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Presidência da República

Jair Messias Bolsonaro

Ministério da Justiça e Segurança Pública


Anderson Gustavo Torres

Secretaria de Gestão e Ensino em Segurança Pública


Ana Cristina Melo Santiago

Diretoria de Ensino e Pesquisa


Coordenação-Geral de Ensino
Coordenação de Ensino a Distância
Juliana Antunes Barros Amorim

Coordenação-Geral de Gerenciamento de Projetos Pedagógicos e Inovação


Coordenação de Inovação e Tecnologia Aplicada
Alessandra Verissimo Lima Santos

Coordenação Pedagógica
Gisele Matos Gervásio

Conteudistas
Adriana Romana Dolis Bierings
Karina Duarte Rocha da Silva

Gerente de Curso
Maria de Fátima de Souza Moreno

Revisão Pedagógica
Joyce Cristine da Silva Carvalho

Programação e Edição / Designer


Renato Antunes dos Santos

Designer Instrucional
Luana Manuella de Sales Mendes
SEGURANÇA DE GRUPOS VULNERÁVEIS: PRINCÍPIOS DE
ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Sumário
Apresentação do Curso .................................................................................................................... 4
Objetivos do Curso ............................................................................................................................ 4
Objetivo Geral ................................................................................................................................. 4
Objetivos Específicos ................................................................................................................... 5
Estrutura do Curso ........................................................................................................................ 6
Módulo 1 – O QUE É A VIOLÊNCIA DE GÊNERO? BREVES APONTAMENTOS DA
HISTÓRIA DOS DIREITOS DA MULHER NO BRASIL ................................................................ 8
Apresentação do módulo ............................................................................................................. 8
Objetivos do módulo ..................................................................................................................... 8
Estrutura do módulo...................................................................................................................... 9
1. Conceito, origem e características da violência de gênero ......................................... 10
1.1 Características da violência de gênero: .......................................................................... 11
2. Linha histórica dos direitos da mulher no Brasil ............................................................ 14
3. Causas e fatores de risco para a violência ................................................................... 17
3.1 Violência contra mulheres baseada na raça/cor ...................................................... 18
3.2 Vulnerabilidade social e econômica ........................................................................... 18
3.3 Violência contra mulheres com deficiência .............................................................. 20
3.4 Violência contra mulheres homossexuais, bissexuais e transgêneros ............ 25
Finalizando ..................................................................................................................................... 27
Módulo 2 - OS TIPOS DE VIOLÊNCIA E O CICLO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO ............. 28
Apresentação do módulo ........................................................................................................... 28
Objetivos do módulo ................................................................................................................... 28
Estrutura do módulo.................................................................................................................... 28
1. A violência contra as mulheres ........................................................................................ 30
2. A Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha......................................................................... 31
3. Tipos de violência contra a mulher ..................................................................................... 32
3.1. Violência física .................................................................................................................. 33
3.2 Violência psicológica............................................................................................................ 33
3.3 Violência sexual ..................................................................................................................... 38
3.4 Violência patrimonial ............................................................................................................ 40
3.5 Violência moral....................................................................................................................... 42
3.6. Violência institucional ......................................................................................................... 42
4. O ciclo da violência.............................................................................................................. 44
4.1 Fases do ciclo da violência................................................................................................. 44
4.2. Fatores que contribuem para o ciclo da violência ...................................................... 46
Finalizando ..................................................................................................................................... 49
Módulo 3 - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E OS
MECANISMOS DE PROTEÇÃO ..................................................................................................... 51
Apresentação do módulo ........................................................................................................... 51
Objetivos do módulo ................................................................................................................... 51
Estrutura do módulo.................................................................................................................... 52
1. Medidas Protetivas de Urgência .......................................................................................... 53
1.1 Em relação ao agressor ....................................................................................................... 54
1.2 Em relação à mulher e a seu patrimônio ........................................................................ 56
1.3 Outras Medidas Protetivas possíveis ............................................................................. 57
2. Necessidade da devida informação à vítima ................................................................ 58
3. Do Formulário Nacional de Avaliação de Risco .............................................................. 59
4. Da possibilidade de afastamento do agressor do lar pela Autoridade Policial ...... 60
5. Do Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência ............................................... 60
6. Consequências do descumprimento de medida protetiva de urgência ................... 61
Finalizando ..................................................................................................................................... 62
Módulo 4 - O PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO FEMINICÍDIO. REDE DE
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. ..... 64
Apresentação do módulo ........................................................................................................... 64
Objetivos do módulo ................................................................................................................... 64
Estrutura do módulo.................................................................................................................... 65
1. Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio .......................................................... 66
2. Redes de atendimento e de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra
a mulher .......................................................................................................................................... 69
3. A importância da capacitação continuada dos profissionais que compõem a rede
de proteção às mulheres ............................................................................................................ 81
Finalizando ..................................................................................................................................... 83
Referências Bibliográficas............................................................................................................. 84
Apresentação do Curso

Caro(a) aluno(a),

Seja bem-vindo(a) ao Curso Segurança de Grupos Vulneráveis: Princípios de


Atendimento às Mulheres em Situação de Violência!

Trabalhar com o atendimento às mulheres em situação de violência


requer o prévio conhecimento acerca de várias questões, para que o
profissional de segurança pública tenha condições de compreender o
fenômeno da violência de gênero em toda sua complexidade.

O profissional, com o olhar superficial sobre o tema, é capaz de achar que as


situações de violência contra as mulheres são questões menores, de pouca
importância, e reproduzir em seu atendimento diversas violências, desestimulando
que a vítima busque o Estado ou impedindo que meios lhe sejam oferecidos para que
consiga romper com o ciclo de violência a que está submetida.

Assim, faz-se necessário a capacitação dos agentes públicos que trabalham


com a temática, apresentando-lhes conceitos basilares e essenciais no tocante à
violência de gênero, para que eles tenham plenas condições de oferecer atendimento
digno às mulheres em situação de violência.

Público-alvo: Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública.

Objetivos do Curso

Objetivo Geral

Apresentar conceitos principiológicos e basilares acerca da violência de


gênero, de modo a garantir que o profissional de Segurança Pública compreenda essa
violência em sua complexidade, conheça os principais marcos legislativos sobre o
tema e os mecanismos vigentes no Brasil que estão à disposição mulher em situação
de violência.

4
Objetivos Específicos
• Introduzir o conceito de gênero, as origens e as características da
violência de gênero;
• Apresentar a evolução histórica acerca dos direitos da mulher no
Brasil;
• Refletir sobre as principais causas e os principais fatores de risco
para a violência contra a mulher;
• Apontar os tipos de violência de gêneros, em todas as suas
formas;
• Apresentar o ciclo da violência e suas fases
• Discorrer sobre a Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha
• Aprofundar sobre o estudo das Medidas Protetivas de Urgência
• Trazer linhas gerais sobre o Plano Nacional de Enfrentamento ao
Feminicídio;
• Apresentar as redes de enfrentamento e de atendimento à
violência doméstica e familiar contra a mulher;
• Discorrer sobre a importância de se instituir protocolos de
atendimento à mulher vítima de violência e a capacitação dos agentes públicos

5
Estrutura do Curso

Este curso possui 30 horas e compreende os seguintes módulos:

Módulo 1 - O QUE É A VIOLÊNCIA DE GÊNERO? BREVES


APONTAMENTOS DA HISTÓRIA DOS DIREITOS DA MULHER NO
BRASIL

1. Conceito, origem e características da violência de gênero


1.2 Características da violência de gênero
2 Linha histórica dos direitos da mulher no Brasil
3 Causas e fatores de risco para a violência
3.1 Violência contra mulheres baseada na raça/cor
3.2 Vulnerabilidade social e econômica
3.3 Violência contra mulheres com deficiência
3.4 Violência contra mulheres homossexuais, bissexuais e
transgêneros

Módulo 2 – OS TIPOS DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO E O CICLO DA


VIOLÊNCIA

1. A violência contra as mulheres


2. A Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha
3. Tipos de violência contra a mulher
3.1 Violência física
3.2 Violência psicológica
3.3 Violência sexual
3.4 Violência patrimonial
3.5 Violência moral
3.6. Violência institucional
4. O ciclo da violência
4.1 Fases do ciclo da violência
4.2 Fatores que contribuem para o ciclo da violência

6
Módulo 3 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER E OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO
1. Medidas Protetivas de Urgência
1.1 Em relação ao agressor
1.2 Em relação à mulher e a seu patrimônio
1.3 Outras Medidas Protetivas possíveis
2. Necessidade da devida informação à vítima
3. Do Formulário Nacional de Avaliação de Risco
4. Da possibilidade de afastamento do lar do agressor pela
Autoridade Policial
5. Do Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência
6. Consequências do descumprimento de medida protetiva de
urgência

Módulo 4 – O PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO


FEMINICÍDIO. REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

1. Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio


2. Redes de enfrentamento e de atendimento à violência doméstica
e familiar contra a mulher
3. A importância da capacitação dos profissionais que compõem a
rede de proteção às mulheres

Referências Bibliográficas

7
Módulo 1 – O QUE É A VIOLÊNCIA DE GÊNERO? BREVES
APONTAMENTOS DA HISTÓRIA DOS DIREITOS DA MULHER NO
BRASIL

Apresentação do módulo

Neste módulo, você vai estudar o que é a violência de gênero, sua origem e
características. Para compreender esse panorama, é importante entender o contexto
histórico-social e a breve evolução legislativa que acompanhou a garantia de direitos
e proteção especial às mulheres em situação de violência, nas suas mais diversas
formas, seja no setor público ou privado.

Compreender a violência de gênero não é simples, pois, muitas


vezes, essa violência se revela por meio de comportamentos que
foram socialmente aceitáveis durante décadas, pelos mais diversos
núcleos sociais. A violência, por não ser física, é invisível e, por isso,
a própria vítima tem dificuldade em compreender que está sendo
vítima nessa situação.

Assim, aqui você irá compreender esse fenômeno e conseguirá identificar a


violência de gênero, por mais sutil que seja, mas que precisa ser repelida, pois sua
continuidade e permanência podem resultar em crimes mais graves, que se pretende
com este estudo prevenir.

Objetivos do módulo

Este módulo tem por objetivos:


• Apresentar o conceito de gênero, discorrer sobre a origem e as
características da violência de gênero, oportunizando o conhecimento
necessário para a compreensão da existência de leis especiais para proteção
das mulheres;
• Demonstrar um breve panorama histórico, bem como a evolução
legislativa dos direitos das mulheres no Brasil, para melhor entendimento do
fenômeno da violência de gênero;

8
• Apontar as principais causas e os principais fatores de risco que
potencializam a violência de gênero.

Estrutura do módulo

Este módulo compreende as seguintes aulas:

1. Conceito, origem e características da violência de gênero


1.1 Características da violência de gênero
2. Linha histórica dos direitos da mulher no Brasil

3. Causas e fatores de risco para a violência

3.1 Violência contra mulheres baseada na raça/cor


3.2 Vulnerabilidade social e econômica
3.3 Violência contra mulheres com deficiência
3.4 Violência contra mulheres homossexuais, bissexuais e transgêneros

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1. Conceito, origem e características da violência de gênero

O que é o gênero?

São os atributos socialmente construídos e atribuídos aos gêneros,


seja feminino ou masculino. É aquilo que, historicamente, foi
identificado pela sociedade como sendo o papel do feminino e do
masculino. O gênero é uma criação social e qualquer pessoa, seja ela
do sexo biológico feminino ou masculino, se identifica com um gênero.
Existem pessoas que não se identificam com nenhum dos dois
gêneros: são as não binárias.

Histórica e culturalmente, os papéis designados para o masculino se referiam


ao forte, laborativo, provedor, portador da virilidade sexual, impositivo etc. O feminino,
por sua vez, era vinculado aos papéis da submissão, compreensão, docilidade.

O masculino assumiu papéis do universo público, de provedor, claramente de


poder de mando no núcleo familiar, enquanto o feminino se limitou social e
culturalmente às tarefas privadas de cuidados com a família, do ambiente privado,
submissa ao modelo denominado patriarcal.

A submissão do feminino ao masculino, que permeia gerações e está


estruturada em nossa sociedade, é o fundamento dos mais diversos tipos de violência
praticados contra as mulheres, não somente os que ocorrem no ambiente doméstico
e familiar, mas também os que ocorrem nas ruas, em ambientes públicos.

As mulheres, pelo simples fato de seu gênero, estão em situação de


vulnerabilidade e são vítimas de crimes específicos. Aqui exemplificamos os mais
comuns: importunação sexual, estupro, estupro de vulnerável.

A violência de gênero é qualquer tipo de agressão contra alguém em situação


de vulnerabilidade devido à sua identidade de gênero ou orientação sexual.

10
1.1 Características da violência de gênero1:

Agora você irá estudar quais são as características da violência de gênero,


aprofundando a violência opressora do feminino.

- Invisibilidade2 – Muitos comportamentos decorrentes de diferenças


biológicas resultam na repetição de condutas opressoras, que são socialmente
naturalizadas. Ações violentas e abusivas, aceitas pelos núcleos sociais,
principalmente familiares e os mais íntimos, em que os comportamentos são
reforçados e repetidos por gerações.

Exemplos:

1. Durante o namoro, a adolescente aceita ser ofendida moralmente, pois na


sua casa presenciava seu pai ofender sua genitora. Para essa adolescente, a ofensa
é natural, pois é aquilo que ela vivenciou e aprendeu como aceitável.

2. No núcleo familiar, é natural que a mulher e os filhos não opinem sobre as


decisões familiares, pois esse é o papel do masculino, do líder, do pai da família.

- Transversal/Estrutural3 – Está em todas as relações sociais, em diversos


níveis, independentemente da classe social. Está enraizada nos estereótipos,
modelos socialmente criados para papéis do feminino e do masculino.

Assim, está presente na casa dos mais e menos favorecidos socialmente e


também não distingue nível educacional. Quase que cotidianamente os noticiários nos
informam sobre casos de feminicídios que atingem mulheres de todas as classes
sociais e nível educacional.

- Legitima privilégios4 – a estrutura da violência de gênero, pautada na


submissão do feminino ao masculino, legitima a conduta sexista, em que o homem é
autoritário e a mulher dócil e compreensiva, como se houvesse o papel do protetor e
da protegida, legitimando qualquer conduta que justifique a manutenção desse
modelo.

1 PIEROBOM, Thiago. Violência Psicológica: Aspectos Protetivos e de Tipicidade Criminal. Youtube,


14 fev. 2022. Disponível em: <youtu.be/xSpmGb4dskQ>. Acesso em: 02, mai. 2022.
2 Idem
3 Idem
4 Idem

11
Quando há uma ruptura ou uma subversão desse modelo, a mulher pode
perder o caráter de vítima nessa relação e se tornar a culpada, mesmo que ela seja a
pessoa que sofra a violência.

Exemplos:

1. A mulher que comete traição conjugal pode sofrer consequência violentas,


pois o papel de “traição” não está atribuído ao feminino, uma vez que a virilidade é um
papel masculino. Nesse caso, houve uma inversão de papéis, por isso é legitimado
que ela sofra consequências negativas de seu ato. Quando o homem trai, ele pode
ser perdoado, pois faz parte do seu papel social na relação extraconjugal.

2. Às mulheres são definidas determinadas tarefas domésticas, ainda que elas


também trabalhem fora de casa e contribuam financeiramente com as despesas da
casa, o que desencadeia em exaustiva dupla ou tripla jornada de trabalho. Muitos
homens, nessas condições, não assumem qualquer serviço doméstico, simplesmente
por argumentar que é “trabalho de mulher”, sobrecarregando suas parceiras. O
questionamento desse modelo pode resultar em atos de violência no ambiente
doméstico.

Figura 1 - A legitimação de privilégios

Fonte: Reprodução/Internet, 2022.

12
- Psicologicamente interiorizada5 – os papéis do feminino e masculino são
internalizados na mulher no desempenho do papel amoroso e materno, dócil,
compreensivo, submisso e, no homem, a virilidade sexual e laborativa, de provedor.
Socialmente, homens e mulheres permanecem replicando papéis que resultam numa
sociedade sexista. E, nesse aspecto, é perceptível a invisibilidade, pois o cumprimento
desses papéis é tão definido, que, diante de um ato de violência, ainda que grave, ele
é aceitável por determinado núcleo social.

Quantas mulheres são agredidas em seus lares, na frente dos familiares, sem
que nenhuma providência punitiva seja tomada, ainda que pela denúncia? Por que
aceitamos esse comportamento de violência?

- Violência disciplinar6 – na sociedade com modelo patriarcal historicamente


instituído, o homem precisa provar entre os seus iguais o poder da masculinidade,
isso quer dizer que é necessário constantemente reafirmar suas qualidades
masculinas para ser aceito como um homem de verdade.

E isso se faz por meio da virilidade, de ser o provedor, entre outros papéis
atribuídos ao masculino. Se o homem não consegue desempenhar essa função, ele
é julgado pelos pares, diminuído, humilhado e enfraquecido. Legitima-se até o uso da
força física, para que o modelo sexista seja normalizado.

Nesse modelo, se a mulher não cumpre seu papel predeterminado, ainda que
ela seja vítima de violência, a sua condição de vítima passa a ser questionada.

Exemplos:

1.“Ela revidou a agressão”. Não é papel da mulher submissa a própria defesa.

2. “Ela não limpou a casa e foi ofendida”. A violência passa a ser legítima?

O resultado que se obtém é o jogo de desigualdade de poder entre homens e


mulheres.

- Transgeracional7: o legado da violência fundada no gênero ultrapassa


gerações, é historicamente enraizado na sociedade e esse aprendizado não está
apenas nos homens, mas também nas mulheres. O pensamento sexista, machista,

5 PIEROBOM, Thiago. Violência Psicológica: Aspectos Protetivos e de Tipicidade Criminal. Youtube,


14 fev. 2022. Disponível em: <youtu.be/xSpmGb4dskQ>. Acesso em: 02, mai.2022.
6 Idem.
7 PIEROBOM, Thiago. Violência Psicológica: Aspectos Protetivos e de Tipicidade Criminal. Youtube,

14 fev. 2022. Disponível em: <youtu.be/xSpmGb4dskQ>. Acesso em: 02, mai.2022.


13
está presente na sociedade em geral e precisa ser descontruído, para que tenhamos
uma sociedade igualitária, com mais respeito e sem violência.

Exemplo: O marido que agride a mulher durante discussões domésticas, que


repete a conduta de seu pai, que também agredia a companheira em casa durante
qualquer discussão. Este, por sua vez, também reproduziu a conduta do próprio pai,
na mesma circunstância. Vemos uma conduta geracional na resolução de conflitos.

Figura 2 - O patriarcado

Fonte: Revista Miga, 2022.

2. Linha histórica dos direitos da mulher no Brasil

Quando se pensa em violência de gênero, precisamos entender o contexto


histórico em que a sociedade brasileira evoluiu e quais foram as batalhas travadas no
tempo, para compreender o papel da mulher na sociedade, que a retrata como um ser
de menor importância, com menos direitos do que os homens.

Veja a realidade destacada por período e a evolução legislativa citada:

1. No período em que o Brasil foi colônia de Portugal, do ano de 1532 a


1822, quando vigorou o Código Filipino, o marido tinha o direito de matar a esposa
adúltera ou suspeita. “E toda mulher que fizer adúltera a seu marido, morra por isso”
(Portugal, Ordenações Filipinas, livro 5, título 5).

14
2. Durante o Brasil Império, 1830, pelo Código Penal Brasileiro, a pena era
atenuada quando houvesse adultério da mulher (justificado pela desonra, artigo 18,
4º).
3. O direito ao voto das mulheres foi reconhecido somente em 1932, pelo
Decreto nº 21.076, que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro.
4. O Código Civil de 1916 retrata de forma significativa o modelo patriarcal.
Veja alguns exemplos, que vigoraram até o advento da Constituição Federal de 1988:
- o homem era o chefe de família e administrador dos
bens comuns e particulares (artigos 233 e seguintes);
- a mulher era tutelada pelo marido, passando a ser
relativamente capaz após o casamento (artigos 240 e
seguintes);
- o fato de a mulher não ser virgem e isso ser descoberto
após o casamento, poderia causar a anulação do casamento,
pois era considerado erro essencial sobre a pessoa do cônjuge
(artigo 219, IV).
5. Em 1985, é criado o Conselho Nacional de Direitos das Mulheres e a 1ª
DEAM – Delegacia Especial de Atendimento à Mulher no Brasil, em São Paulo.
6. Em 1988, é promulgada a Constituição Federal, em que estão previstos
vários direitos fundamentais e cláusulas pétreas, que impõem ao Estado a criação e
implementação de políticas públicas para promover a igualdade de direitos entre
homens e mulheres.
7. O Código Penal Brasileiro, em vários artigos, utilizava a expressão
“MULHER HONESTA”, que significava o recato e sexualidade controlada e restrita à
convivência conjugal, determinando um padrão de comportamento socialmente
aceito, para que a mulher pudesse estar na condição de “vítima”. Somente com a Lei
nº 11.106, promulgada em 2005, tal expressão pré-julgadora foi retirada do Código
Penal.
8. Até o ano de 2005, o casamento era excludente da culpabilidade nos
crimes contra os costumes, atualmente denominados crimes contra a dignidade
sexual. O artigo 107 do Código Penal assim previa:

“VII – pelo casamento do agente com a vítima nos crimes contra os costumes,
definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste código”,
e,
VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso
anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e de que a

15
ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal
no prazo de sessenta dias a contar da celebração;”.

9. Apenas em 2009, com Lei nº 12.015, os crimes que atingem a liberdade


sexual deixaram de serem nominados de “Crimes Contra os Costumes” para “Crimes
Contra a Dignidade Sexual”.
10. Em 1994, foi concluída a Convenção Interamericana de Belém do Pará,
em que foi definido o que é violência contra a mulher e suas formas, promulgada no
Brasil em 1996 através do Decreto nº 1973 de 1º de agosto.
11. Em 29 de maio de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica,
na cidade Fortaleza/CE, foi vítima de feminicídio tentado, mediante disparo de arma
de fogo realizado por seu marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveros,
colombiano, naturalizado brasileiro. Na ação, ele simulou um assalto que deixou a
esposa paraplégica. Após uma semana do retorno da vítima para casa, ela, ao tomar
banho, foi novamente vítima de seu marido, quando recebeu uma descarga elétrica,
numa nova tentativa de feminicídio. Marco Antônio foi denunciado pelo Ministério
Público em 28 de setembro de 1984 e condenado pelo júri em 04 de maio de 1991.
Ele recorreu da decisão, tendo o julgamento ocorrido em 15 de março de 1996, sendo
condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Após novos recursos, somente em
setembro de 2002 ele foi preso, iniciando o cumprimento da pena.
O caso de Maria da Penha foi denunciado à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos - OEA. A própria
Maria da Penha, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-
Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher recorreram à Corte em
20 de agosto de 1998. Em 16 de abril de 2001, a Comissão publicou o Relatório
54/2001 declarando em relação ao Brasil “a ineficácia judicial, a impunidade e a
impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do
compromisso de reagir adequadamente ante a violência doméstica”.

Veja um vídeo em que a Maria da Penha conta a sua história


(Disponível em: youtu.be/TRSfTdaBbvs).

12. O Brasil promulga em 2002 a Convenção sobre a Eliminação de Todas


as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979-ONU, através do
Decreto nº 4.377 de 13 de setembro de 2002.
13. Criação do Ligue 180 – Central de Atendimento em âmbito nacional para
receber denúncias de violência contra a mulher em 13 de agosto de 2002 através da
16
Lei nº 10.714/2002. Importante instrumento de recebimento de denúncias das mais
diversas violações de direitos das mulheres.
14. No dia 08 de agosto 2006, é promulgada a Lei nº 11.340/2006,
conhecida por Lei Maria da Penha, cuja vigência se iniciou no dia 22 de setembro de
2006 em todo território nacional. Essa lei foi um divisor de águas na instituição de
direitos, proteção, e direcionamento para a aplicação da própria lei, pautado no olhar
diferenciado e acolhedor, com o reconhecimento explícito da vulnerabilidade e
subjugação da mulher na relação de violência gênero.
15. A Lei do Feminicídio, Lei nº 13.104, promulgada em 9 de março de 2015,
tecnicamente, criou uma qualificadora do homicídio (artigo 121, § 2º, inciso VI, do
Código Penal Brasileiro). Aplica-se a duas circunstâncias em proteção à mulher por
razões da condição do gênero feminino, assim consideradas:

- quando envolverem violência doméstica e familiar (Lei nº 11.340/2006);


- e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher, assim definidos
no § 2º-A do art. 121 do Código Penal. Aqui deve ser feita a pergunta: essa
mulher morreu pela sua condição de ser mulher?

16. A Lei nº 14.132, promulgada em de 31 de março de 2021, inseriu o artigo


147-A no Código Penal Brasileiro, denominado crime da perseguição, do qual nos
aprofundaremos ainda nesse curso.
17. A Lei nº 14.188 de 28 de julho de 2021 foi outro avanço da legislação,
pois previu o crime específico de violência psicológica, sobre o qual também nos
aprofundaremos no curso.

Para ampliar seus conhecimentos, estude no Código Penal o


Capítulo “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”,
especialmente a evolução legislativa, através do link:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del2848compilado.htm

3. Causas e fatores de risco para a violência

Causas e fatores de risco para a violência são circunstâncias que podem


justificar a violência ou trazer elementos que potencializam e aumentam o risco da
mulher se tornar uma vítima em potencial, a colocando em maior vulnerabilidade,
como viver em determinado local, em determinadas condições e circunstâncias,

17
pertencer a grupos étnicos e sociais específicos. São os recortes sociais que tornam
determinados grupos mais vulneráveis a serem vítimas de determinados crimes.

Neste caso, os fatores podem, além de aumentar o risco, causar a própria


violência ou contribuir para uma maior frequência dela.

3.1 Violência contra mulheres baseada na raça/cor

A raça e a cor tem sido fator preponderante para justificar e potencializar o risco
da violência contra mulheres, principalmente, as mulheres negras sofrem por
pertencerem a esse grupo, devido à desigualdade racial existente decorrente da
histórico sociocultural brasileiro. As mulheres negras e suas descendentes sofrem
com muito mais frequência e intensidade de atos de violências, como “feminicídio,
racismo, importunação sexual, violência física, injúria qualificada pela raça/cor, etc.”.

Os dados do último mapa da violência de 2021 mostram que 67% das vítimas
de homicídio em 2019 eram mulheres negras. Do total de 3.737 mulheres
assassinadas, 2.468 eram negras.

Cumpre ressalvar que, na análise e coleta dos dados do mapa da violência, é


considerado o total de mulheres vítimas da violência letal, em que se inclui os crimes
de feminicídio e de outros crimes letais, tais como latrocínio e homicídio (quando não
há questão de gênero como causa da morte).

Chama a atenção, em relação ao recorte específico relativo à raça/cor, no


referido relatório, o estado de Alagoas, onde todas as vítimas eram negras,
alcançando a cifra assustadora de 100%.

Enriqueça seus estudos e conheça o Atlas a Violência 2021 na


íntegra através do link:
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1375-
atlasdaviolencia2021completo.pdf

3.2 Vulnerabilidade social e econômica

18
A vulnerabilidade social e econômica é outro fator que potencializa a ocorrência
de violência contra mulheres, principalmente a intrafamiliar e doméstica, é a falta de
recursos financeiros, de trabalho e renda, da mulher que depende financeiramente do
autor da agressão. A dependência financeira é fator de risco e motivador da
permanência da vítima no ciclo da violência, que será estudado durante o curso.

Mulheres em vulnerabilidade social, especialmente as que dependem de


transporte público, também são vítimas de importunação sexual, especialmente em
transportes públicos (ônibus, trens e metrôs). As mulheres que vivem nas periferias
são a maioria das usuárias de transporte público no país, que, em geral, sofrem esse
tipo de violência.
Para reflexão: Assista ao vídeo “Vida de Maria”:

➢ https://www.youtube.com/watch?v=T9d7g8TdwQs

O uso abusivo de álcool e drogas também tem sido fator que potencializa o
cenário de violência doméstica e intrafamiliar, em que as mulheres e crianças têm sido
os maiores alvos das condutas violentas por parte do autor que usa essas
substâncias.
Ainda, notícias que tratam de questões relacionadas à segurança
das mulheres no transporte público:

➢ https://expresso.estadao.com.br/naperifa/transporte-publico-e-
espaco-em-que-as-mulheres-mais-temem-sofrer-assedio/
➢ https://noticias.r7.com/sao-paulo/sp-pelo-4-ano-seguido-
transporte-publico-e-o-espaco-de-maior-risco-de-assedio-para-
mulheres-29062022
➢ https://g1.globo.com/mg/minas-
gerais/noticia/2022/09/28/homem-e-preso-suspeito-de-
importunacao-sexual-dentro-de-onibus-em-belo-horizonte.ghtml
➢ https://noticias.r7.com/jr-na-tv/videos/mais-de-30-das-mulheres-
ja-sofreram-assedio-no-transporte-publico-diz-pesquisa-12092022
➢ https://summitmobilidade.estadao.com.br/guia-do-transporte-
urbano/mulher-no-transporte-publico-dificuldades-e-solucoes/
➢ ASSÉDIO NO TRANSPORTE PÚBLICO: O que as experiências
com o vagão rosa nos ensinaram até agora. Disponível em
http://files.antp.org.br/2019/4/10/rtp151-3.pdf

19
3.3 Violência contra mulheres com deficiência

No Brasil temos a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que


instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa
com Deficiência).
E em seu artigo 2º há a tipificação das deficiências:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo


prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

No caso de violência contra as mulheres um dos problemas enfrentados é a


subnotificação e pulverização de dado. E quando se trata de ataques a mulheres com
deficiência:
Registros de 2019 sobre violência contra pessoas com deficiência apontam
que, a cada grupo de 10 mil pessoas, houve 56,9 notificações contra
mulheres com deficiência intelectual, 17,8 com deficiência física, 5 com
deficiência auditiva e 1,6 com deficiência visual. Os números são bem
superiores aos de homens com deficiência, que apresentam índices,
respectivamente, de 21,9; 7,3; 2,3; e 1,2.
A maioria das pessoas que sofrem com a violência doméstica são as que
possuem deficiência intelectual, seguidas das que possuem deficiência física,
múltipla, visual e auditiva. As que possuem deficiência intelectual sofrem em
maior proporção a violência física, psicológica e sexual. (Fonte: Agência
Senado, 2021).

A deficiência é um fator de risco para potencializar a violência de gênero. Os


mais diversos tipos de deficiência trazem para mulheres, meninas e adolescentes,
especial situação de alerta sobre a sua vulnerabilidade para serem destinatárias de
qualquer ato de violência. Motivos que despertam para ações afirmativas de
prevenção e segurança.

Figura 3 - Mensagem em Libras para Mulheres Surdas

20
Fonte: Não se cale MS, 2019.

O autor da agressão se aproveita da vulnerabilidade decorrente da deficiência


para praticar os mais diversos crimes contra essa mulher, que está, por vezes,
impossibilitada de falar, ouvir, ver, se locomover, e, portanto, oferecer resistência e se
defender.

Figura 4 - Violência sexual contra mulheres com deficiência

21
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinam, generonumero.media, 2021.

Serão citados dois exemplos reais para ilustrar essa circunstância:

22
Uma mulher de classe social de média alta, estava muito feliz em seus trinta e
pouco anos, pois tinha se casado, então, com o “príncipe encantado”, quando passou
a desenvolver Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença que causa degeneração
progressiva de neurônios motores. Assim que o fato foi levado ao conhecimento da
polícia por intermédio de seus familiares, a vítima já não tinha mais nenhum
movimento motor, se comunicava com auxílio de um programa de computador,
apenas com o movimento dos olhos. A vítima era assistida por serviço médico de
“home care”. Nesse contexto, seu marido, aproveitava de quando estava sozinho com
vítima para praticar os mais diversos atos de violência, dentre eles a tortura, e a vítima
não tinha como se defender.

Em outro caso, o autor da agressão mantinha amizade há mais de 30 anos com


o pai da vítima, a qual era deficiente intelectual. Em razão da confiança, o agressor
tinha livre acesso à casa da família e se aproveitava dos momentos em que a vítima
estava em casa sozinha para ir ao local e praticava atos libidinosos com ela. A vítima
passou a apresentar comportamento agressivo, diminuição de sua autoestima e
revelou os abusos sexuais aos pais.

Conheça um pouco mais do assunto:

Acesse aqui o link

O site “pcdlegal.com.br” disponibiliza, em LIBRAS com áudio e legendas, todo o


conteúdo da Lei Maria da Penha.
Acesse: http://www.pcdlegal.com.br/leimariadapenha/libras-mobile/

Alteração na Lei Maria da Penha amplia proteção de mulheres com deficiência – A


juíza Adriana Ramos de Mello, em reportagem concedida ao programa Fantástico
(Rede Globo, junho/2019), fala sobre a inovação trazida pela Lei nº 13.836, que
determina constar no boletim de ocorrência se a vítima tinha ou ficou com alguma
deficiência por causa da agressão. Assista ao programa na
íntegra: https://globoplay.globo.com/v/7835516/

Precisamos falar sobre violência contra mulheres com deficiência.


Leia a matéria no link http://www.justificando.com/2016/11/21/precisamos-falar-
sobre-violencia-contra-mulheres-com-deficiencia/

23
"Vozes de mulheres com deficiência e a violência de gênero: análise discursiva
de narrativas de vida em Campo Grande" - dissertação de mestrado apresentado
ao Programa de Pós-Graduação em Letras, na UEMS - Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul, por Flávia Pieretti
Cardoso: http://www.uems.br/assets/uploads/cursos_pos/edc4fb6d0115090bccaa916
7bb1cda17/teses_dissertacoes/1_edc4fb6d0115090bccaa9167bb1cda17_2019-11-
26_10-58-52.pdf

Assista ao documentário “Silenciadas: em busca de uma voz” (33 min). Um


documentário que tem como propósito "dar voz" e visibilidade às mulheres com
deficiência sobreviventes de violência de gênero.
https://m.youtube.com/watch?v=xa9moW4WawY&feature=youtu.be

O quadro seguinte demonstra as violências a que estão sujeitas as mulheres,


meninas e adolescentes, motivadas pelo fato de serem portadoras de alguma
deficiência, seja ela visível ou não.

Quadro 1 - Violências sofridas por mulheres deficientes

Fonte: CITA/Segen, 2022.

Para saber mais, veja ainda:

O trabalho publicado nos anais do Pesquisasus: Coletânea de Trabalhos e


Experiências da Mostra da Escola de Governo Fiocruz-Brasília - “AQUI NÓS SOMOS
24
ASSIM: UMA LEVANTA E PUXA A OUTRA” – O APOIO SOCIAL COMO FERRAMENTA DE

PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM GRUPO DE MULHERES COM DEFICIÊNCIA NO

DISTRITO FEDERAL.

3.4 Violência contra mulheres homossexuais,


bissexuais e transgêneros

Como já vimos, a violência de gênero é desencadeada pela não aceitação de


que mulheres não desempenhem papéis que lhes são socialmente designados
(submissão, cuidado, docilidade, beleza, entre outros). Esses papéis se constroem
com base na visão heteronormativa e biológica do sexo, ou seja, reconhece como
“normal” e adequada a mulher que nasce com sexo feminino e se relaciona sexual e
afetivamente com homens.

A violência se agrava quando as mulheres têm orientação sexual ou identidade


de gênero diferentes daquela designada no momento do seu nascimento e imposta
socialmente.

Uma pessoa que nasceu biologicamente masculina, mas que se identifica com
o gênero feminino, ou que nasceu biologicamente feminina, mas se identifica com o
gênero masculino é chamada de transgênero.

É importante ressalvar que o respeito à identidade de gênero não


impõe a necessidade de qualquer intervenção cirúrgica ou hormonal
para modificação das características físicas desse indivíduo que se
identifica com gênero diverso a do seu sexo biológico. Basta a sua
própria identificação para que o respeito a essa escolha tenha que
acontecer.

No entanto, não é o ocorre na prática. Nossa sociedade, preconceituosa,


marcada pelo modelo patriarcal, não aceita que as pessoas, homens e mulheres,
possam ter escolhas diferentes do padrão heteronormativo, e a reação são atos de
violência dos mais diversos tipos, sendo os crimes praticados motivados pelo ódio,
pelo desamor, pela intolerância, pelo desrespeito, sendo as violências mais
recorrentes as agressões físicas, torturas, injúrias qualificadas, estupros corretivos,
feminicídios, homicídios, ameaças etc.

25
Fazer parte do grupo LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, trans,
queers, pansexuais, agêneros, pessoas não binárias e intersexo) é causa e fator de
risco potencializador da violência contra mulheres.

Veja a seguir a Tabela 1, publicada no Relatório da Pesquisa: Discriminação e


Violência contra a População LGBTQIA+, pelo Conselho Nacional de Justiça, 2022,
que aponta os tipos de crimes e a identidade das vítimas:

Tabela 1 - Distribuição em percentual de cada crime sofrido entre as identidades LGBTQIA+


das vítimas

Fonte: CNJ, 2022.

Recentemente, a Sexta Turma do STJ estabeleceu que a Lei Maria da Penha


se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.

Veja a notícia sobre o julgado, cujo número do processo segue


em segredo judicial, no site do STJ, através do link:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Notici
as/05042022-Lei-Maria-da-Penha-e-aplicavel-a-violencia-
contra-mulher-trans--decide-Sexta-Turma.aspx

Assim, você estudou que essas são as principais causas e fatores que
potencializam a violência contra as mulheres, seja no ambiente público ou privado.

26
No módulo a seguir, você vai prosseguir nos seus estudos, e os fundamentos
obtidos até momento o ajudará a compreender os tipos da violência e o ciclo da
violência.

Finalizando

Nesse módulo você aprendeu que:


• o conceito de gênero, de violência de gênero e suas
características, com o foco para a violência praticada em desfavor das
mulheres em razão do gênero feminino. Discutimos a complexidade do tema e
a importância do conhecimento desses conceitos pelos profissionais que irão
atuar na rede de enfrentamento, principalmente os profissionais de segurança
pública,
• que a violência de gênero está enraizada em nossa sociedade, é
mascarada pela invisibilidade, transpassa gerações e está presente na mente
de homens e mulheres, indistintamente. Para melhor compreensão do tema,
você estudou um breve panorama histórico social e a evolução legislativa, no
que diz respeitos as batalhas travadas no tempo, as conquistas e os direitos
adquiridos pelas mulheres desde os tempos do Brasil Império até os dias
atuais;
• em continuação, você estudou as principais causas e os principais
fatores risco que potencializam a violência contra as mulheres, seja ela
praticada nos espaços públicos ou nos ambientes mais íntimos, privados,
intrafamiliar e/ou doméstico.

27
Módulo 2 - OS TIPOS DE VIOLÊNCIA E O CICLO DA VIOLÊNCIA DE
GÊNERO

Apresentação do módulo

Neste módulo, você estudará os diversos tipos e as definições de violências


contra as mulheres, que ocorrem no âmbito privado e público.

Será abordado que a violência doméstica e familiar não significa apenas a


violência física, mas se manifesta por diversos outros tipos de violência.

Por fim, entenderemos que a violência contra as mulheres é um fenômeno


complexo, estando presente nos tipos de violência as características da invisibilidade,
transgeracionalidade e autorizativa de privilégios.

Objetivos do módulo

Este módulo tem por objetivos:


• Diferenciar os diversos tipos de violência contra as mulheres;
• definir violência doméstica e familiar contra a mulher e seu âmbito de
aplicabilidade;
• reconhecer e identificar a existência do ciclo da violência contra as mulheres;
• identificar as dependências e outras causas que alimentam e mantém o ciclo
da violência.

Estrutura do módulo

1. A violência contra as mulheres


2. A Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha
3. Tipos de violência contra a mulher
3.1 Violência física
3.2 Violência psicológica
3.3 Violência sexual
3.4 Violência patrimonial
3.5 Violência moral

28
3.6 Violência Institucional
4. O ciclo da violência
4.1 Fases do ciclo da violência
4.2 Fatores que contribuem para o ciclo da violência

29
1. A violência contra as mulheres

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra


a Mulher prevê em seu artigo 1º que a violência contra a mulher é entendida como:

“qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que Ihe cause morte, dano
ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a mulher, tanto na esfera pública
quanto na privada.”

A conceituação legal é ampla e alcança todas as esferas sociais que a mulher


possa ser vítima, em razão do gênero. A violência contra a mulher independe de sua
natureza, pode acontecer em vários contextos, tais como no âmbito familiar, na
comunidade ou perpetrada ou tolerada pelo Estado e seus agentes.

Além das violências praticadas no âmbito doméstico e familiar, em


contextos diversas, a violência contra a mulher é suportada,
silenciada, e, por vezes, tida como “normal” nos ambientes sociais.

Exemplo são os assédios sexuais, praticados, na grande maioria, no ambiente


de trabalho, onde a mulher é exposta às mais diversas situações constrangedoras.
Ainda temos em nosso sistema penal uma penalização branda e a cultura de
aceitação desse tipo de ato nos ambientes de trabalho.

É comum piadinhas de cunho sexual, elogios constrangedores e, se há repulsa


imediata e enérgica da vítima, a mulher ainda é chamada de nervosa, destemperada,
que não aceita descontração no ambiente de trabalho.

Outro questionamento que temos a obrigação de fazer nesse curso: Por que
alguém se sente no direito de tocar uma mulher em partes íntimas ou de roçar o corpo
contra ela, quando estão em um ônibus, trem ou transporte similar? Por que não há o
respeito pelo corpo da mulher, pela sua intimidade, individualidade e escolhas, pela
sua sexualidade?

Neste tópico, é importante ressalvar a evolução legislativa ao prever a


importunação sexual como crime, passível de prisão em flagrante, conforme será
estudado no tópico violência sexual. Antes do advento da Lei nº 13.718/2018, o ato
era tido como mera contravenção penal, submetido ao rito do Juizado Especial
Criminal, com penalização mais branda.

30
2. A Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha

A Lei nº 11.340/2006, popularmente chamada de Lei Maria da Penha, é o maior


marco legislativo de combate à violência doméstica e/ou familiar contra a mulher no
Brasil.

Em seu artigo art. 5º, esta lei previu a violência doméstica e familiar contra a
mulher como sendo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, que
ocorra em uma dessas circunstâncias, individual ou concomitantemente:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas.

O espaço doméstico é entendido como residência, ponto focal de identificação


da violência praticada. Aqui são incluídos todos os tipos de residências, das mais
simples às mais sofisticadas. Uma barraca pode ser uma residência, no caso de
pessoas que vivem em situação de rua.

Também se inclui os esporadicamente agregados, que são as pessoas


autorizadas a permanecer na casa da família. Exemplo: empregada doméstica que
dorme da residência e sofre agressão física do patrão.

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por


indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;

A identificação da violência ocorre pelo vínculo familiar existente entre a vítima


e o autor da agressão, seja ele decorrente de algum ato legalmente constituído ou por
consideração.
Aqui se incluem os familiares com vínculos consanguíneos (irmãos, pais, tios,
sobrinhos etc.), afins (cunhados, sogros etc.), por afinidade ou por vontade expressa
(casamento, união estável).

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor


conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente
de coabitação.

Incluem-se todas as relações afetivas que fundamentam um ato de violência


contra a mulher, independentemente de ter ocorrido durante ou depois do término do

31
relacionamento. Também não necessita da convivência sob o mesmo teto entre os
envolvidos.

A exemplo, podemos citar os companheiros, ex-companheiros, namorados, ex-


namorados, amantes, ex-amantes e até mesmo “ficantes”, ou seja, pessoas com
quem se tem envolvimento afetivo ou sexual sem vínculo de compromisso.

A lei não exige tempo mínimo de relacionamento para reconhecimento da


relação íntima de afeto. Assim, caberá ao Poder Judiciário fazer a análise de cada
caso concreto sobre a aplicação da lei, que sempre deverá se pautar nos seus
princípios norteadores, de proteção da mulher em situação de vulnerabilidade e
submissão, em razão do gênero.

Nos dias atuais, não é incomum os relacionamentos afetivos se iniciarem e se


manterem durante muito tempo e, às vezes, até exclusivamente pela rede mundial de
computadores. Muitos e diversos são os aplicativos que conectam pessoas por todo
o mundo. Em caso de violência, ainda que praticado pela internet, a aplicação da Lei
Maria da Penha também é devida.

A Lei nº 11.340/2006 ainda ressalva que as relações pessoais enunciadas os


nessa norma independem de orientação sexual. Assim, a lei protege da mesma forma
as mulheres heterossexuais, homossexuais, bissexuais, pansexuais etc.,
pertencentes ao grupo LGBTQIA+.

Reforçando os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, o artigo 6º da Lei


Maria da Penha explicita que esse tipo de violência, contra o grupo LGBTQI+,
constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

3. Tipos de violência contra a mulher

Agora, vamos nos aprofundar sobre os tipos de violências contra a mulher.

A Lei Maria da Penha, em seu art. 7º, enumera algumas formas de violência
doméstica e/ou familiar contra a mulher.

Contudo, consideremos que a violência de gênero é mais ampla do que a


violência doméstica e/ou familiar. Assim, há situações em que nos deparamos com
casos de violência contra a mulher, mas não serão em todos eles que incidirão a Lei
Maria da Penha.
32
PARA REFLETIR!

Veja a lista de filmes que tratam de violência contra a mulher:

➢ https://ibdfam.org.br/index.php/noticias/7590/10+filmes+para+refl
etir+sobre+a+viol%C3%AAncia+contra+a+mulher

➢ https://educacaointegral.org.br/reportagens/16-filmes-para-
debater-os-direitos-das-mulheres/

Debruçar-nos emos sobre os tipos de violências:

3.1. Violência física

A violência física ocorre quando há qualquer conduta por parte do autor da


violência que ofenda a integridade ou a saúde corporal da vítima.

Esse tipo de violência é de fácil identificação e compreensão por parte da vítima


ou de terceiros. A mulher consegue se enxergar na condição de vítima, pois são atos
que, geralmente, deixam marcas, vestígios.

Exemplos clássicos são os crimes de feminicídio, tortura, lesão corporal e a


contravenção de vias de fato. Os atos em si se referem a espancamentos, atirar
objetos, apertões de braços, estrangulamentos, sufocamentos, golpes com objetos
cortantes ou perfurantes, queimaduras, disparo de armas de fogo etc.

3.2 Violência psicológica

Figura 5 - Violência psicológica

33
Fonte: Diário do Nordeste, 2020.

A violência psicológica é entendida como qualquer conduta que cause


dano emocional, que diminua a autoestima ou que prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento da mulher ou que vise degradar ou
controlar as ações, os comportamentos, as crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,
chantagem, violação de sua intimidade, ridicularizarão, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause
prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

A violência psicológica estava prevista desde a promulgação da Lei Maria da


Penha como um tipo de violência que a mulher poderia estar sujeita, na subjugação
de gênero nas relações domésticas e familiares.
No entanto, os operadores do direito e demais profissionais que trabalham na
rede de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres
comumente encontravam entraves quando se deparam com essa situação, não
havendo, muitas vezes, consequências penais para os atos de violência psicológica,
mas apenas de natureza extrapenal.
Com o a advento da Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021, passou a haver um
tipo criminal específico para a violência psicológica (art. 147-B do Código Penal),
sendo facilitado um atendimento ininterrupto em rede, em que a vítima receberá
acolhimento e lhe serão ofertadas e garantidas, por exemplo, as Medidas Protetivas
de Urgência.

34
O conceito amplo de violência psicológica compreende também os
demais tipos penais de ameaça, o constrangimento ilegal, a
perseguição, outra inovação trazida pela Lei nº 14.132 de 31 de março
de 2021, todos previstos no Código Penal Brasileiro, e toda e qualquer
conduta que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
da mulher vítima.

Vamos falar um pouco sobre um tipo específico de violência psicológica: os


relacionamentos abusivos.

- Relacionamentos abusivos

Figura 6 - Relacionamento abusivo

Fonte: Rede Sina, 2018.

Os relacionamentos baseados no sentimento de posse e/ou propriedade do de


um dos envolvidos na relação sobre o outro, de controle sobre a sua vida.
Embora tanto o homem quanto mulher possam exercer o papel de abusador na
relação abusiva, tendo em vista o contexto do presente curso, vamos considerar
situações em que os homens figurem no papel de abusador.

Os atos exercidos na relação abusiva podem ou não ser configurados


como ilícito penal, a depender do caso concreto. A exemplo: a
proibição de falar com os familiares e/ou amigos; proibição de sair de
casa; proibição da mulher de usar determinadas roupas, por julgá-las

35
inadequadas; proibição de usar o aparelho celular; de participar de
redes sociais; ridicularização perante terceiros; etc...

Nesses exemplos citados, em geral, a mulher não percebe que está sendo
vítima, pois confunde tais atos com demonstração de carinho, cuidado, proteção, e
tais atos de controle passam a ser aceitos e justificados.
A violência é sutil e romantizada, e podemos notar as características de
invisibilidade, legitimação de privilégios e autorização social do modelo patriarcal de
sociedade.
O relacionamento abusivo pode ocorrer desde o início do relacionamento, em
todas as faixas etárias, inclusive entre adolescentes.
Quando a vítima, enfim, percebe estar numa situação abusiva, os atos de
controle aumentam e outros tipos de violência passam a existir.

- Crime de perseguição ou stalking

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio,


ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a
capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando
sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

A Lei nº 14.132/2021 tipificou o crime de perseguição ou stalking. A partir de


então, passou-se a ser consideradas crime condutas que até então não eram.
Por exemplo, podemos citar a situação em que o ex-companheiro,
inconformado com o término do relacionamento, passa diversas vezes em frente à
casa da ex-companheira, para vigiá-la; instala sorrateiramente rastreador no carro
dela para acompanhar seus horários e trajetos; entra em contato com os amigos
íntimos da ex-companheira para saber detalhes da vida privada dela.
Esses comportamentos, muitas vezes, trazem grandes abalos psicológicos à
mulher. Embora seja uma evidente situação de violência psicológica, até a vigência
dessa lei, não havia tipo penal específico aplicável às condutas citadas no exemplo
acima.
O termo stalking vem do inglês stalk, que significa perseguir. Refere-
se à situação da perseguição incessante, contínua, reiterada, em que
o autor invade a esfera de privacidade da vítima, causando-lhe medo,
abalo e restringindo ou tolhindo sua liberdade de locomoção.

36
É uma forma de violência psicológica, que, sem dúvida, pode trazer severos
danos à vítima.
A perseguição não precisa ser física. Hoje em dia, com a sociedade cada vez
mais hiperconectada, é possível perseguir alguém também virtualmente, pela internet.
É muito comum que o crime no ambiente virtual ocorra em contexto de violência
doméstica e/ou familiar contra a mulher, mas não esteja restrito a ele. Pode acontecer
também em situações em que autor e vítima não têm qualquer relação íntima ou
sequer se conheçam pessoalmente.
Pode-se citar o exemplo cada dia mais comum na atualidade em que pessoas
criam uma obsessão por alguém que conhece apenas pela internet, e passam a
persegui-la virtualmente, enviando e-mails e mensagens nas redes sociais, criando
perfis fakes para evitar de serem bloqueadas, tentando acompanhá-las em locais
públicos, dentre outros comportamentos perseguidores.
Por fim, destacamos que, embora homens e mulheres possam ser vítimas do
crime de perseguição, o legislador previu uma causa de aumento de pena quando o
crime for cometido contra mulher por razões de sexo feminino.

- Crime de violência psicológica contra a mulher

Os estudos sobre a violência de gênero tem sido cada vez mais focados para
as situações de violência psicológica.
Nesse contexto, recentemente, o legislador trouxe diversas inovações para
punir situações relacionadas à violência psicológica.
Assim, a Lei nº 14.132/2021 previu este tipo penal:

Violência psicológica contra a mulher


Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu
pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde
psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a
conduta não constitui crime mais grave.

Como percebemos, o legislador trouxe um tipo penal abrangente, que protege


as mulheres contra ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou quaisquer outras
condutas que visem controlá-la ou lhe causem danos emocionais e perturbem seu
pleno desenvolvimento.

37
A doutrina tem lançado questionamentos acerca da constitucionalidade do tipo
penal, diante de sua abrangência. Também se tem questionado sobre a necessidade
ou não de laudo pericial que comprove o dano psicológico da vítima.
Tendo em vista o tipo penal ser ainda muito recente, para os dois
questionamentos acima, ainda não temos posicionamentos dos tribunais superiores.
Em todo caso, o que nós, enquanto profissionais de segurança pública, temos
que considerar é que o legislador está cada vez mais preocupado em trazer proteção
para mulheres vítimas de violência psicológica.
Assim, ao atender mulheres que narram situações relacionadas no tipo penal,
os profissionais de segurança pública devem acolhê-las, assisti-las e tomar todas as
medidas que estiverem à sua disposição para protegê-las.

Assista à palestra do Dr. Ben-Hur, Juiz de Direito do Tribunal de


Justiça do Distrito Federal e dos Territórios sobre violência
psicológica - https://www.youtube.com/watch?v=qD6N-
F3XFzc&t=145s

3.3 Violência sexual

A violência sexual compreende qualquer conduta que constranja a mulher a


presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade; que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
Se busca a ampla proteção da liberdade, intimidade e privacidade da mulher.
Destaca-se que qualquer ato de natureza sexual praticado contra criança ou
adolescente menor de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, previsto no artigo
217-A do Código Penal Brasileiro. Nesse caso, o direito à liberdade sexual é
indisponível e inegociável.
Ainda, para menores de 18 anos, há proteções penais específicas
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, no
que se refere à produção e divulgação de cenas de pornografia ou
cenas de sexo que envolva criança ou adolescente (artigos 240 e 241,

38
241-A, 241-B, 241-C, 241-D, 241-E, todos do Estatuto da Criança e
do Adolescente).

O Código Penal Brasileiro, desde 2005, vem sofrendo inúmeras reformas no


que diz respeito à proteção à dignidade sexual.
Alguns crimes que tratavam a mulher de forma discriminatória, como o termo
“mulher honesta”, sobre o qual já falamos, foram abolidos e substituídos por outros
que ampliaram sua esfera de proteção.
Antes desta reforma legal de 2009, tais crimes eram nominados crimes contra
os costumes. Nos crimes de violar a intimidade sexual de alguém, que podem trazer
traumas para toda uma vida toda, o bem protegido era o “costume”, ou seja, a maneira
de agir da sociedade em uma determinada época e não a liberdade e dignidade sexual
da vítima que fora violada, ferida, desalmada.
Também foi incluída como violência sexual a gravidez forçada, o matrimônio
forçado, o aborto forçado. Igualmente, o induzimento ou qualquer tipo de exploração
sexual, qualquer ato que limite ou anule os direitos à liberdade sexual ou reprodutivos
(como os casos de esterilizações forçadas).
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou nota técnica sobre Violência
Contra as Mulheres em 20218:
“O ano de 2021 marca a retomada do crescimento de registros de estupros e
estupros de vulnerável contra meninas e mulheres no Brasil, que
apresentaram redução após a chegada da pandemia de Covid-19 no país.
Foram registrados 56.098 boletins de ocorrência de estupros, incluindo
vulneráveis, apenas do gênero feminino. Isso significa dizer que, no ano
passado, uma menina ou mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos,
considerando apenas os casos que chegaram até as autoridades policiais.”

Nesse cenário, precisamos atuar veementemente na proteção de mulheres,


meninas e adolescentes vítimas de crimes contra a dignidade sexual, pois o não
registro de tais crimes, a subnotificação (cifras negras) e a não apuração dos fatos é
fator que não contribui para a manutenção da ordem atual, não mais aceitável.

Para complementar seus conhecimentos acesse a publicação


do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: violencia-contra-mulher-
2021-v5.pdf (forumseguranca.org.br)

8
FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PUBLICA. Violência contra mulheres em 2021. 2022.
Disponível em: <violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf (forumseguranca.org.br) >. Acesso em: 14, mai.
2022.

39
3.4 Violência patrimonial

Figura 7 - Violência patrimonial

Fonte: Jusbrasil, 2019.

A violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure


retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer as necessidades do agressor.

O dispositivo da lei visa à proteção dos bens patrimoniais das mulheres.


Engloba os crimes patrimoniais propriamente ditos, tais como furto, apropriação
indébita, estelionato, dentre outros, previstos no Código Penal Brasileiro.
Também inclui os atos de dano e destruição de objetos pessoais, que, às vezes,
não tem valor econômico, mas sentimental.

- Violência patrimonial contra idosa

A realidade nos mostra que a mulher idosa, no momento de sua vida em que
deveria descansar, sendo cuidada pelos familiares e estar cuidando de si mesma, não

40
raro, com seus parcos rendimentos sustenta toda sua família e é vítima dos mais
diversos tipos de violência, como ofensas morais, ameaças, agressões físicas e a
apropriação de seu patrimônio.

Deparamo-nos com muitas situações em que os proventos das idosas são


utilizados por seus familiares para interesses pessoais, enquanto a idosa é
negligenciada em seus cuidados básicos. É comum, nesses casos, a vítima proteger
seus algozes e, por isso, a intervenção necessária é complexa, sendo importante a
atuação em rede, muito cuidadosa, para se ter sucesso.

- Estelionato sentimental ou amoroso

O estelionato sentimental ou amoroso é uma classificação doutrinária de uma


modalidade de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal.
Nessa modalidade, o autor se vale da confiança conquistada em um suposto
relacionamento amoroso, para obter vantagem econômica, financeira e patrimonial às
custas da vítima. A vítima acredita estar vivenciando uma história de amor, que não
é verdadeira.
No geral o perfil das vítimas são mulheres carentes emocionalmente, que
transparecem o desejo de ter uma companhia. Os criminosos costumam procurar
mulheres de meia idade, que têm recursos financeiros, independência e
disponibilidade afetiva.
Embora se dê, comumente, em relações pela internet, não é somente nesse
contexto que esse crime ocorre, podendo haver também em relacionamentos com
encontros presenciais.
O resultado, muitas vezes, é devastador, pois a vítima pode ter todo o seu
patrimônio dilapidado. Quando a vítima não tem patrimônio, ele a convence a fazer
empréstimos e lhe entregar o dinheiro e desaparece, deixando a dívida com a vítima.
Durante investigações policiais, já foram descobertas organizações criminosas
que procuram as vítimas em redes sociais. Essas organizações, muitas vezes,
praticam esse crime estando fora do Brasil, para dificultar ou impossibilitar as
investigações no âmbito nacional e a recuperação dos prejuízos causados.
O autor é sempre muito convincente, conquistador e direciona os atos das
vítimas para os seus interesses particulares. Uma das artimanhas é criar histórias
envolventes para justificar os pedidos de dinheiro ou compras com o cartão de crédito
da vítima. Os depósitos, em geral, são em contas de terceiros ou para o exterior.

41
Um sinal de alerta para identificar esse golpe é quando o homem coloca
dificuldades para realizar videochamadas, sempre inventando uma desculpa.
A vítima procura ajuda quando já está em uma situação financeira difícil,
quando perdeu parte ou todo o seu patrimônio ou está com dívidas insolúveis. Diante
desse cenário, os danos psicológicos são imensuráveis.

Leia a notícia de estelionato sentimental aplicado por


organizações criminosas através do link:
https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/04/4919658-
nigerianos-sao-suspeitos-de-aplicar-o-golpe-do-amor-on-line.html

3.5 Violência moral

A violência moral é entendida como qualquer conduta que configure


calúnia, difamação ou injúria.

A injúria (artigo 140, caput, do CP) é ofender a honra subjetiva, sendo o


exemplo clássico as ofensas morais e os xingamentos.
Calúnia é imputar à vítima fato definido como crime, que se sabe não
verdadeiro. Exemplo: falar que a mulher furtou um aparelho celular, que ela comete
maus tratos contra o filho em comum.
A difamação é ofender a honra objetiva da mulher; é imputar fato ofensivo à
honra da vítima; desmoralizá-la socialmente, contando a terceiros fatos ofensivos à
sua reputação. Exemplo: divulgar nas redes sociais que a mulher não cuida direito
dos filhos e que teve um amante durante um casamento. Não interessa se o fato é
verdadeiro ou não, a intenção é a desmoralização social.

3.6. Violência institucional

Infelizmente, a mulher, a menina, a adolescente e a idosa, além de serem


vítimas dos mais diversos crimes, seja no ambiente privado ou público, quando
procuram ajuda nos órgãos públicos que deveriam assisti-la, não encontram o
atendimento devido.
O atendimento a ser realizado precisa ser feito com acolhimento, sem
preconceito, proporcionando conforto e o mínimo dano, pois, quando a vítima procura

42
a rede de enfrentamento para pedir ajuda, ela terá que contar a história que vivenciou,
que nunca gostaria que tivesse ocorrido, ou seja, o acolhimento deve buscar ao
máximo evitar a revitimização.
Os profissionais de segurança pública, da rede de enfrentamento e que atuam
no sistema de justiça, como um todo, necessitam de capacitação constante para
compreender o fenômeno e a complexidade da violência de gênero e estarem
preparados para, de fato, realizar uma oitiva empática, sem julgamentos e estarem
predispostos para essa função de ajudar a mulher a romper o ciclo da violência.
A capacitação e a adoção de protocolos de atendimento são muito importantes,
pois traz a uniformidade de atendimento em determinadas circunstâncias e segurança
para o profissional, fluidez e eficiência ao trabalho.
Pode-se citar o caso midiático da jovem Mariana Ferrer, vítima de possível
estupro, a qual foi humilhada, durante audiência de instrução e julgamento pelo
advogado de defesa, sem que houvesse qualquer interferência do Ministério Público
ou do Poder Judiciário para resguardá-la.
Nesse cenário, foi promulgada a Lei nº 14.245/2021, criada para coibir a prática
de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas. Referido dispositivo legal
alterou o Código de Processo Penal, que passou a proibir durante audiências
questionamentos e manifestações sobre circunstâncias ou elementos alheios aos
fatos objeto de apuração no processo e a utilização de linguagem, de informações ou
de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

Para ampliar seus conhecimentos, estude a Lei nº 14.245/2021


através do link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2021/lei/L14245.htm

Com vistas à coibição da violência institucional, o legislador, ainda, previu o


crime específico de violência institucional na Lei de Abuso de Autoridade.

Violência Institucional
Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes
violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a
leve a reviver, sem estrita necessidade:
I - a situação de violência; ou
II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou
estigmatização:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes
violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3
(dois terços).

43
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando
indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro.

4. O ciclo da violência

4.1 Fases do ciclo da violência


São consideradas fases do ciclo da violência, conforme pode ser observada na
Figura 8: Fase 1: Evolução de tensão; Fase 2: Explosão (incidente de agressão) e
Fase 3: Lua de mel (comportamento gentil e amoroso).

Figura 8 - Fases do ciclo da violência

Fonte: Ministério Público de São Paulo, 2022.

Fase 1 – Evolução da Tensão

A primeira fase é marcada pelo aumento da tensão, quando acontece a


mudança de comportamento do autor da agressão.

44
Ocorre a transformação daquele homem que a mulher escolheu para ser seu
companheiro para a vida. Antes carinhoso, atencioso e prestativo, ele passa a ser
crítico, controlador e apresentar atos de violência, ainda que implícitos.
É nesse momento que se iniciam as agressões invisíveis, de difícil
identificação, pois não deixam vestígios. Cita-se como exemplos, quando a mulher é
extremamente controlada pelo seu namorado, que não a deixa ir sozinha à academia,
ter vida social com amigos, participar de redes sociais; usar determinadas roupas por
julgá-las inadequadas.
Muitas vezes o autor justifica seus atos de “controle” como cuidado, zelo, amor,
mas, na verdade, é o início de uma vida sem liberdade, de desrespeito, que culminará
em atos mais gravosos no futuro.
É nessa fase que surgem as violências psicológicas e morais, em que as
mulheres suportam humilhações das mais diversas ordens, que diminuem sua
autoestima e as fazem adoecer.

Fase 2 – Explosão

É o momento mais extremo do ciclo. Na fase de explosão o autor pratica atos


que se tornam insuportáveis para vítima, que a farão buscar ajuda na rede de apoio.
Esse ato pode ser uma agressão física ou sexual ou outro ato de violência que
se torne insuportável para a mulher, que a faça pedir socorro aos amigos, familiares
ou à polícia, para o registro da ocorrência policial ou outro órgão vinculado à Rede de
Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Nessa fase, a vítima toma a decisão de não querer mais viver naquele
relacionamento; pois quer viver sem violência. Está certa de que esse é o caminho e
toma uma atitude no sentido de tentar mudar a sua realidade.

Fase 3 – Lua de Mel

Na fase conhecida como Lua de Mel, a mulher vítima está decidida e se


movimentando para mudar a realidade, que, muitas vezes, significa tirar o agressor
de sua vida.
O abusador, então, passa a demonstrar arrependimento pelos atos praticados,
por mais violentos e devastadores que tenham sido. Passa a apresentar o
comportamento conquistador do início do relacionamento, de docilidade e

45
amorosidade; compra presentes; faz promessas de mudanças, que, provavelmente
nunca vão ocorrer se não houver um investimento verdadeiro nesse sentido.
A mulher revive os momentos de alegria com o abusador e acredita que ele irá
mudar.
Especialistas também chamam esse ciclo de “calmaria” e, por vezes, é nessa
fase que podem ocorrer as renúncias junto ao Poder Judiciário das representações
criminais já oferecidas anteriormente.
No entanto, algum tempo depois, por não ter ocorrido mudança e intervenção
substancial naquela relação, os atos de violência se repetem, saindo da lua de mel e
voltando para a fase de tensão, em um movimento cíclico.
Por isso, é comum, nas delegacias de polícia, ser verificado o registro de várias
ocorrências policiais envolvendo as mesmas partes, no mesmo contexto de violência.
Nesse ponto, é importante lembrar que a renúncia formal somente pode ser
convalidada na Justiça (artigo 16 da Lei nº 11.340/2006).
Assim, a partir da compreensão desses fenômenos, é tão importante a
capacitação de todos os profissionais que atuam na Rede de Enfrentamento de
Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, para se evitar o pré-julgamento
da mulher nessas condições e não a revitimizar. Deve-se saber ouvi-la com empatia
e ajudá-la naquilo que estiver ao alcance dos profissionais de segurança pública.

4.2. Fatores que contribuem para o ciclo da violência

A mulher, diante do contexto social, cultural e histórico já estudado, ainda tem


dificuldade de compreender que é detentora de direitos individuais, de lidar com a sua
liberdade, lutar por ela, se enxergar como um alguém que tem direitos iguais e pode
exercê-los nessa igualdade.

Os direitos individuais são estabelecidos constitucionalmente, podendo e


devendo ser exigido o seu cumprimento, no entanto, verifica-se que a
transgeracionalidade imperativa do masculino sobre o feminino dificulta a
concretização deles.

As dependências da mulher com relação ao homem são situações de


aprisionamento que dificultam a compreensão e são fatores impeditivos para que a
mulher saia do ciclo da violência.

46
Os fatores a seguir apresentados podem ser a motivação única ou conjugada
com vários outros para justificar ou impedir o rompimento do ciclo.

- Dependência emocional: fator psicológico que gera vínculo de dependência


e necessidade da presença do autor da agressão. A mulher se sente culpada pelas
ações agressivas do autor. Ela inverte os papéis e se responsabiliza pelas ações do
outro.

Exemplos:

1. A mulher apanhou do marido, mas ela não tinha feito a comida no horário
certo, não tinha limpado a casa. Era o papel de esposa fazer. A vítima justifica a
agressão, por não ter feito as tarefas domésticas.

2. O agressor chega em casa embriagado, agressivo, xinga e empurra a


mulher. A vítima justifica “Eu provoquei também, briguei com ele, questionei por que
ele chegou tarde em casa. Quando ele não ingere bebidas alcoólicas, é uma pessoa
maravilhosa.” A mulher vítima aceita essa justificativa, interioriza e se culpabiliza pela
violência.

Muitas mulheres têm dificuldade de recomeçar, de interromper um ciclo e iniciar


outro. O agressor tem domínio sobre as ações da mulher, desde as mais simples até
as mais complexas. Muitas têm dificuldades de escolher o próprio caminho, pois,
talvez, nunca tenham feito isso, e a busca pela liberdade é algo que precisa ser
superada, se necessário, com ajuda de profissionais capacitados.

Para ajudar a vítima a resolver questões que envolvam a dependência


emocional, é importante a articulação e a disponibilização de serviços de psicologia e
assistência social na Rede de Enfrentamento.

- Dependência econômica: Muitas mulheres não têm autonomia financeira e


condições materiais mínimas para viver sozinha e/ou com seus filhos, e
consequentemente, dependem financeiramente do parceiro. Esse fato dificulta que a
mulher saia do ciclo da violência.

A ausência de profissionalização para o mercado de trabalho potencializa a


dependência econômica. A mulher, muitas vezes, foi preparada apenas para cuidar
da casa e dos filhos e fez isso a vida toda.

Figura 9 - Dependência econômica

47
Fonte: Dimitri Soares, 2014.

- Falta de rede de apoio: o distanciamento da família e dos amigos faz com a


mulher não se sinta segura para sair de um relacionamento por falta de apoio e acaba
se tornando prisioneira do relacionamento abusivo.

- Filhos menores e/ou adolescentes: não podemos ignorar que o autor da


agressão é, muitas das vezes, o pai dos filhos da vítima. Pode ser muito difícil para
ela romper a relação violenta, pois ela não tem condições de educar os filhos sozinha,
por falta de condições emocionais, financeiras, rede de apoio, tempo para todas as
tarefas diárias.

- Baixa autoestima: dificuldade de se ver como uma pessoa que mereça ser
amada e que tem valor. Ela está intimamente relacionado com a dependência
emocional, sendo, em muitos casos, resultado de uma relação violenta marcada pela
violência psicológica.

- Medo do novo: medo de encarar uma vida nova é um dos obstáculos que
precisa ser vencido para a mulher retomar sua identidade e se reencontrar com sua
essência. É uma das facetas da dependência emocional, que precisa ser trabalhada
internamente.

Além dos principais fatores citados, muitos outros justificam e mantêm as


mulheres vítimas aprisionadas no ciclo da violência. Romper o ciclo não significa que
todas as mulheres devam se separar de seus parceiros, mas que o respeito deve ser
exigido e cultivado nas relações afetivas e em qualquer relação familiar, seja qual a
for a orientação sexual. Lembramos que, quando uma mulher sofre violência
doméstica, seus filhos também sofrem. Todos sofrem.
48
É importante lembrar que é responsabilidade de TODOS o enfrentamento da
violência doméstica e familiar contra a mulher, pois a Lei Maria da Penha, em seu
artigo 3º, §2º, assim dispõe: “Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as
condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.”

E os direitos enunciados:

“Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo


dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação,
à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao
trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e comunitária.”

Todos esses direitos juntos, se respeitados, significam uma vida sem violência.

Finalizando

Neste módulo, você aprendeu que:


• a violência contra as mulheres é um tema complexo e, em defesa
dos direitos das mulheres, houve uma evolução legislativa para proteção deles.
Neste tópico você estudou uma breve apresentação da Lei Maria da Penha,
principal instrumento legal de proteção às mulheres, meninas, adolescentes em
situação de violência doméstica e familiar, e as hipóteses de sua aplicação.
• em continuidade, você aprendeu os tipos de violência previstos
no artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, com a ressalva de que os conceitos
apresentados na referida lei também são utilizados para a compreensão das
demais infrações penais e violências praticadas em circunstâncias em que não
é aplicada a Lei Maria da Penha. Você também estudou, em destaque, as
recentes previsões legais dos crimes de perseguição, violência psicológica e
institucional.
• foi abordado que o ciclo da violência é um fenômeno complexo,
composto por três fases distintas, e que a mulher vítima pode permanecer
aprisionada em um relacionamento abusivo por muitos anos. Além disso,
existem fatores, e que existem fatores que individualmente ou
concomitantemente contribuem para a permanência da vítima nesse ciclo.
• por fim, estudou que a violência contra as mulheres é uma
violação dos direitos humanos e que é responsabilidade de todos participar do

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enfrentamento da violência contra às mulheres, meninas, adolescentes e
idosas.

50
Módulo 3 - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER E OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO

Apresentação do módulo
Agora que você já estudou sobre o que é gênero e em que consiste a violência
de gênero, além de ter sido apresentado à Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha,
vamos nos aprofundar um pouco sobre um poderoso mecanismo de proteção às
mulheres vítimas de violência doméstica e familiar: as medidas protetivas de urgência.

Esse instrumento de proteção foi uma importante inovação em nosso


ordenamento jurídico. Mas, para que ele, de fato, proteja a vítima em
sua plenitude, é importante que os agentes que trabalham na rede de
atendimento à violência, conheçam em profundidade as medidas
protetivas de urgência e utilizem todas as possibilidades da
decretação delas.

Objetivos do módulo
Este módulo tem por objetivos, no que refere às medidas protetivas de
urgência:

• Apresentar as previsões legais trazidas pela Lei Maria da Penha;


• Aprofundar o estudo com considerações críticas e da prática
cotidiana no que toca às medidas protetivas de urgência;
• Informar sobre as inovações legais, a fim de que se tenha maior
efetividade e eficiência, tais como o Formulário Nacional de Avaliação de Risco,
o Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência, dentre outros;
• Analisar as possibilidades jurídicas decorrentes do
descumprimento, para se ter maior efetividade na adoção das providências
cabíveis.

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Estrutura do módulo

Este módulo compreende as seguintes aulas:

Aula 1 - Medidas Protetivas de Urgência;

Aula 2 - Necessidade da devida informação à vítima;

Aula 3 - Do Formulário Nacional de Avaliação de Risco;

Aula 4 - Da possibilidade de afastamento do lar do agressor pela Autoridade


Policial;

Aula 5 - Do Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência;

Aula 6 - Consequências do descumprimento de medida protetiva de urgência.

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1. Medidas Protetivas de Urgência

Como vimos no curso, a Lei Maria da Penha não se aplica para todos os casos
de violência de gênero. Para os que se aplica, ela traz um instrumento poderoso de
proteção: as Medidas Protetivas de Urgência.
Essa lei traz um rol de medidas que podem ser decretadas, em regra, pelo juiz
a pedido da mulher, por intermédio do delegado de polícia, por meio de requerimento
do Ministério Público.
Desde 2019, existe a possibilidade legal de, na ausência de juiz na comarca, a
autoridade determinar o afastamento do agressor do lar, como veremos em mais
detalhes ainda neste módulo.
O afastamento do agressor do lar visa garantir maior efetividade à lei e proteger
a mulher em situação de violência, resguardando sua integridade física e psicológica,
além de proteger seus bens.
A fim de conferir uma proteção plena à vítima, é possível, inclusive, que seus
familiares e testemunhas também sejam abrangidos pelas medidas protetivas.

Além disso, diante da urgência para que a mulher tenha um


instrumento jurídico de proteção, a lei impõe que o requerimento de
medida protetiva seja encaminhado ao Poder Judiciário no prazo
máximo de 48 horas (conforme inciso Il do artigo 12 da Lei Maria da
Penha).

Esse prazo é impositivo (48h) e deve ser fielmente observado.


Tendo em vista as peculiaridades do Brasil sabe-se que nem todos os
municípios são sede de Comarca ou que, fora do horário ordinário de expediente
forense, o juiz de plantão é sediado em municípios distantes.
Nesses casos, deve-se dar especial atenção para que o prazo legal não seja
extrapolado.
Hoje em dia, com a expansão dos processos judiciais eletrônicos, muitos juízes
ou plantões judiciários já recebem o requerimento de medidas protetivas
eletronicamente, o que é um grande facilitador para a celeridade da tramitação e
contribui para a maior eficiência do sistema de proteção às mulheres.
E, mesmos nas Comarcas onde os processos ainda não tramitam
eletronicamente com sistema próprio, pode ser feito o ajuste direto entre as
Delegacias de Polícia e os Juízos, para que seja disponibilizado meio eletrônico

53
idôneo, tal como e-mail institucional, e os requerimento de medidas protetivas sejam
encaminhados digitalmente, sem ser necessário o deslocamento físico dos policiais
para tanto.

1.1 Em relação ao agressor

O juiz pode aplicar ao agressor as medidas protetivas de urgência, conforme o


disposto no art. 22 da Lei, que traz um rol exemplificativo.
Convém nos aprofundarmos em alguns desses pedidos:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra


a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao
agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas
protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com
comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de
22 de dezembro de 2003;

Quando do atendimento, o policial deve sempre ficar muito atento: assim que
se deparar com situações em que o ofensor possui acesso legal à arma de fogo.
Devemos lembrar que os atos de violência doméstica têm uma progressão em
suas formas, o que é potenciado, muitas vezes, pelo uso abusivo de álcool e drogas.
Um contexto que se inicia com atos de violência moral pode, em pouco tempo, passar
para violência física e chegar a um feminicídio.
Por isso, mesmo nas situações concretas em que não se vislumbra um risco
imediato à vida da vítima, deve ser considerado que, em pouco tempo, aquela situação
pode se agravar e o acesso à arma de fogo facilita que tragédias aconteçam.
Nos casos em que o agressor, em razão de seu ofício (profissionais de
segurança pública, integrantes das Forças Armadas, dentre outros) ou por motivos
particulares, tem acesso a armas de fogo é importante que a vítima seja informada
sobre a possibilidade de ela requerer a suspensão da posse ou restrição do porte, nos
termos do item I do art. 22.
Lembramos que a legislação prevê várias hipóteses para que
particulares tenham acesso legal à arma de fogo, como é o caso dos
Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CAC) ou dos cidadãos em
geral, para a mera posse da arma (Lei nº 10.826/2003).

Assim, quando do atendimento à vítima, ela sempre deve ser questionada se o


ofensor tem acesso à arma de fogo e, caso positivo, ser orientada sobre a

54
possibilidade prevista no inciso II: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência
com a ofendida.
Considere-se que, para ser decidido pelo afastamento do agressor, de seu lar
verifica-se apenas se tal medida é necessária para fazer cessar os atos de violência
contra a mulher, vulnerável naquela relação.
Assim, mesmo que o imóvel onde o casal resida seja de propriedade exclusiva
do agressor ou de terceira pessoa, ainda assim, pode ser determinado o afastamento
do agressor.
Esse afastamento, contudo, tem natureza cautelar e, como tal, é provisório e
não faz com que o agressor perca eventuais direitos cíveis sobre o imóvel.
Assim, no caso de vítima e agressor serem casados ou viver em união estável,
a vítima deve ser orientada a procurar advogado ou a Defensoria Pública, para tomar
as medidas necessárias, com base no Direito de Família.

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:


a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas,
fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer
meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;

A prática nos mostra que as medidas previstas nesse inciso são as mais
comuns de serem deferidas.
Destaca-se que as proibições em questão abrangem não apenas a vítima, mas
também seus familiares e testemunhas dos atos de violência, para que a proteção à
vítima seja realmente efetiva.
Em relação à proibição de contato, ela inclui também os meios digitais, como
mensagens por redes sociais, e-mails ou quaisquer outros meios.
A proibição delineada no item “c” se aplica, por exemplo, às situações em que
a vítima e o agressor frequentem, ordinariamente, algum lugar em comum, como
clubes, Igrejas, faculdade. Assim, nesses casos, é importante que, no requerimento,
seja especificado o lugar (nome e endereço) que se pretende que o agressor seja
proibido de frequentar.

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a


equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

55
O inciso IV visa preservar a vida e integridade física e psicológica tanto dos
dependentes menores, quanto da vítima, quando elas estão colocadas em risco pelas
visitas do agressor.
De modo similar, o inciso V visa dar amparo material à vítima de violência
doméstica, em especial quando existe a situação de dependência econômica.
Contudo, por tais medidas terem natureza cautelar e provisória, a vítima deve
ser orientada a procurar advogado ou a Defensoria Pública, para tomar as medidas
cíveis necessárias quanto à guarda dos filhos, pensão alimentícia e demais direitos
cíveis, conforme o caso.

VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e


reeducação;
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento
individual e/ou em grupo de apoio.

Essas hipóteses visam conscientizar o agressor acerca violência doméstica e,


a partir disso, diminuir a reincidência e romper com o ciclo de violência.
Contudo, sabemos que, na prática, existem poucos programas à disposição
que oferecem esse atendimento.
Nesse sentido, destacamos a importância de iniciativas do próprio Poder
Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas, outros órgãos público e da própria
sociedade civil organizada, na criação de grupos reflexivos para autores de violência
doméstica.

1.2 Em relação à mulher e a seu patrimônio

Em relação à mulher, o juiz poderá, segundo o art. 23 da Lei:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou


comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos
direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição
de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência
deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga.

Destacamos que a vítima de violência doméstica que, para se proteger, deixa


o lar conjugal não pode sofrer qualquer prejuízo tipo de prejuízo, no que toca a seus
direitos cíveis.

56
Para a proteção patrimonial da vítima, tenham sido eles adquiridos na
constância na sociedade conjugal ou particulares da ofendida, a Lei nº 11.340/2006
também prevê a possibilidade de se requerer algumas medidas:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à


ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos
de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo
expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao
agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial,
por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a ofendida.

1.3 Outras Medidas Protetivas possíveis

Deve-se destacar que o rol de medidas trazidas pela Lei Maria da Penha não é
taxativo, mas exemplificativo. Ou seja, não existe restrição aos representantes legais
ou do próprio Ministério Público em solicitar e nem mesmo ao juiz em conceder
somente as medidas elencadas na lei.
A partir de avaliações, pode-se adotar outras medidas como forma de
assegurar a eficiência daquelas previstas expressamente pelo legislador.

Nesse sentido, destacamos o projeto VIVA FLOR, programa da


Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal em parceria com
outros órgãos, que consiste em um sistema de segurança preventiva
para mulheres que estejam em risco extremo.

As mulheres abrangidas no programa recebem um dispositivo eletrônico,


similar a um smartphone, que lhe possibilita fazer ligações para números pré-
cadastrados, enviar mensagens de texto prontas, gravar imagens, vídeos e som
ambiente, que podem ser usados como prova em juízo.
Em situações de emergência, com apenas um clique, a vítima aciona a Polícia
Militar e é atendida com absoluta prioridade, tendo sua localização rastreada em
tempo real.

57
2. Necessidade da devida informação à vítima

Como se viu, a Lei nº 11.340/2006 traz um rol extenso de medidas


que podem ser decretadas, liminarmente, para proteção das mulheres
em situação de violência doméstica e/ou familiar.

Contudo, de nada adianta a Lei conferir tantas formas de proteções à vítima,


se ela não tiver conhecimento de cada um desses direitos.
Por isso, é muito importante que o policial, ao atender a vítima, lhe explique em
que consiste a medida protetiva, para que serve cada uma dessas proteções, para
que, assim, a vítima tenha condições de saber quais dessas medidas tem interesse
em requerer ao Juízo.
Reforço que é a própria vítima que faz o requerimento de medida protetiva de
urgência e não a Autoridade Policial, que apenas encaminha o termo ao juízo. Assim,
é a vítima que deve ser devidamente esclarecida durante seu atendimento sobre as
várias possibilidades de proteção, para que ela tenha condições de decidir quais
pedidos ela tem interesse.
Nesse atendimento, a vítima deve ser orientada também, especialmente, sobre
como proceder caso haja o descumprimento da medida protetiva ou como ela deverá
proceder caso ela já não mais tenha interesse na proteção.
Na prática policial, é muito comum nos depararmos com situações de mulheres
que dizem que “as medidas protetivas não servem para nada”, pois sabem de
situações em que houve o seu descumprimento e, segundo elas, “nada aconteceu”.
O que ocorre é que, em muitos casos, quando há o descumprimento da medida
protetiva, a ofendida não comunica essa situação à polícia. E, muitas vezes, isso se
dá por desinformação.
Assim, sempre que a vítima requerer a medida protetiva de urgência, ela deve
ser devidamente orientada a, caso ela seja decretada e descumprida, procurar a
Polícia para comunicar esse fato, para que as providências possam ser tomadas pela
Autoridade Policial de modo a resguardar a efetiva segurança dessa mulher.
Por fim, a vítima também deve ser esclarecida sobre o que deve fazer, caso já
não mais tenha interesse na proteção conferida pela medida protetiva vigente.
Em razão do ciclo da violência, é comum a vítima se reconciliar com o agressor
e voltarem a morar juntos. Nesses casos, não faz sentido estar vigente, por exemplo,

58
uma decisão judicial que determine que o autor não se aproxime fisicamente da
ofendida ou que não mantenha qualquer tipo de contato com ela.
E, ainda, essas situações contribuem para que, na percepção dos envolvidos,
a medida protetiva “não sirva para nada”.
Por isso, a vítima também deve ser cuidadosamente orientada em seu
atendimento sobre o ciclo da violência e que, mesmo assim, caso, por alguma
circunstância ela não tenha mais interesse na proteção, ela deve procurar o Poder
Judiciário e pedir a revogação das medidas. E, ainda, que, caso ela volte a sofrer
qualquer violência, ela poderá procurar novamente a Polícia e formular novo pedido
de medida protetiva de urgência.

3. Do Formulário Nacional de Avaliação de Risco

Para decidir acerca do requerimento de Medidas Protetivas de Urgência, o Juiz


considera as provas que já tenham sido produzidas.
Assim, como esse requerimento, em regra, é feito no primeiro atendimento à
vítima, não é raro que a única prova que se tenha, naquele momento, sejam as
declarações da ofendida.
Assim, para que o julgador tenha maiores elementos para verificar a
gravidade da situação de risco dessa vítima, em 2020, o Conselho
Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público
instituíram o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, o qual se
tornou de aplicação obrigatória em 05.05.2021, com a Lei Federal nº
14.149.

O Formulário visa colher maiores detalhes acerca das situações de violência,


de circunstâncias que a potencializem e de indícios de maior vulnerabilidade da vítima,
a fim de subsidiar a atuação dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público,
do Poder Judiciário e da rede de proteção para gerenciar o risco do aumento das
agressões.
Ele é composto de duas partes. A primeira parte possui 27 perguntas objetivas,
que deve ser preenchido pela vítima, e a segunda parte, de natureza subjetiva, deve
ser preenchido por profissional capacitado.
O Formulário deve ser aplicado pela Polícia Civil, no momento do registro da
Ocorrência.

59
Clique aqui para acessar o Formulário e a Resolução Conjunta nº 5
do CNJ:
https://atos.cnj.jus.br/files/original215815202003045e6024773b7dc.pdf

4. Da possibilidade de afastamento do agressor do lar pela


Autoridade Policial

Em 13 de maio de 2019, foi incluído o art. 12-C à Lei Maria da Penha que
possibilitou o imediato afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de
convivência com a ofendida por outras autoridades, que não apenas a judicial.
Isso se dá quando houver risco atual ou iminente à vida ou à integridade física
ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus
dependentes, e o local não for sede de comarca.
Nesse caso, a atribuição para determinar o afastamento será do Delegado de
Polícia. Caso também não haja Delegado disponível, qualquer policial poderá fazê-lo.
Na hipótese abordada, o Juiz deverá ser comunicado em 24 horas sobre o
afastamento do agressor e decidirá sobre a manutenção ou revogação da medida.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 6138, de 23.03.2022, decidiu pela constitucionalidade dessa
previsão legal.
Segundo dados consolidados pelo Conselho Nacional de Justiça,
desde a vigência da lei (maio de 2019) até abril de 2022, em todo o
Brasil, houve a homologação pelo Poder Judiciário de 434
afastamentos dos agressores de seus lares determinados por
Autoridade Policial.

5. Do Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência

Uma das dificuldades que os profissionais de segurança pública se deparam é


no tocante à verificação da vigência ou não de medidas protetivas de urgência em
favor da vítima.
É de grande importância que os profissionais de segurança pública tenham fácil
e rápido acesso a essa informação, até mesmo porque ela é imprescindível para que

60
decisões urgentes sejam tomadas, como, por exemplo, a prisão em flagrante do
ofensor, a representação por sua prisão preventiva ou por outra medida cautelar.
Para resolver essa questão, o art. 38-A da Lei Maria da Penha previu o registro
das medidas protetivas em banco de dados.
Assim, o Conselho Nacional de Justiça instituiu o Banco Nacional de Medidas
Penais e Prisões (BNMP 3.0), que consiste em um sistema eletrônico de consulta
pública, em que, dentre outros documentos, serão cadastrados mandados de medidas
protetivas e de revogação.
O BNMP 3.0 está ainda em fase de implantação e será essencial para fins de
fiscalização, acompanhamento e efetividade pelos órgãos de segurança pública e da
rede de proteção.
Ainda sobre a temática, destacamos o Painel de Monitoramento das Medidas
Protetivas de Urgência, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, que apresenta
dados estatísticos referentes às decisões de medidas protetivas de todo o Brasil, por
cada Tribunal.
Tais dados são importantes para analisarmos a realidade social de cada
unidade da federação e planejarmos políticas públicas de combate à violência
doméstica.
Acesse o Painel de Monitoramento das Medidas Protetivas de
Urgência, do Conselho Nacional de Justiça - https://medida-
protetiva.cnj.jus.br/s/violencia-domestica/app/dashboards#/view/5ff5ddea-
55e6-42a6-83fa-710d40507c3f?_g=h@2463b39
Leia a Resolução nº 417 de 20/09/2021, do Conselho Nacional de
Justiça, que instituiu o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões
(BNMP 3.0):
https://atos.cnj.jus.br/files/original15570020210921614a00ccb7cfb.pdf

6. Consequências do descumprimento de medida protetiva de


urgência

O descumprimento das medidas protetivas de urgência traz diversas


consequências jurídicas.
A primeira delas é que constitui crime autônomo, previsto no art. 24-A da Lei
Maria da Penha.

61
Assim, caso o agressor desobedeça à ordem imposta, ele poderá ser preso em
flagrante e, em tal hipótese, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.
Outra consequência é a possibilidade de imposição de medidas cautelares
diversas de prisão, em especial, a monitoração eletrônica do agressor, a qual tem se
mostrado bastante eficiente para assegurar o distanciamento entre agressor e
ofendida.
Sobre o assunto, citamos o programa Dispositivo de Monitoramento
de Pessoas Protegidas (DMPP), da Secretaria de Segurança Pública
do Distrito Federal. Nele, agressores e vítimas são monitorados
diariamente, 24 horas por dia, por tecnologia de georreferenciamento;
os agressores, por meio de tornozeleira eletrônica e as vítimas, por
um dispositivo de segurança que recebem.

O programa monitora, assim, se o agressor está adentrando zonas de exclusão


ou se aproximando fisicamente da vítima, considerando a localização instantânea
dela. Caso isso seja detectado, o agressor é alertado, via SMS ou ligação, a deixar o
espaço e, caso descumpra, a viatura policial mais próxima é imediatamente acionada.
O mesmo ocorre se a vítima, em caso de emergência, acionar o dispositivo.
Por fim, o descumprimento das medidas também enseja a decretação da prisão
preventiva do agressor, nos termos do art. 312 e seguintes, do Código de Processo
Penal.
Essas consequências demonstram que o nosso ordenamento jurídico prevê
diversos meios para fazer com que as medidas protetivas sejam efetivas, e a vítima
tenha sua integridade física e psicológica resguardada.
Mas, para tanto, é fundamental que a vítima seja orientada a procurar a polícia
para comunicar o descumprimento da medida.
Os policiais que a atendem, em tais casos, deve considerar que está diante de
uma situação de risco mais elevado e tomar as providências para que medidas de
proteção mais drásticas sejam efetivadas, como as listadas acima, de modo a evitar
a escalada criminosa e, até mesmo, o feminicídio.

Finalizando

62
Neste módulo, você aprendeu que:

• A Lei Maria da Penha traz um rol exemplificativo com várias


medidas que podem ser judicialmente decretadas para proteger a mulher vítima
de violência doméstica;
• As medidas protetivas de urgência, determinadas judicialmente,
podem trazer ações relacionadas ao agressor ou à própria vítima;
• É necessário que a vítima seja devidamente orientada sobre seus
direitos, sobre em que consiste as medidas protetivas de urgência e como deve
proceder, no caso de haver seu descumprimento, para que sua segurança seja
resguardada;
• Conhecer o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, instituído
pelo Conselho Nacional de Justiça e, hoje, de aplicação obrigatória, por força
de lei, que deve ser preenchido por todas as mulheres quando fazem o
requerimento por medidas protetivas de urgência;
• Conhecer o Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência;
• Saber quais consequências jurídicas decorrentes do
descumprimento das medidas protetivas de urgências e quais medidas devem
ser adotadas pelos atores que compõem a rede de atendimento à mulher vítima
de violência nesses casos, para proteger a vítima.

63
Módulo 4 - O PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO
FEMINICÍDIO. REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.

Apresentação do módulo

Diante da necessidade pungente de se adotar ações governamentais


para se enfrentar a violência contra as mulheres, em dezembro de
2020, foi instituído, pelo Executivo Federal, o Plano Nacional de
Enfrentamento ao Feminicídio. Nas próximas páginas, você para que
o plano criado e conhecerá suas linhas gerais.

Nesse cenário, de necessidade de ações de toda a sociedade para mudar a


situação de violência de gênero, você conhecerá as redes de enfrentamento e de
atendimento à violência doméstica e familiar contra a mulher, as quais se propõem a
trazer medidas articuladas e interdisciplinares, para assistir a mulher vítima de
violência.

E, para que o atendimento dos órgãos públicos possa, efetivamente,


transformar a realidade da mulher vítima de violência e lhe apresentar uma nova
possibilidade de vida, é imprescindível que cada órgão tenha protocolos de
atendimento, para que os agentes públicos saibam como atendê-la e quais serviços
lhe colocar à disposição. Nesse sentido, é importante a capacitação dos servidores
públicos que atuam na área da segurança pública para que estejam atualizados
acerca dos protocolos exigidos.

Objetivos do módulo

Este módulo tem por objetivos:

• Apresentar, em linhas gerais, o Plano Nacional de Enfrentamento


ao Feminicídio, tais como seus objetivos, diretrizes e princípios.
• Apresentar o conceito de redes de atendimento e de
enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, discriminando
a que se destina e quais órgãos que as compõem.

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• Fazer com que o aluno saiba identificar o seu papel de órgão
público na rede de atendimento à violência doméstica e familiar contra a
mulher.
• Refletir sobre a importância e necessidade de se adotar
protocolos padronizados de atendimento à mulher em situação de violência,
bem como de se capacitar os agentes públicos para atuar em observância a
esses protocolos.

Estrutura do módulo

Este módulo compreende as seguintes aulas:

Aula 1 - Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio

Aula 2 - Redes de atendimento e enfrentamento à violência doméstica e


familiar contra a mulher;

Aula 3 - A importância da capacitação dos profissionais que compõem a rede


de atendimento e enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.

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1. Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio

No ano de 2019, 3.737 mulheres foram mortas no Brasil, segundo o Atlas da


Violência 2021.

Figura 10: Taxa de homicídios por 100 mil mulheres nas unidades da federação (2019)

Fonte: Atlas da Violência, 2021.

Pelo gráfico acima, percebemos a grande diferença da quantidade de mortes


em cada estado. Assim, é importante que as peculiaridades e realidades sociais de
cada unidade federativa sejam consideradas quando da elaboração de políticas
públicas para combater a morte por feminicídio.

A fim de garantir os direitos e a assistência às mulheres e a seus


familiares em situação de violência, bem como a prevenir o
feminicídio, foi instituído pelo Governo Federal, com a publicação do
Decreto Federal nº 10.906, de 20 de dezembro de 2021, o Plano
Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, com previsão de
vigência até 31.12.2023.

O feminicídio é a última e mais drástica violência contra a mulher. Para reprimi-


lo, é imprescindível ações voltadas ao combate à violência contra a mulher em todas
as suas formas, seja moral, psicológica, sexual, patrimonial.

66
Por isso, as medidas previstas no Plano Nacional de Enfrentamento ao
Feminicídio não são voltadas exclusivamente ao fenômeno do feminicídio, mas a
todas as formas de violência contra a mulher.
Esse documento prevê uma série de ações governamentais com os seguintes
objetivos:
- implementar medidas de ampliação, articulação e integração entre os atores
da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres;
- promover ações de conscientização da sociedade sobre a violência contra as
mulheres, produzir e gerir dados sobre o tema;
- fomentar ações de monitoramento de autores de violência contra as mulheres;
- garantir direitos e assistência integral, humanizada e não revitimizadora às
mulheres em situação de violência e às vítimas indiretas de tais crimes.
Nele, são previstas diretrizes a serem seguidas pelas políticas públicas a serem
implementadas, as quais elencamos:
I - o reconhecimento da violência contra as mulheres como um
fenômeno multidimensional e multifacetado relacionado a fatores individuais,
comunitários e socioculturais;

II - o uso de abordagem integrada no enfrentamento à violência


contra as mulheres, a fim de possibilitar-lhes o desenvolvimento de um
projeto de vida autônomo e livre de qualquer tipo de violência;

III - o incentivo à denúncia de todas as formas de violência e ao


ingresso na rede de atendimento às mulheres em situação de violência;

IV - a assistência intersetorial, integrada, humanizada e não


revitimizadora prestada pela rede de atendimento às mulheres em situação
de violência;

V - a construção de modelos de gestão integrados entre a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

VI - a integração com as políticas e os planos que atendem aos


princípios do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio;

VII - a capacitação dos agentes públicos que atuam no enfrentamento


à violência contra as mulheres e

VIII - a existência e a interação de potenciais fatores de agravamento


de situações de violência e vulnerabilidade como raça, etnia, idade, inserção
social, situação econômica e regional, e condição de pessoa com deficiência.

67
Citamos, ainda, os princípios elencados pelo Plano Nacional de Enfrentamento
ao Feminicídio:
Art. 4º São princípios do Plano Nacional de Enfrentamento ao
Feminicídio:
I - primazia dos direitos humanos e reconhecimento da violência
contra as mulheres como violação a esses direitos;
II - assistência integral;
III - atendimento humanizado e não revitimizador;
IV - acesso à justiça;
V - segurança das mulheres;
VI - respeito às mulheres em situação de violência;
VII - confidencialidade;
VIII - cooperação ou abordagem em rede;
IX - interdisciplinaridade;
X - transversalidade; e
XI - transparência.

As diversas ações governamentais previstas no Plano Nacional de


Enfrentamento ao Feminicídio seguem cinco eixos estruturantes: articulação,
prevenção, dados e informações, combate e garantia de direitos e assistência.

Para assegurar a articulação, o monitoramento e a avalição das ações


governamentais previstas no citado plano, foi criado o Comitê Gestor
do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, o qual funciona
no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos.

Esse Comitê, por sua vez, é composto por representantes de diversos órgãos,
como Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, Secretaria Nacional de
Segurança Pública, Secretaria Nacional de Justiça, Secretaria Nacional de
Assistência Social do Ministério da Cidadania, Ministério da Saúde e Ministério da
Educação.
A pluralidade de órgãos representados no Comitê decorre da complexidade do
tema e da necessidade de se adotar medidas transversais e interdisciplinares e a
atuação em rede dos diversos atores que trabalham no combate a esse fenômeno
social.
E o que significa atuação em rede?
É sobre isso que falaremos no próximo tópico.

Para conhecer as ações governamentais previstas, leia a íntegra


do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio. Decreto nº
10.906, de 20 de dezembro de 2021:

68
https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-10.906-de-20-de-
dezembro-de-2021-368988173

2. Redes de atendimento e de enfrentamento à violência doméstica


e familiar contra a mulher

O enfrentamento da violência contra as mulheres exige o envolvimento da


sociedade em seu conjunto: os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), todos
os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os movimentos
sociais e as comunidades. Isso significa construir uma rede, a que chamamos de Rede
de Enfrentamento a Mulher em Situação de Violência: uma ação que reúne
recursos públicos e comunitários em um esforço comum para enfrentar a violência
doméstica e contra a mulher em nosso país.
Por sua vez, a Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência faz
referência ao conjunto de ações e serviços de diferentes setores (em especial, da
assistência social, do sistema de justiça, da segurança pública e da saúde), que visam
à ampliação e à melhoria da qualidade do atendimento, à identificação e ao
encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência e à integralidade
e humanização do atendimento.

Acesse esta série de vídeos produzidos pelo Observatório da Mulher


contra a Violência, vinculado ao Instituto de Pesquisa Data Senado,
do Senado Federal, para conhecer alguns órgãos que compõem a
rede de enfrentamento à violência contra as mulheres:

INTRODUÇÃO https://www.youtube.com/watch?v=-4CEMeskIxI
SEGURANÇA PÚBLICA
https://www.youtube.com/watch?v=t9gXbY9vk1Y
JUSTIÇA https://www.youtube.com/watch?v=UHlQyBdGCgw
SAÚDE https://www.youtube.com/watch?v=qlj_fXhmy7g
ASSISTÊNCIA SOCIAL https://www.youtube.com/watch?v=f-
UCrQweZEo
GESTÃO PÚBLICA https://www.youtube.com/watch?v=fHZetAmxJJE
MONITORAMENTO
https://www.youtube.com/watch?v=KcjhZsPGXBE

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Ilustrando iniciativas da rede de enfrentamento à violência doméstica,
destacamentos a campanha Sinal Vermelho Contra a Violência
Doméstica, lançado em junho de 2020, pela Associação dos
Magistrados Brasileiros em parceria com o Conselho Nacional de
Justiça.

A campanha foi lançada durante a pandemia do Coronavírus (Covid 19), ao se


perceber a necessidade de se ampliar os canais de denúncia para mulheres em
situação de violência doméstica, haja vista as restrições de isolamento e
distanciamento social impostas pela pandemia, que dificultavam o acesso das
mulheres à rede de atendimento à mulher vítima de violência.
Assim, um X desenhado em vermelho na palma da mão da mulher passou a
ser um símbolo não verbal para um pedido de socorro decorrente de violência
doméstica. Estabelecimentos comerciais que aderiram à campanha, tais como
farmácias, foram orientadas a chamar a polícia para atender a mulher, quando
percebessem o pedido de ajuda.
Em 2021, a campanha tornou-se lei (Lei nº 14.188/2021) e repartições públicas
passaram a ser um dos locais onde as mulheres podiam mostrar o sinal em X na
palma da mão e pedir socorro, devendo as providências serem tomadas para viabilizar
assistência e segurança à vítima.

Figura 11 - Campanha Sinal Vermelho

Fonte: Reprodução/Internet.

70
Agora que você já sabe o que é a Rede de Atendimento à Mulher em
Situação de Violência e conheceu vários de seus atores, vamos conhecer mais um
pouco alguns desses órgãos.

- Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs)

As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs são unidades


especializadas da Polícia Civil, voltadas a prestar atendimento e serviço qualificados
de polícia judiciária, às mulheres vítimas de crimes relacionados à violência de gênero.
Assim, investigam crimes cometidos contra as mulheres pelo simples fato de serem
mulheres, tais como feminicídios, violência doméstica e familiar e crimes contra a
dignidade sexual.
É um importante instrumento de política pública voltado à proteção da mulher.
A Lei nº 11.340/2006 destaca a importância das DEAMs, nesse sentido ao prever que
os Estados e o Distrito Federal priorizarão, na formulação de suas políticas públicas,
a criação de DEAM (art. 12-A).
Nas Delegacias Especializadas, é possível que a vítima faça o registro de
ocorrências policiais e, no caso de violência doméstica e/ou familiar contra a mulher,
solicite medidas protetivas de urgência, nos termos da Lei nº 11.340/2006, cujo
requerimento será enviado ao Poder Judiciário em até 48 horas.
As DEAMs realizam a investigação dos crimes de sua atribuição, que
é documentada e materializada no inquérito policial (art. 4º e
seguintes, do Código de Processo Penal), o qual, ao final, é
encaminhado ao Ministério Público e ao Judiciário, com o relatório
final do Delegado de Polícia. A partir de então, com base nos
elementos de convicção que são produzidos no inquérito policial, o
autor poderá ser responsabilizado criminalmente por seus atos
perante a Justiça.

Considerando seu lugar de atendimento especializado, os policiais que atuam


na rede de enfrentamento à violência contra as mulheres devem ter qualificação
diferenciada e receber capacitação continuada – em formato EaD ou presencial – para
poderem atuar frente à complexidade do fenômeno da violência de gênero.
A primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher no Brasil foi
inaugurada em 1985, em São Paulo. Como consequência da política pública de

71
incentivo de criação de novas Delegacias Especializadas, atualmente, existe cerca de
500 DEAMs em todo o Brasil.
Naturalmente, cada estado tem autonomia para disciplinar o funcionamento de
suas delegacias conforme suas peculiaridades e necessidades. Assim, em alguns
Estados, as DEAMs funcionam ininterruptamente, 24 horas por dia, enquanto em
outras unidades, elas funcionam no horário ordinário de expediente.
Em todo caso, é importante que essas delegacias sejam um espaço de
atendimento diferenciado, onde a mulher seja e se sinta acolhida e encorajada a
procurar ajuda da polícia para mudar sua realidade de violência.

PARA REFLETIR!

Existem quantas Delegacias Especializadas de Atendimento à


Mulher no seu estado? E o município? Ele é sede de Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher?

- Delegacias Eletrônicas

Com a expansão e democratização da internet, impõe-se que as polícias civis


se modernizem e ofereçam à população a possibilidade de fazerem o registro de
ocorrência pela rede mundial de computadores.
Há alguns anos, essa possibilidade já era uma realidade em muitos estados,
no que diz respeito, especialmente, ao registro de crimes de menor complexidade,
como os de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/1995) ou de fatos extrapenais,
como extravio de documentos e acidentes de trânsito sem vítima.
Contudo, desde 2020, com a pandemia Covid 19, a sociedade se deparou com
uma realidade muito específica de medidas restritivas, como distanciamento e
isolamento social. Considerando as peculiaridades do fenômeno da violência
doméstica, que ocorre, na maior parte das vezes, na intimidade do lar, se impôs a
necessidade se ampliar os canais à disposição da mulher vítima de violência
doméstica, para registro dos crimes. Assim, as Delegacias Eletrônicas passaram a ser
um importante aliado no combate aos crimes contra a mulher.
Nesse sentido, destacamos o trabalho pioneiro da Polícia Civil do Distrito
Federal, que possibilita que a mulher, pela internet, não apenas registre a ocorrência
para comunicar crime relacionado à violência doméstica, mas também requeira as

72
medidas protetivas de emergência, sem ser necessário o deslocamento a uma
unidade policial.
Pela própria Delegacia Eletrônica, no Distrito Federal, a vítima registra a
ocorrência, assinala as medidas protetivas que tem interesse em requerer e preenche
o Formulário de Avaliação de Risco. A Polícia Civil do Distrito Federal é imediatamente
comunicada desse registro e faz o encaminhamento do requerimento ao Poder
Judiciário, também de maneira online. Se for necessário, a Polícia Civil contata a
vítima, para obter informações complementares que serão úteis à investigação.
Destacamos também a iniciativa do Governo Federal, que, por intermédio do
Ministério da Justiça e Segurança Pública, desenvolveu e disponibilizou plataforma
própria para funcionamento da Delegacia Virtual aos Estados interessados.
Atualmente, os Estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Piauí, Rio
Grande do Norte, Roraima, Sergipe e Tocantins se valem desse serviço.

As Delegacias Virtuais desses estados podem ser acessadas pelo


endereço eletrônico https://delegaciavirtual.sinesp.gov.br/portal/,
onde se pode registrar, inclusive, crimes relacionados à violência
doméstica e/ou familiar contra a mulher.

- Casa da Mulher Brasileira


A Casa da Mulher Brasileira é um projeto do Governo Federal, que, em parceria
com os estados, reúne, em um só lugar, diversos serviços públicos de atendimento
especializado às mulheres em situação de violência. Nela, há serviços de
acolhimento, atendimento psicossocial, alojamento de passagem, e serviços
oferecidos por órgãos públicos, como Polícia Civil, Defensoria Pública, dentre outros.
Também são oferecidos cursos profissionalizantes, para que a mulher seja
capacitada para o mercado de trabalho e consiga meios de alcançar autonomia
financeira.
Busca-se, em um só lugar, disponibilizar um espaço seguro, de atendimento
multidisciplinar e integrado, onde a mulher seja atendida de maneira não fragmentada,
evitando sua revitimização. Assim, visa ao resgate da autoestima e empoderamento
da mulher.
Atualmente, existem unidades da Casa da Mulher Brasileira em Brasília/DF,
Curitiba/PR, São Luís/MA, Campo Grande/MS, Fortaleza/CE, São Paulo/SP e Boa
Vista/RR.

73
- Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180

A Central de Atendimento à Mulher funciona por atendimento


telefônico (número 180) e presta escuta e acolhida qualificadas às
mulheres em situação de violência e qualquer violação de direitos.

O serviço registra as denúncias e presta informações sobre os direitos da


mulher, como o fornecimento dos locais de atendimento mais próximos e apropriados
para cada caso, e as legislações especializadas.
O Ligue 180 registra e encaminha denúncias dos seguintes grupo e subgrupos
de violações de direitos humanos das mulheres: violência doméstica e familiar,
assédio, feminicídio, importunação sexual, tráfico de mulheres, cárcere privado,
violência contra diversidade religiosa, violência no esporte, homicídio, violência
institucional, violência física, violência moral, violência patrimonial, violência policial,
violência psicológica, violência obstétrica, violência sexual, violência virtual, trabalho
escravo, atendimento internacional, violência contra mulheres negras - discriminação
racial ou étnico-racial, violência contra mulheres idosas, violência contra mulheres
lésbicas, bissexuais e transexuais, violência contra mulheres com deficiência,
violência contra mulheres em restrição de liberdade, violência contra mulheres em
situação de rua, violência contra mulheres comunicadoras e jornalistas, violência
contra mulheres imigrantes, emigrantes e refugiadas, violência contra mulheres de
comunidades: das águas, árabes, do campo, ciganas, da floresta, indígenas, judaicas,
quilombolas, rurais, tradicionais entre outras.
Pelo Ligue 180, uma terceira pessoa, que não a própria vítima,
também pode fazer a denúncia, bastando informar os fatos e
elementos mínimos que possam levar à identificação dos envolvidos.

Após o registro, a denúncia é devidamente encaminhada aos órgãos


competentes, como Conselho Tutelar, Polícia Civil e Ministério Público.
Nenhum dado do denunciante é divulgado, sendo, portanto, um serviço
confidencial.

A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas, todos os dias, inclusive


feriados. Funciona em todo território nacional e pode ser acionado também de outros
16 países (Argentina, Bélgica, Espanha, EUA (São Francisco e Boston), França,
Guiana Francesa, Holanda, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Noruega, Paraguai,
Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela).

74
- Casas-Abrigo

Como vimos, grande parte das violências cometidas contra as mulheres são
praticadas no ambiente em que deveria ser o mais seguro e sagrado: o próprio lar.
Assim, quando a mulher toma providências para cessar com o ciclo de violência,
muitas vezes, ela se vê materialmente desamparada, desassistida, literalmente sem
ter para onde ir e levar seus filhos.
Ainda, é comum situações em que a mulher vítima de violência doméstica
esteja isolada, morando em cidade diferente de seus familiares e não tem rede de
apoio de amigos, que possa acolhê-la materialmente.
Em outros casos, a violência é tamanha que os familiares e amigos da vítima
não querem “se envolver”, por medo de se colocarem também em risco e virem a
sofrer retaliação pelo agressor.
Diante desse cenário, muitas mulheres que pedem ajuda do Estado para
romper com a violência a que estão submetidas precisam de um local seguro, para
onde elas possam ir, provisoriamente, junto com sua prole.
Nesse contexto, surgem as casas-abrigo: locais seguros que oferecem moradia
protegida e atendimento integral e especializado a mulheres em risco de vida iminente
em razão da violência doméstica.
Assim, as casas-abrigo são sediadas em local sigiloso, acessível somente a
pessoas e órgãos autorizadas. O abrigamento se dá em caráter temporário, no qual
as usuárias permanecem por um período determinado, durante o qual deverão reunir
condições necessárias para retomar o curso de suas vidas.

A Lei nº 11.340/2006 prevê que as casas-abrigo podem ser criadas


tanto pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios (art. 35, II),
ante a importância do tema.

Contudo, o Brasil ainda tem muito a avançar no que se refere à criação desse
serviço. Conforme pesquisa feita pelo IBGE, em 2018, somente 2,4% dos municípios
possuíam casas-abrigo de gestão municipal para mulheres em situação de violência
doméstica. No nível estadual, naquele ano, existiam 43 casas-abrigo em todo o Brasil.
Assim, nós, enquanto profissionais de segurança pública, temos que estar
atentos à necessidade de implementação desse serviço, que é direito de todas as
mulheres.

75
PARA REFLETIR!

Existe Casa-Abrigo no seu município? Para onde são


encaminhadas as mulheres em situação de violência doméstica
que não têm local seguro para ir?

Caso não exista Casa-Abrigo, a necessidade de implementação


desse serviço já foi discutido no Conselho de Segurança do seu
município?

- Casas de Acolhimento Provisório

Casas de Acolhimento Provisório são casas de abrigamento temporário de


curta duração (até 15 dias), não sigilosas, para mulheres em situação de violência que
não correm risco iminente de morte (acompanhadas ou não de seus filhos).
Vale destacar que as Casas de Acolhimento Provisório não se restringem ao
atendimento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, devendo
acolher também mulheres que sofrem outros tipos de violência.
O abrigamento provisório deve garantir a integridade física e emocional das
mulheres, bem como realizar diagnóstico da situação da mulher para
encaminhamentos necessários.

- Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são órgãos da


Justiça Comum, cuja previsão de criação foi trazida em nosso ordenamento jurídico
pela Lei nº 11.340/2006, com competência para o processo e julgamento das causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 14).
Isso porque a complexidade do fenômeno da violência doméstica impõe que
inclusive o Poder Judiciário tenha olhar especializado para lidar com as demandas
que lhe são postas.
Destaca-se a previsão legal de que os Juizados tenham competência híbrida, ou
seja, cível e criminal.
Contudo, nesse ponto já surge a primeira controvérsia entre o que é
normatizado e a realidade prática. Conforme projeto de pesquisa feita pelo CNJ,
apesar da previsão legal, dentre as varas que foram visitadas no projeto, apenas uma

76
exercia a competência nos termos previsto na Lei nº 11.340/2006. Nas demais, a
competência cível se restringia às medidas protetivas de urgência9.
Segundo a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), os Juizado poderão contar
com equipe de atendimento multidisciplinar a ser integrada por profissionais
especializados nas áreas psicossocial, jurídica e da saúde.
Nesse campo, destaca-se a possibilidade de que esses atendimentos sejam
feitos por servidores do próprio Poder Judiciário ou por convênios com núcleos
universitários ou de parceria com o Poder Executivo.
Além disso, é importante que se observe que, no âmbito judicial, a mulher tenha
oportunidade ser devidamente informada, orientada e escutada. Por não se tratar de
vítimas de crimes comuns, é comum que as mulheres tenham necessidade de falar
mais do que sobre simples questões técnicas relacionadas à materialidade do crime,
e o Poder Judiciário também deve ser local para essa escuta.
No tocante à importância dos Juizados Especiais de Violência Doméstica,
destacamos o trecho do Projeto de Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça10:
A pesquisa mostrou que a especialização na matéria tende a garantir
que os ritos previstos na Lei Maria da Penha, como a realização de
audiências de retratação, sejam observados com mais atenção; que os
espaços físicos estejam mais adequados ao atendimento das mulheres
em situação de violência, garantindo-lhes privacidade e escuta
sensível; e que as equipes multiprofissionais estejam disponíveis e
sejam acionadas pelo juízo em diferentes momentos do processo.
Contudo, embora não haja dúvidas de que a especialização das
unidades na matéria é um ganho para o tratamento dos casos, a
pesquisa evidenciou o fato de que o perfil do/a magistrado/a que
responde pela vara/juizado é fator decisivo na qualidade do
atendimento prestado às mulheres.

Para se aprofundar sobre o papel do Judiciário na rede de apoio,


leia o projeto de pesquisa O Poder Judiciário no Enfrentamento
à Violência Doméstica e Familiar Contra as Mulheres, do
Conselho Nacional de Justiça:
<https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/7918e2dc8e59bde2bba84
449e36d3374.pdf>.

9
Conselho Nacional de Justiça, 2019. O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência
Doméstica e Familiar Contra as Mulheres. p. 18 Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/7918e2dc8e59bde2bba84449e36d3374.pdf>. Acesso em
03.05.2022
10 Conselho Nacional de Justiça, 2019. O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência

Doméstica e Familiar Contra as Mulheres. p. 18 Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/7918e2dc8e59bde2bba84449e36d3374.pdf>. Acesso em
03.05.2022
77
- Ministério Público

O Ministério Público tem por função, dentre outros, de promover a ação penal
pública e zelar pelos direitos assegurados pela Constituição Federal.
Ante a complexidade da violência doméstica, a fim de poderem desempenhar
essas funções com excelência, assim como é importante a criação de Juizados
Especializados de Violência Doméstica, da mesma forma, é importante a criação de
Promotorias de Justiça Especializadas para lidar com a matéria.
Ressalta-se que, no dia a dia, é comum nos depararmos com situações de
grande complexidade, cujas demandas superam o poder de atuação imediata da
polícia. Nesses casos, é sempre salutar o contato com o Ministério Público que, como
fiscal da lei, pode intermediar para que as providências multidisciplinares ou judiciais
sejam tomadas.
Como exemplos, citamos situações em que a vítima está incapacitada por
alguma enfermidade, e os familiares não adotaram as medidas cíveis relacionadas à
curatela; quando os filhos menores da vítima estão tendo seus direitos de filiação
negligenciados e nenhuma providência judicial foi tomada; quando a vítima não
consegue ter acesso a atendimento médico. Nessas situações, é possível que o
Ministério Público adote providências em defesa dos direitos dessa mulher e, por isso,
é importante que ela seja orientada a procurar o Ministério Público ou, até mesmo, a
própria polícia poderá intermediar essa provocação.
Além disso, destacamos, também, ações de iniciativa dos Ministérios Públicos
dos Estados no combate à violência doméstica ou familiar contra a mulher, como a
criação de grupos reflexivos de homens, autores de violência, tal como os promovidos
pelo Ministério Público do Paraná.

PARA REFLETIR!

Na sua comarca, existe Promotoria de Justiça Especializada em


Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher? O Ministério
Público é integrado aos outros órgãos da rede de enfrentamento
à violência doméstica?

78
Tem interesse em saber diretrizes para implementação de
grupos reflexivos destinados a homens autores de violência?
Conheça o Manual de Orientação para Integrantes do Ministério
Público:
<https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/NUPIGE/manual_orientacao
_Nupige.pdf>.

- Defensoria Pública

As questões relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher


transbordam a esfera meramente criminal. A maior parte dos conflitos tangenciam
também a questões de natureza cível, principalmente relacionadas ao direito de
família, como divórcio, guarda de filhos em comum, alimentos, dentre outros.
Assim, a resposta meramente criminal é insuficiente para o apaziguamento
social que a Lei Maria da Penha se propõe. Por isso, deve ser colocado à serviço da
mulher meios de acesso à Justiça para solucionar os outros conflitos relacionados e,
para tanto, é fundamental a atuação da Defensoria Pública (art. 28 da Lei nº
11.340/2006).
Contudo, sabemos que o funcionamento da Defensoria Pública ainda não está
plenamente estabelecido em muitas comarcas do país. Para contornar esse entrave,
uma alternativa é o estabelecimento de convênios entre o Poder Executivo e
Universidades para prestação de assistência judiciária gratuita às mulheres, a fim de
que os conflitos de natureza civil possam ser solucionados por meio do ajuizamento
de ações próprias.
Além disso, também no âmbito criminal, é importante que a vítima tenha a
devida assistência de um defensor. Isso porque o defensor zelará para que a vítima
seja devidamente esclarecida sobre as fases do processo criminal e suas
repercussões. Do contrário, é possível que a persecução penal tenha todo o seu
desenrolar e a vítima não compreenda se houve ou não responsabilização criminal do
agressor e tenha a sensação de que sua denúncia “não deu em nada nada”.
Ademais, lembramos também que os crimes contra a honra – onde se
enquadram a maior parte dos casos de violência moral – em regra, se procedem
mediante ação penal privada, ou seja, é necessário que um defensor ajuíze queixa-
crime, no prazo decadencial de seis meses, para que o autor seja criminalmente
responsabilizado. Logo, também por esse motivo, destaca-se a importância de que o

79
serviço da Defensorias Públicas seja colocado à disposição das vítimas de violência
doméstica ou familiar contra a mulher.
Assim, diante da importância de que a vítima de violência doméstica ou familiar
tenha a devida assistência jurídica, nas comarcas maiores onde a Defensoria Pública
é mais bem estruturada, existem Núcleos Especializados para a prestação desse
serviço.

PARA REFLETIR!

Por quem é desempenhado o serviço de assistência judiciária


gratuita na comarca onde você trabalha? Onde esse serviço funciona e
como a vítima pode ter acesso a ele?
É muito importante que nós, enquanto agentes de segurança
pública, tenhamos essas informações em mãos para orientarmos as
vítimas quando elas precisarem.

- Centro de Referência de Assistência Social

A dependência econômica em relação ao agressor e a vulnerabilidade social


estão intimamente ligadas a muitos casos de violência de gênero. Por isso, ao lidar
com tais crimes, os agentes públicos devem estar atentos para reconhecer se a vítima
e seus familiares necessitam da oferta e disponibilização dos serviços públicos de
assistência social.
O CRAS – Centro de Referência de Assistência Social é a porta de entrada
para os serviços de assistência social no Brasil. Nele, o cidadão realiza seu Cadastro
Único e pode ter orientação e acesso a serviços, benefícios – como o Auxílio Brasil –
e projetos de assistência social.
Assim, ao se deparar com situações em que se perceba a vulnerabilidade social
dos envolvidos, os agentes de segurança pública podem orientá-los a procurar o
CRAS do Município ou, se for o caso, entrar em contato com o próprio órgão e solicitar
a busca ativa da família.

PARA REFLETIR!

Onde funciona o CRAS no seu município? Você conhece alguma


família em situação de vulnerabilidade social que não seja
atendida pelo CRAS?

80
PARA REFLETIR!

Onde você está situado na rede de atendimento à mulher em


situação de violência doméstica?
No seu município, quais organismos que compõem as redes de
atendimento e de enfrentamento você conhece?
Existe integração entre o órgão em que você trabalha e os
demais que compõem a rede?

3. A importância da capacitação continuada dos profissionais que


compõem a rede de proteção às mulheres

As mais conceituadas polícias brasileiras passaram a adotar as


regulamentações das principais atividades de suas corporações, reunindo em um
documento único, protocolos, roteiros padronizados, com o objetivo de amparar a
atuação do policial e buscar a excelência nos serviços prestados.
A normatização desse procedimento possibilita um atendimento de excelência,
que contribua para que a mulher vítima de violência tenha meios de romper com o
ciclo de violência.
Além disso, permite um atendimento mais profissional e uniforme dos atores
públicos, diminuindo as chances de que situações iguais ou semelhantes sejam
direcionadas de maneiras diferentes pelo mesmo órgão, contribuindo para que a
vítima se sinta devidamente atendida e com seus direitos respeitados.
Nesse sentido, o atendimento da vítima à margem do que é previsto legal e
protocolarmente poderá implicar o processo de revitimização ou até mesmo de
violência institucional. Assim, é fundamental que o agente público esteja devidamente
capacitado, para que tenha condições e segurança de atuar respeitando todas as
diretrizes impostas.
Ainda sobre o tema, destaca-se a autonomia de cada órgão e corporação para
instituir protocolos próprios, que estejam em sintonia com suas próprias
peculiaridades e com a realidade de cada estado. É sempre importante e saudável o
intercâmbio de informações entre os diversos órgãos, inclusive de diferentes unidades

81
da federação, para que cada qual tenha acesso a outras experiências e, a partir disso,
se construa normatizações mais adequadas a cada realidade.
Diante da importância de se estabelecer padronizações, em nível federal,
temos o Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos Crimes de Feminicídio,
lançado no ano de 2020, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que visa
harmonizar procedimentos investigativos entre os profissionais de segurança pública
de todo o país (polícias civis, polícias militares, órgãos de perícias criminais e de
medicina legal).
Por sua vez, para ajudar na implementação desse Protocolo Nacional,
destacamos a publicação do documento “Diretrizes para investigar, processar e julgar
com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres”, pela ONU Mulheres em
parceria com a Secretaria de Polícias para Mulheres, cujo objetivos citamos11:

Promover a inclusão da perspectiva de gênero na investigação


criminal e processo judicial em casos de mortes violentas de
mulheres para seu correto enquadramento penal e decisão judicial
isenta de estereótipos e preconceitos de gênero que sustentam a
impunidade, criam obstáculos ao acesso à justiça e limitam as ações
preventivas nos casos de violência contra as mulheres.
Oferecer orientações gerais e linhas de atuação para aprimorar a
prática de profissionais da segurança pública, da justiça e qualquer
pessoal especializado que intervenha durante a investigação, o
processo e o julgamento das mortes violentas de mulheres por
razões de gênero, com vistas a punir adequadamente os
responsáveis e garantir reparações para as vítimas e seus familiares.
Proporcionar elementos, técnicas e instrumentos práticos com uma
abordagem intersetorial e multidisciplinar para ampliar as respostas
necessárias durante a investigação policial, o processo e o
julgamento e as reparações às vítimas diretas, indiretas e seus
familiares.

Assim, ressaltamos a importância da capacitação continuada não apenas dos


profissionais de segurança pública, mas de todos os atores que compõem a rede, para
que eles tenham a sensibilidade necessária para socorrer a mulher vítima de violência,
bem como estejam atualizados sobre as normas e protocolos operacionais vigentes
em sua instituição.

11Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes
violentas de mulheres (feminicídios). Brasília-DF, 2016, Disponível em:
<https://oig.cepal.org/sites/default/files/diretrizes_para_investigar_processar_e_julgar_com_perspectiv
a_de_genero_as_mortes_violentas_de_mulheres.pdf>. Acesso em: 14, mai. de 2022.
82
PARA REFLETIR!

Na sua instituição, há protocolos específicos de atendimento


para crimes relacionados à violência contra a mulher. Caso
exista, você os conhece e os aplica?

Finalizando

Neste módulo, você aprendeu que:

• O Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio implementa,


pelo Executivo Federal, políticas públicas no que se refere ao combate à
violência contra a mulher;
• O referido plano traz medidas que visam implementar medidas de
ampliação e articulação entre os atores da rede de enfretamento à violência
contra as mulheres; promover a conscientização da sociedade acerca do tema;
produzir e gerir dados estatísticos; fomentar ações de monitoramentos de
autores de violência e garantir direitos às vítimas e seus dependentes;
• A atuação em rede no atendimento e enfrentamento à violência
doméstica e familiar contra a mulher possibilita que diferentes serviços
(relacionados à saúde, assistência social, justiça, educação, dentre outros)
sejam oferecidos à mulher, para que ela tenha condições de superar a situação
de violência;
• Os agentes públicos que atendem a mulher em situação de
violência devem conhecer os protocolos de atendimento do órgão em que atua,
para que tenham condições de oferecer atendimento digno e de excelência a
essa mulher.

83
Referências Bibliográficas

AGÊNCIA BRASÍLIA. Secretaria de Segurança lança “Mulher Mais Segura”.


2021. Disponível em: <https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2021/03/08/secretaria-
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BRASIL. Código Civil de 1916. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 16, mai. 2022.

______. Código Criminal de 1830. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em:


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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14,
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Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm>. Acesso em: 14, mai.
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______. Decreto n° 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção


sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979,
e revoga o Decreto no 89.460, de 20 de marco de 1984. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm>. Acesso em: 14, mai.
2022.

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Internacional sobre os Direitos das pessoas com deficiência e seu Protocolo,
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>.
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fundacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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de Políticas para as Mulheres e o Plano Nacional de Combate à Violência
Doméstica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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84
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/decreto-n-10.906-de-20-de-dezembro-de-2021-368988173>. Acesso em: 14, mai.
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85
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direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm>. Acesso
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de novembro de 2003, para dispor sobre a notificação compulsória dos casos de
suspeita de violência contra a mulher. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13931.htm>. Acesso
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______. Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021. Disponível em:


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______. Lei nº 14.149, de 5 de maio de 2021. Disponível em:


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______. Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021. Disponível em:


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