abrangente os conceitos ora mostrados, visto que
o trabalho apresentado acima é uma brevíssima introdução nessa temática tão
instigante e desafiadora: o desenvolvimento e/ou construção das estruturas de
raciocínio, algo essencial para o processo de aprendizagem escolar e a própria vida.
Se o texto peca por falta de concisão, peço desculpas, mas, entre os perigos da
banalização do tema ou construção de texto entediante, eis o melhor que pude fazer.
Contudo, creio que, por ora, o objetivo foi alcançado, isto é, com rápidos comentários,
apresentar as atividades resultantes das pesquisas.
Muito ainda há que ser estudado/pesquisado sob os aspectos teórico e prático. Sob o
primeiro, os fundamentos filosóficos dos estudos de Vigotski ( marxismo ) e Piaget
( estruturalismo ), bem como eventuais convergências entre ambos; relevância e
alcance do instrumental lógico-matemático no processo de aprendizagem; a relação
entre didática, como método, e conteúdo à luz da prática em sala de aula ( discussão,
exposição, avaliação ), com vistas a conciliar, de forma mais harmônica possível, o
cotidiano em sala de aula com os processos de estruturação cognitiva; sob o segundo,
explicação pormenorizada dos processos de transição entre uma fase e outra; melhor
esclarecimento acerca da constituição das relações de combinação no âmbito da lógica
proposicional, campo de atividade lógica superior às lógicas de classe e de relação;
maior sistematização do material aplicado nas pesquisas, coleta de dados etc. Até à
próxima !

Bibliografia básica consultada

GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em Prosa Moderna.


Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1969.

PIAGET, Jean.Ensaio de lógica operatória. São Paulo: Globo/Edusp, 1976.

INHELDER e PIAGET, Bärbel e Jean. Da lógica da criança à lógica do adolescente:


ensaio sobre a construção das estruturas operatórias formais. São Paulo: Editora
Pioneira,1976

INHELDER e PIAGET, Bärbel e Jean. Gênese das Estruturas Lógicas Elementares. Rio
de
Janeiro: Zahar Editores, 1983.

VIGOTSKI, Liev Seminióvitch. A construção do pensamento e da linguagem


São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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