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372652957 Sebenta Comercial I David

Direito Comercial (Universidade de Lisboa)

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Sebenta Comercial I – DNB 2017/2018

Introdução ..................................................................................................................................................................... 3
Evolução Histórica ......................................................................................................................................................... 4
Direito Comercial na Atualidade ................................................................................................................................... 5
ATOS DE COMÉRCIO ...................................................................................................................................................... 8
Atos de Comércio Objetivos ...................................................................................................................................... 8
Podem-se considerar atos comerciais por analogia?.............................................................................................. 9
Atos de Comércio Subjetivos ................................................................................................................................... 10
Art. 230º CCom – as Empresas ................................................................................................................................ 11
Atos de Comércio Autónomos vs. Acessórios ......................................................................................................... 11
Teoria do Ato Acessório..................................................................................................................................... 12
Atos de Comércio Formais vs. Substanciais ............................................................................................................ 13
Atos Bilateralmente Comerciais vs. Unilateralmente Comerciais ........................................................................... 14
Usos do Comércio ................................................................................................................................................... 14
COMERCIANTE ............................................................................................................................................................. 16
Art. 13º CCom – Quem são os Comerciantes .......................................................................................................... 16
Comerciante pessoa singular ............................................................................................................................. 16
Comerciante pessoa coletiva ............................................................................................................................. 18
Pessoas não qualificáveis como comerciantes ................................................................................................. 19
Pessoas semelhantes a comerciantes ............................................................................................................... 20
Art. 18º CCom – Obrigações dos Comerciantes ...................................................................................................... 20
1ª Obrigação: FIRMA ......................................................................................................................................... 20
2º Obrigação: ESCRITURAÇÃO MERCANTIL ....................................................................................................... 24
3ª Obrigação: REGISTO COMERCIAL .................................................................................................................. 25
4ª Obrigação: DAR BALANÇO e PRESTAR CONTAS ........................................................................................... 27
EMPRESA ...................................................................................................................................................................... 28
Estabelecimento Comercial ...................................................................................................................................... 29
Elementos do Estabelecimento .......................................................................................................................... 29
TRESPASSE .......................................................................................................................................................... 32
Locação de Estabelecimento = Cessão de Exploração......................................................................................... 39
Usufruto do Estabelecimento ............................................................................................................................. 41
Estabelecimento como Objeto de Garantia ........................................................................................................ 41
Reivindicações e defesas possessórias ................................................................................................................ 41
Natureza do Estabelecimento ............................................................................................................................. 41
E.I.R.L. ...................................................................................................................................................................... 41
Acórdãos.................................................................................................................................................................. 43
Favor Creditoris Comercial .......................................................................................................................................... 46
CONTRATOS E OPERAÇÕES COMERCIAIS .................................................................................................................... 48
Mandato Comercial – art. 231º CCom.................................................................................................................... 50
Contrato Conta-Corrente – art. 344º CCom ........................................................................................................... 51
Contrato Mediação ................................................................................................................................................. 52
Contratos de Distribuição ......................................................................................................................................... 55

Regência: Januário Costa Gomes

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Livre Organização de Cadeias.............................................................................................................................. 55


AGÊNCIA ............................................................................................................................................................. 55
CONCESSÃO ........................................................................................................................................................ 66
FRANQUIA (FRANCHISING) ................................................................................................................................. 68
Títulos de Crédito.......................................................................................................................................................... 71
Características dos Títulos de Crédito: ..................................................................................................................... 71
Tipologia dos Títulos de Crédito .............................................................................................................................. 74
Relação Cartular ....................................................................................................................................................... 75
LETRA DE CÂMBIO.................................................................................................................................................... 77
Requisitos ........................................................................................................................................................... 78
Letra em Branco ................................................................................................................................................. 79
Negócios Jurídico-Cambiários ............................................................................................................................. 80
Vicissitudes das Obrigações Cambiárias .................................................................................................................... 85
Vencimento ........................................................................................................................................................ 85
Pagamento.......................................................................................................................................................... 86
Protesto .............................................................................................................................................................. 86
Intervenção......................................................................................................................................................... 87
Ações Cambiárias ................................................................................................................................................ 87
Exceções Cambiárias ........................................................................................................................................... 87
Extinção .............................................................................................................................................................. 87
LIVRANÇA e CHEQUE ................................................................................................................................................ 88
STJ – AUJ 4/2013 ...................................................................................................................................................... 89
O CRÉDITO ................................................................................................................................................................... 96
Abertura de Conta = Contrato de Abertura de Conta = Contrato de Conta .......................................................... 97
Há direito a ter conta bancária? ..................................................................................................................... 101
Depósito Bancário ................................................................................................................................................ 101
Compensação Bancária ........................................................................................................................................ 104
Crédito Bancário ................................................................................................................................................... 105
Juros ...................................................................................................................................................................... 106
Composição da Taxa de Juro ........................................................................................................................... 107
Alterações da taxa de juro e dos encargos ..................................................................................................... 108
Capitalização de Juros ..................................................................................................................................... 109
Classificações dos Contratos de Crédito .............................................................................................................. 110
Operações de Concessão de Crédito .................................................................................................................... 112
Mútuo Bancário ............................................................................................................................................... 112
Abertura de Crédito ......................................................................................................................................... 113
Crédito a Consumidores ................................................................................................................................... 114
Outras Figuras ....................................................................................................................................................... 115
Garantias do Crédito ............................................................................................................................................ 116
Mecanismos de Segurança do crédito ............................................................................................................. 117
AUJ 7/2009 ........................................................................................................................................................... 117

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Introdução
Coutinho de Abreu: Surge como um sistema normativo autónomo tendo por função regular a
atividade mercantil.
➢ Sistema jurídico-normativo que disciplina de modo especial os atos de comércio e
os comerciantes.

Comércio em sentido jurídico abarca não apenas o comércio em sentido económico1 mas também
(outras) indústrias e serviços. Os atos jurídco-mercantis não se situam somente nos domínios do
comércio economicamente entendido. Ex: art. 230º
➢ Mas uma conceção do direito comercial como direito das empresas restringe em demasia
o espaço do direito mercantil.

Direito privado especial2, pelo que tem de se estabelecer a ligação entre o Direito Civil e o
Direito Comercial, bem como estabelecer uma relação entre os instrumentos normativos.
➢ MC: boa parte do Direito Comercial é fragmentária, tornando-se operacional
apenas graças à presença permanente de regras civis.

Legislação geral (civil) interliga com legislação especial (comercial).


➢ Embora o Direito Comercial não ter de aprofundar necessariamente uma figura do CC.
Ex: letras, livranças e cheques. Mas pode fazê-lo. Ex: contrato compra e venda
comercial.

O Direito Comercial é disciplina mais restrita e mais particularizada do que o Civil, visando
apenas determinadas áreas socioeconómicas.
➢ A afirmação da natureza especial do Direito Comercial demonstra-se com a existência
de regras especiais do comércio, com áreas que não têm correspondência no Direito
Civil e etc.
➢ O Direito Comercial tem uma lógica própria, não alheia ao Direito Civil, mas com
valorações próprias e específicas.

O 1º Código Comercial Português (Código Ferreira Borges, 1833) não tinha a montante a
montante legislação civil que o suportasse – é anterior ao Código de Seabra – pelo que regulava
algumas questões civis.
➢ Teve uma vida curta e foi substituído pelo Código Veiga Beirão (1888), logo após o 1º CC
(1867).

Há sistemas que não têm Código Comercial.


Ex: Itália – a partir de 1942 unificou tudo no CC, embora havendo manuais de comercial e ainda
subsistindo como disciplina autónoma; Brasil – a partir de 2002.

Em Portugal decidiu-se, em 1966, manter a autonomia do Direito Comercial, numa relação geral-
especial.

1
Atividades de interposição na circulação dos bens ou de interposição nas trocas.
2
MC: relação de especialidade ocorre quando, perante um complexo normativo que se dirija a uma generalidade de situações
jurídica, um segundo complexo, mais restrito mas mais intenso, contemple uma situação que, de outro modo, respeitaria no
primeiro, dispensando-lhe um tratamento mais adequado.

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Evolução Histórica
O Direito Comercial não pode ser compreendido se não ponderarmos as suas origens, a sua
evolução e o papel que, mau grado inúmeros constrangimentos, ainda hoje se lhe atribui.

Aparecimento do comércio terá provavelmente decorrido da própria hominização, mas,


enquanto atividade autónoma e organizada, documenta-se deste a Antiguidade.
➢ Primeiras normas comerciais: Mesopotâmia, antigo Egito, Fenícia, Palestina, Grécia

Há autores que afirmam que o Direito Comercial era estranho ao Direito Romano e que só viria
à luz nos burgos medievais.
➢ MC: muito do Direito Romano, e todo ele no campo das obrigações e dos contratos, era
Direito Comercial pois surgiu para responder às necessidades do comércio

Ius Mercatorum
Configuração do Direito Comercial na Idade Média – como um Direito comum europeu
comercial, assente numa crescente Ciência do Direito comercial.
➢ Reação dos Estados que quiseram preservar o fundo sócio-cultural que o Ius
Mercatorum representava, evitando a sua diluição no Direito comum – criaram leis
comerciais3
o Isto permitiu conservar o ius mercatorum medieval, pois os juristas mantiveram
o hábito de lidar, de modo separado, com o Direito civil e o Direito comercial.

O Direito Comercial era tido como o Direito dos Comerciantes.


 Abordagem subjetivista

Revolução Francesa e Code de Commerce (1807)


Os valores/ideais da Revolução Francesa não permitiam que o Direito Comercial fosse
subjetivista e tivesse uma base nitidamente pessoal, pois estar-se a criar um código que se
estruturava em função de uma classe (corporativa).
➢ Portanto, o CCom Francês optou por abordagem objetivista em torno do Ato de
Comércio.
o Ao contrário do CCom Alemão (de 1861) que que tinha abordagem subjetivista.

Portugal
Não foram muitas, nem muito significativas as normas jurídicas especialmente destinadas ao
comércio. Até ao séc. XII as leis gerais emitidas pelos reis eram muito poucas e nenhuma versando
matéria mercantil.
➢ O comércio era regulado por costumes, e parcas disposições de direito visigótico e
canónico.

Época de estatização-nacionalização do direito comercial


• Nos finais do séc. XIII começam a formar-se as primeiras regras navais.
• Com o desenvolvimento do comércio externo devido às Descobertas não impulsionou
significativamente o movimento legislativo-comercial.

3
Como as ordenaças de Luís XIV em França

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As regras comerciais serviram de base às Ordenações do Reino, que criaram uma magistratura
especialmente comercial: Almotacés.

Lei da Boa Razão (18/8/1769)


As leis mercantis, bem como as obrigações dos comerciantes, não sendo regulada pelas leis do
Reino, devem reger-se pelas leis marítimas e comerciais da Europa e pelo Direito das Gentes
e prática das nações comerciais.

Código Ferreira Borges (1833)


Por definição, a regra comercial é ordenada em função da civil – este código, no moldes do Code
Napoléon, foi elaborado sem haver legislação civil.
➢ Portanto, comportava múltiplas regras civis e definições de compêndio

Serviu de base teórica, prática e cultural para um labor especializado dos comercialistas
portugueses.

Código Veiga Beirão (1888)


A reforma do Código Ferreira Borges começou a ser discutida imediatamente após a sua
publicação.
Após a elaboração do Código (Civil) de Seabra foi considerada urgente e indispensável a
reforma do código comercial.
• Elaboraram-se projetos e houve trabalhos preparatórios que permitem explicar muitas
das soluções patentes no Código Comercial.
o Que ainda é a bússola sistematizadora do Direito Comercial português.

O Código ainda está em vigor, sendo complementado por muita legislação extravagante.

Direito Comercial na Atualidade


Apesar do que resulta do CCom ser pouco, essas matérias são articulada com a legislação
complementar que é muito extensa, tendo matérias novas e adaptações de figuras.

Tensão Interna: Objetivismo vs. Subjetivismo


Existe uma implicação evidente entre o reger os atos de comércio e o reger comerciantes,
de tal modo que ao regular comerciantes, o Direito regerá a sua atividade e os seus atos,
enquanto no tratar destes, se versa a atividade comercial e, logo, os comerciantes.

CCom tem sistema misto e pensadamente ambíguo – profissão de fé objetivista no art. 1º,
influenciada pelo CCom Francês, que logo é contrariado no art. 2º CCom:
• “código” = legislação comercial;
• “atos de comércio” = elemento objetivo;
• “comerciante” = elemento subjetivo
o Januário: Conflito que determina o código e o que é o Direito Comercial.

O qualificativo comercial não é só dado aos atos presentes na Legislação Comercial mas também
o dá aos atos dos Comerciantes – deixa de ser puramente objetivista e em 1888 os Pilares do
Direito Comercial Geral passam a ser 2: Atos de Comércio; Comerciante.

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➢ Hoje em dia tem que relevar outra figura: a Empresa (referência no art. 230º) – o Direito
Comercial passa a ser o direito das empresas
o Entendido em sentido comercial e que hoje em dia e o 3º pilar, bem pujante, do
Direito Comercial4.
▪ Dificuldade de Dogmatização do conceito de Empresa, mas que é
o elemento aglutinador do Direito Comercial

Tensão Externa: Autonomia vs. Unificação


Em Portugal, optou-se pela autonomização do Direito Comercial.
➢ MC: ontologicamente inegável, na sequência dos diversos episódios históricos,
em que a autonomia é ditada pela tradição e pela cultura, não por postulados
científicos.

Natureza Fragmentária e Dependência Científica


Direito Comercial não se apresenta como um tecido contínuo e sofre repetidas interrupções,
antes assumindo uma configuração insular.
• Institutos são regulados devido ao contexto histórico-cultural, às intervenções
legislativas, aos problemas específicos de cada época e etc.
• Direito Comercial progride e trabalha usando conceitos e construções civis

Fontes do Direito Comercial


• Fontes Externas: Convenções Internacionais e normas da UE
• Fontes Internas: Leis e Costumes
o Também a jurisprudência e doutrina o são: as decisões judiciais participam na
criação ou constituição do direito – interpretam e concretizam a normatividade
jurídica; a doutrina complementa dogmaticamente.

Internacionalismo do Direito Comercial


Direito Comercial tem uma tendência para o universalismo, uma vez que o comércio não tem
fronteiras – anda a par com a globalização da economia.

MC: O que resta no CCom é fortemente nacional, aplicado ao pequeno comércio e pouco
preocupado com implicações internacionalistas.
➢ O grande comércio obedece a disciplina comerciais autónomas.
o Januário: não deixa de ser Direito Comercial, que tem cariz internacional5 – a
natureza do Direito Comercial é iminentemente internacional. Temos hoje uma
nova Lex Mercatoria Internacional, muito relevante.
▪ Há diversos instrumentos internacionais que potenciam normas
materiais de comércio que podem reger o tráfego internacional.

4
Relacionado com a Empresa estuda-se o crédito e títulos de crédito, que são figuras que caíram em
desuso mas ainda merecem estudo -> letras, cheques e livranças.
5
E tem-no desde a Idade Média.

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Fronteiras do Direito Comercial


Cada vez são menos claras

Tem existido uma autonomização de disciplinas comerciais o que complica a definição de


fronteiras ente o Direito Comercial e outras disciplinas juscientificas autónomas.
➢ MC: movimento que tem origem numa crescente preocupação de especialização dos
juristas, requerida pela complexidade e pela diferenciação ascendentes a que o Direito
Comercial deve acudir

Mesmo as fronteiras com o Direito Civil são mais difíceis.


Januário: O núcleo clássico do Direito Comercial é a compra, a venda e a troca. No entanto já
evoluiu e é difícil perceber o que é civil e comercial.
➢ Releva saber se estamos a lidar com Direito Comercial ou com Direito Civil para perceber
qual o regime, uma vez que há regras diferentes.
o Ex: art. 100º CCom tem o regime regra da solidariedade passiva e não conjunta,
como no Direito Civil; fiança comercial; mandato; dívidas dos cônjuges; taxas de
juro e etc.
▪ Ser atos comerciais dão mais segurança ao credor e facilita o tráfego
jurídico: protege o crédito, favorece a liquidez e agiliza as trocas
comerciais.
• Isto acontece porque o Direito Comercial tem valores próprios a
serem ponderados.

Direito Comercial Geral tem 3 pilares:


1. Ato de Comércio
2. Comerciante
3. Empresa

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ATOS DE COMÉRCIO
Saber o que são atos de comércio relevam nas obrigações comerciais. Ex: art. 15º, 100º, 102º
CCom.

Dentro das classificações dos Atos de Comércio há 2 grandes – art. 2º CCom:


• Objetivos – previstos na legislação6
• Subjetivos – praticados por comerciantes
➢ Resulta uma impossibilidade de um conceito unitário, homogéneo ou genérico do
ato de comércio. Pode-se resumir que os atos de comércio são factos jurídicos
voluntários especialmente regulados pela lei comercial e os que, realizados
por comerciantes, respeitem as condições previstas no art. 2º CCom.
▪ MC: Conjunto das situações jurídicas comerciais que se regem
pelas normas competentes de Direito mercantil.

Atos de Comércio Objetivos


Factos jurídicos voluntários (ou atos) previstos em lei comercial e análogos.
1ª parte art. 2º CCom: atos comerciais em que a comercialidade deriva do ato em si
1. “atos” = entendido amplamente pela doutrina como os factos e as situações jurídicas
que eles originem -> contratos, atos unilaterais, atos não negociais, factos stricto sensu
e etc.
2. “especialmente regulados” = obedecem a lógica diferente que é conexionável ao
Direito Comercial e por isso tem relação especial face ao Direito Civil.
• Valorizações diferentes das da lei civil, obedecendo a uma lógica do Direito
Comercial (prende-se com a atividade comercial)
• Não significa que sejam todos os atos regulados em legislação comercial,
mas sim aqueles “especialmente” regulados – em desvio ao regime geral
(que resulta sempre de um juízo de pertença ao sistema especial).
i. Tem que aflorar uma característica de especialidade – valoração
feita perante a correspondente regra civil.
ii. Atos concretamente caracterizados pelas notas caracterizadoras ou
requisitos previstos no CCom.
3. “neste código” = entendido como toda a legislação comercial;
• Aqueles incluídos no código e na legislação avulsa.
i. Mesmo a legislação extravagante7 pode definir atos de comércio =
interpretação extensiva do preceito legal

6
Embora em alguns destes possa haver uma nota de subjetividade e depender do estatuto de
comerciante. Ex: art. 366º CCom
7
Coutinho de Abreu:
• Lei substitui normas do CCom – lei será, em princípio, comercial com atos mercantis nela
regulados.
• Lei autoqualifica-se como Comercial ou Qualifica atos como Comerciais – ex: NRAU ao falar de
fins não habitacionais está a incluir o comércio
• Nenhuma destas hipóteses – verifica-se se elas disciplinam matéria análoga à disciplinada na
legislação comercial.

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• Mas não é automático que estando no CCom seja comercial -> tem de se aferir
que se resulta do regime ser um ato comercial

Podem-se considerar atos comerciais por analogia?


Tendo em conta atos não regulados legislativamente ou previstos em lei cujo caráter (comercial ou outro)
não é declarado (direta ou indiretamente).
• NÃO: Guilherme Moreira, Fernando Olavo – devido a:
o Letra da lei – apenas os da legislação comercial
➢ Letra não é concludente pois não diz “apenas”
o Razão histórica – inspiração do Código de Comercio espanhol (de 1885) em que
afastou o preceito espanhol que referia atos de natureza análoga; em linha de
conta com os trabalhos preparatórios.
➢ Não se pode fazer interpretação subjetivista-histórica das leis
o Certeza e Segurança Jurídica – dado o regime especial e as implicações dos atos
de comércio
➢ Valor da justiça ou razoabilidade sobreleva-se

• SIM: Menezes Cordeiro, Januário Costa Gomes, Coutinho de Abreu


o Ex: contrato de agência (que é claramente comercial) pode ser a base que faz a
analogia para o contrato de concessão comercial.

≠ art. 3º CCom – esta analogia é para efeitos do regime dos atos já qualificados como
comerciais (não para qualificar como comercial).
➢ Isto porque o Direito Comercial tem lógica intrínseca em que se aplica uma
conjunção de interesses e valores8

Admissibilidade da Analogia Iuris9 – doutrina mais avançada tem-no admitido para os atos
comerciais a partir de princípios gerais tirados de normas gerais. Ex: trespasse – é claramente
comercial mas não está no CCom e há um aspeto parcial do seu regime que está no art. 1112º
CC; locação comercial – está parcialmente regulada no CC
• O CC Português regula matéria comercial pois inspira-se no CC italiano que unifica o Civil
e o Comercial. Ex: no caso do trespasse é o CC que regula parte do contrato de
arrendamento urbano, que pode ter fins comerciais – mas não regula tudo pois o objeto
do trespasse é um estabelecimento comercial.
• Januário: dar em penhor um estabelecimento comercial também deve ser considerado,
por analogia iuris, como um contrato comercial.
➢ Coutinho de Abreu: é possível extrair princípios gerais de vários grupos de
normas qualificadores de diversos atos como atos de comércio.

8
Historicamente chamados de “vida comercial”
9
Não é a convocação de regras já previstas no sistema jurídico (Analogia Legis – ex: art. 230º/6
CCom fala apenas em construção de “casas” mas aplica-se a empresas que realizam outras
empreitadas), mas sim dum princípio jurídico retirado de uma pluralidade de regras que depois
se projeta na situação específica. Podem não ter base em codificação positiva sendo retirado da
observação de um conjunto de regras (Analogia Iuris).
9

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Em termos práticos não se tem discutido o problema devido à 2ª parte do art. 2º, uma vez que
muitos atos com relevo económico são praticados por comerciantes.

Perante um ato há que lhe determinar o regime. Conhecidos os regimes é que se tiram
conclusões – se for um regime comercial, o ato é comercial.

Atos de Comércio Subjetivos


Factos jurídicos voluntários (ou atos) dos comerciantes conexionáveis com o comércio em
geral e de que não resulte não estarem conexionados com o comércio dos seus sujeitos.
2º parte art. 2º CCom: Atos comerciais em que a comercialidade deriva do sujeito
1. Comerciantes – remete para art. 13º
2. Atos, “contratos e obrigações dos comerciantes” – ex: até responsabilidade civil de um
comerciante pode ser comercial e daí há consequências de regime10 - devem ser
entendidos como todo e qualquer facto jurídico comercialmente relevante
3. Não serem “de natureza exclusivamente civil” – se for ato de natureza estritamente civil
não é comercial;
• não têm a ver com a lógica comercial (do lucro e etc.) e sim com outra realidade
(pessoal ou outra);
• não se relaciona com a atividade comercial, mesmo que tenha reflexos
patrimoniais. Ex: casamento.
• E as Doações? Art. 6º Código das Sociedades Comerciais que legitima que se aplique o
regime comercial, tendo certas considerações em conta.
• MC: atos que, no momento considerado, não sejam regulados pelo
Direito Comercial.
4. “se o contrário do próprio ato não resultar” – se do próprio ato resultar a não ligação
com o comércio.
• atos dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil serão
comerciais (presunção do artigo), se deles mesmos não resultar que não têm
relação com o exercício do comércio do comerciante que os pratica.
• Art. 2º/2º parte CCom – Presunção (legal)11 de que os atos praticados por
comerciantes são comerciais.
i. Ex: 2 comerciantes compram quadro a artista de rua. A compra, ainda
que não seja para revender (senão era Ato de Comércio Objetivo), é
Ato de Comércio Subjetivo devido à presunção tendo uma divida
solidária ao artista (porque é comercial, se fosse civil era parciária).
• Como se ilide a presunção?
i. Resultado das circunstâncias – declarações feitas, documentos
apresentados e etc.
ii. Facto da contraparte não ter como saber que a parte é comerciante.

Art. 13º CCom – Problemática de se saber quem é Comerciante

10
Ex: art. 100º - solidariedade ou responsabilidade parciária – depende do direito que se aplica.
11
Art. 349º CC

10

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Art. 230º CCom – as Empresas


Empresa-Atividade – Guilherme Moreira, Coutinho de Abreu – enuncia série ou complexos de
atos comerciais: estão em causa as atuações ou conjunto de atos enunciados no art. 230º CCom;
• Teoria Objetivista: Artigo enuncia novos atos como objetivamente comerciais.

Empresa-Organização – Cunha Gonçalves – enuncia comerciantes: tratam-se das entidades


singulares ou coletivas que desenvolvam depois as referenciadas atividades;
• Teoria Subjetivista: Artigo enuncia comerciantes, autores de hipotéticos atos
comerciais (subjetivos).
o Considerar como comerciantes as pessoas que figuram no artigo implica que
todos os atos por eles praticados sejam comerciais, exceptuando a exclusão
final do art. 2º.

Opiniões Conciliadoras – Oliveira Ascensão – lei enuncia empresas comerciais (i.e.,


comerciantes), mas pela via de considerar comerciais as respetivas atividades.

O artigo, em 1888, visava classificar como comerciais determinadas atividades ou


conjunto de atos, a desenvolver por uma pessoa ou por várias. Saber se o autor dessas
atividades é ou não comerciante é assunto a discutir à luz do art. 13º.
• Portanto, interpretar o art. 230º como elenco de comerciantes pisaria o art. 13º e
seria uma interpretação fora do sistema do CCom.

Negócios sobre empresas comerciais são atos objetivamente comerciais, por analogia.

Atos de Comércio Autónomos vs. Acessórios


Autónomos – qualificados como mercantis por si mesmos, independentemente de ligação a
outros atos ou atividades comerciais.
• Ato de Comercio absoluto que é autonomamente comercial.
• Ex: compra para revenda
Acessório – qualificado como comerciais devido ao facto de se ligarem ou conexionarem a atos
mercantis; quando se diz que é para fins comerciais.
• Ex: fiança mercantil (art. 101º), mandato comercial (art. 231º), empréstimo (art. 394º),
penhor (art. 397º), depósito (art. 403º).

Podem ser acessórios de atos de comércio objetivos e autónomos (Ex: mandato para a compra
de uma mercadoria destinada a revenda); atos de comércio objetivos e acessórios (Ex: mandato
para o depósito de mercadorias que o mandante comprou para serem revendidas.); atos
subjetivamente comerciais (Ex: mandato para a compra de caixas-registadoras destinadas ao
supermercado do mandante).

Coutinho de Abreu: Não se deve acolher a Teoria do Acessório em que todo e qualquer ato de não
comerciantes seria mercantil quando conexionado com atos objetivos de comércio.

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Teoria do Ato Acessório


Pupo Correia: jurisprudência francesa formulou a teoria do acessório – certos atos, civis pelas
suas características, podem tornar-se comerciais por serem praticados em ambiente comercial
– são atos de comércio acessórios os atos praticados por um comerciante no exercício do seu
comércio.
➢ Evoluiu para os atos ligados a um ato de comércio absoluto – adquirem comercialidade
por terem relação com um ato de comércio por natureza.

Art. 2º/2ª parte CCom já reconhece que são atos subjetivamente comerciais os praticados por
um comerciante no exercício do seu comércio.
• Pinto Coelho: Para os comerciantes presume-se que os atos por eles praticados estão
em conexão com o exercício da sua atividade profissional;
o Para os não comerciantes seria necessário provar a conexão com o ato
considerado principal (Pupo Correia: Conexão Objetiva)

Ato Acessório:
• Ferrer Correia: aqueles que devem considerar-se comerciais em consequência da sua
relação de conexão ou acessoriedade quer com um ato de comércio fundamental, quer
com a exploração de uma empresa mercantil ou com o comércio em geral.

Teoria do Acessório
Vem de Cunha Gonçalves – os atos que contêm em si a ideia de operação comercial não perdem
a natureza por serem praticados por quem não é comerciante, igualmente serão comerciais os
atos que a eles se ligam como acessórios, posto que não constituam em si, isoladamente, um
ato de comércio.
• Sintetizado por Coutinho de Abreu: todo o ato de um não comerciante efetivamente
conexionado com ato objetivamente mercantil é ato de comércio; Pinto Coelho:
natureza comercial do ato principal determinaria a comercialidade de todos os atos
acessórios (caráter comercial destes resultaria, pois, da relação com o principal)12.

O que pensar desta doutrina?


Pinto Coelho: critério da acessoriedade apenas foi acolhido pelo legislador13, com efeitos
reduzidos, limitando-se a deduzir dela a comercialidade dos atos dos comerciantes e ainda a de
certos atos objetivos específicos (que são considerados comerciais pela relação que têm com
certos atos de comércio objetivos).

Ferrer Correia: teoria do acessório generaliza indevidamente e, porque a lei considera em


muitos casos como comerciais certos atos jurídicos em virtude da sua relação com atos de
comércio objetivos14, afirma que todos os atos conexos com a atividade mercantil serão atos
comerciais, mesmo que praticados por não comerciantes.

12
Devem considerar-se como comerciais atos que estejam em conexão ou em estreita dependência e
subordinação com os atos de comércio contemplados no Código, mesmo que praticados por não
comerciantes.
13
Lei comercial portuguesa não tem a elasticidade das legislações estrangeiras e delimita, de forma
rigorosa, reduzindo a um campo fechado, os atos de comércio.
14
Fiança mercantil (art. 101º), mandato comercial (art. 231º), empréstimo (art. 394º), penhor (art. 397º),
depósito (art. 403º).

12

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Coutinho de Abreu: é certo que a lei comercial prevê vários atos mercantis por serem acessórios
de outros atos de comércio.
• Porém, dada a diversificada índole daqueles atos, não parece legítimo afirmar um
“princípio geral” segundo o qual todo e qualquer ato de um não comerciante seria
mercantil quando conexionado com atos objetivos de comércio (não havendo lugar
para a analogia iuris).
o Mas, é legítimo qualificar de comerciais certos atos de não comerciantes por
serem análogos a atos acessórios de comércio previstos na lei (analogia legis).
• Pinto Coelho: só na medida em que o legislador deu relevância a essa acessoriedade é
que ela pode determinar a comercialidade dos atos.
o Os atos regulados no CCom são atos acessórios e atos objetivos – a questão da
teoria do acessório só releva para atos não regulados no código.

Menezes Cordeiro: doutrina dominante reconduz esta teoria a uma fórmula de analogia15
➢ Coutinho de Abreu: recurso à analogia deve ser usado mais estritamente.

Menezes Cordeiro: Debate da possibilidade do recurso à analogia na qualificação de atos de


comércio não é causal do regime: antes decorre deste.
• Não se deve aprioristicamente qualificar um ato como comercial, perante o ato é que
se deve determinar o regime.
• Se o seu regime for “comercial e especial” ele é ato comercial.16

Pinto Coelho: Discussão não tem valor prático pois, por via de regra, a pessoa que realiza os atos
tem a qualidade de comerciante, tendo esses atos de considerar-se como atos de um
comerciante.

Atos de Comércio Formais vs. Substanciais


Formais – são esquemas negociais que, utilizáveis quer para a realização de operações
mercantis, quer para a realização de operações económicas, não são atos de comércio nem se
inserem na atividade comercial, mas estão especialmente regulados na lei mercantil –
dependem da sua inserção no universo comercial.
• Ex: negócios cambiários (relativos às letras de câmbios) – previstos na lei mercantil,
portanto são atos de comércio mas a causa para este negócio pode nada ter a ver com
o comércio e ser apenas um negócio civil
Substanciais – opõe-se aos formais e a sua comercialidade é devido à sua substância material
e não ao facto de estarem previstos na lei comercial.

15
Contra a analogia na qualificação de atos pronunciaram-se Guilherme Moreira, Fernado Olavo, Ferrer
Correia, Pinto Coelho, Oliveira Ascensão, Pupo Correira.
A favor da analogia temos Cunha Gonçalves, Coutinho de Abreu.
16
Teoricamente é possível que um ato deva ser considerado comercial por força da aplicação analógica
das normas de que a qualificação dependa. Ex: obrigações resultantes da culpa in contrahendo de um
contrato comercial são também comerciais.

13

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Atos Bilateralmente Comerciais vs. Unilateralmente Comerciais


Bilateralmente Comerciais – ambos os atos são comerciais – comercialidade verifica-se em
relação a ambas as partes (sujeitos)
Unilateralmente Comerciais – apenas de um dos lados é ato comercial – comercialidade
verifica-se em relação a só uma das partes
• Art. 99º CCom sujeita, em regra, os atos unilateralmente comerciais à disciplina
mercantil
• Ex: 2 pessoas compram computador; responsabilidade é solidária pois a solidariedade
aplica-se em função daquele que é comerciante.

Um empréstimo é um ato bilateralmente ou unilateralmente comercial?


Comercialidade do empréstimo: art. 394º e ss. CCom
É ato objetivamente comercial – aplica-se a lei comercial, a não ser que a lei excecione a aplicação da lei comercial
A matéria dos juros abre alguma exceção para o caso de empréstimo contraído por não comerciante?
O facto de alguém ser comerciante, só por si
Quando não há fixação de juros moratórios, será que os juros supletivos legais serão os comerciais ou civis?
Admitindo a cindibilidade do ato poderíamos recorrer diretamente ao Diploma dos Atrasos de Pagamentos, em vez
do regime dos juros.

Usos do Comércio
Podem ser classificados como Ato Comercial, para efeitos de regime? Os usos17 têm força
normativa no Comercial?

No CC só adquirem força normativa mediante a lei – art. 3º CC – ex: art. 560º/3

MC: não estão incluídos nos esquemas de integração do CCom, previstos no art. 3º
CCom.

Januário: No CCom não há nada que apoie normativamente o facto dos usos comerciais serem
juridicamente atendíveis, tendo força normativa direta.
➢ Há é mais normas comerciais que remetem para os usos – mas continuam a ser normas
que dão relevância aos usos apenas por remeterem para lá, como o art. 3º CC indica18.
o Normatividade dos uso apenas advém de disposições que para eles remetem e
não têm juridicidade própria. Ex: art. 232º, 238º, 248º 269º, 373º, 382º, 399º,
404º, 407º CCom.
➢ Isto porque no Direito Comercial os Contratos Sociais19 têm uma importância acrescida
e dão assim mais relevo aos usos, que advém de uma atipicidade social, embora sempre
dentro do art. 3º CC.

Januário: Também podem ser importantes para a interpretação da vontade, à luz da declaração
negocial.

17
≠ Costume -> fonte de direito e com força normativa
18
Januário: Que é a base do Direito Privado para o valor dos usos.
19
Aqueles cujos trações não estão todos definidos na lei (vs. Contratos Legais – aquele cujos traços
essenciais estão regulados por um diploma legal)

14

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➢ MC: o Direito Comercial não prevê um papel dos usos na interpretação do negócio
jurídico e podem apenas relevar através da figura do declaratário normal colocado na
posição do declaratário real.
➢ Uso funciona como mero facto coadjuvante da formação da convicção do intérprete-
aplicador e não como fonte, ainda que mediata, do Direito.

MC: os usos também relevam quando as partes para eles remetam, ao abrigo da sua autonomia
privada.

Coutinho de Abreu: Os Usos podem manifestar regras jurídicas – quer se trate de usos invocados
pela lei (sendo fonte mediata de direito), quer de usos solicitados para a interpretação e
integração dos negócios jurídico-mercantis.

15

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COMERCIANTE
Art. 13º CCom – importante para se perceber se se aplica o estatuto de comerciante
• Tendo as obrigações do art. 18º - não são apenas estas (que tecnicamente não são
obrigações e sim encargos).
• Tendo privilégios – como o facto de nos atos unilateralmente comerciais (art. 99º CCom)
estenderem o seu regime jurídico aos não comerciantes.
o Comerciante pode impor a “sua” lei aos não-comerciantes.
Portanto a qualificação de uma pessoa como “comerciante” não é uma questão interna
de uma classe ou categoria profissional, pois dela resultam consequências para todos.

Noção técnico-jurídica de Comerciante compreende mais situações daquelas que são


entendidas a nível coloquial – como historicamente ser-se comerciante é pejorativo surgiram
novos conceitos, como “Empresário”.
➢ Que tecnicamente é aquele que tem uma empresa e não é o mesmo que ser-se
Comerciante (termo mais amplo e abrangente a pessoas coletivas).

Art. 13º CCom – Quem são os Comerciantes


1º - Pessoas Singulares20
➢ que praticam de atos comerciais (em sentido objetivo) com caráter de profissionalidade.

Prática profissional de atos de comércio pode ser classificada com base em 4 critérios/vetores:
a) Prática reiterada ou habitual – não se limita a praticar atos ocasionais ou isolados:
realiza-os continuadamente, de forma reiterada e em cadeia, articuladamente e em
grande número.
b) Prática lucrativa – atuação que vise angariar lucro.
c) Prática juridicamente autónoma – comerciante atua em nome póprio e por sua conta.
Se for trabalhador subordinado cai no regime do contrato de trabalho. Ex: trabalhador
que trabalha para outrem está subordinado; o comerciante não é o trabalhador, é a
entidade empregadora que é autónoma.
d) Prática tendencialmente exclusiva – não significa que só possa fazer aquilo na vida ou
que outros profissionais também não possam ser comerciantes; estabelece é limites
práticos pois ninguém pode ter um número elevado de “profissões” uma vez que não é
possível acumular indefinidamente práticas reiteradas de atos de diversa natureza.
 Não se exige a exclusividade, mas estabelece regras em que não há separação
do património e há afetação total do património do comerciante ao seu
comércio.

Comerciante pessoa singular


As pessoas singulares podem ser comerciantes, basta que tenham capacidade para praticar atos
de comércio e façam, deste, profissão.
• Liberdade genérica para a prática comercial21 – liberdade de acesso desde que tenha
capacidade;

20
Januário: e outras pessoas coletivas que não sejam Sociedades Comerciais.
21
No entanto, dependendo da atividade comercial a desenvolver há formalidades que não podem ser
ultrapassadas.

16

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• Art. 47º/1 e 61º/1 CRP.

Capacidade para praticar atos de comércio


CCom distingue entre a capacidade22 para praticar atos de comércio – art. 7º - e os
requisitos para se ser comerciante – art. 13º.
• Capacidade Comercial do art. 7º remete para a lei civil, tendo aplicação no Direito
Comercial: pessoas singulares têm capacidade de gozo plena (art. 67º CC).
o Art. 7º remete para a lei civil, quer quanto à capacidade de gozo, quer
quanto à capacidade de exercício.

Menores
Regra do art. 123º CC é que eles não têm capacidade de exercício.
➢ Exceções no art. 127º - que tornam só aparente essa retirada da capacidade de exercício
dos menores; exceções são mais extensas que a regra.

• Negócios da vida corrente do menor são-lhe acessíveis e exige-se apenas o


entendimento do menor (o que é de apreensão imediata por qualquer indivíduo);
• Menor de 16 anos pode ser autorizado a exercer profissão, arte ou ofício, podendo
praticar não apenas os atos relativos à atividade em causa como, ainda, administrar e
dispor dos bens assim adquiridos;
• Atos dos menores produzem os seus efeitos – regime regra é a anulabilidade (art. 125º
CC)
Menor pode, pois, praticar inúmeros atos comerciais: quer por serem da vida corrente, quer
por corresponderem a uma profissão que o menor tenha sido autorizado a exercer, quer por
estar em causa apenas bens conseguidos no exercício da profissão.
➢ MC: Não causa instabilidade na vida mercantil pois são atos da vida corrente,
normalmente pagos de imediato.

Há casos, no entanto, em que o menor precisa de autorização para a prática de certos atos
comerciais ou com relevância comercial (art. 1889º/1/c CC)
➢ Este esquema aplica-se aos interditos e aos inabilitados, mutatis mutandis.

Fixada a capacidade para a prática de atos de comércio, o CCom vem definir, no art.
13º, quem entende por comerciante: aquele que tendo capacidade para praticar atos
de comércio faça de tal profissão.

A partir de que momento adquirem as pessoas singulares a qualidade de comerciantes?


Quando se começa a fazer profissão do comércio?
➢ Não há resposta única.
o Discussão doutrinária em Itália e na Alemanha

Geralmente, o início determina-se pela prática do ato ou atos reveladores do propósito e


possibilidade de certo sujeito se dedicar ao exercício habitual de uma atividade comercial.

22
Coutinho de Abreu: concorda com a doutrina tradicional ao entender esta capacidade como a
capacidade de exercício de direitos (aptidão para atuar juridicamente, por ato próprio ou mediante
procurador) e não capacidade de gozo (aptidão para se ser sujeito de relações jurídicas).

17

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• Se alguém compra uma empresa comercial com o propósito de a explorar torna-se, por
isso, comerciante.
• Se alguém pratica vários atos de organização de uma empresa comercial e esses atos
indicam que irá explorá-la torna-se, por isso, comerciante (isto apear de ainda nem
sequer existir empresa propriamente dita).
o Tese sustentada pelo art. 95º CCom – uma pessoa passa a ser comerciante logo
que abra um estabelecimento pronto a funcionar

Profissão de comerciante está aberta a todas as pessoas


Desvios a esta liberdade – art. 14º/2 CCom:
• Proibições gerais – resultam de normas que vedam aquela atividade comercial a toda e
qualquer pessoa que não preencha certos requisitos. Ex: atividade bancária só pode ser
exercida por Sociedade Anónimas;
o Visa ordenar a estrutura comercial do País.
• Incompatibilidades – impede determinadas pessoas singulares, colocadas em certas
posições ou envolvidas em determinadas situações jurídicas, de exercer o comércio23.
Ex: magistrado enquanto o é;
o Atingem determinadas pessoas não por si, mas em função dos cargos que
exerçam e vedam qualquer exercício comercial e não podem ser afastadas
por nenhuma autorização, apenas com a cessação da ocorrência que lhe
deu origem.
• Inibições – atingem seletivamente determinadas pessoas em função dos factos que
hajam perpetrado ou por situações nas quais se achem incursas.
o Não está em causa nenhum cargo mas sim uma ocorrência relativa,
própria do inibido – não desaparece com a cessão do exercício de
quaisquer funções mas, apenas, de acordo com certos mecanismos legais.
Ex: inibição do falido
• Impedimentos – adstringem as pessoas neles incursas a não praticar determinado tipo
de comércio, salvo autorização. Ex: não podem fazer concorrência; gerente de comércio
do art. 253º

2º - Sociedades Comerciais
Comerciante pessoa coletiva
 Capacidade Comercial do art. 7º remete para a lei civil, tendo aplicação no Direito
Comercial: pessoas coletivas têm a capacidade de gozo necessária ou conveniente à
prossecução dos seus fins (art. 160º/1 CC e 6º/1 CSC)

Objeto das SC – art. 11º/2 CSC – no momento em que é constituída ainda não praticou atos de
comércio mas já é comerciante.
➢ A pessoal singular, para ser comerciante, tem que já ter praticado atos comerciais.
➢ Basta que tenha algum tipo de atividade comercial no seu objeto para ser SC.

Art. 5º CSC – sociedades comerciais adquirem personalidade no momento do registo definitivo


do ato constitutivo, tornando-se comerciantes, nesse momento. Nunca praticaram atos

23
Se uma pessoa estiver proibida por lei de comerciar mas violar essa proibição, exercendo profissionalmente o
comércio é comerciante.

18

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comerciais e a sua comercialidade, prevista na lei, tem o sentido de uma aptidão de princípio
para os praticar.

Se não for SC é SCivil – prática de atos não comerciais


SCivil Pura ou SCivil Comercial24 (não são comerciantes mas podem praticar atos)

MC: Lei não exige, para a qualificação como “comercial”, que o objeto social se reporte
exclusiva ou predominantemente à prática de atos comerciai. Estes poderão estar
previstos apenas como parte do objeto social ou até como algo acessório.

Entidades Empresariais Locais (EEL) e Agrupamentos Complementares de Empresas (ACE)


podem ser comerciantes quanto tais pessoas coletivas tenham objeto comercial.

Associações e Fundações
• MC: não são comerciantes. CCom não preveu – art. 14º/1
• As outras pessoas coletivas não são comerciantes pois esse não é o seu escopo.
o No entanto podem ter atividades que geram lucro – mas esse lucro não é
dividido pelos associados.
o O escopo lucrativo de divisão de lucros é comercial. Neste caso os lucros são
para rendimento próprio da pessoa coletiva.

Cooperativas têm subjacente a ideia de vender o mais alto possível para poder pagar aos
cooperantes o mais alto possível.
• Historicamente sempre foi tida como sendo SC – nos anos 70 saíram dessa classificação
mas hoje são tidas, novamente, como SC, logo, são tidas como comerciantes.
o Januário: MC está errado quando diz que não são comerciantes

Art. 17º são não comerciantes

Associações desportiva não são comerciantes – pessoas coletivas de direito privado de tipo
associativo. Como as federações desportivas.
Sociedades desportivas são comerciantes. Têm a sigla SAD.

Empresas Públicas – se no seu objeto estiver a prática do comércio, elas serão comerciantes.
Institutos públicos – estão no art. 17º e não podem ser comerciantes, embora possam praticar
atos de comércio. = Associações públicas.

Pessoas não qualificáveis como comerciantes


Além do que já foi visto para as pessoas coletivas, deve acrescentar-se que não são
comerciantes:
• Os que exercem atividades não mercantis
• Aqueles cujos setores de atividade a lei exclui de serem comerciantes – art. 230º e 464º
o Atividade agrícola(cultivo da terra para obtenção de colheiras, silvicultura,
pecuária) + artesãos (oleiros, ferreiros, sapateiros, costureiros, esteticistas,
cabeleireiros, pintores, escritores, músicos)

24
Embora civis, regem-se pela lei das Sociedades Comerciais – art. 1º/4 CSC. São-lhes aplicáveis diversas
regras comerciais, com relevo para o disposto quanto ao registo comercial (art. 3º Cód Reg Com)

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Pessoas semelhantes a comerciantes


Aquela que não cabem tecnicamente no conceito mas que axiologicamente se podem
considerar, devido à forma como exploram as suas atividades.
• MC: entidade que não sendo comerciante em si, suscita, não obstante, a
aplicação das diversas regras do Direito comercial.
• Convoca aplicação casuística do Direito Comercial
o Não podem ser determinados aprioristicamente – tem que se remeter para o
caso concreto e verificar se os requisitos estão preenchidos.
Requisitos:
a. Autónomos e não ao serviço de outra entidade por via de um contrato de trabalho –
não pode estar adstrita a deveres de obediência (de alguém que tem poder de direção)
b. Praticam atos jurídicos, com fins lucrativos, em série
c. Dispõem de organização mínima, ainda que rudimentar, figurativa de uma empresa.

Quem preenche estes requisitos:


Mandatário comercial; gerentes, auxiliares, caixeiros e comissários – quando alguém exerça
profissionalmente alguma destas atividades, fazendo-o com autonomia e disponha de uma
organização para o efeito então deve aplicar-se-lhes as regras do comércio.

Profissionais liberais – trabalham com autonomia no âmbito de profissões enquadradas por


ordens profissionais e podem dirigir empresas em moldes próximos ao dos comerciantes,
devendo aferir-se caso a caso a aplicação de regras comerciais.

Serem pessoas semelhantes a comerciantes não convoca a aplicação do art. 100º CCom, pois
o §único taxativamente diz que não se aplica a não comerciantes -> em última ratio eles não são
comerciantes.

Art. 18º CCom – Obrigações dos Comerciantes


1ª Obrigação: FIRMA
 complementada com o Registo Nacional de Pessoas Coletivas (DL 129/98)

Firma = Nome comercial do comerciante (seja ele pessoa singular, seja sociedade comercial)
• Nome com que ele se apresenta no comércio para exercício da atividade comercial.25
• Nome que o comerciante utiliza no exercício do seu comércio – permite que os
comerciantes e os clientes reconheçam-se e sejam reconhecidos – é o sinal que os
individualiza e identifica

Origem no Direito Romano (com o signon mercatorum) e com evoluções na Idade Média.
No início do séc. XX em França a matéria relativa ao “nome comercial” tem
desenvolvimento doutrinário escasso enquanto que na Alemanha e Itália o tema da
firma tem desenvolvimentos doutrinários e judiciais consideráveis.
A firma, mais do que a designação de um comerciante evoluiu no sentido da
comercialidade e passa a ser um valor mercantil – sujeitando a firma a regras mais
diretamente comerciais.

25
É como o nome das pessoas singulares.
MC: o nome acaba por ser a persona (a máscara) através do qual atuamos no palco da vida.

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Chegou-se a uma construção, na família romano-germânica, da firma como algo diferente do


direito de propriedade: é sim um direito absoluto mas referente a bem imaterial com conteúdo
económico.

Na tradição comercialista portuguesa distinguia-se:


• firma (nome de pessoa singular por ela usada no comércio);
• denominação (nomes de fantasia = não nomes próprios de pessoas).
o A partir dos anos 1930 a doutrina faz a distinção em que o conceito lato de firma
abrange:
▪ o conceito estrito de firma-nome (composta pelo nome de pessoas);
▪ o conceito de firma-denominação (centrada apenas no tipo de
comércio das pessoas).

Nos anos 80 houve diversas reformas e hoje em dia a matéria da firma é regulada pelo Registo
Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), dado pelo DL 129/98.
• Para o RNPC a firma equivale a nome comercial enquanto denominação se reporta a
entidade não comerciantes. Para outros diplomas, Firmas = Denominações26.
o Classificação do RNPC é apenas tendencial e parece não operar no
âmbito das Sociedades Comerciais, onde e mantém a distinção firma-
nome e firma-denominação, numa manifestação da complexidade
histórico-cultural do Direito Comercial.

A firma pertence ao direito privado e opera de acordo com os seus princípios.


Princípios da Firma:
Princípio da Autonomia Privada e dos Limites Gerais – escolha da firma cabe ao
comerciante, tanto a decisão de assumir uma firma (que é obrigatória para quem pretenda
exercer o comércio) como a concreta composição da firma em causa.
• Firmas pessoais – nome de pessoas singulares – art. 38º/ RNPC;
• Firmas materiais – reportam-se a objetos ou atividades que retratem a exploração
comercial a exercer por quem as use;
• Firmas de fantasia – não têm qualquer representação imediata;
• Firmas mistas – combinam elementos de pelo menos duas das anteriores.
Firmas estão limitadas pelo art. 32º/4 RNPC.

Princípio da Obrigatoriedade e da Normalização – comerciantes são obrigados a adotar


firma que seja reconhecível como tal (decorre dos art. 6º a 10º; art. 75º/1/b; art. 55º e 54º; art.
56º e 57º).
• Incumprimento desta obrigação não envolve, por si só, a invalidade dos atos comerciais
que venham a ser praticados pelo faltoso.
• Firma deve ter uma expressão verbal, suscetível de comunicação oral e escrita (não
podem ser adotados símbolos).
• As firmas das Sociedades Comerciais têm tratamento autónomo – art. 37º RNPC.
• As firmas das pessoas singulares têm tratamento no art. 38º RNPC.

26
Antiga discussão em que as firmas só podiam ser comerciais e as denominações serviam para outras
pessoas coletivas sem fins comerciais. Hoje em dia é indiferente mas tende-se a falar de firma.

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Princípio da Verdade – a firma deve retratar a realidade a que se reporta (vertente positiva),
ou, pelo menos, não deve transmitir algo que lhe não corresponda (vertente negativa)
Art. 32º RNPC

Princípio da Estabilidade – construído por via doutrinária, diz-nos que quando a firma está
identificada com uma empresa ou um estabelecimento, conserva-se e não pode ser alterada.
• Transferia-se a firma com a transferência do estabelecimento – art. 44º RNPC.
• Princípio da estabilidade entra em conflito com o da verdade, prevalecendo este último
– porque o Direito Português ainda está muito imbuído na ideia de firma como “nome”,
o que deveria ser repensado pois ela é um bem comercial.

Princípio da Novidade e da Exclusividade – art. 33º/1 e art. 35º/1 RNPC, são diversas facetas
do mesmo vetor.
• Juízo de distintibilidade da firma recente face à antiga deve ser feito in concreto perante
o universo dos fatores ponderáveis (art. 33º/2 e 33º/5)
• As diversas firmas e denominações devem ser novas, i.e., distintas e inconfundíveis.
o Reforçado pelo art. 10º/2 e 3 CSC.
• Critério para aferir se uma firma-denominação é nova, relativamente a outra, é o de se atender à
grafia das palavras, efeito fonético das expressões, ao núcleo caracterizante, à forma oficiosa dos
signos, o público médio, de normal capacidade, diligência e atenção.

Princípio da Unidade – comerciante só pode girar sob uma única firma


• Art. 38º/1 RNPC predispõe-no para os comerciantes em nome individual e a doutrina
alarga esse princípio às sociedades.
• Ex: uma firma para atividade de livraria e outra para a atividade de café? Não. Art. 38º
fala em 1 só firma e art. 9º CSC.
• Januário: pode criticar-se (MC) de iure condendo, mas de iure condito é o princípio da
unidade que vigora

Januário:
Princípio da Capacidade Distintiva – art. 33º/3 DL 129/98 – firmas, enquanto sinais
distintivos de comerciantes, hão de ser constituídas por forma a poderem desempenhar a
função diferenciadora. ex: não pode haver a Sociedade de Lisboa Ltda.

O direito a uma firma, com todas as suas prerrogativas, depende do seu registo definitivo no
RNPC – art. 35º/1.
• Para as pessoas coletivas é necessário um certificado de admissibilidade de firma – art.
45º/1 RNPC.

Todos os obrigados a ter firma devem requerer a inscrição, em virtude do princípio da


obrigatoriedade.
• Se o não fizerem, o art. 12º/1 RNPC permite que ela seja feita oficiosamente.

Tem que se aferir se pode haver essa firma (no Registo Nacional de Pessoas Coletivas), que é
sinal distintivo dos comerciantes – há regras quanto a à composição da firma.

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Também a composição das firmas de diversas entidades estão reguladas no DL 129/98


– ex: art. 36º

Firma do comerciante individual – art. 38º - tem necessariamente elemento nominal mas pode
aditar-se mais coisas
Art. 39º - não há dever de adotar uma firma, há essa possibilidade. Só há exigência para os
comerciantes, não para outros empresários.
Art. 40º - estrutura que não é personalizada

Art. 44º tem as disposições centrais da firma – faz a articulação do bem incorpóreo que é o sinal
distintivo do comerciante com a organização da própria empresa.

Art. 177º CSC – firma deve ser formada com ou sem sigla pelo nome dos sócios.
Art. 200º CSC – firma pode ter nome dos sócios, da atividade ou mista (exige é sempre o Lda.).
O mesmo se aplica às sociedades anónimas (exige S.A.)
• Contraposição firma-nome (ex: João Tiago, S.A.) e firma-denominação (ex: sociedade
reparadora de automóveis dos Olivais, S.A.).

Legislador passou a aceitar sociedades unipessoais olhando para a parte estrutural (forma de
sociedade) e não para a parte pessoal (quantos elementos lá estão).
• Mas antes não se aceitava e criou-se o E.I.R.L. – admitindo uma firma para estes (art.
40º)
Tutela da firma
Art. 62º RNPC
Titulares de firmas ou denominações não registadas não têm o direito à exclusividade delas. No
entanto gozam de alguns meios de proteção.
➢ Advém do Código da Propriedade Industrial. Utilização por 3º de firma que é conhecida
na praça, mas que não está registada, pode ser concorrência desleal.

Transmissão da Firma
A firma (nome do comerciante) pode ter valor comercial – pode negociar-se autonomamente a
firma? Pode ser vendido o simples nome comercial sobre o qual gira uma determinada empresa?
Não está condicionado à negociação do próprio estabelecimento ou empresa?
• Também está no Código da Propriedade Industrial relativamente a outros sinais
distintivos (marcas).
• Mesmo raciocínio para sinais distintivos do estabelecimento comercial.
Art. 44º/4 DL 129/98 – transmissão da firma tem que ser juntamente com a do
estabelecimento comercial.

Para a transmissão da firma é necessário a transmissão de um estabelecimento comercial a que esteja


ligada + acordo das partes, por escrito + menção de haver nela sucedido

Natureza Jurídica
Firma-denominação e firma-nome têm o mesmo regime

Paralelo com o nome das pessoas singulares – direito de personalidade ao nome?

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Firma foi vista como bem imaterial de propriedade do seu titular – paralelo com a marca e o
direito à marca?
• O facto do direito ao nome estar presente na firma levou a que recebesse algum
tratamento próprio dos direitos de personalidade. Portanto, o direito ao nome
tem uma dimensão de personalidade e uma dimensão patrimonial.
• ≠ Direito à Firma – pois este tende cada vez mais para o direito a um bem
imaterial.
o Mas as conexões são evidentes, pelo que a doutrina considera ainda
como um direito misto: direito de personalidade reportado, também, a
bens imateriais patrimoniais.
o Coutinho de Abreu: discorda – critica ver-se a firma como direito ao nome, pois
essa é uma categoria própria de direitos com certas características
(intransmissível, vitalício, vocacionalmente perpétuo e etc.) próprias que não se
aplicam às firmas. Firmas são bens imateriais (coisas incorpóreas) passíveis de
ser objeto de direitos reais, designadamente do direito de propriedade.

Art. 44º condiciona a firma à transmissão do estabelecimento – leva alguns autores a entender
que há direito de personalidade recortado de bens patrimoniais imateriais.
• Januário: não pode ser; a firma pode extinguir-se e tem um cariz patrimonial, o nome
não. Bens imateriais, à semelhança das marcas, que podem, em certos termos, ser
objeto de direitos.

2º Obrigação: ESCRITURAÇÃO MERCANTIL


Importante para o comerciante e para o comércio em geral
➢ Necessidade de manter contas decorre do próprio exercício do comércio.

Escrituração Mercantil exprime o conjunto de livros que o comerciante deveria ter para
conhecer e dar a conhecer, com facilidade e precisão, as suas operações e o estado do seu
património – consiste no registo ordenado e sistemático em livros e documentos de factos
relativos à atividade mercantil dos comerciantes, tendo em vista a informação deles e de outros
sujeitos.
• Também se refere à técnica de registar as operações comerciais e as consequências
patrimoniais delas advientes.

Antes do Simplex (DL 76-A/2006 de 29 de Março de 2006) os comerciantes tinham de ter vários
livros – art. 29º CCom – inventário e balanços, diário, razão, copiador.
• Art 29º tinha uma redação que apontava para a escrituração ser clara e o sistema era
mais rígido – as coisas agora estão simplificadas e a liberdade de organização está
apenas limitada pela lei.
• Art. 30º consagrou liberdade de organização de escrituração mercantil.
• Art. 31º CCom. Desaparecem os livros e a obrigatoriedade de legalização de livro. Só às
Sociedades Comerciais é exigido livro de ata.

Tudo cabe na referência à lei: disposições de direito fiscal, de direito da concorrência e etc.

Manteve-se princípio da legitimidade para a escrituração mercantil – art. 38º


Escrituração mercantil tem de ser mantida – art. 40º

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Feita a escrituração, quem tem acesso à escrituração?


Art. 42º e 43º - há condicionamentos legais à visualização da escrituração mercantil, regime
geral complementado com outra legislação.
• Tem vindo a acentuar-se o caráter não secreto da escrituração.

Art. 44º - matéria da força probatória da escrituração – em que termos a escrituração de um


comerciante pode ser admitida como elemento de prova contra outro comerciante.
1. Assentos lançados em livro de comércio, mesmo não arrumados fazem prova contra o
próprio, mas, quem queria prevalecer-se disse deve também aceitar os assentos que lhe
forem prejudiciais.
2. Prioridade daquele que tem escrita arrumada – esses assentos fazem prova a favor dos
respetivos proprietários, desde que o outro litigante não apresente assentos arrumados
nos mesmos termos ou prova em contrário.
3. Quando da combinação dos livros dos litigantes devidamente arrumados, tribunal
decide com outros elementos de prova.
4. Presunção de veracidade – se um comerciante não tiver livros ou não os apresentar,
fazem prova, contra ele, os do outro litigante, devidamente arrumados.

Soluções lógicas, sem dificuldades interpretativas – regime que respeita às relações entre
comerciantes!

Em 2006, a pretexto de reformar o Direito das Sociedades, o legislador suprimiu o Direito da


escrituração mercantil do nosso Direito Comercial.

3ª Obrigação: REGISTO COMERCIAL


Registo comercial é, intrinsecamente, um registo de pessoas, contrapondo-se ao registo predial
que é um registo de coisas (de prédios).
Registo comercial é público e qualquer pessoa pode pedir certidões dos atos do registo e dos
documentos arquivados, com como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo
de uns e outros – art. 73º Cód Reg Com

Matéria de direito registal – regulada pelo Código do Registo Comercial


• Matéria profundamente alterada com o Simplex: possibilidade de praticar registos
online, certidões permanentes online, redução e clarificação dos custos da prática dos
atos, eliminação competência territorial das conservatórias do registo comercial27,
supressão de alguns atos e práticas, criação de novo regime de registo e etc.

Fins do registo comercial


• Art. 1º Cód Registo Comercial
• Art. 1º/2 – vai mais além e consagra o registo

Registo comercial visa dar publicidade a determinadas situações jurídicas comerciais.

27
Devido à criação de uma base de dados nacional – art. 78º-B Cód Reg Com – que canaliza toda a
informação relativa às entidades sujeitas a registo. Com isto desaparece o vício de inexistência por
realização do registo em conservatória incompetente.

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Art. 53º-A distingue Registos por Transcrição dos Registos por Depósito
• Registo por Transcrição: conservador procede à extração dos elementos que definem a
situação jurídica das entidades sujeitas a registo constantes de documentos
apresentados (art. 53º-A/2)
o Os factos mais importantes são os do Registo por Transcrição28 – registo mais
rigoroso29 em que o conservador tem papel ativo e aprecia a legalidade do
pedido, verifica a legitimidade do pedido e assegura-se da regularidade formal
e substancial dos títulos que lhe sirvam de base (art. 47º Cód Reg Com).
• Registo por Depósito: conservador procede ao mero arquivamento dos documentos
que titulam factos sujeitos a registo (art. 53º-A/3)
o Os registo por depósito verificam apenas validade formal – art. 46º

Princípios do Registo Comercial


Clarificam a estruturação jurídica do registo comercial, que é regida por estes princípios.

Princípio da Instância – art. 28º


Registo comercial efetua-se a pedido dos interessados, fora os casos que podem ser oficiosos.

Princípio da Obrigatoriedade do Registo


• Obrigatoriedade Direta: art. 15º - factos sujeitos a registo obrigatório. O não registo é
punido de acordo com o art. 17º
• Obrigatoriedade Indireta: não resulta de uma imposição específica mas sim da norma
do art. 14º - são factos que não gozam de obrigatoriedade direta mas que só produzem
efeitos após o seu registo.
o Em sentido técnico estamos perante encargos em que o legislador, procurando
dotar de publicidade registal uma série de situações jurídicas comerciais, privou
parte da sua eficácia enquanto o registo não se encontre efetuado.

Princípio da Competência
Era sagrado antes do Simplex, mas com ele foi eliminado.
• Exigia o registo numa conservatória cuja circunscrição territorial e o facto a inscrever
tivessem uma conexão relevante.

Princípio da Legalidade – art. 47º


Tem expressão numa das modalidades de registo (transcrição)

Princípio do trato sucessivo – art. 31º


Eliminado pelo Simplex enquanto princípio autónomo.
• Sistema do registo tinha que dar nota do trato sucessivo dos atos e isso deve estar
expresso em termos registais.
o Agora está integrado no princípio da legalidade – “e dos registos anteriores”
(art. 47º)

28
Art. 2º a 8º Cód Reg Com
29
Apenas a estes se aplica o regime da nulidade (art. 22º), se manifesta o princípio da legalidade (art. 47º)
e pode haver recusa (art. 48º) não mera rejeição (art. 46º/2).

26

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Efeitos do registo comercial – art. 11º Cód Reg Com:


• Efeito Constitutivo – no caso das Sociedades Comerciais que só adquirem personalidade
pelo registo (art. 5º CSC)
• Efeito Indutor de Eficácia – atos sujeitos a registo comercial só produzem efeitos plenos
depois de registados

• Publicidade Negativa – se o ato está sujeito a registo e não está registado, ele não
produz todos os seus efeitos; não publicitação resulta numa diminuição de efeitos
• Publicidade Positiva – se o ato for indevidamente registado (por não se conformar com
a situação jurídica e ou etc.) com pode, mesmo assim, produzir efeitos. Tutela da
aparência que em matéria de registo tem particular expressão; ato pode produzir
efeitos tal como emerge da aparência registal.

Art. 291º CC – tensão entre a ordem substantiva e a ordem registal; materialmente temos uma
situação jurídica e registalmente temos outra.
Elemento adicional à logica substantiva e registal: tem que ser tido em conta quanto a
publicações obrigatórias

Art. 11º Cod Reg Com – presunção que resulta do registo; presunção iuris tantum (art. 350º CC)
Art. 12º, 13º, 14º Cód Reg Com

3º pode escolher entre os factos registados aqueles que são mais favoráveis?30
• NÃO: ou aceita tudo ou rejeita tudo
• MC e Januário: não se pode dar resposta genérica para todas as situações e 3º pode
escolher pontos que lhe sejam mais favoráveis se não houver uma diferença substancial.

Publicações ≠ registo
Art. 14º/2 -> publicação remete art. 70º + 71º

4ª Obrigação: DAR BALANÇO e PRESTAR CONTAS


• Art. 62º CCom
• Art. 63º - revogado com a Reforma de 2006 em que desapareceu a obrigação do
comerciante prestar contas.

Balanço é o documento onde se compara o ativo com o passivo para revelar o valor do capital
próprio ou situação líquida – geralmente um dos principais documentos de prestação (anual) de
contas.

Dever de prestar contas mantém-se e releva apenas no Direito das Sociedades – art. 65º CSC
impõe aos administradores + 70º CSC + 42º Cód Reg Com

Tem havido uma crescente internacionalização da prestação de contas.


• Prestação de contas cruza-se com noções de contabilidade, com normas resultantes das
NIC (normas internacionais de contabilidade) e etc.

30
Januário: cherry picking

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EMPRESA
Conceito polissémico e com vários sentidos, podendo entender-se como objeto de direitos ou
sujeito dos mesmos. Ainda pode ser como atividade.
Empresa surge como conceito-quadro de grande extensão e particular versatilidade.
• Sujeito suscetível de direitos e obrigações
o Empresa-sujeito: conjunto de destinatários de normas comerciais
• Complexo de bens e direitos capaz de suportar a atuação dos interessados (objeto)
o Empresa-objeto: estabelecimento dotado de direção humana
➢ Discussão Teoria Objetivista vs. Subjetivista
• Atividade – “levar a cabo uma empresa” – expressão a cair em desuso

Conceito surge em Portugal no Código de Ferreira Borges e é continuado no Código Veiga


Beirão – que tem um entendimento inicial subjetivista, sendo progressivamente objetivada.
➢ Essa objetivação do conceito de empresa iniciou-se com Ferrer Correia.

MC: o conceito de empresa é uma locução disponível para o legislador, sem se


embaraçar com uma técnica jurídica precisa, indicar destinatários para as suas normas,
designadamente as de natureza económica. E em paralelo documenta-se uma sua
utilização com o sentido de estabelecimento.

A noção de interesse não é dogmaticamente aproveitável no estado atual da Ciência do Direito


pelo que a empresa não se pode considerar um centro autónomo de interesses.
• Interesse (sentido subjetivo): relação de apetência entre o sujeito e as realidades que
ele considere aptas para satisfazer as suas necessidades ou os seus desejos.
• Interesse (sentido objetivo): relação entre o sujeito com necessidades e os bens aptos a
satisfazê-las.

Januário: a ideia de empresa é usada em muitas aceções mas idealmente é entendida enquanto
organização de capital.
• Objetivamente temos numa empresa uma organização estruturada de um
conjunto de elementos para a prática de atos comerciais.
o Coutinho de Abreu: São comerciais as empresas cujo objeto se traduza na
realização de atos (ou atividades) objetivamente mercantis.31

Coutinho de Abreu: unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um


instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma atividade de
produção para a troca.

31
Coutinho de Abreu: há empresas não comerciais. Não é possível considerar, por analogia, as empresas
da indústria extrativa como empresas mercantis pois não há disposições legais para tal nem se poderia
recorrer à analogia iuris pois não há suficientes disposições no sistema jurídico-comercial que permitam
extrair um princípio geral que torne claro a comercialidade dessas empresas. Também não são comerciais
as empresas agrícolas nem as empresas artesanais.

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MC: conjunto concatenado de meios materiais e humanos, dotados de uma especial


organização e de uma direção, de modo a desenvolver uma atividade segundo regras
de racionalidade económica.
• Elemento material – coisas corpóreas (móveis + imóveis) e coisas incorpóreas (licenças,
marcas, insígnias, clientela, aviamento, inter-relações com terceiros)
• Elemento humano – abrange aqueles que colaboram na empresa (desde trabalhadores
a donos; de uma a milhares de intervenientes)
• Especial organização – os elementos apresentam uma articulação consequente entre
eles, que permite depois desenvolver uma atividade produtiva
• Dotados de direção – fator aglutinador dos meios envolvidos e da própria organização
(empresa é algo que funciona – o que só é possível mediante uma estrutura que
determine o contributo de cada uma das parcelas envolvidas).

Estabelecimento Comercial
Ao lado do conceito de Empresa, o Direito português elaborou outro32, particularmente apto
para traduzir o objeto unitário de determinados negócios: o Estabelecimento.
• No CCom surge como armazém ou loja (art. 95º/2 e 263º/§único) e como conjunto de
coisas materiais ou corpóreas (art. 425º)
• No CC surge como um conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas devidamente
organizado para a prática do comércio – corresponde, grosso modo, a uma ideia de
empresa sem o elemento humano e de direção.
• STJ (Granja da Fonseca, 19/2/2012) – estabelecimento comercial, como um bem
mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afeta à
exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor
próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata
unitariamente.

Coutinho de Abreu: Estabelecimento é um sistema – é um complexo de elementos da mais


variada natureza, em interação (partes diversas inter-relacionadas) e interligados para a prática
do comércio.

Elementos do Estabelecimento
Engloba-se elementos bastante variados tendo em comum apenas o facto de se encontrarem
interligados para a prática do comércio. Engloba:
• Ativo (conjunto de direitos e outras posições equiparáveis afetas ao exercício do
comércio);
• Passivo (adstrições ou obrigações contraídas pelo comerciante por esse mesmo
exercício).

Âmbito mínimo: elementos sem os quais não se pode falar de Estabelecimento – não é forçoso
incluir todos os elementos, tem é que incluir os elementos que sem os quais a noção de
Estabelecimento Comercial fica descaracterizada.
➢ Coutinho de Abreu: Não se pode enumerar em abstrato os elementos do “âmbito
mínimo” do estabelecimento enquanto objeto negociável – em termos gerais, esse
âmbito há-de envolver os bens que, combinados, projetem no público a imagem de

32
Coutinho de Abreu: Empresa e Estabelecimento Comercial são algo sinónimos

29

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uma nova organização-unidade com potencial para atuar autonomamente no mundo


da produção para a troca.

Lado ativo:
1. Coisas corpóreas – direitos relativos a imóveis (reais de gozo e os pessoais de gozo) e
direitos relativos a móveis (mercadorias, matérias-primas, mobília e instrumentos de
trabalho e etc.) – abrange tudo o que, estando no comércio, sejam pelo comerciante
afetas a esse exercício.
2. Coisas incorpóreas – propriedade industrial e intelectual, marcas, direito à firma e etc.
Engloba-se também os direitos a prestações provenientes de posições contratuais
(como os contratos de trabalho, contratos de prestação de serviços, de distribuição, de
agência, de franquia, relativos a bens vitais como a água, luz, telefone, internet, gás e
etc.) – situações jurídicas associadas à atividade em causa ou bens não coisificáveis
(jurídico-realmente)
3. Aviamento – corresponde à mais-valia que o Estabelecimento representa em relação
à soma dos elementos que o componham, isoladamente tomados – aptidão funcional
e produtiva do estabelecimento (para gerar lucro).
• Januário: não é elemento e sim uma qualidade, que permite valorizar o
Estabelecimento
• Coutinho de Abreu: é um bem exterior ao processo produtivo e à respetiva
estrutura empresarial sustentadora.
4. Clientela – equivale ao conjunto, real ou potencial, de pessoas dispostas a contratar
com o estabelecimento considerado, nele adquirindo bens ou serviços.
• Januário: não é um elemento e sim um efeito/qualidade de um
Estabelecimento, em função do modo como os outros elementos estão
agregados e o Estabelecimento se organiza – não tem valor autónomo
• Coutinho de Abreu: Não é elemento (algo constituinte ou componente da
empresa) – não por não ser objeto de um direito real ou absoluto, nem objeto
autónomo de tutela jurídica, mas por não ser um meio ou instrumento
estrutural-funcionalmente inserido na organização produtiva que é a
empresa, sendo antes algo de consequente ao funcionamento da “máquina”
produtiva.
i. Não é qualidade da empresa, no sentido que não é atributo ou
propriedade interno-caracterizadora da empresa, algo que exale da
organização dos elemento dela

Aviamento e Clientela não são objeto de direitos subjetivos, mas são posições
ativas e objeto de regras de tutela – influenciam o valor do Estabelecimento e,
sendo este transmitido, vão com ele.

Há 2 critérios para a inclusão destes elementos no Estabelecimento:


➢ Fator funcional – verificação de como se organiza efetivamente um Estabelecimento
e como ele funciona; o Estabelecimento existe enquanto tal precisamente por
organizar as coisas corpóreas, em conjunto com as incorpóreas, num todo coerente
para conseguir angariar clientela e, daí, lucro.

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➢ Fator jurídico – devido à realidade que o Estabelecimento traduz, o Direito concede,


ao conjunto dos elementos referidos, um regime especial, inaplicável in solo (a cada
um dos elementos) e sim ao todo.
o Além de direitos relativos a coisas corpóreas, envolve posições contratuais
(como o contrato de trabalho e o direito ao arrendamento) e posições
incorpóreas (como o direito à firma, à marca e ao pedido do seu registo).
▪ Ex: firma33 – art. 44º RNPC
o Também o aviamento e a clientela são valorados para efeitos de expropriação,
provando que existem e são tidos em conta pelo Direito.

Estabelecimento é unidade jurídica objetiva – sendo classificado como uma coisa móvel.
➢ Estabelecimento comercial é uma unidade jurídica fundada em organização de meios
que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma
atividade comercial.
o Em que há coexistência entre um direito de propriedade sobre o todo (o
Estabelecimento) e os direitos (de propriedade ou não) sobre as suas partes.

É estabelecimento a organização produtiva apta a funcionar, mas que ainda não entrou em
funcionamento – não possuindo clientela efetiva?
• Sim, se já se revelar (minimamente) apto para realizar um fim económico-produtivo
jurídico-comercialmente qualificado – apto para garantir clientela que lhe permita ter
aviamento.
• Já existe bem jurídico novo, uma organização produtiva não redutível a bens meramente
agregados.
• Possui já capacidade produtiva (e lucrativa, em geral), aptidão para realizar o fim para
que foi criado – há já aviamento (sendo que a clientela, quando exista, é apenas uma
das manifestações – ou índices – do aviamento de um estabelecimento)

No caso de um incêndio que destrua o estabelecimento, ele ainda subsiste pois os bens que
restam (firma, contratos de trabalho, alguns bens, relações com clientes) exprimem a permanência
(em estado mais ou menos latente) de uma concreta organização produtiva qualificável como
estabelecimento.
➢ O Direito tutela a continuação desses elementos na esfera patrimonial do sujeito.

Além de negociável, o estabelecimento é um valor ou bem económico ou patrimonial,


transpessoal (i.e., cindível ou isolável da pessoa que o criou, ou da pessoa a quem pertença em
dado momento – como se demonstra pelos casos de transmissão definitiva), duradouro,
reconhecível e irredutível (algo que contradistingue os negócios como negócios sobre o
estabelecimento, e que se não confunde com outros bens – a ele ou não ligados).

33
A firma não é o único que distingue o Estabelecimento Comercial, o logótipo também o pode fazer, pois
individualiza o próprio Estabelecimento (só pode ter uma firma mas pode ter um logótipo para cada
Estabelecimento).
➢ No novo Código da Propriedade Industrial, Logótipo = nome estabelecimento + insígnia +
logótipo

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TRESPASSE
Transmissão da propriedade de um Estabelecimento com caráter definitivo e unitário,
por negócio entre vivos.
• O trespasse pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico que assuma
eficácia transmissiva.
o Cassiano dos Santos: designação genérica que pode abranger vários negócios,
tendo o Estabelecimento por objeto.
o Regime do trespasse depende deste contrato que estiver na sua base
Trespasse devia ser regulado em legislação comercial – tem por objeto o conjunto agregado de
elementos que compõe o Estabelecimento e o Estabelecimento em si.

Negociação definitiva de alienação da empresa– não estamos a falar das partes sociais da
empresa, estamos a falar da empresa enquanto objeto.

MC: Possibilidade da negociação unitária do Estabelecimento Comercial em que há negócio


jurídico de transmissão do Estabelecimento que abrange as coisas corpóreas articuladas,
suscetíveis de negociação conjunta através das normas próprias das universalidades de facto
(art. 206º CC) mas também de todas as outras realidades envolvidas
➢ Não deixa de haver transmissão unitária pelo facto de, para a perfeita transparência de
alguns elementos envolvidos, se exigir o consentimento de terceiros34 – como acontece
com o passivo, contratos de prestações recíprocas e até com a própria firma.
➢ Trespasse faz-se só com um único negócio que engloba tudo – exige a transmissão do
estabelecimento no seu todo ou como universalidade.
o Transmissão de firma – que não pode ser feita sem a transmissão do
estabelecimento – exige escrito (art. 44º/1 e 4 RNPC); também a marca e o
logótipo.
▪ Seria de estranhar que a transmissão destes elementos requeresse
escrito e não o requeresse a transmissão do conjunto, faz-se então num
só negócio.

Art. 1112º CC 35
Não há regime geral englobante das diversas situações, mas há várias soluções na lei –
• Art. 1112º CC36 exprime, pela negativa37, a ideia de que para haver trespasse deve
tratar-se de estabelecimento efetivo, considerando-se todos os elementos
necessários para funcionar e operar em termos comerciais.

Art. 1112º vem estabelecer exceção ao art. 424º - casos de trespasses de estabelecimentos
instalados em prédios arrendados
➢ Não há necessidade de autorização do senhorio (nos termos do art. 424º) se houver
um trespasse de um Estabelecimento Comercial (e agregado de elementos que
enformam o Estabelecimento Comercial) que funcione em prédio arrendado.38

34
MC: Muitos dos elementos do Estabelecimento só se transmitem com o consentimento de um terceiro
– regime que emerge dos art. 424º/1 e 595º CC
35
Norma jurídico comercial, devido ao seu regime, apesar de estar no CC
36
Regras que estão hoje no CC mas estavam antes no RAU
37
Art. 1112º/2 diz quando não há trespasse – não há definição de trespasse e ele é apenas delimitado
negativamente.
38
Se o prédio for da propriedade do trespassante.

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o Só a transmissão da posição de arrendatário está excetuada das regras civis –


dispensa de autorização só é válida para negociação sobre Estabelecimento
(negociado como um todo embora seja possível retirar alguns elementos)
o As transmissões de dívidas e as restantes figuras são reguladas pelo CC –
créditos podem ser englobados na transmissão do Estabelecimento e débitos
também – art. 595º CC
▪ Quanto ao pagamento de dívidas anteriores à transmissão, não
havendo autorização, o transmitente continua a ser responsável
perante o cedido, em solidariedade com o transmissário, pelo
pagamento das dívidas existentes à data da “assunção” pelo cedido da
relação contratual com o cessionário.
o Esta exceção não e aplica aos contratos que têm natureza intuitu personae.
➢ Januário: Art. 424º CC não se mostra pensado em função da empresa e das realidades
comerciais, as quais clamam por uma maior flexibilidade quanto à “circulação do
contrato” (característica do Direito Comercial)39 – o regime do art. 424º CC espartilha
ou impede a negociação da empresa, o que dificilmente seria compatível com o principio
constitucional de livre iniciativa e de organização empresarial, consagrado no art. 80º/c
CRP.
o Cassiano dos Santos: art. 424º CC não se aplica no Direito Comercial pois a
solução do Direito Civil não é conveniente para as relações comerciais

Se da transmissão resultar uma diminuição das garantias de cumprimento que tenham sido
consideradas pelas partes à data da celebração do contrato, o contraente cedido pode resolver
o contrato, constituindo essa diminuição de garantias justa causa objetiva, por lhe ser
objetivamente inexigível a continuação da relação contratual.

Âmbitos do Trespasse
Mínimo
Cassiano dos Santos: todos os elementos que, em concreto, são imprescindíveis para viabilizar
o trespasse, sendo aqueles valores específicos de memória e eficiência organizativa, que
conferem ao Estabelecimento o seu valor de posição e o torna reconhecível.

Haverá trespasse, mesmo que as partes convencionem a retirada de alguns elementos, desde
que o conjunto transmitido não fique de tal modo descaracterizado que já não possa
considerar-se um Estabelecimento em condições de funcionar.
➢ Se não for cumprido o âmbito mínimo do Estabelecimento também não se pode falar de
Trespasse – se o quid não preencher o âmbito mínimo não há dispensa do artigo 1112º
CC e o negócio jurídico é ilícito e inválido

• Coutinho de Abreu: Quando num contrato de trespasse não se faz menção à transmissão do
prédio e não se conclui, pela interpretação do negócio jurídico, que ele foi excluído, deve
concluir-se que a propriedade do mesmo foi (naturalmente) transmitida.
39
Coutinho de Abreu: Não haver necessidade de autorização do senhorio é norma expressiva da tutela
ou da defesa da circulação negocial dos estabelecimentos e, eventual e concomitantemente, da própria
manutenção deles.

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Januário: Não signifique que devam ser necessariamente transmitidos todos os elementos que,
no momento do trespasse, integram o estabelecimento, basta que o sejam aqueles que o
caracterizam, aqueles que formam o seu “minimum” 40
➢ Pode-se retirar alguns elementos desde que não descaracterizem o Estabelecimento

Podem haver trespasses parciais, destacando-se uma unidade para efeitos de negociação.
Coutinho de Abreu: Há elementos empresariais na disponibilidade do trespassante – ele tem
o gozo desses bens por ser titular de direitos de crédito.
➢ Mas só os créditos ligados à exploração da empresa, pois só esses podem ser
considerados meios empresariais; os outros não devem considerar-se.

Natural
Coutinho de Abreu: engloba os elementos que naturalmente transitam com o estabelecimento
trespassado, como os meios empresariais cuja propriedade pertença ao trespassante bem
como os logótipos e as marcas.
➢ Aquilo que está funcionalmente ligado ao negócio – permite a própria
operacionalização do mesmo

Máximo
Cassiano: elementos para os quais a lei exige convenção para a sua transmissão.
Elementos pelos quais a lei exija convenção dirigida a esses elementos. Ex: direitos reais sobre
bens imóveis – por estar integrado num Estabelecimento e ser transmitido com outros
elementos, a lei não permite dispensar a forma (exigida por ser bem imóvel); há
obrigatoriedade de forma legal e registo

Necessário
Elementos que a lei impõe que se transmitam para o trespassário. Ex: contratos de trabalho
• Art. 285º Código do Trabalho – transfere-se a posição jurídica dos
empregados/prestações laborais

• Outras manifestações na lei comercial que constituem um regime não positivado de


transmissão de contratos – art. 1112º/1 CC; art. 11º/1 Locação Financeira; art. 95º/5 Lei
Contrato de Seguro; art. 100º/1 Código Direitos de Autor – manifestações de um
princípio geral do regime jurídico-comercial
o Januário: não há no sistema traços suficientes para construir um regime
comercial diferente do art. 424º CC.
▪ Articulação do Direito Comercial com o Civil postula a utilização desse
preceito – não está tudo no Âmbito Necessário

Há elementos que a doutrina entende que também se transmitem para o trespassário – por
estarem intrínseca e funcionalmente ligados ao Estabelecimento Comercial.41
• OA: primeira tentativa de propor critério jurídico-comercial para agilizar as cessões das
posições contratuais comerciais

40
Januário: esse mínimo tem de ser visto em concreto para cada estabelecimento, tendo em conta o
ramo, a área de atuação e etc.
41
Inserir-se-iam no Âmbito Natural e não Necessário, pois a lei não exige.
➢ A doutrina é que assim o entende

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o Situações jurídicas comuns – só se transmitem por acordo das partes. Ex: dívida
de preço de matérias primas
o Situações jurídicas exploracionais – transmitem-se automaticamente no
silêncio das partes pois são situações jurídicas que estão intrinsecamente
ligadas àquela exploração. Ex: contrato de fornecimento de matéria prima, ou
distribuição do produto
▪ Januário: Adota esta conceção entendendo que é solução mais
avançada que a aplicação rígida do art. 424º. Acrescenta duas
especificidades a que se tem de atender:
❖ Se da negociação/transmissão resultar uma diminuição das
garantias objetivas de cumprimento o 3º pode ter justa causa
na resolução do contrato;
❖ Tem de haver garantia quanto ao pagamento das dívidas
anteriores à transmissão.

A Firma não está no Âmbito Necessário – a única imposição é que se quiser transmitir a firma
também tem de se transmitir o Estabelecimento, e não o contrário.

Forma do Trespasse
Estabelecimento Comercial é coisa móvel – haverá liberdade de forma?
• Art. 1112º/3 diz que tem de ser por escrito – mas isso é quanto ao trespasse ou quanto
à posição de arrendatário?
o Januário: o trespasse e a transmissão da posição de arrendatário são situações
feitas globalmente, pelo que não vai ser feito de forma diferente.
▪ Portanto, deve ser por escrito.
o A questão está em saber se se pode interpretar o contrato do trespasse como
contrato formal – mas é estranho o CC colocar como formal um contrato
comercial.

Presunções de Inexistência de Trespasse


Na senda da Escola de Coimbra e da doutrina de Orlando Carvalho = índices semióticos de não
transmissão do Estabelecimento.
➢ Presunções ilidíveis pelo arrendatário.

1º Índice Semiótico – art. 1112º/2/a: não há trespasse quando a transmissão da posição de


arrendatário não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios
e outros elementos que integram o estabelecimento.
• Não é forçoso que abranja tosos os elementos que o compõe, basta que sejam
transmitidos os elementos que asseguram o estabelecimento, pelo menos os que
formam o seu minimum.

Coutinho de Abreu: Senhorio para repudiar este trespasse, feito sem a sua autorização, terá de
provar que não houve a transferência de um dos elementos do estabelecimento e que sem
esse elemento, não subsiste aquele concreto estabelecimento.

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2º Índice Semiótico – art. 1112º/2/b: não há trespasse quando se transmite o gozo do


prédio e passa a exercer-se nele outro ramo de comércio ou indústria, dando-lhe um outro
destino. Ex: mudar de livraria para café
• O trespasse pode ter sido a capa utilizada pelas partes para esconderem uma cessão da
posição contratual do arrendatário, sem autorização do senhorio.
o Januário: se as partes estiverem a negociar o estabelecimento para o
desmembrar, beneficiando de um local arrendado, faz sentido que haja
autorização do senhorio.
▪ Só pode haver dispensa dessa autorização se a intenção for continuar a
exploração desse estabelecimento comercial (em termos complexos e
unitários) e não para outro fim.
• Mas essa mudança de ramo tem que ser projeção do ato anterior, gerador do pretenso
trespasse.

Art. 1112º/5 é comparável ao índice semiótico do art. 1112º/2/b – é possível que o trespassário
beneficie da alteração de ramo, com as necessidades vindas do comércio.
➢ Artigo deve ser interpretado e reduzido teleologicamente e remetendo para os dizeres
do contrato e se o mesmo reserva ao arrendatário a mudança de ramo.
➢ Se contrato arrendatário original podia mudar de ramo, então o novo também pode.

Nos casos dos índices semióticos de não transmissão do estabelecimento


Januário: não há trespasse para efeitos do artigo mas há trespasse face à dogmática jurídico-
comercial, por ter havido transmissão definitiva de um estabelecimento comercial.
➢ Índices semióticos falados pela doutrina inspirada em Orlando Carvalho devem ser
entendidos no contexto do artigo e estritamente para efeitos do mesmo.

Pode levar à resolução do trespasse – art. 1083º

Comunicação ao Senhorio (nos casos de Estabelecimento em prédio arrendado)


Comunicação permite ao senhorio averiguar se há negociação do estabelecimento comercial

Art. 1038º/g – 15 dias para comunicar ao locador a cedência do gozo da coisa


• Sem essa comunicação a cessão da posição de locatário é ineficaz (art. 424º/2 ex vi art.
1059º/2), podendo resolver o contrato salvo se tiver reconhecido o beneficiário da
cedência, direta ou indiretamente, enquanto tal.

Art. 1083º/2 – é necessário que o incumprimento seja grave e as consequências do mesmo o


tornem inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
• Januário: Gravidade para pedir a resolução tem que se fundar na inexigibilidade de se
manter a relação – não é a passagem do prazo que torna inexigível, per si, a continuação
da relação contratual.
• Coutinho de Abreu: Para conduzir à resolução não será, em geral, suficiente uma
pequena ultrapassagem do citado prazo de 15 dias.

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Art. 1109º tem prazo diferente – casos de locação de estabelecimento (1 mês)


• Januário: os prazos são diferentes e não se pode, por interpretação, aplicar um a outro
– critério de razoabilidade no conceito de exigibilidade.
• Prazo do art. 1109º não se aplica ao trespasse (art. 1093º ex vi art. 1112º)

Art. 1112º/4: Direito de preferência do senhorio


Senhorio só tem direito de preferência em 2 casos: venda e dação em cumprimento

Não é um direito de resgate da coisa, de modo a conseguir desmantelar o Estabelecimento só


para reaver o objeto da sua propriedade.
➢ É preferência na venda ou dação em cumprimento do Estabelecimento.
o Ele terá de adquirir todo o Estabelecimento, mantendo-o em funções nas
precisas condições em que faria o trespassário interessado – senhorio tem de
estar em condições para licitamente adquirir o Estabelecimento (ex: se for
Farmácia tem de ser Farmacêutico; se for escritório de profissão liberal tem de
estar habilitado para a exercer e etc.)

Obrigação Implícita de Não Concorrência


Se fosse Explícita, feita por acordo das partes era algo perfeitamente aceitável ao abrigo da
autonomia privada.

Assim, parece configurar-se como uma restrição/limitação da liberdade de iniciativa económica.


➢ Tem sido reconhecida pela jurisprudência e doutrina de diversos países.

O trespassante de estabelecimento fica, em princípio, obrigado a, num certo espaço e


durante certo período, não concorrer com o trespassário – nomeadamente, fica vinculado a
não iniciar atividade similar à exercida através do estabelecimento trespassado.

Fundamentos para a Obrigação Implícita de Não Concorrência


• Princípio da boa fé (na execução dos contratos)
o MC: Dever de não concorrência do trespassante perante o trespassário é
exigência da boa fé – impõe-se, pela boa fé, como dever pós-eficaz, uma
obrigação de não-concorrência.
• Princípio da equidade
• Usos do comércio
• Concorrência leal
• Garantia contra evicção
• Assegurar o gozo pacífico da coisa alienada, após ser entregue – principal – o alienante
não pode por em risco a subsistência da empresa alienada e as relações pessoais que
ele desenvolveu com clientes, fornecedores e etc. poderia ser perigosas para a
concorrência, devido a uma concorrência “diferencial”.
o Januário: advém da entrega do bem – aquele que trespassa o bem tem
obrigação de não evicção – não pode haver reapossamento de bem, com uma
reorganização similar para ter as vantagens que faziam parte do objeto de
alienação.

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o Cassiano dos Santos: não pode reproduzir total ou parcialmente a organização


para com ela vir a recuperar a posição diferenciada da empresa que transmitiu
– o que justifica esta obrigação é o dever de não evicção.

Limites desta medida


Que se justifica apenas na medida que seja necessária para uma efetiva entrega do
estabelecimento comercial
• Limites objetivos – sujeitos passivos da obrigação não ficam proibidos de exercer
qualquer atividade económica.
o Não podem é (re)iniciar o exercício (de modo sistemático ou profissional) de
uma atividade concorrente com a exercida através da empresa trespassada, de
uma atividade económica, no todo ou em parte, igual ou sucedânea.
o Também ficam impedidos de desempenhar funções de direção/administração
em empresa alheia e concorrente da trespassada; entrarem em sociedade com
objeto idêntico ao do estabelecimento alienado ficando com posição
controladora.
• Limites espaciais – obrigação vale apenas para locais delimitados pelo raio de ação do
estabelecimento trespassado.
• Limites temporais – vale durante o tempo suficiente para se consolidarem os valores de
organização e/ou exploração da empresa transmitida na esfera de um adquirente-
empresário razoavelmente diligente.
o Januário: Limites temporais são avançados como 2/3 anos, mas têm de ser
apreciados caso a caso.

Tem de ser aferida caso a caso. Ex: STJ já decidiu que havia violação deste dever quando
trespassante trespassou funerária e abriu outra ao lado, conservando a clientela que era suposto
ter passado (STJ, 17/2/98, Torres Paulo).

Outras pessoas podem ficar vinculadas pela obrigação implícita de não concorrência :
• Cônjuge do trespassante (pois o cônjuge beneficia, normalmente, dos conhecimentos
deste relativos à organização, clientes, fornecedores e etc. do estabelecimento
trespassado);
• Filhos (quando colaboraram na exploração da empresa transmitida – possuem aptidão
para uma concorrência diferencial);
• Sócios (no caso de uma sociedade – que tenham conhecimentos relativos à empresa
trespassada indispensáveis a uma concorrência qualificada)
o Exigem-se ativas funções de administração ou porque detinham participação
social dominante e exerciam efetivo controlo sobre a sociedade.
o Não basta ser mero sócio e nunca intervir.

• Entre os sujeitos ativos (ou credores) da obrigação implícita de não concorrência conta-
se não só o primeiro trespassário como os sucessivos: cada um é credor do primeiro
sujeito passivo da obrigação, bem como de outros trespassários-trespassantes,
enquanto for proprietário do estabelecimento transmitido.

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Esta obrigação pode ser afastada por estipulação contratual


➢ Januário: mas isso pode querer dizer que afinal as partes não quiseram negocial o
estabelecimento enquanto unidade – ele é negociado mas quanto à entrega pode
colocar-se em dúvida o âmbito do negócio e se o quid que foi entregue é mesmo um
estabelecimento –> não é ilícito mas tem efeitos para o regime (como a autorização do
senhorio do art. 1112º, por exemplo).

Consequências:
• Pedir indemnização pelas perdas e por danos (art. 798º CC);
• Resolver o contrato de trespasse (art. 801º/2);
• Intentar ação de cumprimento (art. 817º);
• Requerer sanção pecuniária compulsória (art. 829º-A);
• Exigir que o novo estabelecimento do obrigado seja encerrado (art. 829º/1).
o Januário: trespassário pode pedir em tribunal que o trespassante não explore
um estabelecimento, violando a obrigação = Cassiano dos Santos

Requisito de Pré-Funcionamento
Januário: não é um requisito
• Não tem de estar em funcionamento para ser estabelecimento – tem é de estar
equipado e pronto a funcionar.

Pode haver trespasses de estabelecimentos parciais, desde que formem dinâmicas próprias (sub
estabelecimentos em relação ao principal mas estabelecimento per si).

Locação de Estabelecimento = Cessão de Exploração


Transferência temporária e onerosa do gozo e exploração de um Estabelecimento
Comercial.
➢ Estabelecimento globalmente transmitido a título ou temporário.

Objeto da locação é o estabelecimento comercial (art. 1109º)


• É moldado pelo regime da locação -> é aluguer, pois o estabelecimento é coisa móvel42
• MC: Cedência temporária do Estabelecimento Comercial – que em rigor poderia
ser transferida a qualquer título.
o A locação de estabelecimento implicaria a cessão titulada por um negócio
decalcado da locação, designadamente com uma obrigação periódica de
pagamento de retribuição, tipo renda ou aluguer.

Locatário não é titular do Estabelecimento e tem o dever-poder de o explorar43 e depois o


dever de o restituir na sua unidade (atendendo à dinâmica do estabelecimento) ao locador,
findo o prazo acordado.

42
Obviamente exige a existência de um Estabelecimento – sob pena de ser um arrendamento puro (RLx,
Ferreira de Almeida, 5/7/01)
43
Coutinho de Abreu: não se transfere a propriedade do estabelecimento e o poder ou direito de
disposição sobre os meios empresariais que o locatário tem funda-se num poder-dever de exploração do
estabelecimento.

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Cessão da exploração tem como cerne o reconhecimento do Estabelecimento como objeto de


negócios:
• Permitira a cedência temporária do Estabelecimento como um todo, sem necessidade
de negociar, uma a uma, todas as realidades que o componham e viabilizando ainda o
cômputo de elementos sem autonomia, como aviamento e a clientela.
• Possibilitaria atender à verdadeira realidade em jogo no Estabelecimento, afastando
normas comuns aplicáveis a outras figuras contratuais, como as do arrendamento.

MC: É possível, na locação de Estabelecimento, afastar o regime restritivo do arrendamento


devido à presença, como objeto do negócio, de um Estabelecimento Comercial (que tem lógica
própria e valores particulares).
Antunes Varela justifica o afastamento dos esquemas injuntivos do arrendamento face à cessão
de exploração nos termos seguintes:
• Inexistência de razões que justifiquem o protecionismo do inquilinato comercial
• Facto de ao cedente se dever a iniciativa da criação ou a manutenção do
Estabelecimento, em cujo património ele se integra e continua
• Facto de o cessionário não ter criado o Estabelecimento, limitando-se a fruir o que
temporariamente lhe foi cedido
• Assimilação da cessão de exploração ao trespasse, caso tivesse aplicação o esquema da
renovação automática estabelecida para o arrendamento.

CC autonomizou a cessão de exploração, orientando-se pelo prisma da exclusão do regime do


arrendamento – art. 1109º CC.
➢ Se as partes nada estipularem quanto à duração do contrato, considera-se 10 anos – art.
1110º/2 – prazo supletivo

Januário: Esta figura já foi mais importante -> nos tempos do vinculismo arrendatício em que se
criava vínculo específico que tinha como consequência o senhorio não ser capaz de impedir a
renovação do contrato e não se podia opor.
• Isto trazia um valor acrescido ao local de arrendamento, havendo uma perpetuidade e
com rendas baixas.

Não há necessidade do senhorio autorizar a cedência do gozo do prédio arrendado aquando da


locação de estabelecimento nele instalado.
• Art. 1109º/2 exige a comunicação ao senhorio no prazo de 1 mês – pode levar a
resolução de contrato (pelo art. 1083º/2/e).

Nos casos de cessão ilícita, o senhorio pode resolver o contrato nos termos do art. 1083º/2/e,
mas também com fundamento no art. 1112º/5.
➢ Pode também responsabilizar civilmente.

Obrigação Explícita de Não Concorrência


Obrigação explícita de não concorrência decorre dos art. 1031º/b e art. 1037º/1.
• Terminado o contrato já não existe essa obrigação e o ex-locatário fica livre para
concorrer com o ex-locador.

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Usufruto do Estabelecimento
Pode aproveitar plenamente o Estabelecimento sem alterar a sua forma ou substância (art.
1489º CC)

Estabelecimento como Objeto de Garantia


Pode ser dado em garantia ou ser objeto de garantia
• Penhor – misto de penhor de coisas e de penhor de direitos, relevando o penhor global
sobre o conjunto44
o Em regra será penhor mercantil pois e suficiente uma entrega simbólica – art.
398º/§único CCom.
• Penhora – no âmbito da execução por dívidas

Reivindicações e defesas possessórias


Apesar de não ser composto apenas por coisas corpóreas, estas têm um papel dominante, pelo
que a doutrina e jurisprudência têm-se inclinado para a aplicabilidade, ao Estabelecimento, das
defesas reais.
➢ Pode ser reivindicado e objeto de ações possessórias

Natureza do Estabelecimento
Discussão se é universalidade de facto ou de direito.
MC: O Estabelecimento Comercial é uma autêntica esfera jurídica e não apenas um património
– inclui ou pode incluir o passivo e toda uma série de posições contratuais recíprocas.
• Trata-se é de uma esfera jurídica afeta ao comércio ou determinado exercício comercial.
• Tem a natureza de esfera jurídica de afetação, sendo delimitada pelo seu titular em
função do escopo jurídico-comercial em jogo.

Januário: Escola de Coimbra é mais precisa e concorda com Cassiano dos Santos quando diz que
é universalidade de direito suis generis.

E.I.R.L.
Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada
O DL 248/86, de 25 de Agosto45 veio permitir criar-se os EIRL, que são, de facto,
Estabelecimentos Comerciais colocados numa situação especial que permite a
responsabilidade limitada.46
• Pelas dívidas contraídas no desenvolvimento das atividades (do EIRL) de que ele é
instrumento respondem apenas os bens a este afetados, salvo se o titular não tiver
respeitado o princípio da separação dos patrimónios.
o Mas os bens que o componham não são, ad nutum, os que sejam afetados ao
comércio, mas antes aqueles que constem do título constitutivo.

44
Januário: implica aceitar a rotatividade dos elementos que o compõe
45
Januário Costa Gomes: numa altura em que ainda não havia maturidade doutrinária para se criar e
aceitar sociedades unipessoais. Cada pessoa só pode ter 1 EIRL.
46
Coutinho de Abreu: EIRL será um estabelecimento comercial propriamente dito, com a especificidade
de estar “separado” do restante património do “titular”.

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o E não basta considerar apenas como um património autónomo, uma vez que
também abrange o passivo.
 Tal como Estabelecimento Comercial, também o EIRL constitui uma
esfera jurídica de afetação.
 Dentro da esfera patrimonial do comerciante há criação de património
autónomo que responde pelas dívidas relativas ao exercício do
estabelecimento (art. 10º DL 248/86)

É constituído para o exercício de uma atividade comercial, que exige o instrumento-


estabelecimento mercantil.
• Quer isto dizer que o (conjunto de bens) património separado tende a consubstanciar-
se no estabelecimento – este será simultaneamente aquele e vice-cersa.

Art. 22º diz que por outras dívidas do comerciante o EIRL pode responder, demonstrando que
não há uma estanqueidade entre os patrimónios – é separado, mas não completamente.
➢ Preocupação do legislador era a de destacar certo património do devedor, afeto a certa
atividade.
➢ Januário: Lógica de património separados é na lógica do “apenas responde e só
responde” – o que não acontece aqui, não há esse círculo perfeito. Há é esferas jurídicas
de afetação diferentes.

Contrato de Lojista em Centro Comercial


Situações complexas que envolvem teias de serviços e o desfrute de bens diversos, materiais e imateriais.
• É um tipo social que tem hoje aplicação corrente alargada.
• Lojista tem o gozo da loja e das partes comuns, beneficiando de todo o universo
disponibilizado pelo promotor.
o Em troca paga, em regra, duas parcelas mensais: uma quantia fixa e uma percentagem
sobre a faturação bruta que realize

O centro comercial é, antes de mais, uma imensa teia de serviços organizados, havendo um comércio
integrado.

Januário: as lojas são espaços limitados que funcionam autonomamente e comunitariamente em


relação a estabelecimento maior. Centro é estabelecimento maior que integra vários estabelecimentos.

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Acórdãos
STJ, Granja da Fonseca, 19/4/2012
I - O estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que
o comerciante afeta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor
próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente.

II - Configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o


contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma
contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de snack-bar, transferindo
para esta última o mobiliário e equipamento indispensáveis ao seu funcionamento, apesar de ainda não
ter havido aí clientela nem até então ter sido aí exercida qualquer actividade.

III - A cessão de exploração pode recair sobre um estabelecimento de que nada ainda existe, como sobre
um estabelecimento incompleto, que não está concluído, mas em via de formação bem como sobre um
estabelecimento cuja exploração ainda se não tenha iniciado ou esteja interrompida.

IV - Confrontando o arrendamento comercial e a cessão de exploração ou locação de estabelecimento,


constituem pontos de contacto e de comunhão a existência de uma transferência com carácter oneroso
e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto:
enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio,
na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e
fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura
de direito comercial.

V - Assim, haverá arrendamento comercial se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o
gozo e fruição da instalação, ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil
visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais
indispensáveis à sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem
viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial mas não será
indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.

Relação de Coimbra, Henrique Antunes, 17/4/12


I – O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente
organizado para a prática do comércio. O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos
da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática
do comércio.

II - No tocante ao activo o estabelecimento compreende coisas corpóreas e incorpóreas: No que toca a


coisas corpóreas ficam abarcados os direitos relativos, por exemplo, a móveis – mercadorias, matéria
primas, maquinaria, mobília, instrumentos de trabalho – portanto, todas as coisas que, estando no
comércio, sejam pelo comerciante afectas a esse exercício. No tocante a coisas incorpóreas pode-se
distinguir, por exemplo, o direito ao uso exclusivo da insígnia, do nome do estabelecimento, das marcas,
patentes de invenção e os direitos a prestações provenientes de posições contratuais – contratos de
trabalho, contratos com fornecedores, contratos de distribuição, de publicidade, de concessão comercial,
de agência, de franquia e mesmo contratos relativos a bens vitais (v.g. água, electricidade, gás, telefone)
e, bem assim, os direitos provenientes de licenças concedidas pela administração.

III - Como critério puramente orientador, pode dizer-se que para que haja estabelecimento comercial ele
deve ter um conteúdo mínimo necessário para que, em face do ramo de actividade a que se destine, possa
prosseguir esse escopo. Deverá, por isso, ter, necessariamente, alguns elementos – bens materiais ou
imateriais ou certas posições jurídicas – uma designação e um objectivo, que dêem corpo ao escopo

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fundamental de qualquer estabelecimento: a realização de uma função produtiva, a que se pode chamar
de aviamento, o qual englobará, pela ordem natural das coisas, a clientela.

IV - O estabelecimento pode ser objecto de transmissão definitiva ou temporária. Trata-se, de resto, do


ponto mais significativo do seu regime: a possibilidade da sua negociação unitária, através de trespasse –
se essa transmissão for definitiva – ou cessão de exploração - se a cedência do estabelecimento for
meramente temporária (artºs 1109º e 1112º, nº 1, a) do CC).

V - O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que
título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia
transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O
regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.

VI - A locação de estabelecimento comercial é um negócio de transmissão a título temporário e oneroso


de um estabelecimento - ao contrário do trespasse, é um negócio de transmissão do gozo, e não da
propriedade do estabelecimento.

VII - Ao passo que o trespasse implica uma transmissão do domínio do estabelecimento, a locação envolve
apenas a transmissão da fruição da sua exploração, ou seja, diferentemente do trespassário, que é
investido num direito real de propriedade sobre o estabelecimento, o locatário é titular de um mero
direito obrigacional de gozo, que lhe permite explorar em seu nome e por sua conta o estabelecimento,
permanecendo o locador como proprietário – caso o seja - desse mesmo estabelecimento.

VIII - Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento emerge para o locatário este fundamental
direito: o de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais
lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, este fundamental
dever: o de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada.

IX - Um problema para o qual o legislador não disponibilizava uma solução expressa era a de saber se a
cessão de exploração de estabelecimento podia ser livremente ajustada pelo arrendatário sem o
consentimento do locador. A questão não recebia da doutrina e da jurisprudência uma resposta acorde,
dividindo-se, ambas, em duas orientações: uma que sustentava a necessidade dessa autorização do
senhorio; outra – maioritária - que defendia a solução oposta. A razão estava com este último modo de
ver. Por um argumento de maioria de razão: se na negociação definitiva do estabelecimento se dispensa
o consentimento do senhorio, deve admitir-se a mesma solução quando não está sequer em causa a
transmissão da posição do arrendatário, mas simplesmente o gozo do prédio onde está instalado o
estabelecimento.

X - O problema está ultrapassado: a lei nova é terminante na declaração de que a cessão de exploração
de estabelecimento não carece de autorização do senhorio (artº 1109º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil, na
redacção que lhe foi conferida pelo artº 3 da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro).

XI - Desde logo, porque a enumeração das obrigações de comunicação a que o arrendatário está adstrito
é meramente exemplificativa (artº 1038º, f) do Código Civil). O facto de na cessão de exploração se manter
a titularidade do arrendamento não é decisivo dado também no caso de comodato se mantém essa
titularidade e, no entanto, a lei vincula o arrendatário à realização da comunicação.

XII - A comunicação é imposta pelo programa da prestação do senhorio – que se reconduz a este núcleo
fundamental: proporcionar ao inquilino o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato – e aquele
só poderá cumpri-lo se souber, em cada momento, quem, na realidade, detém o gozo do prédio, a que se
soma o interesse em conhecer o motivo pelo qual outrem, que não o arrendatário, está no gozo efectivo
da coisa, qual a espécie contratual subjacente de modo a que, se for caso disso, no caso de o contrato de
cessão sofrer de vícios ou ocultar um outro, fazer valer os seus direitos.

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XIII - A lei nova colocou um ponto final na controvérsia ao vincular expressamente o arrendatário àquela
obrigação de comunicação (artº 1109º, nº 2 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo artº 3 Lei
nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). A esta norma deve ser atribuída uma natureza interpretativa – dado que
interveio para decidir uma questão que direito cuja solução é controvertida, consagrando um
entendimento que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, podia ter chegado - e, por isso, mesmo à
luz do RAU deveria entender-se que o facto da cessação da exploração deveria ser comunicado ao
senhorio (artº 13º, nº 1 do Código Civil).

XIV - Se no momento da cessão o estabelecimento não existir, pura e simplesmente, ou lhe faltar um
qualquer elemento estruturante, ocorre decerto um negócio transmissivo, mas esse negócio não pode
qualificar-se de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento (artº 1112º, nº 2, a) ex-vi artº
1109º, nº 1, in fine, do Código Civil).

XV - A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos:


condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se
alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (artº
433º do Código Civil). Fala-se também por vezes em rescisão: esta equivale à resolução, sendo utilizada,
preferencialmente, para designar a resolução fundada na lei.

XVI - A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432º, nº 1 do Código Civil).

XVII - Há, portanto, duas modalidades de resolução: a legal e convencional. Na resolução legal, deve, por
sua vez, fazer-se um distinguo entre a resolução fundamentada – que corresponde à regra geral – e a
resolução imotivada – só excepcionalmente admitida – em que a uma das partes é reconhecida a
faculdade de, sem fundamento, se desvincular.

XVIII - O direito de uma das partes de se desvincular sem necessidade de alegar um motivo é excepcional
e justifica-se pela necessidade de tutela de um das partes do contrato – a parte mais fraca: é o que sucede,
por exemplo, no Direito do Consumo, em que se permite ao consumidor a desvinculação, em certo prazo,
do contrato (artº 8º, nº 4 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).

XIX - Se a desvinculação ad nutum resultar de convenção das partes, então o caso já não é,
verdadeiramente de resolução, nem mesmo de revogação unilateral – mas de denúncia.

XX - A lei civil substantiva fundamental portuguesa adopta no tocante à resolução do contrato um sistema
declarativo: a resolução opera por simples declaração à outra parte, portanto, sem necessidade de
intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. Por outras palavras, a resolução opera ope voluntatis
e não ope judicis (artº 436º, nº 1 do Código Civil).

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Favor Creditoris Comercial


Compra e venda comercial47 funciona como efetivo contrato mercantil especial: ela
pressupõe, subjacente, o regime civil, limitando-se a estabelecer especialidades.
➢ Art. 464º/2 a 4 exclui o tipo comercial relativamente a: produtos agrícolas, artesanato, agro-pecuária.

No Direito Comercial o credor é mais tutelado.


➢ Januário: o favor creditoris é a manifestação mais visível de um ato comercial.

Art. 100º CCom


Regime supletivo que dá nota de uma preocupação comercial tendo um regime mais vantajoso
para o credor.
• Regime tutela as obrigações comercias / o crédito comercial.

Regra do lado passivo é a solidariedade – solidariedade limitada às situações de dívida.


➢ §único afasta esta regra da solidariedade passiva quanto aos não comerciantes
o Articulando-se com o art. 99º dos atos de comércio unilaterais

Art. 101º CCom


Regime ditado em função da comercialidade do ato – muita doutrina considera ato de comércio
acessório

Não faz exceção a fiadores não comerciantes.

É solidariedade diferente do art. 512º e ss. CC – o que se pretende dizer é que este fiador não
goza de excussão prévia.
• No campo comercial o fiador não goza desse benefício, mas isso não significa que o
fiador responda como devedor solidário, pois ele continua a beneficiar dos demais
meios de defesa do devedor principal bem como as características ligas à
acessoriedade da fiança.
o MC: manifestação da natureza acessória da fiança – esta será comercial quando
a obrigação principal o seja também.

Dívidas dos cônjuges – art. 10º e 15º CCom articulado com art. 1690º e ss. CC
• Art. 10º está revogado tacitamente e a moratória do CC deixou de existir
• Art. 15º ainda é relevante pois estabelece uma presunção
• Art. 1691º CC responsabiliza ambos os cônjuges por certas dívidas.
o Interliga-se com o art. 15º no art. 1691º/d

Prescrição das dívidas comerciais


Há no CC um ónus de diligência para o comerciante quanto à cobrança de certas obrigações
comerciais.

47
MC: O Direito Comercial separa a compra da venda, distinguindo as duas operações: a compra em si,
pela qual o sujeito adquire o direito, pagando o preço, e a venda, pela qual ele arrecada um preço abrindo
mão de um direito.
➢ Técnica possibilitada pela existência dos “atos mercantis unilaterais”.
Compra e venda comercial visa o lucro, enquanto a civil procura, simplesmente, a aquisição do bem.

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• Prescrições presuntivas – art. 316º CC – regime relacionado com o art. 313º e fundam-
se em presunções de cumprimento.
o Havendo prescrição presuntiva só pode ser ilidida mediante confissão
• Art. 316º e 317º/b (protege os não comerciantes) são importantes para o Direito
Comercial

Art. 102º CCom


Manifestação do princípio da não gratuitidade dos atos comerciais – consagra-se como
princípio a onerosidade dos atos comerciais.
➢ Mas podem existir atos onerosos que não são comerciais. Ex: art. 6º CSC

Juros são importantes no campo bancário.


E quanto à aplicação do art. 559º-A e 1146º CC que estabelecem limites para a taxa de juro?
Aplicam-se a matéria comercial?
➢ Sim. Os juros comerciais que não cumpram estas disposições do CC são usurários.
o Mas art. 102º tem regime especial quanto aos juros -> especialidade do Direito
Comercial.

DL 62/2013, de 10 de Maio
Visa estabelecer medidas contra o atraso do pagamento de transações comerciais.

Definições dadas no diploma


Art. 4º tem remissões para o CCom e intercruza-se com o art. 8º
➢ Existência de juros de mora é importante para evitar que se estabeleçam prazos
alargados para pagamentos.
• Art. 4º/3 – regime supletivo devido a preocupações com a tutelado crédito

Art. 8º - sanciona cláusulas e práticas abusivas


• Art. 8º/b – compreende-se porque podia haver um tornear das outras regras pelo
contraente mais forte para um prazo mais favorável e excessivo para o pagamento.
• Caráter abusivo e irregular determina-se pelo art. 8º/2.
• Art. 8º/3 afasta aplicação do regime de conversão e redução dos negócios jurídicos.

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CONTRATOS E OPERAÇÕES COMERCIAIS

Os contratos de Comércio podem ter especialidades em relação aos restantes contratos de


natureza civil.

Quanto aos Contratos Especiais de Comércio existem:


• Tipos Legais – no Código Comercial
• Tipos Sociais – fora do Código Comercial
o Ex: Associação em participação e contrato de consórcio; contrato de mediação;
contrato de agência; contrato de locação financeira; contrato de cessão
financeira

o Há ainda alguns que não têm regulação legal expressa: contrato de promoção;
contrato de distribuição; contrato de organização.
▪ Pelo que é importante percebermos os mecanismos através dos quais
eles são efetivados.

Mecanismo jurídico prático para todo o comerciante – permite-lhe estar em vários lugares ao
mesmo tempo: Representação em Direito Comercial

Representação (geral)
1. Atuação em nome de outrem – representante deve agir esclarecendo a contraparte
e os demais interessados que o faz para que os efeitos da sua atuação surjam na esfera
do representado;
o Se o representante não invocar expressamente essa sua qualidade, já não
haverá representação.
2. Atuação por conta de outrem / no interesse de outrem – além de invocar que age
em nome de outrem, deve fazê-lo no âmbito da autonomia privada daquele: atua como
o próprio representado, poderia, licitamente agir.
3. Com poderes de representação – poderes bastantes que podem ser legais ou
voluntariamente concedidos pelo representado, mas têm de existir.
o Tem determinados poderes para agir

Difere de:
• Representação mediata/imprópria – uma pessoa, por via de um mandato, age por
conta da outra mas em nome próprio; as pessoas que contratam com essa pessoa
desconhecem da existência de um mandato; concluído o negócio o mandatário deverá,
através de novas atuações jurídicas, proporcionar a aquisição pretendida pelo próprio
mandante.
• Gestão de negócios – agente (gestor) atua em nome do dono mas sem dispor (nem
invocar) poderes de representação.

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NJ celebrado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe
competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica do representado48 – art. 258º.
• Repercussão dos negócios na esfera do representado é imediata: independentemente
de quaisquer circunstâncias, ela opera no preciso momento em que o negócio funcione;
• e automática: não se exige qualquer outro evento para que ela ocorra.

O representante age, de modo expresso e assumido, em nome do representado dando a


conhecer o facto da representação.
➢ O terceiro pode exigir uma cópia da procuração – onde se outorgou poderes de
representação.

Procuração
Promove a concessão de poderes de representação.
Art. 265º CC
• Sob a procuração, tem de existir uma relação entre o representante e o representado,
em cujos termos os poderes devam ser exercidos.
• Efetiva concretização dos poderes implicados por uma procuração pressupõe um
negócio nos termos do qual eles sejam exercidos: negócio-base.
o Normalmente o negócio-base é um contrato de mandato.

Procuração extingue-se por:


a) Renúncia do procurador – devido a cariz imanentemente pessoal
b) Cessação do negócio-base – cessa a relação de mandato, cai a outorga de poderes
c) Revogação pelo representado – art. 1170º de novo cariz pessoal e centralidade de
confiança

Tutela de terceiros – art. 266º CC


• Teoria da aparência jurídica (vs. Teoria do negócio jurídico) – a procuração extingue-
se mas devido à aparência e para tutelar terceiros ela mantém alguma eficácia.
o Confiança de terceiro só é protegida no Direito português através da boa fé e
do abuso do direito.
▪ O terceiro que seja colocado numa situação de acreditar,
justificadamente, na existência de uma procuração, poderá ter proteção
quando do conjunto da situação resulte que a invocação, pelo
“representado”, da falta de procuração constitua abuso do direito (na
modalidade de venire contra factum proprium ou surrectio)49

48
Representante não é parte do contrato – a pessoa que atua no tráfego jurídico não é aquela que fica
vinculada e em cuja esfera os efeitos se dão.
49
Problema da Aparência Jurídica – em que terceiro legitimamente confia numa situação de que essa
pessoa está a atuar em nome e por conta de outrem – relevância jurídica da aparência: art. 259º, 467º/2,
regime letras e livranças, art. 23º regime agência (legislador foge ao regime do art. 268º).
• Caso de um circunstancialismo que não corresponde à realidade – tutela da aparência no Direito
Comercial tem de ser mais garantística
o PPV: certeza tem que ser substituída pela aparência que se justifique – é óbvio que tem
de ser assim devido à quantidade de transações comerciais.

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o Há representação aparente sempre que o representante se integre numa


organização em termos de fazer crer, junto do bonus pater famílias, na efetiva
existência de poderes de representação.

Doutrina discute a Representação Tolerada/Consentida (aceita que alguém atue em seu nome
sem poderes para tal) e Representação Aparente (prescinde da efetiva consciência da atuação
com poderes de representação).

Mandato
Modalidade de prestação de serviços em que mandatário pratica atos por conta do mandante
– está a agir por conta do mandante – está a agir por conta de outra pessoa que não ele próprio,
procura atuar como atuaria o mandante nesse circunstacionalismo concreto.
➢ Art. 1157º CC tem 3 requisitos.

Tipicamente é o negócio base de onde se ergue a Procuração (outorga de poderes de


representação), mas não é o único mecanismo para a fazer surgir.
➢ Pode haver outro NJ de base, além do mandato.

Mandato Comercial – art. 231º CCom


Art. 231º CCom a propósito da noção de mandato comercial dá-nos elementos próprios da
representação: poderes gerais e poderes especiais (no §único).
➢ Relação entre representação e mandato – art. 233º

Representação comercial, só por si, não confere ao representante a qualidade de comerciante.


➢ Os atos comerciais que pratique projetam-se, automática e imediatamente, na esfera
do representado: não na do representante.
o MC: no entanto, se ele exercer a atividade a título profissional, já poderá,
por essa via, converter-se em comerciante.

Tutela de terceiros: protegidos pelo Registo Comercial (art. 10º7ª CRC)

O Mandatário Comercial obriga-se a praticar um ou mais atos jurídicos de natureza


comercial, por conta de outrem.
• Mandato comercial, ao contrário do civil, envolve representação.
o Atos de mandatário vão repercutir efeitos imediatos e automáticos na esfera
jurídica do mandante.

Presume-se oneroso – art. 232º - e a remuneração é acordada pelas partes ou, na falta de
acordo, pelos usos da praça onde o mandato for executado.

Deveres do mandatário – art.234º


• Conjunto de vinculações que se justificam pelos valores comerciais em jogo.
• Mandatário deve também – art. 238º, 239º, 240º, 241º (prestar contas)

Deveres do mandante – art. 243º; 232º/1, 234º, 243º, 246º

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Revogação e renúncia não justificadas dão lugar a indemnização – art. 245º

Ideia de instrução liga a atuação do mandatário à vontade do mandante, mas, o


mandatário não fica subordinado ao mandante no sentido de genericamente disponível
para, em nome da obediência, conformar a sua prestação de acordo com a direção do
empregador.

A grande clivagem entre o mandato civil e o comercial é:


➢ Apesar de diversos esquemas corretivos, o mandante civil surge, no essencial, passado
no interesse do mandante; pelo contrário, o mandato comercial opera também no
interesse do mandatário e no do comércio em geral.

Gerentes de Comércio
Art. 248º CCom
Está titulado para praticar todos os atos próprios da atividade em jogo, seja qual for a sua
natureza.
➢ Tem poderes de representação (art. 250º e 251º) – inoponível a terceiros, salvo
provando que tinham conhecimento dela ao tempo em que contrataram.

Auxiliares e Caixeiros
Distingue-se do gerente pois este tem mandato geral e o auxiliar apenas tem mandato para
tratar de algum ou alguns ramos do tráfego do proponente – art. 256º
➢ Poderes de representação do trabalhador automaticamente decorrem do contrato de trabalho
e só funcionam no âmbito da empresa.

Caixeiros são pessoas mandatadas para vender e cobrar, em nome e por conta do comerciante
mandante tendo os necessários poderes para isso.

Contrato de Comissão
Art. 266º CCom
Comissário não atua em nome de outrem e recebe na sua esfera os efeitos dos contratos
celebrados e depois terá de os passar ao comitente.
Comissário não responde perante o mandante pelo cumprimento das obrigações de terceiro
– salvo pacto ou uso em contrário, em que pode assumir esse encargo e ser remunerado por
isso (instituindo uma comissão del credere)
➢ Convenção del credere – art. 269º - significa que se o comissário garante ao comitente
que o terceiro vai cumprir.
➢ Comissário está a onerar-se, portanto em direito a uma comissão para tal.
➢ Só é válida quando se especifica o contrato.

Todas estas figuras perderam muita da sua utilidade prática devido a outro regime jurídico:
Contrato Agência.

Contrato Conta-Corrente – art. 344º CCom


Contrato que assenta em específicas técnicas contabilísticas com função de simplificação e
segurança do crédito.
Efeitos de facultar movimentos recíprocos entre as partes

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PPV: Contrato objetivamente comercial e é um tipo legal que apenas existe no CCom

Para que haja contrato de conta corrente é necessário que as partes tenham estipulado que
entre elas os créditos e débitos recíprocos sejam reduzidos a artigos de “deve” e “há-de haver”
de tal modo que apenas o saldo seja exigível.
• Não é formal e pode ser estipulado de qualquer forma – nada impede um contrato
tácito nem resultar de, “com toda a probabilidade”, práticas que as partes adotaram de
escriturar os seus débitos e créditos recíprocos apenas procedendo à cobrança e ao
pagamento do respetivo saldo.
o Contabilização em conta corrente, só por si, não implica a celebração de
contrato de conta corrente. Tem de haver estipulação, expressa ou tácita.

Art. 346º/1 – um dos correntistas adquire ao outro certos bens e, em vez de proceder ao seu
pagamento, lança nos seus livros esse valor a seu débito e a crédito do alienante.
• Com isso, a propriedade dos bens transfere-se para o comprador, cuja conta é debitada.
• Conta corrente pressupõe sempre um ou mais outros contratos cujos débitos e créditos
são objeto da conta corrente.
Art. 346º/2 – efeito novativo típico da conta corrente: efeitos jurídicos típicos do contrato
subjacente extinguem-se com o lançamento em conta corrente e em sua substituição,
constituem-se os efeitos deste contrato. Novação é importante porque faz cessar todas as
vicissitudes emergentes do contrato subjacente e não se podem opor as exceções deste.
Art. 346º/3 e 4 – efeito típico da conta corrente
Art. 346º/5 – caraterística típica do cotnrato de conta corrente. Juros vencem-se a partir da data
do efetivo recebimento da mercadoria pelo adquirente, data essa em que é lançada a seu débito
o respetivo preço (sobre o qual o juro incide – “juro por dentro da conta”)

Art. 348º - encerramento da conta corrente


➢ Art. 350º - antes do encerramento, nenhum dos correntistas pode ser considerado credor
ou devedor do outro; só com o encerramento se apura o saldo e com ele a qualidade de
credor ou devedor de cada um.
Chegado o tempo de encerramento, qualquer um dos correntistas pode enviar ao outro a
conta, com todos os lançamentos, para que o outro a verifique e a aceite ou reclame.
• Se aceitar, o saldo torna-se imediatamente exigível e o correntista credor pode exigir o
seu pagamento, ou inscrever esse saldo a seu favor numa nova conta corrente.

Contrato Mediação
Mediação – ato ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que,
entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração
de um contrato definitivo.
➢ Em sentido técnico, exige-se que o mediador não represente nenhuma das partes a
aproximar e não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação.

Pode acontecer de forma espontânea ou em detrimento de contrato de mediação

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➢ Situação normal é a de existir contrato de mediação, mas tal não é necessário


fatalmente.

Mediador contratado – pessoa que subscreve um contrato de mediação, obrigando-se a


promover um ou mais negócios jurídicos; no quadro de um vínculo contratual aproxima as
partes.
• Comitente – pessoa que contrata o mediador
Mediador liberal – aquele que, independentemente de qualquer contrato, promova a conclusão
de negócios jurídicos
Solicitado – pessoa junto da qual o mediador vá exercer os seus bons ofícios
Contrato definitivo – contrato cuja celebração seja prosseguida pelo mediador

Mediação mobiliária e intermediação financeira; mediação dos seguros; mediação imobiliária;


mediação monetária; mediação de jogos sociais do Estado
➢ Mediadores assumiram área importante no mercado (seguros, imbobilários, mobiliários
e etc.) e o Estado assumiu que os devia regular para salvaguardar os interesses públicos
subjacentes.
o Intermediação financeira – regulado no Código de Valores Mobiliários e
fortemente regulado pelo DUE.
▪ Só os registados como tal ante a CMVM é que podem desenvolver essa
atividade.
▪ Quanto mais imaturo o mercado de capitais, mais proteção é dada aos
investidores – legislador tende a agravar a intermediação pois é um
interesse público.
▪ Há também salvaguarda dos clientes dos mediadores financeiros.
o Mediação de seguros – historicamente desempenhava um papel importante no
desenvolvimento da economia. DL 144/2006 – transpôs Diretiva 2002/92/CE.
▪ Diploma prevê que só os registados na ASF podem atuar.
o Mediação imobiliária – 1ª que teve regulação especializada. Reserva a atividade
para em quem está registado. Lei 15/2013 que reflete DUE.

Mediação simples – ato ou efeito de mediar é levado a cabo por qualquer pessoa, sem especial
preparação ou condicionalismo, dentro do espaço jurídico.
Mediação profissional – pessoa que, de modo organizado, lucrativo e tendencialmente
exclusivo, utiliza a mediação como modo de vida.
➢ Registo visa assegurar a idoneidade, que é garantia – se for suspenso ou cancelado não
tem acesso à profissão.

Mediação liberal – mediador age por si, sem qualquer vínculo: opera como um comerciante
autónomo, seja ele pessoa singular ou coletiva.
Mediação dependente – mediador está ligado a uma organização por um vínculo de prestação
de serviços, seja em relação ao mediador propriamente dito seja em relação à entidade que irá
celebrar o contrato final.
Mediação oficial – mediador é designado por ato administrativo, encontrando-se em posição
funcionalizada pública.

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Mediação espontânea – por iniciativa do mediador, sem que ninguém lho tivesse solicitado,
coloca duas ou mais pessoas em contacto, promovendo entre elas a negociação e a conclusão
de um contrato que a ambas interessasse.
Mediação contratada – mediador celebra um contrato com um dos envolvidos,
comprometendo-se a localizar e a interessar um co-contratante, promovendo com este, a
conclusão contratual definitiva.
➢ Se for só com um: mediação contratada unilateral.
Havendo contrato de mediação
Mediação pura – mediador obriga-se, numa situação de independência e de equidistância
em relação às partes, a conseguir a celebração de certo negócio definitivo
Mediação mista ou combinada – mediador além de serviços de mediação, exerce ainda uma
atuação por conta de outrem (mandato), podendo igualmente assumir outros serviços.
o Se for uma atuação interessada, fala-se em Mediação Imprópria.

Mediação típica – têm consagração legal


Mediação atípica – não têm consagração legal

Normalmente a mediação é comercial: ou por se tratar de um mediador (portanto um


comerciante a exercer a sua atividade comercial) ou por estar em causa alguma das modalidades
de mediação tipificadas em leis comerciais especiais.
➢ Pressupõe leitura art. 230º CCom.

Distingue-se do:
• Mandato – pois não há atuação por conta do mandante e apenas pratica atos para
aproximar (nos casos da mediação pura).
o É prestação de serviços e na falta de regras é o mandato que se aplica (art.
1156º)
• Agência – pressupõe quadro de colaboração e mediação é pontual, apenas
eventualmente duradouro.
o É compatível com poderes de representação e na mediação não (só na
imprópria)
o Agente deve agir de modo empenhado por conta do principal; mediador é
equidistante
o Agência tem esquemas típicos de retribuição; mediação não
• Contrato de trabalho – mediação não está sujeito a subordinação
o Mediador é profissional independente e não está sob a direção do comitente –
pode é estar subjugado economicamente.

Contrato mediação: prestação de serviços materiais, oneroso, aleatório e intuitu personae.


➢ Mediador tem que ter incumbência, expressa ou tácita
➢ Necessário contrato nesse sentido
➢ Existe mesmo quando não se alcança o negócio definitivo em vista

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Contratos de Distribuição
Os circuitos económicos de distribuição dos bens, desde o produtor e até ao consumidor final,
são dobrados por esquemas jurídicos destinados a legitimá-los, fixando os direitos e os deveres
das partes envolvidas.
➢ Todas as relações e fases têm vicissitudes, pois existem muitos intervenientes pelo meio
(muitos distribuidores intermediários), havendo um processo de distribuição mais
complexo do que o normal.

O CCom não tem autonomizado os diversos contratos de distribuição, regulando-os em muitos


figuras relativamente recentes.

A comercialização dos bens e a sua distribuição na sociedade pode ser feita de forma:
• Distribuição direta – bem passa diretamente do produtor ao consumidor, ainda que
através de representantes, comissários ou mediadores
• Distribuição indireta – bem atravessa várias fases, produtor -> grossista -> retalhista ->
consumidor final50
o Integrada: coordenação entre a produção e a comercialização, de tal modo que
o distribuidor é integrado em circuitos próprios do produtor, sujeitando-se,
eventualmente , às suas diretrizes ; Exemplo : Apple e a apresentação dos
produtos nas lojas;
o Não-integrada: não há coordenação e os distribuidores atuam sem concertação
com os produtores.

No contexto de Distribuição Indireta Integrada pressupõe-se, em regra, a celebração


entre os interessados (designadamente entre produtor e distribuidores) de adequados
instrumentos contratuais.
➢ Quatro tipos de situações jurídicas possíveis: agência, concessão, franquia, livre
organização de cadeias.
➢ As partes podem, no entanto, convencionar contratos atípicos de distribuição, mas,
haverá sempre um núcleo contratual bastante próximo da agência.

Livre Organização de Cadeias


Não há instrumento contratual que estruture a articulação entre produtor, distribuidores e
retalhistas.

AGÊNCIA
O contrato de agência antes era um tipo social que passou a um tipo legal.51
É um contrato de representação comercial que passou a ser a referência para o outros
contratos de distribuição que não estão tipificados (concessão, franquia e etc.)52

50
Distribuição não é centralizada pelo próprio produtor.
51
Januário: Agência é figura neta da do caixeiro viajante (que está no CCom), mas este era trabalhador de
um principal.
52
Ao contrário da agência que tem regime legal tipificado e completo.

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• Figura matriz dos contratos de distribuição, cujas normas podem alargar-se a


todos esses contratos de distribuição, aos de distribuição atípica e ainda aos
contratos comerciais no geral.
o Januário: Força irradiadora do regime da agência – que nos contratos de
distribuição, quer nos contratos comerciais em geral, mormente no que respeita
a certos aspetos do regime, destacando a cessação do contrato (caso de
denúncia e resolução).
• Contrato de agência surgiu sobre orientação do DUE: diretiva 86/653/CEE

Agência é definida pelo DL 178/86


Nº 3 e 4 do Preâmbulo definem a função económica da Agência

Art. 1º/1 – elementos fundamentais da agência53


1. Obrigação do agente promover a celebração de contratos – obrigação fundamental do
agente de atividade material de prospeção de mercado e angariação de clientes, o que
antecede e prepara a conclusão dos contratos (onde o agente já não intervém); visa a
promoção da celebração de contratos, compreendendo um vasto e diversificado leque de
atos com o objetivo último de conquista ou desenvolvimento do mercado.
• Função típica do agente de ser intermediário entre principal e clientes, desenvolvendo
toda uma complexa e multifacetada atividade material.
• Agente limita-se a fomentar a conclusão e preparação de contratos, mas não lhe cabe a
celebração desses contratos que promove (agente não tem poderes para celebrar os
contratos, a menos que lhos tenham sido dados).
• Não se confunde com o mandato, que envolve a prática de atos jurídicos – neste caso,
se puder praticar atos jurídicos, isso é uma simples atividade acessória e complementar
da obrigação fundamental de promover a celebração do contrato.

2. Por conta de outra parte – relação interna entre o agente e o principal, que é duradoura e
surge por força do contrato de agência; distingue-se das relações com terceiros (como as
que surgem no processo de negociação conduzido pelo agente e os clientes).
• Agente atua sempre por conta do principal – efeitos dos atos que pratica repercutem-
se na esfera do principal, pois os atos destinam-se a ele.

53
MC: que em rigor é uma prestação de serviços, mais particularmente uma modalidade de mandato.

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• O agente é colaborador do principal e “representa-o” economicamente, devendo, por


conseguinte, de acordo com a sua função, cooperar com ele em ordem à realização
plena do fim contratual.
• Agência surge como um contrato de gestão de interesses alheios.
• Agente atua por conta e no interesse do principal (diferente da concessão e da franquia
onde atuam por conta própria).

3. Autonomia – não há uma subordinação jurídica (como a que há no contrato de trabalho).


• Não é contrato de agência quando, apesar de terem o título de agentes, forem
empregados, ligados ao principal por contrato de trabalho estando sob autoridade e
direção de uma entidade patronal (caso dos caixeiros-viajantes, agentes de seguros,
agentes de vendas e etc.).
• A autonomia do agente face ao principal não é absoluta pois existem orientações do
principal ao agente, que tem de prestar contas da sua atividade – estas obrigações não
podem prejudicar a sua autonomia.
o MC: Agente deva acatar as instruções concretizadoras do principal, e não as
inovatórias.
▪ As instruções não podem ter uma densidade tal que coloque o agente
na posição de empregado do principal54.
o Januário: Não há subordinação ao principal, mas pode haver dependência sim
económica do agente, face ao principal – principalmente quando o agente é
exclusivo.

4. Estabilidade – há uma durabilidade na relação principal-agente. O principal exerce a sua


atividade de modo estável e contrata com um agente não para uma operação isolada, mas
antes para um número indefinido de operações. Contraentes vinculam-se por certo período
de tempo.
• António Pinto Monteiro: Estabilidade é compatível com a fixação de prazos curtos,
podendo mesmo limitar-se a eficácia do contrato de agência a certos períodos ou
épocas do ano – a pedra de toque é que a atividade do agente não se pode limitar à
prática de um ato isolado, devendo ser uma atividade com continuidade, dentro do
período de tempo por que o contrato foi celebrado; relação contratual duradoura que
não se extingue por um ato de cumprimento.
• Daí não se confundir com a mediação em que há contrato para certo ato concreto,
terminando após este.

5. Retribuição – agência tem de ser contrato oneroso.


• Retribuição determina-se, fundamentalmente com base no volume de negócios
conseguido pelo agente, assumindo um caráter variável, sob a forma de comissão ou
percentagem (art. 15º a 18º)

Quanto à circunscrição geográfica, esta não é elemento essencial do contrato de agência e é


opção dos contraentes.
➢ Delimitação pode ser feita segundo critério geográfico ou em função de um círculo de
clientes específico (ou até a qualidade de clientes, quando se trata de grossistas,
retalhistas e etc.).

54
Canaris: as instruções concretizam os deveres existentes: não podem criar novos

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Art. 1º/2 não altera a natureza consensual do contrato e apenas surge como forma de proteção
dos contraentes
➢ Especificações por segurança jurídica.
o Cada parte tem o direito de exigir da outra um documento assinado com o
conteúdo do contrato, visando proteger o agente (que nunca poderá ser
confrontado com a pura e simples nulidade do contrato, por falta de forma).

Art. 2º - Representação
Contrato de agência, por si, não confere ao agente poderes para ser ele próprio a concluir os
contratos, não gozando este de poderes de representação.
➢ Esses poderes de representação têm de ser outorgados pelo principal.
➢ Quando não os tem, as ações do agente não vinculam o principal nas obrigações a que
se comprometeu

Se o agente tiver poderes de representação e puder celebrar contratos, pode decidir, por si, se o
contrato deve ser concluído?
• Depende do sentido e amplitude dos poderes que o principal atribuiu ao agente.
• APM: Em princípio não confere esse poder de decisão, pois não há um poder de gestão
nas relações internas e a decisão continua a pertencer ao principal.

Art. 3º - Cobrança de Créditos


Necessidade de se reduzir a escrito é por razões de transparência e segurança, clarificando a
relação entre agente e principal, sendo isto uma vantagem para ambos e para os clientes que
passam a dispor de um meio simples de comprovar os poderes do agente.

Art. 3º/1 é presunção iuris tantum sendo ilidível.

Se não houver representação: ou agente contrata em nome próprio devendo, depois, transmitir
para o principal a posição adquirida; ou contrato é celebrado, pelo cuidado do agente,
diretamente entre o principal e o terceiro.
➢ Quando o contrato não especificar, o agente sem representação opta por uma destas
vias.

Art. 4º - Exclusividade
• No silêncio do contrato, o principal não está impedido de utilizar, ainda que dentro da
mesma zona ou círculo de clientes, outros agentes para o exercício de atividades
concorrentes.
• No silêncio do contrato, o agente está impedido de exercer, por contra própria ou de
outrem, atividades concorrentes – direito de exclusivo a favor do principal (direito do
principal não ter o seu agente a exercer funções concorrentes) não está dependente de
qualquer acordo.
o APM: É o que melhor se coaduna com o princípio da boa fé (art. 6º) pois não
haveria um zelo pelos interesses da outra parte se o agente pudesse exercer
atividades concorrentes sem o consentimento prévio do principal.
• Não há um direito de exclusivo recíproco – agente beneficia do exclusivo perante o
principal quando há acordo escrito; principal beneficia de que o agente se abstenha de
praticas concorrentes mesmo na omissão do contrato.

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A qualidade de agente exclusivo não obsta a que o principal utilize outros agentes, desde que
se trate de ramo diverso daquele que foi confiado ao primeiro ou caso sejam utilizados fora da
zona ou do círculo de clientes do agente exclusivo.
➢ Isto implica que o agente, no silêncio das partes, pode exercer outras atividades e até
atividades concorrentes, desde que o faça fora da zona ou do círculo de clientes que lhe
foi confiado.

Se for atuação esporádica e ocasional, em que os clientes propõem contrato diretamente ao


principal, este pode celebrar contratos na zona reservada ao agente.

Art. 5º - Subagente
Decorre da característica fundamental da agência: Autonomia.
➢ Agente disfruta da liberdade de ser ele próprio a determinar o conteúdo, modo e tempo
da sua atividade, bem como da sua organização.
➢ MC: Contrato de agência como prestação autónoma de serviços implica uma margem
lata de concretização – vantagem de permitir ao agente procurar, nas condições de
mercado, as melhores soluções para a execução do que lhe compita.

Art. 5º/2 agente atua em face dos subagentes como o seu principal: é que o subagente é o
agente do agente (APM).

Art. 6º - Boa Fé
Referência ao fim contratual mostra ser intenção do legislador abranger toda a relação
contratual, cujo conteúdo interno será conformado pelo escopo concretamente prosseguido
pelos contraentes.
➢ Boa fé é princípio normativo que, tomado em sentido objetivo, exprime uma regra
jurídica integrada pelos valores da lealdade, honestidade e correção, de onde se
desentranha toda uma série de obrigações ou deveres, que incumbe às partes satisfazer,
tendo em conta o fim do contrato e a relação de confiança e de recíproca colaboração
que este fomenta.

Art. 7º - Obrigações do Agente


Enumeração exemplificativa.

É o agente, pelo seu conhecimento direito e pessoal do público consumidor, quem está em
condições ideais de prestar à empresa as indispensáveis informações sobre as possibilidades
do mercado, reações da clientela, estado da concorrência e etc.
➢ Deveres de esclarecimento e informação não estão dependentes do correspondente
pedido do principal – agente é obrigado a prestá-los, por sua iniciativa sempre que as
circunstâncias o justifiquem, segundo um padrão de boa gestão.
o Tem especial relevância se o agente for autorizado a efetuar cobrança de
créditos.

Art. 8º - Obrigação de Segredo


Se agente não respeitar, mesmo após cessação do contrato, principal pode pedir indemnização
nos quadros da responsabilidade pós-contratual.

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Art. 9º - Obrigação de Não Concorrência


Se o prazo ultrapassa o estabelecido, pode estar a violar-se o art. 61º CRP do direito à livre
iniciativa económica privada.

Art. 10º - Convenção del credere


Principal passa a dispor de ação contra o agente, que fica, assim, responsável pelo não
cumprimento do contrato e/ou em caso de falta de pagamento das prestações do cliente.
➢ Exige sempre acordo das partes nos termos definidos pelo artigo.

Explica-se pela necessidade do principal se prevenir contra uma eventual ligeireza do agente,
obrigando-o a uma especial prudência em relação a certos clientes ou negócios.

Discute-se a natureza: garantia assumida pelo agente em face do principal, respeitante ao


comportamento do cliente; ou cláusula penal que sanciona negligência do agente que angarie
maus clientes.
• APM: qualifica como garantia, pois agente responderá pelo cumprimento das
obrigações do cliente independentemente de culpa sua na angariação do mesmo
o Januário: agente está a garantir um cumprimento por parte do 3º das suas
obrigações face ao principal. Agente angaria clientela e garante ao principal que
esse cliente vai pagar. Agente assume risco, logo isso pode ser remunerado (art.
13º/f)

Art. 10º/2 – inspiração da comissão del credere do contrato de comissão. Agente não pode
garantir tipo fiador se não estiver delimitado a quem ele vai garantir. Remete para o art. 280º
CCom.

Art. 12º - Boa Fé


Principal deve agir de acordo com a boa fé, estando obrigado a proporcionar ao agente os meios
necessários ao desempenho da atividade deste, tendo em vista a realização plena do fim
contratual.

Art. 13º - Direitos do Agente


Enumeração exemplificativa de algumas obrigações típicas do principal face ao agente e,
correlativamente, direitos deste perante aquele.
➢ Direitos do agente são aqueles que possibilitam o exercício da atividade do agente e
regulam os aspetos do seu direito à retribuição.

Art. 14º - Direito a Aviso


Direito do agente ser avisado, e a correspondente obrigação do principal, se os contratos
promovidos pelo agente se situarem dentro dos valores com que a outra parte podia
razoavelmente contar, tendo em conta as circunstâncias ou o acordo entre ambos.
➢ Principal não está obrigado a concluir todos os contratos que o agente promove, mas
recusa sistemática sem fundamento bastante pode acarretar prejuízos para o agente
(reputação, retribuição e etc.)
o Januário: pretende evitar situação de sobre-esforço do agente comercial.

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Art. 16º - Direito à Comissão


Comissão é normalmente constituída por determinado valor ou percentagem sobre o volume
de negócios obtido pelo agente, podendo cumular-se com qualquer importância fixa acordada
pelas partes.
➢ APM: Forma mais típica e característica, que incentiva a promoção dos negócios do
principal e premeia o esforço e poder de iniciativa em função da produtividade.

Art. 16º/1 estende o direito à comissão não só aos contratos promovidos pelo agente mas
também ao contratos concluídos com clientes por ele angariados – evita que o principal se
tente substituir ao agente, negociando ele próprio com os clientes para não pagar a comissão.

Art. 16º/2 não implica que sejam contratos por clientes por si angariados: basta que pertençam
a zona ou círculo exclusivo do agente

Em que momento se torna exigível o pagamento da comissão (art. 18º)

Art. 17º - Sucessão de agentes


Quem tem direito à comissão no caso de um cliente angariado por A, ter mudado para zona de
exclusividade de B, sendo o contrato com o principal celebrado após a mudança?
• APM: é o agente que angariou que tem direito à comissão (sem prejuízo de certos casos
poder haver uma repartição equitativa)

Art. 18º - Exigibilidade do pagamento da comissão


O art. 16º estabeleceu quais os contratos que conferem o direito à comissão, este artigo
determina quando e adquire esse direito.

Há proteção do principal contra atuações menos ponderadas do agente na escolha dos clientes
ou perante um eventual desinteresse daquele após a celebração do contrato.

Art. 19º - Falta de Cumprimento da Comissão


Se não fosse assim, principal poderia incorrer em venire contra factum proprium.

Art. 21º - Dever de Informação


A prática demonstra que muitos clientes, ao negociarem com o agente, e uma vez que é com ele
que tratam, julgam ser inerente à sua qualidade de agente o poder de celebrar contratos ou
cobrar créditos – a própria situação objetiva da relação de agência pode contribuir fortemente
para induzir o público em erro.
➢ Daí que impõe-se ao agente a obrigação de fazer transparecer, por sua própria iniciativa,
o conteúdo da relação interna que o liga ao principal com medidas adequadas a tal.

MC: Agente deve informar os interessados dos poderes que possui – se incumprir, é
responsável por todos os danos que venha a ocasionar.

Art. 22º - Representação sem Poderes


Quando não tem poderes de representação contrata em nome próprio e funcionam as regras
do mandato sem representação ou proporciona-se uma contratação direta entre principal e
terceiro.

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➢ NJ considera-se ratificado se principal, tendo conhecimento da sua celebração e do


conteúdo essencial do mesmo e estando o terceiro de boa-fé, não lhe manifestar
oposição (art. 22º/2).

Art. 23º - Representação Aparente


Tutela a legítima confiança de terceiros – tutela a boa fé de terceiros.55
➢ Requisitos cumulativos, objetivos e subjetivos.

Representação Aparente – tensão de interesses entre agente, principal e terceiro.


• Regime equilibrado que tutela aparência da representação em determinados termos
• Januário: Representação aparente irradia para fora do Direito Comercial,
inclusivamente.

MC: Agente sem poderes de representação + Terceiro de boa-fé na existência desses poderes +
Confiança objetivamente justificada + Principal contribuiu para fundar essa confiança = Negócio
é eficaz

Art. 24º - Formas de Cessação


Aplica-se por analogia a outros contratos de distribuição – como franquia e concessão –
verificando as condições de analogia.

Art. 26º - Caducidade


Enumeração exemplificativa

Cessação automática do contrato, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade das


partes – o contrato cai por si

Art. 27º - Duração do Contrato


Art. 27º/2 refere-se a “transformação”, que não é mais do que uma renovação – é um novo
contrato que surge, tendo o outro caducado pelo decurso do prazo, ainda que prosseguindo a
relação contratual anterior.
➢ APM: Novo contrato é concluído tacitamente mas que prossegue a relação contratual
anterior – sendo relevante para determinar o tempo de pré-aviso e etc.
o Ratio da norma é impedir que o contrato de agência, depois de renovado, possa
vir a cessar sem necessidade de pré-aviso, como sucederia se continuasse a
tratar-se de contrato por tempo determinado.

Não se aplica se as partes estipularem especificamente que o contrato se prorrogará.


Não se aplica se as partes agirem de forma a impedir a renovação, que não se deseja.

55
Os terceiros estão na situação de contratar não com o próprio dono do negócio, mas com um
intermediário, podendo, por isso, encontrar-se numa posição de certa vulnerabilidade.
Dado o especial interesse que o principal retira da atuação de agentes e visto o valor geral que a
confiança nos negócios representa, dentro da sociedade, a lei estabeleceu mecanismos para a
proteção de terceiros

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Art. 28º - Denúncia

MC: ato unilateral, discricionário e recipiendo que se destina a fazer cessar um contrato de
duração indeterminada.
➢ Uma das partes põe termo à relação jurídica – faculdade discricionária de qualquer
contraente.56
o Valoração do ordenamento jurídico de que não pode haver vinculações
perpétuas.
o Os prazos para a denúncia são supletivos e mínimos

APM: É curto o prazo de apenas 3 meses para contratos que duram há muitos anos.
Januário: deve atender-se ao contrato e só no caso concreto é que pode sindicar-se se era
suficiente ou não, pois com o passar dos anos o grau de dependência/expetativas/confiança vai
aumentando
➢ Têm de ser as partes, pela sua autonomia privada, a estabelecer uma antecedência
mínima mais dilatada, se assim o desejarem.
➢ Não podem é acordar um prazo inferior ao legalmente fixado

APM: Contrato só pode ser denunciado depois de ter decorrido um período de tempo razoável
e não imediatamente ou pouco tempo após o seu início de vigência.
➢ Januário: isto devido à boa fé e ao princípio da estabilidade dos contratos

Pré-aviso destina-se a evitar ruturas bruscas que podem causar prejuízo ao outro contraente.

Denúncia-modificação: Contrato extingue-se exceto se os agentes aceitarem a sua


modificação – uma das partes denuncia o contrato se a outra não aceitar a modificação proposta
– uma parte pretende que a outra aceite uma alteração nas condições de trabalho, fazendo
denúncia do contrato que fica sem efeito se a contraparte aceitar a modificação do contrato.
➢ Decidido pelo STJ a 17/4/86

Art. 29º - Incumprimento pré-aviso da Denúncia


A denúncia é eficaz mas há obrigação de indemnizar.

Art. 30º - Resolução


MC: ato recipiendo, assente em determinada justificação e que faça cessar imediatamente o
contrato de agência, tenha ele prazo ou não. Pode operar subjetivamente ou objetivamente.
Conceito de inexigibilidade tem de ser concretizado tendo em conta a confiança e a
materialidade subjacente.

Resolução necessita de ser motivada

Não é qualquer situação de não cumprimento, de uma ou mais obrigações, que legitima a
outra parte, ipso facto, a resolver o contrato – lei exige que a falta de cumprimento assuma
especial importância, quer pela gravidade, quer pelo caráter reiterado, que, por via de tal, não
se possa exigir à contraparte a subsistência do vínculo contratual.

56
Januário: princípio de ordem pública contratual – tem é de se respeitar uma antecedência estipulada.

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Art. 30º/b – fundamento objetivo baseado em circunstâncias respeitantes ao próprio


contraente; trata-se de uma situação de “justa causa”, não por força de uma violação de
obrigações contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer uma das
partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado.

Art. 31º - Declaração de Resolução


Tem de ser motivada e pode operar extrajudicialmente.

E se uma das partes declarar a resolução do contrato vindo a apurar-se, por decisão judicial
posterior, mediante recurso intentado pela outra parte, a falta de fundamento da resolução?
• Ou contrato de agência se mantém tendo a outra parte direito a ser indemnizada –
solução que não é prática;
• Ou contrato se extinguiu, traduzindo a falta de fundamento da resolução, apurada
posteriormente, numa situação de não cumprimento do contrato pelo contraente, que
indevidamente lhe pôs termo, com a consequente obrigação de indemnização.

Se for facto continuado ou duradouro, o prazo de um mês do artigo conta-se a partir da data
que o facto tiver cessado e não a partir da data do seu conhecimento inicial.
➢ Mais razoável e indicada pelo elemento sistemático.

Art. 33º - INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA


É compensação ao agente após cessação do contrato – seja qual for a forma por que se lhe põe
termo.
➢ Acresce a qualquer outra indemnização.
➢ Compensação pela mais-valia que o agente proporcionou ao principal, pela atividade
por ele desenvolvida.
o MC: Funcionamento do contrato de agência pode acarretar clientes para o
principal – que se manterão mesmo após o seu termo. Cessando a agência é
justo compensar o agente pelo enriquecimento proporcionado ao principal.

Não é verdadeira indemnização pois não envolve danos e o que conta são os benefícios
proporcionados pelo agente à outra parte – que na vigência do contrato eram de proveito
comum e após o seu termo aproveitam unilateralmente ao principal.
• Mesmo que o agente não sofra danos, haverá enriquecimento do principal que legitima
e justifica a compensação.

É cumulável com as outras indemnizações a que o agente tenha direito mas exige:
• Agente tenha angariado clientes ou tenha aumentado substancialmente o volume de
negócios do principal;
• Principal beneficie consideravelmente após a cessação do contrato da atividade
desenvolvida pelo agente;
• Agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos,
após a cessação da agência, com os clientes angariados ou cujos negócios tenham sido
aumentados.

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Art. 33º/1/a está preenchido se o agente se tiver limitado a manter o nível de clientela, devido
ao seu trabalho, numa conjuntura muito desfavorável. Vem em conformidade com a ratio da
norma.
➢ Januário: pode ser interpretado por redução teleológica e em funções das condições do
mercado (se teve comportamento avaliável objetivamente para manter o mesmo
volume de negócios ou o labor para fixar certo mercado)
➢ Tem-se em conta a atuação excecional do agente.

Art. 33º/1/b não exige que os benefícios tenham já ocorrido e basta que, de acordo com um
juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar – clientela angariada
pelo agente constitui, em si mesma, uma chance para o principal.

É nula qualquer renúncia antecipada à indemnização de clientela (art. 809º CC)


➢ APM: pois a norma é injuntiva. Pode é haver uma mera limitação, desde que não seja
para evitar a possibilidade de conceder a compensação (art. 810º CC)

Art. 33º/3 tem discussão controvertida na doutrina.


➢ APM: por facto imputável ao agente na resolução do contrato, pode atribuir-se
indemnização de clientela, uma vez que esta compensação não é sancionatória e reside
no facto da cessação do contrato continuar a proporcionar benefícios ao principal.
➢ Januário: deve fazer-se interpretação restritiva – só não teria direito a compensação se
o seu comportamento tenha sido a causa para a resolução do contrato pelo principal
o Sentido deste artigo é nos casos em que há uma censurabilidade na conduta
do agente.57
▪ Critério da Imputabilidade: tendo em conta o art. 30º/a; se for no caso
do art. 30º/b não é imputável ao agente porque não se funda num
comportamento censurável do agente.

Pode aplicar-se analogicamente a outros contratos de distribuição, quando se justifique essa


analogia – aplica-se à concessão e franquia se, no caso concreto, sujeitos desempenharem
funções, cumprirem tarefas e prestarem serviços idênticos aos que recaem sobre o agente, em
termos de eles próprios deverem ser considerados pela atividade que exerceram, como um
relevante fator de atração de clientela.
➢ Tem que haver uma contraparte a beneficiar da clientela angariada.
➢ Há vasta jurisprudência que aplica analogicamente a indemnização de clientela.

Natureza da Indemnização de Clientela


• Tese retribuição diferida – ML não aceita devido ao art. 33º/3
• Tese do enriquecimento sem causa do principal – ML diz que é enriquecimento sem
causa por intervenção e visa comparar em termos de valor o equilíbrio patrimonial.
o Januário: também é baseado no art. 33º/3 e esta figura é própria da agência e
dos outros contratos de distribuição, por analogia à agência58.
Deve ser equitativa – art. 34º

57
Se o contrato não cessou por razões imputáveis ao agente, embora pudesse ter cessado, goza na mesma
da compensação pois, efetivamente, não cessou o contrato por razões a ele imputáveis.
58
Como o preâmbulo do diploma indica, a agência aplica-se aos outros contratos de distribuição quando
e na medida em que ela se verifique. Mas não é aqui que se funda a analogia da agência e dos outros
contratos de distribuição. Tem de se verificar se os requisitos da analogia estão satisfeitos.

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CONCESSÃO
Contrato atípico e inominado.
➢ Januário: Não está regulado, mas é contrato socialmente típico – tem fronteira com os
outros contratos de distribuição mas é autónomo face a eles.

Aquele no qual uma pessoa (concedente) reserva a outra (concessionário) a venda de um seu
produto, para revenda, numa determinada circunscrição.
➢ Fazendo o concessionário negócios jurídicos em nome próprio e por conta própria.

APM: Concessão é contrato-quadro em que concedente se obriga a vender ao concessionário,


para este revender, determinadas quotas de bens, aceitando certas obrigações (de respeito à
organização, política comercial e assistência aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo
e fiscalização do concedente.
➢ Este contrato é juridicamente atípico e é no regime da agência que se integram as suas
lacunas, vendo caso a caso se há analogia de situações que justifique a aplicação a sua
aplicação.

Opera em áreas em que exigem investimentos significativos e em que o produtor dos bens ou
serviços a distribuir não queira, ou não possa, ele próprio, efetuar.
➢ Tendencialmente corresponde a esquemas destinados a distribuir produtos de elevado
valor.

Concedente fixa com o concessionário um quadro de distribuição que se norteia por


parâmetros:
• Comerciante (concessionário) insere-se na rede de distribuição de um produtor
(concedente);
• Adquire o produto em jogo, junto do produtor e obriga-se a vendê-lo, em seu próprio
nome, na área do contrato

Pode haver mais cláusulas em que o concessionário pode ficar adstrito a determinadas metas, à
efetivação de certos investimentos ou à utilização de marcas ou de insígnias que identifiquem o
produto em jogo.

Contrato que estabelece relações duradouras em que o concessionário opera iure próprio.
É um contrato-quadro, em cujo âmbito vão, depois e na execução, surgir outros contratos,
entre as duas partes.

Difere de outros contratos:


• Difere da agência: concessionário age por conta própria
• Difere do mandato: concessionário age por conta própria e adstringe-se a atividades
materiais e jurídicas
• Difere da comissão e da sociedade
• Difere do consórcio: concessionário e concedente não têm propriamente uma atividade
comum e antes se verifica que os beneficiários agem por si
• Difere da mediação: concessionário não se obriga a promover qualquer aproximação e
contrata ele próprio
• Difere da transmissão de saber fazer
• Difere da franquia

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Como o contrato de concessão é atípico, ele muitas vezes inclui cláusulas próprias de figuras
“afins”, de tal modo que a distinção pode não ser linear e ser problemática.

Regime da concessão
Não tem base legal direta – figura assenta na autonomia privada
Não está sujeita a qualquer forma solene e o seu regime resultará da interpretação e
integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes.
➢ Quanto ao que não for estabelecido, recorre-se analogicamente ao regime da Agência
(conforme o disposto no nº 4 do Preâmbulo do DL 178/86) – instrumento fundamental
para acudir a lacunas que surjam em contratos de concessão.

As regras mais relevantes do regime da agência são quanto à cessação do contrato.


MC: aplica-se a indemnização de clientela do art. 33º à concessão – jurisprudência confirma-o
➢ Têm é de se verificar os pressupostos – não se aplica automaticamente e tem de se
ponderar os requisitos e a analogia

Regime de concessão comercial deve ter-se atenção às regras sobre as CCG, que são aplicáveis
• Aplica-se regime das CCG entre empresários.
• Mas há tendência na jurisprudência de dar a pequenas empresas um nível de proteção
próximo daquele que a lei dá aos consumidores.

Especificidades:
• Concessão postula relação de confiança (não se aplica prazo admonitóro do art. 808º/1,
2ª parte CC)
• Regime de exclusividade não é necessário e para existir tem de ser acordado
• Pode envolver a formação profissional do pessoal do concessionário

Não havendo prazo, pode ser denunciada com um pré-aviso (sob pena de dar azo a um dever de
indemnizar)
Havendo culpa do concedente na cessação da concessão, pode este ser condenado a retomar
os stocks antes vendidos ao concessionário – não há fundamento jurídico para limitar as
indemnizações ao dano negativo59
• Quando o contrato é denunciado, o concessionário não pode fazer mais o que está
estipulado no contrato (que é a revende de stocks) – portanto fica com produtos que
não pode vender.
o APM: deve haver uma retoma de stocks – concedente readquire os stocks e
paga o correspondente por eles. O valor da retoma é que é mais discutido.

Denúncia ilegal é eficaz, mas obriga a indemnizar.


APM: pré-aviso no âmbito da concessão pode ser estendido e tem de haver um ajuste, uma vez
que nesta figura há um maior investimento e mais confiança-

59
MC: há sempre retoma de stocks

67

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FRANQUIA (FRANCHISING)
Contrato no qual uma pessoa (franquiador) concede a outra (franquiado) a utilização dentro
de certa área, cumulativamente ou não, de marcas, nomes, insígnias comerciais, processo de
fabrico e técnicas empresariais e comerciais mediante contrapartidas.

Franquiador concede a franqueado, dentro de certa área, cumulativamente ou não:


• A utilização de marcas, nomes ou insígnias comerciais;
• A utilização de patentes, técnicas empresariais ou processos de fabrico;
• Assistência, acompanhamento e determinados serviços;
• Mercadorias e outros bens, para distribuição.

APM: Franquiado é comerciante que atua em nome e por conta própria, estando adstrito ao
plano delineado pelo franquiador e executa-o, surgindo aos olhos do público, ao distribuir os
bens com a imagem empresarial do franquiador.

Ideia de privilégio – franquiador permite ao franquiado o acesso a área que, em princípio, lhe
estariam vedadas. Essas áreas têm a ver com a utilização das marcas, nomes, insígnias,
patentes e outras técnicas de que o franqueador tenha o exclusivo.

Surgiu nos EUA e tornou-se um esquema próprio para a expansão internacional de


empreendimentos. Tem sucesso devido:
• Às possibilidades abertas pela publicidade, no tocante à divulgação de marcas e estilos
de vida;
• À mobilidade crescente dos consumidores, que facilita uma oferta uniforme de bens;
• Aumento dos rendimentos.

Veio a tornar-se contrato de distribuição implicando elementos próprios da agência e da


concessão: angariação de clientes e distribuição de bens e serviços, funcionando numa base
hierarquizada.

Contrato atípico60 – dependente da autonomia privada, podendo apresentar elementos


próprios da agência ou da concessão, surgindo como o mais variável e mais complexo dos
contratos de distribuição.

Pode ser:
• Franquia de serviços – franqueado oferece um serviço sob a insígnia, nome comercial
ou marca do franqueador, conforme diretrizes deste. Ex: Avis, Hertz
• Franquia de produção – franqueado fabrica, segundo as indicações do franqueador,
produtos que ele vende sob a marca deste. Ex: Coca-cola
• Franquia de distribuição – franqueado limita-se a vender certos produtos num
armazém, que usa a insígnia do franqueador. Ex: lojas na Pronuptia

É possível apontar alguns deveres das partes, numa lógica do que é geralmente aplicável.

60
Franchising não se reduz a contato de distribuição, podendo ser definido como o contrato pelo qual
alguém autoriza e possibilita que outrem, mediante contrapartidas, atue comercialmente, de modo
estável, com a fórmula de sucesso do primeiro e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial,
obrigando-se o segundo a atuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e
aceitar o controlo e a fiscalização a que for sujeito.

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Obrigações do franqueador61:
1. Facultar ao franqueado o uso da marca, insígnia ou designação comercial, na
comercialização de produtos por este adquiridos ou fabricados;
2. Auxiliar o franqueado no lançamento e na manutenção de certa atividade empresarial,
munindo-o de conhecimentos técnicos ou produtos necessários;
3. Facultar ao franqueado técnicas ou processos produtivos de que o franqueador teria o
exclusivo;
4. Fornecer os bens ou serviços que, porventura, o franqueado deva distribuir.

Direitos do franqueador:
1. Retribuição da percentagem do produto das vendas;
2. Poderes de fiscalização quanto a especificações e qualidades do produto vendido sob a
sua marca;
3. Poderes de aprovação ou fiscalização no que toca a pontos de venda, sua configuração
e etc.;
4. Poderes no domínio da cessão da posição contratual e da renovação do contrato;
5. Receber a contrapartida dos bens ou serviços que forneça.

Obrigações do franqueado:
1. Pagamento de certas retribuições;
2. Lançamento e desenvolvimento da sua atividade dentro de certa circunscrição;
3. Manutenção da qualidade dos serviços ou produtos do franqueador;
4. Sigilo quanto a conhecimentos recebidos do franqueador;
5. Comparticipação em despesas de publicidade;
6. Certas cláusulas de não-concorrência.

Direitos do franqueado:
1. Uso da marca, insígnia ou nome comercial do franqueador;
2. Utilização de conhecimentos, técnicas e etc. do franqueador;
3. Auxílio do franqueador no lançamento, manutenção e desenvolvimento da sua
atividade, recebendo indicações;
4. Fornecimentos acordados.

Embora economicamente subordinado, o franqueado é juridicamente autónomo, pelo que não


justificaria uma tutela de tipo laboral – tem a proteção dada pelo contrato de agência
➢ Analogia da agência não se aplica tout court e tem de se ter em conta o que está
explicitado no preâmbulo e se as condições estão reunidas.

Cessação da Franquia
Contrato de franquia dá lugar a situação duradoura pelo que o modelo de cessação aplicável é
o da agência.

61
Há ingerência do franquiador na atividade pois há um fornecimento de “know-how”, assistência,
métodos, planos de mercado, conhecimentos tecnológicos e etc.

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No entanto, a indemnização de clientela só é aplicável na medida em que ela exista – muitas


vezes a clientela é angariada pelo franqueador, dado o peso da sua marca e publicidade; o
franqueado pouco receberá por isso62

Contrato de franquia deve ser conjugado com as orientações vindas do DUE e com as regulações
vindas do Direito da Concorrência.
➢ Januário: há intrinsecamente uma grande conexão com Direito da Concorrência

Franquia coloca problemas de interpretação contratual pois esta deve ser feita numa lógica
empresarial, em termos de funcionamento, de modo a apreender-se a lógica de grupo onde o
franqueado pretende inserir-se.
➢ Pode também haver uma coordenada societária – essa natureza mista permite fazer
apelo aos mais diversos contratos, prevalecendo o sentido dado pelas partes ao
negócio.

62
Pode não se aplicar indemnização de clientela a um franchising pois pode ser o peso da marca que atrai
a clientela – mas pode não ser assim, devendo-se à atuação excecional do agente.

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Títulos de Crédito
É o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autónomo nele
incorporado.
➢ Abarca uma enorme variedade de tipos de documentos.63

São uma disciplina jurídica filiada no universo geral juscomercialista.


• Estes instrumentos jurídicos são atos de comércio no sentido do art. 2º CCom e foi à
legislação comercial que desde sempre coube a regulação dos principais títulos de
crédito.
• MC: são o cerne mais tradicional do Direito Comercial

Origem histórica na letra de câmbio medieval e surgem como instrumentos de circulação indireta
da riqueza, simplificando, acelerando e dando segurança à movimentação de bens e direitos no
tráfico jurídico-comercial.

Características dos Títulos de Crédito:


Tomadas num sentido amplo e abstrato, de caracteres comuns interdependentes e relativos –
só se apreende a realidade unitária do título de crédito mediante a coordenação das diversas
características, que são meramente tendenciais no sentido em que podem revestir diferentes
graus de intensidade consoante os tipos concretos de títulos.

1. DOCUMENTO
O título de crédito é um documento que, mais do que simplesmente servir para provar um
direito, é necessário para a constituição, exercício e transferência do direito documentado.
• Probatório – funciona como meio de prova dos direitos nele inscrito;
• Constitutivo – é pressuposto necessário do nascimento ou constituição do direito
documentado;
• Dispositivo – titularidade é indispensável para que o direito seja exercido e, por
conseguinte, transferido.

Tem havido um fenómeno de desmaterialização dos documentos e doutrina tem entendido que
os títulos de crédito também podem ser documentos eletrónicos, uma vez que o conceito de
título de crédito é dotado de elasticidade suficiente para albergar o fenómeno da
desmaterialização64.
➢ Há uma progressiva substituição do suporte físico dos títulos de crédito por suportes
de natureza informática ou digital – o registo informático passa a conter a existência,
validade e transmissão dos títulos de crédito em bases puramente eletrónicas.

2. DIREITO
O título de crédito é um documento que incorpora direitos privados de natureza vária.
➢ Excluindo-se os documentos que representam relações jurídico-públicas (ex: cartão de
cidadão, alvará de construção, licença administrativa)

63
Januário: na Alemanha assumem o nome de “Papéis de Valor” pois não têm de se reportar
obrigatoriamente a créditos
64
Engrácia Antunes: o que pode ser uma oportunidade para a revisitação e reconstrução dogmática deste
instrumento juscomercial centenário.

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Não se limitam a incorporar direitos de crédito (como letras, livranças e cheques), mas, também
podem incorporar direitos reais de propriedade ou garantia (como guia de transporte,
conhecimento de carga) e direitos corporativos ou sociais (como ações das sociedades
comerciais).

3. INCORPORAÇÃO
Relação ente o documento e o direito documentado – o direito encontra-se incorporado,
compenetrado ou fundido no próprio documento, de tal modo que é a posse do documento
que decide da titularidade do próprio direito – ligação genética, perene e infungível.
➢ Direito Cartular65

Ficciona-se a incorporação de direitos num documento, passando o título de crédito a constituir


coisa móvel, apta a circular célere e seguramente de mão em mão.
• Cria-se direito ex novo independente do direito subjacente.66
• O direito contido ou representado no documento passa a seguir o direito sobre o
próprio documento.

Consequências:
• Posse do documento é condição necessária e suficiente para o exercício do direito
cartular – posse dum título de crédito habilita ou legitima o respetivo portador a exercer
o direito nele incorporado e, inversamente, o verdadeiro titular do direito está impedido
de o exercer se e enquanto não estiver na posse do documento (art. 34º e 38º LULL)
• Posse do documento é condição necessária e suficiente para o cumprimento da
correspetiva obrigação cartular – devedor desonera-se validamente desta obrigação
mediante o respetivo cumprimento perante o portador legítimo do título, não tendo de
indagar sobre a sua verdadeira ou material titularidade (art. 40º/3 LULL)

Posse do documento cartular é posse qualificada, que obedece ao regime especial de


circulação, exigido na lei para as diferentes categorias de títulos de crédito.
• O possuidor do título, para ficar habilitado a exercer o crédito cartular e o respetivo
devedor se libere da correspondente obrigação, poderá:
a. bastar a mera detenção ou entrega material do documento (título ao portador);
b. ser exigido a existência de uma regular sucessão de endossos no documento
(títulos à ordem);
c. requerer a aposição do “pertence” no título e registo da transmissão junto do
emitente (títulos nominativos).

4. LITERALIDADE
Direito Cartular é definido e delimitado exclusivamente pelos dizeres ou pelo teor literal do
documento.

Consequências:
• Conteúdo, extensão e modalidades do direito cartular são aqueles que decorrem das
declarações objetivas constantes do título – legislador estabeleceu conjunto de

65
De “Cartula” = Documento
66
Januário: passarão a existir 2 níveis de 2 vinculações diferentes – a da lei civil e a vinculação do que está
no título

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menções formais que devem obrigatoriamente constar do documento, sob pena de o


mesmo não produzir os seus efeitos próprios – consequência positiva
• Irrelevância dos elementos, exceções e convenções extracartulares – os títulos de
crédito, quando emitidos regularmente, valem nos próprios termos deles constantes,
não podendo exigir-se algo que não conste dos documentos – consequência negativa
o O que foi acordado no nascimento do título, o que decorre do negócio
fundamental subjacente e acordos à margem do titulo são irrelevantes e
inoponíveis perante um terceiro portador do título.

Característica não é absoluta e a sua intensidade e alcance não é idêntica em todos os títulos
de crédito.
• Títulos abstratos – literalidade direta/total – letras, livranças, cheques, extratos de
fatura
• Títulos causais67 - literalidade indireta/por referência – remissão genérica para o
contrato de sociedade (art. 276º CSC)

Podem haver casos de literalidade parcial – não são oponíveis a terceiros e são invocáveis nas
relações entre os sujeitos cartulares imediatos (art. 17º LULL).

Literalidade não afasta a relevância das regras jurídicas, gerais ou especiais, em sede de
interpretação, integração e invalidade das declarações cartulares – legislador consagrou
expressamente diversas regras especiais destinadas a suprir o silêncio ou omissão das
declarações cartulares (ex: art. 2º, 35º a 27º, 76º LULL); subsidiariamente pode aplicar-se as
regras do CC.

5. AUTONOMIA68
Alcance dúplice: portador legítimo do título é, simultaneamente, titular de um direito cartular
autónomo (relativamente aos negócios subjacentes) e de um direito autónomo sobre o próprio
título (relativamente aos portadores anteriores).
1. Autonomia do direito cartular – direito do portador do título é direito independente
em face dos negócios fundamentais que lhe estiverem na origem.
• São direitos distintos que estão sujeitos a regimes próprios, não podendo ser
opostos ao portador do título as exceções decorrentes desse negócio
fundamental (art. 17º e 77º LULL).
2. Autonomia do direito sobre o título – direito do portador sobre o próprio título de
crédito é direito independente em face dos direitos dos portadores anteriores.
• Cada portador do título que legitime a sua posse de acordo com as respetivas
leis de circulação é havido como titular de um direito autónomo, nascido ex
novo nas suas mãos, sendo-lhe inoponíveis as exceções procedentes de posses
ou portadores anteriores do mesmo título (art. 16º LULL).

67
Ligados a uma causa negocial específica
68
Engrácia Antunes: doutrina aponta a Abstração junto da Autonomia dos títulos de crédito, mas, isso
não é característica universal dos títulos de crédito.

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Tipologia dos Títulos de Crédito


Aqui não se enquadram os Títulos Impróprios, que são meros documentos de legitimação e não
se destinam à circulação, carecendo de algumas características habituais dos títulos de crédito
(como a incorporação e autonomia).
• Meros comprovativos de legitimação – legitimam o portador a exercer o direito mas
vedam a circulação (ex: bilhete de avião, passe de autocarro e etc.);
• Meros títulos de legitimação – legitimam o portador a exercer determinado o direito
mas não impedem a circulação (ex: bilhete de lotaria, ingresso num cinema e etc.).

TÍTULOS PRIVADOS E PÚBLICOS


Critério da natureza do emitente
• Públicos – emitidos pelo Estado ou outras entidades públicas, habilitadas legalmente
para tal no exercício de uma atividade pública. Ex: bilhetes do tesouro, títulos de dívida
pública e etc.
o Não implica que para a prossecução das suas funções próprias sejam sempre
públicos. Ex: cheques para pagar aos funcionários – cheque não perde natureza
privada.
• Privados – emitidos por pessoas singulares ou coletivas privadas, ou entidades públicas
no exercício de uma atividade privada. Ex: letras de câmbio, livrança e etc.

TÍTULOS CREDITÍCIOS, REAIS OU CORPORATIVOS


Critério da natureza do direito cartular
• Creditícios – títulos representativos de moeda – incorporam exclusivamente um direito
de crédito a uma prestação pecuniária. Ex: letras, livranças, cheques e etc.
• Reais – títulos representativos de mercadoria – incorporam direitos reais sobre coisas.
Ex: guias de transporte e conhecimento de carga.
• Corporativos – títulos de participação ou representativos de direitos sociais –
incorporam um direito de “propriedade corporativa”, i.e., a posição jurídica complexa
inerente à qualidade de membro de uma corporação social. Ex: ações de sociedades
anónimas.
o Não podem constituir títulos executivos (art. 703º/1/c CPC)

TÍTULOS NOMINATIVOS, À ORDEM OU AO PORTADOR


Critério do modo de circulação
• Nominativos – endereçados pelo emitente a uma pessoa determinada e cujo regime de
circulação é complexo, exigindo a intervenção do emitente do título e do seu titular. Ex:
ações (tituladas) nominativas de um SA
• À Ordem – endereçados pelo emitente a pessoa determinada, circulando mediante
endosso. Ex: letra, livrança
• Ao Portador – não identificam o titular, circulando por tradição ou entrega real (titular
é o portador). Ex: ações de portador não depositadas, notas de banco

O regime de circulação é imperativamente fixado pela lei para cada tipo de título, sem prejuízo
de um mesmo título poder ter mais do que um critério legal de circulação, cuja escolha dependa
da vontade do emitente e do titular.
➢ Regime de circulação não é imutável, existindo títulos que, emitidos segundo uma regra
de circulação, são objeto de uma conversão no decurso da sua existência.

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➢ Podem também sofrer “entorses” nos casos de circulação imprópria.

TÍTULOS ABSTRATOS E CAUSAIS


Critério do nexo com o negócio subjacente
• Abstratos – aptos a desempenhar uma pluralidade de causas jurídico-económicas
subjacentes, não fazendo qualquer menção ao negócio fundamental concreto e
permanecendo independentes relativamente a este. Ex: letra de câmbio pode servir
para titular dívida pecuniária emergente dos mais variados negócios subjacentes.
• Causais – destinam-se a realizar uma específica causa ou negócio típico,
predeterminados na lei, ficando, em maior ou menor medida, dependente das
vicissitudes do negócio subjacente. Ex: ações, conhecimento de carga

Os títulos de crédito são num certo sentido abstratos, pois conferem ao seu titular um novo e
autónomo direito (cartular) a partir de um direito substantivo preexistente.
➢ Aqui salienta-se que a relação do título com a sua causa pode ser uma relação de maior
(títulos abstratos) ou relação de menor (títulos causais) independência.

Os títulos de crédito têm em si subjacentes 2 causas:


• Causa mediata ou remota – negócio fundamental subjacente propriamente dito
• Causa imediata ou próxima – convenção executiva que consiste na convenção acessória
do negócio fundamental através da qual as partes definem a função e o conteúdo do
negócio cartular, determinando direitos e obrigações fundamentais a serem
incorporados num título de crédito

TÍTULOS EM MASSA E INDIVIDUAIS


Critério do modo de emissão
• Individuais – emitidos singularmente, infungíveis (subjaz relação fundamental própria)
e destinados a serem tomados por uma só pessoa. Ex: letras, livranças
• Em Massa – emitidos massivamente, fungíveis (subjaz relação fundamental comum e
com características idênticas) e destinados a serem tomados por uma pluralidade de
pessoas indeterminadas. Ex: ações ou obrigações
o Deram origem a novo instrumento juscomercial: valor mobiliário

Relação Cartular
Emissão de um título de crédito origina o nascimento da relação jurídica específica cartular.
➢ Emissão dum título não é simples ato de documentação de um negócio e origina uma
relação jurídica que passa a ter um regime próprio.

Doutrina e jurisprudência portuguesa entendem que deve prevalecer um princípio geral de


liberdade de criação de novos títulos, pelo que é permitido emitir títulos de crédito atípicos, e
não só os previstos na lei.
➢ Está é balizado pelos limites decorrentes da lei geral

Constituição
Título de crédito e conexa relação cartular são criados através de um negócio jurídico unilateral,
através da declaração unilateral de vontade dirigida pelo emitente a sujeito determinável (art.

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511º CC), sendo este determinado mediante a posse do título segundo a respetiva lei de
circulação.

Este nascimento tem subjacente um certo negócio extracartular, havendo Convenção


Executiva – em que emitente e destinatário tendem a incorporar direitos e obrigações
decorrentes desse negocio fundamental.
• Pode fixar para o negócio cartular uma função de pagamento (solvendi), de crédito
(credendi) ou de liberalidade (donandi) face ao negócio fundamental69.
• Títulos de nascimento – não tem nenhum negócio jurídico fundamental preexistente e
são subscritos pelo emitente com vista a reforçar o crédito ou valor de circulação do
titulo em proveito do beneficiário.

Teoria da Criação – relação cartular nasce com a subscrição do título


Mera impressão e assinatura do título são suficientes para fazer nascer os direitos e obrigações
cartulares dele constantes, ficando apenas a respetiva eficácia dependente da entrega do título
ao credor cartular.

Teoria da Emissão – relação cartular nasce com a entrega material do título


Entendimento maioritário: relação cartular apenas se torna perfeita quando, além da lavra do
título, este é colocado voluntariamente em circulação pelo respetivo emitente.
• Traditio do título ao respetivo tomador/portador imediato (ou a colocação à disposição
deste), representa um elemento essencial da existência e validade da própria relação
cartular.
• Antes da entrada em circulação do título, o respetivo emitente ainda não assumiu
qualquer obrigação cartular (podendo inutilizar o título ou declaração cartular – art.
29º/2 LULL);
• Entrada não voluntária em circulação não investe nenhum dos seus eventuais
portadores, inclusive o portador mediato de boa fé a quem o título tenha sido
transmitido, em qualquer direito cartular exercitável perante o emitente.

Conteúdo
Existem duas relações jurídicas paralelas e distintas: ex causa – relação jurídica fundamental; ex
cartula – relação jurídica cartular.
Na falta de acordo, ambas as relações subsistem lado a lado (de acordo com o art. 859º CC).
➢ A articulação e coordenação destas duas relações depende dos termos da Convenção
Executiva.
o Se título de crédito tiver sido emitido com função de pagamento (pro solvendo),
o seu portador deverá acionar primeiramente a relação ex cartula, para só
depois, incumprindo-se esta, poder acionar a relação ex causa.
o Se título de crédito tiver sido emitido com função de garantia (pro soluto), o seu
portador deverá acionar primeiramente a relação ex causa, para só depois,
incumprindo-se esta, poder acionar a relação ex cartula.

69
Pode ser inserida ou não, celebrada de forma contemporânea ou posterior e pode ainda ter caráter
expresso ou tácito.

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A convivência pode ter outras consequências: frustrado o exercício da ação cartular, poderá
acionar o devedor com base na relação fundamental, prevalecendo-se de eventuais obrigações
acessórias desta, ou do respetivo regime legal.

Relações imediatas – sujeitos cartulares estão ligados entre si por uma relação fundamental em
que também são sujeitos (ou estão ligados por convenção executiva)
Relações mediatas – opõem determinado sujeito cartular a todos os demais intervenientes na
circulação do título.

Exercício e Circulação
Títulos de crédito são documentos de legitimação e de circulação.

Legitimidade ativa – para o portador – posse de um título de crédito habilita ou legitima o


respetivo portador a exercer o direito nele incorporado, mesmo quando aquele não seja o titular
do direito.
➢ Dispensa o portador de provar a titularidade material do direito cartular e proíbe o
devedor de a questionar.
Legitimidade passiva – para o devedor – devedor desonera-se validamente da respetiva
obrigação cartular mediante cumprimento perante o portador legítimo de título, não tendo de
indagar sobre a sua verdadeira ou material titularidade.
➢ Dispensa o devedor de investigar tal titularidade e garante-lhe a natureza liberatória do
cumprimento.

Facilitam o tráfico jurídico de acordo com as regra próprias de circulação – de serem títulos
nominativos, à ordem (legitimação real – posse do título é suficiente) ou ao portador
(legitimação pessoal – posse do título é acompanhada de determinadas menções nominativas
feitas no próprio título)

Extinção. Reforma dos Títulos.


Os títulos de crédito extinguem-se quando o direito neles incorporado se extingue.
➢ Dá-se com: cumprimento da prestação cartular; prescrição (art. 70º, 71º LULL);
ineficácia.
o Desparecendo o título, cuja posse é necessária para o exercício e transmissão
do direito cartular, despareceria esse direito – lei portuguesa consagrava figura
da Reforma dos Títulos de Crédito (art. 1069º a 1073º antigo CPC) em que
distinguia em títulos destruídos e títulos desaparecidos.

LETRA DE CÂMBIO
Título de crédito pelo qual o emitente (sacador) dá uma ordem de pagamento a outrem
(sacado) para pagar a um terceiro beneficiário (tomador),
ou à ordem do próprio emitente, uma determinada quantia em dinheiro.

Tem uma pluralidade de sujeitos, negócios e obrigações (que têm por objeto idêntico uma
determinada prestação pecuniária).
A. Sacador – sujeito que emite a letra de câmbio.

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• Saque é negócio jurídico-cambiário que cria o título: é ordem jurídica de


pagamento que o sacador dá ao sacado para pagar uma quantia pecuniária ao
tomador.
• Obrigação do sacador é garantir ao tomador que o sacado aceitará e pagará a
letra na data e termos convencionados, obrigando-se ainda, caso este não o
faça, a pagar ele próprio
B. Tomador – beneficiário da referida ordem de pagamento.
• Tomador pode cobrar a letra na data do seu vencimento ou endossá-la70 a um
terceiro
C. Sacado – destinatário da ordem de pagamento dada pelo sacador, que tem de a aceitar.
• Aceite é o negócio jurídico-cambiário através do qual o sacado se vincula a
pagar a letra na data do vencimento, tornando-se no aceitante.
• Se sacado recusar o aceite ou o pagamento, o portador da letra, lavrando o
competente “prostesto”, poderá efetivar de imediato as obrigações cambiárias
de garantia, responsabilizando solidariamente sacador, endossantes, ou
avalistas pelo respetivo pagamento.

Função essencial de ser instrumento de pagamento, crédito e garantia


➢ Nos dias de hoje funciona mais como instrumento de garantia e (cobrança de) crédito.

Perspetiva estática/genética da Letra de Câmbio


Requisitos
Título rigorosamente formal que, para nascer e produzir os seus efeitos próprios, deve observar
Menções Obrigatórias – art. 1º LULL
1º. Inserção da palavra Letra no texto do documento escrito por razões de segurança
jurídica – não se admite variações cambiais e tem de ser a palavra Letra.
2º. Letra deve enunciar uma ordem de pagamento incondicionada e incondicionável, que
deve ter por objeto uma quantia pecuniária determinada (art. 6º e 41º) – exclui as
“letras de mercadoria”(entrega de bens) e as cláusulas penais que fixam obrigação
pecuniária eventual pois isso tornaria incerta a quantia cambiária total.
3º. Nome civil, firma ou denominação da pessoa singular ou coletiva71 - admite pluralidade
de sacados (limite no art. 2º/3 LULL) ou que a letra seja sacada sobre o próprio sacador

70
Sendo o endosso o negócio jurídico cambiário que faz a letra circular – consistindo numa nova ordem
de pagamento dada pelo endossante ao sacado em benefício de um novo terceiro (o endossado).
Obrigação do endossante é, talqualmente a do sacador, uma obrigação de garantia pela aceitação e
pagamento da letra, com a diferença de que, se o sacador garante todos os signatários da letra, o tomador
ou qualquer outro endossante apenas se obriga em face dos posteriores portadores da mesma.
71
Sendo pessoa coletiva, pode ser uma letra em que figura o nome pessoal de um gerente, administrador
ou outro representante orgânico – deve mencionar expressamente a qualidade representativa destes.

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4º. Indicação na letra da época de pagamento tem de reconduzir-se a uma das 4 formas
típicas de vencimento previstas na lei (art. 33º) – são nulas as Letras que prevejam
modalidades atípicas ou mistas de vencimento.
• Se faltar a indicação da modalidade de vencimento presume-se que a letra é
pagável à vista – art. 2º/2 LULL
5º. Lugar de pagamento é uma morada específica, contendo todos os elementos
relevantes para o desempenho da função desta menção.
• Indicação do local de pagamento direta – por referência expressa ao “locus
solvendi”
• Indicação do locar de pagamento indireta – lugar designado ao lado do nome
do sacado (art. 2º/3)
• Letra domiciliada – art. 4º
6º. Tomador é o primeiro portador da Letra, beneficiando da ordem de pagamento nela
contida – sem indicação do nome (civil, firma ou denominação de pessoa determinada
ou determinável) do tomador, a Letra é inadmissível.
• É admissível que o tomador seja o próprio sacador (art. 3º/1) – não necessita
repetição do nome bastando um equivalente de “pague-se a mim” ou “pague-
se à minha ordem”
7º. Indicação da data justifica-se para determinar o vencimento e a contagem de prazos
de apresentação; Indicação do local serve para determinar a lei aplicável.
8º. Exige-se assinatura autógrafa72 – admite-se assinatura por procuração (art. 8º) e
assinatura a rogo (art. 373º/1 e 4 CC)

A falta de alguma delas leva a que a Letra não produza efeitos (art. 2º LULL) – inexistência da
Letra excepto se a falta puder ser suprida por disposições legais.73

Há modelo formalizado (Portaria 28/2000) mas não deixa de ser uma Letra se estiver titulada em
documento diferente do modelo oficial, desde que respeitando as menções obrigatórias legais.

Pode haver duplicatas (art. 64º e 65º LULL) e cópias (art. 67º LULL).
Pode haver Menções Facultativas:
• cláusulas “não à ordem” (art. 11º/2; 15º/2);
• cláusulas “não aceitável (art. 22º/2);
• cláusulas “sem despesas” (art. 46º);
• cláusulas de juros (art. 5º);
• cláusulas “para cobrança” (art. 18º);
• cláusulas de domiciliação (art. 4º).

Letra em Branco
Documento que não contem todas as menções obrigatórias essenciais do art. 1º LULL, mas
possui a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários, acompanhado de um
acordo expresso ou tácito de preenchimento futuro das menções em falta.

72
As assinaturas falsas podem não ser relevantes – art. 7º
73
Este documento tem alguma relevância jurídica, podendo existir como mero quirógrafo (art. 376º CC)-
documento particular probatório da obrigação fundamental subjacente.

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➢ Frequente na prática comercial uma Letra de câmbio ser sacada ou aceite mesmo antes
de se encontrar completamente preenchida.
➢ Figura acolhida implicitamente pelo art. 10º LULL

1) Tem de ser um documento onde conste a palavra Letra, suscetível de traduzir a intenção
de assumir uma obrigação cambiária, ainda que faltem alguns dos demais elementos do
art. 1º.
2) Tem de conter a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários, sendo por este
voluntariamente emitido74.
3) Tem de haver acordo destinado a fixar os termos do preenchimento futuro da menções
em falta75 – Acordo de Preenchimento pode ser expresso (mediante documento escrito
ou acordo verbal) ou tácito (resulta concludentemente do negócio ou relação subjacente à
emissão da Letra).
• Sem este acordo, a letra está incompleta e será nula pelo art. 2º
• Preenchimento Abusivo – art. 10º - violação do pacto de preenchimento pode ser quer
os casos de desconformidade relativa às menções formais da letra (ex: art. 1º/2 ou 4 –
portador introduziu uma quantia cambiária superior ou uma data de vencimento
diferente àquelas que foram acordadas com o subscritor), quer em relação aos demais
casos de desconformidade relativa a outros aspetos daquele pacto (ex: preenchimento
extemporâneo por falta de verificação de determinada condição relativa ao negócio
fundamental, de decurso de prazo mínimo e etc.).
o Subscritor em branco apenas se poderá prevalecer de tal preenchimento
abusivo perante terceiro se este tinha (má fé) ou deveria ter (falta grave)
conhecimento de ter em mãos uma Letra emitida em branco que veio a ser
preenchida com tais desconformidades.
o Terceiro de boa fé é tutelado e não pode ser oposta a exceção de
preenchimento abusivo, podendo exigir o pagamento da letra.

Perspetiva da dinâmica da Letra de Câmbio


Negócios Jurídico-Cambiários
Diferentes negócios ou operações jurídicas que têm a letra por objeto.

SAQUE
Negócio cambiário originário – através do qual a letra nasce. Formação de um novo negócio
jurídico que possibilita a existência de um título de crédito.

Declaração unilateral e abstrata, feita pelo emitente do título (sacador), que tem por conteúdo
expresso uma ordem de pagamento dirigida ao sacado para que este pague uma quantia
pecuniária determinada ao tomador ou à ordem deste.

74
Engrácia Antunes: é evidente que um documento que não haja sido subscrito por ninguém não pode
dar origem a vinculações jurídico-cambiárias
75
Pois só quando plenamente preenchida é que produzirá os seus efeitos próprios – quando conter todos
os requisitos legais essenciais do art. 1º
➢ Neste documento estarão as diretrizes para preenchimento futuro

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➢ Tem implicitamente uma promessa de pagamento dirigida ao tomador e aos portadores


sucessivos de que o sacado aceitará e pagará a letra e que, caso tal não aconteça, o
próprio sacador a pagará.

Obrigação do sacador é obrigação de garantia pela aceitação e pelo pagamento da Letra: dada
a promessa implícita no saque, o sacador responderá, em princípio, pelo aceite e pelo
pagamento da Letra por parte do sacado (art. 9º/1 LULL).
Garantia parcial pois o sacador pode exonerar-se da sua garantia de aceite da Letra (art. 9º/2
LULL): mediante oposição na Letra da cláusula “letra não aceitável”, em que o sacador se
desresponsabiliza por qualquer recusa do aceite por parte do sacado, impedindo assim o
portador de, munido de competente protesto, o acionar prematuramente em via de regresso
(art. 43º/1 LULL).
➢ Mas não pode apor cláusula exoneratória quanto à garantia de pagamento da Letra.

Modalidades Especiais do Saque


• Saque à ordem do próprio sacador (art. 3º/1) – sacador e tomador coincidem, pois as
Letras fundamentalmente são instrumento de garantia e cobrança de créditos,
destinando-se a munir o sacador-tomador (credor cambiário) de um título executivo
perante o aceitante (devedor cambiário).
• Saque sobre o próprio sacador (art. 3º/2) – aproximasse da livrança e surge associada
aos pagamentos realizados entre sucursais e outras divisões sem personalidade jurídica
de uma mesma empresa.
• Saque por ordem e conta de um terceiro (art. 30º/3) – Letra é emitida por alguém que
não figura no título como sacador
• Saque plural (doutrina e jurisprudência) – Letra pode ser sacada por uma pluralidade
de sacadores, caso em que estes se tornam coobrigados cambiários solidários, podendo
assim qualquer um deles ser acionado em via de regresso pela totalidade da quantia
cambiária.

Letra de câmbio é título de crédito e a sua transmissão faz-se mediante endosso (art. 11º/1
LULL) – regime de circulação que pode ser alterado pelas letras não à ordem, em que o endosso
é proibido sendo a transmissão por cessão de créditos (art. 11º/2).
➢ Diferenças de regime na circulação – endosso é NJ unilateral, cessão é NJ bilateral e
implica notificação ao devedor; endosso é garante de aceitação e pagamento da letra,
cessão é mera responsabilidade pela existência e exigibilidade do crédito; endosso há
direitos autónomos, cessão é mesmo direito sendo oponíveis todas as exceções.

ACEITE
Negócio jurídico-cambiário, de natureza unilateral e abstrata, pelo qual o sacado aceita a
ordem de pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e se obriga a pagar a Letra no
vencimento ao tomador ou à ordem deste.
➢ O Saque é mera ordem de pagamento dada pelo emitente ao sacado para que este
pague ao tomador a soma cambiária indicada na Letra. É o Aceite que torna o sacado
vinculado/obrigado cambiariamente a pagar tal quantia.

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Apresentação da Letra ao aceite do sacado é ato fundamental na economia cambiária.


• Se sacado aceitar a letra, torna-se Aceite e obrigado cambiário em via principal – caberá
sempre o dever de pagar a letra aceite (art. 28º)
• Se sacado recusa o aceite, acionam-se os obrigados cambiários de garantia (sacadores,
endossantes, avalistas) – através do “protesto por falta de aceite” o portador da letra
fica legitimado a exigir de imediato o pagamento integral da mesma ao sacador ou
demais obrigados (em via de regresso – art. 43º).

Letra deve ser apresentada pelo portador no domicílio do sacado até à data do vencimento (art.
21º), podendo o sacador estipular que o aceite apenas se verificará após uma certa data (art.
22º/3) e o sacado solicitar uma segunda apresentação (art. 24º) – toda a apresentação posterior
àquela data valerá como apresentação para pagamento e não aceite, sendo também o
competente protesto, em caso de recusa, protesto por falta de pagamento e não aceite.

Apresentação da Letra é facultativa – há o poder mas não o dever de apresentar a letra ao


aceite do sacado.
➢ Aceite Obrigatório: portador deve apresentar a letra ao aceite e isto pode resultar da
vontade dos subscritores cambiários (art. 22º/1 e 4) ou ter origem legal (art. 23º).
o Falta de intempestividade da apresentação ao aceite por parte do portador
origina para este a perda de todos os seus direitos de ação contra os obrigados
cambiários em via de regresso (art. 53º LULL).
➢ Aceite Proibido: portador não pode apresentar a Letra ao aceite devido a ser letra não
aceitável (art. 22º/2).
o Se a Letra for apresentada, a recusa é juridicamente inócua, não o investindo
em qualquer direito de ação contra o sacador e os demais obrigados cambiários
em via de regresso.

Declaração de aceite consiste numa declaração cambiária escrita e assinada pelo sacado em
qualquer parte da Letra – art. 25º/1 LULL
➢ Sem prejuízo dos chamados Aceites em Branco – simples assinatura na parte anterior
da letra;
➢ Sem prejuízo dos chamados Aceites Riscados – anulação da declaração antes da
restituição da letra (art. 29º76)

Aceite deve ser puro e simples – art. 26º/1


➢ Aceite condicionado ou modificado é proibido, equivalendo a uma recusa do aceite –
art. 26º/2

Sacado que aceitou não tem qualquer direito de posse ou propriedade sobre a letra aceite –
art. 24º/2.
➢ Tem direito a pedir nova apresentação da Letra (art. 24º/1) e de exigir a entrega da Letra
e respetivo documento de quitação, no momento do pagamento (art. 39º/1).

76
Sendo que art. 29º/2 é desvio ao princípio da literalidade

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ENDOSSO
Negócio cambiário que faz circular o título de crédito.
Declaração jurídica unilateral, de caráter abstrato, através da qual o tomador ou qualquer
outro portador posterior (endossante) transmite a Letra e todos os direitos dela emergentes
a um terceiro (endossado ou endossatário).

Tomador de uma Letra (bem como qualquer portador posterior desta) não é obrigado a aguardar
pela data do respetivo vencimento para se fazer pagar, podendo, antes disso e alternativamente,
endossar a mesma a um terceiro – endossante está a dar uma nova ordem de pagamento ao
sacado em favor do endossado, responsabilizando-se pela aceitação e cumprimento daquela.
➢ Funciona como um “novo saque”, com a particularidade de o seu conteúdo já estar
previamente definido e de possuir um beneficiário diferente, que agora já não é o
tomador mas o endossado.

Requisitos Objetivos e Subjetivos


• Pressupostos Objetivos – endosso exprime-se através de mera assinatura do
endossante aposta no verso do título – art. 13º
o Se não tiver o nome do endossário há um Endosso em branco
• Pressupostos Subjetivos
o Legitimidade ativa: endosso pode ser realizado pelo tomador da letra, por
qualquer portador legitimado por uma série ininterrupta de endossos, ainda
que o último seja em branco, ou ainda por qualquer cessionário ou sucessor
mortis causa de um destes.
o Legitimidade passiva: pode ser realizado a favor de qualquer terceiro estranho
à cadeia cambiária, do sacado, e até de um dos obrigados cambiários.
▪ Pode haver reendosso em que graças a uma cadeia de sucessivos
endossos, a Letra retorna às mãos de um anterior portador.

Efeitos
I. Transmite os direitos cambiários – desde a propriedade do título e todos os respetivos
direitos emergentes para o endossado.
• Pode também endossá-la de novo a terceiro (efeito de transmissão) – embora
haja determinadas modalidades de endosso que estão destituídas de eficácia
translativa normal (art. 18º e art. 19º)
II. Garante a aceitação e pagamento da Letra – endossante tem obrigação de garantia da
aceitação e pagamento da Letra perante o endossado e portadores subsequentes,
investindo os últimos num direito de regresso contra o primeiro.
• Existem modalidades especiais de endosso que não originam responsabilidade
cambiária de regresso (quando há cláusula “sem garantia” do art. 15º/1 ou
cláusula “sem despesas” do art. 46º)
III. Legitima a posse do portador – sendo a legitimidade do portador de uma letra aferida
pela existência de uma série ininterrupta de endossos (art. 16º/1), o endossado
presume-se como titular legítimo do título, ficando plenamente habilitado ao exercício
dos direitos cambiários.

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É o mecanismo típico de circulação da letra de câmbio – art. 483º CCom e art. 11º/1 LULL
➢ Existem modalidades impróprias de transmissão: transmissão inter vivos de
consignação de rendimentos, doação, usufruto, cessão de créditos; transmissão mortis
causa por sucessão; transmissão em via executiva e insolvencial.

AVAL
Negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista) garante o pagamento da
letra por parte de um dos seus subscritores (avalizado).
➢ PPV: tem por conteúdo uma promessa de pagar e por função a garantia desse
pagamento77

Nova obrigação cambiária que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária
idêntica e preexistente de um signatário da letra de câmbio.
• Obrigação pessoal de garantia, dotada de regime jurídico próprio – é autónoma78 e
subsiste mesmo no caso da obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não
um vício de forma (art. 32º/2)79; é obrigação solidária respondendo o avalista a par dos
demais subscritores pelo pagamento integral da Letra (art. 47º/1 e 2); tem projeções
plurilaterais, ficando o avalista sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra os
obrigados em face do avalizado (art. 32º/3).
o STJ – AUJ 4/2013: "Não se constituindo o aval um contrato, mas um ato jurídico
unilateral, não recetício, autónomo, abstrato e com as mesmas características
de uma obrigação cambiária não se prefigura correto, em nosso aviso, que
possa ser objeto de denúncia"
▪ Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é
admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade
a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é
interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação
social na sociedade avalizada.

Requisitos Objetivos e Subjetivos


• Pressupostos Objetivos: declaração do aval deve ser escrita e assinada pelo avalista (art.
31º/1 e 2).
o Pode ser nominativo ou Em Branco – consoante indique expressamente o nome
do avalizado ou o omita, presumindo-se neste caso que aquele será o sacador
(art. 31º/4).
▪ Carolina Cunha: há um mínimo de determinabilidade que o Aval em
branco tem de ter.

77
STJ – AUJ 4/2013: função é a de garantir o pagamento do crédito cambiário, tendo como finalidade
essencial reforçar a segurança do tomador na definitiva satisfação do crédito inscrito no título em que
o aval é prestado.
78
STJ – AUJ 4/2013: mas ao mesmo tempo é acessória porque se apoia, pelo menos formalmente, em
outra obrigação cambiária; acessoriedade formal que nada comunica, nos seus efeitos, à materialidade
da obrigação que se torna cambiária e por fim independente.
➢ OA: diverge da posição que confere ao aval uma posição de obrigação acessória, fazendo notar
que "se a obrigação se mantém, mesmo que a "obrigação garantida" seja nula por qualquer razão
que não seja por vício de forma (art.32.º/2) isso significa que não é acessória.".
79
Por oposição à Fiança, que tem natureza subsidiária e acessória.

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o Pode ser total ou parcial (consoante garanta a totalidade ou apenas parte da


quantia cambiária – art. 30º/1 LULL).
o Pode ser singular ou plural (consoante dado por, ou a favor de, um único ou
vários sujeitos).
• Pressupostos Subjetivos
o Legitimidade ativa: pode ser avalista qualquer terceiro ou subscritor cambiário
(art. 30º/2)80
o Legitimidade passiva: pode ser avalizado qualquer um dos subscritores da Letra,
desde que, naturalmente, seja responsável pelo pagamento da Letra (art.
30º/1). Exclui-se endossante “sem garantia” do art. 15º/1.

Efeitos
I. Situação Passiva: art. 32º/1 – avalista responde perante as mesmas pessoas, na mesma
medida em que responde o avalizado, podendo prevalecer-se ou ser-lhe opostas
quaisquer vicissitudes da obrigação do avalizado;
• art. 32º/2 – obrigação do avalista é materialmente autónoma e independente
em face da obrigação do avalizado, apenas não respondendo perante o devedor
nos casos em que esta última seja ostensivamente inexistente ou inválida em
virtude de vícios extrínsecos objetivamente revelados no próprio título;
• art. 47º/1 – responsabilidade do avalista é solidária com a dos demais obrigados
cambiários, não gozando qualquer benefício de excussão prévia dos sacadores.
II. Situação Ativa: art. 32º/3 – pagando a quantia cambiária ao portador, o avalista fica
assim investido numa posição de credor cambiário ao portador, passando a ser titular
de um direito próprio e autónomo graças ao qual poderá ressarcir-se em via de regresso
contra o avalizado e ainda todos aqueles subscritores que garantiam este.

Vicissitudes das Obrigações Cambiárias


Vencimento
A Letra de câmbio tem quatro modalidades de vencimento (art. 33º)
1. Vencimento de letra à vista – a letra vence-se na data da respetiva apresentação (art.
34º).
2. Vencimento da letra a certo termo de vista – a letra vence-se decorrido o prazo nela
previsto, contado a partir da data do respetivo aceite ou protesto por falta de aceite
(art. 35º).
3. Vencimento de letra a certo termo de data –a letra vence-se decorrido o prazo nela
previsto, contado a partir da data sua emissão.
4. Vencimento de letra pagável num dia fixado – a letra vence-se no dia estipulado na
mesma
Modalidades taxativas e não pode haver modalidades de vencimento atípicas, mistas ou plurais,
sob pena de nulidade (art. 33º/2)

Pode haver casos de vencimento antecipado ou prematura da letra (art. 43º LULL)

80
Ressalvam-se o aceitante (que é por definição o obrigado cambiário principal) do sacador perante um
endossante (que com o aval não poderia ficar mais obrigado do que já era).

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Pagamento
Representa o ato pelo qual é cumprida a ordem cambiária dada pelo emitente do título.

Dever de apresentação a pagamento, por parte do portador da letra (podendo em casos


especiais ser feita por outras entidades – art. 55º/1, 38º/2, 27º/1).

Prazo difere:
• Letras à vista – apresentadas no prazo de um ano a contar da emissão (art. 34º)
• Demais modalidades – apresentadas a pagamento no dia do seu vencimento ou nos
dois dias úteis seguintes (art. 38º)
• Fora dos prazos, pode dar-se a perda do direito de regresso do portador, que ficará
impedido de acionar os obrigados cambiários, à exceção do aceitante (art. 53º/1).
Também pode levar a que qualquer obrigado cambiário solicite a consignação em
depósito da quantia cambiária (art. 42º).

Letra deve ser apresentada no lugar de pagamento – locus solvendi


• Pagamento será realizado, geralmente, pelo aceitante – caso este não o faça, pode ainda
ser realizado pelo interveniente (art. 59º e 61º) e, em via de regresso, pelo sacador,
endossantes e avalistas (obrigados cambiários de garantia, art. 43º LULL).
• Pagamento pode ser total ou parcial (art. 39º/2)
• Pagamento pode ser feito na data de vencimento mas também antes desta, com
consentimento do portador (art. 40º).

Efeitos do Pagamento
I. Liberatório: sacado exonera-se da respetiva obrigação cambiária (art. 40º/3, ab initio).
• Subordinado a determinados pressupostos – exigência de que devedor tenha
verificado a legitimidade formal do portador apurada mediante uma sucessão
regular de endossos extrínsecamente válidos (art. 16º e 40º/3, in fine) e que
haja efetuado o pagamento na data do vencimento cambiário (art. 40º/2).
• Também subordinado a determinados limites – como quando o devedor haja
efetuado o pagamento ao portador com “fraude” ou “falta grave” (como o
conhecimento de ilegitimidade material do portador – art. 40º/3).
II. Direito do sacado exigir que o título lhe seja entregue: art. 39º/1
III. Direito de regresso de qualquer outro signatário: art. 49º

Protesto
Art. 44º a 46º LULL
Ato jurídico formal, efetuado perante um notário, destinado a certificar a falta do aceite ou
do pagamento da letra por parte do sacado (função de segurança jurídica), bem como a dar
conhecimento desta aos demais subscritores cambiários (função informativa) e a salvaguardar
os direitos do portador da letra (função conservatória).

Protesto por falta de aceite – certificação formal da recusa (total ou parcial) do aceite da letra
pelo sacado.
➢ Processo efetuado contra o sacador, que deve ser realizado no prazo de apresentação
ao aceite (art. 21º e 44º/2) e dispensa a apresentação a pagamento e o protesto por
falta de pagamento (art. 44º/4).

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Protesto por falta de pagamento – certificação formal da recusa de pagamento da letra pelo
sacado.
➢ Processo efetuado contra o sacado (ou interveniente) aceitante, que deve ser realizado
no prazo de quatro dia úteis seguintes à data do vencimento, excepto no caso das letras
à vista (art. 44º/3).

Mesmo fora dos prazos legais, ele não pode ser recusado.

Efeitos do Protesto
I. Conservação dos direitos do portador contra os obrigados cambiários em via de
regresso (ressalvado o caso das Letras do art. 46º e 54º) – a falta de intempestividade
da sua realização acarreta para o portador da letra a perda dos seus direitos contra o
sacador, endossante e outros obrigados cambiários (à exceção do aceitante – art. 53º).
II. Portador que protestou tem o dever de entrega simultânea no cartório notarial de
“cartas-aviso” para notificar a apresentação do protesto cambiário a todos os que sejam
responsáveis perante o portador (art. 45º)

Intervenção
Art. 55º a 63º LULL
Vicissitude juscambiária relativa àquelas letras que são aceites ou pagas por um terceiro
(interveniente) no lugar de um dos obrigados cambiários (interventor).

Ações Cambiárias
Ações destinadas a exercer judicialmente os direitos cambiários, uma vez que a Letra é um
título executivo.

Exceções Cambiárias
Subscritor de uma letra que haja sido objeto de uma ação judicial cambiária pode defender-
se, como sucede em via geral, invocando determinadas circunstâncias que tornem
improcedente, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, a pretensão do autor,
portador da Letra.

Extinção
As Letras podem extinguir-se por:
• Pagamento – art. 762º CC
• Prescrição – art. 70º e 71º LULL – direitos cambiários estão sujeitos a prazos de
prescrição
• Ineficácia – resultante de lei ou declaração judicial
• Destruição ou Perda

STJ – AUJ 4/2013: “Não se encontra prevista na LULL, a denúncia como modo de fazer extinguir
a obrigação do avalista. Pelo que não pode o intérprete encontrar no respetivo sistema nacional
outras causas extintivas para além das previstas na LULL”

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LIVRANÇA e CHEQUE
Integram, juntamente com a Letra, o núcleo duro ou tradicional dos títulos de crédito.

Livrança – título de crédito pelo qual o emitente (subscritor) promete incondicionalmente o


pagamento a determinada pessoa (tomador), ou à ordem desta, uma quantia certa em dinheiro.
➢ É promessa e só tem dois sujeitos.

As menções obrigatórias de um documento de livrança encontram-se previstas no art.75º LULL,


sendo substancialmente idênticas às previstas para a letra (art.1º LULL).

O regime da livrança é remissivo (em relação ao regime da letra). Ficam de fora da aplicação à
livrança as disposições relativas a sujeitos e a operações jurídico-cambiárias que não sejam
pertinentes, tais como o sacado e o aceite (21º-29º LULL) e o aceite por intervenção (56º-58º
LULL).

Cheque – título de crédito através do qual o emitente (sacador) ordena a uma instituição de
crédito, “máxime” um banco (sacado), onde dispõe de fundos disponíveis para o efeito
(provisão), o pagamento à vista de determinada quantia pecuniária, a favor de si próprio ou de
terceiro (tomador).

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STJ – AUJ 4/2013


II.B. - De Direito.
II.B.1. - Natureza, Função e Finalidade do Aval.
O aval é um acto jurídico cuja função é a de garantir o pagamento do crédito cambiário, tendo como
finalidade essencial reforçar a segurança do tomador na definitiva satisfação do crédito inscrito no título
em que o aval é prestado. [(3)/(4)] Na definição de Pedro Pais de Vasconcelos "o aval pode ser definido
como "o negócio jurídico cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar a
letra e por função a garantia desse pagamento". [(5)] Poder-se-á, assim, definir o aval como o negócio
cambiário típico, por força do qual se oferece aos tomadores do título cambiário a garantia de uma pessoa,
o avalista, formalmente dependente da de outro obrigado no título, o avalizado, mas configurada num plano
substancial com carácter autónomo.
A garantia oferecida pelo avalista constitui-se ao mesmo tempo acessória e autónoma. [(6)] Acessória
porque se apoia, pelo menos formalmente, em outra obrigação cambiária, a do avalizado, autónoma porque
é válida ainda que a obrigação garantida resulte nula por qualquer causa que não seja vício de forma e
porque o avalista não poderá opor excepções pessoais ao beneficiário do aval. [(7)]
Para Oliveira Ascensão o aval funciona como uma obrigação autónoma e não como garantia, dado que pelo
aval o avalista contrai uma responsabilidade (jurídica) distinta da do avalizado, não estando, sequer,
dependente da validade da obrigação garantida "nem mesmo da obrigação do afiançado". [(8)/(9)]
Caberá conferir os distintos tipos ou classes de aval, de acordo com diversos critérios de classificação de
desigual importância ou transcendência jurídica.
Assim, por exemplo, segundo o momento em que sejam subscritos, os avales poderão ser anteriores ou
posteriores ao vencimento e denegação do pagamento da letra produzindo em ambos os casos plenos
efeitos; segundo poderão ser prestados por um terceiro ou prestados por um assinante da letra, esteja o
avalista ou não obrigado no título,
A classificação mais importante é a que contrapõe os avales gerais ou plenos aos avales limitados. Não se
reconhece, em principio, outra limitação que a referida à quantidade avalizada no chamado aval parcial.
[(10)] Há, no entanto, quem considere que, por não estar expressamente proibido na lei, são admissíveis os
avales limitados a tempo (quer dizer que a reclamação contra o avalista se coloca dentro de um prazo
fixado), a pessoa (quer dizer que seja uma pessoa concreta e determinada - o beneficiário do aval - a que se
dirija o avalista) e a caso ou condição.
Quanto à natureza jurídica do aval o debate doutrinal centrou-se durante algum tempo na concepção do
aval como uma especialidade ou modalidade da fiança. A dependência substancial que, conforme tal
concepção, guardaria a obrigação do avalista com a do avalizado cuja inexistência determinaria,
necessariamente, a ineficácia do aval, supunha uma restrição tão severa à eficácia deste como instrumento
de garantia do crédito cambiário que forçou muitos autores a manter interpretações quase correctoras
inspiradas na afirmação de uma independência entre ambas as obrigações. [(11)] A posição doutrinal mais
recente, bem como a jurisprudência, tem vindo a afirmar a natureza autónoma e independente do aval
relativamente à obrigação avalizada, ainda que formalmente dependente. [(12)]
O aval dá-se em função de uma obrigação garantida, circunstância que haverá de ter, em princípio, um
reflexo formal no título cambiário (o aval deverá indicar quem avaliza) e que se traduz numa consequência
fundamental: o avalista responde tão só ante os tomadores do título ou seja, perante aqueles a quem
responde o avalizado.
O aval é considerado como valorizador da assinatura do sacado, endossantes ou aceitantes, aos quais
brindou com uma confiança tal que valoriza a sua exteriorização cambiária objectiva, com um acto de pura
garantia. Encerra, pois, objectivos peculiares, privativos e imanentes ao seu carácter de obrigação
cambiária, qual seja a celeridade pela rápida circulação do documento e segurança. [(13)]
Tratando-se de uma garantia pessoal, o aval, insere-se dentro das garantias pessoais de coordenação, em
oposição às chamadas garantias pessoais de subordinação. A doutrina soe ubicar nesta segunda categoria
as garantias acessórias, onde a subordinação provoca a acessoriedade jurídica da obrigação da garantia
relativamente à obrigação garantida, de que é exemplo clássico a fiança. Já na primeira categoria se
enquadram as que se relacionam com as necessidades do crédito e a mostra mais recente são as garantias
bancárias, as quais se tornam consubstanciais ao endosso e ao aval. A própria lei cambiária considera os
obrigados, em via de regresso, garantes no sentido de que contraem uma responsabilidade cambiária reflexa

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pela sua intervenção no documento cambiário, sem desconhecer que a dívida principal compete a outro
sujeito participante na relação cartular.
O aval surge-nos, assim, como um acto pelo qual uma pessoa que não está obrigada por qualquer razão a
pagar uma letra (ou outro título de crédito) aceita fazê-lo para garantir a responsabilidade de um dos
obrigados, sacador, subscritor ou endossante. Parece, por outro lado, acertado conceber esta figura como
um acto unilateral (de vontade não receptício) conferido por escrito na letra, ou em folha anexa a ela,
vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte quem a outorga, em responsável
cambiário no pagamento do documento.
O aval tem um regime próprio e diferente da fiança e como todo o giro cambiário - baseado no princípio da
literalidade - deve constar do título (directamente ou porque a lei se encarrega de integrar ou presumir certas
menções).
Numa conceptualização dicotómica poder-se-iam evidenciar como traços distintivos do aval relativamente
à fiança, os seguintes [(14)]:
- O aval não conforta (respalda) a obrigação de uma pessoa determinada, constituindo-se antes uma garantia
objectiva do pagamento, total ou parcial, argumento pelo qual não pode limitar-se a tempo, a caso ou pessoa,
por não lhe poder ser colocada ou estar sujeito a qualquer condição. Não procede neste caso o benefício da
excussão, já que a obrigação do avalista é autónoma e a sua validade e legitimação dos credores cambiários
não está subordinada a diligências ou trâmites prévios.
O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita; espontânea e
independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da
literalidade, autonomia, abstracção dos títulos de crédito que suprimem perante terceiros as defesas que se
sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente
para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam
vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e
obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado
ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os
efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato.
O aval apresenta-se como uma garantia, dado que refere precisamente a sua desvinculação substancial com
os actos cambiários e cujo fim é desempenhar funções cambiárias principais distintas (para circulação do
título, o endosso; para a sua satisfação, a aceitação) e de que o aval não surge como consequência de tais
transacções mas sim por um acto espontâneo alheio ao curso normal (natural) do título de crédito.
Ao tratar-se de um acto cambiário a obrigação que nasce do aval é abstracta, isto é, prescinde da causa na
sua relação circulatória. A qualificação da garantia pessoal fundamenta-se na adição (aglutinação) de um
novo sujeito a uma ligação objectiva prévia e não ao nexo pessoal entre o avalista e o avalizado.
Efectivamente, o aval, qual garantia objectiva não se vincula com a pessoa nem com a obrigação avalizada,
mas tão só porque, singelamente, é uma garantia de pagamento de uma obrigação que objectivamente
emerge do título. De modo que a abstracção do aval é idêntica às demais obrigações cambiárias posto que
esta dá vida justamente a uma relação cartular dessa qualidade, independente e diferente.
É um acto jurídico que deve revestir uma forma e deve ser escrito como meio de exteriorização. Toda a
obrigação cambiária reveste a forma escrita pelo que também o aval deve assumir forma escrita.
É independente, porque a lei considera válido o aval ainda que a obrigação avalizada seja nula, a menos
que a referida nulidade seja puramente formal. Na verdade, o aval persiste e produz efeitos legais ainda que
a obrigação do avalizado seja nula, o que não acontece com a fiança, pois que o vício da obrigação afiançada
afecta a fiança civil, convertendo-a em nula ou anulável. Se a obrigação principal está afectada de nulidade
absoluta, a fiança também se verá afectada;
Ainda que ambas assegurem o cumprimento de dívidas pecuniárias, o aval é uma obrigação autónoma,
materialmente, enquanto que a fiança é acessória de outra principal - a fiança não pode constituir-se sem
uma obrigação válida. Isto significa que o aval consigna duas obrigações distintas com dois devedores e a
fiança somente uma obrigação, mas com dois devedores;
O aval é sempre comercial já que provêm de acto de comércio. A fiança segue a materialidade da obrigação
garantida.
O aval não deriva da lei nem de decisões judiciais, tendo sempre a sua origem na vontade do avalista, sendo
por isso que se diz que tem um valor objectivo, porquanto o avalista obriga-se a si mesmo, mediante a sua
assinatura. A fiança é legal, judicial ou voluntária;

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O exercício da responsabilidade contra o avalista não exige a excussão nem a interpelação judicial prévia
do avalizado; a fiança civil admite a divisão ou a excussão prévia;
Não se permite ao avalista que se valha das excepções pessoais do avalizado, já que a sua obrigação é
independente e o direito do terceiro é autónomo; o fiador pode opor as mesmas excepções que o afiançado
sempre e quando não sejam pessoais do mesmo devedor;
O avalista que paga tem acção cambiária contra o avalizado e os que respondem perante este, implicando
o exercício de um direito autónomo e literal como legítimo portador do título e é evidente que os devedores
se tornam solidários; o fiador é um credor por sub-rogação e a sua repetição não pode prosperar se não
interpõe excepções que incumbiam ao devedor principal ou pagou sem ser interpelado ou deixou de avisar
o obrigado principal;
O aval não pode ser sujeito a condição; a fiança pode;
O aval é irrevogável; o fiador pode retractar-se em determinados casos;
O aval tem como referente uma operação bancária determinada; a fiança pode vincular-se a operações
futuras e indeterminadas, ou até a uma soma certa ou incerta;
O aval surge mediante declaração cartular; a fiança é derivada de um convénio;
Se o avalista se torna insolvente o portador do título não pode solicitar um substituto; na fiança é possível
suplantá-lo ou substitui-lo ou se se trata de co-fiadores a parte correspondente ao insolvente rateia-se entre
os demais que possuam solvência. [(15)]
Como deflui do que vem sendo escrito quanto aos traços fundantes do aval e da sua afinidade/diferença
com figuras jurídicas afins, maxime a fiança, a maioria, se não a quase totalidade dos autores, qualifica o
aval como um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal e que se constitui
como uma garantia cambiária com as características imanentes a este tipo de relações (cartulares), a saber
a abstracção, a literalidade e a autonomia. "O avalista assume uma obrigação cambiária ao estampar o seu
nome no título; ele promete o pagamento da letra, tal como o faz qualquer obrigado cambiário (mais
precisamente como o promete o obrigado por quem outorga o aval); por outras palavras, o garante assume
uma obrigação de autonomia e abstracção do título. Assim enquanto que na fiança o elemento
acessoriedade, logicamente dominante em toda a relação de garantia, se manifesta na sua mais completa
eficiência e se mantém por lei firme em todas as suas consequências lógicas, no caso do aval, no que se
atina às relações entre garante e garantido, nas quais deveria também dominar a acessoriedade, as ditas
relações encontram-se, necessariamente, modificadas por outro imprescindível componente, a autonomia
da obrigação. A autonomia absorve a acessoriedade, dado que a relação de acessoriedade só subsiste nas
sobreditas relações - e não pode deixar de sobreviver, dado o carácter de garantia que o aval implica - no
seu aspecto formal, decisiva em matéria cambiária: o que equivale a afirmar que a obrigação do garante
não pode funcionar se não existe como formalmente válida a obrigação cambiária do avalizado".
A maioria dos autores coincide em que o aval se trata de "um acto pelo qual um terceiro ou um signatário
da letra garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores". [(16)] Como a lei requer que o aval
esteja referido a uma obrigação formalmente existente tendem para que isso signifique uma acessoriedade
formal que nada comunica, nos seus efeitos, à materialidade da obrigação que se torna cambiária e por fim
independente.
Trata-se, outrossim, de uma garantia objectiva para pagamento do título sem vinculação com a obrigação
avalizada, excepto quanto à existência desta. Elimina-se, pois, o carácter subjectivo (este é a vinculação
com a obrigação de uma determinada pessoa) do aval para se tornar objectivo (quer dizer uma obrigação
abstracta, conforme a literalidade do documento). Trata-se de uma garantia cambiária típica, dado que a
obrigação do avalista se encontra desligada do avalizado; a obrigação deste torna-se abstracta e literal como
direito autónomo para o portador do documento, se bem que existindo uma obrigação formal com o acto
avalizado se considere como um nexo de posição, sem que se requeira uma substancial posição entre ambas
as obrigações cambiárias. Em virtude disso, o avalista assume uma obrigação directa e pessoal, não com o
do seu avalizado, e portanto responde, directa e pessoalmente, perante o credor cambiário, pelo pagamento
do título e não pelo cumprimento deste. O avalista não assegura que o avalizado pagará, mas sim que o
título será pago; não participa da obrigação de outros, mas, ao invés, fá-la própria (non alienae obligationi
accedit sed alienam facit propriam); a designação da pessoa a favor a quem se presta o aval tem tão só a
finalidade de fazer assumir ao avalista uma responsabilidade cambiária de igual grau que a do avalizado.
II.B.2. - Indeterminabilidade do negócio jurídico (aval).

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Uma das divergências axiais que colhe oposição na jurisprudência ancora na indeterminabilidade do
negócio jurídico que consubstancia a constituição do aval do recorrente.
A questão da indeterminabilidade, para o caso da fiança foi objecto de tratamento no Acórdão
Uniformizador deste Supremo Tribunal n.º 4/2001, de 23 de Janeiro de 2001, e publicado no DR, I Serie
A, n.º 57, de 08-033-2001. Na doutrina fixada "[é] nula por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de
obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de
qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e
independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha."
Tratava-se no caso julgado no AUJ n.º 4/2001 de uma situação em que os sócios de uma empresa haviam
operado a denúncia de uma fiança omnibus e pretendiam através de uma carta dirigida ao banco
desvincular-se da responsabilidade fidejussória assumida mediante a fiança, por haverem cedido as quotas
de que eram detentores na sociedade afiançada.
Na crítica que fez a este aresto [(17)], o Prof. Januário Costa Gomes desenvolve [(18)] a questão da
determinabilidade/indeterminabilidade para defender que o artigo 280.º do Código Civil não pode deixar
de ser conjugado com o artigo 400.º, n.º 1 do mesmo livro de leis. Na medida em que "[à] priori, não
veríamos impedimento a que a prestação do fiador fosse determinada pelo credor e devedor, uma vez que
na sua previsão genérica, o art. 400/ 1 é, em principio, passível de ser aplicado a qualquer negócio jurídico;
em tese geral a determinação per relacionem satisfaz o requisito da determinabilidade." [(19)] E mais
adiante acrescenta este autor que a exigência de "[uma] rápida e mecânica aplicação do disposto no art.
280/1 é o facto de como também já dissemos, a exigência formulada no art. 280.º/1(...) não ser estática,
insensível às peculiaridades dos negócios específicos." [(20)]
No estudo que vimos citando o Autor examina num apartado - "A sorte da fiança após a cessão de quotas
pelo fiador omnibus" [(21)] - que a cessão de quotas por parte de um sócio não pode conduzir à caducidade
podendo, no entanto, ser efectuada mediante denúncia ou resolução por justa causa. [(22)]
Na análise a que procede relativamente à eventual aplicação do AUJ n.º 4/2001, ao aval de uma livrança
em branco posteriormente preenchida, a Prof.ª Carolina Cunha [(23)], aquiescendo com a doutrina fixada
no aresto, estima que a jurisprudência (restritiva) que considera inaplicável a doutrina do acórdão "[apoia-
se] numa asserção circular: como o aval só "existe" depois de preenchido o título, uma vez preenchido o
título já não "subsiste" qualquer indeterminação. Pelo contrário, [acrescenta a autora] o que está em causa
é a função da garantia desempenhada pela própria subscrição em branco mesmo antes do titulo ser
preenchido e, concomitantemente, a ausência de limites à incerteza em que semelhante garantia é prestada.
Também aqui deve avultar, portanto, aquela "preocupação em proteger o dador de garantia face a uma
divida não previamente abarcável" que conduz à exigência de um mínimo de determinabilidade - não
obviamente no título já preenchido, mas sim no acordo relativo ao seu preenchimento." [(24)]
Ensaiando uma resposta à problemática que atina com o thema decidendum - consequências da cessão da
participação social do sócio cambiariamente vinculado como garante -a Autora [(25)] coloca a questão nos
seguintes termos: "pode o subscritor em branco que cedeu a sua participação social e se desligou da vida
societária vir a ser incomodado, porventura anos depois, quando o credor decide preencher e accionar o
titulo?", para responder com a solução adiantada pelo Prof. Januário Costa Gomes, a propósito da fiança,
no estudo supra citado, ou seja de que lhe pareceria pertinente chamar à colação a doutrina a propósito da
fiança, quando refere que "à luz das regras de interpretação dos negócios jurídicos, pensar que os mesmos
sócios que aceitaram subscrever termos de fiança preparados pelo Banco, quiseram manter-se vinculados
mesmos depois de cederem a terceiros as respectivas participações sociais - mesmo depois de deixarem de
ter interesses na empresa ou sequer contactos com a mesma."
Mais adiante a mesma autora refere que lhe parece "[razoável] admitir que em certas circunstâncias possa
vir a ser reconhecida uma faculdade de desvinculação unilateral do acordo de preenchimento ao sócio
garante que cede a sua quota, faculdade que a jurisprudência tende a construir como denúncia (com que
circunscreve aos contratos de duração indeterminada) mas que alguma doutrina qualifica como resolução
por justa causa, fundada na inexigibilidade de o garante permanecer vinculado por uma relação duradoura",
para de seguida, e depois de afirmar que "[o] sócio permanece responsável pelas dividas constituídas até à
extinção da garantia" e referir que o reconhecimento de semelhante faculdade implica "[uma] ponderação
da interface que, através do acordo de preenchimento, se estabelece com a relação jurídica pela sociedade.
Nos financiamentos bancários típicos, como a abertura de crédito simples ou em conta corrente, o fluxo
financeiro que determina a divida cambiariamente garantida depende das solicitações feitas pela sociedade
em cada momento - o que confere pleno sentido à tese segundo a qual a cessação da qualidade de sócio
implica uma inexigibilidade de permanecer vinculado como garante." [(26)]

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A razoabilidade ou plausibilidade da solução apontada pode conflituar, em primeiro lugar, com a própria
natureza do aval, incondicional e irrestrito, a menos que seja dado de forma parcial, e, correlatamente, com
o direito pessoal de garantia que estava constituído pelo aval para pagamento do valor patrimonial inserto
do direito de crédito cambiário, de harmonia com o acordo de preenchimento pactuado.
Quanto à primeira objecção não se configura razoável que uma garantia, materialmente autónoma e
independente da obrigação creditícia que propinou a sua emissão, possa ser denunciada como um contrato
duradouro, ou sequer como um negócio unilateral duradouro. O aval, em distinção da obrigação
fidejussória, não acompanha a relação obrigacional do avalizado destinando-se a criar uma garantia perante
o tomador do título de crédito de que o título será pago na data do vencimento ou nos termos em que o
pacto de preenchimento foi acordado. Repontar-se-á, em contraposição ao que foi asserido, que o aval no
caso de abertura de contrato de abertura de conta simples ou de conta corrente firmado entre uma sociedade
e uma instituição bancária e em que os sócios intervêm como garantes prestando o aval em titulo de crédito
a preencher por aquela, nos termos do pacto de preenchimento acordado, está, inextrincavelmente,
conexionado com a obrigação subjacente pelo que a extinção da responsabilidade, maxime pela cessão de
quotas de que era detentor na sociedade avalizada por parte de um sócio, conduz, inelutavelmente, à
desresponsabilização do sócio relativamente à obrigação subjacente bem como à garantia cambiária que
lhe está associada ou que tem para com aquela uma relação de acessoriedade. Pensamos, como já
adiantamos supra, que o aval, como garantia que se destina a garantir o pagamento do valor patrimonial
inserto no título de crédito não pode ter o mesmo tratamento que a garantia fidejussória ou a fiança. Na
verdade o avalista, contrariamente ao que acontece ao obrigado fidejussório, não responde perante o credor
nos mesmos termos que este mas sim, e tão só, cria um direito de regresso perante o sacado correspondente
ao que haja pago ao tomador do título pelo incumprimento pelo sacado da obrigação inscrita no título.
[(27)]
A segunda objecção que poderia ser formulada ou oposta à razoabilidade da proposta de solução adiantada
no estudo citado poderia ser a seguinte. Suponhamos que todos os sócios de uma sociedade se
responsabilizavam mediante o aval pelo pagamento de uma livrança, cujo preenchimento haviam acordado
com a instituição credora, e que todos os sócios cediam as respectivas quotas. Neste caso seria razoável que
mediante acto unilateral de todos e cada um dos sócios ocorresse uma desvinculação unilateral da obrigação
cambiária do aval prestado para garantia do direito de crédito cambiário, expresso no valor patrimonial do
título de crédito, de acordo com o pacto de preenchimento? Ou, numa hipótese mais perversa que um dos
sócios cedesse simuladamente a sua participação social e tendo a cessão sido registada no pacto a viesse a
exibir e impulsar como causa de uma denúncia de uma aval prestado? Ou ainda que a cessão fosse efectuada
a quem não tinha património capaz e bastante para suportar a execução do título de crédito avalizado.
Em nosso juízo a desvinculação unilateral, na situação hipotisada, dessoraria totalmente a garantia prestada
e deixaria o tomador do título de crédito sem qualquer garantia de que o crédito concedido viesse a ser
pago. Dir-se-á, como ficou apontado na solução adiantada que os avalistas, no caso os sócios da sociedade
avalizada, sempre seriam responsáveis pelos créditos já vencidos. Com se disse supra o aval pode ser
quantitativamente limitado caso em que o avalista se compromete a pagar só uma parte do crédito avalizado.
Só que, como é doutrina unânime esta limitação tem que ficar expressa no momento em que o aval é
prestado. [(28)] Não tendo o avalista limitado quantitativamente a importância por que se comprometia a
prestar o aval, afigura-se-nos de difícil conciliação com a própria natureza do aval e da obrigação cambiária
constituída perante o tomador do título de crédito.
Acresce que, sendo o aval uma garantia autónoma e incondicional não se vê como se poderia fazê-la
retroagir a um momento anterior àquele que consta a data do vencimento ou consensuada no acordo de
preenchimento. A doutrina espanhola, malgrado na Ley Cambiaria y del Cheque não fazer menção, ao
contrario do que acontecia com o estatuído no art. 487.º do Código Comercial, admite que o aval possa ser
limitado no tempo, só que essa limitação vem adscrita de uma condição, a saber "[que] se faça a
determinação do termo com data posterior ao vencimento da letra, já que um aval outorgado a prazo anterior
ao vencimento da letra não teria nenhuma eficácia, pois o credor cambiário não pode exigir a ninguém o
pagamento da letra antes da data do vencimento." [(29)] Tendo sido acordado que o aval era outorgado para
garantir o montante que viesse a ser apurado, caso não fosse pago e houvesse que preencher a livrança, ao
limitar temporalmente a um momento anterior aquele em que o acordo de preenchimento estabelecia, estar-
se-ia a frustrar o carácter incondicional e intemporal do aval, dado que quanto ao primeiro requisito far-se-
ia condicionar a garantia pessoal outorgada pelo avalista à sua condição, não de garante pessoal, mas de
garante enquanto sócio da sociedade avalizada, postergando, deste modo, uma das características do aval,
e ao segundo, estar-se-ia a fazer retroagir o momento temporal do aval a uma data aleatória e dependente
de uma vicissitude ou factor indeterminável e fortuito.

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A ser possível a desvinculação unilateral dos sócios, mediante declaração dirigida ao tomador do titulo,
qual a confiança que sobraria numa relação jurídica estabelecida entre este e aquele a quem o aval é pedido.
Não se olvidará que o avalista garante o pagamento do direito de crédito cambiário, não relativamente ao
avalizado, mas perante o tomador do título de crédito. É perante este que o avalista assume a obrigação de
pagar o crédito cambiário, caso o sacado não o venha a fazer e não perante o avalizado. A garantia é prestada
para garantia do direito cambiário e não para pagamento da obrigação creditícia que foi incorporada no
título. O aval não cumpre uma garantia da obrigação do avalizado mas sim uma garantia de satisfação do
direito de crédito cambiário que o título incorpora.
A ser possível e plausível a solução proposta, frustrar-se-ia a função de garante cambiário que o aval
desempenha e representa, deixando ao livre alvedrio e arbítrio do obrigado cambiário a sorte do direito
cambiário, destruindo com ela a responsabilização que o credor cambiário busca na prestação desta garantia
cambiária. Não pode, em nosso juízo, o credor do direito de crédito ficar à mercê das vicissitudes e variações
das posições sociais que em cada momento vigoram numa sociedade e dos interesses particulares que os
sócios decidam em cada momento para o destino societário. Ao prestar uma garantia bancária, os sócios
devem ter a noção clara de que se estão a responsabilizar, pessoal e cambiariamente, pelo pagamento do
direito de crédito que se comprometeram a satisfazer no caso de o avalizado o não fazer. Daí que não lhes
seja lícito, e seja susceptível de frustrarem uma das funções axiais da garantia pessoal que se constitui pelo
aval, que se possam desvincular, unilateralmente, da obrigação cambiária que assumiram.
Dir-se-á que o credor cambiário sempre se poderá opor à denúncia ou à resolução por justa causa, na
terminologia que preferimos, e fazendo-o inviabiliza ou pelo menos pode reagir e opor-se às razões alegadas
pelo avalista para se desvincular da sua posição de garante cambiário. Atendendo à estrutura ontológica em
que o aval se consubstancia, cremos ser difícil configurar essa possibilidade, no entanto, não sendo o local
adequado para uma discussão desse tipo, deixaremos a questão para uma ponderação futura.
II.B.3. - Denúncia da relação de avalista.
A denúncia é um acto declaratório unilateral, receptício destinado a pôr fim a uma convergência de vontades
anteriormente estabelecida e que se destinava a perdurar.
Na definição que dela é feita por Proença Brandão "a denúncia pode ser definida como o poder exercido
por normal declaração unilateral receptícia, livre ou vinculada, de extinguir ex nunc e dentro de certos
prazos, um contrato duradouro stricto sensu. Tal faculdade surge como corolário evidente da interdição de
perpetuidade contratual e da consequente defesa da liberdade individual, não visando, assim, sancionar
qualquer estado contratual alterado na sua execução". [(30)]
A questão que vem colocada atina com o facto de, revestindo o aval a natureza, as finalidades e as
características que se deixaram enunciadas, é possível ao avalista operar validamente a sua denúncia, por
ter deixado de ocupar a posição social que possuía quando prestou o aval.
Em acórdão recente deste tribunal [(31)] foi decidido que era possível no caso em que o aval tinha sido
prestado numa livrança decorrente de um contrato de abertura de crédito o avalista desligar-se da obrigação
cambiária que tinha contraído perante o tomador da letra, independentemente da qualidade que possuísse
na sociedade comercial mutuária.
Em nosso juízo, e salvo o devido respeito, não se constituindo o aval como um contrato, ou seja, um acordo
entre o avalista e o avalizado, ou o tomador do titulo cambiário, não poderá desligar-se do vínculo que
constituiu mediante uma declaração de vontade (receptícia) devendo responder como obrigado cambiário.
"[...] além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é senão imperfeitamente uma obrigação
acessória relativamente ao avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora
dependente da última quanto ao lado formal. De facto a lei estabelece o princípio de que a obrigação do
avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo por vício de forma." [(32)]
Tratando-se de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá, em nosso juízo,
o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma
obrigação que, pela sua abstracção e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como
obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da
obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A
obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente. [(33)]
Do que ficou dito supra, o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou
da livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular,
pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na
relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária pelo que esta se

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mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária,
perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância de a relação subjacente
se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou
obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece
independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as
eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular
assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente segregando um feixe de obrigações e deveres
que, do nosso ponto de vista, não são passíveis de denúncia.
O asserido arranca da funcionalidade do aval e percute-se na estrutura ôntica deste modelo de garantia, que
revestindo as características que lhe são apontadas supra, não são passíveis de ser redutíveis a relações
contratuais ou de concertação de vontades. O aval constituindo-se como uma figura jurídico-comercial
distinta de outras garantias pessoais, maxime da fiança, não pode ser reconvertível a um contrato
consensuado entre o avalista e qualquer dos demais obrigados cambiários e que, et pour cause, possa ser
objecto de denúncia.
Como se extrai da definição de denúncia supra extractada esta figura ou instituto jurídico só é exercitável
e admissível para as situações em que a relação contratual arranque de um contrato duradouro e que uma
das partes, por declaração unilateral de vontade receptícia, pretenda pôr termo. [(34)]
Não se constituindo o aval um contrato, mas um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto
e com as mesmas características de uma obrigação cambiária não se prefigura correcto, em nosso aviso,
que possa ser objecto de denúncia.
Volvendo ao caso concreto, temos que o recorrente pediu em tribunal que "[a] ré fosse condenada a proceder
à liberação do autor da garantia prestada no âmbito dos contratos e livrança em apreço, a produzir efeitos
desde a data da recepção da comunicação do autor."
Na desinência do que ficou exposto, concluímos que:
- "Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do
avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é
interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada."

Caso em Discussão: Avalista sai da Sociedade


Aval Cai Aval Não Cai
- Não é sustentável que fique eternamente Aval é autónomo da relação jurídica base: AUJ
obrigado. 4/201381
- Sócios fazem aval em benefício da sociedade - Embora formalmente depende da relação
porque têm ligação especial a ela – são avalistas jurídica base, mas é acessoriedade formal que
em momento histórico específico em que são não comunica os seus efeitos à materialidade da
membros da sociedade; obrigação que se torna cambiário e
- Se a dívida avalizada já estivesse vencida antes independente;
de ele sair, então ele era garante da obrigação; - Difere da fiança e é autónoma;
- Resolução fundada em justa causa fundada na - Desvinculação unilateral desossaria a
inexigibilidade do garante permanecer garantida prestada – garantia cambiária ficaria à
vinculado por obrigação duradoura – faculdade mercê da mudança nas participações sociais;
de desvinculação unilateral; - Tendo o aval sido prestado de forma restrita e
- Banco não pode manter vinculados ex-sócios já ilimitada, não é admissível e a sua denúncia por
alheados da sociedade para lhes dar segurança. parte do avalista sócio de uma sociedade a favor
de quem aquele foi prestado, ainda que este
tenha cedido a sua participação social na
sociedade avalizada.

81
Januário: incorre num erro de tratar de igual forma livrança completa e livrança em branco. Aval em
branco não é aval cambiário, embora se destine, mas não fatalmente a sê-lo. Só há vinculação cartular
quando for preenchida (isto não se confunde com a teoria da emissão-criação) portanto não há vinculo
do aval cambiário – há é vinculação para aval cambiário (é “embrião”, diz Carolina Cunha).

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O CRÉDITO
Entre o banqueiro e o cliente inicia-se uma relação que tende a prolongar-se no tempo,
intensificando-se com a prática de novos e mais complexos negócios.
➢ Relação bancária – natureza complexa, mutável, presente no que constitui uma
das mais marcantes características do Direito bancário
o Doutrina da relação de negócios: relação duradoura que teria um início e um
termo, representando um valor autónomo acrescido, no comércio. É pontuada
por múltiplos atos de conteúdo similar ou interligado, correspondendo a uma
situação voluntária. Foi veiculada por comercialistas do séc. XIX e hoje perdeu
importância.
o Doutrina da relação legal e de confiança: as partes assumem, uma perante a
outra, determinadas prestações (primárias), ficando adstritas, pela boa fé, a
certos deveres de cuidado e de proteção, de modo a que não sejam provocados
danos nas respetivas esferas. A relação bancária é complexa e pode analisar-se
numa relação obrigacional em dever de prestar principal.

Operações bancárias passivas – Banco surge como devedor


Caso dos depósitos bancários
Operações bancárias ativas – Banco surge como credor
Caso dos créditos bancários
Operações neutras – tipicamente operações de prestação de serviços

Desde o momento em que o cliente e o banqueiro concluam um primeiro negócio significativo –


normalmente a abertura de conta – estabelece-se entre eles uma relação social e económica,
que tenderá a ter continuidade e se surgir mais negócios entre ambos essa relação intensificar-
se-á.
➢ Relação bancária contínua, suscetível de ser preenchida com os mais diversos
negócios.
➢ Ambas as partes têm deveres de conduta, oriundos da boa fé, dos usos ou de acordos
que venham a concluir.

FENÓMENOS CONTRATUAIS NO DIREITO BANCÁRIO


1. Contratação Mitigada
Figuras em que se estabelecem vínculos mais lassos, de conteúdo variável e que teriam em
vista uma futura composição de interesses. Surge consignada pela prática dos negócios.
1. Carta de intenção (letter of intent): declaração que consigna uma vontade já
sedimentada de, em determinadas condições, concluir certo contrato, embora sem se
obrigar a tanto. Demonstra vontade séria de adquirir mas sem vinculação jurídica e é
utilizada no comércio internacional.
2. Acordo de negociação (instruction to proceed): negociações complexas e consigna-se
uma vontade comum das partes de prosseguir negociando, dentro de determinados
parâmetros.
3. Acordo de base (head of agreement): negociações complexas em que as partes podem,
obtido um acordo em área nuclear, formaliza-lo desde logo.
4. Acordo-quadro: negociações tendentes a originar múltiplos contratos levam as partes
a assentar um núcleo comum a todos eles.

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5. Protocolo complementar (side letter): tendo em vista um contrato nuclear, as partes


concluem um convénio acessório, tendente a completá-lo.
6. Contrato de reserva82: potencial comprador mostra-se interessado mas pretende
conservar total liberdade de decisão e o vendedor aguarda a decisão reservando a coisa
durante um curto prazo.

São todas admissíveis mas levanta a dúvida de se uma das partes faltar, poderá ser coagida ao
acatamento?
MC: depende se o acordo mitigado tem conteúdo suficientemente explícito ou se se
limita a obrigar as partes a prosseguir nas negociações. Se não for, apenas pode haver
indemnização por interrupção injustificada das negociações.

Contratação diz-se mitigada, não por ter vínculos mais fracos, mas por ter em vista um fim
eventual e sendo diferentes dos deveres que virão à luz da contratação final.
➢ Estas figuras são de direito civil mas têm aplicação fecunda no campo bancário e a
relação bancária é tão complexa que poderá compreender tais deveres mitigados, seja
originariamente seja em momento ulterior.
➢ MC: tais declarações não têm necessariamente conteúdo jurídico e podem tratar-se de
meras cortesias.

Não está no campo da contratação mitigada


1. Acordos de cortesia – convénio relativo a matéria não-patrimonial e que se revela do
mero trato social. Não se distingue do contrato apenas por as partes o terem colocado
fora do Direito: ele recai sobre uma matéria que não releva para o Direito.
2. Acordo de cavalheiros – convénio que as partes pretenderam colocar fora do campo do
Direito e que assenta na palavra dada e na honra de quem a dá.
3. Relações de obsequiosidade – quando não comportam comuns relações obrigacionais
a cumprir pelas partes podem dar lugar a situações de responsabilidade por deferência
(de onde podem decorrer situações de proximidade negocial, de entrega confiante ou
de dependência de proteção, de que resultem danos).
➢ MC: relação complexa bancária pode incluir acordos não-jurídicos, que as partes
pretenderam manter no cavalheirismo, mas, quando uma das partes o queira,
tais acordos voltam ao campo do jurídico.

2. Relações Duradouras
Abertura de Conta = Contrato de Abertura de Conta = Contrato de Conta
MC: Não se deve chamar “abertura de conta de depósito” pois pode não haver qualquer depósito,
funcionando uma abertura de conta na base, apenas, do crédito.

Contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres
recíprocos relativos a diversas práticas bancárias, marcando o início de uma relação bancária
complexa e duradoura em que se fixam as margens fundamentais em que ela se irá
desenrolar.

82
Frequente na ordem jurídica portuguesa

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➢ Ato nuclear cujo conteúdo constitui o tronco comum dos atos bancários
subsequentes.83
➢ Estruturado com recurso a CCG84, é consensual embora esteja formalizado – a
regulamentação desta relação é complexa e neste ato definem-se os termos em que a
mesma se pode desenvolver, em função da vontade da partes.
➢ Essência última é a de ser uma prestação de serviços, recorrendo ao regime do mandato
(art. 1156º e ss. CC) de forma supletiva.

Não se confunde com a conta-corrente nem com o depósito bancário.

Conteúdo Necessário: serviços tipicamente associados à existência e gestão de uma conta à


ordem.
• Conta-corrente bancária (semelhante à dos art. 344º a 350º CCom com a especificidade
de o banco ser normalmente o devedor e de, por princípio, o cliente poder dispor do
saldo a todo o tempo) – assenta-se os termos em que a conta, em termos de credito e
débito é movimentada tendo em conta os moldes definidos.
o Nos termos do Direito Comercial (art. 344º e ss. CCom), surge como uma
obrigação assumida pelas partes, de manterem uma determinada relação de
negócios sob a forma contabilística de conta-corrente, resultando numa
simplificação e normalização no modo de apresentar um conjunto complexo de
operações.
o A conta-corrente bancária tem regras próprias do contrato de conta-corrente,
celebrado com um banqueiro, e com determinadas especificidades e que se
integra no contrato mais vasto de abertura de conta.
o É essencial para o andamento das relações bancárias e tem as seguintes
especificidades:
▪ Reporta-se apenas a movimentos em dinheiro;
▪ Inclui-se num negócio mais vasto -> abertura de conta;
▪ Postula emissão contínua de saldos;
▪ Salvo convenção em contrário o banqueiro nunca surge como credor:
salvo é favorável ao cliente ou igual a zero;
▪ Cliente pode dispor permanentemente do seu saldo;
▪ Pressupõe um dever, a cargo do banqueiro, de a organizar e apresentar;
▪ Dá lugar a extratos a emitir pelo banqueiro e a aprovar pelo cliente,
consolidando os movimentos dele constastes.
o Elemento vital da conta corrente: SALDO – posição jurídica de relevo,
particularmente autónoma que representa o valor social e económico de certa
conta.

Conteúdo Natural: a conta envolve os regimes do depósito bancário e serviços de pagamento


simples.
• O depósito não é necessário para conformar a conta bancária mas configura-se como
algo natural na conta bancária.

83
Negócio materialmente bancário por excelência, cujas regras permitem integrar muitos negócios
bancários carecidos de regulamentação.
84
MC: Regime assenta nas cláusulas contratuais gerais dos bancos e nos usos bancários e traduz um
negócio jurídico complexo – corresponde a um tipo social

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o Januário: contrato de conta engloba, naturalmente, o contrato de depósito, o


qual, sem deixar de ter autonomia, acusa o facto de estar integrado naquele
contrato complexo.
• Também se enquadra neste conteúdo os regimes convencionais de compensação.
• Os serviços são o Giro Bancário85
o Prevê-se regras em relação aos movimentos, incluindo juros, despesas e
comissões que o banqueiro poderá debitar sobre os extratos.
o Conjunto de operações escriturais de transferência de fundos, realizadas por um
banqueiro a pedido do cliente ou a favor dele. Faculta as seguintes operações:
▪ Transferências bancárias simples;
▪ Transferências internacionais;
▪ Pagamentos por conta bancária;
▪ Cobranças por conta bancária;
▪ Outras operações de transferências de fundos.

Conteúdo Eventual: negócios subsequentes à abertura de conta, nomeadamente a convenção


de cheque, emissão de cartões de crédito, descobertos em conta e giro bancário complexo.
• MC: pode estar contido nas CCG atinentes à abertura de conta.

Da praxis bancária resulta o esbatimento destes diversos conteúdos pois as CCG que pautam
a abertura de conta disciplinam todas as situações jurídicas bancárias tendencialmente
possíveis.

Portanto,
a Abertura de Conta é, no fundo, um contrato normativo que regula toda uma atividade
jurídica ulterior, ainda que facultativa.
➢ MC: Tem, assim, traços da contratação mitigada -> banqueiro não fica obrigado a
celebrar contratos ulteriores, compromete-se apenas a ficar disponível para examinar
quaisquer propostas que lhe venham a ser formuladas.
o Mas, gera logo efeitos jurídicos: conta-corrente bancária, giro bancário com o
serviço de caixa por parte do banqueiro, dever de receber depósitos e efetuar
transferências, deveres de informação e etc.

Januário: É um contrato-quadro em que as partes definem, ab initio, os termos dos contratos


que poderão celebrar no futuro – partes regulam ex ante os termos dos contratos que podem
vir a celebrar no futuro, sentido estrito de este ser um contrato normativo.
• Partes acordam também a “chave de acesso” à conta – classicamente é a assinatura do
cliente aposta na ficha que permite aceder à conta e realizar um conjunto de atos
bancários.
o MC: O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma
ficha, com assinatura e pela aposição da mesma assinatura, num local bem
demarcado – passando esta assinatura a ser válida para todas as comunicações
dirigidas ao banqueiro e para todas as ordens inerentes.

85
Que Menezes Cordeiro coloca no Conteúdo Necessário

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A conta tem um grande enfoque contabilístico, sendo organizada pelo banco e estando à sua
responsabilidade: é, em primeiro lugar, a expressão contabilística de atos praticados no âmbito
da relação bancária entre o banco e o cliente
➢ Conceição Nunes: é o registo, organizado numa base pessoal, cronológico e sintético,
das operações de entrega e reembolso de fundos, constitutivas, modificativas ou
extintivas do crédito unitário ao reembolso.

Estorno – inscrição na conta em sentido inverso a uma anterior inscrição, tida por irregular. Ex:
banco faz um lançamento a crédito, por erro, numa conta, tendo de fazer depois uma inscrição
em sinal contrário a anular o efeito da primeira inscrição.
➢ Problema do estorno é o balizamento temporal com que pode ser feito.

Princípio de que qualquer pessoa pode ser titular de uma conta – celebração da abertura de
conta varia se for pessoa singular ou coletiva (a forma como se abre está regulada no art. 7º Lei
25/2008)
• Os menores podem ter conta, aberta pelos pais em nome dele.
o No quadro do art. 127º CC, os menores podem proceder a algumas
movimentações de contas de que sejam titulares.
• Contas podem ter vários titulares e as contas coletivas podem ser conjuntas, solidárias,
mistas, fiduciárias e de escopo.
o Nos casos de contitularidade temos: conta solidária (qualquer dos
titulares pode movimentar sozinho e livremente a conta), conta conjunta
(só pode ser movimentada por todos os titulares, em simultâneo), contas
mistas (alguns titulares só podem movimentar a conta em conjunto com
outros).
o Contas fiduciárias – abertas em nome de uma pessoa, mas por conta e no
interesse de outra. Só releva se for de conhecimento do banqueiro.
o As classificações das contas ainda podem variar consoante o tipo de
depósito.

A conta pode sofrer algumas vicissitudes como o cativo bancário, o penhor, a penhora, a perda
do poder de movimentação da conta e a cessação da conta.

Cessação da conta – provoca o termo dos diversos negócios dela dependentes, caducando as
convenções com o banco.
➢ Pode cessar por denúncia (do cliente ou do banco, este último tem de respeitar prazos),
por acordo das partes e por resolução em casos muito vincados nos quais,
justificadamente, não se pudesse exigir ao banqueiro, a manutenção de certa relação
(dentro do período de pré-aviso requerido para a denúncia).

Bloqueio da conta – decidido pelo banqueiro podendo advir de múltiplas razões e, muitas vezes,
prenuncia a cessação do contrato de abertura de conta.

Aviso Banco de Portugal 11/2005 regula as condições gerais de aberturas de contas de depósito
bancário.

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Há direito a ter conta bancária?


Quase todos os cidadãos economicamente ativos têm uma ou mais contas bancárias.
➢ Januário: A bancarização da sociedade constitui a evidência que a atividade e os serviços
bancários estão omnipresentes.

Há circunstâncias em que são obrigados a tê-las: funcionários públicos são pagos através da
Caixa Geral de Depósitos e um grande número de empresas paga por transferência bancária.
➢ MC: Mas, na falta de lei expressa, ninguém é obrigado a ter conta.
➢ Não há regra legal que obrigue o banqueiro a contratar86 e há apenas limites das regras
de concorrência que proíbe certas práticas individuais restritivas do comércio.

Januário: Não é descabido que a lei possa impor a um banco, ou sob iniciativa direta de um
cidadão ou por ordem da autoridade de supervisão, a pedido do interessado, a abertura de
uma conta, com disponibilização de determinados serviços – parece lógico a sujeição dos
bancos, que têm o exclusivo dos serviços bancários, à prestação dos serviços de base associados
à conta a qualquer cidadão, sem prejuízo da introdução de mecanismos, a nível do regulador,
destinados a assegurar a “distribuição equitativa” dos cidadãos, nas mesmas condições, pelos
vários bancos do mercado.

O sistema português de acesso a contas bancárias passa pelo regime dos serviços mínimos
bancários (RSMB) do DL 27-C/2000 e Lei 19/2011 – que é apenas vinculativo para instituições
de crédito que adiram ao sistema de acesso.
• Interessados podem abrir conta de serviços mínimos, que não podem ser recusados.
o Já não é obrigatório conceder crédito, cartões87 e cheques.
• Contrato pode ser resolvido pelo banco se cliente possuir conta noutro banco (pode
também exigir-lhe o pagamento dos custos, taxas e etc.) e pode ser denunciado pelo
banco se não tiver havido quaisquer operações bancárias nos 6 meses anteriores à
denúncia.

Depósito Bancário
Depósito Civil – art. 1185º CC
• PL / AV: natureza real quod constitutionem do depósito
o Januário: , sendo um contrato real quod constitutionem pode ser constituído
pelas partes em termos consensuais.
• Art. 1186º remete para o regime do mandato presumindo-se a gratuitidade. Doutrina
tem reafirmado a gratuitidade como elemento natural do depósito.´
o Art. 1158º ex vi art. 1186º

Art. 1187º - depositário fica obrigado a:


• Guardar a coisa depositada;

86
Como há em França em que se pode dirigir ao Banco de França, que, iuri imperii, indica ao interessado
um estabelecimento que abrirá essa conta.
87
Cartão de crédito – é via complexa, que passa por um contrato de conta, em que o banco aceita dar
crédito. O Banco aceita fazer pagamentos através dum a lógica de pagamentos por cartão, aceita pagar
e depois debita na conta cobrando o juro em conformidade.

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o Obrigação de custódia do depósito civil (art. 1185º e 1187º/a) é devido à


infungibilidade da coisa que é objeto do contrato – essa obrigação de guarda da
coisa é a prestação principal a cargo do depositário.
• Avisar imediatamente o depositante se houver perigo;
• Restituir a coisa e seus frutos.

É contrato intuito personae assente na confiança – quem entrega uma coisa a outrem fá-lo por
estar convencido que a coisa vai ser bem guardada, atendendo às qualidades do depositário.
Obrigação de custódia assume obrigação de resultados e não de meios. A culpa presume-se.

Depósito Irregular – art. 1205º e 1206º CC


Surge autonomizado, mas dentro do regime do depósito tendo por objeto coisas que se
determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, ao constituírem objeto de relações
jurídicas.
➢ Quando as partes fazem um depósito mas não tem de se restituir a coisa depositada e
sim o equivalente à coisa.
➢ Depósito de coisas fungíveis, mormente, o dinheiro.
o Januário: Em função da fungibilidade do dinheiro, o depositário está adstrito a
restituir outro tanto (o tantundem) do que foi depositado ao depositante.

Falta a característica que marca a natureza do depósito: a obrigação de guarda ou custódia da


coisa.
➢ Depósito de dinheiro não é genuíno depósito e, tendo em conta art. 1206º CC, é tipo
próprio, construído em termos mistos entre o depósito e o mútuo.
o Não é verdadeiro depósito, mas também não é mero mútuo.
o É celebrado no interesse do depositante, que beneficia da conservação
desse valor, mantendo sobre ele uma permanente disponibilidade.
o Contrato Misto: com elementos do depósito e do mútuo e que, por estar
há muito nominado e autonomizado, tem tipo próprio do depósito
irregular.

Depósito Bancário – depósito feito em dinheiro, por um cliente (depositante) junto de


um banqueiro (depositário);
➢ Tipo contratual social
➢ DL 430/91, de 2 de novembro
o Definições dos vários depósitos: art. 1º

Enquadra-se no âmbito do contrato de conta bancária mas não se confunde com esta realidade.
• Surge associada a uma abertura de conta, de tal modo que, aquando da efetivação, o
banqueiro já deu o seu assentimento genérico: ele mais não pode fazer do que aceitar
as diversas manifestações da sua concretização.
• Forma está por vezes condicionada por CCG, preenchimento de impressos ou
atualização de esquemas informáticos – exigências de normalização em que observada
a forma, o ato é válido.

Não é um verdadeiro depósito e o regime aplicável a esta operação resultará das cláusulas
contratuais gerais do contrato de conta.

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➢ Quer estas cláusulas quer a praxis bancária afastam a ideia de que cada “depósito” ou
cada movimento a crédito constitui um contrato de depósito autónomo – são apenas
“movimentos” no desenvolvimento de um contrato de depósito único.

O contrato é consensual, sem prejuízo de cada movimento a crédito na conta depender da


correspondente entrega/entrada de dinheiro.

Pela especificidade do sistema bancário, nenhum banco está em condições, em cada momento,
de pagar a todos os seus depositantes numa hipótese de “corrida aos bancos” – e isso só é aceite
e tolerado num clima de confiança nos bancos e no sistema bancário, incluindo a confiança na
eficiência do supervisor.
O Banco de Portugal (supervisor) não é, juridicamente, um garante do cumprimento das
obrigações de restituição por parte de cada banco depositário e a quem se possa exigir
restituição.
➢ A segurança está no bom funcionamento do sistema bancário e na forte confiança que
o mesmo possa gerar, o que postula uma boa regulação e supervisão.
➢ Existe é o RGIC, que consagra um regime de garantia de reembolso dos depósitos, nos
termos dos art. 154º e ss, que se estrutura em torno do Fundo de Garantia de Depósitos.

Januário: O depósito bancário é um tipo social unitário e autónomo, que se subsidia no


depósito irregular, figura que constitui a sua matriz dogmática e histórica.
• Esta caracterização não é incompatível com a existência de diversidades de regime no
interior da figura do depósito bancário, designadamente em função de se tratar de um
depósito à ordem ou a prazo.88

Depósito a Prazo – assenta no regime do mútuo em que particular tem direito de crédito sobre
o banco.
• Banqueiro adquire a titularidade/propriedade do dinheiro, beneficiando com essa
titularidade do direito de propriedade do capital (que pode investir e etc.), portanto, faz
sentido que particular seja remunerado com juros.
• Há período de imobilização do capital (há esse dever) que financia o banco – daí que o
particular deva ser remunerado por tal – falta de disponibilidade que leva a terem a
natureza de mútuo
• Pode haver mobilização do dinheiro no momento do vencimento.

Depósito à Ordem – assenta mais no regime do depósito em que o cliente, sendo credor, tem
permanentemente disponível o saldo.
• Não há proibição de uso do capital e pode sempre exigir qualquer montante que lá tenha
(e pode até levantar-se mais do que se tem, nos casos do Descoberto Bancário).
• Confunde-se com a Conta à Ordem em que há suscetibilidade de movimentar capitais a
todo o momento – por isso, cliente não tem direito a auferir remuneração, pois não há
financiamento para o banco.

88
Qualquer que seja a natureza, o depositante fica com o crédito sobre o banco, no valor depositado –
crédito com valor económico e jurídico (pode ser empenhado – pode haver penhor de créditos; titular
de conta dá de penhor o crédito que tem sobre o banco).

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• Pode até haver encargos e comissões que o particular tem de pagar ao banco – imputa-
se ao cliente o custo de abertura de conta, que se traduz nos serviços que o banco
providencia.

Compensação Bancária
Instituto geral do art. 847º/1 CC
Tem papel fulcral no Direito bancário e, juntamente com os juros, é suporte básico de
toda a atividade da banca.

Instituto singular que consubstancia uma via de autotutela, tendo a vantagem, para o credor
que dela se socorra, de evitar os riscos associados à insolvência do devedor, bem como a de
evitar as delongas do recurso à via executiva para satisfação do crédito.

Ocorre no âmbito de uma relação bancária geral, enformada por vetores duradouros de
confiança – partes estão ao corrente da globalidade das suas posições e devem agir, trocando
entre si, todas as informações úteis.
➢ É um instrumento que faz baixar os custos do crédito e, em geral, dos serviços
financeiros.

Compensação Legal – art. 847º e ss. CC

Compensação Convencional – banqueiro pode livremente ajustar com o seu cliente a realização
de operações de compensação, fora de quaisquer requisitos legais, desde que respeite as regras
imperativas.
➢ Pode ser implícito e emergir de regras de funcionamento da conta corrente, resultantes
de CCG (que impedem o afastamento da compensação legal – art. 18º/h – mas não
impedem a facilitação).

Compensação em conta-corrente – um dos elementos básicos da conta-corrente é o fluxo


contínuo de compensações anómalas que permite, em casa momento, disponibilizar um saldo
(art. 346º/3 CCom).
➢ Tudo o que seja levado à conta pode ser compensado e não é oponível ao banqueiro
qualquer relação subjacente ao depósito, este, uma vez realizado, entra na lógica da
abertura de conta, da conta-corrente e das compensações que a animam.

Quando o crédito do banco sobre o cliente nasceu no âmbito do contrato de conta – banco
pode declarar a compensação, não só relativamente à sua posição de devedor do saldo da conta
em causa, mas também nos termos da compensação legal, relativamente à posição devedora
que tenha perante o cliente noutras contas.

Quando o crédito do banco sobre o cliente tem uma origem autónoma, relativamente ao
contrato de conta e respetivas condições acordadas, como nas situações de mútuo ou
abertura de crédito89 - não há circunscrição natural de conta, funcionando como esfera, pelo
que não haverá obstáculos a que o banco declara a compensação relativamente a qualquer
débito de saldo de qualquer conta do titular.

89
Que criam contas-corrente específicas e não dependem do contrato de conta, em termos de regime.

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Depósito a prazo, para que a compensação possa ter lugar, o banco tem de converter
previamente o seu débito a prazo em débito à ordem, creditando na conta o quantitativo
correspondente aos juros que o cliente iria auferir à data do vencimento.90
• Devido ao requisito da homogeneidade do art. 847º/1/b – exige que as contas tenham
a mesma qualidade (ser conta à ordem e conta a prazo são qualidades diferente).
• Se não pagasse os juros vincendos, haveria uma perda para o particular, imposta
unilateralmente pelo Banco e em que o particular não acordou.
• Se não fosse possível, estaria a invalidar-se a satisfação do crédito por uma via de
autotutela e uma das vantagens e objetivos da compensação, traduzida numa certa
inaplicação do princípio par condictio creditorum, esfumar-se-ia pela circunstância de
não ter havido ainda vencimento.

Crédito Bancário
Os bancos são os grandes intermediários de crédito: recolhem fundos dos depositantes e, com
base nesses fundos, disponibilizam capitais a quem deles precisa – concedem crédito.
➢ MC: núcleo duro do tratamento profissional do dinheiro.
➢ Art. 2º/1 RGIC define instituições de crédito.

Crédito é conceito caleidoscópico e com uma pluralidade de significados.


• Perspetiva dominante é a que vê o crédito como uma troca entre um bem presente e
uma contraprestação futura de um bem análogo.
o Galvão Telles: todas as coisas fungíveis, e nomeadamente o dinheiro, podem ser objeto
de uma especial modalidade de troca económica que se traduz na permuta de coisas
presentes por coisa futuras do mesmo género. Entre as duas prestações, a entrega e a
restituição, medeia um intervalo de tempo. Nesse intervalo, que imprime à entrega o
cunho de operação de crédito, aquele que recebeu a coisa pode livremente dispor dela,
pois apenas fica adstrito a restituir outro tanto do género considerado. É nessa livre
disponibilidade, no facto de se receber um valor com a faculdade de fazer dele o que
aprouver e a obrigação de só mais tarde restituir valor igual, é nisso que está o alcance
económico da operação. Quem fornece dinheiro a crédito, ou seja, dinheiro presente
contra dinheiro futuro, proporciona uma vantagem, o juro não é outra coisa senão o
pagamento dessa vantagem.

Elementos caracterizadores do crédito:


• Tempo – troca diferida (de dinheiro no presente por dinheiro no futuro, embora,
juridicamente, a troca é no presente pois há uma troca de dinheiro por uma posição
ativa – um ativo financeiro);
• Confiança – relevo cimeiro (elemento principal em todas as operações de crédito).
o Januário: esta conceção não é tanto jurídica mas é mais uma conceção
económica ou sociológica, pois mutuante não pode por em causa o crédito se
tiver faltado esse elemento. Faz sentido falar dela porque o crédito é feito com
base numa relação e confiança. O quadro bancário é um quadro de confiança
complexa;

90
i.e., para tornar mobilizável o montante, tem de pagar os juros vincencdos ao particular para tornar a
conta a prazo numa conta à ordem.

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• Risco – é possível que a prestação futura não seja realizada, pois banco pode não
recuperar o crédito. Por isso é que muitas vezes quando os bancos dão crédito exigem
garantias, o que pode gerar fenómenos de sobregarantia.
o Uma empresa obrigada a prestar garantias em excesso colide com a dinâmica
das empresas.
o Bancos hoje em dia exigem garantias demenciais (MC) – sobregarantia que
violam o princípio da proporcionalidade.

O banco tem um ativo que juridicamente pode negociar, vendendo ou onerando o direito de
crédito resultante da concessão de crédito – comprador terá o ónus de avaliar a qualidade da
mercadoria, desde logo em função da confiança que o devedor do crédito lhe mereça.

Juros
MC: estão no cerne do mútuo e de todo o comércio bancário91.
• CC insere-os como uma espécie de obrigações (art. 559º-561º) pois não têm que ver
necessariamente com o mútuo oneroso e podem reportar-se a numerosas outras
situações.
• Obrigação de juros pressupõe uma obrigação de capital, sendo determinada em
função do montante desta.

A cultura marcada por uma vivência judaico-cristã desde cedo que demonizou os juros, cujo
período de demonização já está ultrapassado92 e hoje em dia pugna-se, não pela sua
inadmissibilidade, mas pelo seu controlo e estabelecimento de limites.

Os juros podem ser:


• Legais ou Convencionais
• Compensatórios (proporcionam utilidade que compensa a privação temporária do
capital), Indemnizatórios (indemnizam os danos sofridos pelo credor) ou compulsórios
(compelem o devedor a cumprir).
• Remuneratórios (compensatórios – remuneram o capital) ou Moratórios (são aqueles
devidos pela mora e atraso na restituição do capital).
o Dentro dos remuneratórios: juros à cabeça ou juros postecipados (em relação
ao tempo da cobrança)

A circunstância de o crédito ser concedido por uma entidade que está no mercado monetário,
em ambiente concorrencial e sob supervisão pública, tem sido apontada como razão bastante
para a liberalização das taxas de juro no campo bancário.
➢ MC: Hoje em dia há uma certa tendência para liberalizar, em geral, a temática dos juros.

91
Januário: são muito importantes mas não são única remuneração dos bancos e cada vez há um maior
recurso a comissões bancárias de prestação de serviços. Isto acontece porque os juros são mais
limitados.
92
Em Portugal, eram genericamente vedados pelas Ordenações Filipinas até que o Código Ferreira Borges
consagrou um princípio liberal de liberdade na fixação dos juros. A I Guerra Mundial questionou essa
liberdade de fixação de juros e a versão originária do CC de 1966 foi estabeleceu máximos de juros.

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Juros são calculados em função dos períodos e montantes de utilização efetiva dos fundos
pelo beneficiário.
➢ Calculado pelo DL 344/78, que foi revogado pelo DL 58/2013.
o Só são relevantes a partir do momento da entrega e da disponibilização do
dinheiro.
o Quando se fala em juros no comércio bancário tem que se ter presente vários
regimes: art. 102º CCom, art. 559ºA CC, DL 58/2013
➢ Tem normas sobre o cálculo da mora diferentes das do CC – é o que mais se adequa aos
atuais princípios vigentes nas relações banco-cliente.

Juros negativos – aqueles que são suportados pelo próprio dono do capital.
• Sentido amplo: importância vai perdendo valor, em função do jogo de despesas, custos
e comissões.
• Sentido estrito: quando a taxa a aplicar é inferior a zero.
o Como o depositário podia movimentar o dinheiro e receber juros com isso,
não há mais juros negativos e a situação inverteu-se, sendo o depositante
remunerado pelo depositário, logicamente numa taxa inferior à percebida por
este.
▪ Não fazia sentido porque ninguém ia depositar dinheiro e pagar por
isso, sabendo para mais que depositário iria rendibilizar o depósito em
proveito próprio.

Podem-se cobrar juros à cabeça? Ex: banco empresta 1000 mas cobra logo os juros e só dá
efetivamente 800
• O princípio é que os juros só podem ser contabilizados no final de um período contrato.
• Art. 6º/1 DL 58/2013 permite excecionalmente nas operações de desconto fazer a
cobrança de juros à cabeça.

Composição da Taxa de Juro


Princípio da liberdade nas operações de crédito bancário, que resulta da liberdade contratual
em geral e da liberdade da fixação de juros em especial.
• Taxas de juro fixas – percentagem sobre o capital emprestado
• Taxas de juro variáveis – resultam da soma de um indexante (é móvel, ex: Euribor93) a
uma margem ou spread que, grosso modo, reflete o risco associado à operação de
crédito específica.

DL 240/2006 vem definir o arredondamento feito sobre a taxa de juro, que deve ser definido à
milésima.

Taxa de juro nominal – taxa de juro que não inclui impostos nem outros encargos, para uma
espécie de operações de crédito.
➢ A taxa de juro propriamente dita é a taxa nominal (TAN), seja ela fixa ou variável. As
designações que correspondem à TAE, TAEG, TAER mais não são que composições que,

93
Na sequência da crise, os indexantes baixaram significativamente. A descida da Euribor com a consequência de o
quadro que os bancos tinham presentes quando celebraram contratos de crédito foram expetativas que se
frustraram, tendo de se contabilizar a taxa de juro com um indexante baixo (houve casos em que passou a ser
negativa). Taxas de juro relativas a certos investimentos baixaram significativamente.

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a partir da taxa nominal, consideram outros elementos, máxime encargos, com o


objetivo de dar a conhecer ao interessado o custo real do crédito.

As instituições de crédito têm de fornecer adequada informação sobre juros e encargos aos
destinatários dos produtos.
➢ Deveres de informação não são apenas em relação à quantidade dessa informação, mas,
sim, em relação à qualidade dessa informação. Ex: simulações, nos contratos de crédito
mais sensíveis (como o dos consumidores), que permite ao interessado comparar
diferentes ofertas.
➢ DL 220/94 vem especificar o regime aplicável à informação que deve ser prestada aos
clientes em matéria de juros e outros custos das operações de crédito.
o Art. 4º e 7º
➢ Mesmo após celebrado o contrato de crédito, a instituição de crédito continua obrigada
a informar o cliente dos valores da taxa nominal, da TAE e do indexante em toda a
correspondência que lhe seja enviada, designadamente nos extratos de conta e notas
de débito.
➢ Deve haver publicidade relativamente às operações de crédito.

Preocupação com a informação também está no art. 77º/2 RGIC em que se postula que as
instituições autorizadas a conceder crédito, em particular no âmbito do crédito ao consumo,
devem prestar ao cliente, antes da celebração do contrato de crédito, as informações
adequadas, em papel ou noutro suporte duradoura, sobre as condições e o custo total do
crédito, as suas obrigações e os riscos associados à falta de pagamento.

Alterações da taxa de juro e dos encargos


Problema da alterabilidade superveniente da taxa de juro coloca-se em situações em que, após
a celebração do contrato de crédito, se verifica uma modificação do condicionalismo existente
aquando da fixação da taxa contratual, podendo, em consequência da mesma, alguma das
partes pretender um ajustamento da taxa às novas condições.
• O princípio pacta sunt servanda não se mostra compatível com alterações unilaterais
potestativas da taxa de juro, que se trate de taxas de juro fixas quer de taxas de juro
variáveis.
• As taxas de juro variáveis não são incompatíveis com o pacta sunt servanda pois as
mesmas incorporam, por natureza e acordo das partes, os termos em que as taxas de
juro podem ser modificados.

Duas situações distintas:


• As partes convencionaram que, no caso de alteração de um determinado
circunstancialismo objetivo, uma das partes ou qualquer delas pode passar a aplicar
uma taxa de juro fixa (determinada ou determinável) em substituição da taxa de juro
variável.
• As partes convencionaram que, no caso de alteração de um determinado
circunstancialismo objetivo, qualquer uma delas, uma delas ou mesmo um terceiro
pode fixar outra taxa de juro.

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Quando as partes nada convencionaram,


O contrato de crédito está sujeito às CCG, portanto há cláusulas de ius variandi, conjugadas
com a proibição do art. 22º/1/c e a admissão do art. 22/2/a e b.
➢ São permitidas as cláusulas que atribuam a quem as predisponha o direito de alterar
unilateralmente o contrato, na medida em que, considerando o quadro negocial
padronizado, exista razão atendível que as partes tenham convencionado.94
o Conceito de razão atendível é a pedra de toque de todo este regime (bem como
outro conceito indeterminado como causa do ius variandi: variações de
mercado).

o Banco de Portugal95, através da Carta Circular nº32/2011/DSC, veio definir um


conjunto de boas práticas a observar pelas instituições de crédito relativamente
às cláusulas de ius variandi.
▪ Recomenda que os conceitos de razão atendível e variações de
mercado sejam concretizados com detalhe suficiente, devendo ser
externos ou alheios à instituição de crédito (circulando fora da sua
esfera de influência, atuação ou controlo); relevantes, excecionais e ter
subjacente um motivo ponderoso fundado em juízo ou critério
objetivo.
▪ Para alterarem as taxas de juro deve haver relação de causalidade entre
evento invocado como razão atendível e teor e alcance da alteração
contratual que a instituição de crédito pretende introduzir; obedecer ao
princípio da proporcionalidade.
▪ Januário: situação curiosa pois conhecem-se Leis, DL, Avisos do Banco
(que são regulamentos) e agora aqui há uma intervenção destinada aos
Bancos através de carta circular – elas não têm força normativa direta
mas são considerados como integrantes do regime das CCG e
concretizam a boa fé.

Capitalização de Juros
ANASTOCISMO é a prática que consiste em fazer vencer juros de juros – esquema que
multiplica a taxa efetiva de certa operação.

Admissibilidade excecional do anastocismo, pelo art. 560º/3 CC, não se mostra compatível com
o relevo que a atividade bancária tem na vida dos cidadãos e das empresas.
➢ Legislador interveio neste domínio disciplinando os termos em que a capitalização de
juros no âmbito das operações de crédito é algo permitido – regulado pelo art. 7º DL
58/2013
o Só se admite a capitalização dos juros por convenção escrita das partes, não
podendo ocorrer por períodos inferiores a um mês.

94
= Ius variandi é proibido a não ser que haja razão atendível que as partes tenham convencionado.
Este regime com conceitos indeterminados levanta a questão da alteração dos termos do contrato – se
não houver previsão de ius variandi tem de se aplicar o art. 437º CC; havendo essa previsão, tem de se
ver se essa alteração se coaduna com o mínimo para ser aceitável de acordo com a boa fé.
95
Januário: Banco de Portugal, tem legitimidade de regulador e vem interpretar o regime das CCG e
estabelece critérios quer para a fixação dessas cláusulas, quer para quando se dá o exercício dessas
mesmas cláusulas

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Classificações dos Contratos de Crédito


MC: Pode ser classificado atendendo ao concedente, ao número de concedentes, ao beneficiário,
ao escopo, ao âmbito, à renovação, ao vencimento, às garantias, ao prazo, à retribuição, à forma
e/ou à estrutura jurídica.
• Classificações dos contratos de crédito em função dos prazos – art. 4º DL 58/2013
• Hoje em dia a classificação dos contratos de crédito é feita sobretudo em função do
fim ou da modalidade do crédito, pelo que esta distinção tem menos relevância.
o Articulação com as operações que visam financiar – art. 4º/3

Crédito garantido vs. Crédito não garantido


Critério da existência ou não de garantias especiais a favor da instituição de crédito, quer sejam
garantias reais ou pessoais.
Januário: à partida esta classificação é falsa porque todo o crédito é garantido pelo património do
devedor, mas, não é nesses moldes que se pensa aqui e tem de se ter em conta se há garantias especiais
• Em função dessas garantias pode falar-se em crédito pessoal ou crédito real.
• Januário: a praxis bancária levou a que situações de “paragarantias”96, como cativação
de depósito que não resulte de um penhor de conta, seja considerado já crédito
garantido.

Crédito simples vs. Crédito sindicado


• Critério de ser concedido apenas por um banco ou por um conjunto de bancos, em
termos estreitamente articulados, correspondendo a um consórcio.
o Empréstimo sindicado é comum nas situações de project finance e é
materializado tipicamente através de um contrato de crédito em que no lado
ativo estão vários bancos financiadores e como creditada está uma empresa.

Crédito monetário vs. Crédito por assinatura


• Monetário – banco, através de contrato de crédito específico, entrega ou disponibiliza
fundos ao cliente (caso de crédito em conta)
• Por assinatura – banco vincula-se perante um terceiro por conta do cliente, assumindo
as obrigações que resultem da “assinatura”. Concessão de crédito mediata em que
cliente é beneficiário do crédito e terceiro é beneficiário direto da vinculação bancária.
Ex: fiança bancária, garantia bancária autónoma, aceite bancário, aval bancário,
abertura de crédito documentário, del credere bancário.

Crédito comum (corporate) vs. Crédito de projeto (project finance)


• Comum – resulta da consideração da solvabilidade do cliente, nas garantias prestadas e
na finalidade do financiamento. Baseado nas forças financeiras da sociedade a que o
crédito é cedido.
• Project finance – estrutura-se em função de um projeto concreto, normalmente
avultado, exigindo, por essa razão, o crédito sindicato.
o Envolve Sindicato Bancário – vários Bancos associam-se para conceder crédito
a projetos de grande envergadura que um Banco sozinho não conseguia creditar

Empréstimo caucionado – caso em que mutuário subscreve também uma livrança. Januário: a livrança
96

em si não traz nenhuma garantia ao credor, a não ser que tenha também inserida nela um aval.

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ou que envolvia demasiado risco para esse Banco. Normalmente concedem o


crédito em função de um projeto.
o Risco do crédito está estruturalmente dependente da consecução do projeto,
razão pela qual o cash-flow gerado tem de ser bastante para amortizar o crédito
concedido, já que tipicamente não há garantias adicionais (ou estas são
limitadas).

Crédito comum vs. Crédito de escopo


• Escopo – crédito que é concedido para uma determinada finalidade, prevendo o
contrato consequências específicas se ocorrer uma aplicação a fim diverso. Natureza e
dimensão dessas consequências vão da simples exigibilidade antecipada à resolução do
contrato.
o Mutuário fica adstrito a dar um determinado destino à importância
recebida. Passados os tempos do dirigismo bancário e com a liberalização
do crédito dos anos 90, esta figura mantém-se para os créditos
bonificados – crédito à habitação; investimentos com fundos europeus;
bonificações de juros, relativamente a créditos de emergência para acudir
a catástrofes e similares, mormente no setor agrícola; regimes especiais de
tutela do devedor, como no caso de crédito ao consumo.
o Consignação no contrato de mútuo, de determinado escopo para a
aplicação do financiamento, redundava na assunção do dever a cargo do
mutuário.
o No caso de incumprimento, banqueiro podia resolver o contrato,
provocando vencimento imediato da obrigação de restituição.

Crédito simples vs. Crédito por negociação


• Por negociação – cria-se um título de crédito que pode ser sacado sobre qualquer
pessoa designada na carta de crédito.
• Simples – banqueiro emitente procede aos pagamentos a que haja lugar

Crédito revogável vs. Crédito irrevogável


• Revogável – banqueiro pode modificar ou resolver o crédito a todo o tempo, tendo o
dever de notificar o beneficiário.
• Irrevogável – banqueiro deve dar sequência à obrigação que assumiu, sejam quais
forem as circunstâncias.

Créditos à vista vs. diferidos vs. por aceitação


• Crédito à vista – banqueiro assume o compromisso de, por si, ou através de outro
banqueiro efetuar pagamento imediato, mediante apresentação de documentos.
• Crédito diferido – pagamento operará mais tarde, na data constante da promissória.
• Crédito por aceitação – crédito incorporado em título cambiários que será aceite pelo
banqueiro, nos termos acordados.

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Operações de Concessão de Crédito


Mútuo Bancário
MC: a figura matricial em que se integram as outras modalidades de crédito bancário é o Mútuo
Bancário.

Mútuo Civil – art. 1142º e ss.


O mútuo civil é essencialmente gratuito, ao passo que o empréstimo mercantil é tipologicamente
oneroso (art. 395º97)
➢ Mas, este contrato presume-se oneroso – art. 1145º/1 – aplicando-se o regime dos art.
559º e 560º CC98

Especificidade em relação ao comodato está no seu objeto: é específico para coisas fungíveis,
mormente dinheiro.

Art. 1144º - mutuário torna-se proprietário da coisa mutuada


➢ É contrato real quod effectum.

Quando finda o prazo do mútuo, o mutuante não exige o quid mutuado mas sim o tantumdem
– tem de restituir o dinheiro emprestado, pagando uma quantia correspondente ao capital (e
juros, se houver) mutuado.
➢ Mutante tem direito de crédito sobre o mutuário durante o contrato de mútuo.

Pode ser contrato formal ou consensual (art. 1143º) havendo uma gradação da forma em
função do valor.

Não tem prazo definido, mas a lei impõe limites – art. 1148º

Mútuo Bancário
Celebrado por um banqueiro, como mutuante, agindo no exercício da sua profissão, exigindo
forma escrita e sujeitando tal a registo.
➢ Tem regras específicas e diferentes classificações (DL 58/2013)
➢ Têm juros praticamente liberalizados, havendo regras específicas para determinadas
categorias de operações.

É mútuo oneroso que tem por objeto dinheiro, sendo mutuante um banco ou uma instituição
de crédito que, nos termos dos seus estatutos e do RGIC, tenha capacidade para conceder
crédito.
• Januário: Integra-se no art. 362º CCom, pois o artigo considera como comerciais todas
as operações de bancos tendentes à realização de lucros sobre numerário.
o Tem havido uma autonomização de figura mais ampla, pois envolve mútuo
bancário e outros contratos: contrato de crédito.
• É por natureza oneroso, tendo em conta que é mútuo mercantil (art. 395º ex vi art.
362º CCom).

97
Empréstimo comercial – art. 394º, 395º, 396º - destino mercantil é mero facto jurídico, na
disponibilidade do mutuário, dono da coisa.
98
MC: O que faz sentido nas relações comerciais (art. 395º CCom) mas não nas relações civis.

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Abertura de Crédito
Art. 362º CCom classifica-a como operação de banco, sendo pacificamente considerada um
contrato legalmente atípico, conquanto nominado.
➢ É sedimentada pela praxis bancária e dos negócios e tem uma forte tipicidade social – é
contrato bancário nominado, legalmente atípico e que corresponde a tipo social
sedimentado em CCG.

MC: perante oportunidade de negócio imediata, o cliente terá todo o interesse de saber que
dispõe de crédito bancário e em que condições. Teria a alternativa de negociar,
antecipadamente, um mútuo, mas assim, há ganhos de tempo e de dinheiro para o cliente,
dando-lhe uma disponibilidade de mobilizar dinheiro.

É algo presente quando se alude genericamente a contratos de crédito.


• Pinto Coelho: operação pela qual o banco se obriga a fornecer capitais ao seu cliente
até ao limite de certa quantia, e dentro de certo período de tempo
• Jurisprudência: contrato através do qual o banco se obriga a ter à disposição da outra
parte uma soma em dinheiro por um dado período de tempo ou por tempo
indeterminado

• Januário: na realidade, o que o banco se obriga a disponibilizar ao cliente não é apenas


dinheiro ou capitais mas sim crédito – dinheiro e assinatura do banco. Limites da
disponibilização de crédito: montante e tempo.
o Contrato através do qual o banco disponibiliza crédito ao cliente
através de dinheiro ou da sua assinatura até um determinado montante
e por um período de tempo determinado ou determinável.

Abertura de crédito simples – constitui o máximo de utilização possível, somando as várias


utilizações
➢ MC: crédito disponibilizado só pode ser usado uma vez

Abertura de crédito conta-corrente – constitui máximo de utilização possível a cada momento,


em função do saldo da conta corrente da abertura de crédito.
➢ Ainda que o creditado atinja o limite de utilização, pode reutilizar o crédito na medida
dos pagamentos que efetue
➢ MC: cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não
necessite, numa conta-corrente com o banqueiro.

Condições de movimentação do crédito constam do contrato – em que normalmente se estipula


um período de utilização, em que se se passar do prazo não pode haver novas utilizações, ainda
que não se tenha atingido o plafond.

Creditado tem faculdade de utilizar o crédito, situação que gere em função dos seus interesses
– quando não utilize, o capital creditado não é devedor de respetivos juros.
➢ Mas é usual fixar-se uma comissão de imobilização para remunerar o banco. Se
movimentar o capital, a comissão de imobilização perde a sua razão de ser e a
remuneração do banco passa a traduzir-se em juros.

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Na abertura de crédito é frequente a figura da denúncia-modificação, adaptados ao caso


concreto (tendo em conta que é contrato com duração determinada, tecnicamente não é
denúncia e sim oposição).
➢ Banco envia ao cliente a dizer que ele se opõe a renovação da abertura de crédito por
mais um ano se não aceitar as modificações nas taxas de juro. Ou aceita-se modificar o
contrato naqueles termos ou Banco cessa o contrato.

Contrato consensual (quod effectum), sinalagmático e oneroso, sem ser formal.

A sua natureza jurídica é autónoma – é um tipo social que configura um contrato autónomo.
➢ É diferente do contrato-quadro de concessão de crédito, em que as partes acertam os
termos da concessão de crédito no futuro, através de contratos específicos. A abertura
de crédito não visa enquadrar os termos de futuras operações de concessão de
crédito.

Prestação a cargo de banco é de dare, no caso mais comum de o creditado ter um poder
potestativo de utilização do dinheiro, mas, será de facere se a utilização do crédito se
materializar em assinaturas do banco.
➢ Só nos casos de dare é que há abertura de crédito.

Crédito a Consumidores
Regulado pelo DL 133/2009, que transpôs diretivas da UE

Inicialmente eram concedidos pelos próprios vendedores, sem juros, recorrendo a


capitais próprios e com o intuito de melhor colocar a sua mercadoria.
➢ Mais tarde, os banqueiros associaram-se e concederam créditos especificamente
destinados ao consumo ou lançando institutos ou departamentos especializados
no financiamento de aquisições a prestações.

Exige redobrados deveres de informação e foram objetos de diretivas europeias para


regular o crédito ao consumo.

Esta lei não é especificamente bancária – é também bancária, uma vez que disciplina os
contratos de crédito aos consumidores, independentemente da qualidade do concedente do
crédito.
➢ A grande maioria do crédito aos consumidores é concedida por instituições de crédito.

Regime da Lei do Crédito ao Consumo (LCC) é marcadamente favorável ao consumidor do


crédito.

Delimitação positiva no âmbito do art. 1º e delimitação negativa nos art. 2º e 3º.

Art. 27º - casos de fraude à lei

Art. 5º a 11º - informações e práticas anteriores à celebração do contrato de crédito


• Publicidade nas operações de crédito (art. 5º)

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• Prestação de informação aos consumidores (art. 6º, 8º, 9º)


o Onde se enquadram normas particularmente demonstrativas da proteção
conferida ao potencial consumidor de crédito: dever de informação de
assistência ao consumidor (i.e., coloca-lo em posição que permita avaliar se o
contrato e crédito proposto se adapta às suas necessidades e situação
financeira); dever de proteção de avaliar a solvabilidade do consumidor (credor
deve verificar as informações prestadas na Central de Responsabilidades de
Crédito).

LCC consagra especificidades relevantes ao regime geral dos contratos de crédito:


• Exigência de forma escrita e inclusão de elementos que, substancialmente, assegurem
ao consumidor uma informação plena sobre o contrato, respetivas vicissitudes, esforço
e custo do crédito (destaca-se a TAEG).
• Exigência de se entregar exemplar assinado do contrato de crédito (art. 12º/2) – sob
pena de nulidade, a ser invocada pelo consumidor (art. 13º/1)
• Regime específico de usura – art. 28º
• Direito de livre revogação do contrato de crédito prevendo um direito de
arrependimento – art. 17º
• Reconhecimento do contrato de crédito coligado – art. 4º/1/o + art. 18º/1 e 2
o Jurisprudência anterior à atual LCC – manifestações de união de contratos, por
haver dependência recíproca entre contrato de compra e venda e contrato de
crédito
o Caracterização não vai à estrutura intrínseca da operação no seu todo,
diversamente do que acontece na via de exploração do sinalagma (trilateral,
neste caso).
• Direito reembolso antecipado – art. 19º
• Dependência de um nível específico de incumprimento, para que possa haver invocação
da perda de benefício do prazo ou a resolução do contrato, bem como da concessão ao
consumidor de um prazo suplementar para pagamento das prestações em atraso e
eventual indemnização devida.
• Imposição de cláusula não à ordem – art. 22º/1
• Caráter imperativo dos direitos conferidos ao consumidor – art. 26º

Outras Figuras
DESCONTO BANCÁRIO
Figura que pressupõe que um sujeito seja titular do direito de crédito incorporado num efeito
comercial, normalmente letras de câmbio, direito esse que não encontra vencido.
• Banco descontador antecipa ao referido titular, portador legítimo do título, a quantia
literalmente inscrita no efeito, deduzida de juros compensatórios e comissões, através
de endosso, para o banco, que assim, assume a qualidade de titular do direito no mesmo
incorporado – direito esse que pode exercer contra os obrigados cambiários, entre os
quais o descontário-endossante.

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DESCOBERTO EM CONTA
Uma das especificações da conta-corrente bancária está no facto de ser natural à mesma a
existência constante de um saldo a favor do cliente (saldo positivo) ou, quanto muito, um saldo
nulo.
• Porém, o banco pode aceitar, em determinados termos, de montante e/ou de
duração, que o saldo se apresente negativo para o cliente e positivo para o banco, o
que significa que o cliente movimente a conta a débito, apesar da ausência de saldo
bastante.

ANTECIPAÇÃO BANCÁRIA
Contrato de crédito, através do qual o banqueiro concede ao seu cliente um crédito mediante
um penhor equivalente de títulos, dinheiro ou outros bens

LOCAÇÃO FINANCEIRA (LEASING)


Decisão financeira de uma empresa que recorre ao crédito para aquisição de um bem – não se
traduz numa direta procura de dinheiro que lhe assegure liquidez, mas, antes, na direta
obtenção do bem disponibilizado pelo financiador.

CESSÃO FINANCEIRA (FACTORING)


Aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de
serviços nos mercados interno e externo.

CRÉDITO DOCUMENTÁRIO
MC: Situação jurídica pela qual um banqueiro se compromete, perante um seu cliente, a pagar
uma certa quantia a um terceiro mediante a entrega, por este de determinados documentos.
• Tem por base um contrato, normalmente de compra e venda, estando o vendedor e o
comprador normalmente localizados em países diferentes e, através de uma cláusula de
pagamento, o importador obriga-se a que o pagamento do preço seja efetuado no seu
banco, por via da abertura de um crédito a favor do exportador.

Garantias do Crédito
Garantias prestadas para aumento da probabilidade de satisfação do crédito bancário, quer essa
maior probabilidade resulte de uma dimensão quantitativa ou tenha significado qualitativo.

Garantias Pessoais e Garantias Reais


• Pessoais – consubstancia-se na vinculação de um sujeito, com o seu património, em
ordem a garantir a satisfação de um crédito.
o Não significa que seja necessariamente intuitu personae
o Paradigma é a fiança mas a doutrina identifica outras, como o aval cambiário,
solidariedade passiva, garantia autónoma, assunção cumulativa, seguro de
créditos, seguro-caução, carta de conforto e mandato de crédito.

• Reais – corporizam esquemas que funcionam em modo real, cujo objeto de garantia é
uma coisa. É oponível a terceiros e consubstancia exceções ao princípio par conditio
creditorum.
o Paradigma é a hipoteca

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Mecanismos de Segurança do crédito


Fora do quadro das garantias clássicas, sobretudo nos contratos internacionais, é frequente a
utilização de cláusulas, de origem anglo-saxónica, que são também apelidadas de garantias mas
na realidade constituem meros mecanismos de segurança do crédito.
➢ Essas cláusulas não aumentam, per si, a massa de bens que responde pela dívida nem
atribuem preferência sobre os demais credores – são soluções internas, gizadas na
relação (interna) credor-devedor, tendo em vista a proteção do crédito e o resguardo
da sua satisfação.

Cláusula cross-default – permite à parte a favor da qual a cláusula se encontra predisposta


declarar o vencimento antecipado, ou exigibilidade antecipada das obrigações decorrentes do
contrato X, em caso de incumprimento das obrigações assumidas no contrato Y.
Cláusula pari passu – devedor assegura ao credor que a sua posição relativamente a outros
credores se manterá idêntica
Cláusula negative pledge – devedor obriga-se a não onerar mais o seu património, não
constituindo, assim, quaisquer garantias reais ou pessoais a favor de terceiro.
Ownership clause – sujeito obriga-se a manter, durante o contrato (ex: de mútuo), uma
determinada participação qualificada na sociedade mutuária ou no grupo.
Cláusula step in – atribui complexivamente ao beneficiário, normalmente um sindicato
bancário, legitimidade para uma intervenção gestória e exploracional na sociedade mutuária, a
qual pode mesmo traduzir-se numa entrada no capital da sociedade objeto da medida.
Material adverse change clause – situação de exigibilidade antecipada, quando ocorram factos
ou circunstâncias que provoquem efeitos adversos na perspetiva de recuperação do crédito
Cláusula de inalienabilidade – sujeito vincula-se a não alienar bens do seu património
Consignação de receitas – mecanismo obrigacional cujo campo de aplicação privilegiado é o
project finance e em que uma empresa se obriga a reservar em determinados termos, as receitas
da sua exploração à amortização da dívida, ou, a domiciliar as receitas no banco ou bancos
beneficiários.

AUJ 7/2009
de 25 de março de 2009

Ao interromper o pagamento das prestações, o art. 781º CC diz-nos que venceu todas as
prestações – faltando uma prestação, deve pagar-se o que se deve, mas isso refere-se a quê?

Particular tem que devolver o capital disponibilizado pelo Banco e os juros vencidos que
eventualmente não tenham sido pagos.

Tem de se desenvolver os JUROS VINCENDOS, aqueles sobre capital que não foi disponibilizado?
1. Por um lado não faz sentido – posição STJ
Se juros são remuneração de capital disponibilizado no tempo (por o capital estar do lado do
particular) e há devolução do capital ao Banco, deixando de haver objeto de remuneração.
➢ STJ sustenta que só se pode pagar juros até ao vencimento da obrigação.

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Se mutuário (pessoa) e mutuante (Banco) exigir antecipadamente o pagamento (art. 781º CC),
mutuário não deve pagar juros vincendos: apenas capital devido e juros já vencidos.
• Isto porque deixa de haver disponibilização de capital – mútuo oneroso pressupõe
disponibilidade de capital e aqui deixa de haver.
• Se banco quer reduzir o lapso temporal então reduz também os juros aos que já se
venceram. Foi decisão do banco, que podia ser diferente.
• Art. 781º e conceção do juro como remuneração do capital pelo tempo – este é o
conceito chave para o STJ

2. Por um lado faz sentido


Banco tem de receber os juros pois o Banco acordou com o particular que ia auferir esse
rendimento e tem expectativa de vir a receber aquele capital e aqueles juros.

Januário: é preciso conciliar 2 coisas


• Natureza do Banco (natureza do creditante)
• Art. 1147º - prazo estipulado a favor de ambas as partes; pode-se antecipar o
pagamento desde que remunere e pague os juros.

Mutuante é profissional do dinheiro.


• Particular não pode impor potestativamente ao banco amortização antecipada do
capital sem qualquer tipo de penalização.
o Não pode haver ausência de penalização – deve ser definida em concreto, tendo
em conta o art. 812º CC

Deve haver redução teleológica do art. 1147º - não pode haver vantagem do mutuário sem
penalização.
➢ Januário: muda o discurso e deixa de falar em juros vincendos e coloca a tónica da
discussão na penalização (em cerca de 20% a 30%)

Direito à efetivação do reembolso antecipado? O creditado tem direito ao reembolso


antecipado?
➢ Art. 19º Lei Crédito aos Consumidores permite, nesses casos, cumprir antecipadamente
parcial ou totalmente, o contrato de crédito.99

A lei não elide a presunção do art. 1147º CC mas dispensa o mutuário ou creditado do
pagamento dos juros por inteiro até ao final: dispensa-o do pagamento de quaisquer juros
remuneratórios que se vencessem até ao final, tendo o mutuante de se bastar com a comissão
de reembolso antecipado.

99
De acordo com o 19º/3 DL 133/2009, o banco pode cobrar uma comissão de reembolso antecipado. O
que é que esta comissão remunera? A comissão visa remunerar o banco pelo serviço associado ao
reembolso antecipado.
Quando o banco prevê nas CCG uma comissão para o reembolso antecipado, estamos perante uma
liquidação das despesas previstas para o reembolso antecipado. Se tal não estiver previsto nas CCG, tem
de ser o banco a apresentar tais despesas.

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Querendo o creditado reembolsar antecipadamente a totalidade do capital mutuado, terá de


pagar a totalidade dos juros remuneratórios até ao final.
➢ Januário: solução irrazoável, já que, ao pagar antecipadamente a totalidade dos juros
remuneratórios até final, a instituição do crédito incorpora-os no seu património e
utiliza esse capital em novas operações de crédito conjuntamente com o capital
antecipadamente amortizado.
o Não é isto que o legislador civil tem em mente ao estabelecer a presunção do
art. 1147º - o capital antecipadamente amortizado gera ou destina-se a gerar
novos frutos através de novas concessões de crédito.

Redução teleológica do art. 1147º CC no domínio do crédito bancário – os bancos, como


profissionais do dinheiro e do crédito, teriam de introduzir cláusulas que, considerando a
especificidade do crédito concedido, regulem os termos do reembolso antecipado e respetivas
consequências.

Tipicamente a possibilidade de reembolso antecipado depende de uma habilitação contratual


ou legal. Tem de estar prevista, em particular, se o banco tiver definido qual o valor do
reembolso antecipado, esse valor tem de constar do contrato.

Se o cliente tiver iniciativa e quiser reembolsar antecipadamente o credito, o cliente fica sujeito
ao 1147. Mas se for o banco a tomar a iniciativa de declarar o vencimento antecipado, aplica-se
o 781º apenas e no conceito de prestação não se inclui os juros.
Januário: isto não faz sentido. O que releva não pode ser a iniciativa do mutuário ou do
mutuante. A situação material é a mesma. Não podemos ignorar o 1147º perante isso.
A entender-se assim, conforme o STJ, até podíamos ter um incentivo perverso ao
reembolso dos contratos. Porém, também não podemos ignorar que o banco é um
profissional do dinheiro e do crédito, por isso, quando o banco recebe por parte do
cliente o dinheiro, coloca-o novamente no mercado. É remunerado duas vezes: pelo
primeiro cliente que pagou os juros vincendos e a remuneração que será paga pelo novo
cliente que recebeu o mesmo dinheiro. O 1147º não está pensado para profissionais de
dinheiro; estamos a permitir que o banco esteja a ser remunerado duas vezes. Deve
permitir-se que os tribunais reduzam o valor dos juros vincendos equitativamente nos
termos do art. 812º do CC (que permite a redução da clausula penal).

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