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2. SUMÁRIO
3. APRESENTAÇÃO
4. QUEM SOU EU
6. O QUE É TRINDADE?
Creio não ser muito diferente no Brasil. Tenho escrito e gravado vídeos sobre a
Trindade e recebo muitas dúvidas nessa área. Recebo também muitas mensagens
negando aquilo que ensino. A verdade é que pouco se estuda sobre Trindade no
Brasil. Quantos livros em português de editoras protestantes você conhece sobre
isso? As ideias erradas de que a Trindade não deve ser estudada por se tratar de
um mistério de Deus e de que é algo muito difícil e sem implicações práticas tem
minado o interesse por essa doutrina maravilhosa. Tudo isso gera o que chamo
de "analfabetismo funcional trinitário". Muitos dos cristãos afirmam a Trindade,
mas possuem grandes dificuldades em pensar e falar sobre ela, principalmente
em enxergá-la nas Escrituras.
Esse e-Book vai te introduzir ao estudo da Trindade. Ele vai te dar um bom
conhecimento básico para que você vença esse analfabetismo e comece a estudar
por conta própria sobre o ser de Deus. Ele é Pai, Filho e Espírito Santo e assim
devemos conhece-lo e adora-lo! Além dos capítulos sobre Trindade você
encontrará um guia de leitura com livros em português e inglês. Ele está no final
do e-Book e você receberá um acesso para um vídeo meu onde comento esse guia
de leitura. Nesse acesso também estará disponível uma aula sobre como ensinar
a Trindade para crianças e novos convertidos!
“Por certo nenhuma outra questão existe que ofereça mais riscos
de erros, mais trabalho na investigação e mais fruto na
descoberta.”1
Agostinho de Hipona
A frase de Agostinho é perfeita para começar esse e-Book e qualquer estudo sobre
a Trindade. Estudar essa doutrina é percorrer um caminho escorregadio, onde o
menor deslize pode nos levar à formulação de erros e heresias. Mesmo assim,
apesar de ser uma jornada trabalhosa, o estudo correto da doutrina da Trindade
produz frutos inestimáveis, que podem nos levar a enxergar de forma mais
profunda o cristianismo como um todo. É exatamente por esse motivo que as
páginas que você está lendo vieram à existência: explicar e aplicar a doutrina
trinitária a todos os que tiverem acesso a este documento.
No período medieval, esta doutrina, que já era sólida, tornou-se ainda mais
consistente por causa de diversos teólogos escolásticos, que começaram a estudar
e, posteriormente, escrever sobre a Trindade. Muitas especulações vazias foram
feitas e erros cometidos (como em todas as épocas), mas o trabalho de referência
nessa época trouxe uma boa base teológica e filosófica para a defesa da doutrina.
Isso possibilitou que os reformadores, como Calvino, estivessem bem munidos
de conhecimento sobre a natureza trinitária de Deus. Eles reforçaram ainda mais
o estudo da Trindade usando toda a boa base patrística e medieval.
O que é Trindade?
Depois dessa pequena introdução e diagnóstico de nossa situação atual, vamos
começar a resolver esse analfabetismo funcional trinitário. O que vem a seguir é
digno de sua atenção e anotação! Wayne Grudem escreveu em sua teologia
sistemática que “podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe
eternamente como três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – e cada pessoa é plenamente
Deus, e existe só um Deus” 2. Na afirmação de Grudem podemos encontrar três
verdades distintas e, ao mesmo tempo, complementares sobre quem Deus é:
2 Wayne Grudem, Teologia sistemática atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 165
Você deve concordar que grande parte das tragédias e mazelas do mundo se deve
à falta do conhecimento de Deus por parte dos homens. Isso acontece porque o
conhecimento de Deus é o que guia o conhecimento que temos sobre nós mesmos
e sobre a nossa interação com o próprio Deus e com os outros homens. Quando
nos perdemos sobre o conhecimento de Deus, nos perdemos sobre nós mesmos.
Foi exatamente isso que aconteceu no Éden e é o que ainda acontece no mundo.
Estudar a Trindade nos fará conhecer melhor o nosso Senhor e, com isso, também
estaremos mais próximos de um correto autoconhecimento e do padrão ideal de
nossas relações com Deus e com os homens.
Deus não é um ser abstrato que se molda a qualquer visão que tenhamos dEle.
Ele é um ser real, concreto, que temos que enxergar como ele de fato é. O grande
problema de não estudar a Trindade é que nossa adoração pode estar sendo
dirigida a um Deus que nós mesmos inventamos. Sempre que alguém tenta
adorar a Deus sem a consciência de que Ele é trino, ele está adorando, não o Deus
das escrituras, mas um Deus que não existe na realidade. O conhecimento da
Trindade nos leva à adoração a Deus do modo como ele quer ser adorado.
A doutrina da Trindade é uma verdadeira joia por tudo aquilo que já foi tratado
nos dois pontos anteriores. Todavia, ela se torna ainda mais preciosa quando
enxergamos que é ela quem distingue o cristianismo de todas as religiões do
mundo. Você pode encontrar religiões que preguem o amor, a caridade e até
mesmo um certo tipo de salvação pela graça. Contudo, você jamais encontrará
no mundo outra religião que pregue um Deus Trino. Entender e estudar a
doutrina trinitária faz com que tenhamos a dimensão da sublimidade do
cristianismo e nos mostra que só nele alcançamos o verdadeiro conhecimento de
Deus.
Uma das maiores mentiras em que podemos acreditar é que conhecer a Trindade
não traz implicações práticas importantes para a vida cristã. A palavra de Deus
nos mostra algo diferente. Por exemplo, a Bíblia nos informa que Deus é amor.
Infere-se disso que para Deus ser amor, ele precisa amar. E quem Deus ama? Sim,
Ele nos ama, mas a Bíblia não diz que Deus se tornou amor quando nos criou. Na
verdade, ela diz que Ele é e sempre foi amor, desde a eternidade. Na imensidão
da eternidade o Pai já amava o Filho e o Espírito. Portanto, quando somos
convocados a amar, na verdade somos chamados a nos envolver na dinâmica
amorosa da Trindade. E essa é apenas uma das implicações dessa doutrina...
Falarei mais sobre isso ainda.
Leia as próximas páginas com essa convicção: Conhecer a Trindade nos levará a
viver e proclamar um cristianismo mais completo! Sempre que você, leitor, se
prostrar diante do Senhor para fazer a sua oração e adorá-lo, pense em como Ele
realmente é – Pai, Filho e Espírito Santo. Pense no mistério e na glória do Ser
trino. É a Ele que precisamos render toda a nossa adoração.
Entretanto, a grande questão que precisa ser respondida nesse capítulo é: Deus
se revelou sempre da mesma forma? A resposta é não. Nossa pergunta mais
específica é: A Trindade está revelada no Antigo Testamento? Minha resposta
novamente é não. Talvez isso possa lhe chocar, mas durante o período de tempo
que compreende o Velho Testamento o correto a se dizer é que a Trindade foi
uma realidade oculta. É certo que Deus já dava vestígios de sua natureza plural,
contudo isso era apenas uma preparação para a revelação trinitária que seria
trazida à luz no Novo Testamento.
Há um bom debate sobre esses plurais. Alguns teólogos dizem que Deus está
falando dele e de anjos, mas não creio nisso. Alguns dizem que se trata de um
plural de majestade, onde um rei fala de si mesmo no plural para expressar sua
majestade, glória e autoridade. Também penso que não seja esse o caso. Por mais
que os autores não estejam construindo uma teologia trinitária, creio que essa
oscilação entre singular e plural no texto e na fala de Deus aponta de alguma
forma para a pluralidade na divindade.
O Espírito de Deus
A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face
do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.
(Gênesis 1:2)
então, eu estava com ele e era seu arquiteto, dia após dia, eu
era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo;
(Provérbios 8:30)
Em um outro momento essa Sabedoria fala como se ela mesma fosse o próprio
Deus:
Novamente, não temos uma doutrina da trindade sendo revelada, mas algo que
aponta para uma pluralidade divina e prepara o caminho para revelação
posterior.
O Anjo do Senhor
Creio que este seja o vestígio mais importante e mais claro da pluralidade divina
que o Antigo Testamento nos fornece. Essa figura chamada de “O anjo do
Senhor” aparece algumas vezes, hora tratado como o próprio Deus, hora tratado
como uma pessoa distinta dEle. O encontro do anjo com Jacó é fundamental para
entendermos essa realidade.
Por que indireta? Isso é muito importante de se explicar. Digo isso porque não
temos textos que falam diretamente sobre a Trindade de forma sistemática e nem
textos que explicam ou constroem uma doutrina trinitária como temos hoje. O
termo Trindade, por exemplo, não está na Bíblia, foi usado pela primeira vez por
Tertuliano no terceiro século. Então isso não seria um problema? Não. O que
temos no Novo Testamento são os relatos das obras e relações entre Pai, Filho e
Espírito Santo. Temos também alguns textos que no falam como a igreja primitiva
entendia os três juntos. E são esses textos que, de maneira, suficiente nos revelam
e ensinam sobre a Trindade.
Para que esse capítulo não fique muito grande eu focarei nossa análise bíblica
apenas no evangelho de João. Existem outros textos, mas esse é o livro bíblico
que mais explora as relações trinitárias. Vamos ver nele a divindade do Pai e do
Filho agora nesse capítulo, deixando o próximo capítulo para o Espírito Santo.
A divindade do Pai
No início do prólogo do evangelho de João o texto nos revela duas figuras divinas
distintas: o Verbo e Deus. Posteriormente essas figuras passariam a ser chamadas
de Filho e Pai. Perceba que logo no início de seus escritos o apóstolo João faz
questão tanto de estabelecer a divindade do Pai quanto de distinguí-lo do Filho,
a fim de evidenciar a pluralidade divina. E é desse mesmo modo que João trata
essa distinção durante todo o evangelho que escreveu.
Além desses textos, várias outras afirmações que confirmam o caráter divino do
Pai são feitas por Jesus e por diversas pessoas ao longo dos relatos de João.
Segundo Andreas Köstenberger3, só neste evangelho existem 136 ocorrências da
palavra “pater”, a palavra grega para pai, e 120 delas se referem a Deus”. Isso com
certeza não nos deixa dúvidas sobre a divindade daquEle que é costumeiramente
chamado de primeira pessoa da Trindade.
Além disso, diversos outros textos do Novo testamento também dão testemunho
a esse respeito, fazendo com que a divindade do Pai seja uma verdadeira
unanimidade na história da igreja cristã.
A divindade do Filho
Nesses versos do mesmo capítulo 1 de João, o texto revela que o Verbo é o Filho
Unigênito do Pai, aquEle que veio a esse mundo justamente para revelar quem é
o Pai. Todo o restante do livro revela que esse Filho é Jesus Cristo e sua divindade
continua sendo afirmada em vários textos do evangelho de João.
3
Andreas Köstenberger, Pai, Filho e Espírito: A Trindade no evangelho de João. São Paulo: Vida Nova,
2014, p. 80
Essas afirmações chegam ao seu ponto mais direto no capítulo 8, onde o próprio
Cristo afirma quem ele realmente é:
Nesse texto Jesus choca completamente aqueles judeus que o estavam ouvindo.
Ele se diz maior que Abraão e arroga para si o nome que Deus usou para
descrever a si mesmo quando se revelou a Moisés (Gênesis 3:14). Cristo toma
para si o nome de Deus e se iguala a Yahweh, o Deus de Israel, o grande Eu Sou!.
Ele revela de uma vez por todas que Ele é o Filho de Deus, igual ao Pai em poder
e glória. O texto é tão claro e chocante que é principalmente por causa dessa
afirmação que os judeus passam a acusar Jesus de blasfêmia digna de morte.
Naquele tempo, ficou claro que ele dizia ser divino!
Portanto, o Novo Testamento afirma de forma clara e categórica que tanto o Pai
quanto o Filho são divinos. Esse fato foi reconhecido rapidamente pela igreja
cristã do primeiro século, que estabeleceu essa doutrina. Sei que muitas pessoas
têm mais dúvidas sobre a divindade do Espírito Santo e por isso dediquei o
próximo capítulo inteiro para falar sobre Ele. Veremos que, apesar de algumas
dificuldades, sempre poderemos confiar no testemunho das Escrituras que
afirmam a divindade das três pessoas da Trindade.
A divindade do Espírito Santo
Para uma doutrina robusta da Trindade é preciso ter convicção de que o Espírito
Santo é tão Deus quanto o Pai e o Filho. E apesar dessa divindade ser questionada
por alguns teólogos que não acreditam que a Bíblia confirme diretamente esta
verdade e de ser realmente menos explícita nas páginas do Novo Testamento que
a divindade do Pai e do Filho, podemos ter essa certeza de que o Espírito é 100%
divino quando paramos e olhamos com mais atenção para alguns textos
importantes do Novo Testamento, assim como já fizemos com textos do Antigo.
Este texto narra a promessa de envio do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho. Jesus
promete “outro” Consolador, fazendo um paralelo consigo mesmo, para
demonstrar aos discípulos que eles não ficariam sem Deus, porque o Espírito
estaria habitando neles. Esse paralelo indica justamente que a presença de Cristo
seria substituída pela presença de outro ser divino, o Espírito. Foi exatamente
nesse sentido que Cristo disse que não os deixaria órfãos, porque Ele subiria aos
céus, mas Deus continuaria no meio e dentro deles. O verso 23 deste mesmo
capítulo revela que o Pai e o Filho fariam moradas nos crentes. O Espírito Santo
é esta presença trinitária no coração de cada cristão.
Esse trecho do livro de Atos descreve a morte de Ananias e Safira, que foram
fulminados ao mentir para Pedro a respeito da doação que fizeram aos apóstolos.
É interessante observar que no verso 3 Lucas relata que eles mentiram ao Espírito
Santo. Contudo, no versículo seguinte, lemos que eles estavam mentindo a Deus.
O texto deixa claro que, para Pedro, mentir para o Espírito é o mesmo que mentir
para Deus porque o Espírito Santo é Deus. Eles são tratados pela mesma
identidade divina que possuem. No Novo Testamentos o Pai e o Filho são
chamados diretamente de Deus (Theos) e aqui o Espírito é indiretamente também
chamado de “Theos”.
Formulas trinitárias
Nesse texto Isaías relata o seu encontro com o Senhor dos Exércitos, O Yahweh,
Deus único de Israel. Todavia, é extremamente interessante ver como o Novo
Testamento olha para esse episódio. João, citando a conversa entre Isaías e Deus
durante a visão escreve o seguinte:
Por isso, não podiam crer, porque Isaías disse ainda: Cegou-lhes
os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os
olhos, nem entendam com o coração, e se convertam, e sejam por
mim curados. Isto disse Isaías porque viu a glória de Jesus
e falou a seu respeito. (João 12:39-41)
Essa citação que João faz ao profeta Isaías é justamente do capítulo 6, a partir do
verso 10. João está citando diretamente o texto escrito pelo profeta Isaías e, mais
do que isso, está dizendo que aquEle que o profeta viu assentado no alto e
sublime trono era Jesus Cristo. A glória de Yahweh é a glória de Jesus Cristo.
Jesus, o Filho, é o Deus que Isaías viu! Assim como João, Paulo também falou
sobre esse episódio. No registro de Lucas lemos:
Houve alguns que ficaram persuadidos pelo que ele dizia; outros,
porém, continuaram incrédulos. E, havendo discordância entre
eles, despediram-se, dizendo Paulo estas palavras: Bem falou o
Espírito Santo a vossos pais, por intermédio do profeta
Isaías, quando disse: Vai a este povo e dize-lhe: De ouvido,
ouvireis e não entendereis; vendo, vereis e não percebereis. (Atos
28:24-26)
Essa citação de Paulo também é do capítulo 6 do livro de Isaías. Paulo está
revelando que foi o Espírito Santo que falou com o profeta durante aquela visão.
Isaías, em seu encontro com Yahweh, Viu a glória de Cristo e ouviu o Espírito
Santo. Quem, então, estava na visão do profeta naquele período do Antigo
Testamento? Deus! A Trindade! Isso traz à luz não apenas a divindade do
Espírito Santo, mas também a eterna existência da Trindade: Isaías viu Yahweh,
viu Jesus Cristo assentado em um trono e ouviu o Espírito Santo, todos
igualmente descritos como Deus. Essa revelação do Novo Testamento é incrível
e deve nos conduzir a adoração trinitária! Deus é trino e o Espírito Santo habita
em nós como o Deus que é e que sempre foi. Aleluia!
A unidade na Trindade: substância e pericorese
Nos capítulos anteriores você aprendeu sobre a divindade de cada uma das
pessoas da Trindade. Pai, Filho e Espírito Santo são pessoas divinas distintas uma
das outras. Agora olharemos para a unidade e diversidade na Trindade. Como
Deus é um? Como as pessoas são realmente distintas? Nesse capitulo
responderemos a primeira pergunta. O que significa dizer que Deus é um? Como
essa unidade se manifesta na Trindade? Minha resposta será dupla. A unidade
na Trindade se baseia na substância divina e na pericorese.
Sendo assim, quando dizemos que Deus é um, estamos declarando que as três
pessoas trinitárias são da mesma substância, e, portanto, iguais em ser, santidade,
amor, atributos, glória e poder. Eles são um único Deus por possuírem todos a
mesma essência e identidade divina. Não há nenhuma ilustração adequada para
representar essa realidade. Não há nada no nosso mundo assim. Vou chamar essa
unidade de unidade substancial.
Segundo Harrison, “esse termo foi utilizado teologicamente pela primeira vez
por Gregório de Nazianzo e, subsequentemente, adotado por Máximo o
Confessor para se referir à união das duas naturezas de Cristo”5. Somente com
Pseudo Cirilo de Alexandria, em meados do século VII, é que o termo foi
utilizado para falar sobre as relações trinitárias. Através dos escritos de João
Damasceno, no Século VIII, esse uso trinitário do termo se popularizou tanto no
oriente quanto no ocidente. Mesmo sem a palavra, a ideia da pericorese já era
ensinada antes desse período, como por Atanásio, por exemplo.
5 Verna Harrison, Perichoresis in the greek fathers. St. Vladimir’s Theological Quarterly, 35, no. 1 (1991)
doutrina pode ser confirmada pela Palavra de Deus no evangelho de João, onde
está descrito com maior riqueza de detalhes o relacionamento entre o Pai e o
Filho.
Perceba como Jesus argumenta com Filipe dizendo que o Filho está no Pai e o Pai
está no Filho. Quem vê um também vê perfeitamente o outro. Nesse sentido, o
teólogo alemão Jurgen Moltmann, embora tenha desenvolvido uma doutrina
trinitária que merece algumas críticas importantes, contribuiu positivamente
para o correto entendimento desta unidade pericorética. Para ele, Pai, Filho e
Espírito Santo “vivem e habitam tão intimamente um no outro, por força do
amor, de tal sorte que são um só”6. Essa visão contribui para o equilíbrio da
doutrina trinitária em sua unidade e diversidade. Deus é três pessoas distintas,
mas unidas pericoreticamente. Veja o que ele escreveu:
“Em sua “pericorese”, e com base nela, as três pessoas trinitárias não
devem ser entendidas como três indivíduos diferentes, que apenas
supletivamente estabelem relações entre si, atraindo assim a pecha do
“triteísmo”. Mas também não três modos de ser, ou tripla repetição do
Deus único, como insinuado pelo modalismo. A doutrina da
“pericorese” liga de maneira genial a trindade e a unidade, sem reduzir
a trindade à unidade, ou diluir a unidade na trindade. Na eterna
“pericorese” das pessoas trnitárias reside a união na Trindade.”7
Esse é um texto que deve nos conduzir para uma unidade mais plena, amorosa,
santa e de vida na vida. Na pericorese Pai, Filho e Espirito compartilham suas
vidas por completo uns com os outros. Nunca chegaremos nesse padrão trinitário
perfeito, mas temos um bom alvo de unidade na igreja quando entendemos a
pericorese divina.
Para responder essa pergunta fico com a explicação de Wayne Grudem, que
afirma que “somente através das relações eternas de autoridade e submissão nós
podemos distinguir as pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo”8. Nas
relações entre si, o Filho está subordinado ao Pai e o Espírito subordinado ao Pai
e ao Filho. Sei que essa é a afirmação mais polêmica desse e-Book, mas creio que
esse é o único elemento encontrado nas escrituras para distinguir e individualizar
as consciências das três pessoas trinitárias. Eles estão eternamente numa relação
livre e amorosa de autoridade e submissão.
8 Wayne Grudem. Teologia sistemática atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 185
9 Agostinho, A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995, p. 196
Agostinho elucida a questão: diferenças relacionais não alteram a substância
divina. Ter uma hierarquia nas relações não significa ter hierarquia na essência
divina. Isso nos afasta da heresia ariana.
Fundamentação bíblica
Como fundamentar biblicamente essa minha afirmação sobre as distinções? É
isso que importa e veremos agora A visão da distinção relacional com papéis
eternamente ordenados tem o seu fundamento no evangelho de João. Como já
vimos, o prólogo desse evangelho começa citando a eternidade e nela o Verbo e
Deus. Depois desse momento inicial João identifica esse Verbo como o Filho
unigênito de Deus. Por fim, durante todo o restante do evangelho eles são
tratados como Pai e Filho, sendo o Filho revelado como Jesus Cristo.
Nessa relação entre Pai e Filho, Jesus sempre aparece sendo subordinado ao Pai.
O evangelho relata que Ele foi enviado pelo Pai, obedece ao Pai, fala o que o Pai
o ordena, faz aquilo que o Pai lhe determina e busca em todos os seus atos a
glorificação do Pai. Nesse mesmo sentido, o Pai sempre é descrito como aquele
que tem autoridade sobre o Filho. Aqui vai uma lista de referência em João para
você dar uma olhada se quiser: 4.34; 5.23,30; 6.38; 7.16,18,28-29; 8.26,29,42;
12.44,49; 14.24; 17.3. A passagem abaixo no capítulo 5 é importante.
Este é um texto central para mim que justifica a distinção de Pai e Filho conforme
a sua própria relação. Aqui encontramos Cristo em uma controvérsia com os
fariseus em relação ao sábado. Eles estavam o acusando de violar o sábado. O
principal argumento de Jesus em sua resposta aos fariseus é que Ele é igual a
Deus: meu Pai trabalha no sábado, eu também trabalho. Cristo se declara igual a
Deus. Logo em seguida vemos Jesus focar em sua distinção do Pai:
Porque o Pai ama ao Filho, e lhe mostra tudo o que faz, e maiores
obras do que estas lhe mostrará, para que vos maravilheis. (João
5:20)
Jesus se faz distinto do Pai em sua relação de submissão no verso 19. Perceba
também que João está descrevendo que, nessa relação, o Pai demonstra o seu
amor revelando ao Filho aquilo que Ele vai fazer, ou seja, sendo autoridade sobre
o Filho. Essa verdade é complementada por outro texto muito interessante,
também no evangelho de João.
É nesse sentido e com base no verso 26 do mesmo capítulo 5 de João que creio na
geração eterna. Nesse texto encontramos a verdade de que “o Pai concedeu ao Filho
ter vida em si mesmo”. Creio que isso está no contexto dessa relação de autoridade
e submissão. Mesmo que eu não entenda perfeitamente o texto e todo o mistério
trinitário envolvido, faz sentido teologicamente que esse conceder vida em si
mesmo esteja apontando para a autoridade relacional do Pai sobre o Filho.
No texto de João não há nenhum indício de que essa autoridade esteja limitada
ao período em que o Filho esteve encarnado e cumpriu sua obra de salvação.
Incluir isso no sentido do texto seria distorcê-lo e espremê-lo de uma forma que
não nos é lícita. Além disso, existem outros textos nas Escrituras que apontam
fortemente para essa relação de obediência e submissão do Filho ao Pai.
Esse e-Book não tem o propósito de fechar esse assunto e esgotar o debate.
Escrevei mais sobre isso em outro momento. Encerro dizendo que estas e outras
passagens da Bíblia parecem não nos deixar dúvidas sobre essa relação eterna de
autoridade e submissão entre Pai e Filho, que entendemos também com o
Espírito, já que ele foi enviado tanto pelo Pai quanto pelo Filho. É por isso que
defendo aqui o que estou chamando de “papéis eternamente ordenados”: Pai,
Filho e Espírito são distintos um dos outros por suas relações eternas de
autoridade e submissão.
Constantino “inventou” a Trindade?
Tendo encerrado nossa análise bíblica de pontos fundamentais da Trindade,
entraremos agora numa rápida análise histórica sobre o desenvolvimento da
doutrina e de algumas heresias nos primeiros séculos da igreja cristã. De forma
mais específica, neste capítulo responderemos a uma objeção comum que as
vezes é feita por aqueles que não creem na Trindade: teria sido o imperador
Constantino o inventor da doutrina trinitária?
Essa acusação normalmente é feita por aqueles que não creem na divindade de
Jesus Cristo (e nem do Espírito). Essas pessoas afirmam que a doutrina da
Trindade passou a existir apenas a partir do momento em que o imperador
Constantino convocou o Concílio de Nicéia, no ano 325 d. C, para a formulação
e validação da doutrina da divindade de Cristo. Dessa forma, a Trindade não
seria um ensino Bíblico, mas uma adição posterior da tradição cristã.
Para ter uma ideia da envergadura e do alcance desse pensamento, veja o que
Dan Brown escreveu em seu famoso livro “O código da Vinci”. Ele usa um dos
personagens para propor essa interpretação da doutrina:
Já vimos que, por mais que a palavra Trindade não apareça na Bíblia, a doutrina
trinitária foi revelada nas páginas do Novo Testamento. A própria Bíblia já nos
passa a ideia de três pessoas divinas – Pai, Filho e Espírito Santo – como único
Deus. Isso, por si só, já seria mais que suficiente para rejeitarmos a afirmação de
que Constantino foi o inventor dessa doutrina.
Citações de pais da igreja
10
Todas as citações estão registradas no artigo: Nathan Busenitz, Did constantine invent the trinity?: the
doctrine of the trinity in the writings of the early church fathers. The Master’s Seminary: MSJ 24/2 (Fall
2013), p. 217-242
"Cristo Jesus [é] nosso Senhor, e Deus, e Salvador, e Rei,
conforme a vontade do Pai invisível."
Irineu (120-202)
Tertuliano (160-225)
É nesse contexto que surge um teólogo chamado Ário. Esse teólogo se preocupou
verdadeiramente em combater as heresias do sabelianismo da qual falaremos
com mais detalhes no próximo capítulo. Todavia, reagindo a esses erros
gravíssimos e buscando uma chave para harmonizar a cristologia do Novo
Testamento com o monoteísmo, Ário caiu em um outro extremo. Ele passou a
defender a ideia de que Cristo seria uma espécie de semi-deus criado pelo Pai,
construindo assim uma visão de absoluta distinção entre Pai e Filho.
Em meio a toda essa tensão teológica de diferentes grupos, o Imperador
Constantino, preocupado com a unidade do Império Romano, convocou um
concílio que seria realizado na cidade de Nicéia, com vistas a promover a unidade
da igreja. Em Junho do ano 325 esse concílio teve início com cerca de trezentos
bispos cristãos que, depois de muito debate, decidiram pela rejeição completa do
arianismo e pela excomunhão de Ário. Nesse concílio ficou decidido como
ortodoxia cristã o seguinte credo:
E no Espírito Santo.
Toda essa disputa levou à realização de mais um concílio, desta vez na cidade de
Constantinopla, no ano de 381, algumas poucas décadas após o Concílio de
Nicéia. No Concílio de Constantinopla o Credo de Nicéia foi reafirmado e a ele
foi adicionada uma explicação mais profunda a respeito da pessoa do Espírito
Santo. Sua parte final ficou definida da seguinte maneira:
A junção das conclusões destes dois importantes concílios ficou conhecida como
Credo Niceno-Constantinopolitano. Esse credo foi responsável por solidificar a
doutrina da Trindade nos primeiros séculos da igreja cristã.
Que glória! Aquilo que foi afirmado nas páginas das Escrituras, defendido e
preservado pelos pais da igreja e reafirmado por Agostinho chegou até nós hoje
e continua sendo proclamado pelos servos de nosso Senhor. Deus é Trindade!
Que o Senhor nos guie em um caminho de ortodoxia.
Heresias e “Ilustrações”
Como já constatamos, ao longo dos primeiros séculos da igreja cristã surgiram
erros e heresias sobre a doutrina da Trindade que reverberam até hoje. Desde o
primeiro século, o debate e a produção teológica a respeito da divindade do Filho
e da Trindade foram constantes, se intensificando século a século. Nesse período
inicial os teólogos buscavam boas formulações doutrinárias para explicar a
coexistência de Pai, Filho e Espírito Santo, bem como suas relações e a
possibilidade de harmonização com o monoteísmo cristão. Desse ambiente de
efervescência intelectual e teológica surgiram algumas heresias. Neste capítulo
vamos estudar as três mais importantes. Me baseei principalmente no livro
“Patrística: Origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã” de J.
N. D. Kelly (Vida Nova).
Modalismo
Essa heresia defendia que Deus era único e apenas se manifesta de formas
diferentes. Para os modalistas Pai, Filho e Espírito Santo não são pessoas
distintas, mas apenas modos diferentes pelos quais o Deus absolutamente
singular costuma agir. Hora ele se manifesta como Pai, hora como Filho, Hora
como Espírito Santo. Noeto foi um dos primeiros grandes defensores dessa
teologia modalista, mas foi com o teólogo Sabélio que essa doutrina herética
ganhou força, negando de forma tão veemente as distinções entre Pai, Filho e
Espírito Santo que, mais tarde, passou a ser chamada de sabelianismo. Até hoje,
pessoas ainda costumam explicar a Trindade em termos modalistas. É um erro
comum que precisa ser evitado.
Arianismo
Essa com certeza é a mais famosa heresia a respeito da doutrina da Trindade.
Como já vimos, Ário foi um teólogo que se preocupou em combater o
sabelianismo. Todavia, ao tentar fazer isso, cometeu o erro de se colocar
exatamente no extremo oposto, negando completamente a unidade das três
pessoas trinitárias e afirmando Cristo como uma espécie de semi-deus, tirando
seu caráter divino e dando a ele o status de criatura. Por conta disso, sua doutrina
ficou conhecida como subodinacionismo ou simplesmente arianismo. Robert
Letham bem resumiu as afirmações de Ário em cinco pontos 11:
3. Deus fez uma pessoa quando desejou criar, ele criou por um
intermediário;
Triteísmo
Ilustrações
Para evitar o risco de heresia e preservar o mistério trinitário costumo dizer que
não gosto de usar ilustrações para ensinar a respeito da doutrina da Trindade.
Quando se trata de ensinar crianças, gosto ainda menos. Isso porque nenhuma
ilustração consegue explicar corretamente a realidade trina. Não há nada em
nossa realidade que se assemelhe e não temos a capacidade de compreendê-la
completamente. Usar ilustrações pode atrapalhar mais do que ajudar,
principalmente quando as pessoas não possuem uma boa base teológica
trinitária.
Água
Alguns afirmam que a Trindade seria como a água, um único elemento que se
apresenta em três estados: sólido, líquido e gasoso. Infelizmente isso é
exatamente o que ensina a heresia modalista, ou seja, que Deus é uma única
pessoa que se manifesta de três formas diferentes. A água (H2O) em seu estado
líquido, sólido ou gasoso continua sendo água. Ela muda apenas o seu modo de
12
Alister McGrath, Heresia: Uma história em defesa da verdade. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 42
manifestação. Essa ilustração elimina a real distinção das pessoas da Trindade. E
como vimos, não é isso que a Bíblia ensina.
Ovo
Outras pessoas afirmam que a Trindade seria como um ovo, sendo um único
objeto formado por casca, clara e gema. Contudo, Pai, Filho e Espírito Santo não
são partes de Deus, mas todos eles são completamente Deus. Essa ilustração
ensina que não existem três pessoa e sim um único Deus formado por três partes
(cada pessoa), como se Deus fosse um quebra-cabeças. A casca sozinha não é
100% ovo, assim como a gema e a clara também não são. Todavia o Pai é Deus, o
Filho e o Espírito Santo também. Compará-los com um ovo nega a plena
divindade de cada um deles.
Sol
Segundo essa ilustração Deus seria como o sol, composto pelo próprio sol, pelos
raios do sol e pelo calor do sol. Ocorre que os raios de sol não são o próprio sol e
nem o calor o é. Mais uma vez a ilustração cai na heresia do modalismo, onde
Deus seria um único ser que se manifesta simultaneamente de formas diferentes.
Essa analogia, inclusive, foi usada pelo próprio Sabélio, no século III, para
explicar a sua teologia herética. Segundo ela, Filho e Espírito seriam apenas
expressões do Pai. Novamente, isso não condiz com o ensino bíblico e com a
tradição história da teologia.
13 Millard Erickson, Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 337.
Adoração trinitária
Um dos objetivos centrais para a confecção deste pequeno e-book foi arrancar da
mente de muitos cristãos o mito de que a doutrina da Trindade não possui
nenhuma implicação prática na vida cristã. Esse é um engano clássico que precisa
ser deixado de lado o mais rápido possível. Nesse capítulo olharemos para como
uma visão trinitária de Deus altera nossa adoração. A verdade é que a consciência
da realidade trinitária de Deus muda completamente a mentalidade com que nos
aproximamos dEle para adorá-lo.
Nos tempos do Antigo Testamento uma fórmula litúrgica chamada “berakah” era
constantemente usada para adorar a Deus. Essa fórmula consistia em bendizer o
nome de Deus e, em seguida, afirmar atributos ou ações de Deus pelos quais Ele
estaria sendo louvado. Essa fórmula litúrgica pode ser vista e bem entendida em
diversas partes do Antigo Testamento, principalmente nos salmos.
Perceba que Paulo adora a Deus pensando na Trindade, refletindo sobre Deus
como ele realmente é. Paulo mostra a transição da revelação divina e estabelece
um novo padrão de adoração. Do verso 3 ao 6 ele fala da pessoa do Pai e de suas
ações. De modo semelhante, do verso 7 ao 12, fala das obras do Filho e, por fim,
nos versos 13 e 14 se refere ao Espírito Santo. Vale lembrar que, no final de cada
uma dessas subdivisões textuais, Paulo rende graças a cada uma das pessoas da
Trindade, mostrando a todos um novo padrão de adoração e louvor, aquele que
considera Deus na sua revelação trinitária.
Devemos adorar a Deus todos os dias do mesmo modo que Paulo fez no primeiro
capítulo de Efésios, elevando nosso pensamento ao Deus Trino. Deus não é um
conceito filosófico ou um ser abstrato que se adapta ao modo como pensamos
sobre Ele. Na verdade, Deus é absoluto, imutável e pessoal e quer ser adorado
como ele é: Trindade. Quando deixamos de lado a verdade trinitária corremos o
14 Peter O’brien, The Letters to the Ephesians: The Pillar New Testament Commentary. Grand Rapids: 1999.
risco de não estarmos adorando o Deus bíblico, mas apenas uma criação de nosso
intelecto.
Ao lermos essas citações percebemos como esses teólogos dos primeiros séculos
pensavam, refletiam e adoravam a Trindade. Você pensa na Trindade quando
canta na igreja? Você fica maravilhado com a misteriosa unidade e pluralidade
em Deus? Você adora pensando em como cada pessoa da Trindade agiu para
nossa salvação? Te garanto que sua adoração será mais intensa e prazerosa
quando você começar a considerar a realidade de Pai, Filho e Espírito Santo. A
Trindade é visão mais elevada e gloriosa que podemos ter de Deus porque é
exatamente como Ele é, e assim deve ser adorado.
A Trindade e o amor cristão
Nosso último capítulo é sobre o amor. Não qualquer tipo de amor, mas o amor
cristão que segue o modelo do amor trinitário. Sim, o conhecimento da doutrina
da Trindade contribui de forma prática para a nossa vida cristã mudando
completamente o modo como amamos e enxergamos o próprio amor. Sem a
Trindade o conceito de amor cristão simplesmente rui, tornando-se apenas um
termo vazio de significado. A Trindade, como veremos adiante, é o modelo de
amor para o qual devemos olhar em nossas relações.
O apóstolo João inicia essa passagem com um imperativo: devemos amar uns aos
outros. Essa é a ordem do nosso Senhor e a marca principal de qualquer cristão.
Quem é cristão ama aos outros, quem não o faz nunca foi cristão. Mas o que seria
esse amor? Em que ele se fundamentaria? João dá seguimento ao texto justamente
respondendo a estas perguntas. Ele nos informa que esse amor está baseado no
próprio ser e caráter de Deus. É impossível que alguém conheça a Deus e não
consiga amar, porque Deus é amor. Ele é o padrão e a fonte do amor cristão.
Mas você já parou para pensar na afirmação “Deus é amor”? O texto não diz que
Deus tem amor ou que Ele manifesta amor. As Escrituras afirmam que Deus é
amor. Um ser que é amor obviamente precisa amar. E o amor pleno ama sempre
algo fora de si mesmo. E quem Deus ama? Os seus filhos? Sim! Mas quem Deus
amava antes de criar o mundo? A Bíblia não diz que o Senhor se tornou amor
depois de nos criar. Ele é e sempre foi amor, isso é a sua essência. Como um ser
solitário pôde ser amor enquanto esteve sozinho na eternidade? O significado de
amor não seria justamente olhar para fora de si e criar laços com o que é distinto?
“O que é, portanto, o amor senão uma certa via que enlaça dois
seres, ou tenta enlaçar, a saber, o que ama e o que é amado.”15
Agostinho de Hipona
Essa frase de Agostinho em seu livro “A Trindade” explica que o amor consiste
uma relação de, no mínimo, duas pessoas. Como Deus pode ser amor sendo
apenas um? A quem Deus amava antes de nos criar? Não é viável dizer que Ele
15
Agostinho, A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995, p. 284
não amava ninguém porque isso contradiz as Escrituras, que dizem que Deus é
amor. Também não é viável dizer que Ele nos criou pelo desejo de amar, porque
isso faria Deus dependente de suas próprias criaturas.
O mais coerente é que façamos uma junção dessas duas visões, sendo o Espírito
Santo o elo que liga o Pai e o Filho em amor, mas sem nos esquecermos que Ele
também é uma pessoa, um agente tanto ativo quanto passivo desse amor perfeito.
Deus só pode ser amor se Ele for Trindade, recebendo e doando amor em suas
relações trinitárias desde a eternidade.
Mas João, ainda no nosso texto base, nos revela em que se consiste esse amor
trinitário, bem como a forma exata em que ele se manifesta:
Imagine esse amor sacrificial, que é ensinado pela Trindade, sendo aplicado na
igreja. Todas as pessoas se doando uns aos outros sem esperar nada em troca.
Pense em como seriam as famílias, os relacionamentos e os casamentos se todos
tivessem essa mesma visão do amor. A Trindade tem servido de modelo para
que esse padrão amoroso seja aplicado, mas infelizmente a maioria dos cristãos
têm negligenciado essa doutrina por achá-la demasiadamente teórica e pouco
prática.
Essa é a maravilha de quem Deus é no seu eterno poder: Pai, Filho e Espírito
Santo. Contemplar e refletir sobre suas relações deve sempre nos levar à adoração
e ao amor despretensioso. Diferente do que muitos pensam, essa rica doutrina
nos ensina a verdadeira adoração e o amor genuíno. É olhando para ela que
crescemos e nos tornamos mais parecidos com Deus, tanto em nossa
individualidade quanto em nossa vida de comunhão com a igreja. O meu desejo
é que você conheça e prossiga em conhecer a Deus, o Deus Trino que se revelou
nas Escrituras!