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Palavras 12

3.º Teste de avaliação – 12.º ano


Educação Literária
Grupo I (100 pontos)
A (60 pontos)

Lê atentamente as seguintes estâncias d’Os Lusíadas.


105
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaxo o veneno vem coberto,
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos,
Ó caminho de vida nunca certo,
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!
106
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
Luís de Camões, Os Lusíadas, Ministério da Educação, 1989.

1. Situa esta reflexão em função da estrutura global d’ Os Lusíadas, atendendo ao


plano estrutural representado.
2. Interpreta os dois versos finais da estância 105.
3. Atenta nos quatro versos finais da estância 106 e explica de que modo podem
encerrar uma valorização do Homem.
B (40 pontos)
Lê o seguinte poema e consulta as notas apresentadas.
Cristalizações
(…) Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem
E nesse rude mês, que não consente flores, De tão lavada e igual temperatura!
Fundeiam, como a esquadra em fria paz, Os ares, o caminho, a luz reagem;
As árvores despidas. Sóbrias cores! Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;
Mastros, enxárcias, vergas! Valadores Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.
Atiram terra com largas pás. Mal-encarado e negro, um para enquanto eu passo,
Eu julgo-me no Norte, ao frio – o grande agente! – Dois assobiam, altas marretas
Carros de mão, que chiam carregados, Possantes, grossas, temperadas d’aço;
Conduzem saibro, vagarosamente; E um gordo, o mestre, com um ar ralasso
Vê-se a cidade, mercantil, contente: E manso, tira o nível das valetas.
Madeiras, águas, multidões, telhados!

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Negrejam os quintais; enxuga a alvenaria; Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!
Em arco, sem as nuvens flutuantes, Que vida tão custosa! Que diabo!
O céu renova a tinta corredia; E os cavadores pousam as enxadas,
E os charcos brilham tanto, que eu diria E cospem nas calosas mãos gretadas,
Ter ante mim lagoas de brilhantes! Para que não lhes escorregue o cabo.
E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos, Povo! No pano cru rasgado das camisas
Eu tudo encontro alegremente exato. Uma bandeira penso que transluz!
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. Com ela sofres, bebes, agonizas;
E tangem-me, excitados, sacudidos, Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato! E os suspensórios traçam-lhe uma cruz! (…)
Cesário Verde, Cânticos do Realismo e Outros Poemas, ed.
Teresa Sobral da Cunha, Lisboa: Relógio D’Água, 2006, pp. 123-
124.
4. Mostra de que forma o sujeito poético, com a sua “visão de artista”, transfigura a
realidade.

5. Evidencia como Cesário Verde canta a condição humana.

Grupo II (50 pontos)


Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.
Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção
escolhida.

Leitura | Gramática
Ecos de Camões em Cesário Verde
No cerne do poema épico de Camões está o mar, espaço percorrido pelas naus de Vasco da
Gama, mas também cenário mítico em que decorrem os vários planos da narração que
complexificam a temática do texto, fazendo da viagem à Índia a jornada simbólica em que
Camões retrata a saga dos Lusíadas. (…)
5 O mar das navegações é para o autor d’Os Lusíadas o símbolo ambíguo de Portugal (…).
O tempo passado vê-se elevado à categoria simbólica do Bem absoluto, com a glória, a harmonia
e o ideal coletivo por corolários; e o mar é o espaço da viagem aventurosa em busca de novos
mundos, é a possibilidade de partir, levando a outros lugares a energia positiva dos navegadores e
do povo que eles representam.
10 Uma tal perspetiva que coloca a par a visão épica e positivada do passado com um presente
decetivo e de impasse, tem múltiplos ecos na história literária nacional. Detenhamo-nos por agora
em dois exemplos disso, colhidos em textos de fins de oitocentos, período em que retorna essa
memória do passado histórico, como via da busca de um esteio que sustente o presente de
inquietação e de mudança: tomemos “O Sentimento dum Ocidental” de Cesário Verde (…).
15 O poema de Cesário foi publicado no número Portugal a Camões do Jornal de Viagens de 10
de junho de 1880, uma das edições comemorativas de um centenário que erigira Os Lusíadas e o
épico em porta-bandeiras do nacionalismo; tal perspetiva não atraía o poeta de “O Sentimento
dum Ocidental”, que se situa à margem do tom laudatório e exaltado de outros seus
contemporâneos. Com efeito, Cesário trabalhará a sua homenagem no arame frágil do paradoxo,
20
tratando os temas da épica (o mar, a viagem, o herói) por um prisma decetivo.
O mar está presente como elemento espacial, situando desde o título o sujeito do poema como
um ocidental, oriundo das mesmas mas tão mudadas praias que viram partir os descobridores; na

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25 primeira secção, o sujeito desloca-se ao longo dos cais que figuram a possibilidade de partir, sim,
mas para outros – não para o “eu” errante, só, presa de um spleen [tédio] que lhe faz sentir como
fechado um espaço fisicamente aberto. Esse tema estende-se ao modo como é vista a gare de
onde partem os outros, “Felizes!”, para o mundo mítico da Europa cosmopolita (“Madrid, Paris,
30 Berlim, S. Petesburgo, o mundo!, I, 3”); notemos também como aos cais do presente, herdeiros
daqueles de que partiram as naus das Descobertas, se atracam agora botes (I, 5), caricaturas dessa
grandiosidade perdida, ou como a partir deles se avista ao largo “o couraçado inglês” (I, 7) que
representa o poderio estrangeiro e assinala a decadência e a impotência da pátria.
Paula Morão, “Ecos de Camões em Cesário Verde e em Nobre”, in Românica, Revista de Literatura, n.º 1/2,
Lisboa: Ed. Cosmos, 1992, p. 27.
1. O mar é, n’Os Lusíadas,
A. simultaneamente, um espaço real e perigoso.
B. um espaço com duplo significado: real e simbólico.
C. o espaço que permite a concretização de um sonho pessoal.
D. um espaço desejado, mas nunca navegado.

2. Cesário Verde homenageia Camões


A. num tom elogioso e elevado.
B. comungando a perspetiva nacionalista das comemorações d’ Os Lusíadas.
C. ao publicar a sua obra literária.
D. de modo marginal ao dos seus contemporâneos.

3. O “Sentimento dum Ocidental” adota uma perspetiva


A. subversiva do imaginário épico.
B. épica, de ações grandiosas e heróis sublimes.
C. eufórica para exaltar os antigos heróis nacionais.
D. pessimista causada pela sua fragilidade.

4. “Cesário Verde” (l.14), o “poeta de ‘O Sentimento dum Ocidental’” (ll.17-18) e


“Cesário” (l.19) contribuem
A. para a coesão interfásica.
B. para a coesão frásica.
C. para a coesão referencial.
D. para a coesão lexical.

5. No segmento “para o mundo mítico da Europa cosmopolita (“Madrid, Paris, Berlim,


S. Petesburgo,”) (ll. 26-27), os vocábulos sublinhados mantêm entre si uma relação
semântica de
A. meronímia-holonímia.
B. hiponímia-hiperonímia.
C. hiperonímia-hiponímia.
D. holonímia-meronímia.

6. Identifica a função sintática da expressão “de Cesário” (l. 15).


7. Indica o processo de formação da palavra “porta-bandeiras” (l. 17).
8. Indica o antecedente do pronome pessoal presente em “que lhe faz sentir como

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fechado um espaço fisicamente aberto.” (ll. 25-26).

Grupo III (50 pontos)


Escrita

Na nossa Era surge o conceito de navegação associado à Internet. Esta, tal como a
navegação marítima dos marinheiros portugueses na época das descobertas, traz
benefícios e encerra perigos.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de


trezentas palavras, apresenta uma reflexão sobre as vantagens e os riscos da navegação
na Internet.

Fundamenta o teu ponto de vista, recorrendo a dois argumentos, ilustrando cada


um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

3.º Teste - 12.º ano


Proposta de correção
Grupo I

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A
1. Esta reflexão é motivada por um acontecimento respeitante ao plano da Viagem.
Efetivamente, após a realização do consílio dos deuses no Olimpo, onde se formam
duas correntes – uma de apoio à empresa do Gama, liderada por Vénus, e outra de
oposição, chefiada por Baco, e onde Júpiter toma a decisão de auxiliar os portugueses
chegarem à Índia –, Baco prepara-lhes várias ciladas em Moçambique e Mombaça. A
armada portuguesa chega então a Mombaça, após várias vicissitudes urdidas por Baco, e
o rei, que tinha sido convencido por ele a aniquilar a frota lusitana, prepara uma traição.
De facto, o “recado” (a mensagem) que os enviados trazem é, na aparência e
dissimuladamente, de amizade, mas na realidade é de grande perigo (metáfora “debaxo
o veneno vem coberto” – v. 2) e de inimizade (v. 3). No entanto, a traição acaba por não
se consumar, dado que foi descoberta (“Segundo foi o engano descoberto.” – v. 4).
Introduz-se, assim, o tema da reflexão: a insegurança da vida humana, que decorre dos
grandes perigos.

2. O poeta refere os perigos e as inseguranças que a vida apresenta. Estes versos


significam que a vida é constantemente ameaçada por perigos, mesmo nas situações em
que colocamos a nossa esperança. A frase exclamativa salienta o desespero do Poeta
face à vulnerabilidade da condição humana, estando o Homem permanentemente
exposto ao risco.

3. O ser humano é fraco diante de forças poderosas e, por isso, nunca encontrará
segurança. A interrogação retórica traduz, assim, a indignação do Poeta pela ameaça à
fragilidade humana que dificilmente conseguirá encontrar um lugar onde possa estar
seguro, dada a enorme desproporção entre si e o universo. No entanto, o “Céu sereno”,
podendo representar os deuses, indigna-se contra a atuação do “bicho da terra tão
pequeno”, e põe em risco a sua “curta vida”, o que pressupõe que o Homem tem valor e
os seus feitos incomodam os deuses. Tendo em conta o conteúdo da Proposição
relativamente ao herói d’ Os Lusíadas, parece ser intenção do poeta, com esta reflexão,
exaltar a valentia dos Portugueses, que, mesmo sendo pequenos, venceram os maiores
desafios. Os dois versos finais constituirão uma espécie de ponto de partida para a
mitificação dos Portugueses enquanto heróis. De facto, não obstante a sua fragilidade
enquanto seres humanos, ousam navegar por mares desconhecidos e desafiar a natureza
e os diversos perigos, ultrapassando os limites da sua condição humana.

B
4. O sujeito lírico recorre a impressões dos diversos sentidos, mas descreve a cidade
predominantemente através das sensações visuais. No entanto, não se limita a descrever
a cidade e os seus habitantes, durante o seu deambular. De facto, o sujeito poético
transfigura a realidade, com a sua “visão de artista”, no momento em que transforma as
“árvores despidas” em elementos de um barco (“Mastros, enxárcias, vergas!”) e quando
os “charcos “são transformados em “lagoas de brilhantes”. A transfiguração do banal
revela que o “eu” vê mais longe.

5. Cesário Verde canta a condição humana na “cidade mercantil”. Centra-se nas

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condições de trabalho e no modo de existência dos mais desfavorecidos, que vivem


grandes dificuldades: “Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas! / Que vida tão
custosa! Que diabo!”. A bestialização dos trabalhadores mostra a indignação do “eu”
face às condições de trabalho que reduzem estes homens a animais, perdendo parte da
sua dimensão humana.

Grupo II

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.
B D A D D Complemento do nome Composição por palavras “eu” errante

Grupo III
Tópicos sugeridos:

 Vantagens da Internet:
o conhecimento sobre o mundo facilitado e compactado;
o acesso a notícias em tempo real;
o contacto gratuito, fácil e em direto com pessoas geograficamente distantes;
o ferramentas facilitadoras do dia a dia: acesso a serviços (bancos, finanças,
segurança social), compras pela internet, correio eletrónico;
o …

 Perigos da Internet:
o possibilidade de burlas ou fraudes;
o acesso a dados confidenciais;
o contacto com desconhecidos e possíveis consequências adversas (ex.
pedofilia);
o uso excessivo e afastamento do mundo real;
o …

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