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FICHA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA

FERNANDO PESSOA E OS HETERÓNIMOS- ALBERTO CAEIRO

Lê atentamente o seguinte poema:

XXXIX

O mistério das coisas, onde está ele?


Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio e que sabe a árvore
5 E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das coisas


É elas não terem sentido oculto nenhum,
10 É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

15 Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —


As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas.
s.d.
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota
explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª
ed. 1993).
- 63.
“O Guardador de Rebanhos”. 1ª publ. in Athena, nº 4. Lisboa: Jan. 1925.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao questionário:

1. Explicita a relação que se estabelece entre o desenvolvimento do tema e a estruturação estrófica do poema.

2. Refere um dos efeitos de sentido produzidos pelas interrogações presentes na primeira estrofe.

3. Interpreta as referências aos “poetas” (v. 11) e aos “filósofos” (v. 12).

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4. Tendo em conta, nomeadamente, os versos catorze e quinze, explique como se constrói a aprendizagem do
“eu”.

5. Comenta a importância do último verso enquanto conclusão do texto.

BOM TRABALHO!!!

A PROFESSORA: Lucinda Cunha

PROPOSTA DE CORREÇÃO (exercício retirado do livro Preparação para o exame Final Nacional 2015
Português 12, da Porto Editora, pp. 234-237):

1. O poema organiza-se em três momentos, correspondendo globalmente cada um deles a uma estrofe,
cujo subtema ou mote é enunciado nos versos de abertura.
Assim, o poema inicia-se com a identificação de um problema (“O mistério das coisas, onde está ele?”),
glosado na primeira estrofe.
Os dois versos iniciais da segunda estrofe (“Porque o único sentido oculto das coisas/ É elas não terem
sentido oculto nenhum”) enunciam o argumento que desconstrói esse problema, argumento que é
expandido ao longo desta estrofe medial.
O primeiro verso da terceira estrofe (“Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos”) anuncia a
conclusão, formulada como um resumo do raciocínio precedente.

2. As interrogações (vv. 1-5) produzem, entre outros, os seguintes efeitos de sentido (a pergunta requer
apenas um sentido):
 conferem vivacidade ao discurso poético, destacando cada um dos elementos da cadeia do
raciocínio;
 suscitam o interesse pelo problema apresentado;
 marcam mudanças de enfoque na argumentação (reduzindo ao absurdo o problema colocado ou
questionando a existência de um saber com capacidade de o resolver);
 …

3. Os “poetas” (v. 11) e os “filósofos” (v. 12), sujeitos da busca de sentido oculto para as “coisas”, são
mencionados como pontos de comparação relativamente à estranheza das “coisas” (v. 8) sem “sentido
oculto nenhum” (v. 9). É que nem os “poetas” nem os “filósofos” conseguem atingir, pelos seus “sonhos”
(v. 11) ou pelos seus “pensamentos” (v. 12), a simples existência das “coisas”. Com efeito, procuram
“compreender” (v. 14) aquilo que, para Caeiro, apenas tem “existência” (v. 16).

4. O verso catorze remata o discurso sobre a estranheza de “as coisas não terem sentido oculto nenhum” (v.
9), mencionando o facto de não haver “nada que compreender” (v. 14) como a maior de todas a
“estranhezas” (v. 10). O sentido desta afirmação clarifica-se no verso seguinte (“Sim, eis o que os meus
sentidos aprenderam sozinhos”), ou seja, o saber de que as “coisas” (v. 8) não ocultam mistérios
corresponde a uma aprendizagem do “eu”, construída através da simples apreensão dos sentidos, sem
interferência da compreensão intelectual.

5. O verso “As coisas são o único sentido oculto das coisas” (v. 17) encerra a questão da significação, que se
coloca ao longo do poema, dando resposta definitiva à interrogação lançada no primeiro verso. A
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negação da existência de “sentido oculto” nas “coisas”, inscrita nos versos 8-9, surge reformulada neste
verso, que convoca outros temas do texto, nomeadamente, a estranheza da coincidência entre o ser e o
parecer das “coisas” (v. 13) e a sua simples existência sem “significação” (v. 16). Deste modo, o verso “As
coisas são o único sentido oculto das coisas” significa que o “sentido oculto” das “coisas” reside no existir,
em si mesmas, tal como se apresentam aos sentidos.

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