Você está na página 1de 42

Como citar este material:

MELLO, Pedro Carvalho. Introdução à gestão financeira internacional. Rio de Janeiro:


FGV, 2023.

Todos os direitos reservados. Textos, vídeos, sons, imagens, gráficos e demais componentes
deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de
forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À GESTÃO FINANCEIRA INTERNACIONAL .................................................................. 5

MERCADOS GLOBAIS E GLOBAL TRADE ....................................................................................................... 5

Contexto da economia global: processo de globalização e tendências ............................. 5


Desenvolvimento econômico ................................................................................................... 7
Instituições, progresso e comércio internacional ............................................................ 7
Governança e riscos no processo de globalização .......................................................... 7
Geografia do global trade e importância das finanças internacionais .......................... 8
Finanças internacionais e desenvolvimento econômico ................................................ 9
Padrões internacionais de produção e finanças ............................................................ 10
Desigualdade de renda entre países ............................................................................... 11
Combate à desigualdade ................................................................................................... 12
Macroeconomia aberta ........................................................................................................... 12
Sistema econômico: lado real e lado monetário............................................................ 12
Finanças das empresas multinacionais ........................................................................... 13
Interdependência do Brasil no mercado financeiro ...................................................... 15
Economia dos mercados financeiros ............................................................................... 15
Empresas multinacionais .................................................................................................. 16

POUPANÇA, INVESTIMENTO E SISTEMA FINANCEIRO ........................................................................... 17

Poupança, investimento e PIB ............................................................................................... 17


Investimento e poupança real e financeira .................................................................... 17
Investimento e poupança sob a ótica econômica.......................................................... 18
Investimento e poupança sob a ótica financeira ........................................................... 18
PIB E PNB ............................................................................................................................. 18
Sistema financeiro ................................................................................................................... 19
Mercado financeiro internacional .................................................................................... 19
Vantagem competitiva ....................................................................................................... 20
Principais mercados financeiros e suas características ................................................ 21
Principais funções do mercado financeiro ..................................................................... 23
Poupança, investimento e mercado financeiro ............................................................. 24
Mercado de capitais e mercado financeiro..................................................................... 24

CONCEITOS FINANCEIROS FUNDAMENTAIS ........................................................................................... 26

Conceitos financeiros .............................................................................................................. 26


Trade off entre risco e retorno .......................................................................................... 27
Arbitragem........................................................................................................................... 28
Eficiência de mercado ........................................................................................................ 29
Escolas de investimento .................................................................................................... 29
Precificação dos ativos de capital ..................................................................................... 30
Distribuição da dívida e estabelecimento de juros ........................................................ 30
Gestão financeira em empresas ............................................................................................ 31
Avaliação do valor da empresa......................................................................................... 31
Fusões e aquisições............................................................................................................ 32
Gestão de riscos ................................................................................................................. 33

CRISES FINANCEIRAS GLOBAIS ................................................................................................................. 34

Crises financeiras internacionais modernas ........................................................................ 34


Crises por desequilíbrios macroeconômicos ................................................................. 34
Crises resultantes de fluxos de capital voláteis.............................................................. 35
Contágio no lado real da economia ................................................................................. 35

BIBLIOGRAFIA COMENTADA ................................................................................................................. 38

PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 39

Formação acadêmica .............................................................................................................. 39


Experiência profissional .......................................................................................................... 39
Publicações ............................................................................................................................... 39
INTRODUÇÃO À GESTÃO FINANCEIRA
INTERNACIONAL

Neste curso, discutiremos o fenômeno moderno da globalização e o seu impacto tanto nas
finanças internacionais quanto nas políticas macroeconômicas de um país inserido nos mercados
internacionais. Em seguida, apresentaremos os papéis desempenhados pela poupança e pelo
investimento bem como o seu reflexo no sistema financeiro e nas finanças internacionais. Veremos
ainda as principais funções da gestão financeira e os cinco conceitos básicos para o estudo das finanças
internacionais: trade off entre risco e retorno, arbitragem, eficiência de mercado, precificação dos
ativos de capital e estrutura a termo das taxas de juros. Por fim, conheceremos as duas grandes escolas
de investimento e analisaremos as principais crises que ocorreram no cenário financeiro internacional.

Mercados globais e global trade

Contexto da economia global: processo de globalização e tendências


No seu atual formato, a globalização pode ser entendida como um fenômeno recente da
economia internacional que está gerando uma crescente competição entre empresas multinacionais
e empresas exportadoras bem como entre mercados internacionais de bens, serviços e capitais.
Sendo assim, podemos afirmar que o progresso econômico dos países está atrelado ao seu grau de
envolvimento na economia internacional, principalmente no que diz respeito à transferência de
tecnologia e à inserção em cadeias de produção que vão além das fronteiras nacionais (como se está
delineando na indústria automobilística, via global sourcing).
Diversas tendências estão afetando o atual processo de globalização. Por um lado, essas
tendências representam ameaças para países como o Brasil, mas, por outro, oferecem grandes
oportunidades. Por exemplo, a oferta mundial de água doce potável é insuficiente para atender à
atual demanda. Isso cria uma divisão entre países cuja oferta é maior que a demanda (superavitários)
e países cuja demanda é maior que a oferta (deficitários). Esse quadro irá sofrer um forte agravo nas
próximas décadas, pois a população global deve passar de pouco mais de 8 bilhões em 2022 para
cerca de 9,7 bilhões em 2050.
Duas considerações podem ser feitas a esse respeito. A primeira delas se refere ao impacto
geopolítico. A água tende a ser a commodity mais importante deste século, com grande impacto
militar e econômico. Sendo um recurso renovável, mas com fracos direitos de propriedade, fica em
grande parte fora da atuação das forças de mercado. É possível que isso gere delicados conflitos
internacionais, inclusive entre nações com poder nuclear (pode haver, por exemplo, uma disputa
entre China, Índia e Paquistão pelas águas do Himalaia). Ademais, os países superavitários que
reúnem condições propícias para a produção de alimentos, como o Brasil, que tem cerca de 12%
das reservas internacionais de água doce, poderão ter vantagens competitivas (exportando “água
virtual” incorporada na produção de produtos agrícolas e pecuários).
Além disso, a população mundial está crescendo em alguns países e, em outros, parece estar
em processo de estagnação (inclusive no Brasil). Isso deve criar uma forte pressão para que alguns
países aumentem a sua produtividade e abram oportunidades de mercado para novos serviços e
produtos que atendam populações mais velhas.
Outra tendência que cria preocupações está relacionada com a estagnação do consumo nos
países mais ricos e com o descolamento entre o crescimento do PIB e o do emprego, pois o emprego
de qualidade não cresce no mesmo ritmo que o PIB. Esse quadro se agrava quando observamos que
a inovação tecnológica não está gerando um forte impacto na criação de novos empregos. Ao
contrário, o uso crescente da inteligência artificial e da robótica nos processos industriais e de
serviços está levando à diminuição do número de vagas no mercado de trabalho.
No que se refere mais especificamente ao mercado financeiro internacional, podemos destacar
duas tendências. A primeira delas é o aumento da desigualdade de renda entre as famílias, inclusive
nos países mais ricos. As pessoas que estão no patamar de 10% ou 1% de maior renda estão
concentrando uma parcela cada vez maior do PIB. Como esses grupos populacionais têm mais
condições de poupar e adquirir tanto imóveis quanto ativos financeiros, a relação entre riqueza e
PIB está aumentando. Em meados do século XX, estava entre quatro e seis vezes; atualmente, está
em cerca de oito vezes.
A segunda tendência diz respeito ao impacto na taxa de juros. O aumento concentrado da
riqueza acaba provocando um excesso de oferta de capitais, pressionando para baixo as taxas de juros.
Desse modo, estamos observando, em alguns países, taxas negativas de juros (inclusive nominais) e
um achatamento das yield curves (com as taxas de juros de longo prazo ficando pouco acima – ao invés
de bastante acima – das taxas de juros de curto prazo). As políticas fiscais e monetárias de alguns

6
países, em especial dos Estados Unidos, recorreram à grande expansão da oferta de moeda e crédito.
Essa nova tendência se acentuou com a eclosão da pandemia de Covid-19, cuja principal
consequência foi a intensificação das baixas taxas de juros. Já na fase pós-pandemia, a inflação foi
centro de preocupação da política monetária dos Estados Unidos e da União Europeia. Como
consequência, foram adotadas políticas monetárias restritivas, impactando na elevação de juros.
Finalmente, cabe destacarmos que, após várias décadas crescendo mais que o PIB mundial
(cerca do dobro), essa tendência do comércio internacional está arrefecendo. Isso se deve, por um
lado, ao aumento da importância do comércio entre os elos de cadeia de produção e valor, incluindo
crescentes trocas de bens intermediários, e, por outro lado, à diminuição da importância das trocas
de produtos de consumo (não intermediários) e aumento de trocas de serviços entre países..

Desenvolvimento econômico
Instituições, progresso e comércio internacional
A literatura contemporânea identifica a qualidade e o alcance das instituições existentes no
País como a causa fundamental do seu crescimento econômico no longo prazo. As instituições são
definidas como o conjunto de regras sociais e legais que governam os sistemas econômicos. Dessa
forma, em última instância, incorporam a estrutura de incentivos que contribui, em maior ou
menor grau, com a condução do País a uma trajetória de crescimento sustentável.
Existe uma forte ligação entre as instituições de um país, as finanças internacionais, as
políticas macroeconômicas adotadas e os incentivos para a poupança e o investimento. Em
particular, as expectativas que movem os fluxos de capital em âmbito internacional são,
significativamente, afetadas pelas percepções e expectativas dos principais players quanto à situação
institucional de um país.
O progresso tecnológico (incluindo transportes, energia e comunicações) e o crescimento do
comércio internacional são duas das mais importantes tendências atuais da economia moderna,
contribuindo para um desenvolvimento expressivo da globalização e das finanças internacionais.

Governança e riscos no processo de globalização


O crescimento dos mercados globais requer melhorias nos processos políticos das nações. De
certa maneira, pela primeira vez na história, podemos falar de uma governança global, o que exige
uma discussão a respeito das seguintes demandas:
 representatividade maior dos países pobres;
 ênfase na transparência das informações;
 maior equilíbrio na tributação das empresas multinacionais;
 melhoria nos procedimentos de respeito à propriedade;
 consolidação de princípios de democracia liberal e
 maior cooperação legal e regulatória entre as nações.

7
Acima de tudo, é necessário que se desenvolva um senso de que o mundo moderno pode
oferecer oportunidades a todos e de que a cooperação e o comércio entre as nações podem ser
mutuamente benéficos. Os países de baixa renda per capita, no entanto, permanecem com reduzida
presença nesses mercados globais.
Como pudemos notar, o intenso processo econômico de globalização transformou o
panorama político internacional. Os riscos políticos estão assumindo uma nova dimensão, cujos
contornos não estão ainda plenamente delimitados. Por outro lado, ocorrem maiores trocas de
experiência entre os países, e é visível um esforço coletivo para melhorar os padrões de convivência
e harmonia entre os povos.
A globalização trouxe novos riscos, além de ter agravado antigas formas de dependência
econômica e política entre os países. Por exemplo, a pandemia global de Covid-19 afetou,
substancialmente, os fluxos de comércio e os fluxos de capital.
Em troca dos riscos atrelados à ampliação dessa dependência, a globalização trouxe uma
extensa gama de novas oportunidades. A difusão do comércio e da tecnologia, por exemplo, pode
melhorar a situação, mas são necessários maiores esforços e proatividade por parte das nações mais
ricas. Existem forças que buscam a global governance, lutam por uma melhor distribuição de renda
e riqueza no mundo e, além disso, empenham-se por um desenvolvimento sustentável e harmônico
com o meio ambiente.

Geografia do global trade e importância das finanças internacionais


A geografia do comércio internacional muda em resposta aos seguintes fatores:
 inovações nas áreas de transporte, comunicação, energias mais limpas, e tecnologia da manufatura;
 mudanças na política global, tais como a integração da Europa e o fim da União Soviética
e do bloco de países socialistas;
 crescente internacionalização e flexibilidade das cadeias de produção industriais e do
agronegócio, e
 efeito China, devido ao explosivo crescimento das exportações e à conquista de crescentes e
substanciais market shares nos itens de exportação do mercado internacional.

Em função das mudanças no cenário internacional, as questões monetárias e financeiras


adquiriram grande relevância no contexto do global trade. Desse modo, observamos importantes
desenvolvimentos nos quadros político, institucional, econômico e financeiro, entre os quais
podemos ressaltar os listados a seguir:
 aumento dos vínculos que conectam os setores real e financeiro da economia em âmbito
local e global;
 crescimento bem mais robusto das transações internacionais com ativos financeiros, em
contraste com serviços não financeiros e mercadorias;

8
 grande crescimento dos investimentos diretos estrangeiros nos países Brics (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul) e uma notável evolução das operações do mercado de capitais
entre países;
 mudanças significativas na arquitetura financeira internacional e um quadro de intensa
discussão em favor de novas reformas;
 crescente interdependência estrutural dos países no atual quadro de globalização, tendo como
consequência o significativo aumento de externalidades (o principal exemplo seria o fato de as
crises financeiras em determinado país contagiarem outros países negativamente) e
 aumento da cooperação internacional de políticas fiscais e monetárias, com o objetivo de
mitigar efeitos negativos que possam contagiar determinados países e internalizar possíveis
externalidades.

Finanças internacionais e desenvolvimento econômico


As finanças internacionais e o comércio internacional afetam o crescimento e o desenvolvimento
econômico, assim como a geografia da pobreza e a desigualdade de renda no mundo.
Atualmente, muito se questiona a respeito do fato de alguns países serem ricos, enquanto
outros são pobres. Esse é um questionamento fundamental e de resposta muito difícil. Em 1776,
Adam Smith publicou A riqueza das nações e, desde então, o tema da distribuição de riqueza é
exaustivamente debatido. Muitas teorias foram escritas e muitos modelos de organização econômica
foram alvo de tentativas (variando de planejamento central a economias de mercado), sem que se
chegasse a uma conclusão definitiva.
Alguns fatores podem explicar o crescimento econômico de um país, tais como:
 saúde e saneamento;
 educação;
 tecnologia e digitalização;
 abertura comercial;
 empreendedorismo;
 formação de capital social;
 trajetória histórica;
 disponibilidade de fatores de produção (capital, mão de obra e recursos naturais) e
 adequação das instituições (direito de propriedade e estabilidade política).

Na prática, o que caracteriza o progresso econômico é o aumento constante, ou mesmo


crescente, da produtividade total dos fatores de produção (PTF). Os principais fatores de produção
são o capital, a mão de obra e os recursos naturais. A esses três fatores devemos acrescentar o
empreendedorismo e a gestão dos negócios.

9
A PTF é, portanto, o componente residual da taxa de crescimento do PIB que resta após o
cálculo do somatório da contribuição individual de cada fator de produção. Trata-se de uma
sinergia resultante da atuação combinada desses fatores no processo de produção de bens e
serviços, permitindo, dessa forma, que a produção de bens cresça a um ritmo maior que o da
oferta de fatores de produção.
Suponhamos, por exemplo, que o PIB do país A tenha crescido 4,5% em relação ao ano
anterior e que a soma das contribuições dos fatores de produção seja igual a 3%. A PTF, nesse
caso, explica o componente restante de 1,5% da taxa de crescimento do PIB, o que representa
1/3 do total anterior.

Figura 1 – Produtividade total dos fatores de produção

Padrões internacionais de produção e finanças


Os anos seguintes à Segunda Guerra Mundial assistiram ao surgimento ou à renovação de diversas
instituições internacionais, como o World Bank (Banco Mundial), o Fundo Monetário Internacional
(FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID). O desenvolvimento econômico dos países virou então foco de teorias, doutrinas e políticas.
Inicialmente, os países foram classificados como “subdesenvolvidos” e “desenvolvidos”. Já na
década de 1950, para passar uma mensagem mais positiva, passaram a ser classificados como
“desenvolvidos’ e “em desenvolvimento”. Como esse dinamismo não aconteceu na prática, pois a
desigualdade de crescimento aumentou inclusive, chegou-se à atual modalidade de classificação,
desenvolvida pelo Banco Mundial.

10
A classificação adotada pelo Banco Mundial é, atualmente, considerada a mais objetiva e
neutra entre as existentes. Os seus 189 países-membros foram classificados, em 2020, segundo
quatro grupos de renda per capita:
 países de alta renda – acima de US$ 12.535, abrangendo 32% dos países;
 países de renda média superior – entre US$ 4.046 e US$ 12.535, abrangendo 26% dos países;
 países de renda média inferior – entre US$ 1.036 e US$ 4.045, abrangendo 25% dos países e
 países de baixa renda – US$ 1.036 ou menos, abrangendo 17% dos países.

Outra importante mudança se refere ao desenvolvimento de rankings, com o objetivo de


avaliar comparativamente os países e, ao mesmo tempo, proporcionar um “roteiro de progresso”
via exposição às “melhores práticas”. Entre esses rankings, cabe destacar o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH).

Desigualdade de renda entre países


O perene debate sobre as melhores políticas de crescimento econômico está voltado para
questões ligadas não só ao relacionamento econômico e político entre os países mas também à
desigualdade de renda entre esses países.
Alguns fatores nos auxiliam a delinear esse cenário de desigualdade. A população mundial,
com cerca de 8 bilhões de pessoas em 2022, deve chegar a 9,7 bilhões em 2050 e a 10,7 bilhões
em 2100. O PIB mundial, em 2021, ficou em cerca de 84 trilhões de dólares, e o PIB per capita,
em pouco mais de US$ 10.700,00. As projeções indicam que, em 2050 (em dólares de paridade
do poder de compra – PPP de 2002), o PIB deverá estar em torno de 220 trilhões. Nesse mesmo
ano, mais de 50% da população terá, provavelmente, uma renda per capita abaixo do nível da
pobreza (cerca de dois dólares por dia nos valores de hoje). Existirão países de alta renda, outros
de média renda e, finalmente, países pobres, de baixa renda. Entre os países de média renda per
capita (no nível mais alto), o Brasil aparecerá, em termos do PIB total, como uma das oito maiores
economias do mundo.
O fosso entre países ricos e pobres pode estar inclusive aumentando, sem contar com as
grandes tensões políticas que vêm ocorrendo no cenário internacional devido às migrações
clandestinas e de refugiados.
Além disso, a pandemia de Covid-19 reforçou essa divisão econômica. O atraso e a falta de
vacina para países pobres somados a comportamentos negacionistas alimentam temores de
crescimento ainda mais desigual.

11
Combate à desigualdade
Por conta da desigualdade, existe muito descontentamento e muita insegurança em várias
regiões do globo. Com o elevado nível de comunicação instantânea e integração global, essa grande
e persistente desigualdade fica ainda mais visível.
Com base em uma análise realista dos possíveis recursos a serem mobilizados para combater
a pobreza, as instituições financeiras multilaterais, tais como o Banco Mundial, o FMI e a OCDE,
listaram os seguintes objetivos econômicos:
 alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio (UNCTAD, 2021);
 acabar com a pobreza extrema em 2025;
 assegurar que, bem antes de 2025, todos os países pobres do mundo possam ter um
progresso considerável na sua trajetória para o desenvolvimento econômico e
 alcançar esses objetivos com apenas uma modesta ajuda financeira dos países ricos – maior que
a oferecida no momento, mas dentro dos limites que esses mesmos países estão prometendo.

A crise causada pela pandemia de Covid-19 deve gerar grandes atrasos no cronograma
desses objetivos.

Macroeconomia aberta

Sistema econômico: lado real e lado monetário


Em termos analíticos, a economia pode ser vista e analisada segundo duas óticas:
 lado real – fluxos físicos de fatores de produção empregados no processo de produção, troca
de mercadorias e serviços, e
 lado monetário – uso do sistema de preços para transformar os fluxos reais em fluxos
expressos monetariamente.

A moeda e as finanças são parte integrante da economia internacional, pois contribuem para
aumentar a produtividade, facilitando, dessa forma, as trocas e os sistemas de pagamento. Desse
modo, desempenham um papel ativo no financiamento do comércio e da produção.
No âmbito do sistema econômico, quanto maior for o grau de abertura da economia ao
comércio e ao investimento no exterior, mais intensa será a interação das finanças internacionais e
das políticas macroeconômicas de um país.
Em uma economia fechada ao relacionamento comercial com outros países, os modelos
macroeconômicos são relativamente simples. Nesse caso, os grandes agregados, como o PIB, o
investimento, a poupança e o governo (gastos e receitas) baseiam-se apenas no que acontece na
economia interna. Essa situação, no entanto, é apenas teórica, pois existem vários graus de abertura
da economia. No mundo moderno, as economias (algumas mais, outras menos) trocam mercadorias,

12
serviços e capitais com outros países, o que resulta no investimento doméstico e estrangeiro. A
poupança também pode ser externa ou no país. Existem também as exportações e importações, e
mesmo o governo atua, em parte, no exterior. Essa atuação se dá, por exemplo, via compra (para
reservas cambiais) ou venda de títulos de dívida, para arrecadar recursos.
Dessa maneira, a macroeconomia que se ensina, atualmente, nos cursos de Economia e que
se utiliza para fins de política econômica é a chamada macroeconomia aberta.
Juntamente com as questões monetárias e financeiras associadas às exportações, às
importações e ao câmbio, aparecem os problemas de interface nas empresas multinacionais e em
outras que atuam no setor externo por meio das políticas monetárias e fiscais desses países.
O comércio internacional e as finanças internacionais afetam, em maior ou menor grau, todos
os elementos que constituem a economia doméstica bem como as políticas e os instrumentos que,
no seu conjunto, compõem a macroeconomia aberta. Poupança, investimento, consumo e governo
são exemplos de economias domésticas que podem ser afetadas.

Finanças das empresas multinacionais


O setor financeiro é muito inovador, pois cria produtos e serviços financeiros constantemente,
além de adaptar-se, com facilidade, às mudanças em curso na geografia mundial. Nesse cenário, o
poder econômico das empresas multinacionais está aumentando, e algumas dessas empresas já têm
um faturamento anual acima do PIB da maior parte dos países do mundo.
Por exemplo, caso somemos as vendas anuais das cinco maiores empresas do mundo (em
receita) – Exxon, Walmart, Sinopec Group, Amazon e State Grid –, esse total, US$ 1,73 trilhões,
estará próximo ao PIB do Brasil em 2019. O valor de mercado da Apple e da Microsoft, em 2021,
somava US$ 4,22 trilhões, mais de duas vezes o PIB do Brasil.
Segundo dados de 2019 da United Nations Conference on Trade and Development, o total
mundial de investimento estrangeiro direto (IED) – em inglês, foreign direct investment (FDI) –
chegou a US$ 1,54 trilhões. Nesse ano, das 20 maiores economias receptoras de IED, sete eram
economias em desenvolvimento. Os maiores recipientes de IED foram EUA, China e Cingapura.
Os maiores investidores foram Japão, EUA e Holanda.
Os NICs (economias industriais emergentes) estão ganhando espaço. Segundo dados do Banco
Mundial, esses países representavam 75% das entradas e 85% das saídas de investimento estrangeiro
direto (IED). Das 100 maiores empresas multinacionais do mundo (em critério de vendas), 25 delas
são de NICs. Continua forte, no entanto, um quadro tripolar no que diz respeito aos investimentos,
constituído dos países da Europa Ocidental, dos Estados Unidos, do Canadá, e do Japão.
Além das mudanças nas fontes de investimento, estão ocorrendo mudanças na destinação
desses investimentos. Cerca de 70% a 75% dos influxos de investimento para todos os países fora
do núcleo Estados Unidos, União Europeia e Japão estão concentrados em sete NICs (Argentina,
Brasil, China, Hong Kong, Malásia, México, Cingapura e Coreia do Sul).

13
Com relação aos aspectos financeiros, outras mudanças ainda podem ser apontadas. Vejamos:
a) Brics
Surgimento, no cenário mundial, de uma nova sigla: Bric, que significa Brasil, Rússia, Índia
e China. A África do Sul se uniu ao grupo, de modo que o Bric agora se intitula Brics.
Já existem diversos bancos com fundos de investimento para países emergentes concentrados
nos Brics, os denominados Fundos Brics.

b) Fundos soberanos
Evolução crescente do mercado de sovereign wealth funds, chamados, no Brasil, de fundos
soberanos. Por meio desses fundos, está em andamento a criação de uma inovadora e sofisticada
indústria de intermediação e engenharia financeira.
Os fundos soberanos são constituídos de reservas cambiais e outras fontes de renda de países
emergentes, sendo de propriedade ou de controle desses governos. Trata-se de um mercado com
base em dólares americanos e em outras moedas fortes que circulam e servem de base para operações
financeiras fora dos países de origem.
A estratégia de investimento desses fundos não é estritamente financeira, pois também entram
em jogo considerações geopolíticas.

c) Globalização de investimentos
Desenvolvimento de padrões de globalização de investimentos, acompanhados de expansão
e internacionalização de bolsas de valores, mercados futuros, bancos de investimento, agências de
publicidade e hotéis de negócios.

d) OFCs
Criação, nos últimos anos, de diversos offshore financial centres (OFCs), geralmente
localizados em ilhas ou pequenos países, tais como Bahamas, Bermudas, Bahrain, Ilhas Cayman,
Ilha da Madeira, Ilhas Cook, Luxemburgo, Liechtenstein, Uruguai (Montevidéu), Panamá
(Cidade do Panamá) e Vanuatu.
Os principais atrativos dos OFCs são a menor regulação e as maiores facilidades fiscais, além
do fato de essas empresas trabalharem com grande discrição.
O fato de serem mercados discretos levanta, por outro lado, um ar de suspeita quanto à
legalidade ou à moralidade de muitas dessas operações. Dessa forma, os OFCs estão sendo
pressionados pelas autoridades dos países desenvolvidos e por muitos LDCs a separarem as suas
atividades legítimas daquelas que envolvem fundos do crime organizado, de corrupção política, de
terrorismo e de lavagem de dinheiro.
Com base na evasão fiscal, os fundos serão, em breve, incluídos nas práticas não mais
aceitáveis. Por exemplo, o US Internal Revenue System estima que haja um fluxo de US$ 300
bilhões por ano para os OFCs, só com base na evasão de impostos mundiais.

14
e) Polo financeiro no Brasil
A atividade de finanças internacionais está concentrada em alguns centros urbanos.
Atualmente, existem dois polos globais: Nova Iorque e Londres. Além desses, existem também três
polos regionais (Cingapura, Hong Kong e Tokyo) e mais dois polos regionais especializados
(Chicago, em commodities, e Zurich, em asset management).
No Brasil, existe a iniciativa de conceber, no eixo São Paulo-Rio de Janeiro, um polo regional
de finanças e negócios. A ideia é viabilizar esse polo como um novo centro regional que irá conectar
e trazer negócios dos outros centros de investimento e negócios da América Latina.

Interdependência do Brasil no mercado financeiro


Atualmente, o Brasil tem uma economia mais aberta que aquela que vigorou nas últimas
décadas. O País está integrado ao sistema financeiro que move os fluxos internacionais de capitais
e é um dos países em desenvolvimento que mais atrai investimentos estrangeiros. As suas instituições
financeiras ganham, gradualmente, posições nos mercados financeiros de outros países importantes.
Além disso, a sua bolsa (a atual B3, fruto da fusão da BM&F Bovespa com o Cetip) já está entre as
20 maiores do mundo que negociam ações e derivativos.
Em 2021, as 10 maiores bolsas do mundo são as seguintes: New York Stock Exchange,
Nasdaq, Tokyo Stock Exchange, Shangai Stock Exchange, Hong Kong Stock Exchange,
Euronext, London Stock Exchange, Shenzhen Stock Exchange, Toronto Stock Exchange e
Bombay Stock Exchange. Em 2020 as 20 maiores bolsas de valores do mundo possuem empresas
que somadas dão um total de mais de US$ 40 trilhões.
O comércio internacional de mercadorias e serviços do Brasil vem se tornando mais
importante e, graças à diversificação de produtos e aos países da sua pauta de importações e
exportações, está presente em todos os continentes. Além disso, o País abandonou, gradualmente,
as políticas protecionistas do passado e, atualmente, orienta-se por critérios de competitividade,
exportando vários produtos industriais e insumos básicos. Tornou-se também uma potência
exportadora de minérios, carne e produtos agrícolas, aproveitando as vantagens comparativas de
um modelo de desenvolvimento com base em recursos naturais.

Economia dos mercados financeiros


No que tange ao mercado financeiro, podemos fazer as seguintes perguntas:
 Para que servem os mercados financeiros?
 Qual é o seu papel no sistema econômico de produção e consumo?
Os mercados financeiros levantam capital e realizam o encontro entre os tomadores (aqueles
que desejam recursos) e os poupadores (aqueles que oferecem esses recursos).

15
Figura 2 – Tomadores e poupadores

O preço que equilibra os fluxos entre tomadores e


poupadores é a taxa de juros.

É importante observarmos que existe um complexo sistema institucional no mercado


financeiro, com diferentes tipos de empresa e regulamento, além de um número muito grande de
instrumentos financeiros oferecidos às empresas, aos governos e ao público consumidor.

Empresas multinacionais
As empresas multinacionais (que já despertaram muita polêmica no passado) hoje são
disputadas pelos países, que procuram atraí-las para as suas economias.
Observe, a seguir, as vantagens e desvantagens obtidas ao atrair esse tipo de empresa:
 vantagens:
 ter maior acesso a capitais;
 beneficiar-se de transferência de tecnologia;
 conhecer novos modelos organizacionais;
 gerar empregos qualificados;
 obter vantagens graças ao peso da marca na propaganda;
 adquirir know how de comércio;
 utilizar métodos modernos de gestão e
 conseguir maior acesso ao mercado internacional.

 desvantagens:
 ter controle limitado da tecnologia;
 perder a soberania e
 submeter-se a tomadas de decisão realizadas no exterior.

16
Poupança, investimento e sistema financeiro

Poupança, investimento e PIB


A poupança e o investimento são os ingredientes básicos para explicar o aumento de
produtividade, e os mercados financeiros são os responsáveis por coordenar as decisões relativas a
esses ingredientes. O sistema financeiro possibilita a transformação da poupança em investimento
e, para tal, usa diversos mercados e instrumentos financeiros.
O fator de produção de capital é obtido pelo uso de dois outros fatores:
 recursos naturais e
 recursos humanos.

O capital é um fator produzido pelos demais fatores de


produção.

Sob a visão econômica, o capital é um estoque, é o investimento líquido acumulado ao longo


dos anos. Dessa forma, o estoque de capital se modifica por meio de novos investimentos.
O investimento é um fluxo, enquanto o capital é um estoque. O investimento é líquido, no
sentido de que o investimento bruto contém uma parcela de recursos usada para recompor o estoque
de capital. Essa recomposição é necessária, pois o estoque de capital é corroído pela obsolescência e
pelo desgaste natural, devido ao seu uso no processo produtivo.

Investimento e poupança real e financeira


Vejamos o conceito de investimento a partir das perspectivas econômica e financeira:
a) Perspectiva econômica
Sob o prisma econômico, o investimento é obtido por meio da poupança das famílias, das
empresas e do governo. Em termos macroeconômicos, investir (em bens tangíveis) é comprar novos
bens de capital (máquinas, equipamentos, prédios, plantas industriais e outros ativos físicos).
Devemos notar que o investimento e a poupança, segundo essa perspectiva, diferenciam-se
daquilo que se lê na imprensa não especializada ou daquilo que se utiliza na linguagem do
mercado financeiro.

b) Perspectiva financeira
Sob o prisma financeiro, o investimento recebe uma interpretação diferente daquela dada
pela macroeconomia. O investimento financeiro se baseia em fluxos que derivam do total de ativos
acumulados expressos em valores monetários. Em outras palavras, baseia-se também em capital
acumulado nos anos anteriores e em transferências de ativos. Isso cria, portanto, um forte
componente de dupla contagem.

17
Os conceitos de investimento real e investimento financeiro, assim como os de poupança real
e poupança financeira, são distintos. O investimento e a poupança, em termos reais, derivam da
definição do produto interno bruto (PIB), conceito que conheceremos a seguir.

Investimento e poupança sob a ótica econômica


Sob a ótica econômica, o investimento é uma adição ao estoque de capital que irá permitir
uma maior produção de produtos e serviços no futuro. Para investir e, desse modo, acumular
capital, é preciso desviar fatores de produção que, caso não fossem alvo de investimento, seriam
utilizados na criação de produtos e serviços para o consumo. Em outras palavras, utilizar um menor
volume de recursos para o consumo corrente significa poupança, enquanto utilizar um maior
volume de recursos para produzir bens de capital significa investimento.
Nesse sentido, a sociedade tem de fazer uma troca: consumir menos no presente para consumir
mais no futuro, o que é possível pela expansão da produção obtida pelo investimento. Desse modo, a
poupança, que representa essa troca do presente pelo futuro, é também um investimento.

Investimento e poupança sob a ótica financeira


Sob a ótica financeira, o investimento e a poupança são vistos, em geral, como estoques, e
não como fluxos. Existe também muito da chamada dupla contagem. Por exemplo, suponhamos
que um indivíduo invista em um fundo de investimento, que, por sua vez, investe em uma ação
comprada de um vendedor em bolsa de valores. Esse vendedor foi investidor na compra de uma
ação emitida pela empresa e vendida no mercado primário. Nesse caso, sob a ótica econômica, o
investimento se deu no momento inicial, com a compra de ação no mercado primário. As outras
compras representaram apenas transferências de propriedade, muito embora sejam contabilizadas
como investimento segundo o prisma financeiro.

PIB E PNB
Dois conceitos nos auxiliam a calcular a produção de um país:
 PIB – representa o total da produção gerada em um país, independentemente da
nacionalidade do produtor e
 PNB – representa o total da produção gerada por produtores nacionais, independentemente
do país em que ocorreu a produção.

18
O PIB, tal como conhecemos, é medido anualmente e pode ser decomposto nos seguintes
componentes:
 consumo (𝐶𝐶);
 exportações (𝑋𝑋) e importações (𝑀𝑀) de mercadorias e serviços;
 gastos do governo (𝐺𝐺);
 receitas do governo (𝑇𝑇);
 poupança (𝑆𝑆) e
 investimento (𝐼𝐼).

O seu cálculo pode ser realizado de três maneiras, considerando as óticas:


 da despesa (renda);
 da produção (oferta) ou
 do rendimento.

Em uma economia simples, sem setor externo e sem governo, o PIB pode ser visto sob a ótica
da produção ou da renda. Nesse caso, calcularíamos o PIB da seguinte maneira:

Produção:

𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 = 𝐶𝐶 + 𝐼𝐼

Renda:

𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 = 𝐶𝐶 + 𝑆𝑆

Tudo o que não foi consumido no ano foi poupado. Dessa forma, ex post, o que foi poupado
foi investido, ou seja: 𝑆𝑆 = 𝐼𝐼.

Sistema financeiro

Mercado financeiro internacional


Em termos de organização, instrumentos e mecanismos de operação, o mercado financeiro
internacional evoluiu, principalmente, com base no desenvolvimento financeiro da Europa e dos
Estados Unidos. No entanto, mudanças ocorreram com o tempo e, em termos gerais, observamos
um quadro diferente e mais complexo atualmente.

19
Existem organizações, instrumentos financeiros e mecanismos de operação que são atrelados,
basicamente, às suas respectivas economias – são mercados financeiros locais na sua essência.
Evidentemente, há diferenças entre essas economias. Tais diferenças são resultantes de determinados
aspectos, tais como:
 diferentes tradições jurídicas e institucionais;
 nível de educação e cultura;
 maior ou menor presença do governo na economia;
 maior ou menor importância da classe média;
 tamanho da população e do PIB, e
 número de empresas e sua distribuição por classes de faturamento.

Existem também organizações, instrumentos financeiros e mecanismos de operação que,


embora sejam orientados e voltados para o mercado local, fazem incursões internacionais para poder
dar maior suporte aos seus clientes.
Há ainda aqueles que são plenamente orientados para o mercado internacional, também
chamados de cross border no linguajar do mercado financeiro. Alguns deles já nasceram como tais
(eurodólar), enquanto outros começaram domésticos e evoluíram, rapidamente, para atuar nesse
mercado (caso de alguns hedge funds).

Vantagem competitiva
O grande desenvolvimento financeiro internacional se deve, em parte, pela estratégia adotada
por diversas instituições financeiras de fugir das jurisdições e regulações dos países onde a sua
operação principal se localiza.
Existem vantagens (vistas sob a ótica privada de algumas instituições financeiras) em realizar
a chamada arbitragem regulatória, ou seja, usar diferentes jurisdições e regulamentações para fugir
de controles institucionais que buscam aprimorar o mercado financeiro sob a ótica social. Em outras
palavras, foi a vantagem competitiva que levou ao desenvolvimento financeiro internacional.

Empresas brasileiras no segmento cross border

No Brasil, algumas instituições financeiras e do mercado de capitais ingressaram no


segmento cross border nos últimos anos, como o Banco Itaú, o Banco do Brasil e a BM&F
Bovespa (atualmente B3). No mercado de capitais do País, já existem instrumentos para
facilitar a captação de recursos e vendas no mercado internacional, listagem em bolsas como
NYSE e Nasdaq, e negociação indireta de ações (via american ou brazilian depositary receipts
(ADRs ou BDRs).

20
A inovação é um processo contínuo por meio do qual agentes privados experimentam e
tentam diferenciar os seus produtos e serviços para responder a mudanças repentinas ou graduais
do ambiente econômico. Essas inovações se dão, em geral, em produtos ou processos do mercado
financeiro e são, curiosamente, estimuladas pelas chamadas imperfeições do mercado financeiro.
Na literatura econômica, denominam-se imperfeições as situações que se afastam dos
pressupostos da competição perfeita.
Existem diversas imperfeições no mercado financeiro, representadas por:
 impostos;
 regulação;
 assimetria de informações;
 custos de transação e
 risco moral.

Em um ambiente de finanças internacionais dinâmico, tumultuado e volátil, como visto nas


duas últimas décadas, houve grandes estímulos à inovação. Os grandes fluxos de capital que
circulam na economia mundial e a propagação da cultura financeira, seguramente, aumentaram a
velocidade e a difusão das inovações.

Principais mercados financeiros e suas características


A seguir, listamos os principais mercados financeiros e as suas características.
a) Mercado de ações
As ações são títulos lançados pelas empresas que respeitam atos normativos e regulatórios das
autoridades governamentais competentes. O valor da ação depende da expectativa do mercado
acerca do risco envolvido, dos lucros futuros da empresa, trazidos a valor presente por uma taxa de
desconto apropriada, e da sua política de distribuição de dividendos.
Existem ações com direito a voto (ordinárias) e sem direito a voto (preferenciais).
No mercado primário, ocorre o lançamento de ações – processo conhecido como initial public
offering (IPO). Já no mercado secundário, efetua-se a troca de ações pelos adquirentes. O principal
mercado secundário é a bolsa de valores. Há também o mercado de balcão.

b) Mercado de títulos de dívida


Composto a partir da negociação de títulos de dívida emitidos pelas empresas ou pelo governo.
Enquanto as ações prometem fluxos futuros de renda variável (o que depende do
desempenho das empresas), no mercado de títulos, os encargos são predeterminados (juros,
amortizações e demais serviços).

21
As empresas lançam commercial papers (curto prazo) ou debêntures (de médio e longo prazos).
Existem debêntures que podem ser convertidas em ações.
Um grande problema dos títulos governamentais é a possibilidade de calote soberano
(moratória ou repúdio por parte do governo emissor) ou, o que é mais comum, de uma deterioração
do seu valor real via inflação (quando não existe previsão contatual para correção da inflação).

c) Mercados monetários
Voltados para negociação de títulos de curta duração, tais como letras e títulos
governamentais de um, dois, três ou seis meses, e títulos de curto prazo emitidos por empresas.

d) Mercado de ativos físicos e de commodities


O principal é o mercado imobiliário para residências ou escritórios, em que se emitem e
negociam títulos de hipoteca. Abrange também o mercado de commodities físicas, principalmente
as relacionadas a produtos agrícolas e minerais.
No agronegócio brasileiro, já está disseminada a cultura de emissão de diversos títulos
financeiros lastreados em commodities. A preocupação crescente com a mitigação de problemas
ambientais criou um mercado para “títulos verdes”, que são debêntures atrelados a indicadores
econômicos originados, principalmente, na agricultura.
Algumas dessas commodities são suscetíveis à padronização das suas características negociais,
tais como qualidade, condições de estocagem, rotas de produção e de mercado, sazonalidade, etc.
Caso tenham significativa importância econômica, tais commodities podem evoluir para oferecer
contratos futuros e outros instrumentos derivativos no mercado financeiro.

e) Mercado de câmbio
Conhecido como mercado FX ou Forex, é o mercado de taxa de câmbio, que vincula o valor
de uma moeda ao de outra.
O mercado de câmbio é o maior mercado do mundo. Nele são negociados, diariamente, de
dois a três trilhões de dólares.

f) Mercados derivativos
Mercados que negociam contratos de futuros, de opções, a termo, swap e outros instrumentos
financeiros cujos valores derivam do valor de um ativo subjacente. Por exemplo, o contrato futuro
de câmbio se pauta pelo comportamento dos preços do câmbio no mercado spot (à vista).

22
Principais funções do mercado financeiro
Vejamos as principais funções do mercado financeiro:
a) Liquidação e custódia (clearing)
A compra e a venda de ativos financeiros envolvem um complexo processo para assegurar a
sua existência, um lugar seguro para a sua guarda e, finalmente, mecanismos confiáveis e rápidos
para fazer com que:
 compradores paguem, efetivamente, pelo que compraram;
 vendedores recebam o dinheiro da venda e
 vendedores entreguem, fielmente, aquilo que venderam e recebam o seu dinheiro.

O processo de custódia e liquidação (clearing) é a função mais essencial e sensível do mercado


financeiro, pois a credibilidade do mercado depende do seu bom desempenho.

b) Junção e repartição de recursos


Uma das funções nobres de qualquer mercado é mostrar eficiência ao juntar as pontas de
compra e venda para negociar preços e demais condições.
O mercado financeiro agrega os recursos dos poupadores (como fundos de investimento) e
reparte esses recursos em diversas aplicações de investimento (por exemplo, a compra de ações de
empresas por pequenos aplicadores).

c) Transferência de recursos
A geografia e o tempo são importantes elementos a serem levados em conta na organização
do mercado financeiro. Sendo assim, o mercado desenvolveu diversos mecanismos para realizar
transferências intertemporais (centradas nas taxas de juros, segundo prazos de duração) e
transferências espaciais (países ou regiões com abundância relativa de capital, que ofertam recursos
a países ou regiões carentes).

d) Gestão de riscos
A análise de risco é a irmã gêmea (em contraponto) da análise de rentabilidade em uma
aplicação financeira. O mercado financeiro desenvolveu instituições (seguradoras e bolsas de
commodities e futuros) e instrumentos (seguros de propriedade, operações de hedge, fundos de
investimento), para diminuir e administrar o risco.

23
e) Informação de descoberta de preços
A informação e a descoberta de preços são uma função nobre do mercado, embora não
deixem de ser um subproduto das suas operações.
Prover informações e disponibilizá-las é um dever público, com imensos benefícios para o
planejamento estratégico das empresas, das entidades governamentais e do público em geral. Como
exemplo, temos a informação sobre a taxa de câmbio de 30, 60 ou 90 dias, revelada pela operação
do mercado a termo e a futuro.

f) Complementação de obrigações contratuais


É muito difícil, em qualquer contrato, prever e avaliar os efeitos de todas as ocorrências
possíveis corretamente.
O contrato tem um valor econômico que pode ser descoberto e precificado pelo mercado
financeiro. Nesse caso, o mercado revelará a opinião média dos participantes interessados sobre o
valor daquela obrigação contratual. Por exemplo, em um IPO da empresa C, temos a revelação de
como o mercado avalia o preço da ação da nova empresa C, resultante da fusão entre as empresas
A e B, ambas negociadas no mercado.

Poupança, investimento e mercado financeiro


O sistema financeiro é composto de instituições, tais como bancos, corretoras, seguradoras,
bolsas e empresas de asset management. Em geral, essas instituições são reguladas pelo governo. No
Brasil, tal regulação ocorre pelo Banco Central, pela Comissão de Valores Mobiliários, pela
Superintendência de Seguros Privados e outras instituições.
É também frequente que as instituições financeiras desenvolvam sistemas de autorregulação
para a indústria a que pertencem. Essas instituições desenvolvem e comercializam produtos e
serviços que servem para estimular poupanças e canalizá-las para as atividades de investimento.
Como vimos, sob a ótica financeira, a poupança e o investimento fazem parte do processo de
formação real de capital. O mercado financeiro possibilita a transformação da poupança em
investimento e, para tal, usa diversos mercados e instrumentos financeiros.

Mercado de capitais e mercado financeiro


Os dois principais mercados financeiros são:
 mercado de capitais e
 mercado de dívida.

Os dois instrumentos mais importantes desses mercados são as ações das empresas e os títulos
de dívida, chamados debêntures (tanto das empresas quanto do governo).
Há uma grande diferença econômica entre o mercado de títulos de dívida e o mercado de
ações, representada no esquema a seguir.

24
Figura 3 – Mercado de títulos de dívida versus mercado de ações

mercado de mercado de ações


títulos de dívida

refere-se à refere-se à

intermediação
bancária desintermediação

Não devemos confundir diferença econômica com diferenças jurídicas e normativas, que
são muitas e diversas.
Vejamos, a seguir, a diferença econômica existente entre os títulos de dívida e o mercado de ações:
a) Mercado de títulos (com intermediação bancária)
Um banco emite títulos próprios, por meio de cadernetas de poupança ou depósitos a prazo,
com a finalidade de captar poupanças do público. Esse mesmo banco emite outros títulos próprios
(empréstimos bancários) para conceder crédito às empresas tomadoras de recursos. Nessa situação,
há um processo de transformação em que a poupança não vai diretamente para o investimento.
Criam-se órbitas separadas de poupança e de empréstimos, suportadas por títulos próprios.

b) Mercado de ações – mercado primário


Nesse tipo de mercado de ações, a operação começa no chamado mercado primário, por meio
do qual a empresa emite e vende ações ao público diretamente. Mesmo que haja atuação de bancos
de investimento, corretoras e bolsas nesse processo, o fato básico é que não há transformação. O
fluxo de renda do público para a empresa e a entrega do papel pela empresa ao público são diretos.
A ação é um título emitido pela própria empresa, portanto não existe transformação de títulos.

c) Mercado de ações – secundário


Caso um investidor resolva vender uma ação a um terceiro em bolsa, ele entrará no chamado
mercado secundário. Muito embora, nesse mercado, a empresa não capte recursos diretamente, ela
se beneficia, indiretamente, pela liquidez criada e pela informação divulgada sobre os papéis da sua
emissão. Beneficia-se também pela propaganda que recebe e pela pressão dos investidores por uma
melhor governança corporativa.

25
Conceitos financeiros fundamentais
Os dirigentes das empresas multinacionais e de outras que tenham envolvimento com o setor
externo da economia devem, sob a ótica financeira:
 estar preparados para se responsabilizar por uma complexa gestão financeira;
 tomar decisões de financiamento e de investimento que adicionem o máximo de valor
possível à empresa e
 administrar os ativos financeiros sob a ótica de maximização da riqueza.

As principais funções da gestão financeira são apresentadas a seguir:


a) Decisão de financiamento
Envolve a aquisição de recursos, ou seja, a geração de fundos por meio de fontes internas
(lucros retidos) ou de fontes externas (empréstimos e lançamentos de títulos no mercado) à empresa.

b) Decisão de investimento
Envolve a alocação de fundos, ao longo do tempo, de modo a maximizar a riqueza dos
acionistas ou dos proprietários da empresa.

A aquisição de fundos, envolvida nas decisões de


financiamento, deve ser feita com o menor custo de longo
prazo possível.

Conceitos financeiros
A economia de finanças, com foco no estudo do comportamento dos mercados financeiros,
oferece ensinamentos valiosos para os gestores de finanças internacionais. Por meio dela,
entendemos que fatores culturais, conjuntura econômica, política global e comportamento das taxas
de câmbio são ingredientes fundamentais para a atuação desses gestores.
São cinco os conceitos básicos para o estudo das finanças internacionais:
 trade off entre risco e retorno;
 arbitragem;
 eficiência de mercado;
 precificação dos ativos de capital e
 estrutura a termo das taxas de juros.

Como gestores financeiros, devemos estar atentos aos conceitos relativos a finanças
internacionais. A seguir, vamos conhecer os conceitos de trade off entre risco e retorno, arbitragem
e eficiência de mercado. Os demais conceitos serão apresentados mais adiante.

26
Trade off entre risco e retorno
Os economistas fazem uma distinção entre risco e retorno baseada nos aspectos listados a seguir.
Em situações de risco, conhece-se a distribuição de probabilidades do evento futuro. Por
exemplo, existe uma probabilidade 𝑥𝑥 de que um rapaz de 20 anos sofra um sério acidente de trânsito
ao dirigir um carro em São Paulo. Já em situações de incerteza, não contamos com uma distribuição
de probabilidades. Navegamos no escuro. Isso aconteceu, por exemplo, no caso dos meses iniciais
da pandemia de Covid-19 em 2020, quando tivemos de lidar com muitas incertezas para
dimensionar os impactos na saúde e na economia global.
Existem maneiras técnicas de avaliar o risco e, em menor grau, a incerteza. No entanto,
infelizmente, não é possível neutralizar ou mesmo reduzir, significativamente, a interferência
desses dois fatores.

O risco e a incerteza são inerentes às atividades financeiras.

As pessoas e, especialmente, os investidores mostram aversão ao risco. Para assumir maiores


riscos, todos necessitam de uma compensação. Desse modo, quanto maior for o risco, maior será a
taxa de retorno desejada pelos investidores. Nesse sentido, a indústria de seguros (que, muitos
prognosticam, será a maior indústria financeira do século XXI), por exemplo, desenvolve diversos
mercados para seguros de vida, saúde, acidentes, riscos de obras de engenharia e construção.
As empresas e os investidores, por sua vez, procuram diversas maneiras de lidar com o
risco. A diversificação de carteiras de investimento é uma delas e é muito usada. Para as
empresas, isso ocorre por meio do casamento entre prazos ou moedas, ou pela diversificação de
clientes ou de fornecedores. Do mesmo modo, diversas operações de hedge para o câmbio e para
as taxas de juros são utilizadas.
O maior dilema (trade off) das finanças talvez esteja na relação entre risco e retorno. Tal
dilema precisa ser desvendado para que possamos entender a lógica das decisões financeiras.
Sabemos que a taxa de retorno é o lucro obtido por meio do investimento realizado. No
entanto, existem diferentes maneiras de calcular o lucro, principalmente quando se trata de
investimento em ações. O lucro, nesse caso, decorre da valorização da ação (que, enquanto não for
vendida, não representa um fluxo de caixa), acrescida do dividendo pago (esse sim, um fluxo de caixa).
O gráfico apresentado a seguir mostra o dilema risco-retorno para ações:

27
Figura 4 – Dilema risco-retorno para ações

No gráfico apresentado, a reta AB mostra o percentual de poupança do investidor usado para


o investimento em ações. À medida que o investidor compromete um percentual maior do seu
portfólio com a compra de ações (indo de A para B), o retorno médio esperado é aumentado, mas
o mesmo ocorre com o risco correspondente.

O desvio-padrão de uma distribuição normal de retornos é


uma medida de risco muito utilizada em finanças.

Arbitragem
O segundo conceito essencial ao estudo das finanças internacionais é a arbitragem.
A arbitragem se baseia na lei do preço único, segundo a qual os diferentes mercados que
negociam o mesmo produto irão convergir para um mesmo preço, existindo apenas diferenças
equalizadoras (custos de transportes, diferenças de tributação e outros elementos de fricção). Nesse
caso, há um pré-requisito: a troca de informação entre os participantes do mercado financeiro.
No mercado de câmbio, a arbitragem é fundamental. Graças à arbitragem, existe uma
regularidade na precificação das diferentes taxas de câmbio, e o funcionamento do mercado cambial
ocorre por meio de taxas cruzadas de câmbio.
A arbitragem é definida como a compra de ativos ou commodities em um mercado para revenda
imediata em um outro mercado, a fim de obter benefícios por meio de um diferencial de preços.
O processo de arbitragem pode envolver os seguintes elementos:
 aspectos fiscais (tax arbitrage);
 transferência de riscos (risk analysis and transfer) e
 regulação governamental (regulation arbitrage).

28
Como exemplo da importância da arbitragem no mercado de câmbio, podemos citar o caso
em que um brasileiro compra moeda australiana: em um processo triangular, primeiramente, ele
compra dólares americanos, trocando-os, em seguida, por dólar australiano. Isso ocorre com base
nas taxas cruzadas de câmbio entre o real e o dólar australiano.

Eficiência de mercado
O terceiro conceito fundamental para o estudo das finanças internacionais é a eficiência de
mercado. Um mercado eficiente é aquele cujos preços das ações negociadas, prontamente, incorporam
novas informações. Como vimos, o processo de arbitragem assegura essa eficiência do mercado.
Existe uma hipótese subjacente nesse enfoque: as chamadas expectativas racionais. As
expectativas podem ser racionais no sentido de haver uma avaliação dos retornos futuros de um
ativo sob condições pensadas de avaliação de riscos. A hipótese de eficiência do mercado estabelece
que os preços dos ativos refletem toda informação disponível ao público sobre o valor desses ativos.
Os mercados financeiros, no entanto, são movidos por uma combinação de racionalidade e emoção.
As recorrentes crises financeiras são um vívido exemplo disso.
Os mercados financeiros são pródigos em situações de informação assimétrica, exuberância
irracional e outras manifestações psicológicas que tornam nebulosas as corretas apreciações de risco
e de retorno ditadas pela racionalidade. Por conta disso, já existem teorias financeiras baseadas no
comportamento psicológico. Essas teorias recebem uma crescente aceitação por parte dos
profissionais e estudiosos do mercado financeiro.
Uma outra faceta interessante do mercado é representada pela indústria do asset management.
Nela existem milhares de profissionais que oferecem serviços de administração de ativos e que
buscam retornos para o investimento acima da média do mercado. A rigor, com a racionalidade
total imperando, não haveria necessidade de profissionais dando aconselhamento financeiro.

Escolas de investimento
São duas as grandes escolas de investimento:
a) Análise fundamentalista
A análise fundamentalista se baseia no estudo dos demonstrativos financeiros e das tendências
futuras de desempenho econômico tanto da empresa quanto do setor em que ela atua. O objetivo
é formular opiniões sobre o valor da ação da empresa analisada.

b) Análise técnica ou análise grafista


A análise técnica ou análise grafista examina o comportamento do preço das ações por meio
de índices e gráficos de preços do próprio mercado, de modo a captar tendências de alta (e comprar)
ou baixa (e vender).

29
Precificação dos ativos de capital
O quarto conceito essencial ao estudo das finanças internacionais é a precificação dos ativos
de capital. Esse conceito se refere à maneira pela qual os valores mobiliários são avaliados, em linha
com os riscos e retornos antecipados.
O modelo chamado Capital Asset Pricing Model (CAPM) é muito utilizado para fins de
precificação e para guiar decisões financeiras. De acordo com esse modelo, é possível explicarmos o
prêmio de risco – taxa esperada de retorno menos taxa livre de risco – para cada ativo financeiro.
O modelo CAPM é usado para montar carteiras de investimento e para selecionar as ações
que compõem o portfólio de investimentos. Para tanto, baseia-se na hipótese de que a variação total
nos retornos dos ativos pode ser atribuída a duas fontes:
 influências de mercado que, de algum modo, afetam todos os ativos financeiros, como o
aumento ou a diminuição do grau de otimismo dos investidores e
 riscos específicos de determinada empresa, como uma greve prolongada dos seus
funcionários ou um desastre ambiental provocado por um vazamento nas suas instalações.

Os riscos podem ser:


 sistemáticos – não podem ser diversificados pela troca de um ativo por outro e
 diversificados – podem ser mitigados pelo uso de técnicas de gerenciamento de carteiras de
investimento.

Distribuição da dívida e estabelecimento de juros


O quinto e último conceito relacionado a finanças internacionais trata da distribuição da
dívida ao longo dos anos e de como se estabelecem juros de curto, médio e longo prazos.
Os mercados financeiros utilizam, com frequência, estratégias com base no comportamento
temporal das taxas de juros. Uma das operações mais utilizadas por tesourarias de bancos baseia-se,
inclusive, na arbitragem entre diferentes curvas de yield.
Os títulos de dívida e as debêntures não são homogêneos, pois diferem, por exemplo, com
respeito ao tempo de vencimento (time to maturity), ou seja, a sua taxa de retorno depende do prazo
de vencimento. Veremos, a seguir, de que forma isso ocorre.
Uma maneira de representarmos a estrutura a termo das taxas de juros é pela yield curve. Essa
curva ilustra a dependência do retorno em relação ao prazo do seu vencimento. O gráfico a seguir
mostra uma típica yield curve.

30
Figura 5 – Yield curve

No gráfico, o eixo horizontal mostra o número de anos até o vencimento (𝑛𝑛). No eixo vertical,
apresenta-se a taxa de retorno esperada (𝑦𝑦 ou yield). Cada ponto da curva mostra o yield em relação
aos anos, até o vencimento.
Para construirmos a curva, em geral, comparamos as debêntures com diferentes prazos de
vencimento (maturidade) e calculamos as taxas implícitas de retorno anual.
Nos últimos anos, com a conjuntura de juros baixos ou mesmo negativos, existe grande
preocupação com o achatamento das yield curves no mercado financeiro internacional. O chamado
flattening complica e coloca maior risco nas estratégias financeiras de asset management.

Gestão financeira em empresas


Entre os diversos itens de interesse para as finanças de empresas multinacionais, podemos
assinalar três:
 avaliação do valor da empresa;
 fusões e aquisições, e
 gestão de riscos.

A seguir, veremos como cada um deles funciona.

Avaliação do valor da empresa


Os principais objetivos da avaliação, do ponto de vista da empresa, são:
 abrir o capital;
 emitir ações;
 facilitar a venda ou compra da empresa;
 fazer uma fusão;
 recomprar ações e
 determinar o valor da empresa.

31
Para realizar uma avalição, a empresa pode partir de quatro principais enfoques:
 comparar transações similares dentro da mesma indústria;
 apoiar-se em avaliações feitas em bolsa de valores;
 usar avaliações relativas, com base em métricas financeiras, lucros e valores de mercado
(múltiplos tipo preço/lucro) e
 usar cotações de bolsas de valores, que são baseados na percepção pública do valor do
negócio e das características operacionais da empresa (clientes, filiais, produtos, custos, entre
outros indicadores).

O principal método utilizado para obter os fluxos de caixa projetados dos lucros
consiste em:
 computar os valores com base nos fluxos de caixa projetados nos anos futuros;
 utilizar uma taxa de desconto adequada e
 considerar os fatores risco e incerteza.

Fusões e aquisições
As fusões e aquisições são bastante realizadas no mundo corporativo multinacional. As
principais motivações para a aquisição ou fusão de uma empresa são as seguintes:
 um novo dono pode derivar maior valor de um ativo ou companhia;
 a estratégia da empresa dita a motivação (linha de produtos, unidades de negócio,
diminuição de custos, reorganização da governança e busca de sinergias);
 obtenção de economias de escala;
 benefícios fiscais;
 breakups (cisões da empresa);
 spin-offs (atividade voluntária para liberar valores);
 leveraged buyouts/management buyouts (LBO/MBO), compras alavancadas feitas por
endividamento ou pelos administradores;
 recapitalizações;
 roll-ups (motivados para criar economias de escala ou poder de marketing);
 ativos distressed (concordata ou falência);
 fusões reversas para poder ser listado em Bolsa e
 desejo de sair, por parte de empresas venture capital e private equity.

32
Existem duas grandes etapas necessárias para que haja êxito no processo de fusões e aquisições.
Primeiramente, é importante realizar um processo apurado de due dilligence. Nesse processo,
levantam-se informações e avaliam-se, principalmente, os riscos de passivos ocultos. Esse processo é,
normalmente, conduzido após o vendedor aceitar a oferta do comprador e acontece simultaneamente
à elaboração das minutas e à negociação definitiva dos acordos e contratos. O tempo necessário para
realizá-lo depende da complexidade da negociação e das necessidades dos compradores e vendedores,
cujos objetivos principais são:
 confirmar as hipóteses que sustentam o modelo de avaliação;
 assegurar a propriedade dos ativos em pauta;
 descobrir passivos ocultos;
 validar o bom estado de negócios e ativos da empresa;
 avaliar o talento do time gerencial e
 preparar-se para a integração.

Os aspectos culturais entram em cena exatamente quanto a esse último aspecto, a integração.
Em fusões e aquisições de empresas, podem surgir conflitos muito sérios relacionados à cultura de
gestão, aos valores, à missão e às práticas de trabalho. É necessário grande cuidado e trabalho por
parte da nova gestão para harmonizar as equipes (vendedora e compradora), que, em geral, são
formadas aproveitando equipes já existentes (ou parte delas). Em fusões e aquisições de empresas
multinacionais, podemos adicionar ainda as diferenças culturais, linguísticas, jurídicas, referentes à
comunicação e aos costumes.

Gestão de riscos
A gestão de riscos é uma área de estudo cujos profissionais qualificados são muito disputados pelas
empresas. Isso acontece porque, por meio dela, é possível mostrar, com clareza, aos administradores os
riscos e retornos de qualquer decisão estratégica no nível tanto institucional quanto transacional.
Muito importante, o conhecimento sobre gestão de riscos ajuda os tomadores de decisão da
empresa a mudarem de estratégia, a fim de alinhar o trade off entre risco e retorno de investimentos
com os objetivos de médio e longo prazos da empresa.
As várias técnicas de gestão de risco existentes se apoiam em diversos instrumentos do
mercado, tal como operações de hedge em mercados de futuros e de opções.
As empresas multinacionais, em adição ao padrão das normas de gestão de risco de empresas
que operam em um mercado doméstico, têm de lidar com o risco político. Para algumas empresas
multinacionais, como aquelas que operam no setor mineral de diferentes países, o risco político é
um dos principais itens de custo potencial.

33
Crises financeiras globais

Crises financeiras internacionais modernas


Na essência, as crises refletem mudanças, criam problemas e contagiam o lado real da
economia. No entanto, elas também oferecem oportunidades de crescimento e de transformação
no cenário financeiro.
Com efeito, observamos uma depuração do sistema financeiro e uma reavaliação das suas
funções primordiais. No passado, as crises financeiras eram mais localizadas em determinados países
e centradas em poucos mercados. Atualmente, são crises internacionais, multimercado e sistêmicas.
Em 2020, por exemplo, vivenciamos uma gravíssima crise global provocada por um problema de
saúde, o Coronavírus, que provocou também uma crise financeira.
O que deflagra e espalha, então, a moderna crise financeira? Existem vários candidatos a
pontos de contágio das crises, mas os dois principais são a crise cambial e a crise bancária, ou a
combinação de ambas.
Existem dois tipos clássicos de crise financeira internacional:
 as crises resultantes de desequilíbrios macroeconômicos definidos e identificados (crise país) e
 as crises de fluxos voláteis de capital financeiro, que se movem de um país para outro
rapidamente (crise global).

Vejamos, a seguir, como se dão as crises citadas, com maior riqueza de detalhes.

Crises por desequilíbrios macroeconômicos


A administração e a solução de crises que surgem por conta de desequilíbrios
macroeconômicos são relativamente mais simples. As suas principais características são as seguintes:
 refletem severos desequilíbrios no quadro macroeconômico do país;
 geralmente, são causadas por déficits orçamentários, que, por sua vez, são financiados pela
expansão monetária, o que pressiona a inflação;
 são acompanhadas de crises cambiais severas, em situações de vulnerabilidade do país e de
existência de sistemas de câmbio distorcidos – em geral, com exagerada sub ou sobre
apreciação da moeda e
 provocam crescente déficit na balança comercial.

Nesse tipo de crise, havendo vontade política e competência dos gestores da política
econômica, basta fazer o dever de casa para reverter o cenário e mitigar os efeitos da crise.

34
Crises resultantes de fluxos de capital voláteis
As crises que surgem pela volatilidade dos fluxos de capital são mais complicadas. Alguns
aspectos são importantes nesse contexto, como os listados a seguir:
 vulnerabilidade por conta dos efeitos (muita velocidade, facilidade e liberdade) da
tecnologia de transferência de fundos;
 rápida abertura financeira dos mercados domésticos (sem muito preparo para tal);
 adoção de regimes cambiais com base em taxas flutuantes, que interagem com as taxas
de juros;
 mudança de poupança financeira, de doméstica para internacional;
 volatilidade do capital potencializada pela tecnologia;
 "comportamento de manada" dos participantes do mercado;
 criação, por parte do comportamento do mercado financeiro, de tensões para a gestão das
reservas de divisas do país;
 perda de flexibilidade por parte da gestão dos fluxos de pagamento do país e
 possibilidade de a liquidez dos bancos, ameaçada, virar um grave problema de solvência.

Não é fácil lidar com as crises modernas que se formam devido à volatilidade dos fluxos de
capital. Isso ocorre pelas seguintes razões:
1. Possibilidade de múltiplos equilíbrios, no sentido de que diferentes combinações de
desequilíbrio em variáveis macroeconômicas podem produzir resultados semelhantes de
cenário, que podem conduzir à ocorrência ou não de crise.
2. A crise é um possível resultado, mas não é necessária ou predeterminada. No entanto,
devido à importância das expectativas e do seu impacto na liquidez bancária, a crise pode
ser autorrealizável.
3. Mesmo com os bancos saudáveis, os descasamentos de prazos de débitos e créditos podem
causar, em movimentos sistêmicos, situações de falta de liquidez.
4. No momento agudo de crise, até o FMI tem dificuldade de fazer a distinção entre falta de
liquidez e insolvência. Inclusive, uma coisa pode transformar-se na outra com muita rapidez.

Contágio no lado real da economia


O grande temor é o de que uma crise financeira atinja o lado real da economia. Essa
possibilidade, infelizmente, é verdadeira e não há como escapar dela. No entanto, pode-se
minimizar o seu impacto.

35
Em geral, desenrolam-se determinados acontecimentos na economia de um país atingido por
uma crise financeira. São eles:
 a falta de crédito afeta o consumo;
 o medo de não obter financiamento freia o investimento;
 o custo do crédito – aumento da taxa de juros – piora o quadro;
 a volatilidade da taxa de câmbio prejudica o esforço dos bancos para tomar empréstimos no
exterior, o que reduz o crédito doméstico;
 as exportações sofrem queda e
 o fantasma do protecionismo reaparece, e esse é um grande perigo, como exemplificado
pela crise de 1929.

A violenta crise do subprime, que começou em 2007 e agravou-se em meados de 2008, é um


exemplo de crise que continua impactando, embora de maneira mais arrefecida, o mercado
financeiro global. Essa foi a primeira crise econômica e financeira em proporções globais e parece
ser bem mais grave, em termos de contágio financeiro, que a crise de 1929. Estima-se que mais de
20 trilhões de dólares de investimento em ações de empresas, no total das bolsas do mundo, foram
derretidos em 2008.
Nos dois anos seguintes à sua deflagração, a crise do subprime ainda gerava desemprego e
quedas no PIB, principalmente na Europa, e, mesmo depois de tantos anos, o mundo continua a
sofrer o seus efeitos. A manifestação mais preocupante ocorreu em 2020, atingindo Grécia, Irlanda,
Portugal e, em menor medida, Espanha.
Outro exemplo foi a crise gerada pela pandemia de Covid-19. Não só nos Estados Unidos e
na Europa, mas em todo o globo, tudo mudou com a crise e a forte recessão econômica deflagrada.
Outra nuvem cinza que espanta os mercados atualmente é a continuada fraqueza do mercado
de consumo mundial e as baixas taxas de juros, inclusive negativas, em termos nominais. Isso é um
prenúncio de uma crise de recessão global. Os analistas econômicos acreditam que, em função dessa
crise, o sistema financeiro global deverá encolher bastante. Por conta disso, o segmento bancário
comercial, mais tradicional, transparente, controlado e regulamentado pelo governo, deverá
reassumir o seu papel de importância, de modo que haverá maior intermediação financeira e,
logicamente, menor desintermediação.
O nível de regulamentação governamental no setor financeiro deverá aumentar bastante em
âmbito tanto doméstico quanto supragovernamental, por meio de organismos internacionais. As
operações de derivativos e de engenharia financeira deverão ser muito mais fiscalizadas e
regulamentadas, de modo a tornar in balance o que tem sido feito off balance.

36
Em março de 2023, o mundo financeiro voltou a sentir temores devido à crise bancária
originada no Silicon Valley Bank e o Signature Bank. Os dois bancos, ícones do mundo “high tech”,
faliram em menos de quatro dias. Na Europa, o banco Credit Suisse, segundo maior banco da Suíça
e enfrentando séria crise, foi adquirido pelo maior banco do país, o UBS. A crise foi contida, com
forte atuação das autoridades financeiras dos Estados Unidos e da Europa. No entanto, temores de
uma crise mais aprofundada ainda persistem no mercado.

O impacto no lado real da economia vem sendo muito forte,


e os governos de vários países (inclusive do Brasil) estão
adotando medidas conjuntas para mitigar os seus efeitos.

37
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
BARBOSA, Fernando de Holanda. Macroeconomia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2017.
Escrito por um renomado professor da EPGE/FGV, este livro é para leitura mais avançada, mas
torna acessível aos leitores com formação técnica básica os assuntos mais importantes da
macroeconomia, apresentando os principais modelos de crescimento econômico, de flutuação
econômica e de determinação do nível de preços. Cada um deles é analisado por meio de uma
abordagem matemática idêntica: os sistemas dinâmicos de equações diferenciais.

MADURO, Jeff. Finanças corporativas internacionais. Tradução da 8. ed. norte-americana. São Paulo:
Cengage Learning, 2015.
Esta obra examina, com profundidade, os principais tópicos relacionados à condução e à prática da
gestão de empresas que lidam com a esfera internacional, em particular as empresas multinacionais.
O autor dedica atenção especial às vantagens de os administradores terem maior conhecimento em
gestão financeira para a sua correta atuação, apresentando diversas aplicações e estudos de caso.

PACHECO, Luis et al. Finanças internacionais: teoria e prática. Lisboa: Edições Sílabo, 2017.
Este livro utiliza uma linguagem simples e acessível para apresentar os principais conceitos e
mecanismos das finanças internacionais, permitindo ao leitor: conhecer o ambiente internacional
em que as empresas operam e tomam decisões de investimento e financiamento, conhecer e saber
como funcionam os mercados cambial, monetário e de capitais (quem são os seus intervenientes,
que produtos financeiros disponibilizam e como deles tirar partido), conhecer as variáveis a
considerar, quer na tomada de decisão, quer no que diz respeito aos intervenientes e procedimentos
tidos como facilitadores e impulsionadores de operações financeiras e de comércio internacional e,
finalmente, adquirir competências para avaliar e gerir riscos, nomeadamente o risco de câmbio e o
risco de taxa de juro.

SILVA, Cesar Roberto Leite da; CARVALHO, Maria Auxiliadora de. Economia internacional. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017.
Este livro aplica a teoria à prática com exemplos recentes da realidade brasileira, o que torna o estudo
mais interessante e de maior utilidade para estudantes e profissionais. A quinta edição mantém o
propósito de possibilitar o aprendizado de forma intuitiva, sem desprezar o rigor da teoria
econômica. Além disso, traz o balanço de pagamentos com a sua estrutura adaptada às normas da
6ª edição do Manual de balanço de pagamentos e posição internacional de investimento (BPM6), além
de temas como as crises dot-com e subprime, o mercado de câmbio e a especulação financeira e a
recuperação dos anos 2000. Com as suas constantes atualizações, o livro se consolida cada vez mais
como referência no mercado, sendo um instrumento essencial para todos os interessados no tema.

38
PROFESSOR-AUTOR

Pedro Carvalho de Mello

Formação acadêmica
 Graduado em Economia pela UFRJ e em Direito pela Uerj.
 Ph.D. em Economia pela Universidade de Chicago.

Experiência profissional
 Ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Bolsa de Mercadorias e
Futuros (BM&F).
 Ex-vice-presidente do PNC International Bank (Pittsburg, USA).
 Professor visitante da Columbia University em 1998 e da University of Richmond em 2004.
 Professor da Ohio University no Programa MBA Pleno FGV-Ohio.
 Professor e coordenador internacional dos MBAs da FGV.
 Membro e fundador do Comitê Latino-Americano de Assuntos Financeiros (Claaf).

Publicações
 Autor de diversas publicações na área de finanças, mercado de capitais, mercado imobiliário,
seguros e economia brasileira.
 Autor de três capítulos do livro Gestão bancária (Editora FGV, 2015) e das obras O B de
BRICs (2012), Crise do Euro (2013), O desenvolvimento financeiro do Brasil, 1985-2013
(2014) e O futuro dos seguros (2014).

39

Você também pode gostar