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O New Gothic

na Moda e na
Comunicação
uma análise Histórica e Etnográfica

Uma publicação
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Título Original: O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise


Histórica e Etnográfica
Copyright @ Fabiana Maria Maioli, 2013
Todos os direitos desta edição
são reservados à Editora Fah Maioli
Rua Ugo Foscolo, 3
Milão - MI - Itália - CEP 20530
Site: www.fahmaioli.com
Email: fmm@fahmaioli.com

Maioli, Fabiana Maria.


! O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e
Etnográfica / Damé: Cândice, Presotto: Julia, Maioli: Milão, 2013.

1.Design 2.Moda 3.Arte 4.Análise de Tendências 5.Pesquisa de Moda e Design.


6.Gótico

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Dedicamos este ebook a todos aqueles que vivem alimentando a


própria curiosidade.

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Índice

Introdução

1. O Gótico e o Neogótico na História!


2. A Beleza Morta
2.1 A Estética da Morte: o New Gothic
2.2 O fenômeno New Gothic
3. O Comportamento Gothic
3.1 O gótico urbano no case da Observatório
3.2 A análise do grupo gótico urbano
4. A Música Gothic
5. O Cinema Gothic
5.1 Tim Burton: ícone do Cinema Ghotic
6. A Morte inspira a Moda
6.1 As décadas de 1980 e 1990
6.2 Uma nova vanguarda gothic
6.3 O Rei da Moda New Gothic: Alexander Mc Queen
6.3 O atual Ciclo New Gothic na Moda
7. Os Símbolos New Gothic na Comunicação de Moda e
Design

Conclusão
Autoras
Bibliografia

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Introdução

! Se examinarmos o conteúdo de revistas de moda, sites, vídeos,


blogs e a própria Moda, veremos que a Morte virou uma fashion
star, que vende roupas, acessórios, marcas, estilistas, celebrities e que
contribui com o estilo inclusive de seriados televisivos. De Ralph Lauren
e Alexander McQueen a Zara e Dolce & Gabbana, crânios, olheiras
profundas, locais lúgubres, a cor preta e motivos que aludem à morte
estão nas passarelas e vitrines!
! Na moda mainstream e nos magazines de lifestyle, modelos, atores,
estilistas e socialites preenchem o espaço visivo com narrativas mórbidas
que contaminam - e inspiram - a Literatura, a Música, o Cinema, a
Televisão e são a base para fotos de editoriais de Moda e Design,
reforçando o que Karl Lagerfeld afirmou em 2006: “Moda não é
apenas efêmera e injusta, é perigosa!”.
! Assim, este ebook explora o fenômeno fashioning of death
como uma estratégia na comunicação de marcas mainstream
e na tendência de expressão e estilo artístico, examinando sua
origem e continuidade através do que chamamos de estilo New
Gothic.
! Se moda é sobre consumo e conformidade, como afirmaram
Veblen e Simmel, refletindo as preocupações da cultura
contemporânea, sendo ligada a um contexto histórico e político
específico, pretendemos abrir um diálogo para responder às seguintes
questões:
- Por que a morte virou uma fashion star?
- Quem são seus criadores e que simbologia utilizam para
tratar deste tema da morte através do viés New Gothic?

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Da escuridão nasce a luz?

A imagem acima fez parte da comunicação impressa (esta foi retirada da Vogue Itália
em outubro de 2012) que se reportava ao novo Eau de Parfum de Chanel,
Coco Noir, lançado em setembro de 2012. Fora de uma caracterização apenas de
mood gótico, o tom escuro, para Chanel, representa o Oriente e foi inspirado, segundo
nossa pesquisa, no livro de Paul Morand Venises (Ed. Gallimard) e na própria
vivência de Gabrielle que a Veneza, em 1920, passava por um período negro (a morte
de Boy Capel).

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1. O Gótico e o Neogótico na História!


!
!
! O nascimento oficial do que conhecemos como estilo
gótico deu-se através da Arquitetura, com a construção do coro
da Abbaye Saint-Denis em Paris, no ano de 1144.
! Já o termo gótico, de caráter depreciativo, foi criado por
Giorgio Vasari no Séc.XVI, pois ele considerava esse movimento
sinônimo de barbárico, já que se contrapunha à linguagem clássica
greco-romana do Renascimento, vigente à sua época.

Nas imagens acima, vemos detalhes das obras Discesa ao Limbo de Bonaiuto (1365) e Angeli, de Pietro
Cavallini (1289,) que atestam que, no uso dos elementos visuais bem como cores, os artistas desse
momento histórico eram muito originais e criativos. Imagens Fah Maioli.

! Seu desenvolvimento maior deu-se no final do Séc. 12


(Trecento) e início do Séc. 13 (Quattrocento), onde afirmou-se na
Europa como uma linguagem artística homogênea, que definimos hoje
como gótico internacional. As características principais dessa
linguagem estética eram: o realismo epidérmico, que analisa todos
os aspectos da vida real e da Natureza e que convive com o grotesco e

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possui atmosferas idealizadas; a escolha de uma narração elegante e


tranquila; o amor pelo fluxo e o interesse pelo Antigo.
! A linguagem artística do gótico internacional é rica de
contradições que refletiam o momento social e histórico desta
que foi uma das épocas mais difíceis da história da Europa, plena de
carestia e terror vindos da Peste e das guerras internas. Aos problemas
sociais se uniu o declínio das instituições, como o mundo papal, os
impérios e os feudos que tinham assegurado uma certa “segurança
social” até então. Contemporaneamente, a classe nobre foi perdendo o
próprio papel ativo no interno da sociedade, originando a mudança
geral de muitos modelos de vida e de comportamento.
! O gosto estético do "gótico internacional" que surge para
aplacar esta mudança comportamental da sociedade é repleto
de amor por luxo, objetos pequenos e preciosos, decorações refinadas e
materiais de alto valor. Isso espelha os ideais da cultura feudal em
declínio, mas ainda considerada exemplar, e, por esta razão, presa aos
modelos da emergente burguesia das
cidades.

Estátua de Papel e Metal pertencente ao acervo do V&A


Museum, realizada em 1820 no estilo Gothic Revival/
Romantic.

Alguns séculos depois, na segunda


metade do Séc. 18 até o início do Séc.
19, a sociedade européia, em revolta
contra o Racionalismo
I lu m i n i s ta e i n qu i e ta pe la
c re s c e n t e I n d u s t r i a l i z a ç ã o
levaram ao desenvolvimento do gothic
revival, que encontrou muito
acolhimento na Arquitetura, na Arte e,
principalmente, na Literatura da
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época. O país principal do movimento foi a Inglaterra.


! Este neogótico recusava a clareza e o racionalismo do estilo
Neoclássico vigente e era vivenciado como um mix de sentimentos de
apreciação das maravilhas das emoções extremas aliado ao temor
inerente pelo sublime. Por sua vez, as ruínas dos edifícios góticos
evocavam muitas emoções e
representavam a decadência
inevitável e a queda das
criações humanas.

Berço de Madeira pertencente ao acervo do


V&A Museum, realizada em 1861, por
Richard Norman, no estilo Gothic Revival/
Romantic.

As atmosferas lúgubres dos


romances da época, como
em The Castle of Otranto (1765),
d e H . Wa l p o l e, s e m p r e
ambientadas em cenários
medievais (e por isso
chamado gótico) como castelos, cemitérios, monastérios - onde têm
lugar fenômenos inquietantes, fantásticos ou macabros -, aliadas ao
misterioso, ao exótico e ao tenebroso tornaram-se, então, os elementos
caracterizantes deste revival.

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Memento mori

Essa frase em Latim, que significa “recorda-te que deves morrer”, era o conceito por
detrás do imaginário visual que representava a vanitas, que, na pintura, é uma
natureza morta com elementos simbólicos alusivos ao tema da impermanência da
vida. O memento mori náo é outra coisa se náão a consciência da mortalidade aceita
como um fato normal da vida. Na imagem vemos um detalhe do interno da Igreja San
Bernardino alle Ossa em Milano, decorada com milhares de ossos e crânios.
Foto Fah Maioli.

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Death Café

Um fenômeno que ilustra um modo de pensar “memento mori” são os famosos Death
Café, que são locais como bares e cafés ao redor do mundo onde os admiradores deste
conceito se encontram para falar sobre morte toda a semana. Curiosamente, o boom
deste movimento deu-se depois da crise de 2008.

O logo do Death Café de Ohio, EUA.


Imagem retirada do site: www.deathcafe.com

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Design atemporal?

A imagem acima fez parte da comunicação impressa (esta foi retirada da revista
Espresso, de 06 de dezembro de 2012) que se reportava ao icônico bracelete de Elsa
Peretti para Tiffany & Co.
Florentina, há mais de vinte anos, é a designer da linha que leva seu nome na famosa
casa joalheira, tendo sido já parceira de Halston e Oscar de La Renta. O osso do
punho é adornado pela sua pulseira de prata esterlina assimétrica, significando que
certamente nãoo apenas resiste ao tempo cronológico, mas que também é uma peça de
design atemporal.

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Um testimonial ideal em tempos de escuridão...

Saint Laurent convidou o rocker Marylin Manson para ser seu testimonial na
campanha publicitària desta estação! O músico, cujo nome real è Brian Hugh Warner
foi escolhido pelo Creative Director Hedi Slimane para a etiqueta menswear de SL em
2013. Conhecido pela sua estètica Nineties grunge, muito new gothic, foi
imortalizado com os sìmbolos bàsicos de um closet gótico: uma black leather biker
jacket, um batom escuro e forte delineador nos olhos.

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2. A Beleza Morta

! A representação da “beleza morta” é um tema


recorrente na arte ocidental: temos presente os corpos mortos dos
guerreiros romanos ou o Cristo da tradição católica na cruz, as imagens
surrealistas de Dada, o cinema de Visconti, as fotografias de Man Ray e
finalmente a obra A Thousand Years de Damien Hirst.
! Existem períodos onde a linguagem visual cristaliza temas
melancólicos mais do que em outros. A máquina do medo, que
fabrica estes momentos, existe desde sempre e é quase sempre
vinculada aos períodos de crise ou da proximidade de um
novo século, apenas para citar os exemplos mais comuns e dos quais
apenas “conseguimos
escapar” (o ano 2000 e
a crise de 2008).
"
Detalhe da obra de Damien
Hirst, A Thousand Years
(1990).

Os períodos de
c r i s e s ã o mu i t o
favoráveis aos
profetismos
apocalípticos que
trazem consigo os
arquétipos e símbolos do fim (da morte), e o século passado,
com suas crises econômicas, suas duas guerras mundiais, a guerra fria, a
bomba atômica, as torres gêmeas, a Aids e o tsunami na Indonésia,
claramente, alimentaram o nosso inconsciente coletivo com o medo
da morte. O resultado é que os artistas e criadores, da Arte ao Design,
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que se utilizam desta “enciclopédia interna” para criar, entenderam o


chamado e colocaram coisas no mundo com estes referimentos.
! Na Moda, McQueen, Martin Margiela, Hussein
Chalayan e Viktor & Rolf inseriram no seu design um imaginário
macabro em resposta às mudanças sociais, econômicas, ecológicas,
políticas e tecnológicas, que criaram a alienação, o stress da vida diária,
a guerra, o terror, a violência das metrópoles e o medo da instabilidade.
! E é claro que a profusão da simbologia ligada à morte, como
por exemplo os crânios (veja artigo aqui), com o tempo, a torna vazia de
significado, tornando-se um fenômeno de menor alcance, que
chamamos de trendiness.

Acima, produtos da Zara, da coleção 2012.

! De outra parte, como a nossa resposta ao consumo é sempre a


de seguir a tendência, seja ela qual for, estamos vestindo e
consumindo imagens da Morte muitas vezes sem sequer
pensar a respeito. Do outro lado, designers e editores - e os setores
de marketing - reconheceram a atração que sentimos pelo tema e
continuam a inundar o mercado com a simbologia que lhe pertence.
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! Estas imagens, com o qual o nosso olhar encontra-se


diariamente, não são exatamente o retrato da saúde, nem muito menos
a representação de uma renovada vontade de potência e ação no
mundo. É um claro sinal de sofrimento desenhado nas faces destes
jovens que o elegeram como representativo de seu momento de vida.

2.1 A Estética da Morte: o New Gothic

! ! ! ! “Goth is always new. Goth is always


! ! ! ! different. It keeps evolving, adopting new
! ! ! ! fashion statements, new art statements. For
! ! ! ! every day that passes, goth changes and
! ! ! ! evolves.” Charles Alexander Moffat.

! Seja na Moda ou mesmo na Comunicação, estamos assistindo


uma espécie de retorno do estilo Gothic Revival, nascido ao final do Séc.
18, que também recebeu o nome de New Gothic, termo utilizado por
Moffat em 2001.
! Este revival faz uso de uma simbologia visual que nasceu com os
romances góticos, como Frankenstein (1816), de Mary Shelley, e
atingiu seu ápice com Drácula de Bram Stocker (1992), que
retomou o tema do vampiro lançado primeiramente por John Polidori.
Neste, Stoker inseriu uma atmosfera pesada e obscura, onde primam o
horror e a ameaça. Adicionando um clima lúgubre e fatos
sanguinolentos, violentos e misteriosos. Isso criou um repertório
de termos e imagens que capturavam a atenção do leitor da época.
! Nas narrativas, era presente sempre o eterno embate do Bem
contra o Mal, o primeiro representado pelo “Cavaliere”, e o segundo
por elementos sobrenaturais ou “malvados”.
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! Atualmente, este repertório está presente na maioria das


imagens que nos seguem na Comunicação de Moda ou Design,
mostrando, quase sempre, modelos com olhares lânguidos e olheiras
redundantes sobre uma diáfana pele branca. Vemos a opressão, a
claustrofobia e a perversão, mas sempre glamourizadas.
! Não faltam nem insetos pousados sobre as faces como se estas
estivessem mortas já há algum tempo. Faces que pertencem a corpos
que expressam - muito bem-vestidos, aliás - a memória física das
torturas sofridas. Em alguns casos, podemos ver as veias azuis nos
braços anoréxicos de algumas modelos, quando não são tatuados por
símbolos misteriosos…
! Bem, resumidamente, isto é o mood New Ghotic!
! Também estamos assistindo a uma celebração do período
Gótico ou da figura romancesca de ícones góticos, desde a mostra
“Drácula e o mito dei vampiri” na Triennale em Milano (pode ser
visitada até o dia 24 de março de 2013) e na miríade de seriados, filmes
e livros na onda dos belos vampiros de Twillight.
! O próprio movimento "gótico" é o tema principal de muitas
mostras de Arte aqui na Itália desde 2011, como vimos em Milano, com
“Gotich Lolita Decadence”, um vernissage fotográfico do artista
Troppogallo; em Napoli, com “Gothic Is In The Air”, uma mostra-
evento de Lucariello e D’auria; em Firenze, com a mostra “Il Gotico
Internazionale a Firenze”, em Trieste, no espaço Liberarti, com a
mostra “Gothic Beauty”, e finalmente em Como, chamada “La
Dinastia Bruegel”, com os mestres flamingos.
" Na Mostra da Triennale, vimos o retrato original de Vlad
Tepes, que pertence ao Kunsthistorisches Museum e alguns figurinos do
filme Dracula, de Francis Ford Coppola, como a desenhada por Ishioka
Eiko.

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Na imagem acima, vemos uma montagem onde, na figura principal temos a publicidade da Coleção da
Prada Outono-Inverno 2012-2013 que retomou o mito do Drácula utilizando-se inclusive de Gary
Oldman como testimonial, ele que representou Vlad Drakul no filme de Coppola.
(Imagens © 1992 Columbia Pictures Industries, Inc. All Rights Reserved). Montagem Fah Maioli.

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2.2 O fenômeno New Gothic

! O New Gothic é uma estética e um comportamento


muito importante, que está em voga há mais de uma década, seja
pela vastidão de seus referimentos iconográficos, pelo tratamento de
algumas temáticas, como a morte, ou ainda pela sua visão fortemente
inspiracional para a Moda, o Cinema e a Arte (pensemos na poética de
Damien Hirst e em Gothic Works de Wim Delvoye, como vemos

abaixo).
! O movimento goth, nascido do ramo do género musical post-
punk ao final da década de 1970, revelava-se através de bandas
musicais importantes no Reino Unido, como, por exemplo, Siouxsie and
the Banshees e The Sisters Of Mercy, e inspirava já muitas coleções de
Moda à época, mas foi apenas no início dos anos 1980 que o
movimento gótico tornou-se uma cultura própria. ! Dizem que o
termo gothic foi um caso: aqui, a palavra veio usada por Ian Astbury
para descrever Andi Sex Gang, cantor do grupo Sex Gang
Children, como um gothic pixie em virtude do modo como dançava

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e se movia. As revistas New Musical Express e Sounds apropriaram-se do


termo e iniciaram a usá-lo para indicar aquele gênero musical relativo a
este movimento social em particular, derivado do punk. Esse grupo,
juntamente com outros, atuava no lugar-chave do movimento que foi o
nightclub inglês Batcave (vemos o logo abaixo), em julho de 1982, que se
oferecia como um
ponto de
e n c o n t r o
fundamental para
os apaixonados
desta nova cena
emergente, que
veio denominada
pela revista
inglesa New
Musical Express
come positive
punk. Curiosamente, o termo batcave foi usado pela mídia européia
durante muitos anos
para referir-se aos
admiradores da
música gótica com
um toque post-punk
em atmosferas
assustadoras.
! O u t r o s
analistas deste
fenômeno datam a
origem do
movimento no ano
de 1979, quando
Bauhaus lançou a
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música Bela Lugosi's Dead (vemos a cover do LP ao lado). Essa música é


fundamental para compreendermos o simbolismo do qual o goth
ainda hoje se nutre: começa pelo referimento ao ator de filmes de
horror Bela Lugosi (1882-1956), que interpretou Drácula em vários
filmes e toma emprestado alguns frames de filmes sobre Frankenstein.
Descreve o funeral de Bela Lugosi como se fosse a morte de um
vampiro, com morcegos, o veludo vermelho de um caixão negro, as
esposas virgens que desfilam em torno á sua tumba e que jogam
flores mortas. A voz de Peter Murphy, entre uma estrofe e outra,
repetindo "Undead, undead, undead" (não morto), representa a
imortalidade do Vampiro interpretado e que tornou-se o ícone
cinematográfico de Lugosi.
! Mais tarde, dos anos 1980 até o início dos anos 1990, os
membros do emergente grupo gótico eram chamados de grufties
(criaturas do túmulo) na Alemanha e representavam a fusão entre o
género goth e aquele new wave com influências new romantic, como, por
exemplo, Dead Can Dance (exemplo de uma cover de CD abaixo) e formaram
os primeiros estágios do
que hoje conhecemos
como cultura dark,
batizada atualmente
como darkwave culture.
Depois da morte do
post-punk, o goth
continuou a evoluir
musicalmente e
visualmente, causando
uma variação do estilo e
diversos tipos,
subgêneros do
movimento goth. Com o
p a s s a r d o s a n o s, a
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definição de goth é levada para a linguagem comum, e ele começa a ser


usado impropriamente para definir grupos musicais que não têm quase
ou nada a ver com a subcultura goth original, nem musicalmente, nem a
nível estético.
! No início dos anos 1990 ele retorna à cena mundial e une-se a
outros gêneros musicais e bandas como Marilyn Manson e Nine Inch
Nails, que reavivaram o New Gothic para toda uma nova geração,
chegando, inclusive, ao Japão como uma tendência de moda para os
adolescentes chamada Gothic Lolita.
! Nesta época, a retomada deste movimento utiliza-se da moda
vitoriana, dando vida a uma revisitação em chave goth em um mix
com a metade do Séc. 19 e seus aspectos sombrios. É desta época a
famosa revista americana Propaganda, de Fred H.Berger, que, pela
primeira vez na editoria, apresentava tudo aquilo que fosse relativo à
fetish fashion de uma forma visualmente precisa e requintada.

Uma comparação entre a revista Dark Beauty Magazine (jan/2013) com a gothic blogger La Carmina
e como era a o conceito da capa da Propaganda, em 1990.
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! No âmbito cinematográfico, vemos Drácula de Bram Stoker


(1992), de Francis Ford Coppola, que podemos reconhecer como ponto
de referimento inicial nesta década do cruzamento entre Horror,
Romantismo e aspectos crepuscolares sobre os quais baseia-se a
estética New Gothic. Neste filme, Drácula é um aristocrata que faz parte
de um mundo que não existe mais. A sua nobreza e elegância
combinam-se com uma profunda solidão existencial. Soma-se a
isso a sua impossibilidade de assimilar-se à realidade que o
circunda, sobretudo quando vai em busca de sua amada, Mina,
habitante de uma Londres vitoriana.
! Curiosamente no filme, a designer japonesa Ishioka, que venceu
o Oscar pelos costumes, inspirou-se em pintores simbolistas,
surrealistas, Dante Gabriel Rossetti e na moda vitoriana para
todos os vestuários, que são uma chave preciosa de compreensão de
quais seriam os movimentos artísticos ou artistas que, de alguma forma,
contribuem para a estética visual New Gothic. Convém lembrar que todas
estas indicações retornaram com força nesta última década,
principalmente na Moda.

Na montagem acima, vemos Ophelia: a primeira por Paul Fryer, inspirada na segunda, de John Everett
Millais, que foi um pintor inglês da época vitoriana e cofundador da Fraternidade dos Pré-Rafaelitas.
Montagem Fah Maioli.

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! A androginia de Drácula, que é uma das características


visuais da persona New Gothic, é comunicada de forma muito emblemática
no vestido à moda turca que ele veste na maior parte das cenas de sua
intimidade, num intercâmbio de códigos masculinos e femininos
sobrepostos.
! Essa androginia volta com força em 1994, na onda das
histórias de vampiros do diretor Neil Jordan, que torna-se famoso com o
filme Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles, baseado no primeiro
romance de Anne Rice, que também joga fortemente com a
ambiguidade sexual e as pulsões homoeróticas. Os vampiros,
aqui, são jovens e belíssimos e vivem entre a França de 1700, a
Louisiana do final de 1800 e San Francisco.
! No final dos anos 1990, o termo goth e os limites referidos a esse
movimento tornam-se cada vez mais indefinidos, e ele é finalmente
absorvido e diluído pela cultura juvenil, alcançando o mainstream com o
auxílio das novas mídias.
! O referimento passa da música ao fator estético e, aqui, a
Moda o revitaliza, apresenteando-o inclusive ao fenómeno fast fashion.

Cena do filme Interview


with the Vampire: The
Vampire Chronicles.
(Imagem © Geffen
Pictures - All Rights
Reserved)

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Uma musa Noir?

A imagem acima fez parte da comunicação impressa (esta foi retirada da revista
Vogue Itália de dezembro de 2012) que se reportava ao lançamento do perfume
Noir, de Ricardo Tisci, para Givenchy, em setembro de 2012.
No momento de seu lançamento, o designer dizia que o objetivo era o de atingir “a
luminosa feminilidade, extraordinária como a beleza escondia das coisas a descobrir”.
Por isso, a escolha da modelo Mariacarla Boscono, que, segundo ele, é uma “musa
delicada e forte ao mesmo tempo”.
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Frascos que contêm a Noite...

A imagem acima fez parte da comunicação impressa (esta foi retirada da revista D
Reppublica Itália, de março de 2013) que se reportava ao relançamento do perfume
Eau de Nuit, da Armani. Nascido em 1984, sendo a primeira fragrância de
Girogio Armani, foi relançado em um novo frasco, escuro, com base
metálica, tampa em bachelite escura, tendo como testimonial o
designer, com a sua foto e a sua assinatura “It’s mine”.

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Um perfume para vampiros urbanos?

As imagens acima foram retiradas do vídeo de lançamento dos perfumes Guilty


e Guilty Black, respectivamente, da Gucci, lançados recentemente. Notamos a
clara alusão aos filmes noir e a toda uma estética “vamp”. Montagem Fah Maioli.

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Makeup Vamp

A imagem acima fez parte da comunicação impressa (esta foi retirada da revista D
Reppublica Itália de março de 2013) que se reportava ao lançamento da Mascara
Vamp!, da Pupa, em março de 2013. Notamos a clara alusão aos filmes noir e a
toda uma estética “vamp”, não apenas pelo nome, mas pelo visual da modelo e das
cores utilizadas, ou seja, o preto e o vermelho.

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3. O Comportamento Gothic

"To understand why we chose the name, think of


the subtle transformation of something dead into
something living - the transformation of
inanimacy into animacy. Think of the processes
concerning life from death, and death into life.
Our music takes a similar path." B.Perry: the
nature of the name Dead Can Dance.

! O século passado viu nascer a cultura juvenil que foi matriz


de uma ampla revolução cultural que modificou todos os costumes e a
mentalidade coletiva das gerações que vieram depois.
! Seus integrantes, inicialmente tratados pelo mercado como uma
“massa compacta dotada de poder de consumo”, caracterizaram-se, na
origem, pelo seu voraz internacionalismo, tiveram o jeans e a música
rock como marcas e, o mais importante, aboliram os confins territoriais
e os pertencimentos raciais.
! Esses elementos juntos permitiram o desenvolvimento de
novas e potentes indústrias: a musical, a cinematográfica e a
da moda, que continuam a colocar no mundo produtos criados e
destinados para essa cultura.
! Este fenômeno, aliado ao mood histórico-social atual, talvez nos
explique por que o movimento New Gothic tenha sobrevivido às
demais subculturas do mesmo período, pois é a única que se originou e
desenvolveu-se desde o seu início com a Moda, o Cinema e a Música e
está em constante renovação e adaptação ao tecido cultural e social da
atualidade.

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3.1 O gótico urbano no case da Observatório

! A Observatório, de Júlia Presotto e Candi Damé, realizou um


estudo etnográfico sobre o grupo gótico urbano de Porto Alegre. A
descrição de campo e a invasão de cenários podemos ver no descritivo
das pesquisadoras abaixo:
! “Nosso primeiro contato com o grupo deu-se através do
Facebook, na página Góticos Porto Alegre. Iniciamos uma conversa
com o moderador e explicamos o objetivo da nossa pesquisa. Em
contrapartida, ele nos contou um pouco da cena gótica de Porto Alegre
e indicou algumas pessoas com as quais poderíamos conversar. A partir
desse primeiro contato, falamos com mais alguns participantes da
estética pelo Facebook e combinamos de nos reunir para conhecer e
saber um pouco mais sobre essa subcultura. Fomos convidados a
participar de um dos encontros realizados aos domingos na Praça da
Matriz, no Centro Histórico da cidade de Porto Alegre. Assim,
estabeleceu-se um diálogo e uma rede de troca de informações on-line e
off-line.
! O encontro foi realizado na Praça da Matriz, por volta das 17
horas, em um domingo quente de fevereiro. Fomos recebidos
amistosamente, nos unimos ao grupo, e nossa interação passou a se
tornar mais real. No começo, havia poucas pessoas e, em seguida, foram
chegando outros integrantes. Todos se apresentavam e contavam um
pouco de suas vidas e de como a cena gótica fazia parte do universo de
cada um e também do grupo como um todo. O vinho foi a bebida da
noite e é presente em quase todos os encontros.
O entrosamento aconteceu de maneira espontânea e, além da
conversa, fizemos alguns registros fotográficos. Durante a semana que
sucedeu, continuamos nos comunicando pelo Facebook, e foram feitas
algumas entrevistas individuais. O local escolhido foi a Casa de Cultura
Mario Quintana. Tanto esse local como a Praca da Matriz são
FahMaioli & Observatório 30
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

apontados pelo grupo gótico como referências de beleza e arte, assim


como os cemitérios são descritos por eles como locais agradáveis e
tranquilos de se encontrar.
! Esses locais do Centro da cidade são escolhidos para os
encontros dominicais porque, além de proporcionarem uma aura de
beleza e requinte, fazem para história de Porto Alegre. O segundo
encontro com o grupo aconteceu na Casa de Cultura Mario Quintana,
às 19 horas de um dia chuvoso. Como no encontro anterior, a bebida
era o vinho.
! Nesse encontro, havia poucas pessoas porque, além do mau
tempo, estava acontecendo na cidade o show de uma banda que alguns
participantes assíduos do grupo foram assistir. Nessa noite, além dos
conhecidos do encontro anterior, tivemos contato com pessoas que
ainda não tínhamos encontrado pessoalmente.”

3.2 A análise do grupo gótico urbano

Quando pensamos nos grupos urbanos, muitas vezes, o que nos


vem à mente é um modelo estereotipado. Não é diferente com o góticos
da cidade de Porto Alegre. Por se vestirem de uma maneira
característica - preto, maquiagem carregada, olhos marcados, boca
escura e rosto pálido, acessórios como ankh, caveiras e coturnos -
acabam chamando a atenção e se destacando. A um primeiro olhar, a
vestimenta adotada pelos góticos, pode nos lembrar de algo sombrio ou
mórbido. De fato, as sombras e a morte são temas recorrentes que
fazem parte desse universo e se refletem no seu jeito de vestir.
! A morte, os cemitérios e as sombras são temas que os góticos
assumem com naturalidade, pois acreditam que lidar com tabus faz
parte da vida. Compreender a morte e a finitude é uma maneira de
compreender e dar significado à vida. Acreditam que, através da
FahMaioli &Observatório 31
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

contemplação, se pode enxergar e admirar a beleza que


existe em todas as coisas.
! Os góticos se dizem um grupo laico, não discutem sobre
religião, pois acham que é um escolha pessoal. Respeitam e toleram as
diferenças que possam existir dentro e fora da subcultura.
! A definição do que é ser gótico é expressada individualmente,
de uma maneira única e particular; segundo eles, é um assunto que
nunca se esgota. O que os une é a maneira como enxergam o mundo,
tendo a busca pela mistério e pelo encanto como um objetivo maior em
comum e se valem da arte, da música e da literatura na suas mais
variadas formas – do sombrio ao romantismo clássico.
! A inspiração para se vestir e os ícones que estão no
imaginário gótico podem estar relacionados com a música, e,
aqui, podemos citar Bauhaus, Joy Division, Sisters of Mercy e
com o cinema, como os personagens de Brandon Lee, em O Corvo ou
ainda nos romances sobre vampiros da Anne Rice.
! A roupa e a maquiagem podem ser mais carregadas ou mais
sutis, variando muito com cada situação e sendo uma escolha bem
individual. Conciliar ambiente de trabalho e estudo, que muitas vezes
exige uma vestimenta padrão, faz parte da convivência social. Para
alguns, isso se torna mais difícil, para outros é mais natural.
! Uma das meninas entrevistada, relata que trabalha durante a
semana como manicure, e que é obrigatório usar um uniforme branco.
Mesmo que o branco não faça parte do seu guarda roupa, ela entende
que, para esse trabalho, se faz necessário, deixando suas roupas pretas e
acessórios para o final de semana, festas e encontros góticos. Afinal,
segundo ela, ser gótico não passa apenas pela vestimenta, mas
por uma filosofia de vida maior.
! Levando em consideração esse contexto, observamos que não
existe um traço de humor ou um comportamento típico do
grupo, mas certas características em comum, como a introspeção, o
gosto pelo obscuro e locais lúgubres, música e poesia
FahMaioli & Observatório 32
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

melancólica, ambiguidade e feminino, reflexão sobre a


morte e a dramaticidade.
! A intensidade como expressam os sentimentos, independente de
ser um sentimento bom ou ruim, alegre ou triste, é vista como a maior
liberdade para os góticos.

FahMaioli &Observatório 33
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

O lado obscuro da beleza…

A montagem acima faz referência a muitas das principais revistas de


comportamento e moda de 2012 que retrataram em suas
capas um mood new gothic interessante. A sugestão estética destas imagens são
fortemente ligadas a um inconsciente que contém o que náo pode ser dito e que pode ter
forma apenas através do código universal da beleza. Montagem Fah Maioli.

FahMaioli & Observatório 34


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

4. A Música Gothic

! A música gothic engloba muitos estilos diversos, mas a tendência


comum é aquela de um som e de uma perspectiva dark, escura e
sombria.
! Os grupos musicais que inauguraram a cena gothic rock e death
rock eram limitadas em número e incluíam Bauhaus, Siouxsie & the
Banshees, The Damned, Southern Death Cult, Sex Gang Children, 45
Grave, UK Decay, The Virgin Prunes, Alien Sex Fiend e Christian
Death. Grupos como Joy Division, The Cure, Dead Can Dance e
Killing Joke também estão conectados a este movimento, mas de forma
externa.
! A partir da metade dos anos 1980, os grupos musicais
começaram a tornar-se populares e nasceram The Sisters of Mercy,
The Mission UK, Xmal Deutschland, The Bolshoi e Fields of the
Nephilim. E’ neste período que criam-se os rótulos gothic rock, death rock,
industrial, electronic body music, ambient, experimental, synthpop, shoegaze, punk
rock, glam rock, indie rock até a dance music do final dos anos 1980. Marilyn
Manson, embora tenha um visual gothic, pertence à corrente industrial
metal e alternative metal.
! Os anos 1990 viram nascer os selos musicias Factory, 4AD e
Beggars Banquet e Cleopatra, voltados, principalmente, para o New
Gothic de New York e Los Angeles. O nascimento da música e do estilo
cybergoth, com muita similaridade com a techno, o synthpop e a eletronic body
music, resultaram em uma divisão ao interno do movimento, mas
exemplos como The Crüxshadows, que combinam eletronic e gothic rock,
encontraram sucesso em todas as camadas.
! Atualmente, a cena gothic é muito ativa na Europa,
principalmente na Alemanha, onde temos os festivais de Wave-Gotik-
Treffen ou o M'era Luna. Paralelamente, se desenvolveu um ponto de
conexão com a cena metal, que originou o gothic metal, resultando em
FahMaioli &Observatório 35
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

uma música de atmosfera melancólica e decadente. Muitas vezes, é


fundida com acordes da música clássica, graças à presença de harpas e
vozes femininas de soprano.
! As temáticas comuns a todos não muda: do binômio amor-
morte, passando pela interioridade emocional até pelo
sofrimento existencial das tragédias da vida. Os grupos de
muito sucesso hoje são Theatre of Tragedy, Tiamat, Tristania, The Sins of Thy
Beloved, Sirenia, Apocalyptica, Type O Negative, Sentenced, Entwine e To/Die.
! Já Baustelle - que não pertence à corrente gótica - apresentou
este tema em seu último disco, Fantasma, lançado em janeiro de 2013
pela Warner, onde tratou de toda a temática de cunho New Gothic, que
foi o fio condutor das 13 músicas do CD. A raiva, o misticismo, o medo
e os nossos piores pesadelos foram transformados em música para as
massas…

! Também outra famosa trendsetter utilizou-se do mood New


Gothic não para o tom musical de suas criações, mas para seu
imaginário visual: Lady Gaga, que há pouco atingiu mais de 28
milhões de followers e tornou-se a artista mais seguida em Facebook.

FahMaioli & Observatório 36


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

! Ela utilizou-se do imaginário New Gothic nas covers de seu


sucesso planetário The Fame Monster (graficamente mostrado com
uma cruz ao contrário: The Fame Mons†er) no seu terço EP
publicado em novembro de 2009 pela Interscope Records.
! Não bastando isso, decidiu fundar sua própria social network,
chamada carinhosamente de Littlemonster.com.

FahMaioli &Observatório 37
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Renascimento da Alma?

A imagem acima fez parte da comunicação impressa (esta foi retirada da revista
Vogue Itália de outubro de 2012) que se reportava ao lançamento do perfume Madly,
da Kenzo, em 2011. Veja a simobologia da Borboleta dentro do imaginário New
Gothic no capítulo 7 deste ebook.

FahMaioli & Observatório 38


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

5. O Cinema Ghotic

! No cinema, o gothic firmou-se como um verdadeiro e próprio


gênero cinematográfico com características reconhecíveis:
ambientação em lugares lúgubres, como castelos e igrejas
abandonadas (mais tarde estes lugares foram subterrâneos próximos
ás metrópoles); atmosferas escuras e úmidas, com forte
contraste de luz e sombra, personagens monstruosos, misteriosos e
demoníacos em oposição a figuras positivas, efeitos inquietantes,
como portas que abrem abruptamente e velas que se apagam sozinhas.
Não faltaram também estados psíquicos alterados e uma
sexualidade desviada e/ou ambígua. Todos os grandes cineastas do
século XX, como Hitchock, Fellini, Polanski, criaram peças com esses
temas.
! Esta foi uma influência direta das bruxas e fantasmas da escola
de cinema mudo escandinavo e dos vampiros e robots do
expressionismo alemão. O marco inaugural deste gênero foi com
Drácula de Bela Lugosi e com Boris Karloff na pele de
Frankenstein, ambos de 1931.
! Nos anos 1930 e 1940, entra em cena o componente das “bestas
malditas”, nos anos 1950, a ficção científica, apocalíptica e galáctica
e, depois de Godzilla (1954), prosperam os animais gigantescos de
origem nuclear, reflexo direto da bomba de Hiroshima, inspirado no
simpático King Kong, de 1933.
! Nos anos 1960, os EUA, com Vincent Price, trazem ao mundo
o cenário quase alucinógeno de E. A. Poe e, nos anos 1970, surge Brian
De Palma com sua técnica sofisticada para assustar, através do uso do
satânico e do demoníaco. Na mesma época, conhecemos Wes Craven,
com Last house on the left (1972), David Cronenberg, com They came from
within (1976), Tobe Hooper, com The Texas chainsaw massacre (1974) e
chegamos aos grandes sucessos de The exorcist (1973) e Carrie (1976), de
Brian De Palma e Halloween (1978) de John Carpenter. Paralelamente,
FahMaioli &Observatório 39
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Stephen King, que é um escritor cinematográfico, começa a ter seus


livros adaptados ao cinema e este gênero começa a atingir a sua
maturidade, sendo denominado então de “new horror”.
! Já na década de 1980, a tendência geral é, de uma parte o
desenvolvimento dos temas sobre os alienígenas, invasores ou
perigosamente “diversos da comunidade”, como vimos com Halloween e
The Thing, de John Carpenter, e de outra o sucesso da metamorfose dos
corpos, com The Fly, de David Cronenberg.
! O elemento aglutinante desta nova fase foi o abandono da
tradição gótica, dos monstros trágicos e solitários. O “new horror”
trouxe o terror para o coração da mesma sociedade: o monstro
está agora atrás da porta do nosso vizinho de casa, ou, pior ainda, faz
parte de nós mesmos.

Na mariposa do poster de
Silence of The Lambs, ficou clara
a alusão à fotografia de Salvador
Dalí por Halsman, onde ele posa
com a sua obra “In Voluptate
Mors” (Imagem poster © 1992
Orion Pictures, Inc. All Rights
Reserved). Já a obra o Grito, de
Edvard Munch (1893), foi a
inspiração para o cartaz
promocional do famoso The Scream
de Wes Craven, de 1996.
Montagem Fah Maioli.

Nos anos 1990, vimos o


tema do serial killer vir à
tona, inspirando The
Silence of the Lambs, de J.
Demme (1991). David
Lynch lançou o seriado Twin Peaks, em 1990, que é um marco na soap
opera americana por vários motivos: é a primeira vez que esta se mistura
FahMaioli & Observatório 40
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

ao gênero horror; o gênero policial deixa espaço ao thriller sobrenatural,


no drama familiar, entra o grotesco, vêm afrontados temas tabus como a
violência, o incesto, a ruptura dos laços familiares e a aproximação,
mais ou menos espiritual, de a uma nova realidade feita, como diria
Stephen King, de pesadelos e delírios.
! Superadas, nos últimos anos do Séc. 20, a fase demencial e
serial do cinema horror, onde dominaram as citações e o humor
escrachado, como Scary Movie e Friday the 13th, assistimos a possíveis
desenvolvimentos ligados a outros lugares, como Japão e Coreia, tal
qual foi em The ring (2002), o remake de Gore Verbinski do filme Ringu
(1998), do japonês Hideo Nakata.

5.1 Tim Burton: ícone do Cinema Ghotic

! Tim Burton é um dos cineastas cardinais do cinema gothic,


oferecendo sempre uma versão sombria da vida, descrevendo-a através
de aspectos obscuros e misteriosos, mas com um toque humorado e
lúdico.
! As características principais do cinema horror gothic de Burton
são vampiros, zumbis (ou outras formas de não mortos como
fantasmas e diabos), antigas maldições, criaturas possuídas
por demônios, e ainda objetos inanimados dotados de vida pela
magia, por bruxas ou ainda por cientistas malucos. !
! Sua inspiração é a cultura popular com suas fábulas e
tradições, e, com isso, inventou um novo gênero hollywoodiano, feito
de ambientações góticas caracterizadas por uma forte e bizarra
criatividade. Seu grande sucesso, sentido inclusive pelo grande afluxo de
visitantes na mostra a ele dedicada no Moma, de New York, em 2009
(foi a terceira mais visitada depois das de Picasso e Matisse), deve-se,

FahMaioli &Observatório 41
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

principalmente, aos filmes Edward Scissorhands (1990), Tim Burton's The


Nightmare Before Christmas (1993), o remake Charlie and the Chocolate Factory
(2005), juntamente com Corpse Bride (2005) e, finalmente, com Sweeney
Todd: The Demon Barber of Fleet Street (2007). Recentemente, vimos a sua
adaptação do livro de Lewis Carrol, Alice in Wonderland (2010), cheio de
imagens inquietantes e situações fantásticas de ação e violência.

No filme de Tim Burton, Corpse Bride, é clara alusão ao gothic style, principalmente na moda que
ambos se vestem e na arquitetura (Imagem © 1992 Warner Bros Pictures, Inc. All Rights Reserved)

! Não foi por acaso ele ter dirigido o mais famoso mito ligado ao
gothic, o super-herói Batman, que, com o filme homônimo, é lançado
em 1989, produzido pela Warner Bros, sendo um sucesso financeiro e
de crítica que deu frutos ainda em Batman Returns, de 1992. Já
Batman Forever, de 1995, foi dirigido por Joel Schumacher e deu
sequência, em 1997, a um dos grandes fiascos do herói-morcego,
Batman & Robin.
! Em 2005, vemos Batman Begins, em 2008, temos The Dark
Knight, ambos dirigidos por Christopher Nolan, que encerra a trilogia,

FahMaioli & Observatório 42


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

em 2012, com The Dark Knight Rises. Aqui, vemos a clara alusão ao
morcego, que é símbolo conhecido de morte e obscuridade.
! Foi esse animal, que possui hábitos noturnos, dorme em lugares
escuros para evitar a luz do sol e em alguns casos, alimenta-se de sangue
de pequenos
animais que deu
origem ao mito
do vampiro,
popularizado na
Literatura e no
Cinema pelo
Drácula.

Ao lado, a imagem da
capa original da revista
em quadrinhos Detective
Comics, número 27, que
lançou Batman em
1939.

Assistimos, nos
últimos anos, o
retor no dos
vampiros
através das
adaptações
cinematográficas
dos romances de
Stephenie Meyer, publicados entre 2005 e 2008, denominada The
Twilight Saga, com os títulos Twilight, New Moon, Eclipse e Breaking
Down. A dupla de atores protagonistas de Twilight, Kirsten Stewart e
Robert Pattinson, faz muito sucesso entre os adolescentes de todo o
mundo, nas telas e fora delas.

FahMaioli &Observatório 43
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

! Este fenômeno pode ser explicado não mais através de uma


chave de leitura mitológica ou simbólica, como acontecia no passado,
mas através da análise do comportamento, visto que este grupo recusa o

conflito geracional e a crueldade, que é a principal característica do


vampiro bonzinho representado por Pattinson. Este os representa,
porque não tem regras a transgredir, compartilha do valor dos próprios
pais e se impõe a náo fazer mal a ninguém, mesmo que isto, na trama,
lhe custe muito.
As capas dos livros de Stephenie Meyer contam, através de objetos simbólicos, a base da trama que se
desenvolve na narrativa de cada título.

FahMaioli & Observatório 44


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6. A Morte inspira a Moda

“O Sublime é tudo aquilo que está junto ao


Terror e ao Prazer.” Edmund Burke

! Temos observado que a Moda está insistindo, desde a década de


1990, em mostrar um lado escuro, dark, através da representação da
morte, do trauma, da alienação e do decaimento.
! Esses temas perturbadores nos falam, porém, de algo muito
mais profundo do que a Moda, ou seja, do que está acontecendo no
nosso comportamento e na cultura de consumo de nossas vidas diárias,
cheias de ansiedades contemporâneas.
! Aqui, a moda gothic, originária da moda punk, insiste na
androginia e na inspiração no estilo do Renascimento e vitoriano,
muitas vezes, em um mix de ambos. Prevalece a cor escura, que se
alastra aos cabelos e ao make-up.
! Culpa direta da crise financeira, mas também dos tempos
líquidos e incertos e dos sentimentos de angústia que descrevemos no
capítulo 2 deste ebook, o estilo gothic, de certa forma, é uma alegoria
da nossa relação com a morte, com o fim das coisas, tornando-se
uma fonte visual muito sedutora para o mercado da Moda,
que, no fim de seu processo criativo, deve atingir o seu “consumidor”.
! Neste capítulo, compreenderemos que a relação entre a Moda e
a morte é articulada através de um longo matrimônio, que se desenvolve
sempre paralelamente, sofre influências de vários outros setores e evolui
de forma ascendente.
! Em termos visuais, no Séc. 20, a morte tem uma tradução
definitivamente inovadora com Elsa Schiaparelli que, em 1938,
desenhou em colaboração com Salvator Dalí o skeleton dress, que possuía

FahMaioli &Observatório 45
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

nas costas um preenchimento que imitava os ossos do sistema lombar,


como vemos na imagem abaixo.

Acima vemos a montagem com as imagens do vestido citado acima e a releitura de Alexander McQueen,
“Spine” Corset, de 1998.

FahMaioli & Observatório 46


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

6.1 As décadas de 1980 e 1990

! Neste período, como vimos anteriormente, o cinema continuou


a nos oferecer a estética goth, como recordamos com Catherine Deneuve
e Susan Sarandon no filme The Hunger, de Tony Scott, de 1983, que
conta com o “lindo vampiro” David Bowie (vemos na montagem abaixo o
cartaz e uma cena com ele). Vimos também o outfit sombrio, mas humorado,
de Lauren Hutton como uma condessa vampira na horror comedy Once
Bitten, de 1985, de Howard Storm (1985), com um jovem Jim Carrey.
Em 2004, Parker Posey, como Danica Talos, líder de um grupo de

vampiros deu o ar de sua graça em Blade: Trinity, de David S. Goyer.


! Começando com a década de 1980, vemos o surgimento de
novos estilistas, principalmente japoneses como Rei Kawakubo,
Yohji Yamanoto e Issey Miyake, a abertura de uma nova fronteira
na estética da moda, pois repensam a relação entre vestido e “vestida”.
Nesta época, convém lembrar, que Yamamoto propunha muitos
FahMaioli &Observatório 47
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

vestidos escuros, que eram uma alusão à espiritualidade mais


profunda, vinda da filosofia budista, como ele mesmo reconhecia.
Sabemos que a Moda retorna constantemente ao passado para
nele inspirar-se. E aqui o gothic constitui uma fonte muito trendy, pela sua
chave de leitura rétro-chic, que propõe, através de seu simbolismo
específico, uma conotação refinada.
! Na metade desta década, a Moda redescobre a estética gothic
através da revista The Face que era muito interessada no streetstyle e na
música. Alguns estilistas influenciados pelo gothic, como Scott Crolla,
que vestia Martin Kemp de Spandau Ballet, encontram nela um espaço
importante na divulgação de suas criações.
! No seu início, em maio de 1980, ela deu muito destaque aos
rockstars post-punk vizinhos à sensibilidade new romantic, como Adam Ant,
Spandau Ballet, Madness sendo pioneira em conectar identidade,
escolha de moda e gosto musical.
! Em um serviço de moda de dezembro de 1984, chamado
Apparitions, ela mostra algumas peças com uma chamada ao gothic, que
identificamos através dos tecidos e do uso da cor escura, imersos em um
clima etéreo, onde é citado como referimento direto de inspiração na
sensibilidade gótica e na imaginação visionária de Edgar Allan Poe. Em
Veiled Threats, de janeiro de 1985, ela apresenta Scott Crolla, John
Galliano, Jean-Paul Gaultier e Richmond-Cornejo através de
uma série de vestidos de veludo e de damasco inspirados claremente no
gothic.
! Nos anos 1990, o gothic evoca os mundos da religião, da magia e
do esoterismo, que atingem seu ápice no videoclip de Madonna, Frozen,
de 1998 dirigido por Chris Cunningham, com figurinos de Jean-Paul
Gaultier - ele que tinha recém feito a coleção outono-inverno de 1997
inspirada no gothic. Com as mãos tatuadas de henné para dar um tom
étnico, vestida conforme a moda vitoriana, enquanto seu corpo ora
flutuava ou ora desaparecia como magia - sendo transformado em um

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

bando de corvos (alusão


a Edgar Alan Poe), este
clip marcou uma época.

Ao lado vemos a imagem de


Madonna no clipe Frozen, retirada
do site allaboutmadonna.com.

A revista Dazed &


Confused, que surgiu
em 1992 e até hoje trata
das contaminações
entre moda, música,
cinema, arte e literatura, mostra, em 1996, no serviço Neverland, jóias em
forma de dentes vampirescos, de Naomi Filmer, realizados para o enfant
ter rible da moda, o
designer Hussein
Chalayan.

Na imagem ao lad,o a vemos os


dedos de S. Harmanee na capa do
famoso livro da mostra Gothic:
Dark Glamour, que foi realizada
no Museu do Fashion Institute of
Technology de New York , com a
curadoria de Valerie Steele, em
2009.

!Um ano mais tarde, na


coleção outono-inverno
de 1997/1998 Sarah
Harmanee cria, para
Alexander McQueen,
dedos em formato de
cornos, que parecem,
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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

para os entendidos em gothic, como uma revisitação de gosto satânico.


! Outros serviços de moda em 1997 mostram um estilo que se
inspira deliberadamente no gothic, inclusive em seus títulos, como Taste of
Arsenic e The Clinic, ondem exibem rostos com make-up em excesso nos
olhos e uma atmosfera inquietante.
! Nesta época, emergem manifestações que relatam uma
sensibilidade estética e cultural, que colocam em discussão as fronteiras
entre o orgânico e inorgânico, como a cirurgia plástica de Orlan, as body
suspensions de Stelarc, o vestido feito de carne de Jana Sterbak
(inspirado em Alejandro Jodorowksy e que, em 2010, por sua vez,
inspirou Lady Gaga no MTV Music Video Award), até a androginia de
Matthew Barney, onde ele “encarna” personagens drag queen e satiri,

como vemos nas imagens acima, retiradas do site


costumepropsandbodyextensions.blogspot.it/.

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6.2 Uma nova vanguarda gothic

“O meu mundo se baseia em um idealismo


‘graffiato’, ’sbrecciato’: inclui erros e
imperfeições, não julga e não condena, e aceita
a decadência como consequência inevitável.”
Rick Owens em entrevista ao site
Luxury24

! O Séc. 21, para a moda gothic, inicia-se com a descoberta do


estilista Rick Owens por Anna Wintour, que debuta na passarela de
New York em 2001. Ele hoje detesta ser chamado pela crítica como
gothic, pois define-se como um modernista ou, ainda, profeta do glunge,
ou seja, glamour mais grunge. Mas considera que a cena gothic, sendo
extrema como o punk rock, tem muito mais glamour.
! Fundamental também foi a contribuição de Alexander McQueen
que, como designer, teve uma sensibilidade estética muito próxima ao
imaginário gothic.
! O movimento goth nesta década não é mais reservado para
indivíduos de personalidade dark e que querem viver como outsiders da
sociedade, mas, sim, para todas as faixas de consumo, inclusive através
de acessórios. Aqui, as jóias em forma de coraçõe, cruzes, símbolos
religiosos, bolsas e mochilas em forma de morcegos e caixão foram
muito utilizados para completar o look mesmo de quem não faz a
mínima ideia do que seja o estilo gothic.
! Com seu senso de mistério, rebelião e inquietude, se
uniu, paradoxalmente, à identidade infantil, provocatória e erótica da
moda lolita sem abandonar a elegância, a ingenuidade e a pureza da
mulher romântica, criando um conjunto de personalidades
contrastantes que, no Japão, ficou conhecido como Gothic Lolita ou
GothLoli com o núcleo central na loja Marui Young.
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Acima vemos um outfit da Gothic Lolita da designer Alice Auaa, em 2011, exposto no V&A Museum e
imagem da Vogue Italia de setembro de 2011, no editorial: “Chic Gothic Glam” com peças de Lanvin,
Iris Van Herpen e Chanel.

! A inspiração de seu outfit veio provavelmente do género musical


rock Visual Kei e elas geraram outras famílias de pertencimento,
sobretudo na Moda, como por exemplo:

- Victorian Goth: tem a atriz Helena Bonham Carter como seu ícone
maior. Para saber como é o look, veja a galeria de imagens dentro do
tema, realizada pela Vogue Itália aqui.
- Rock'n'roll Goth: o cantor Marilyn Manson é o melhor exemplo
dos últimos anos, assim como Robert Smith do The Cure. Sean Penn
em This must be the place também é uma boa fonte de inspiração.
- Couture Goth: a estética dark de Taylor Momsen, que vem do
seriado Gossip Girl e que foi escolhida por Lourdes (filha de Madonna)
para ser o testimonial de sua fashion line Material Girl, é um ótimo
exemplo desta família.
- Cartoon Goth: a escolha aqui é variada, podendo ser entre Morticia
Addams; um integrante da família Cullen, da caso na trilogia Twilight,
Samara, de The Ring e ainda Chloe Grace Moretz, em Let Me in.
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- Baby Goth: também chamados de “emo” são geralmente teenagers


que se vestem em um total look preto, são atraídos por uma simbologia
satânica e antirreligiosa, principalmente cristã, usam camadas de
eyeliner, batom escuro, gostam de trenchcoats e t-shirts de bandas de
metal.

6.3 O Rei da Moda New Gothic: Alexander Mc


Queen

! Gênio iconoclasta e subversivo, McQueen soube combinar uma


estética pessoal ultracontemporânea com uma excelente técnica
sartorial, e as suas múltiplas fontes de inspiração foram utilizadas para
comentar temáticas ligadas à cultura, à identidade e ao social. E não é
tudo, a sua criatividade é intimamente conectada com outros aspectos
do Romantismo, como o individualismo, o gótico, o
exotismo, o naturalismo, o primitivismo e o historicismo.
! Ele foi um verdadeiro
romântico no sentido
byroniano do ter mo,
sabendo inter pretar o
sublime - aquele ideal de
beleza e horror originado no
século do Iluminismo -
sobretudo nos seus shows,
onde os espectadores
vinham provocados pela
forte emoção e contrastes
entre medo, estupor e
repulsão que provinham de
suas criações.
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Cronologicamente, é a coleção
“Eclect/Dissect”, (ao lado um dos
vestidos mais representativos desta coleção) de
Alexander McQueen para Givenchy no
Outono/Inverno de 1997/1998, a que
mais retomou a cultura gothic, com a sua
redefinição de beleza em chave
artificial, com um simbolismo fetish,
desde a representação da Peste até o uso
de um “bestiário satanista”.
! A “ Jo a n C o l l e c t i o n ”
inspirada em Joana D’Arc, (vemos
abaixo a imagem da apresentação da coleção)
enquanto herética e queimada viva,
evocou o mesmo território simbólico e
aquela fascinação pela época medieval e
pelos aspectos mais sombrios que
resgatou até o fim de sua atividade. Na
coleção “What a Merry-Go-
Round”, do Outono/Inverno de 2001/2002, McQueen incorporou a
iconografia da morte em uma espécie de top para um vestido,
introduzindo
outros detalhes
que chamavam ao
mundo da
bruxaria e ao
satanismo.Em
Londres, o fashion
show “Voss”, da
Primavera/Verão
de 2001, que
apresentava a
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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

coleção Asylum (na imagem abaixo vemos o final da performance) evocava


uma poética onde a morte e a decadência vieram estetizadas, ao mesmo
tempo, de forma erótica e não erótica. A performance utilizou-se de
uma espécie de instalação onde as modelos foram fechadas, e onde se
moviam de forma claustrofóbica como se fossem pássaros em gaiolas,
vestindo roupas feitas com penas destes animais.

Contemporaneamente, o plexiglass com que foi construída, onde


as modelos foram fechadas, era refletivo, obrigando o observador a ver a
si mesmo dentro da gaiola… Com essa representação inquietante, ele
afirmou a sua identidade, que era baseada em um narcisismo um
pouco psicótico e disfuncional, conforme afirmou Evans (2007,
pág. 95.).
! O vídeo da performance Voss você encontra aqui. No Blog do
MET Museum, a página da exposição dedicada ao estilista ainda pode
ser acessada aqui.
FahMaioli &Observatório 55
O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

6.3 O atual Ciclo New Gothic na Moda

! Sabemos que a moda dita gótica, ou New Gothic como a


chamamos neste ebook, comprende vários tipos de moda que são a
expressão de identidade de diversas categorias dos movimentos góticos,
e cada um destes é vinculado a determinados gêneros musicais e
atitudes correspondentes. E, então, como não poderia ser diferente, na
moda contemporânea, o gótico náo assume uma característica única,
mas retira de várias fontes o material para a sua expressão visual.
! Tivemos uma pausa no estilo New Gothic, mas ele voltou com
toda a sua força a partir do Outono-Inverno de 2012 e, neste ano,
como vimos na Milano Fashion Week AI 2013-2014. Os
designers que continuam apostando neste conceito - apresentando
esporadicamente coleções ou projetos específicos que tratam do tema
são Rei Kawakubo, Martin Margiela, John Galliano,
Alexander McQueen e Karl Lagerfeld. Muito misterioso,
romântico, retrô e punk, a tendência projetual New Gothic retornou às
passarelas com pitadas de Medievo e idade Vitoriana, criando um mood
dark, mas muito sofisticado. Sempre na cor preta.

Algumas manchetes dos principais jornais de Moda de Milão na ocasião da MFW 2013-2014.

FahMaioli & Observatório 56


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

! Trocando em miúdos, black is the new black, mas não quer dizer
que tenha vindo para instaurar uma nova subcultura gothic ou punk, e,
sim, para explorar seu uso histórico, como as referências e influências
histórico-culturais do período Romântico do Séc. 19, dando origem a
um estilo que podemos arriscar chamar de Barroco Elegante, como
estamos ainda a visualizar na Dolce & Gabbana com a sua “sicilianità”.
! Dentre tantos revivals, retornaram os laços e os mecanismos
complicados para o ato de vestir, como os corseletes e os vestidos multi-
extrato. A cor seguramente é a preta, mas também o bordeaux, o
violeta, o cinza, o branco e o azul profundo entraram em voga.
! O look New Gothic deste ciclo atual não é excessivo, nem fácil
de realizar. Passa através de cada aspecto do look, com make up inclusa:
pelo uniforme com batom vermelho ou beringela. Em alternativa, os
olhos com muita máscara são preenchidos nas pálpebras com sombra
escura. Em qualquer caso, a boca é a protagonista deste look.
! Os fashion players principais que jogaram com a estética New
Gothic dentro deste panorama, foram:

- Gucci: a noite e a obscuridade foram o tema do desfile da Gucci,


onde os vestidos evocaram uma espécie de romantismo dark, feito de
transparências, veludo, arabescos e rendas, todas pensadas para
mulheres à la Lady Hawke, como vemos em alguns exemplos deste
link.
- Salvatore Ferragamo: o designer Massimiliano Giornetti mostrou
dois temas com o viés gótico - militar e gypsy.
- Dolce&Gabbana: com seu Neo Barroco de tradição siciliana,
mostrou aplicações, bordados e muita renda preta.
- Bottega Veneta: propôs uma série de vestidos entre o pret-à-porter e a
haute couture, mas com uma aura austera de tom obscuro.
- Yves Saint Laurent: as modelos vestiram uma espécie de capuz
preto que enfatizavam o efeito dark, com manteaux revestidos de couro
preto.

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

- Givenchy: vestiu as mulheres com couro e vinil e longas botas até o


joelho, rigorosamente escuro e em tonalidade vermelho-sangue.
- Alexander McQueen: continuou como guia do que é New Gothic e,
com as suas criações, evocou mundos tenebrosos e dark womens na
metade da estrada entre rainhas obscuras e elegantes cisnes pretos.
- Alberta Ferreti: não é fácil associarmos o conceito New Gothic a
esta estilista, mas as longas luvas em couro preto e os vestidos de noite
em renda preta produziram uma legítima representante do tema.
- Aquilano Rimondi: Inspirou-se no Barroco napolitano com seus
brocados, tecidos jacquard, coletes rígidos e aderentes, evocando
fantasias góticas.
- O New Goth style também decloniu-se em um soft chic por Etro, que
recorreu a veludos e transparências para recriar volumes; Versace
utilizou a cruz gótica como símbolo em seus bordados em saias e
casacos; as jaquetas de pluma que recordaram corujas notunas foram
apresentadas por Asos, e as capas em couro preto de Valentino
misturaram-se com o coat em versão morcego de Elisabetta
Franchi.
- Os acessórios também foram luxuriantes no estilo, começando pelas
décolletées com laços e detalhes em couro com efeito vértebra de
Sergio Rossi até o icônico jewel body piece de MFPepe: uma moderna
armadura de rede feita de cruzes e corações!

! A galeria de imagens das coleções acima podem ser vistas aqui,


no álbum “ O atual Ciclo New Gothic na Moda”.

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

7. Os Símbolos New Gothic na Comunicação de


Moda e Design

! O símbolo, assim como a poesia, exprime aquilo que não pode


ser dito. Segundo afirma Jean Chevalier, “ao longo do dia e da noite, em
nossa linguagem, em nossos gestos ou nossos sonhos, quer percebamos
isso ou não, cada um de nós utiliza os símbolos. Eles dão formas aos
desejos, incitam a empreendimentos, modelam comportamentos,
provocam êxitos ou derrotas”.
! Ele se distingue do simples signo e anima os arquétipos, os mitos
e outras estruturas e sua história nos atesta que todo objeto pode
revestir-se de valor simbólico, seja ele natural (uma pedra) ou abstrato
(um geometrismo) e, como afirmava Mircea Eliade, é uma das
categorias do invisível.
! A compreensão dos símbolos, porém, depende menos
das disciplinas racionais, afirmou Chevalier, do que uma
percepção direta através da consciência, já que ele ultrapassa as
medidas da razão pura, sem, por isso, cair no absurdo.
! Neste panorama, o estudo dos símbolos na comunicação de
Moda e Design, exercita-se sob o ponto de vista do símbolo como
entidade viva, que surge do inconsciente criativo de um homem e de seu
meio, para preencher um espaço visual. Nestes meios, ele tem uma
função de substituto. Aos olhos de um psicanalista, sociológo ou
pesquisador e analista de tendências, de modo figurativo, ele substitui
uma pergunta, um conflito ou um desejo que está suspenso no
inconsciente. Ele exprime o mundo percebido pelo criador, substituindo
a relação deste com seu meio ambiente com seu ego.
! O resultado é um símbolo (um crânio, uma cruz, um morcego
etc) que, por exemplo, para Jung, era o sentido final de uma pesquisa e a
resposta de uma intuição forte e incontrolável.

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! É por isso que podemos afirmar que estas “visões” dark, góticas,
ou como quiserem denominar, expressas por símbolos destes mundos,
de fato, estão nos mostrando não apenas o interior criativo destes
designers, mas todo um inconsciente coletivo contemporâneo que se
atém a esta simbologia para comunicar algo.
! Os símbolos mais utilizados, que remetem ao mood New Gothic,
pertencem a um imaginário visual que podemos nominar de Vànitas.
Essa palavra vem do latim vanità e refere-se ao gênero de natureza morta
particularmente difuso no século 17 (especialmente na pintura
holandesa), que era caraterizada pela presença de elementos alegóricos
(crânios, clessidras, velas consumidas pela chama, frutos em
decomposição, flores murchas) e de frases escritas como Vanitas vanitatum
(daqui o nome), Memento mori, etc, que aludiam á efemeridade da beleza
e a impermanente condiçáo humana.
! Na análise que realizamos da Comunicação européia, através
das principais revistas de Moda e Design, bem como jornais, flyers,
folders e pontos de venda, notamos que a maioria delas utilizou, e ainda
está utilizando, uma série de estratagemas visuais que remetem ao
simbolismo New Gothic. Podemos identificar os símbolos seja nas
estampas das roupas, tecidos e calçados, nas tattoos dos modelos, na
representação das formas em acessórios, na decoração dos ambientes e
nas imagens de fundo, sempre em relação com o violeta, azul-escuro,
vermelho-intenso, em uma atmosfera dark, ou de filme noir quando é
uma ambientação.
! Resumidamente, podemos agrupar o que chamamos de
símbolos de morte da seguinte forma:
Relógios, poeira e teias: representam o tempo que corre e que
consome os objetos e as coisas;
Cortinas: representam o fim do “espetáculo da vida”;
Portas: conduzem para o “aldilà”, ou centenas de vezes tratados como
as portas do Inferno ou Céu;
Barcos, velas, cavaleiros solitários: aludem à “viagem da alma”;
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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Espelhos, Bolhas de sabáo: representam a fragilidade da condição


humana;
Flores e borboletas: representam a brevidade da existéncia;
Morcegos emoscas: a antiga divindade Belzebú significava,
literalmente, o “senhor das moscas”, já o mito de Drácula/Batman é o
dos morcegos;
Cigarros e objetos musicais: representam o caráter efêmero dos
prazeres da vida.
"
" De forma mais detalhada, temos:

- Crânios e Esqueletos
! Estes são o testemunho tangível da passagem sobre a Terra de
um indivíduo. Começaram a ser muito representados visualmente a
partir do Medievo com a função de memento mori. Na tradição cristã,
os ossos representam “a semente da ressurreição dos corpos” que, no
Juízo Final, quando os sepulcros serão abertos e os corpos voltarão á
vida. Aqui, eles têm uma valência positiva, pois lembram aos homens da
possibilidade de uma vida post-morten. Na Moda e no Design, a
mensagem é outra: nos lembra da precariedade de nossa existência, da
corruptibilidade do nosso corpo e, finalmente, da necessidade de
refletirmos sobre a certeza da morte (a única que temos) alinhada à
brevidade da vida terrena. Uma outra declinação do crânio pode ser a
letra X, formando a conhecida Cruz de Santo André, símbolo das
oposições dentro da natureza.
! O símbolo do crânio reaparece na nossa década com grande
sucesso através da obra For the Love of God, de 2007, do artista
Damien Hirst, e migra para a Moda um pouco depois, através das tattoos
do fenômeno Rick Genest, ou Zombie Boy. Este virou um
fenômeno, náo apenas por ter todo o corpo tatuado como um esqueleto,
mas porque Lady Gaga e seu fido stylist Nicola Formichetti o convidaram
a participar do hit Born This Way de 2011. No mesmo momento,
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Thierry Mugler, na sua colecção Outono/Inverno 2011-2012 o insere


como testimonial em um look total black muito francês, como um quadro
do Renascimento, em versão darkness black & white.

- Espelhos
! Sendo um refletor, onde a fonte de poder é a luz, este objeto
sempre existiu. Os povos mais antigos acreditavam que em seu reflexo se
poderia perceber qualquer coisa de espiritual e, até hoje, persiste a
fantasia de que ele possa “roubar a alma” das pessoas. Por isso que
todos os Dráculas conhecidos não possuem uma imagem refletida - eles
não têm alma!
! Talvez a sua representação, principalmente na Comunicação de
algumas players de Moda, como Givenchy e Gucci, queira retomar o
sentido de espelho como gerador de uma imagem que, ao ser duplicada,
participa de sua transformação, pois se reconhece, se define. E aqui, o
aspecto numinoso do espelho, isto é, o terror que inspira o
conhecimento de si mesmo, é visto como aspecto mais negativo do que
positivo.
! Observamos esta ação em muitas imagens de publicidade de
Givenchy que, inclusive, retomam o dilema de identidade, representado
aqui pelo “eu duplo” - tão bem descrito no livro Dr. Jekyll e Mr. Hyde,
que é, por sua vez, um clássico da literatura noir de mistério do século
19.
! O autor Stevenson aqui nos mostra a sua fascinação da análise
do mal e da ambiguidade da alma humana. No livro, que foi utilizado
como base para muitos outros roteiros de filmes de mood gótico do
nosso século, vem evidenciado de maneira muito significativa aquela
natural duplicação, que caracteriza e é presente em cada ser humano e
que se configura como uma quebra da integridade da pessoa, como a
cisão do Bem e do Mal, e, em definitivo, como a duplicação da mesma
consciência humana.

FahMaioli & Observatório 62


O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

- Borboletas
! À primeira vista, consideramos ela como um símbolo de rapidez
e de inconstância. Na maioria das culturas, a natureza alada e o mágico
processo pelo qual a crisálida passa para tornar-se borboleta
representam o símbolo da alma que renasce de um local fechado,
escuro. Talvez por isso, a crença popular da Antiguidade greco-romana
que dava igulamente à alma que deixa os corpos dos mortos com forma
de uma borboleta.
! Certas populações da Ásia Central acreditam que os defuntos
podem aparecer para seus parentes na forma de uma mariposa. Este
termo, aliás, na América Latina, é sinônimo de prostituta. Na Moda
contemporânea, a borboleta voltou, inicialmente, com o chapéu de
Phillip Treacy para a coleção Outono/Inverno 2008 de Alexander
McQueen e está seguindo um fluxo constante desde então, da Arte,
como vemos na obra de Jan Fabre, até a publicidade e mídia em geral
(capas de revista, editoriais etc) como vemos na campanha do perfume
Madly, da Kenzo, e na colecção Primavera/Verão 2013 de Alberto
Guardiani.

- Morcegos
! É o animal impuro, que se tornou o símbolo da idolatria
segundo a lei mosaica. Já no extremo oriente, ele é símbolo da felicidade
ou ainda longevidade. Na iconografia do Renascimento, já que ele é o
único mamífero voador, representava a mulher fecunda. No imaginário
gótico, porém, que é o que aceitamos atualmente, a ambiguidade de sua
natureza híbrida – rato/pássaro - nos explica a ambivalência dos seus
símbolos: ele representa o andrógino, o dragão alado, os demônios -
aqui as suas asas seriam as dos habitantes dos Inferno.
! A imagem de um bando de morcegos, à procura de alimento,
ao cair do Sol, em milhares, vem percebido também como o irromper
livre das forças primordiais escondidas no mundo do Além.

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Adicionamos aqui a sua vinculação com Drácula e temos o “melhor


amigo” do personagem New Gothic!
! O morcego no mood New Gothic é personificado pelo mito de
Drácula e Batman, mas não é tão representado iconicamente, por
exemplo, como poderíamos esperar em estampas de roupas. Neste
panorama, recomendo a visão do curioso filme Short, do designer
Jonathan Kelsey, para a sua coleção Outono/Inverno 2009, dirigido
pela cineasta Sara Dunlop com a artista Joana Preiss.

! A galeria de imagens no mundo do Design e da Moda, onde


constam imagens de símbolos New Gothic descritos acima podem ser
vistas aqui, no álbum “Os Símbolos New Gothic na
Comunicação de Moda e Design”.

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O New Gothic na Moda e na Comunicação - Uma análise Histórica e Etnográfica

Conclusão

! Vimos, ao longo deste ebook, como o New Gothic nasceu e tem


se manifestado nas últimas décadas, após ser catapultado com força
para o mundo da Moda, através do movimento Punk.
! Claramente sempre atual, até porque ele faz coro contra a
autocracia da Moda (e isto está na moda!), visto que, para ser gótico,
não existe a necessidade de consumir esta, e, sim, pertencer
a um grupo que tem a Moda como um dos tantos fenômenos
visivos de pertencimento, como bem explicou a pesquisadora da
Observatório, Candi Damé.
! Sua atualidade, ou melhor, o seu retorno ao imaginário da
comunicação e das coleções de Moda, das obras artísticas e musicais,
apenas para citar os setores mainstream onde ele tem se manifestado com
maior força, adicionamos o fato de que o punk, origem e alimentador do
New Gothic, se revitaliza com os momentos de crise - como afirmou
Riccardo Tisci na entrevista recente sobre a mostra Punk: from
Chaos to Couture (a partir de 7 de maio de 2013 no MET de NY) -
pois é nada mais nada menos do que uma reação às dificuldades
sociais, como um grito de liberdade que corta os pontos
deste passado de sofrimento. Uma moda, um comportamento
nascido da subversão juvenil hoje é tão revolucionário como era na
década de 1970, onde o fenômeno explodiu e era considerado uma
demonstração também de coragem, pois todo o mundo era contra:
mesmo que a cruz invertida e a suástica, recorrente nos looks gótico
desde então, não tivessem nenhum significado político. Mas nos
perturbam, e assim, nos interessam.
E, pelo visto, já que a crise não é apenas financeira, e, sim, de
paradigmas, provavelmente é um lifestyle e um estilo de moda que vai
durar ainda por um bom tempo. E que terá seu revival daqui a alguns

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anos, quando as suas fórmulas se esgotarem, como sempre acontece no


sistema moda.
! Já Candi Damé nos recorda do universo simbólico e psicológico
do New Gothic nos lembrando também que o esse mundo é visto ao
longo da história, através de manifestações na arte, no cinema e na
literatura, sempre permeado pela ambiguidade, agregando muito dos
paradoxos entre feminino e masculino, morte e vida, luz e sombra,
divino e profano, espiritualismo e materialismo.
! Outro elemento importante, segundo ela, é o interesse por
tudo aquilo que possa despertar sentimentos de medo e
estranheza, como a morte e as sombras. Em 1919, Sigmund Freud
publica o artigo O Estranho. Nesse trabalho, Freud aborda a questão da
estética, assunto pouco comum na psicanálise da época. Essa estética,
no entanto, não se refere apenas à beleza e harmonia, e, sim, ao que
está intimamente ligado ao assustador. Freud define o estranho, como
aquilo que foi familiar durante os primeiros anos de vida de um
indivíduo, mas teve que ser reprimido. O encontro com o estranho
acontece, portanto, quando o que foi reprimido ressurge, expondo sua
própria condição de algo familiar que teve que ser reposicionado como
não familiar.
! A Literatura e o Cinema se apropriam dessa questão e
exploram a temática do estranho em diversas obras, vistas em temas
como o horror, o fantástico e o mistério. Como podemos perceber, todo
esse universo da estética do estranho é de grande interesse da cena
gótica.
! Vestir-se de preto, frequentar cemitérios e explorar assuntos
como a morte e o sobrenatural fazem parte do estilo de vida gótico e
não são aspectos de uma psicopatologia, nem configuram um
transtorno depressivo. Até por que ser gótico é ter um olhar sobre tudo
o que diz respeito à vida, e isso inclui falar da morte. Trazer luz às
sombras e exteriorizar os sentimentos é o grande cerne da subcultura
gótica.
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! Ainda segundo Candi, de acordo com a psicanálise junguiana,


as sombras emergem e se constituem de elementos reprimidos, pela
dificuldade que o homem tem de assumir seu lado mais sombrio. O
gótico se apropria dessa sombra e a personifica. Ao exteriorizar seus
sentimentos, busca trazer luz às sombras. Muito do fenótipo
gótico está relacionado com a palidez de um cadáver ou vampiro,
podendo ter um caráter mais performático ou mais sóbrio. O que
vemos em toda cena é a quebra com o padrão estético vigente.
! Assim, o rompimento com o real permite um escape do
presente no próprio presente, e o corpo passa a ser um mediador do que
se quer comunicar. Aqui, o estilo de vida e o modo de pensar acabam
refletindo na maneira de se vestir.
! E então, eis o que podemos compreender como o que
chamamos de Mood New Gothic.

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Autoras

Fah Maioli

Trend Analyst e Coolhunter, Fah Maioli pesquisa, analisa e compartilha


as tendências comportamentais e projetuais que influenciam o
desenvolvimento de produtos e serviços no Design e na Moda.

Vive em Milão e possui um Master in Gestione del Processo Creativo


(IULM Milano), é especializada em Trendsetting (IED Milano) e em
Design de Produto (UCS CxSul). Recentemente, participou como
relatora no TEDx, no Mobile For Future e foi a única brasileira
convidada a falar no WorkstyleTalking na Hermann Miller a Milão.

Como hobbie, viaja pelo mundo para estar sempre conectada ao


Zeitgeist, coleciona livros de mitologia e tarocchis e participa
regularmente de grupos de discussão e análise da Semiótica,
simbolismos e arquétipos presentes na Moda, no Design e na
Comunicação. É interessada nas mudanças profundas e realmente
transformadoras, que vão além das cores da Moda ou das formas no
Design. Sua ação preferida é a de compartilhar conhecimento.

Julia Presotto

Socióloga e pesquisadora, Julia Presotto é Mestre em Sociologia pela


Sorbonne, especialista em Engenharia do Social com experiência em
construção, execução e coordenação de estudos realizados em território
europeu. É graduada em Publicidade pela PUCRS e possui MBA em
Marketing pela FGV. Coordenadora da Observatório Pesquisa, trabalha
com projetos relacionados à moda, etnografia e a sociologia visual.

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Idealizadora do projeto Etnografando, estudo sócio-etnográfico que


busca fazer uma análise das microatitudes, buscando códigos e padrões
comportamentais relacionados ao vestuário.

Cândice Damé

Psiquiatra e entusiasta do comportamento, é formada em Psiquiatria


pela UFCSPA e em Medicina pela PUCRS. Após a realização de cursos
nas áreas de pesquisa de comportamento e tendências, # deu um novo
rumo à sua carreira. Atualmente é pesquisadora e sócia da Observatório
Pesquisa.

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Bibliografia

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femminile: un’analisi strutturale, 1970. Torino: Einaudi.

Visitas á Mostras de Arte relacionadas ao tema Gótico:


Milano: “Gotich Lolita Decadence” e “Dracula Triennale”
Napoli: “Gothic Is In The Air”
Firenze: “Il Gotico Internazionale a Firenze”
Trieste: “Gothic Beauty”
Como: “La Dinastia Bruegel”

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