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Resumo
Tema: a carta (jamais divulgada em sua inteireza) enviada pelo escritor Monteiro
Lobato (1882-1948) à escritora Adalzira Bittencourt (1904-1976) após a leitura do
romance "Sua Excia. a Presidente da República no ano 2500" (1934), parabenizando-a
pela defesa da eugenia na história, admirando-a pela coragem e concordando com a
proposta de impor a pena de morte às mães que amassem demais os seus filhos, em
detrimento das obrigações impostas por um Estado ideal.
Trecho da carta omitido nas divulgações: "Onde descobriu você tais reservas de
coragem para arrostar todos os preconceitos atuais e propugnar medidas maravilhosas,
como a eliminação dos estropiados e morféticos, e até a pena de morte para as mães
que sobreponham aos interesses nacionais supremos o outro e egoístico amor à cria?"
[a menção se refere à obrigatoriedade de entregar filhos "defeituosos" ao Estado, para a
sua pronta eliminação].
Apresentação
A doutrina eugenista, assim como as obras de não ficção e ficção baseadas nesse
movimento, apresenta dois aspectos: um construtivo e o outro destrutivo.
http://memoria.bn.br/docreader/090972_06/45204
https://www.academia.edu/37383855/A_esteriliza%C3%A7%C3%A3o_na_perspecti
va_eug%C3%AAnica_de_Renato_Kehl_na_d%C3%A9cada_de_1920._Revista_Saecul
um
Veremos adiante como essa proposta básica da eugenia se enquadra perfeitamente no
contexto da militância social de Monteiro Lobato e Adalzira Bittencourt.
Um artigo publicado em 1921 no periódico "O Jornal" (Rio) deixa claro o contexto
imaginário ao qual reagiam os higienistas, ao proporem medidas urgentes para evitar
um mal insanável ao país. O trecho final:
"Contra essa imensa mole [multidão] humana que vive a espalhar por todos os cantos
filhos raquíticos e irresponsáveis é que se levanta a campanha eugênica nacional
merecedora dos mais calorosos aplausos daqueles que procuram salvar a nossa raça da
decadência completa e da ruína total."
"O Jornal", 8/12/1921, número 884, página 1, terceira, quarta e quinta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/110523_02/8362
http://memoria.bn.br/DocReader/110523_02/27507
. O feminismo e a raça;
http://memoria.bn.br/DocReader/178691_05/37585
http://memoria.bn.br/DocReader/160733/173
Esta mesma revista, embora não militasse abertamente a favor da eugenia, acolheu o
artigo de Adalzira reproduzido mais abaixo ("Eutanásia") e publicou matérias como a
do título a seguir.
"Brasil Feminino", maio de 1932, número 4, página 27.
http://memoria.bn.br/DocReader/160733/179
No período chamado "proto ficção científica brasileira", que vai de 1857 (com a
publicação de "O Fim do Mundo", folhetim de Joaquim Manuel de Macedo) a 1960,
vários escritores aproveitaram suas histórias para promover a ideia de uma sociedade
ideal composta de seres "perfeitos".
https://www.academia.edu/33116999/Eugenia_e_literatura_no_Brasil_apropria%C3
%A7%C3%A3o_da_ci%C3%AAncia_e_do_pensamento_social_dos_eugenistas_pelos
_escritores_brasileiros_de_fic%C3%A7%C3%A3o_cient%C3%ADfica_1922_a_1949_
https://www.marciopinho.com.br/peca.asp?ID=2495840
Outras duas coletâneas de contos de Berilo Neves, "A Mulher e o Diabo" (1931) e
"Século XXI" (1934) figuram em todas as cronologias da ficção científica brasileira.
O único entre esses autores que poderia ficar de fora do movimento seria Adalzira
Bittencourt, se considerada a epígrafe do seu livro.
AO BRASIL
A.
Essa aparente ambiguidade se desfaz quando se sabe que Adalzira jamais contestou
os elogios recebidos por sua utopia eugenista. Mais do que isso: eles foram registrados
orgulhosamente em livros posteriores, como veremos.
Monteiro Lobato e o "Choque das Raças"
Lobato vinha de uma associação de cerca de três décadas com as ideias eugenistas,
que propõem a "purificação da raça humana", baseada na adoção de medidas radicais de
higiene e de eliminação de seres humanos "deficientes" segundo critérios morais
(comportamentos impróprios, como o alcoolismo), orgânicos (aleijados ou doentes) e
étnicos (a cor da pele). Neste último aspecto, a eugenia sempre foi centrada na
dominação do mundo pela "raça" branca e pela "purificação" progressiva desse conjunto
de seres humanos.
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O FUTURO DESVENDADO
A população negra dos Estados Unidos é de milhões de almas e cresce mais que a
branca. Dia há de vir em que o negro dominará pelo número e vencerá o branco nas
urnas, elegendo um presidente pigmentado.
OU O PRESIDENTE NEGRO
O sábio professor Benson descobre a máquina de visionar o futuro e por meio desse
"porviroscópio" consegue ASSISTIR aos acontecimentos dessa época remota. É sua
filha, miss Jane quem relata ao herói do livro, Ayrton Lobo, o estranho drama do
choque das raças na América, por ela sondado em companhia do pai. Essa encantadora
criatura, tão bela quanto forte de inteligência, deslumbra o apaixonado Ayrton com os
mais imprevistos aspectos futuros, como sejam: a noite urbana depois da invenção da
luz fria; Erópolis, a maravilhosa cidade do Amor, só habitada por amorosos em pleno
período de ebridadade; o Museu da Roda, onde repousavam todas as variedades de
rodas sobre que gira a nossa civilização industrial, "aposentadas" depois da grande
transformação que ao mundo trouxe o rádio-transporte e a rádio-sensação; a harmonia
na sociedade sexual entre o homem e a mulher após a adoção de férias conjugais
obrigatórias; a estação psicofônica de Detroit, por meio da qual os espíritos se
comunicavam com os vivos etc., etc.
Por todo o livro perpassa a ideia nova da Eugenia e da Eficiência, dadas já como
plenamente vitoriosas naquela época e de cuja sábia aplicação o povo americano colheu
os mais assombrosos frutos. Quanto ao Brasil, terra onde se deu a maravilhosa
descoberta do professor Benson, miss Jane conta como se dividiu ele em duas grandes
repúblicas, uma das quais assimilou a si a Argentina e o Uruguai, formando o segundo
país do mundo em grandeza.
http://memoria.bn.br/DocReader/110523_02/30032
Outro anúncio, bem melhor, no jornal "Última Hora" (RJ), destacou a relação da
história com e eugenia:
"Romance dos tempos futuros, com a visão de um mundo rico e feliz graças à vitória
final das grandes ideias da Eficiência e da Eugenia."
"Ultima Hora" (RJ), 17/1/1927, número 5.445, página 3, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/348970_02/19116
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O seu romance O Choque, neste momento exposto nas livrarias, e já conhecido, com
certeza, de milhares de leitores, é mais uma afirmação pitoresca dessa inestimável
singularidade num escritor brasileiro ― a de fazer rir. Mas rir inteligentemente, está
claro, desse rir bom, retemperante, profundo e largo, que só mesmo a seiva exuberante,
a saúde pletórica [excessiva] do espírito, nos pode proporcionar.
"A.B.C." (RJ), 22/1/1927, número 620, página 11, primeira, segunda e terceira
colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/830267/10556
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O desfecho, entretanto, dessa tremenda tragédia "racial" dá-se pelos raios Ômega, os
raios de John Dudley, que possuem virtude dupla. Ao mesmo tempo que alisam os
cabelos dos "negros" esterilizam esses homens. Jim Roy estremece quando é informado
desse horrível desenlace...
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_07/24487
Também a autora não percebe a importância do contexto da eugenia e a sugestão de
Lobato, de que a "purificação da raça branca" e o seu domínio final se dará
necessariamente pela eliminação da "raça negra".
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E como com ele, todos os negros tinham sido omegados [submetidos à esterilização
causada pelo uso do raio Ômega], o choque das raças fora prevenido, o que valeu pela
nova vitória da eugenia.
E assim termina esse livro excelente do grande Monteiro Lobato, livro de fatura
[feitura] preciosa, de revisão perfeita e talento pujante.
"O País" (RJ), 30/1/1927, número 15.442, página 3, primeira e segunda colunas (em
A Semana).
http://memoria.bn.br/DocReader/178691_05/28639
4. A quarta resenha saiu no periódico "O Imparcial" (RJ), um texto de Carlos Maul
em forma de diálogo: "O Choque das Raças (Conversa fiada ao redor da novela de
Monteiro Lobato)". É a primeira totalmente centrada nas propostas da eugenia, que o
autor remonta, no Brasil, ao padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), contrário à
escravidão, mas também ao processo de mestiçagem da população brasileira.
Crítico tanto à proposta de Feijó quanto às intenções de Lobato, Carlos Maul ironiza:
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MARCOS
Pelos modos, vê-se que Feijó, em [18]32, sonhava, como Lobato continua sonhando
com os raios Ômega para 2228...
APOLÔNIO
Por isso o Brasil ainda é o "inferno dos pretos, o purgatório dos brancos e o paraíso
dos mulatos", segundo o conceito de Francisco Manuel de Melo [político e escritor
português, 1608-1666]...
MARCOS
E é precisamente por isso também que estamos livres da profeta [profecia] trágica de
Monteiro Lobato sobre os Estados Unidos de amanhã. [...]
http://memoria.bn.br/DocReader/107670_02/29688
http://memoria.bn.br/DocReader/763900/24616
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Uma vitória assim seria tão bastarda e afogaria para sempre na maldição os
vencedores.
Mas, sob o ponto de vista humano, seria uma vitória legítima e definitiva. Em rigor, à
luz do precário juízo humano, a razão não implica nobreza de atitudes, nem beleza de
movimentos, mas a firmeza de um pulso rijo ou a acuidade de uma inteligência pronta
que a saibam impor e conservar.
http://memoria.bn.br/DocReader/029033_10/19986
7. A sétima resenha, publicada em "O Jornal" (RJ) e escrita por Villar Belmonte
intitulou-se "Ante-visões do futuro" e representa o exato oposto da resenha de Galeão
Coutinho ("Ianquismo de Bugre"): onde nesta só havia críticas, na de Belmonte há só
elogios.
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A mescla de raças não afins, a adoção de leis ilógicas, o exagerado liberalismo penal
— desnortearão toda a ciência administrativa: os cegos, os vadios, os infecciosos, os
criminosos natos e os loucos destruirão toda a ordem social no futuro, se não houver
corretivos enérgicos, drásticos, por parte dos legisladores e estadistas. Essa operação
que a natureza faz cruelmente poderíamos fazê-la com anestésicos sutis, com arte, com
humanidade.
"O Jornal" (RJ), 19/3/1927, número 2.544, página 4, quarta e quinta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/110523_02/31010
8. A resenha mais extensa coube a Fábio Luz, na revista "Brasiliana" (RJ). Com o
título "O CHOQUE ─ romance do choque das raças no ano de 2.228", Fábio adotou o
tom crítico e o enfoque político desde o início, apontando várias inconsistências no
enredo.
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Monteiro Lobato escreveu um livro à moda dos de Júlio Verne e de [H. G.] Wells,
mais próximo do último na "ciência adivinhatória", ciência de pura fantasia, anulados
todos os postulados que a experiência e a observação estabeleceram.
Mas esquecem o dr. Benson, sua continuadora miss Jane e seu profeta Ayrton que
nos Estados Unidos não há apenas duas raças em luta, mas que todas as raças têm suas
grandes representações no cruel Imperialismo Norte-Americano.
"Um povo que rompe com o álcool" é um povo cheio de nobres ideias, povo de
maior "idealismo pragmático" que já existiu na terra (pg. 107). Pura zombaria dizer que
a lei seca conseguiu extirpar o alcoolismo nos Estados Unidos.
"Brasiliana" (RJ), volume 10, abril de 1927, páginas 192 a 198.
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2307
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2308
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2309
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2310
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2311
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2312
http://memoria.bn.br/DocReader/403920/2313
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Baterá o recorde do livro brasileiro: um livro brasileiro com uma tiragem de mais de
milhão! É a conquista ― a última e a maior — de todos os mercados do mundo. O
escritor poderá ganhar uma fortuna imensa e ficará popular nos Estados Unidos, como
Blasco Ibañez [romancista espanhol de "Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse", que
vendeu milhões de exemplares nos EUA]. Ficará popular em todos os continentes da
Terra.
"A Manhã" (RJ), 20/7/1927, número 489, página 3, primeira e segunda colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/116408/5663
10. A última resenha publicada no ano de lançamento de "O Presidente Negro" era,
na verdade, um trecho do artigo "A mais perfeita síntese eugenética", de Maurice'A
Filho, centrado na necessidade de imposição do exame pré-nupcial pelo Estado.
Publicada no "Pequeno Jornal" de Recife, terminava com um lamento do autor por não
estar ainda no futuro imaginado por Lobato.
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Veríamos assim realizada, fora do romance, e livre dos retóricos... a mais perfeita
síntese eugenética.
http://memoria.bn.br/DocReader/800643/42974
*
A primeira denúncia fundamentada sobre o racismo de Monteiro Lobato veio da
romancista Ana Maria Gonçalves, autora de "Um Defeito de Cor" (2006). O texto,
intitulado "Lobato: Não é sobre você que devemos falar", tem data de 20 de novembro
de 2010.
https://www.geledes.org.br/ana-maria-goncalves-lobato-nao-e-sobre-voce-que-
devemos-falar/
http://idelberavelar.com/archives/2010/11/nao_e_sobre_voce_que_devemos_falar_p
or_ana_maria_goncalves.php#comments
https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Presidente_Negro
http://lelivros.love/book/download-o-presidente-negro-monteiro-lobato-em-epub-
mobi-e-pdf/
Adalzira Bittencourt e o romance "S. Excia. a Presidente da República no Ano
2.500"
O livro de Adalzira, lançado pela editora Schmidt (São Paulo) em 1934, foi o
segundo no gênero da ficção científica escrito por uma brasileira. O primeiro, "A
Rainha do Ignoto", de autoria da cearense Emília Freitas, saíra em 1899.
Abaixo, foto de Adalzira Bittencourt nos tempos em que era conhecida apenas como
advogada, poeta e feminista.
"Revista da Semana" (RJ), 18/8/1923, número 34, página 23, terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/025909_02/5301
http://www.sebonascanelasleiloes.com.br/peca.asp?ID=4459389&ctd=4&tot=&tipo=
&artista=
Correção importante sobre o ano de lançamento do romance de Adalzira
Os recortes abaixo, entretanto, provam que a obra de Adalzira foi realmente lançada
em 1934, ano que deve constar das cronologias e da bibliografia da autora, por ser este o
critério consagrado para o registro de obras literárias.
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Nos escritórios da Editora Ramos, a escritora Ideziza R. Lacart [erro do redator] leu
para os críticos cariocas, amigos e admiradores, os originais de um livro "S. Excia. O
[erro do redator] Presidente da República no ano 2.500.
"Jornal do Brasil" (RJ), 9/10/1834, número 241, página 12, terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/47518
2. No dia seguinte, talvez motivado pelos erros do redator, o mesmo jornal repetiu a
notícia, agora com as devidas correções.
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Nos escritórios da Editora Ravaro, dirigido pela Sra. Rachel Prado, a escritora
Adalzira Bittencourt leu para os críticos cariocas, amigos e admiradores, os originais de
um livro "S. Ex. a Presidente da República no ano 2.500.
"Jornal do Brasil" (RJ), 10/10/1934, número 242, página 12, terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/47550
Repare em "alcançará grande sucesso", trecho que indica o futuro lançamento da
obra.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_12/32523
4. A mesma reunião foi relatada em matéria publicada dez dias depois (20 de
outubro) pela "Revista da Semana".
"Revista da Semana" (RJ), 20/10/1934, número 45, página 21, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/025909_03/11048
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A autora procurou atrair a atenção do público com um título que promete muitas
fantasias, coisas extraordinárias e originais.
Não sabemos se assim foi melhor. O fim do livro é divulgar os pontos de vista da
autora sobre o feminismo.
E, neste particular, sua orientação e seus conselhos são de uma sadia realidade e
elevada concepção.
Toda a imaginação que ela pôs em pintar a república feminista do ano 2500 não torna
mais belos, nem mais seguros, nem mais atraentes os princípios sobre o feminismo,
enunciados no capítulo 7 do livro, na transcrição de trechos avulsos das preleções que
imagina devam ser feitas naqueles temos vindouros, nas "Escolas das Mães".
Nem por isso a ficção em que a Senhora Adalzira Bittencourt envolveu o seu
trabalho deixa de despertar interesse e prender o leitor.
São episódios e cenas arquitetadas com visível exagero, mas bem escritas, cheias de
originalidade, que se leem com prazer e crescente atenção.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_12/32876
No capítulo 7, destacado na resenha acima, Adalzira expõe seu ideal de educação das
mulheres e, em particular, das mães. Trechos da obra, a seguir.
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A segunda função da mulher é previsível: ela deve ser um satélite que gira em torno
do planeta-marido. E também deve lhe conceder prazeres a que ela mesma não tem
direito.
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Deve procurar mantê-lo no seu lugar de honra. Deve saber que o homem necessita
na vida de afetos diferentes e como a esposa não os sabe fazer ele necessita de diversas
mulheres...
Não se assustem com isso, diz a professora, pois é da própria natureza do homem.
A maternidade, exaltada como o ápice da vida feminina, é outro tema clássico dessas
utopias.
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Ser mãe é a mais bela, a mais nobre e a mais grandiosa missão da mulher. Ser mãe é
ser deusa. É ser rainha. Quantas mulheres não se julgariam imensamente felizes se
ouvissem uma boquinha rósea chamar-lhe — "mamãe".
2. A segunda e última resenha, bem breve, foi publicada na revista "Beira Mar" (RJ),
no mês seguinte (novembro de 1934).
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http://memoria.bn.br/docreader/067822/4168
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Livro de ficções: mas, atrás de cujas páginas se esconde um motivo superior, uma
grande inspiração no elogio da raça, na elevada e corajosa afirmação do povo brasileiro.
Em "S. Exa., a Presidente da República no Ano 2500", há exagero. Não o nego. Mas,
no exagero vive uma lição. Há um estímulo. Há caminhos e rumos. Há um tema social.
Há ideias a seguir.
Assim, digna de nota, a tese fortemente desenvolvida na "Escola das Mães" (da pág.
59 à 86): crisol onde se estimam e aproveitam as energias da raça, onde se forjam e
apuram as grandes virtudes morais e cívicas do cidadão de amanhã.
A "Escola das Mães" é uma parte do livro assaz interessante: fonte de ensinamentos
eficazes, conselhos proveitosos. Um zelo bem compreendido pela sorte da prole. Há luz
no mistério da vida, no culto da família, no amor do lar: sentimentos que se vão
esmaecendo na cadência desta civilização de empréstimo.
"S. Exa. a Presidente da República no Ano 2500" é um romance passado num outro
clima cultural: numa elevada atitude política, num campo de grandes projeções sociais,
num salutar ambiente moral e material. O Brasil do futuro que amanhece.
Não há nisso, censura. Pelo contrário, vejo uma conclusão. Adivinha-se com
dificuldade, à leitura de "S. Exa. a Presidente da República no Ano 2500", que a sua
autora é, sem favores, pela sua inteligência, pelo espírito de observação e análise, pela
brilhante tese de seu romance, uma autêntica representante de seu sexo ― Aarão
Rebelo".
Jornal do Brasil (RJ), 9/4/1935, número 84, página 31, quarta e quinta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/52646
Correio da Manhã (RJ), 14/4/1935, número 12.391, página 31, quinta, sexta e sétima
colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/089842_04/27284
Também em 1935, o texto "O Dom das Lágrimas", de autoria da escritora Henriqueta
Lisboa (1901-1985) e publicado em "O Malho", mencionou uma cena do final do livro
de Adalzira.
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Razão de sobra teve Adalzira Bittencourt, quando na última página deste livro
audacioso e brilhante que é "Sua Excelência o [a] Presidente da República no ano de
2500" faz cair em prantos a mulher poderosa que assina, sem hesitação, o decreto de
morte para o homem que a fizera sonhar.
"O Malho" (RJ), 10/1/1935, número 84, página 12, segunda coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/116300/81799
https://pt.scribd.com/document/403502252/Adalzira-Bittencourt-Sua-Excia-a-
Presidente-Da-Republica-No-Ano-2500
Observação
Nessa carta, Lobato expôs sua plena adesão aos princípios da eugenia e expressou
concordância inequívoca (e chocante) com uma das medidas mais desumanas adotadas
pela "utopia feminista" na história de Adalzira.
"... que maravilha não será, a avaliar pelo quadro rápido que você pinta! Que delícia
viver no ano 2500!
"Mas quanta audácia, menina! Onde descobriu você tais reservas de coragem para
arrostar todos os preconceitos atuais e propugnar medidas maravilhosas... Parabéns!
Você é muito maior do que eu supunha..."
Monteiro Lobato.
https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xiisemanadamulher11189/quando-
uma-mulher-for_edgar-indalecio-smaniotto.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11627.pdf
O trecho acima lembra a prática do "blurb", breve endosso de pessoa famosa que
ilustra a capa de um livro. Às vezes, o editor seleciona somente a parte elogiosa da
resenha (em certos casos, somente um adjetivo), omitindo o que não ajudaria na
promoção da obra.
"O Malho" (RJ), fevereiro de 1941, número 13, página 60, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/116300/93419
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"Li de um trago o seu livro, tão original e animador. Animador porque nos dá, a nós,
homens que construímos este Brasil tão desengonçado, a esperança de que isto vire um
Éden quando a mulher tomar conta do leme. Que maravilha não será, a avaliar pelo
quadro rápido que você pinta!
"Onde descobriu você tais reservas de coragem para arrostar todos os preconceitos
atuais e propugnar medidas maravilhosas, como a eliminação dos estropiados e
morféticos. e até a pena de morte para as mães que sobreponham aos interesses
nacionais supremos o outro e egoístico amor à cria?
"(a.) Lobato."
"Jornal do Brasil" (RJ), 27/11/1934, número 283, página 13, terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/48889
http://memoria.bn.br/DocReader/089842_04/25139
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Art. 12.º — A mãe que ocultar um filho aleijado a fim de não ser legalmente
exterminado, em benefício da eugenia da raça, ao ser descoberta será decapitada
juntamente com o filho.
Essa pena de morte aplicada a mães que protegessem seus filhos "defeituosos" da
violência extrema do Estado foi exemplificada em cena do final do romance.
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Uma manhã Mariângela estava no seu gabinete quando o Chefe de Polícia apareceu
com 2 decretos para Sua Excia. a Presidente assinar.
Eram decretos com sentenças de morte. Uma pobre moça ocultara o filho que
nascera sem mãos e o criara até 2 anos de idade. A polícia descobriu. A mãe deveria ser
decapitada juntamente com o filho.
Entanto a mãe amamentava outro filhinho de 8 meses. Este era belo e perfeito. Um
romance triste.
***
Mariângela assinou. Sempre que isso lhe acontecia, ela passava o dia triste e
amargurado. A carta de Jorge era o seu único lenitivo. Esquecia tudo para só se lembrar
dele, o seu Amor, seu grande Amor!
Seguindo a boa técnica literária, a autora provou de modo cênico uma afirmação
anterior (e chocante) da narradora.
Como foi mostrado antes, Adalzira introduziu o seu romance sugerindo que a
interpretação do sentido da obra caberia ao leitor. Mas não há possibilidade de dúvida
quanto ao sentido que lhe foi atribuído pela própria Adalzira.
"A Eutanásia deve, diante disso, ser regulada sem apelarmos para o
sentimentalismo [vide a cena do romance transcrita mais acima] ou para a questão
religiosa.
"Sou tão extremista nesta questão que se pudesse ser ouvida, se pudesse fazer alguma
coisa dos meus desejos patrióticos, eu aplicaria por lei a Eutanásia a todos os
enfermos do mal de Hansen; aos idiotas e aos loucos incuráveis; aos aleijados
monstruosos, e isso o faria por patriotismo.
"O Brasil precisa de braços fortes; de espíritos fortes; de caracteres bem formados, de
gente sadia, enfim. Aí está ventilada a questão sob o prisma patriótico, econômico,
eugênico e social.
"A Eutanásia social e patriótica devia ir além: exterminar, não somente os loucos e
os leprosos, como também aqueles que revelam ausência de brio, de caráter e de
dignidade, fazendo com isso a desgraça do Brasil".
http://memoria.bn.br/DocReader/160733/364
Foi esse "programa social", proposto por Adalzira no artigo e no romance, que
Monteiro Lobato aprovou — mais do que na ficção, para ser aplicado na realidade.