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06 12:21:15
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Violência
na Escola:
Um Guia para
Pais e Professores
Ruotti, Caren
Violência na escola : um guia para pais e professores / Caren Ruotti,
Renato Alves, Viviane de Oliveira Cubas. – São Paulo : Andhep : Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
264p.
Bibliografia.
ISBN 85-7060-465-3
Índice sistemático:
1. Brasil : Violência na escola : prevenção 371.782 098 1
Associação Nacional dos Direitos Humanos Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
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Hubert Alquéres
Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
CAPÍTULO 1
Violência nas escolas: como defini-la? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
O que pode ser chamado de violência na escola? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24
Como a violência se manifesta na escola? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27
O tratamento dado ao tema no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33
Qual violência deve ser combatida? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .36
Qual a relação entre as práticas institucionais e a violência? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .38
Como trabalhar o problema? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45
Qual o papel do professor diante da violência? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .46
CAPÍTULO 2
Conflito e insegurança escolar nas zonas Leste e Sul do município
de São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55
2. A educação como alvo da mídia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57
3. Violência escolar caracterizada pelos órgãos de classe educacionais . . . . . . . . . . .61
4. Perfil da violência escolar nas zonas Leste e Sul do município de São Paulo . . . .65
4.1 Registros escolares sobre indisciplinas e violências: insuficiência e
imprecisão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65
4.2 Indisciplinas e delitos no cotidiano escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66
4.3 Freqüência das indisciplinas e delitos no cotidiano escolar . . . . . . . . . . . . . . .69
4.4 Atrasos e faltas de professores e alunos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .76
4.5 Como as escolas lidam com as indisciplinas e as situações de violência . . . . .78
4.6 O entorno escolar e os seus riscos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82
5. Segurança nas escolas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .84
5.1 Insuficiência de dados dos órgãos de segurança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .85
5.2 Atuação dos órgãos de segurança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .88
5.3 Equipamentos de segurança nas escolas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .90
6. Condições estruturais das escolas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .91
6.1 Recursos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .91
6.2 Estrutura e recursos físicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92
7. Um estudo de caso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95
7.1 Relação entre os alunos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .96
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 6
ANEXOS
Anexo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235
Querendo resolver uma disputa? Tente a mediação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .235
O que é a mediação? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .235
Como a mediação previne ou reduz o crime? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .236
Plano para começar um programa de mediação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .237
1º passo: identificar os tipos de conflito a serem atendidos. . . . . . . . . . . . . . . . . .237
2º passo: decidir quando se usará a mediação.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .237
3º passo: recrutar os mediadores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .237
4º passo: treinar os mediadores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .238
5º passo: identificar conflitos e disputas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .239
6º passo: selecionar um lugar neutro para as reunões de mediação. . . . . . . . . . .239
Como manter o funcionamento de um programa de mediação? . . . . . . . . . . . . . .239
- Recrutando novos mediadores.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .239
- Promovendo treinamentos constantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .240
- Demonstrar e mostrar o sucesso do programa de mediação. . . . . . . . . . . . . . .240
Quais são algumas das recompensas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .241
Como se pode avaliar o programa de mediação? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .241
melhorar de algum modo a competência social das crianças e dos jovens como
forma de reduzir risco.
Além disso, outra contribuição da abordagem da promoção do
desenvolvimento tem sido a de dar visibilidade a um aspecto que até há pouco
era negligenciado: o do clima, da atmosfera que prevalece nas escolas e que pode
contribuir consideravelmente para a continuidade de episódios de agressão e de
violência entre os alunos. Esse clima inclui o contexto físico e social da escola.
Prevalece em muitas escolas um clima de competição entre os alunos, que pode
ser pouco favorável para o exercício de práticas não agressivas de negociações
de conflitos que se pretende implantar a partir de programas de prevenção da
violência.
Esse clima de competição tende a ser mais grave nas escolas menos providas
de recursos, em que os professores estão mais estressados e têm menos condições
de administrar o clima dentro da sala de aula (como se verá no capítulo 2 de
Caren Ruotti e no capítulo 3 de Renato Alves). Em escolas onde predomina
o clima de competição há mais bullying, briga física e violência. Esse não é
um ambiente propício para o desenvolvimento dos jovens. Não basta, então,
promover mudanças nos jovens, é necessário mudar o meio onde eles interagem
e onde deverão exercer o repertório de comportamentos que adquirem através
dos programas de prevenção. A nova tendência nos programas de prevenção
em escolas é de implementar programas universais, que incorporem também
um componente de mudança no ambiente da escola para se alterar o conjunto.
Essa abordagem recupera a tradição da psicologia ambiental (Barker e Wright,
1955) de “behavior setting”, segundo a qual há contextos físicos que propiciam
o exercício de certos tipos de comportamento.5 5 Há vários programas em curso que
adotam essa abordagem (Henry e
Este livro busca contribuir para o debate sobre o papel da violência na Farrell, 2004). Nesses programas não
só se analisa a escola do ponto de
escola e sobre como preveni-la dentro do enfoque de que a melhor forma de vista de como funcionários, alunos e
professores interagem, mas também
prevenção é a escola conseguir cumprir o seu papel de agente socializador, que do ponto de vista físico: limpeza,
cria condições para as crianças e os jovens se desenvolverem de modo saudável. iluminação, presença de bares nas
imediações, lojas de armas nas
A violência na escola é abordada neste livro do ponto de vista de vários atores: vizinhanças, grafitagem e vandalismo
(Miller-Johnson, Sullivan e Simon,
dos alunos, dos professores, dos funcionários, da administração e daqueles que 2004).
Viviane Cubas
A
bordar o tema da violência nas escolas é uma tarefa que exige cuidado
e precisão. Cuidado para não estigmatizar os atores envolvidos e atri-
buir uma dimensão exagerada aos casos do cotidiano e precisão para
não ignorar as sutilezas que afetam de forma negativa a comunidade escolar.
Quando se fala sobre violência na escola, estamos nos referindo a que tipo de
violência? Quem são as pessoas envolvidas? Quais as conseqüências da violência
no ambiente escolar? A partir dessas indagações é que se buscou, na bibliografia
especializada, algumas respostas ou indicações que orientassem a discussão so-
bre o tema. Neste capítulo foi feita uma revisão sobre o que outros autores têm a
dizer sobre alguns itens específicos na discussão sobre violência e escola, sendo
boa parte do material utilizado referente a estudos estrangeiros. Isso ocorreu
porque alguns temas investigados ainda se encontram pouco explorados nos
trabalhos nacionais, que priorizam os registros descritivos do ambiente escolar,
e, apesar de não focarem a realidade brasileira, os trabalhos americanos e fran-
ceses muito têm a acrescentar e estimular ao debate brasileiro.
que a ameaça está contida nas instituições, mesmo quando não há violência
explícita, o que incluiria deixar de pensar o fenômeno em termos de puni-
ção e de pesquisar fatores puramente biológicos para dar maior atenção aos
fatores sociais.
As práticas escolares construídas em escolas inglesas e francesas foram
o enfoque do trabalho desenvolvido por Blaya (2003). Para a pesquisadora,
a questão central do problema é o ambiente criado pelos protagonistas e,
por esse motivo, não se trata de um fenômeno que atinge apenas escolas
situadas em áreas menos favorecidas. Há lugares onde existem boas relações
entre a comunidade escolar - comunidade, pais, alunos, professores e fun-
cionários - e onde essas relações foram deterioradas. A autora fez um estudo
comparativo entre escolas inglesas e francesas, no qual entrevistou mais de
5 mil estudantes e educadores. Os resultados mostraram que as escolas que
apresentam menor número de casos de agressões e onde a probabilidade de
ocorrerem eventos violentos é menor são aquelas onde o papel dos professo-
res não fica limitado apenas à docência, mas incluem atividades extras com
os alunos e onde existe ainda a promoção da união do corpo docente e bons
contatos entre escola e comunidade. Através de sua pesquisa descobriu ainda
que os mesmos alunos que são protagonistas de atos violentos sentem-se
agredidos quando não são escutados ou quando não há um interesse efetivo
dos professores pelos alunos.
As principais diferenças entre as escolas inglesas e francesas, segun-
do Blaya, era que os professores britânicos não se ocupavam apenas com a
aprendizagem dos alunos, mas também com o seu desenvolvimento físico,
pessoal e emocional. Além da responsabilidade em ministrarem suas dis-
ciplinas, orientavam grupos para a prática de atividades extracurriculares,
onde cada estudante contava com um professor orientador que o acompa-
nhava. Práticas como essas resultam num maior entrosamento entre toda
a comunidade escolar, melhorando a comunicação e permitindo coerência
no encaminhamento dado aos conflitos cotidianos por parte de professores
mandar aluno para fora da sala de aula. Nove entre dez professores se valem
desse expediente duvidoso.” (Aquino, 2004:95). Práticas como essa foram
forjadas num modelo ultrapassado que precisa ser superado através de uma
perspectiva da inclusão.
Caren Ruotti
I 1. Introdução
A
violência escolar constitui-se como um problema contemporâneo,
que vem afetando os processos educativos e colocando em questão
a própria estrutura da instituição escolar, suas práticas e relações.
A complexidade desse problema requer esforços no sentido de uma aborda-
gem ampla que dê conta das suas diferentes manifestações, bem como das
ações que vêm sendo adotadas para a sua prevenção.
No Brasil, desde a década de 90, a violência nas escolas vem adquirindo
relevância no debate público e acadêmico, além de visibilidade na mídia. Ao
longo desses anos, o problema vem sendo abordado sob diferentes perspec-
tivas. Assim, de um problema que era restrito a manifestações de agentes ex-
ternos contra o patrimônio público, começa a ser relacionado às condições
de violência social, ou seja, ao aumento da criminalidade nos grandes cen-
tros urbanos, inclusive, nas áreas periféricas. Além desse enfoque, ganham
dados dos órgãos de classe14 sobre violência nas escolas também foram
considerados.
Ademais, este trabalho apresenta um diagnóstico que fez parte do pro-
cesso de intervenção em uma escola estadual localizada no distrito do Jd.
Ângela, o qual teve como objetivo a implementação da mediação de confli-
tos no ambiente escolar.
14 Confederação Nacional dos Essas pesquisas, no geral, procuraram apreender as situações de vio-
Trabalhadores em Educação (CNTE)
e Sindicato de Especialistas de lência e indisciplina existentes no ambiente escolar, identificando tanto as
Educação do Magistério Oficial do
Estado de São Paulo (UDEMO). pequenas incivilidades existentes no cotidiano escolar como as ocorrências
de maior gravidade (tratados aqui como delitos15), além das condições das
escolas no que diz respeito aos seus recursos físicos e humanos.
15 Optou-se por utilizar o termo
delito, um termo mais geral, capaz Em suma, as pesquisas fornecem informações importantes quanto à
de abarcar as ocorrências nas
escolas que podem estar referidas situação das escolas públicas localizadas nessas regiões e apontam para a
a crimes ou a contravenções penais
cometidas tanto por alunos quanto necessidade de várias melhorias, o que remete tanto à responsabilidade dos
por pessoas externas à escola.
Evitou-se a utilização do termo “ato
órgãos públicos como das próprias escolas no desenvolvimento de traba-
infracional” o qual é imputado aos
crimes e contravenções (previstos no
lhos que tenham como objetivo gerir democraticamente os conflitos exis-
Código Penal) cometidos por crianças
ou adolescentes, de acordo com o
tentes no cotidiano escolar, a fim de diminuir os riscos representados pela
Estatuto da Criança e do Adolescente. violência.
Isso porque se identificou que os
delitos nas escolas podem tanto ser
Localidade
Temas das notícias Zona
Estado de São Paulo Zona Leste
Sul
Projetos oficiais 108 6 11
Agressões (vítimas: aluno, professor, funcionário,
49 12 8
caseiro)
Tráfico de drogas 48 9 12
Presença de policiamento 43 6 9
Ameaças (vítimas: aluno, professor, funcionário) 34 13 7
Consumo de drogas 31 9 9
Homicídios (vítimas: aluno, não-aluno, professor,
31 16 3
funcionário)
Tiroteio 18 4 5
Briga entre alunos 15 6 4
Ausência de policiamento 14 5 1
Depredações 14 5 6
Voluntariado 13 3 5
Experiências exitosas 13 2 4
Furto e roubo 9 - 4
Consumo de álcool 7 - -
Suicídio de ex-aluno 4 - -
Porte de arma 4 2 -
Invasão da escola 2 1 -
Tentativa de homicídio (vítimas: professor, alunos) 2 1 -
Explosão de bomba 1 1 -
Essa imagem, não obstante, acaba por gerar uma mobilização das
instâncias públicas no sentido de trazer mais segurança às escolas por
meio de diferentes projetos que, no geral, acabam se revelando esporádi-
cos. Nesse sentido, os projetos primam apenas por acobertar o sentimen-
to de insegurança que os acontecimentos violentos geram, mas sem real-
mente tratar das causas dos problemas - uma vez que, como veremos mais
adiante, o próprio diagnóstico feito por esses órgãos sobre as ocorrências
de violência nas escolas não se mostra preciso. Pode-se citar como exem-
plo desses projetos um plano de segurança do governo do Estado de São
Paulo destinado às escolas estaduais, divulgado pela mídia impressa, que
previa, em um dos seus itens, a realização de revista policial em alunos, o
que provocou várias reações contrárias e foi, em princípio, abandonado17.
Além de projetos que estão basicamente voltados para a maior presença
policial nas escolas e para a adoção de mais medidas de segurança, como
os circuitos internos de TV.
Como salienta Milani, em artigo que discute a presença da polícia nas
escolas, a violência não será apenas resolvida com policiamento. É necessário
um questionamento sobre a premissa que a repressão seria um antídoto para
violência, inclusive na escola: “quanto mais confiamos na repressão, mais
descuidamos da educação. Os melhores antídotos para a violência na escola
17 “Plano de Alckmin prevê a revista
em escolas” (título de reportagem, são uma boa relação educador-educando, baseada em vínculos afetivos, di-
Diário de S. Paulo, 08/05/02);
“Revista terá protesto organizado” álogo, respeito mútuo e princípios de justiça, e um ambiente escolar de par-
(título de reportagem, Diário de
S. Paulo, 10/05/02); “Governo diz ticipação, valorização, alegria e flexibilidade. Isso demora e dá mais trabalho
agora que revista escolar só em caso
extremo” (título de reportagem,
do que chamar a polícia, mas é exatamente essa a missão da escola”18.
Diário de S. Paulo, 11/05/02). Não estamos aqui contrários à presença policial na escola, já que exis-
tem algumas situações como o tráfico de drogas, os tiroteios no entorno es-
18 Milani, Feizi M. é médico de colar, invasões seguidas de furtos e roubos, que exigem algum tipo de atua-
adolescentes, presidente do Instituto
Nacional de Educação para a Paz e os
ção por parte da polícia, mas estamos questionando a visão que muitas vezes
Direitos Humanos - INPAZ. O artigo é apoiada pela mídia de que a insegurança escolar exige apenas um reforço
intitulado “Polícia nas escolas?”, ao
qual fizemos referência, pode ser
consultado na página: www.inpaz.
de medidas repressivas. Isso porque, novamente em referência a Milani, é
org.br/pra_ler.asp. preciso identificar para que tipo de violência esse policiamento está sendo
A pesquisa realizada pelo NEV/USP, nos distritos das zonas Leste e Sul
do município, teve como metodologia, além das entrevistas com dirigentes
das escolas, a coleta de informações junto aos registros escolares dedicados
às ocorrências de indisciplina e violência. Esse último procedimento nem
sempre logrou êxito. Em algumas escolas, a disponibilização dos dados so-
bre ocorrências disciplinares ou delitos foi bastante incompleta e, por vezes,
imprecisa, o que reflete, de um lado, a ausência de tais dados, mas também
a não autorização para leitura dos registros escolares ou a imprecisão dos
dados existentes nos registros.
Nos casos em que o acesso aos registros não foi permitido, os entrevis-
tados forneceram dados genéricos que podem não corresponder com exati-
dão ao que realmente acontece nas escolas. Isso se torna um empecilho para
a caracterização das situações de indisciplina e violência no espaço escolar,
dificultando a elaboração de um diagnóstico preciso.
Além disso, outra dificuldade encontrada para obtenção dos dados foi a
própria resistência dos entrevistados em fornecer informações no momento
das entrevistas. Em alguns casos foi possível perceber até mesmo uma certa
controvérsia entre os dados fornecidos e as observações feitas pelos próprios
pesquisadores nas escolas.
tamentos que desafiam as regras específicas da escola, como não usar uni-
forme, sair da sala sem autorização, ficar fora da sala de aula, não obedecer
aos horários, usar boné; os comportamentos que prejudicam ou interferem
no desenvolvimento das aulas, como brigas entre alunos, bagunça, conversa
alta na sala de aula, jogos de cartas; os comportamentos dos alunos relativos
à aprendizagem, isto é, não realizar as tarefas, demonstrar desinteresse, não
trazer material para aula; além de delitos, como consumo e tráfico de drogas.
Com base nesses dados é possível verificar que vários comportamentos en-
quadrados como indisciplina são episódios de violência.
Uma maior caracterização dos atos indisciplinares existentes nas es-
colas e das medidas disciplinares adotadas foi possível por meio da leitura
dos livros ou cadernos de ocorrências indisciplinares mantidos pelas escolas
(quando o acesso nos foi permitido). A leitura desses livros ou cadernos in-
dicou quanto o cotidiano escolar é permeado por agressões verbais, agres-
sões físicas leves (chutes, tapas, empurrões), desrespeito às regras escolares,
destruição do patrimônio escolar, não realização de atividades escolares,
alunos que cabulam aulas. As ações da escola contra essas ocorrências se
traduziam em repreensões verbais, advertências escritas, conversas com os
pais ou responsáveis pelos alunos, suspensões e até mesmo transferências
compulsórias nos casos mais graves de violência e/ ou reincidência de com-
portamentos indisciplinares.
Os casos mais graves de violências nas escolas, como agressões (que
exigiram atendimento médico), explosão de bombas com danos materiais,
furtos, alguns tipos de ameaças, consumo e tráfico de drogas, aluno armado,
ocorriam em algumas escolas pesquisadas, embora com diferentes freqüên-
cias. Aqui mais uma vez se ressalta a diferença entre as escolas, já que os diri-
gentes de muitas delas não relataram a ocorrência desses tipos de violência.
Nesse ponto percebe-se quanto é perniciosa a postura da mídia que genera-
liza alguns casos de delitos ocorridos nas escolas e acaba por gerar a imagem
de que as escolas públicas, de áreas periféricas, sofrem com tipos de violência
a) Violência interpessoal
ZS: distritos de Campo Limpo, Capão Redondo, Jd. Ângela e São Luís; ZL: distritos de
Cidade Tiradentes, Iguatemi, São Mateus e São Rafael.
riedade apresentada por algumas escolas, pode-se supor que esses não são
repostos imediatamente.
O vandalismo também foi um problema presente em quase todas as
escolas pesquisadas, embora com freqüências variadas. Na Zona Leste os
coordenadores ou diretores de 12 escolas disseram que “sempre” havia van-
dalismo, em outras 12 escolas os entrevistados informaram que o problema
ocorria “às vezes” e em 6 escolas que “raramente” ocorria. Na Zona Sul os
entrevistados de 18 escolas informaram que “raramente” ocorria vandalismo
e 10 entrevistados que “às vezes” ocorria.
Verifica-se que a vandalização produz ambientes escolares cada vez
mais desvalorizados pelos próprios membros escolares. Além disso, a comu-
nidade em geral apresenta algumas atitudes que prejudicam a preservação
das escolas, como jogar lixo, jogar pedras, quebrar vidros, arrancar portões,
quebrar muros, indicando a necessidade de um trabalho da escola que tam-
bém abarque as demais pessoas que moram no bairro, para que esses possam
utilizar o espaço, aprendendo também a respeitá-lo.
Freqüência
Tipo de ocorrência sempre às vezes raramente nunca
ZS ZL ZS ZL ZS ZL ZS ZL
Furtos 2 - 11 2 12 14 5 14
Vandalismo - 12 10 12 18 6 2 -
ZS: distritos de Campo Limpo, Capão Redondo, Jd. Ângela e São Luís; ZL: dis-
tritos de Cidade Tiradentes, Iguatemi, São Mateus e São Rafael.
Freqüência
Tipo de ocorrência sempre às vezes raramente nunca suspeita
ZS ZL ZS ZL ZS ZL ZS ZL ZS ZL
Uso de drogas - 2 - 6 - 6 30 10 - 6
Tráfico de drogas - 1 - 1 - 4 30 18 - 6
Consumo de álcool - 1 - 2 - 14 30 13 - -
Aluno armado - - - - 1 9 29 17 - 4
Invasão - 5 3 5 14 7 13 13 - -
ZS: distritos de Campo Limpo, Capão Redondo, Jd. Ângela e São Luís; ZL: dis-
tritos de Cidade Tiradentes, Iguatemi, São Mateus e São Rafael.
Freqüência
Tipo de ocorrência sempre às vezes raramente nunca
ZS ZL ZS ZL ZS ZL ZS ZL
Escolas estaduais 4 9 14 7 2 4 - -
Escolas municipais - 4 8 5 2 - - 1
Total 4 13 22 12 4 4 - 1
ZS: distritos de Campo Limpo, Capão Redondo, Jd. Ângela e São Luís; ZL: dis-
tritos de Cidade Tiradentes, Iguatemi, São Mateus e São Rafael.
ZS: distritos de Campo Limpo, Capão Redondo, Jd. Ângela e São Luís; ZL: dis-
tritos de Cidade Tiradentes, Iguatemi, São Mateus e São Rafael.
sua intervenção, por meio dos seus registros, além de possíveis progra-
mas de prevenção desenvolvidos. Por outro lado, o levantamento rea-
lizado a partir das entrevistas nas próprias escolas também teve como
objetivo identificar as ocorrências para as quais o atendimento policial
foi solicitado.
Além disso, foi foco de nossas pesquisas a caracterização das escolas
quanto à presença de equipamentos de segurança, a partir das observações
do prédio escolar e entrevistas com os dirigentes das escolas.
Leste 2001
Leste Sul
Acidente pessoal 91 28
Agressão 26 8
Atentado ao pudor 3 2
Auxílio público 24 47
Dano/ depredação 24 21
Desacato/ resistência 32 8
Desordem/ desinteligência 16 10
Disparo de arma 3 6
Embriaguez 3 1
Entorpecente 33 8
Estupro 1 0
Furtos 24 6
Homicídio 4 1
Tentativa de homicídio 3 1
Lesão corporal 7 4
Menor infrator 50 10
Ocorrência não especificada 74 40
Porte ilegal de arma 4 3
Tentativa de roubo 5 3
Roubos 15 9
Outros 61 40
Total 503 256
também padecem de precisão, uma vez que as escolas também nem sempre
fazem registros, elas servem para evidenciar uma subnotificação dos casos de
violência que ocorrem nas escolas por parte das polícias e, portanto, a im-
precisão das suas estatísticas. Entretanto é importante ressaltar também que
não são em todas as ocorrências de delitos que os funcionários da escola cos-
tumam chamar a polícia, como exemplo, temos responsáveis que, diante da
existência de alunos envolvidos com tráfico de drogas no interior da escola,
optaram por não fazer nada, apenas esperar que esses alunos completassem
os estudos e deixassem a escola, sugerindo que há um medo de represálias
diante do tráfico local e não garantia de que a polícia possa resolver o pro-
blema. Além disso, também houve relatos de não encaminhamento em casos
de ameaças a funcionários e em alguns casos de furtos, que acabam ficando
sem registro, pois não é feito boletim de ocorrência. Enfim, essa não notifica-
ção das escolas aos órgãos de segurança sobre a ocorrência de certos delitos
também afeta a precisão dos seus dados.
É preciso ressaltar que, certamente, os dados dos órgãos de segurança
não podem dar conta de descrever a violência escolar em sua complexidade,
mesmo que, ao contrário do verificado, suas estatísticas apresentassem maior
precisão. Isso porque a maioria das situações de violência ou microviolências
no meio escolar se prestam a encaminhamentos disciplinares e educativos e
não se constituem, de maneira alguma, em casos de atendimento policial.
educação, a fim de suprir essas carências que dificultam a formação dos alu-
nos e trazem dificuldades à atuação dos professores.
Espaços como os laboratórios de ciências não existiam na maioria das
escolas pesquisadas. Um dos motivos para isso era o grande número de alu-
nos, o que exigia que esses espaços fossem transformados em salas de aula.
Ainda em relação à inclusão digital dos alunos, embora a maioria das
escolas tivesse uma sala de informática, verificou-se que o número de com-
putadores, muitas vezes, era insuficiente para atender o grande número de
alunos da escola e que, além disso, como já explicitado, a falta de funcioná-
rios fazia com esses espaços ficassem, por vezes, sem uso. Essa situação foi
constatada mais acentuadamente na rede estadual de ensino. Já nas escolas
municipais verificou-se uma melhor adequação dos espaços, além da exis-
tência de profissionais específicos para acompanhar os alunos e auxiliar os
demais professores.
As bibliotecas ou salas de leitura também eram espaços que existiam na
maior parte das escolas pesquisadas (apenas 3 das 60 escolas pesquisadas não
tinham esse espaço). Entretanto, não eram espaços freqüentemente usados,
principalmente, nas escolas estaduais. Embora se verifique que o acervo de
livros das escolas vem melhorando por meio de verbas públicas de educação
destinadas a esse fim, não havia estímulo para que esse material fosse utili-
zado pelos alunos, devido à falta de funcionários. Contudo, é de suspeitar
que havia falhas do próprio corpo docente e da direção/ coordenação das
escolas, uma vez que eram poucos os professores que se habilitavam a le-
var seus alunos para esses espaços, incentivando, assim, o hábito da leitura.
Nas escolas municipais a situação se apresentou um pouco diferente, pois
existiam professores específicos que desenvolviam periodicamente com os
alunos atividades de leitura.
Outra situação grave verificada nas escolas foi a não acessibilidade de
grande parte dos prédios escolares aos portadores de deficiência física. Isso
se minimizava quando os prédios eram térreos, mas, ao contrário, quando
I 7. Um estudo de caso
Além desse levantamento quantitativo que abrangeu várias escolas,
foi realizado um diagnóstico mais específico em uma escola estadual, lo-
calizada no distrito do Jd. Ângela, como parte da implementação de um
projeto de Mediação de Conflitos desenvolvido pelo NEV/USP29. O levan-
tamento realizado no início do ano letivo de 2003, por meio de uma série
de entrevistas, teve como intuito identificar e quantificar os padrões de
conflitos interpessoais existentes no cotidiano escolar. Foram entrevista-
dos: a diretora, a coordenadora pedagógica, uma inspetora de alunos, três
professores e 44 alunos.
As entrevistas com os diferentes membros escolares permitiram ve-
rificar a existência de diferentes representações sobre o cotidiano na ins-
tituição escolar, inclusive sobre as situações de indisciplina e violência.
Embora haja pontos concordantes nessas representações, nota-se uma
acentuada divergência sobre a percepção que os alunos têm sobre a situ-
ação de violência e indisciplina na escola e a percepção dos professores e
demais funcionários.
No geral, as falas dos alunos apontaram para situações de bagunça, des-
respeitos, agressões, brigas freqüentes no cotidiano escolar e que acabam,
muitas vezes, por prejudicar o processo de aprendizagem. Já os professores
e funcionários, embora também relatassem algumas situações conflituosas,
reforçaram um diagnóstico de que a escola não sofria grandes problemas de
indisciplina e violência.
Por vezes, professores e demais funcionários da escola adotaram uma
postura defensiva e acabaram por não admitir os problemas que existiam na
escola, seja porque naturalizavam o fenômeno (seriam brigas, agressões nor-
mais que ocorrem em todas as escolas) ou porque não queriam admitir os
29 Ver essa experiência relatada problemas existentes na escola.
no Capítulo 6 sobre prevenção da
violência escolar.
maram nunca ter visto um policial na escola, ou, quando viam, chegavam no
momento em que eram desnecessários ou não faziam nada. Houve 31 res-
postas que se referiram à freqüência da presença de policias na escola. Alguns
alunos afirmaram que os policiais apareciam freqüentemente, várias vezes
ao dia (22 respostas) enquanto outros disseram que a polícia mal aparecia,
só de vez em quando ou se chamada (9 respostas).
Essa divergência de opiniões se manteve quando os alunos foram ques-
tionados sobre a qualidade do patrulhamento nas imediações da escola. Dos
44 entrevistados, 23 disseram se sentir satisfeitos ou muito satisfeitos com a
ronda policial, enquanto outros 20 acharam pouco ou nada satisfatório o pa-
trulhamento. Um aluno ainda disse nunca ter visto a polícia nas imediações.
Entretanto houve uma avaliação um pouco melhor quando a questão
foi se a polícia procurava impedir a presença de traficantes ou elementos
suspeitos próximos à escola. Do total de entrevistados, 27 deles afirmaram
que o trabalho da polícia nesse caso era satisfatório ou muito satisfatório,
enquanto 13 alunos disseram que a ação da polícia era pouco satisfatória ou
insatisfatória. Outros quatro disseram nunca ter visto nada.
Alguns alunos ainda deram opiniões ou sugestões sobre a atuação da
polícia naquela escola. Foram 17 sugestões, entre elas, 10 reivindicavam que
a polícia deveria estar de uma forma ou outra mais presente na escola. Al-
guns deles achavam que os policiais deveriam estar sempre acompanhando a
entrada e a saída dos alunos, ou entrando mais na escola, ou ainda vigiando
na hora do intervalo, ou estar sempre dentro da escola. Um aluno afirmou
achar importante a presença da polícia na escola, mas que sentia medo dela
e outro disse que a polícia não fazia diferença porque eles não passavam na
quadra onde havia pessoas oferecendo drogas.
Sobre a ronda escolar, a coordenadora disse que os policiais apenas
cumpriam seus horários, não desenvolvendo nenhuma outra atividade na
escola. Essa observação parece estar de acordo com a opinião de muitos alu-
nos que afirmaram que a presença da polícia não era freqüente nas depen-
I 8. Conclusão
As aproximações com a realidade das escolas públicas do município
de São Paulo vêm nos apontando para a existência de condições estruturais
muito desfavoráveis que se refletem diretamente na qualidade do ensino.
Além disso, identifica-se a presença de situações de violência que sugerem
uma inadequação da escola pública atual diante da geração que está freqüen-
tando suas salas de aula e dos desafios e problemas da sociedade - os quais se
agravam nas áreas periféricas do município.
De um lado, é importante ressaltar as condições de violência que foram
identificadas nas próprias relações interpessoais desenvolvidas na escola e
Renato Alves
N
o ano de 2002, o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de
São Paulo (NEV/USP) realizou uma série de discussões com grupos
de trabalhadores da região do Jardim Ângela, para conhecer as per-
cepções que eles tinham sobre a violência e as condições de segurança existen-
tes na região e se esses fatores interferiam em suas condições de trabalho.
As discussões em grupo foram realizadas com pessoas de uma mesma
categoria profissional (carteiros, policiais civis, professores, trabalhadores do
transporte público, servidores da saúde e assistentes sociais), utilizando-se
da técnica do grupo focal.
Neste texto, discutiremos alguns aspectos relacionados à violência na
escola levantados pelo grupo focal dos professores. O contato com esses pro-
fissionais foi feito através de uma das professoras da região que também in-
tegrou o grupo.
Apesar de destacarmos aspectos relacionados à violência na escola, res-
salvamos que esse não foi o único tema debatido pelo grupo. Temas como
I 2. Escola e violência
Quando analisamos os casos de violência relacionados à escola men-
cionados pelos professores, percebemos que não se resumem a um único
“Não dá para negar, quando a gente ouve que existe tráfico, que a
escola muitas vezes é passagem intermediária, local de divisão, de
disputa territorial, isso realmente existe.”
“(...) depois da morte desse rapaz, eles estão brigando entre eles
(pela liderança do tráfico). Então é briga do Macedônia com o
Jardim das Rosas, e é uma briga que a gente não entende bem.
Ultimamente a coisa está ficando um pouquinho pior, na semana
passada duas vezes eles ligaram para a escola e obrigaram a gente
a fechar a escola porque teria, segundo eles, um acerto de contas
entre eles nos prédios que têm lá pra cima.”
“Eu fui a uma reunião de pais e eles deixam bem claro que os com-
putadores estão ali para os alunos e que havia seguro para aquilo
ali. Eles falam abertamente que se sumir esse vem outro. Como
você vai lidar com uma fala dessa? (...) Eu acho que eles abrem
assim, como quem diz...”
“Eles falam que isso (os computadores da escola) é uma coisa ob-
soleta. Eu escutei isso de um diretor de escola. Ele falou: isso eu não
quero nem para o meu filho brincar, se roubassem seria um favor.
O que é isso? É complicado. Ainda bem que ele não está como dire-
tor agora, acho que ele não está em lugar nenhum.”
I 5. Violência na escola
Além das violências existentes no entorno e contra o patrimônio es-
colar, há também as violências contras as pessoas produzidas pela própria
dinâmica das relações escolares. Essas manifestações de violência estão pre-
sentes nas relações entre: alunos; professores e alunos; alunos e direção e,
algumas vezes, até mesmo entre direção e professores.
“(...) realmente a agressão entre eles é muito forte e isto por parte
dos pequenos, não dos adultos.”
Se, por um lado, é esperado que crianças se utilizem mais das agres-
sões para tentarem resolver seus conflitos, espera-se também que, com o
processo de socialização e educação, esse comportamento se reduza ao
longo tempo.
Entres os espaços para desenvolver e aperfeiçoar o processo socializa-
dor e educativo está a escola. Portanto, seria esperado que, à medida em
que a experiência com a escola aumentasse, esse comportamento cedesse
lugar a outras formas pacíficas de resolução de conflitos. Contudo, vários
casos demonstram que tais comportamentos, além de não sofrerem redução
34 Sobre isso, veja também o
Relatório de Cidadania II, (2002): ao longo do processo de escolarização, tornam-se, muitas vezes, ainda mais
Os Jovens, os Direitos Humanos e
a Escola. graves34.
“Tem (briga) quando sai da sala de aula, entre eles. Um aluno, sei
lá, quando um dedurou o outro, às vezes briga das turmas não é
resolvida na sala, é resolvida na saída. Na escola onde eu trabalho
tem policial à tarde e à noite e, na hora da saída, ele é muito re-
quisitado.”
“(...) você lida com muitas cabeças, muitas pessoas, então a ten-
dência é, no momento, não agradar a todos. E você se expõe mesmo
a conflitos, passíveis até de agressão.”
“(...) É um número muito grande de pessoas, de pensamentos e
você pode, muitas vezes, entrar num conflito.”
A falta de garantias que assegurem aos professores que não serão, direta
ou indiretamente, agredidos, interfere muito na qualidade do trabalho por
eles realizado. Afinal, o próprio processo educativo exige, algumas vezes, ati-
tudes e posturas que nem sempre irão agradar os alunos. Contudo, isso não
impede que o desagrado seja manifesto e até mesmo discutido.
Casos como o acima demonstram o relativo desagrado de parte dos
alunos com algumas atitudes de seus professores e quanto o diálogo entre
professores e alunos, enquanto possibilidade de expressão e mediação dos
conflitos, é distante e difícil.
A possibilidade de que conflitos entre professores e alunos revertam em
prejuízos para os professores pareceu ser relativamente comum em muitas
dessas escolas. Contando com isso, uma professora recém-chegada a uma
das escolas tentou evitar que seu carro fosse danificado, utilizando-se de
uma estratégia um tanto quanto curiosa e inusitada:
Nas escolas públicas, muitas vezes, são poucas as ações coletivas para
problemas compartilhados. O relato acima é um exemplo. Problemas como
esses nem sempre são superados apenas com iniciativas individuais e isola-
das. No caso acima, colocar uma placa com o nome no pára-brisa, no máxi-
mo, poderia impedir que o carro daquela professora fosse confundido com
o de outra, mas não poderia garantir que, em algum momento, não seria
danificado.
Relatos como o acima foram também utilizados para ilustrar por que
muitas vezes os professores sentiam-se inseguros. Naquele caso, o carro ris-
cado parece ter sido o mal menor, pois o rapaz que foi impedido de invadir
a escola para agredir uma aluna primeiramente havia prometido voltar ar-
mado para “acertar as contas” com a funcionária: “Ele mandou recado que ia
descer com duas ‘PTs’”.
O detalhe de como o impasse foi resolvido também chama a atenção.
Diante da ameaça, é o diretor da escola quem conversa com o rapaz para
dissuadi-lo do acerto de contas. Teoricamente, situações que implicam em
ameaças de morte deveriam ser encaminhadas e resolvidas pela polícia. Con-
tudo, algumas percepções nos dão idéia de por que, nessas situações, nem
sempre se podia contar com a proteção policial.
“Eu acho problema morar no mesmo bairro. (...) Eu acho que não
é interessante porque você, de certa forma, perde a sua identidade
enquanto pessoa e a sua privacidade com isso.”
“Eu vejo que uma das vantagens de ser professor é que você pode
trabalhar próximo da sua casa, isso é muito bom. Claro que eu não
arrisco trabalhar no mesmo bairro que eu moro.”
“Às vezes dá uns certos temores, porque você tem alguns posiciona-
mentos dentro da escola que não agradam ao ‘alunato’. Isso pode
trazer algumas represálias. Quando você mora fora, há um tempo
hábil na escola, aqueles que você não agradou têm tempo para que
revejam, raciocinem e tenham um outro olhar.”
Para essa professora, reconhecer que a relação com os alunos nem sem-
pre é fácil não significa estigmatizá-la perigosa. De fato, há situações peri-
gosas vivenciadas pelos professores nas escolas, contudo, essas experiências
correspondem a apenas um lado, e não à totalidade da realidade escolar. Po-
sicionamentos como esse evitam que a realidade seja generalizada, ajudando
a dimensionar melhor os problemas, como também a encontrar soluções
específicas e adequadas para cada um deles.
I 6. Tentativas de proteção
6.1 Grades e muros
As escolas, na tentativa de se protegerem tanto das violências que ocor-
rem em seu entorno como também dos furtos, costumam adotar medidas de
segurança que resultam, principalmente, no fechamento do espaço escolar
por meio de grades, muros e portões.
Em um dos relatos anteriores, vimos o esforço de uma escola para tentar
impedir que seu espaço fosse utilizado como rota de passagem pelo crime orga-
nizado local, esforço que, necessariamente, não deveria competir apenas a ela.
“Eu falei isso para uma psicóloga que estava ingressando numa es-
cola estadual. Eu não sabia que ela era psicóloga. Era uma colega,
mas estava ingressando como psicóloga. Até chamou atenção por-
que escola do Estado admitindo psicóloga, que progresso, né? Para
trabalhar tanto do lado do professor como do aluno. Ela perguntou
como eu faria. Eu falei que, primeiro de tudo, tiraria as grades,
porque aquilo parece uma cela. Eu nunca entrei em uma cela, mas
imagino que tem pichação, tem grade, tem tudo.”
– “(...) A porta tem um trinco que é uma chave de roda. Tem aque-
le trinco amarelo na sua escola?”
– “Não tem. E nem fechadura também.”
– “Já arrancaram?”
– “Já.”
– “Eles torcem a barra assim e tiram porque não querem ser presos.”
Dentro das escolas, as grades, trancas e portões muitas vezes são uti-
lizados para restringir ou controlar o acesso a determinados espaços como,
por exemplo, a sala de informática ou a secretaria. Contudo, quando o uso
dessas medidas é indiscriminado, cria dificuldades tanto para o trânsito den-
tro da própria escola como também desperta a sensação de aprisionamento
em professores, funcionários e alunos. Além disso, a experiência de alguns
professores mostrava que essas medidas nem sempre eram as mais eficazes
na proteção do patrimônio escolar.
“As câmeras estão na escola, mas não estão tendo função. Por en-
quanto não. As coisas têm acontecido e ela não está tendo a fina-
lidade de ver o que realmente aconteceu. Parece que um tem um
tempo de gravação, umas funcionam e outras não.”
“Na minha escola tem policial feminina, ela tem uma boa relação
com os alunos, ela é muito na dela. Nunca tem enfrentamento.
Percebo que ela respeita.”
I 7. Alternativas e caminhos
7.1 Aproximar escola e comunidade
“Aí o outro fala: todo mundo tem direito a isso e aquilo. Mas e o
direito do aluno de ter aula? Cadê esse direito que não está sendo
respeitado? Que democracia é essa que só é democracia para favo-
recer os meus interesses? Quer dizer, o governo para manter uma
democracia tem que pagar dois professores? Um para dar aula e
outro para suprir a falta dele? Um ele paga e já sabe que vai faltar,
então tem que ser dois para cada disciplina?”
“Tem o ‘eventual’, que é uma figura que, assim, caiu... que eles
acabaram com o professor colocando esse ‘eventual’. É uma coisa
que acaba acontecendo, é eventual. Ele chega lá e não é professor,
ele não pode seguir uma matéria, ele não tem o conhecimento da
sala. (...)”
“O meu filho tem 9 anos, ele se negou a ir à aula, ele falou: eu não
vou amanhã. Eu falei: por que você não vai amanhã? Ele disse:
porque é aula da substituta. – E por que você não vai? De repente
ela vai fazer uma atividade legal com você. Ele falou: ela vai levar
para a sala de vídeo e eu já cansei de ver o Rei Leão, o Hércules.
Porque é só assistindo vídeo.”
“O Gabriel, O Pensador, tem uma música que fala que a gente fica
lá dando sugestão. Porque só vêm aqueles casos de disciplina: que
está sem camiseta; está de saia curta. Chega para o coordenador e
fala: ‘ele não quis ler na minha sala, resolve o caso’; ‘ele não traz o
material’. O que os professores esperam do coordenador não era o
que eu tinha para estar oferecendo (...).”
e tratado tanto pelas escolas como pelos diferentes órgãos responsáveis pelas
políticas públicas. Vimos que a prevenção da violência é pensada por meio
de medidas isoladas e paliativas que, além de não resolverem os problemas,
tendem, muitas vezes, a aumentar os existentes ou a criar outros. Contu-
do, apesar das muitas dificuldades, algumas alternativas e caminhos foram
levantados e apontados por essa discussão. Essas, em grande parte, passa-
vam pela instituição do diálogo, e não da força, como meio de mediação dos
conflitos. O diálogo, nesse caso, é aprendido e ensinado e, para tal, a escola
deveria se preocupar em não apenas transmitir conteúdos curriculares, mas
em investir na formação do cidadão de forma dialógica, crítica e reflexiva.
Em contextos, como o do Jardim Ângela, onde grande parte das coisas
se impõe pela força, a construção de espaços onde a fala se institua como
principal meio de expressão e negociação é um constante desafio. Nesse sen-
tido, a escola e as relações que ocorrem em seu interior seriam um dos espa-
ços privilegiados para o ensino, aprendizado e exercício dessa forma de agir
e, assim, talvez superar a força que gera o medo, o silêncio e, muitas vezes, a
própria violência.
Caren Ruotti
I 1. Introdução
O
Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP) vem realizando, desde
1999, pesquisas de opinião pública (surveys), com o objetivo de
36 Uma análise dos dados, referente apreender as percepções da população sobre justiça, direitos e pu-
ao ano de 1999, está publicada
em: CARDIA, N. “Atitudes, Normas nição, bem como sua exposição à violência.
Culturais e Valores em relação à
violência em dez capitais brasileiras”. Dentre as questões investigadas por essas pesquisas é possível destacar
Brasília: Ministério da Justiça.
Secretaria de Estado dos Direitos aquelas relacionadas à violência nas escolas. Neste capítulo analisaremos, es-
Humanos.
pecificamente, os dados sobre esse tipo de violência, explorando o grau de
exposição da população e as representações sobre suas causas. As informa-
37 Foram entrevistadas 700 pessoas ções aqui utilizadas correspondem aos anos de 2001 e 200336, tanto para o
para o município de São Paulo em
cada período. Além disso, definiu-
município de São Paulo como para os distritos de Jd. Ângela, Capão Redon-
se uma subamostra representativa do e Jd. São Luís37.
para os distritos de Jd. Ângela,
Capão Redondo e Jd. São Luís; dessa Como vimos, os capítulos anteriores foram dedicados à análise da si-
forma, foram entrevistadas nessas
localidades 341 e 346 pessoas, tuação de violência nas escolas e suas implicações, a partir de dados e relatos
respectivamente, nos anos de 2001
e 2003. coletados junto aos próprios membros escolares - professores, coordenado-
2.1 Os resultados
Tabela 1
Total Total
Tipo de ocorrências São Paulo (%) Zona Sul (%)
2001 2003 2001 2003
Alguém o(a) agrediu com palavras de baixo calão. 17 14 17 16
Alguém lhe ofereceu drogas. 17 15 15 15
Alguém lhe pediu para procurar/comprar drogas. 5 6 4 10
O(A) Sr.(a) sofreu alguma agressão física (tapa, soco,
3 2 9 3
pontapé, etc.).
Alguém o(a) ameaçou com um revólver para roubar
3 1 2 0
algo seu.
O(A) Sr.(a) mudou de escola por medo ou ameaça de
3 0 4 0
violência.
O(A) Sr.(a) sofreu algum tipo de agressão ou maus-
3 1 2 2
tratos policiais.
O(A) Sr.(a) ou algum parente próximo foi ameaçado
3 0 4 5
de morte.
Total Total
Tipo de ocorrências São Paulo (%) Zona Sul (%)
2001 2003 2001 2003
Algum parente próximo foi ferido por arma de fogo
3 2 2 2
ou faca.
Algum policial ou autoridade o(a) ameaçou para
2 0 2 2
tirar-lhe algum dinheiro.
Algum parente próximo foi assassinado. 2 1 7 0
O(A) Sr.(a) sentiu necessidade de andar armado(a). 1 2 7 3
Algum parente próximo foi seqüestrado. 1 1 4 0
Alguém o(a) ameaçou com uma faca para roubar
1 0 2 0
algo seu.
O(A) Sr.(a) foi ferido(a) por arma de fogo, como
0 0 0 0
revólver.
O gráfico a seguir, referente aos dados de 2003, mostra que uma parcela
significativa dos jovens estudantes entrevistados foi vitimada, tanto direta
quanto indiretamente, pela violência nos seus bairros. Destacam-se, tanto
para o município de São Paulo como para os distritos da Zona Sul, além
das agressões verbais, oferecimento de drogas, ameaça de morte, parente
próximo ferido com arma de fogo ou faca e necessidade de andar armado.
Quando comparados os dados, pode-se perceber que os jovens entrevistados
foram mais vitimados em seus bairros do que nas escolas.
Gráfico 1
Exposição à violência (na escola e no bairro) para aqueles que estudam
São Paulo – 2003
(em %)
Gráfico 1A
Exposição à violência (na escola e no bairro) para aqueles que estudam
Zona Sul
2003
(em %)
No entanto, acreditamos não ser fácil esclarecer quais são os efeitos para
a população, especialmente para os jovens, dessa exposição à violência exis-
tente nos bairros. Os resultados obtidos permitem, ao menos, indicar que a
exposição à violência nas escolas não ocorre com a mesma intensidade que
nos bairros em que essas se localizam. Desse modo, é importante ressaltar, de
acordo com Sposito (1998), que: “ambientes sociais violentos nem sempre
produzem práticas escolares caracterizadas pela violência” (p. 64).
Embora não possamos descartar os riscos que a violência no bairro
pode representar, a dinâmica escolar engendra outros conflitos e exclusões
que lhe são próprios. É preciso notar que grande parte das ocorrências
escolares diz respeito a microviolências, que não chegam a colocar em ris-
co a integridade física das pessoas, como as agressões verbais deprecia-
tivas. Essas ocorrências, ao contrário dos grandes alardes que envolvem
as situações de maior gravidade, são muitas vezes ignoradas pelos agentes
escolares. No entanto, demandam um trabalho educativo direcionado, já
que podem trazer transtornos à formação dos alunos (ver capítulo sobre
bullying).
Ainda em relação à exposição à violência, coletaram-se, junto aos
jovens com menos de 20 anos, informações sobre se tinham amigos víti-
mas de violência e/ou amigos perpetradores de algum tipo de violência.
Pelos dados pode-se perceber que uma porcentagem acentuada dos entre-
vistados tem amigos que já foram vítimas ou cometeram algum tipo de
violência.
Na posição de vítimas, o delito mais indicado foi o assalto, seguido por
ferimento com arma de fogo, ameaça de morte e assassinato. Observa-se em
relação a esse último, quando se comparam os dados gerais de São Paulo
com a amostra específica dos distritos da Zona Sul, uma porcentagem maior:
enquanto a média de São Paulo para os jovens que tiveram amigos assassi-
nados foi, em 2003, de 27%; a média para os distritos pesquisados na Zona
Sul foi de 44%.
Já em relação aos amigos que cometeram algum tipo de violência, res-
salta-se agressão ou espancamento, briga de “gang” e andar armado. Especi-
ficamente, em relação à violência nas escolas tem-se a ocorrência de amea-
ça a professores, 28% e 26% dos entrevistados, respectivamente, em 2001 e
2003, disseram ter amigos que praticaram esse tipo de ameaça para o total do
município. Em relação à amostra dos distritos da Zona Sul, 30% (em 2001) e
23% (em 2003) dos entrevistados mencionaram ter amigos que ameaçaram
professores. Nesse comparativo, não se observam diferenças significativas
entre a Zona Sul e o resto da cidade.
Tabela 2
Exposição à violência - jovens com menos de 20 anos que conhecem víti-
mas e/ou agressores – São Paulo e Zona Sul – 2001 e 2003
Você tem ou não tem algum colega ou amigo que: (em %)
São Paulo Zona Sul
Vítimas
2001 2003 2001 2003
Já foi assaltado. 59 61 50 65
Já foi ferido por arma de fogo. 38 37 44 52
Foi ameaçado de morte. 35 33 35 46
Foi assassinado. 35 27 44 44
Já foi ferido por faca. 29 25 22 19
Já foi estuprada. 17 13 19 19
Agressores
Já agrediu/espancou algum colega. 42 43 37 37
Se envolveu em briga de “gang”. 42 37 28 42
Anda armado. 36 37 33 48
Já assaltou alguém. 31 39 31 42
Ameaçou algum professor. 28 26 30 23
Já matou alguém. 24 20 22 31
Ameaçou professor com faca ou canivete. 11 6 4 8
Tabela 3
Valores dos jovens em relação ao grupo de amigos – São Paulo – 2001 e 2003
Um jovem para ter sucesso, ser admirado entre outros jovens ou amigos, na
sua opinião, precisa ou não precisa:
Total Total
Precisa São Paulo (%) Zona Sul (%)
2001 2003 2001 2003
Ajudar os pais/família (dinheiro/trabalho) 78 90 74 90
Ter senso de humor 76 87 81 65
Não mexer com a(o) namorada(o) do(a) amigo(a) 61 49 61 33
Não deixar os amigos sós quando uma briga vai acontecer 55 54 46 48
Beber sem ficar desagradável 53 52 46 37
Morar numa casa legal 50 49 50 54
Ter boas notas na escola 48 56 55 64
Usar roupas legais (de grife/de marca) 39 30 33 29
Ser muito bom em algum esporte (skate, patins, futebol, etc.) 35 41 33 48
Conquistar todas as garotas/rapazes que quiser 24 15 9 10
Não se aproveitar de quem é mais fraco 20 27 28 19
Matar aula com a turma 15 9 9 6
Ser durão - a polícia não se mete com ele 10 5 1 2
Ter uma arma 3 1 5 2
Provocar medo nos professores 1 4 4 2
Tabela 4
Opinião sobre as causas da violência escolar – São Paulo e Zona Sul
2001 e 2003
A violência nas escolas pode ter muitas causas e explicações. Desta série de frases,
gostaria de que dissesse se o(a) Sr.(a) concorda ou discorda. Há violência por quê:
Total Total
Concorda totalmente São Paulo (%) Zona Sul (%)
2001 2003 2001 2003
Os alunos usam drogas. 67 63 67 63
Há traficantes na porta da escola. 66 64 66 64
Os alunos levam armas para a escola. 63 55 63 55
Os alunos formam “gangs”. 61 52 61 52
Os alunos bebem álcool. 59 54 59 54
Os alunos têm problemas com os professores. 48 40 48 40
Os professores e diretores não sabem lidar com a indisciplina. 44 36 44 36
Há preconceito racial. 41 24 41 24
As classes têm um número muito grande de alunos. 41 34 41 34
Há poucos professores. 41 35 41 35
As famílias não dão importância para a escola. 40 28 40 28
Os alunos vão mal na escola. 24 15 24 15
podem ser fatores que propiciam o abuso de drogas. Nesse sentido, a dis-
cussão distancia-se de uma vertente de responsabilização apenas individual
para problemas que são também inerentes à política educacional e à área
pedagógica.
Dentro da mesma problemática, pode-se citar o trabalho de Minayo e
outros (1999), que procuraram analisar vários aspectos relacionados aos jo-
vens, entre eles o consumo de drogas, incluindo as representações dos adultos
sobre o tema. Os autores basearam-se nos resultados de pesquisa realizada no
município do Rio de Janeiro41, que teve como objetivo apreender as represen-
tações sociais e as vivências dos jovens acerca da cidadania e da violência.
Especificamente em relação ao consumo de drogas - já experimentou
ou usa - a pesquisa indicou que entre os jovens, tanto de estratos altos e
médios como populares, o álcool é a droga mais experimentada/usada. Em
segundo, tem-se a maconha, entretanto em uma baixa proporção.
De outra forma, os resultados dessa investigação mostraram que os
profissionais de educação têm outra percepção sobre a questão. Para os edu-
cadores cariocas, o consumo de drogas pelos estudantes ocupa um lugar sig-
nificativo de suas preocupações: “um terço deles referiu tal problema (35,3%
na escola pública e 25,5 na particular). Na sua visão, as drogas consumidas
pelos alunos são, por ordem, maconha (86,4%), bebida alcoólica (57,1%),
cocaína (37,6%), (...). Essas informações mostram uma idéia bastante dis-
torcida, pessimista, exagerada dos professores em relação a seus alunos, pois,
nem a ordem, nem a magnitude do consumo correspondem, quando com-
paradas com os dados dos próprios jovens e dos pesquisadores” (Minayo e
outros, 1999:77).
Os autores evidenciam que apesar de a oferta de drogas ilegais ter se
generalizado em vários espaços, seu uso não se generalizou na mesma me-
dida. “Conclui-se, pois, que os jovens não ‘são todos drogados’ como pensam 41 Foram entrevistados 1.220 jovens,
443 educadores, 18 mães de jovens
os policiais; nem a ‘maioria consome drogas’ como pensam os professores”. estudantes e 5 policiais, durante os
meses de setembro e dezembro de
(idem: 224). 1998.
I 4. Considerações finais
Uma abordagem sobre a violência nas escolas e suas possíveis causas
nos remete a uma questão central: como contextos sociais diferentes podem
estar interferindo na dinâmica escolar, contribuindo para ocorrências consi-
deradas violentas ou, de outra forma, quanto a própria vivência escolar, com
suas particularidades, gera seus próprios conflitos, exclusões e violências.
Os resultados dos surveys indicaram que os jovens entrevistados estão
mais expostos à violência nos seus bairros do que nas escolas. Entretanto,
as causas mais atribuídas pelos entrevistados à violência, de forma geral e
especificamente nas escolas, foram de mesma natureza, ou seja, foi feita uma
forte associação com o consumo e o tráfico de drogas.
Entretanto, a exposição dos jovens à violência nas escolas é muito me-
nor que fora dela. O que nos leva a colocar em dúvida as afirmações sobre
a relação direta entre ambientes sociais com altas taxas de criminalidade e a
violência que ocorre nas escolas. O que está em questão, além da intensidade
dessa violência, são as diferentes formas que ela pode assumir nos contextos
escolares, estando muito mais relacionada com a indisciplina e microvio-
lências, advindas não obstante da própria configuração escolar e das formas
existentes de gestão dos conflitos: “a violência na escola (...) transborda lar-
gamente a esfera do delito” (Peralva, 1997, p: 10).
Como vimos, a violência relacionada à presença de drogas foi inten-
samente referida pelos entrevistados, o que faz dos alunos alvo de grande
desconfiança perante os adultos, entretanto essa postura pode realmente
prejudicar ao invés de auxiliar na real compreensão dos problemas enfrenta-
Bullying:
assédio moral na escola
Viviane Cubas
E
ste texto foi elaborado a partir de um levantamento de parte da
bibliografia sobre bullying disponível na Internet. A grande maio-
ria dos textos é de universidades, centros de pesquisa e de órgãos
governamentais de vários países que já estudam e monitoram há algum
tempo os casos de bullying. Atualmente, bullying é reconhecido no meio
acadêmico como um subconjunto de comportamentos agressivos e repe-
titivos.
A opção em usar o termo bullying resulta da dificuldade em encon-
trar na língua portuguesa uma tradução fiel do termo. Deixando de lado
as especificidades do fenômeno, pode-se definir bullying como um tipo de
violência, física e/ou psicológica, caracterizada pela repetição de atos e pelo
desequilíbrio de poder entre agressor e vítima. Trata-se de um fenômeno
antigo ao qual, apenas recentemente, tem sido dada atenção às suas causas e
conseqüências. As pesquisas realizadas têm abordado, em menor freqüência,
os casos ocorridos nos locais de trabalho (nesse caso definido como assédio
sor principal atua como um modelo para os outros alunos que o percebem
como valente, destemido e forte.
Há ainda um grande número de alunos que não participam das agres-
sões, mas as presencia e assiste sem manifestar nenhum tipo de reprovação
ou desejo de inibir os ataques. Apesar de essa atitude, à primeira vista, soar
positiva, o silêncio e a postura “neutra” acabam resultando num certo tipo
de apoio velado aos agressores.
Algumas investigações têm apontado que o senso de responsabilidade
social estaria reduzido quando várias pessoas participam das agressões, por
exemplo no caso de um grupo de alunos que agride um outro aluno. Como
conseqüência, a difusão e a diluição da responsabilidade acabam diminuin-
do o sentimento de culpa do grupo.
Diferenças entre meninos e meninas também puderam ser observadas
na pesquisa de Olweus (1993). Ambos se envolvem nos casos, no entanto, os
primeiros aparecem com mais freqüência entre os agressores e em casos de
bullying direto, enquanto as meninas aparecem mais envolvidas nos casos de
bullying indireto. Apesar das diferenças, normalmente, os meninos são os prin-
cipais agressores e aparecem com grande freqüência tanto nos casos em que as
vítimas são meninas quanto nos casos em que as vítimas são meninos.
De maneira geral, os meninos são, com maior freqüência, vítimas e per-
petradores nos casos de bullying direto. Segundo Olweus (1993), isso seria
resultado de o relacionamento entre meninos ser mais difícil, mais violento
e agressivo do que entre meninas, sendo que, para o autor, essas diferenças
teriam raízes biológicas, sociais e ambientais.
Olweus constatou também, através da aplicação de questionários, que
os professores fazem muito pouco para conter os casos de bullying, pois não
interferem na maioria dos casos e não se preocupam em resolver esses con-
flitos. O mesmo acontece com os pais dos alunos, sobretudo daqueles que
cometem as agressões, que, geralmente, ignoram o comportamento dos fi-
lhos na escola. Nesse sentido, as pesquisas afirmam que um dos mecanismos
livre com algum “melhor amigo”, não serem convidados para festas, mostra-
rem-se relutantes em ir à escola, perderem o apetite, terem dores de cabeça ou
de estômago. As vítimas de bullying podem mudar alguns hábitos e passar a
escolher um caminho não usual para a escola, apresentar sono agitado, perda
de interesse pelos assuntos referentes à escola, parecer tristes ou demonstrar
mudanças repentinas de humor e passar a pedir mais dinheiro a seus pais.
Além das características acima descritas, há características gerais que
podem ser combinadas a elas. As vítimas podem ser fisicamente mais fracas
do que seus colegas (principalmente entre os meninos), ter vergonha do pró-
prio corpo, apresentar dificuldades em desenvolver as atividades físicas, ser
ansiosas, ter baixa auto-estima, ser quietas, relacionar-se melhor com adul-
tos do que com pessoas de sua idade e, além disso, podem apresentar notas
mais baixas que as de seus colegas.
Os agressores, por sua vez, também possuem características que podem
identificá-los. Na escola, os agressores normalmente importunam outros
alunos de maneira desagradável, insultam, agridem, ridicularizam e estra-
gam os pertences de seus colegas. Podem apresentar esse comportamento
diante de qualquer aluno, mas seus alvos preferenciais são os alunos mais
fracos. Muitos induzem outros colegas a fazerem o “trabalho sujo” para fica-
rem em segundo plano. Os agressores podem também ser fisicamente mais
fortes que seus colegas e ter bom desempenho nas atividades físicas. Têm
forte necessidade de dominar os outros, ficam irritados com facilidade, são
intolerantes e têm dificuldades para obedecer às regras. São desafiadores e
bons para falarem sobre si mesmos, inclusive em situações difíceis. São con-
siderados valentões e durões, têm auto-estima e, com freqüência, são apoia-
dos mesmo que por um grupo pequeno de colegas.
bate ao bullying nas escolas como forma de prevenção de casos mais graves
de violência. Nos Estados Unidos, o interesse pelo bullying teve seu ápice
após ataques nos quais jovens, que teriam sido vítimas de bullying, mataram
colegas e professores. Várias universidades, órgãos não governamentais e até
mesmo o Escritório de Justiça Juvenil e Prevenção da Delinqüência do De-
partamento de Justiça produziram material informativo sobre os programas
de intervenção realizados no país. Em alguns países da Europa já existem exi-
gências específicas legais contra bullying - Finlândia, Suíça, França e Ingla-
terra -, embora a maioria delas enfatize problemas mais gerais de violência
escolar - Bélgica, Alemanha, Irlanda, Luxemburgo. (Ananiadou e Smith).
A premissa de todos os programas de intervenção é a do direito dos
alunos de estudarem em um ambiente seguro e do dever dos professores
em garantir a integridade física e moral de seus alunos. Na Dinamarca, por
exemplo, “a escola deve preparar os alunos para a participação ativa, com
responsabilidade, direitos e deveres de uma sociedade baseada na liberdade
e na democracia”; na Finlândia “educadores têm a responsabilidade de as-
segurarem que os alunos não sofram atos de violência ou bullying durante
o tempo que estiverem na escola ou em qualquer atividade relacionada a
ela”, enquanto que em Portugal um decreto de 1998 estabelece “o direito dos
alunos: à escola, o direito de ser tratado com respeito por todos os membros
da comunidade escolar e de se sentir seguro, fisicamente, enquanto estiver na
escola” e o “dever dos alunos: incluindo o dever de tratar todos os membros
da comunidade escolar com respeito”. No caso do Reino Unido, é especifi-
cado o “papel e a responsabilidade da administração escolar e dos professo-
res em observarem atentamente o problema de bullying como parte de suas
responsabilidades assim como são as disciplinas em geral” (Smith e Anania-
dou). No caso do Brasil, há uma lei federal que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Quanto aos princípios e fins da educação, estabelece
que a sua finalidade é o preparo do educando para o exercício da cidadania e
que o ensino deve ser ministrado com base no “respeito à liberdade e apreço
o agressor nos olhos e dizendo para que pare com as agressões; escapar da
situação o quanto antes; contar para um adulto o que aconteceu. Depois que
tiver sido agredido, deve comunicar o ocorrido a algum adulto da escola;
contar à família; se estiver com receio de falar com um adulto sozinho, pedir
a um amigo que faça companhia; se a escola tiver algum tipo de serviço de
apoio, usá-lo; não se culpar pelo que aconteceu. Quando estiver contando
a um adulto os acontecimentos, deve ser claro sobre o que aconteceu; com
qual freqüência isso ocorre; quem são os envolvidos; quem são as testemu-
nhas; onde aconteceu e o que já foi feito a respeito.
Para os pais, há algumas recomendações. Considerando que esses têm
papel importante em dissipar o bullying, a primeira recomendação é a de
que os pais desencorajem seus filhos a se comportarem de forma agressiva,
em casa ou em qualquer outro lugar. Para isso, devem ensiná-lo a resolver
situações complicadas sem o uso da violência. Segundo, se a escola tiver um
programa anti-bullying, os pais devem procurar saber mais sobre ele. Ter-
ceiro, devem ficar atentos para perceber se o seu filho apresenta algum sinal
que indique que esteja sendo vitimado ou que esteja agredindo alguém. Per-
guntar sobre como vão as coisas na escola, sobre os colegas, sobre o que tem
sido feito nos horários de intervalo ou até mesmo sobre os problemas que
tem enfrentado na escola pode ser uma maneira de descobrir se há algo sério
acontecendo (Smith).
soas que estejam em conflito. O ideal é que os grupos possam ser divididos
sem nenhum tipo de restrição, o que pode ser feito assim que os conflitos te-
nham acabado e que o projeto de intervenção já esteja, há algum tempo, em
andamento. Toda atividade extra-aula que possa ser realizada e que inclua
a participação dos pais também é uma maneira de estimular atividades que
exijam solidariedade entre alunos.
Todas essas questões devem fazer parte da pauta das reuniões de pais
e mestres. Além disso, aconselha-se aos professores que chamem os pais e
solicitem sua ajuda sempre que necessário.
Sobre as medidas aplicadas individualmente, a primeira delas é a con-
versa séria entre professor e alunos envolvidos no bullying. Assim que o pro-
fessor perceber a existência de qualquer problema, sua primeira atitude deve
ser chamar, para uma rápida conversa, o agressor e a vítima, com objetivo
de fazer com que cessem as agressões. O professor deve estar atento à vítima,
pois pode se tratar de uma pessoa insegura e tímida e isso exigirá medidas
que garantam a ela que não haverá nenhum tipo de retaliação por expor o
seu problema e, caso o problema se agrave, deve haver ajuda profissional.
Se a conversa entre professor e agressor(es) não for suficiente para ces-
sarem as agressões, deve-se encaminhar os envolvidos para uma conversa
com o responsável pela direção da escola e/ou com os pais dos alunos envol-
vidos. É responsabilidade do professor avaliar se é possível ou não realizar
uma reunião com a presença tanto dos alunos envolvidos como de seus pais,
para discutirem o problema. Caso seja possível, o ideal é que entrem em con-
senso sobre o que pode ser feito e se há algum tipo de reparação, por exem-
plo, se o agressor danificou algum objeto, a vítima poderá ser ressarcida.
Caso não seja possível a realização de uma reunião conjunta, o professor as
realizará separadamente, podendo contar com a ajuda de outro profissional
como, por exemplo, o psicólogo ou outro professor da escola.
Cabe aos pais dos agressores deixar claro ao filho que não irão tolerar
esse tipo de comportamento, mas sem fazer uso de qualquer tipo de punição
I Resultados alcançados
Segundo Olweus, o projeto de intervenção nas escolas demonstrou que
os efeitos ficam mais marcantes após o segundo ano de aplicação do progra-
ma, quando houve redução de até 50% dos casos de bullying. Também ficou
claro que houve mudanças de comportamento, com a redução de casos de
vandalismo, brigas, roubos e furtos, embriaguez e vadiagem, sem que hou-
vesse “migração” desses problemas para outros lugares. Ao mesmo tempo,
houve melhora na convivência entre alunos com o aumento da ordem e da
disciplina, maior desenvolvimento de relacionamento social e atitudes mais
positivas em relação aos trabalhos escolares e à própria escola, aumentando
a satisfação dos alunos com a vida escolar.
rem que deve ser dada mais atenção ao papel que as amizades desempenham
nas estratégias anti-bullying, ou seja, uma das saídas é valorizar atividades que
favoreçam inter-relação entre alunos. Enfatizar a importância da amizade deve
ser parte integrante da base de valores da escola, como forma de encorajar
relacionamentos positivos entre os alunos. Para tanto, o papel da amizade na
promoção de habilidades social e emocional dos alunos deve ser incluído no
material de desenvolvimento e nos guias usados pelos professores.
Outra pesquisa apresentou resultados bastante semelhantes à pesquisa
inglesa. Pesquisadores da Universidade de Queens, no Canadá, fizeram uma
avaliação das atitudes dos professores frente ao bullying. Uma das descober-
tas foi a de que a percepção que os professores tinham do bullying afetava a
sua atuação e o seu nível de intervenção. Enquanto a maioria dos professo-
res afirmou que intervinham quase sempre nos casos de bullying, a mesma
freqüência não apareceu entre alunos. Para a maioria desses, os professores
intervinham de vez em quando ou quase nunca, o que mostra que os pro-
fessores estavam atuando de forma inconsistente e casual. Isso pode indi-
car também que os professores não estavam atentos quanto à extensão dos
casos que aconteciam na escola ou que os alunos não viam os professores
como interventores eficientes. Quanto a essa questão, vale reafirmar a im-
portância do trabalho em conjunto com os alunos na definição dos com-
portamentos classificados como agressivos. Ao mesmo tempo em que per-
cebiam que não havia uma conscientização plena por parte dos professores,
as crianças hesitavam em contar os casos de bullying, porque percebiam que
os adultos não estavam aptos a resolver o problema, não eram capazes de
protegê-los ou simplesmente não se importavam (Craig, Henderson e Mur-
phy, 2000).
Outro aspecto relevante apontado pelos levantamentos é a relação
entre gênero e a intervenção nos casos de bullying. As professoras tendem
a interferir mais em casos de agressão que os professores. Esses tendem a
permitir comportamentos agressivos mais do que as mulheres. A pesquisa
sugere que ser homem ou mulher é um dos elementos que determina o que
pode ser considerado um comportamento agressivo e se há necessidade ou
não de intervenção (Craig, Henderson e Murphy, 2000).
Apesar das dificuldades apresentadas, percebe-se que, ao menos
parcialmente, houve algum tipo de mudança em relação a esse tipo de
comportamento agressivo. O fato de os alunos fazerem uma avaliação
crítica sobre o problema e sobre a atuação dos professores mostra que
houve algum grau de conscientização e, talvez, até mesmo uma mudança
na percepção sobre ele.
I 4. Considerações finais
A leitura deste material deve considerar que a maioria das experiências
aqui relatadas dizem respeito a culturas diferentes da brasileira. No entanto,
podem ser utilizadas como instrumento de reflexão no processo de elabora-
ção de projetos de prevenção à violência a serem implementados nas esco-
las brasileiras. No Brasil, as pesquisas e os projetos de intervenção têm sido
colocados em prática há pouco tempo. É possível perceber que o contexto
escolar brasileiro, no que diz respeito aos casos de comportamento agressivo,
tem muitos pontos em comum com os das escolas de países onde o proble-
ma do bullying é acompanhado há mais tempo, no entanto, isso não descarta
a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno no Brasil e
identificar suas particularidades.
Antes de tudo, é necessário que fique claro que bullying não é uma fase
de desenvolvimento da criança ou um rito de passagem. É um problema
social sério que pode afetar a habilidade dos alunos e seu progresso acadêmi-
co e social (Koki, 1999). Independentemente das particularidades, qualquer
plano de ação que se proponha a trabalhar com o problema do bullying es-
colar depende da compreensão que pais, professores e alunos compartilham
sobre o fenômeno. Pensar o problema do bullying considerando a realidade
vivida pelos alunos de uma determinada escola e estabelecer, a partir dessa
experiência, os comportamentos que são considerados abusivos e prejudi-
ciais é o ponto de partida para que toda a comunidade escolar atue no pro-
50 Disponível em: http://www.psi- jeto de intervenção de forma clara e objetiva. Em razão da não existência de
cologia.org.br/internacional/pscl84.
htm uma palavra única em português para traduzir esse tipo de comportamento,
Caren Ruotti
I 1. Introdução
A
o longo dos capítulos, procurou-se sublinhar que a violência nas
escolas pode se apresentar sob diferentes formas. Desse modo, foi
possível identificar que essa violência refere-se tanto a delitos gra-
ves como também, e principalmente, a agressões leves (físicas ou verbais) e
ameaças que se tornam constantes no ambiente escolar, afetando a convivên-
cia e a realização dos objetivos educacionais.
O mesmo cuidado em diferenciar essas manifestações de violência deve
ser mantido no planejamento de projetos que visem à sua prevenção. Nesse
sentido, um diagnóstico que contemple as diferentes formas de violência e
as demais características da realidade escolar pode auxiliar na proposição e
implementação de projetos de prevenção com mais chances de serem bem-
sucedidos. É indispensável que tal diagnóstico inclua as percepções dos
membros da comunidade escolar sobre a violência, uma vez que essas repre-
sentações participam na estruturação de suas práticas cotidianas.
algumas experiências que vêm sendo realizadas em outros países que podem
auxiliar os membros escolares na procura de soluções mais apropriadas à
realidade de cada escola.
Contudo, por mais que as concepções dos projetos sejam satisfatórias, o
êxito dependerá muito da participação dos diferentes membros da comuni-
dade escolar no seu desenvolvimento, bem como da disposição para quebrar
algumas barreiras hierárquicas, tão comuns em nosso sistema de ensino.
Desse modo, serão necessárias ações como: a) sensibilizar e motivar os
grupos envolvidos, ou seja, a possibilidade de implantação do projeto passa
pela sensibilização e envolvimento do corpo de funcionários, a fim de que o
projeto seja incorporado nas práticas cotidianas da escola; b) encorajar am-
pla participação, a fim de que os projetos possam transitar do planejamen-
to para a execução. Projetos que são concebidos por instâncias superiores
também passam por esses desafios, por isso os resultados podem ser muito
diferenciados entre as escolas. Há uma grande distância entre a elaboração
e execução de um projeto desse tipo, sendo que vários problemas, especifi-
camente da rede pública de ensino, vêm a complicar ainda mais o seu de-
senvolvimento, como as condições materiais, a superlotação das escolas e a
grande rotatividade dos professores.
De forma geral, o estímulo à participação de todos os membros nas
questões que envolvem a escola, o desenvolvimento de atividades que pre-
zem pela criatividade e expressão de alunos e professores (propiciando um
sentido aos conteúdos das diferentes disciplinas) e a adoção de práticas que
busquem propiciar o respeito mútuo são elementos que podem estar na base
de qualquer trabalho de prevenção da violência nas instituições de ensino.
Trabalho esse que não se realizará da noite para o dia e que coloca como
desafio, além do comprometimento da equipe, o planejamento das ações e o
monitoramento dos resultados, a fim de que os erros e acertos façam parte
de uma reflexão constante sobre a prática educativa.
De que forma?
A realização desses objetivos traduz-se na elaboração e implementa-
ção de programas de prevenção destinados aos diferentes membros escolares
(alunos, professores ou outras instâncias) incluindo, em alguns casos, pais e
comunidade em geral.
desse espaço que os moradores passavam pelo terreno da escola para “cortar
caminho”. A direção, temendo problemas, consertou o muro várias vezes e
em contrapartida ele era novamente quebrado. Diante disso, optou-se por
manter o espaço aberto e, para melhorar a circulação das pessoas pelo ter-
reno escolar, foram construídos uma calçada e um corrimão, pois há muitos
idosos que utilizam o trajeto. Esse tipo de relação com a comunidade é parte
de um longo trabalho, permeado de conversas e acordos, de ambos os lados,
visando melhorar a convivência e o respeito mútuo.
Em outra escola, também da zona sul, havia atenção especial às turmas
do último ano do Ensino Médio. Desse modo, era desenvolvido um projeto
que visava dar reforço às aulas e preparar os alunos para o vestibular. Além
disso, existia o estimulo à realização de festas para comemorar os aniver-
sários dos alunos, iniciativa que tinha por objetivo valorizar o indivíduo e
estimular a aproximação entre os membros da escola.
No que diz respeito à preservação do prédio escolar, verificou-se alguns
bons trabalhos. Mesmo diante dos poucos recursos, em algumas escolas os
diretores tomaram a iniciativa de promover a grafitagem em alguns espaços
do prédio escolar, como forma de cultivar um maior sentimento de pertença
dos alunos e, conseqüentemente, maior conservação da escola. Observou-se
também, nesse sentido, práticas como a criação de hortas e trabalho de auxí-
lio dos próprios alunos na limpeza e manutenção do prédio escolar.
Entre os trabalhos voltados especificamente para a melhoria das rela-
ções escolares e diminuição dos problemas de indisciplina, uma escola na
zona sul criou um processo diferente no atendimento das questões de indis-
ciplinas. Ou seja, cada classe tinha um aluno eleito entre os colegas para ser o
monitor da sala. Além disso, na mesma escola, cada classe elegia um profes-
sor coordenador que se tornava responsável por aquela classe que o elegeu.
Desse modo, quando um problema ocorria os próprios alunos tentavam re-
solvê-lo, tendo como mediador o monitor da sala. Em caso de não resolução
havia a interferência do professor coordenador de classe que, dependendo da
membros escolares reflitam sobre sua ação na escola. Essas atividades que
diversificam a prática escolar podem ampliar as possibilidades de criação de
uma cultura escolar significativa para os seus atores e, certamente, diminuir
os riscos de situações violentas.
I 5. Considerações finais
Em princípio, é preciso ressaltar que em termos de prevenção da vio-
lência nas instituições de ensino ainda há muito que ser pesquisado, sendo
um tema que nos coloca diante de muitos questionamentos. A própria es-
trutura escolar e sua relação com os processos sociais mais amplos está em
pauta, assim como os processos de socialização das novas gerações e as pos-
sibilidades de construção de uma sociedade democrática.
Procurou-se aqui acrescentar subsídios para esse debate, buscando a
colaboração de alguns estudos e práticas em prevenção da violência e apre-
sentando as nossas próprias pesquisas nesse caminho.
Como foi salientado, embora algumas políticas públicas de prevenção
da violência escolar estejam sendo desenvolvidas, existem desafios a superar.
Recorrentemente essas práticas vêm se configurando de forma fragmenta-
da, apresentando descontinuidades ao longo das diferentes gestões governa-
mentais, não chegando a se concretizar como prática da própria instituição
de ensino, como parte de seus projetos pedagógicos.
Verifica-se uma lacuna entre as proposições que norteiam esses proje-
tos, incluindo seus princípios democráticos, e a eficácia de sua implantação, a
qual se depara com resistências dos membros escolares, além de dificuldades
estruturais da rede pública de ensino. Assim, embora as avaliações dessas ini-
ciativas ainda sejam insuficientes, é possível dizer que os projetos de prevenção
mostram êxitos diferenciados entre as escolas. De modo geral, naquelas escolas
onde há um melhor desenvolvimento do projeto há indícios de uma disposi-
ção anterior dos membros escolares em alterar suas práticas cotidianas.
Anexo 1
O que é a mediação?
No processo chamado mediação, uma pessoa treinada como mediador
ajuda duas ou mais pessoas a resolverem um conflito ou discordância. A me-
diação consiste em buscar resolver uma disputa por meios pacíficos.
O mediador, contudo, não ouve simplesmente o conflito e propõe uma
solução. As pessoas em conflito é que fazem isso. Além disso, são os partici-
pantes, não o mediador, que executam a solução acordada.
Nesse processo o mediador tem um papel especial. Ele ou ela não deci-
59 Este material é uma tradução de o que é certo ou errado ou encontra pessoas culpadas ou inocentes, como
livre do texto: Want to Resolve a
Dispute? Try Mediation. In: Youth um juiz faz no tribunal. Ao invés disso, o mediador tenta ajudar as pessoas
in action Bulletin, U.S. Department
of Justice, number 15, March 2000. em disputa a encontrar e concordar sobre um caminho pacífico para resolver
Disponível em: http://www.ncjrs.
org/pdffiles1/ojjdp/178999.pdf seu conflito.
Anexo 2
Atividades desenvolvidas.
A seguir estão expostos, de forma resumida, os procedimentos adota-
dos para implantação e desenvolvimento do projeto:
- Apresentação do projeto para a direção da escola (nessa apresentação
houve a exposição da nossa proposta à direção da escola que demons-
trou interesse e apoiou o desenvolvimento inicial das atividades).
- Início de atividades lúdicas com os alunos com o intuito de promover
uma aproximação.
- Apresentação do projeto para os alunos e esclarecimento do nosso ob-
jetivo de formar um grupo de alunos para desenvolver a mediação.
- Desenvolvimento de reuniões semanais com os alunos que se interes-
saram em participar do projeto. A partir desse momento o empenho
foi direcionado à formação dos alunos nos princípios e procedimen-
tos da mediação.
Em resumo, o início dos contatos com a escola teve como objetivo a
formação de laços de confiança entre os adolescentes e os pesquisadores do
NEV-USP, bem como a introdução de temas que seriam fundamentais para
o desenvolvimento do projeto, tais como: a importância do trabalho em gru-
po, direitos humanos, conflitualidade, estrutura escolar. Esses temas foram
trabalhados a partir de técnicas pedagógicas que privilegiam o aspecto lúdi-
co (dinâmicas, jogos, encenações, etc.), buscando estabelecer uma relação de
confiança, afetiva e objetiva, entre os alunos e os pesquisadores. Foi realizada
Resultados e dificuldades.
O desenvolvimento do projeto de mediação de conflitos na escola en-
frentou vários desafios, sendo o principal a resistência demonstrada por
grande parte da comunidade escolar.
O diagnóstico, realizado na escola de intervenção, indicou a presença
de várias situações conflituosas no seu cotidiano, problemas que são mais
ou menos reconhecidos pelos membros escolares, mas que evidenciam a
importância de um trabalho que tenha como objetivo tornar esse espaço
menos afetado por violências como agressões e desrespeitos, seja entre os
alunos, ou entre eles e os demais membros escolares.
No entanto, nossa experiência de intervenção mostra o quão está en-
raizado na escola, em suas práticas cotidianas, um modo hierárquico e puni-
tivo de lidar com os conflitos gerados em seu interior. Conseqüentemente, o
quão difícil passa a ser a tentativa de mudar esse padrão de comportamento
e inserir uma prática democrática de tratar os conflitos. Ainda mais quando
essa tentativa vem de agentes externos à escola.
A própria estrutura do ensino público vem a dificultar essa tarefa, uma
vez que a alta rotatividade de uma parcela dos professores cria dificuldades
em se consolidar um trabalho coletivo na escola. Além disso, os professores
costumam lecionar em um elevado número de escolas, não sobrando tempo
para uma maior dedicação e identificação desses com o trabalho pedagógico
geral realizado na escola. Há ainda que se ressaltar a falta de incentivo dado
pelo corpo diretivo da escola para que isso ocorra e resistências do próprio
corpo docente.
Em relação ao projeto de mediação, verificamos entre os funcionários
da direção da escola e também entre os professores (embora com algumas
exceções) certa resistência e falta de apoio em algumas ocasiões. Apesar da
concordância com a proposta de mediação, a direção se opôs a algumas ini-
ciativas do grupo de alunos do Fórum de Convivência.
Bibliografia
OLWEUS, Dan. Bullying at School: what we know and what we can do.
Oxford: Blackwell Publishing, 1993.
PERALVA, Angelina. Escola e violência nas periferias urbanas francesas. Re-
vista Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, ano II, n.2, p.
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Caren Ruotti
Graduada em Ciências Sociais e mestranda em Sociologia pela Universidade de São Paulo,
é pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência.
Renato Alves
Graduado em Ciências Sociais e Psicologia e mestre em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo, é pesquisador do Núcleo de
Estudos da Violência.
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