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Comissão Científica
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Dra. Gildênia Moura de Araújo Almeida
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Dr. Juarez José Tuchinski dos Anjos
Dra. Keila Andrade Haiashida
Dra. Lia Machado Fiúza Fialho
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Dr. Raimundo Nonato Moura Oliveira
Dr. Robson Carlos da Silva
Dra. Salânia Maria Barbosa Melo
Dra. Samara Mendes Araújo Silva
Dr. Sebastião Costa Andrade
Dra.Vania Maria Ferreira Vasconcelos
Dra. Zuleide Fernandes de Queiroz
Comissão Organizadora
Ficha Catalográfica
V Seminário Nacional Gêneros e Práticas Culturais / Lia Machado Fiuza Fialho,
Charliton José dos Santos Machado e Cristine Brandenburg (Orgs.).- Fortaleza:
EdUECE, 2015.
Conteúdo: artigos do V Seminário Nacional Gêneros e Práticas Culturais.
Fortaleza –CE, nov. 2015.
ISSN 2447-5416
1. Gênero. 2. Práticas Culturais. 3. Feminismos. 4. Cidadania. I. Fialho, Lia Machado
Fiuza. II. Machado, Charliton José dos Santos. III . Brandenburg, Cristine.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Reitor
José Jackson Coelho Sampaio
Vice-Reitor
Hidelbrando dos Santos Soares
Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz
Conselho Editorial
Antônio Luciano Pontes Lucili Grangeiro Cortez
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Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso Manfredo Ramos
Francisco Horácio da Silva Frota Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Francisco Josênio Camelo Parente Marcony Silva Cunha
Gisafran Nazareno Mota Jucá Maria do Socorro Ferreira Osterne
José Ferreira Nunes Maria Salete Bessa Jorge
Liduina Farias Almeida da Costa Silvia Maria Nóbrega-Therrien
Conselho Consultivo
Antônio Torres Montenegro | UFPE
Maria do Socorro Silva Aragão | UFC
Eliane P. Zamith Brito | FGV
Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça | UNIFOR
Homero Santiago | USP
Pierre Salama | Universidade de Paris VIII
Ieda Maria Alves | USP
Romeu Gomes | FIOCRUZ
Manuel Domingos Neto | UFF
Túlio Batista Franco |UFF
SUMÁRIO
ARTIGOS COMPLETOS
GÊNERO NA ESCOLA
Maria Marilene Banhos Nogueira | 1152
INTRODUÇÃO
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propostos, autores que discutem sobre as Histórias de Vida e Formação (NÓVOA, 1999),
(GOODSON, 2000), (JOSSO, 2009) por possibilitarem novas perspectivas de construção do
conhecimento histórico de sujeitos de memória e de práticas culturais, a exemplo da mulher
professora e seu processo formativo.
Para Ferrarotti (1988), a proposta de investigação dessa metodologia, não se trata
apenas de conhecer a história de vida em si, mas conhecer o social por meio de uma práxis
individual. É importante destacar que a análise dos objetos por si só, não é o que está em jogo
nesse referencial, mas como ele é relacionado com questões mais amplas de uma dada
configuração social e tempo histórico.
Desse modo, o estudo da história de vida da professora em destaque nesse estudo,
compreendido como algo particular, abre perspectivas para análise, por exemplo, de
fenômenos educativos e sociais mais complexos que envolvem seus trajetos formativos e da
história da educação.
de algumas famílias se mudarem para os grandes centros ou mandar suas filhas para
internatos coordenados por freiras.
Segundo Szymanzki (2007 p.48), coube à família, inicialmente, a partir da
organização em torno da figura paterna, com um determinado padrão de educação no espaço
privado e, posteriormente, nas sociedades capitalistas, paulatinamente creditar às instituições,
a exemplo da escola e da igreja, a formação dos filhos.
Nesta pesquisa, a partir da narrativa da professora revelou-se a presença decisiva da
família, em especial, na tomada de decisões pela formação educacional das filhas, seja para o
futuro profissional, seja pela necessidade de formação religiosa, conforme verificamos na
narrativa da professora Naligia Bezerra Lopes:
Comecei a estudar por volta dos seis anos e sempre estudei no Educandário Nossa
Senhora das Vitórias desde a pré-escola até o Magistério. Minhas lembranças do
ENSV são as melhores possíveis, pois tudo o que sou devo em grande parte a minha
formação nessa instituição que por ser administrada por freiras tinha também a
formação religiosa. Minha primeira professora foi Irmã Irene, um doce de pessoa,
voz suave e muito bonita.
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A presença da Igreja católica nos meios escolares está fortemente ligada com a História
da Educação no Brasil, primeiramente com os jesuítas e a partir do século XIX com outras
Ordens e Congregações religiosas. Como ressalta Furtado (2002, p.1): “Com a chegada das
Ordens e Congregações religiosas ao Brasil, a rede de ensino católico cresceu
significativamente”. Chegaram ao Brasil, por exemplo, padres Lazaristas, frades Capuchinhos
e filhas da Caridade.
A partir desse momento a hierarquia eclesiástica passou a dar mais atenção à educação
feminina, proporcionando a vinda de congregações preocupadas com a instrução das jovens.
Vários Colégios foram instalados e se espalharam pelo Brasil. A esse respeito Furtado (2001,
p.2) ressalta:
O Colégio Nossa Senhora do Patrocínio foi o primeiro de uma extensa rede de
colégios criados tantos pelas Irmãs de São José de Chamberry, como por outras
congregações religiosas. Em algumas regiões do país, o elemento religioso se tornou
fundamental no processo de escolarização e os estabelecimentos de ensino religioso
se constituíram em um marco de renovação da instrução feminina.
Ela precisava ser em primeiro lugar, a mãe virtuosa, o pilar de sustentação do lar,
a educadora de gerações do futuro. A educação da mulher seria feita, portanto para
além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seu próprio anseio ou
necessidade, mas em função social de educadora dos filhos e na função dos futuros
cidadãos.
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Nada se iguala á instrução, é por ela que a grandiosidade das artes, o progresso se
desenvolve em todas as atividades humanas e quando ela se reflete no coração e
alma da mulher, que soma de benefícios não prodigaliza (Amorim 1977 p. 26-27).
O propósito de formação especificado pelo Colégio Nossa Senhora das Vitórias, nos
faz compreender as finalidades educativas intencionadas à formação da mulher, embasados
em conceitos educativos como condutas sociais e morais e principalmente seu papel de mãe e
esposa.
As escolhas da família por uma escola de tradição religiosa familiar, voltada para a
formação do magistério, envolviam a profissionalização identificada com os destinos da
mulher. Nesse sentido, segundo Almeida (2007, p.117):
Além das escolas de instrução básica para as meninas, deveria haver também
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uma saída para a profissionalização feminina, representada por um trabalho que não
atentasse contra as representações acerca de sua domesticidade e maternidade. O
magistério inseria-se perfeitamente bem nessa categoria [...]
Assim como destaca Almeida (2007), que a formação do magistério, envolvia aspectos
da profissionalização enquanto destino para as mulheres, podemos comprovar no relato da
professora Naligia Bezerra Lopes, quando ela afirma que não se imagina em outra profissão
sem ser professora “Fiz o magistério e conclui em 1989, ano em que fiz o concurso do estado
e passei. No ano seguinte fui chamada e até hoje fico me perguntando se não fosse professora
o que seria e não me identifico com nenhuma outra profissão”.
Esse pensamento de ser professora traz marcas de um processo histórico que
compreendia o magistério como a única opção da mulher. Como ressalta Louro (1997, p. 453)
“Dizia-se, ainda, que o magistério era próprio para mulheres porque era um trabalho de “um
só turno”, o que permitiria que elas atendessem suas “obrigações domésticas” no outro
período”.
O curso do magistério tinha como objetivo formar mulheres professoras em
consonância com a Lei 5.692/71 que reformulou a LDB 4.024/61 nos itens que conferia às
escolas pré-primária, primária e média. As mudanças impostas apontavam além da nova
nomenclatura do ensino primário e do médio que passaram a ser denominado de 1º grau e de
2º grau, o modo como deveria ser a estrutura e o funcionamento das escolas. O objetivo
assumido pela nova Lei foi o de “proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para
o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (LDB 5.692/71, Art. 1º, § 2º).
Conforme as orientações da LDB 5.692/71, o curso do magistério do Educandário
Nossa Senhora das Vitórias em Assú/RN, estava organizado visando formar para o exercício
da docência, conforme relata a professora Naligia Bezerra Lopes:
O curso de Magistério que fiz no ENSV foi muito bom, pois tivemos uma
aprendizagem bastante significativa para o exercício da docência e tivemos uma
grande aprovação no concurso para professores da Secretaria de Educação do
Estado em 1989. Nessa época o curso de Magistério era estruturado em 3 anos ,
onde no 1º ano tínhamos disciplinas que
nada tinham com a formação de professores. A partir do 2º ano percebíamos a
especificidade das disciplinas em relação ao Magistério.
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Conforme destaca a professora Naligia Bezerra Lopes, apenas no terceiro ano do curso
as alunas colocavam em prática o que aprenderam durante os dois últimos anos do curso de
magistério.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para investigar se o ensino escolar se aproximou ou não dos objetivos proposto pela
instituição formadora referendada nesse estudo, um caminho a ser seguido é a análise da voz e
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das memórias de quem freqüentou a escola naquele momento histórico. Quem melhor pode
informar sobre a escola e o seu significado para a formação, senão estudantes, professores (as)
e demais profissionais. Eles, ao vivenciar o cotidiano escolar, têm muito a nos dizer sobre a
estrutura física, os recursos humanos e pedagógicos, a grade curricular, a configuração social
e política que constituía a escola e sua proposta formativa.
É nesse sentido que se valorizam as escritas pessoais e as histórias de vida para estudar
períodos e espaços formativos de professoras (Nóvoa, 2000). Os fenômenos educativos e
sociais, a priori analisados através da história de vida e formação da professora Naligia
Bezerra Lopes, não se limitam apenas a maneira como foi educada, mas tratam de um
conjunto de saberes e normas que constituíram a formação de outras mulheres norte-rio-
grandenses em espaços escolares e familiares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, Francisco. Colégio Nossa Senhora das Vitórias: 50 Anos. Mossoró: ASTECAM,
1977.
ALMEIDA, Jane Soares de. Mulheres na educação: Missão, vocação e destino? A
feminização do magistério ao longo do século XX. In: SAVIANI, Dermeval... [et.al.] O
legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
(Coleção Educação Contemporânea).
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 5.692/1971. Acervo da
Biblioteca Virtual do Senado.
FERRAROTI, Franco. Sobre a autonomia do método-autobiográfico. In: NÓVOA, António,
FINGER, Mathias. Método (Auto) biográfico e formação. Lisboa:
Ministério da Saúde, 1988.
FURTADO, Alessandra Cristina. História e memórias de um espaço escolar feminino: o
Colégio Nossa Senhora Auxiliadora de Ribeirão Preto/SP (1918-1960). Anais do II Congresso
Brasileiro de História da Educação. Natal: UFRN, 2002. CD ROM.
GOODSON, Ivo F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu
desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, António (Org.). Vida de professores. 2 ed.
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INTRODUÇÃO
A partir das idéias citadas pela maioria dos intelectuais masculinos ao longo dos séculos
e que tão fortemente impregnaram os padrões europeus a respeito da educação feminina,
construíram-se as bases da educação da mulher brasileira as quais influenciaram nossa
cultura por vários séculos.
Consideramos relevante destacar aqui a mentalidade dos nossos índios que foram os
primeiros a reivindicar a instrução feminina ao Padre Manoel da Nóbrega, pedindo que
ensinasse suas mulheres a ler e escrever, como aponta Ribeiro:
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Entende-se que administrar uma Capitania numa terra estranha, inóspita e repleta de
dificuldades foi um grande desafio àquelas mulheres consideradas “frágeis” e educadas para a
passividade, para o silêncio e para submissão, atributos que caíam por terra no momento em
que as circunstâncias exigiam uma presença decisiva no campo da atuação administrativa.
Ainda que desprovidas de instrução, demonstraram serem fortes o suficiente para resolver os
problemas surgidos, fora do espaço doméstico.
Fica muito clara a ausência de liberdade de escolha por parte das mulheres, tratadas
como seres desiguais servindo a propósitos da coroa e da sua política demográfica, bem como
a manutenção da mentalidade de mantê-las no lar, o qual era o seu mundo próprio com a
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função de procriar.
Chegamos ao século XIX, 1808, sem que ocorressem muitas mudanças com a chegada
da Família Real, e as inovações culturais feitas por Dom João VI, as quais não provocaram de
imediatas alterações sobre a educação feminina, numa dimensão ampla. São criadas algumas
“... escolas leigas para as meninas da elite e são contratadas preceptoras de Portugal, da
França e, posteriormente, da Alemanha para educá-las em casa.” (ARANHA, 1994, p. 85).
Para essas moças, pertencentes a grupos sociais privilegiados, os conhecimentos que se
procurava transmitir estavam ligados ao ensino da leitura, escrita, doutrina cristã e noções
básicas da matemática.
Em que pese à ideologia dominante na época sobre a educação das mulheres e sobre sua
postura na família e sociedade, muitas ousaram romper os paradigmas estabelecidos buscando
integrar-se em acontecimentos que a História nos mostra, influenciando e tomando parte em
diversos momentos, ultrapassando assim do espaço doméstico para o público e vencendo
barreiras que tolhiam suas iniciativas.
Vidal (1996), constata em seus estudos sobre a educação da mulher que bastava a
mulher deter qualidades morais, honestidade e formação cristã e desta forma obter vaga para o
ensino das primeiras letras às meninas, considerando que o mesmo ensino não incluía
informações aritméticas superiores as quatro operações e que as professoras reproduziam na
escola os conhecimentos adquiridos na vida prática.
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Nesta perspectiva, percebe-se que a educação feminina no século XIX no Brasil ainda
encontrava-se fortemente vinculada a mentalidade recebida da herança portuguesa, com os
mesmos preconceitos e limites impostos pela política reinol, na qual o acesso a instrução
ainda era considerado necessário apenas no sentido da preparação para o casamento, devendo
constituir-se este, a maior aspiração da mulheres.
É nesse contexto histórico que é criada a escola normal no Brasil, na década de 30 a 40,
do século XIX, em conseqüência do Ato Adicional de 1834. Os pretendentes a uma vaga na
escola normal deveriam ser portadores de idoneidade moral como ponto mais relevante do
que sua formação intelectual. Isto se evidencia no Art. 4º. Da Lei da Criação da Escola
Normal de Niterói, a primeira a iniciar suas atividades na década de 30, o qual determinava
que “... para ser admitido à matricula na Escola Normal requer-se: ser cidadão brasileiro,
maior de 18 anos, com boa mogerização; e saber ler e escrever.” (VILLELA, 2000, p. 106)
Entretanto, é preciso reconhecer que a entrada feminina nas escolas normais imprimiu
fortes possibilidades de acesso a instrução pública, favorecendo a abertura de um espaço
profissional às mulheres. Espaço este, que foi conquistado, pela recusa das mulheres à
desigualdade, a passividade e a inoperância a que estavam submetidas até então.
A inserção profissional das mulheres não ocorreu, entretanto sem os conflitos que são
próprios das mudanças e do surgimento do novo. Resistências, críticas e concordâncias.
Vozes se levantam para argumentar seu ponto de vista. Para alguns era difícil e até insensato
aceitar que as mulheres consideradas habitualmente como portadoras de pouca competência
intelectual ou racionalidade, como apregoava Kant, pudessem assumir a educação das
crianças. Assim, o processo de feminização do magistério não foi uma concessão e sim uma
conquista.
Por outro lado havia aqueles que entendiam que a mulher tinha por “natureza” facilidade
e inclinação para o trato com as crianças e que o magistério deveria ser visto como natural e
próprio a sua condição feminina, portanto, função adequada às mulheres. Neste contexto à
mulher caberia então a responsabilidade da reprodução e a educação das futuras gerações o
que não deixou de ser uma participação no campo do poder: “Dessa forma, viabilizavam um
cruzamento entre o público e o privado dentro das condições concretas apresentadas na época.
Neste plano simbólico, talvez possa ter-se a explicação da grande popularidade do magistério
entre as mulheres e, no plano objetivo, a sua condição representada pela única opção possível
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possíveis transformações.
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Embora o nível salarial dos professores fosse melhor do que o das professoras isto
não significava que estes fossem profissionais valorizados pelo Estado. Afinal por que
valorizar o profissional do ensino público, se o próprio ensino público não era valorizado?
De fato, o corpo de profissionais que integrava o sistema público de instrução, os
mestres-escola, eram ex-profissionais autônamos que exerciam seu ofício livremente como
professores particulares escolhidos e pagos pelos pais e frequentemente dotados de longa
experiência na função de ensinar. Esses profissionais formados no próprio trabalho e
respeitados pelos pais e comunidade foram passando à condição de empregados do Estado. As
relações de trabalho tinham sido concretamente redefinidas numa nova organização do
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missionário do trabalho feminino na esfera pública. O discurso oficial enfatizava que ensinar
crianças era um atributo feminino, era um trabalho para virtuosos, cujas ações deveriam se
pautar no amor e não nas recompensas materiais. Representantes oficiais e militantes do
partido republicano afirmavam ser o magistério uma profissão para vocacionados, devendo
dela se afastar aqueles que não simbolizassem o amor ao trabalho de ensinar.
Em 1879 fora instituida a educação mista, onde meninos e meninas podiam
frequentar uma mesma escola. Fora decretada, também, a equiparação salarial entre
professores e professoras em nível nacional.
Os apelos ao trabalho das mulheres surgem como uma oportunidade de se alcançar
o espaço público com aprovação social. Ser servidoras da pátria, como professoras, passava a
ser uma possibilidade de comunicação com o espaço público com um nível de aprovação
social, antes só concedida pelo casamento. Para um campo de trabalho abandonado, em que o
contingente masculino de professores ia gradativamente se esvaziando, eram as mulheres as
substitutas ideais: virtuosas, econômicas, abnegadas e ainda mais, “vocacionadas” para o
trabalho de ensinar. Outro ponto de destaque na fala do presidente da província é que as
questões morais, antes justificadoras da separação dos sexos nas escolas, - e que tantas
desvantagens traziam para a educação das meninas – não mais interessavam aos
representantes do poder oficial. Se seriam as mulheres as professoras ideais da infância, a
educação das meninas precisava ser incentivada.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Homem ... mulher! Espaço público... e espaço privado! Dicotomias entre o masculino
e o feminino? Diferenças que não devem ser vistas ou entendidas a partir da desigualdade e
do desmerecimento de um ou de outro. E necessário que se veja, que se reconheça os valores
as particularidades do que é próprio de cada sexo, percebendo isso como pontos positivos para
uma vida em comum, amparada pelo respeito mútuo ao espaço de cada um.
Espaços públicos e espaços privados podem e devem ser ocupados por ambos os sexos
numa relação de respeito às diferenças sem preconceitos e estereótipos como nos diz
Marodin: igualdade não significa fazer as mesmas tarefas o importante é o sentido de
reciprocidade onde se reconhecem que as respectivas contribuições tem valor e fazem parte
de um equilíbrio. Assim a verdadeira igualdade entre homens e mulheres se faz pelo
reconhecimento das diferenças e a consciência de sua complementaridade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, J. S. De. Mulher e educação a paixão pelo possível. São Paulo: UNESP, 1998.
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PERROT, M. Mulheres Públicas. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: UNESP, 1998.
REFERÊNCIA BILBLIOGRÁFICA
RIBEIRO, A. I. M. Mulheres Educadas na Colônia. In: LOPES; FARIA FILHO; VEIGA
(orgs.) 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 79-94.
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INTRODUÇÃO
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Assim, o feminino e o masculino são uma construção sócio cultural de gênero, que dita
parâmetros do que é ser homem e mulher em sociedade.
Trata-se de uma relação assimétrica de poder do homem sobre a mulher presente em
todas as instituições sociais, partidos políticos, nas igrejas, classes sociais, inclusive no
mercado de trabalho que, conforme já elucidamos anteriormente, é um espaço de poder e
divisão sexual. Esta assimetria encontra no patriarcado seu alicerce, sobre isso nos diz Osterne
(2011, p. 131):
Estas desigualdades têm no patriarcado – sistema masculino de opressão das
mulheres, caracterizado por uma economia domesticamente organizada, na qual as
mulheres tornam-se objeto de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de
herdeiros, de trabalho e de novas reprodutoras – um de seus melhores espaços de
manifestação, historicamente falando, uma vez que o sistema é identificado com a
dominação e a exploração.
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A fala das entrevistadas acerca das suas precárias condições de trabalho nos faz
questionar como vem se dando a atuação feminina nos dias atuais. De acordo com Bruschini
et. al (2008), assiste-se nas últimas décadas há uma intensa polarização do trabalho feminino,
através de progressos e atrasos. De um lado, temos um incentivo e cada vez maior
participação feminina no mercado de trabalho, sobretudo desde meados dos anos 1970. Em
contra partida, há uma elevada taxa de desemprego de mulheres, bem como, má qualidade na
forma desta inserção, através de postos de atuação precarizados, informais e em péssimas
condições.
Quando perguntamos sobre como elas se sentem trabalhando em um espaço
expressivamente masculino, tivemos as seguintes respostas:
Vitoriosa por ter conquistado meu espaço, foi muito sacrifício, mas eu consegui
(Entrevistada 2);
Isso não me incomoda, eu já trabalhei em lugares em que só tinha mulheres e eu
ficava incomodada, pois mulher é muito emocional, passional e leva para o
trabalho seus problemas, já homem não. Os homens são mais objetivos nas coisas,
no entanto, os guardas são muito desorganizados (Entrevistada 3);
Sinto muito orgulho, é preciso ter coragem (Entrevistada 1).
De acordo com Osterne (2011, p.131), “Aos homens, o cérebro, a inteligência, a razão
lúcida, a capacidade de decisão. Às mulheres, o coração a sensibilidade e os sentimentos”.
Nesse sentido, estas desigualdades se ancoram na primazia do masculino, que ganha
legitimidade na diferença eminentemente biológica entre os sexos, expressando-se de forma
simbólica na discriminação e inferiorização da mulher ao homem.
Quando indagamos sobre como elas acreditam que os guardas municipais homens
percebem o trabalho feminino na guarda municipal, tivemos as seguintes respostas:
Quando assumi o concurso senti muito machismo e preconceito, frases do tipo
“Lugar de mulher é na cozinha”, aos poucos e com o nosso trabalho a gente vem
mostrando que lugar de mulher é onde ela quiser, pois em tudo que faz, é bem feito.
Porém, não podemos generalizar, há guardas que apoiam, reconhecem e até
incentivam uma maior participação feminina nesse espaço, outros não, ainda
possuem essa visão machista (Entrevistada 2);
É complicado, eu fico mais com questões administrativas, é difícil, mais eu acho que
eles dão a devida importância a cada uma de nós (as três mulheres), pois cada uma
tem seu papel. Resumindo: eu acho que eles nos consideram importantes
(Entrevistada 3);
É complicado, até mesmo porquê somos apenas três mulheres só que a cada dia
estamos buscando nosso espaço( Entrevistada 1).
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De acordo com Silva (2005), o aspecto cultural deve ser considerado quando se fala
em relações de gênero no trabalho, sobretudo quando se trata da atuação policial, tendo em
vista que esse espaço é historicamente considerado como “masculino”, ou seja, estando
permeado pelas representações de força, coragem e poder. Neste sentido, a condição de
trabalho feminino na esfera policial se articula e depende das condições organizacionais e
sócio culturais, sendo um contexto favorável ao desgaste e estresse.
Ainda segundo o autor a partir do seu estudo, as trabalhadoras guardas municipais
atuantes nesta instituição eram tratadas com bastante desrespeito e desdém por parte da
sociedade (da população), dos colegas de trabalho homens e, ainda, pelos responsáveis pela
gestão.
Questionando sobre a ocorrência de algum ato de preconceito ou discriminação com
elas ou com alguma outra mulher na guarda municipal, obtivemos as seguintes respostas.
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Sim. Os comentários machistas por ter uma mulher nesse espaço, de que o nosso
lugar é em casa e na cozinha e não no trabalho. Porém, os superiores além de
reconhecerem, incentivam a atuação feminina nesse espaço, pois tem muito homem
que não exerce sua função corretamente, enquanto nós,
unha, por isso, desempenho o meu papel sem distinções (Entrevistada 2);
No meu caso, na parte administrativa, sou eu e um homem e o trabalho é igual, já a
guarda da cozinha desempenha uma tarefa que homem não faz (Entrevistada 3);
Nunca vai ser igual, pela questão da força e outra nós somos só três mulheres
guardas, apesar disso, estamos buscando o nosso espaço (Entrevistada 1).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Neste artigo estudamos o olhar imaginário e criativo de José Olívio, tomando como
base seu lugar de fala, evidenciadas na escrita de si e da cidade como espaços discursivos,
ressaltando primeiro, que, mesmo perante os avanços a superioridade de publicação do texto
escrito pelo homem em relação ao texto publicado pelas escritoras, segundo, nas cenas dos
contos contamos com um farto e rico material sobre a cidade selecionada, Alagoinhas-BA.
José Olívio Paranhos Lima, natural de Catu, nascido em 2 de setembro de 1955, filho
de Olívio Pereira Lima (Oliveira, falecido em setembro de 2015) e Amélia Paranhos Lima
(Iaiá), mas criado por Gedalva Ramalho Madureira, ativista ecológico que aos seis anos
mudou-se para Alagoinhas. É membro da Ordem Brasileira dos Poetas de Cordel, licenciado
em Letras pela UNEB/CAMPUS II e durante a elaboração da Constituição Brasileira de 1987
destacou-se no
movimento Circuito Nacional de Preservação da Amazônia, que antecedeu a criação das
entidades ecológicas no Brasil.
O trabalho literário ora analisado reúne crônicas do cotidiano retratadas em barbearias
da cidade, sendo que muitas são publicadas pelo jornal Gazeta dos Municípios, haja vista
que é reconhecido na região. Assim, o poeta lança um olhar sobre personagens do município,
transcendendo os muros do lugar comum ao retomar eventos passados através de fatos e
promovendo a reconstrução de um espaço de lembranças. Expressa em sua narrativa traços da
diversidade cultural da cidade e proclama seu modo de viver, costumes, crenças, fatos e
episódios históricos.
Tomamos como lócus da pesquisa o livro de crônicas Conversa de barbearia (2001),
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onde sugere que não se trata de uma invenção, mas de vivências da população mais velha que
recupera em sua memória e proporcionam aos mais velhos lembranças inesquecíveis e
curiosidade da população atual. Os relatos mostram a cidade de forma poética, buscando um
lugar que pode ter ficado perdido na memória da população.
Trata-se de um escritor que, mesmo nascido em outra cidade possui uma história
ligada a Alagoinhas e seus habitantes. A publicação de seus textos contribui para a formação
da literatura municipal e por isso merece destaque, conforme Coutinho (2002, p. 237):
O objetivo desta pesquisa está em trabalhar com o discurso de um escritor que mantém
vivo no imaginário um passado de lembranças que se constitui de fatos históricos e sociais
representados através da sua interpretação e, por conseguinte da recepção leitora. Conversa
de barbearia em sua capa apresenta o desenho de um barbeiro com uma tesoura na mão e um
cliente sentado, espelho com bancada e gaveta, calendário na parede do lado esquerdo do
barbeiro com o desenho de um gato; no chão, próximo ao interruptor vemos uma lixeira cinza
e a parede pintada na cor laranja e azul, contendo quarenta e sete crônicas que sugerem sobre
a vida cotidiana dos moradores da terra em forma de homenagens a amigos e pessoas
representativas da terra como: Antônio Carneiro, o médico Dantas Bião, as professoras Iracy
Gama, Denise Gurgel e Normandia Azi ao lado de pessoas de comportamento pitoresco,
como Sr. Lili, Julinho, Zé da jega, Tio Dedé dentre outros. Segundo Ecléa Bosi (1994, p.
407):
É preciso reconhecer que muitas de nossas lembranças, ou mesmo de nossas
ideias, não são originais: foram inspiradas nas conversas com os outros. Com
o correr do tempo, elas passam a ter uma história dentre da gente,
acompanham nossa vida e são enriquecidas por experiências e embates.
Nos acontecimentos vivenciados por José Olívio percebemos que o escritor sente
afeição a uma cidade que lhe acolheu e ele retribui escrevendo sobre esse cenário para
rememorar suas lembranças. Conversa de barbearia é um livro que apresenta títulos
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sugestivos, a saber: Salão de Beleza, Mulher que não me cumprimenta, Africana, Pesquisa, O
teste de rã, Barbearia I, II e III, A invasão de grilos, Ana Rita, Questão, Conferencias, O
mecânico, Julinho, O alpinista entre outros, e selecionamos quatro para analisar.
BARBEARIA I (p.16-17)
[...] Aqui em Alagoinhas, ainda em pleno vapor, além de outros, temos o Lili, um
barbeiro muito conhecido na cidade, cujos traços firmes se mantêm ‘vencedor da
idade e das procelas’ a despeito dos salões terem acompanhado o processo de
modernização. [...] Era lá onde, por determinação de meu pai, tinha que cortar meio
escovinha (cabeça toda raspada deixando um topete ou pimpão na frente). Ordem
expressa que não ousava desobedecer. Eu me lembro dos cortes e da sua evolução.
Havia o Maracanã, cabeleira toda cheia, corte de artista; escovinha, que é o corte que
usava o Ronaldo Fenômeno; Busca-ré do jogador Ronaldão, Emilio Santiago ou do
jogador Cleber (coloca-se uma chapa no alto da cabeça). Ainda temos hoje o VO,
que meus filhos tanto gostam; o Asa Delta e o Surfista e agora, o Moicano de
Neymar.
Eu sempre disse que moda é a volta do tempo antigo. Naquele tempo usavam
maquinas manual tipo 00, para toucinho mesmo, a Zero e a número 1. Depois disso,
só se falava em tesoura e o chique ficava por conta da de picotar. Não é que as
maquinas voltaram? Só que agora a elétricas e os pentes é quem variam: 1, 2,3,4.
[...] Havia ainda um outro recurso utilizado pelos barbeiros, conforme lá no alto
sertão , foi fazer a barba. Como tinha o rosto murcho, o barbeiro deu-lhe uma
bolinha para colocar na boca assim facilitar a operação. Terminado o cochilo, o
freguês tira a bolinha da boca e pergunta ao barbeiro:
Eu me lembro dos cortes e de sua evolução. Havia o Maracanã, cabeleira toda cheia,
corte de artista; escovinha, que é o corte que usava Ronaldinho Fenômeno; O Busca
ré jogador Ronaldão..
jogadores e atores famosos. Notamos ainda a descrição dos instrumentos que utilizavam para
cortar relacionando-os aos atuais.
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Esse conto retrata a época em que a Ferrovia estava a todo vapor e em Alagoinhas seu
retorno tinha uma relação íntima com o Saturnino Ribeiro, cidadão de prestígio da região que
tinha um depósito. Percebemos o processo de emancipação e desenvolvimento da cidade, as
pessoas constroem sua identidade acompanhando seu desenvolvimento e onde se concentram
as atividades econômicas, educacional, de saúde e lazer. José Olívio foi criativo ao trazer para
as páginas de seu livro a ferrovia como excelente meio de transporte de carga e passageiro e
atualmente a população alagoinhense vive de lembranças desse tempo laborioso.
Fui seu conterrâneo. Se tive a sorte de granjear algumas amizades com a crônica,
reconheço que o Ranking poético pertencia a Ary na coluna literária do conceituado
Alagoinhas Jornal.
O poeta sempre andou ombro a ombro com a arte. [...]. Escultor foi por um bom
tempo charadista do Jornal O Nordeste, quando esta modalidade literária estava na
crista da onda. Como retratista, ele mesmo fazia a Câmara com latas grande de
querosene no tempo em que só tinha luz das 18 às 20h. Foi dentro desse processo
artesanal de fotografia que nasceu Antônia Miranda Conceição, Totinha, que veio a
ser a maior fotógrafa da região. [...]
Seu livro veio a lume, através do editor e poeta catuense Washington Oliveira com
tiragem de apenas 250 exemplares em cujo título bem expressava seu jeito: Alegria
de Viver.
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Nosso artista possuía três traços incomuns: transformava as paredes da casa em telas
onde também escrevia pensamentos, documentava poeticamente os fatos
corriqueiros de sua cidade e dedicava acrósticos a amigos seus.
José Olívio refere-se ao poeta Ary Conceição que também era artista plástico, pois
seus poemas estavam em primeiro lugar na coluna literária do atual extinto Alagoinhas
Jornal. Nesta crônica, refere-se a mais importante e conhecida fotógrafa de Alagoinhas:
Antônia Miranda (falecida), popularmente conhecida por Totinha, que deixou fotos
espalhadas pelos vários cantos da cidade em forma de quadros, livros nas casas residenciais e
cartões postais. José Olívio ao narrar sobre o poeta Ary e sua filha Totinha faz renascer nas
lembranças dos moradores de Alagoinhense o sentimento saudosista de pessoas que se
destacaram na sociedade por muito tempo. Para José Honório Rodrigues (1981, p. 48):
Fim de ano os Salões de Beleza fica sempre abarrotados. Posso dizer, sem medo de
errar, que na minha cidade se encontramos mais chiques e antenados com o que há
de mais moderno no mercado mundial. Quando ás barbearias, essa é uma amizade
antiga.
Os pagodeiros, nas suas letras sensuais e balançadas, costumam u7sar expressão
“bota essa morena na chapa”. Imaginemos uma cabrocha pisoteando numa chapa
quente. É a impressão que nos passa quando a vemos quebrando nos pagodes da
vida. Pois bem. Chapa me lembra chapinha, dar chapinha. Antigamente dizia-se
“fazer cabelo”, Isto é, dar ferro no cabelo. Eu recordo de Lourdes, secretária do lar,
no fundo do quintal passando ferro no cabelo, quando eu era menino e morava no
Jardim Teresópolis. Acendia o fogareiro e colocava uma espécie de alicate grande de
vergalhão no fogo como se estivesse assando churrasco e depois começava a passar
no cabelo. Tinha o ferro de alisar e o de cachear. Semelhante á uma tesoura, o de
enrolar era liso encurvado na ponta e o de cachear tinha na extremidade duas
chapinhas. Não havia palavra chapinha, escovinha e nem cabeleireiro.
Hoje temos a Escovinha e a Chapa elétricas, e, diferentes daquele tempo, é, dada
também nos cabelos masculinos.
Tenho saudades daquelas tardes em que Lourdes dava ferro no cabelo enquanto
ouvia O Rei das Tardes, Armando Mariano Show (hoje fazendo Balanço Geral) na
Rádio Sociedade da Bahia , que meu pai , Oliveiras insiste em chamar de PRA4. As
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tardes costumavam variar. Ás vezes era para passar roupa, engomar com anil, num
ferro de carvão. Tudo na base do sopro e brasa vermelha. Naquele tempo não havia
rádio FM, celular, internet e se alguém ligasse um aparelho com controle remoto,
seria equivalente a um filme de ficção cientifica.
Que papos rolam hoje nos cabeleireiro ou cabeleireiras, enquanto dão chapa ou
escovinha?! Pergunto á minha irmã Dacira, dona de um Salão de Beleza. Ela dá de
ombros e diz: - Sei lá! Deve ser o mesmo de seu Conversa de Barbearia.
Vejo a mulher que não me cumprimenta. Olho-a mais de uma vez; examino seus
traços imunes ao tempo. Há anos que nos conhecemos, embora nunca tivéssemos
nos falando. Tem ela um quê que a torna diferente das outras mulheres que conheço:
ser indiferente á minha pessoa. Ás vezes acontece nos batermos de frente numa loja
qualquer ou num supermercado e ela então volta o rosto para um ponto vago
procurando algo que não existe. Mas se nos magoa alguém que se recuse em nos
cumprimentar, não sinto isso em relação á Mulher que não me cumprimenta, porém
uma certa magia, um certo encanto por esse tabu que se quebrado perderia a graça.
Agora mesmo tenho-a na minha frente ladeada por alguém que bem poderia ser seu
marido. Mas olhando direito, trata-se de um jovem rapaz que abraça carinhosamente
porque é seu filho; [...] Acompanhei-a desde mocinha; seus primeiro folguedos da
vida colegial; os passeios na praça aonde eu também ia flertar. Observo agora seu
rosto moreno e virado, óculos escuros, cabelos esfarelados na testa e a determinação
firme de não me encarar. Não há aliança no seu dedo nem marca dessa aliança. Que
teria acontecido com a vida conjugal da Mulher que não me Cumprimenta e que faz
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No conto “Africana” (argola grande) destaca um artefato que por muito tempo era tido
como uso exclusivo das mulheres. José Olívio observava o desfile das argolas nas orelhas das
mulheres sentado no banco do Shopping Laguna. Os padrões estéticos são diferentes. Muitas
vezes o que consideramos algo bizarro e feio, para alguns é algo com significado especial e
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uma busca por outro padrão de beleza: “Verifico que as loiras são as primeiras a usar as
africanas, mas quando é numa mulata, é um charme só!” (OLÍVIO, p.12).
Nada na vida para chamar tanto a atenção quanto uma mulher bonita. É o que
pensam os amantes do “belo sexo” ou “do sexo frágil”. O culto às bonitas vem desde
os tempos bíblicos; já naquele tempo sempre fora tema da cobiça masculina. [...]
Por convenção, associou-se bondade à beleza. A bruxa porque é má, termia sendo
feia; a fada por ser bondosa, é bonita. Daí as citações “diga aí, Princesa”! Fartamente
utilizadas nas músicas. [...] Já dizia o poeta Vinícius de Morais: “As feias que me
desculpem, mas beleza é fundamental!” Depois, ele mesmo andou a querer remendar
não sei como, porém isso não ficou muito bem esclarecido.
[...]
Neste conto minha análise começa pela seguinte pergunta: o que adianta a pessoa ser
bonita, mas não ser admirada? Não vamos ser hipócritas e dizer que beleza não importa, mas
com o tempo aprendemos que as pessoas só precisam ser bonitas para nós, não para os outros.
E o que é bonito para uns, nem sempre é igual para todas as pessoas. Muitas mulheres lindas
vivem em busca de um padrão de beleza que a sociedade impõe não se reconhecem bonitas
com suas características próprias, estudando, assistindo programas e filmes preconceituosos,
em que a mídia mostra formas necessárias para se adequar às exigências sociais. Não adianta
ser bonita por fora se é feia por dentro, não adianta ter salto, e não saber andar, não adianta ser
quente, e não pegar fogo, e não adianta ser mulher se não se comporta como uma. E no fundo
o que todo mundo precisa é ter alguém para acrescentar, conversar e divergir de opiniões, algo
necessário para gerar amizade, companheirismo e respeito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
passagem da esfera auditiva à esfera visual. A memória escrita confere um suporte especial,
ampliando-a, transformando-a, e estabelecendo a fronteira onde esta memória coletiva torna-
se memória social, ressalta Le Gof. (1997).
Este artigo aborda as fontes escritas como possível material significativo na
construção da historiografia de uma cidade a partir de documentação e da oralidade,
ressaltando o sujeito a partir da memória como forma metodológica viável e confiável.
Analisando parte considerável dos arquivos locais, percebemos que José Olívio destaca-se no
cenário literário da região, prevalecendo a ideia patriarcal do escritor sair na dianteira das
escritoras, embora esta já tenha avançado nesse cenário.
Assim sendo, José Olívio representa Alagoinhas através de crônicas que narram às
memórias dos seus habitantes e têm valor inquestionável para mantê-las vivas e garantir um
sentimento de pertencimentos entre as/os moradores e seus lugares de origem. Por isto, trata-
se de textos cujos registros datam do século XX que, acreditamos, possui valor inestimável
para a educação regional, pois a abordagem temática incide em temas e personagens que
refletem e representam as identidades da população alagoinhense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das letras,
1994.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. São Paulo: Global, 2003. 6 vol.
LE GOFF, Jacques. Memória. In ___ Romano Rugiero. Enciclopédia Elinaudi.s.l.
LIMA, José Olívio Paranhos. Conversa de barbearia. Alagoinhas: Gazeta dos Municípios,
2011.
RODRIGUES, José Honório. Filosofia e história. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
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INTRODUÇÃO
ou quaisquer instituições que participaram desse movimento, mas sim pessoas e instituições
com
imaginação na ótica de Bronowski, ou seja, capazes de imaginar uma cidade/região diferente
e de evocar uma instituição ausente para esse espaço.
O professor Luiz Oswaldo teve e tem um papel de destaque na educação,
especialmente superior, no município de Quixadá. Pedagogo, Filósofo, Mestre em Educação,
professor, militante, radialista, escritor, funcionário do Banco do Brasil, estudioso de Paulo
Freire e partidário de suas ideias, são algumas das inúmeras ocupações que assumiu ao longo
de sua vida. Ele afirma ter feito parte de uma juventude (década de 1960) “que se julgava
democrata, que tinha brigado contra a ditadura, e que entendeu que a revolução não era tomar
o poder, mas era transformar profundamente tudo2”. Para ele, essa juventude fez a “revolução
da moda, do sexo, das drogas, da igreja ou das igrejas, da cultura, música, literatura, de tudo, é
uma juventude que marcou as juventudes que vieram depois”. Por ter feito parte desse
movimento ativamente, tendo sido expulso da Faculdade e impedido de estudar por 15 anos
ele acreditava “poder vencer certas coisas”.
Um de seus grandes desafios foi à criação de uma faculdade em Quixadá, essa
proposta foi gestada, como dito anteriormente, na década de 1970, quando a sociedade
quixadaense reclamava a ausência de cursos superiores para formação de seus filhos. Nessa
época, a educação era reconhecida como possibilidade de ascensão social e as famílias que
tinham recursos enviavam seus filhos para estudar em Fortaleza ou outras cidades e morar
geralmente na casa de parentes. Os que saíam de sua cidade natal para passar 4, 5 anos
estudando, não acreditavam que valia a pena empreender tamanho esforço para ser professor.
Frequentemente, as famílias ansiavam a volta de um “doutor” que, nesse caso, era sinônimo
de médico, advogado, engenheiro ou qualquer outra profissão que historicamente tenha
alcançado status social.
Nas escolas, entretanto, era comum associar os problemas educacionais a falta de
qualificação do quadro docente e a falta de qualificação dos professores a inexistência de
Instituições de Ensino Superior na região, isso impulsionou debates e mobilizações em defesa
2
Para escrita do projeto utilizamos trechos da entrevista feita pela autora com o professor Luiz Oswaldo em
2012.
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de uma instituição de ensino superior que atendesse aos municípios integrantes do sertão
central cearense.
3
Faculdade que foi incorporada pela Universidade Estadual do Ceará.
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professor Luiz tornaram-no uma figura de grande relevância para educação. Em um dos
trechos da entrevista suas influências chamam atenção, primeiro quando cita Geraldo Vandré
e suas canções “Porta Estandarte”, “Arueira” e “Pra não dizer que não falei de flores” músicas
que se tornaram ícones da oposição ao regime militar de 1964. Para ele a temática de Vandré
nessas três canções era a esperança; depois quando menciona Pedagogia do Oprimido uma
das obras mais conhecidas de Paulo Freire, na qual apresenta a contradição entre opressor e
oprimido; a educação bancária como instrumento de opressão; a dialogicidade como essência
de uma educação libertadora, dentre outros conceitos que influenciaram profundamente a
educação.
[...] o Vandré começa compondo uma canção no início da vida dele, onde ele fala de
certezas e esperanças pra trocar por dores e tristezas que eu bem sei um dia ainda
vão findar, um dia que vem vindo, que eu vi pra contar. Na minha dissertação de
Mestrado eu chamo isso de concepção infantil de esperança, eu sento, espero que o
dia mude e quando o dia mudar vou cantar, o dia não muda. Ele evolui e escreve
outra, a primeira foi “Porta
Estandarte” e a segunda é “Arueira” vim de longe, vou mais longe, quem tem fé vai
me esperar, escrevendo uma conta, pra junto à gente cobrar, no dia que já vem
vindo, que esse mundo vai mudar é a volta do sertão de arueira no lombo de quem
madrugar. Eu chamo isso de concepção adolescente de esperança ele continua
esperando o dia mudar, mas inquieto, fazendo conta pra cobrar. Então ele cria uma
concepção adulta de esperança vem vamos embora que esperar não é saber, quem
sabe faz a hora não espera acontecer, muito condizente, não é nem saber o dia, é
saber cada hora do dia, muito condizente porque na mesma época o professor Paulo
Freire dizia na “Pedagogia do Oprimido” movo-me na esperança enquanto luto e se
luto com esperança alcanço (SOUSA, 2012).
A partir dessas referências, o professor Luiz Oswaldo afirma que a esperança “não
era um cruzar de braços, a esperança é construí-la” e partindo dessa ideia ele lançou um
desafio a seus pares – o de construir uma Faculdade em Quixadá. Desde então foram mais de
3 décadas de contribuições à educação. Em minha tese de doutorado fica evidenciada a
importância da Faculdade de Educação, Ciências e Letras (FECLESC) unidade acadêmica da
Universidade Estadual do Ceará (UECE) em Quixadá para toda região do sertão central
cearense e a pessoa insistentemente citada pelos entrevistados ao resgatar a história da
instituição foi o professor Luiz Oswaldo. Pelas razões brevemente anunciadas defendemos a
relevância de biografar e fazer conhecer esse educador.
A PARTICIPAÇÃO DO PROFESSOR LUIZ OSWALDO NA CRIAÇÃO DE UMA
INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR EM QUIXADÁ
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Nessa fala podemos identificar algumas ações que visavam à expansão da educação
básica no sertão central cearense, por intermédio da multiplicação na quantidade de vagas a
partir da ampliação no número de séries ofertadas e de escolas. Em seguida, a educação como
propulsora do crescimento e desenvolvimento regional. A educação figura como um dos
indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), pois se reconhece a relevância da
Educação para melhoria da qualidade de vida da população. Desde a década de 1990, Quixadá
mantém seu IDH em nível considerado médio pelo IPECE.
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Quando a FUNESC iniciou as obras possuía em caixa CR$ 29,00 e uma folha de
pagamento semanal no valor de CR$ 35.000,00. Para que as finanças pudessem ser
equilibradas o ex-prefeito Aziz Baquit emprestou dinheiro à fundação, sem cobrar
juros o que custeou boa parte da obra. Dom Rufino vendeu terras pertencentes à
Diocese na Serra do Estevão e fez uma doação de CR$ 10.000,00. Valdemar de
Alcântara, governador em exercício do Ceará na época, estava de passagem para a
Serra do Estevão nos o aguardamos e depois de apresentar todo o projeto e
relatarmos o que já havíamos conseguido ele fez uma doação de CR$700.000,00. Na
inauguração, o Governador Virgílio Távora doou CR$ 3.000.000,00 e com esse
valor conseguimos saldar todas as dívidas. (SOUSA, 2012).
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A abertura desses cursos é importante não apenas para Quixadá, mas também para
as cidades circunvizinhas, como Ibaretama, Quixeramobim, Itapiúna e Choró.
Temos uma carência grande de professores de ensino médio nas áreas de ciências
exatas e naturais, daí a importância de formarmos esses profissionais”. “Ademais”,
explica Hissa Neto, “é estratégico que formemos biólogos com sólidos
conhecimentos sobre a ecologia da caatinga, para que os municípios do sertão
central possam contar com quadros especializados na promoção do desenvolvimento
sustentável. (HISSA NETO in Diário do Nordeste, 2004, p. 01).
De fato, esse perfil de jovens recém-saídos do ensino médio é o que persiste até hoje.
Cremos que a demanda represada foi formada nos primeiros anos de funcionamento da
faculdade.
Em 1995, o então Reitor da UECE, professor Paulo de Melo Jorge Filho aprovou a
instalação dos Campi Avançados da Região do Vale do Curu, Região Maciço do Baturité e
Região Central II. No artigo 2º o documento propõe “Os campi avançados, ora criados,
deverão ser direcionados no sentido de promover a melhoria das condições socioculturais e
educacionais das populações envolvidas, pela oferta de cursos de graduação e serviços
extensionistas. O Regimento dos Campi Avançados foi definido na gestão da professora
Fátima Maria Leitão Araújo (diretora da FECLESC), todavia os cursos deixaram de ser
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ofertados, pois o convenio celebrado entre a UECE e as prefeituras municipais não foi
cumprido pelas prefeituras.
Segundo dados do segundo semestre de 2012 a FECLESC oferece oito cursos de
graduação, todos na área de licenciatura: Pedagogia, Letras (Português), Letras (Inglês),
Ciências Biológicas, Química, Física, Matemática e História, possui em seu quadro funcional
72 professores e 25 funcionários. A instituição tem 1058 alunos oriundos de diversas
localidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRONOWSKI, Jacob. O olho visionário: ensaios sobre arte, literatura e ciência. Tradução:
Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
CARINO, Jonaedson. A biografia e sua instrumentalidade educativa. Educação &
Sociedade, ano XX, nº 67, Agosto/99. Disponível em:
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/veiculos_de_comunicacao/EDS/
VOL20N67/EDS_DEBATES20N67_4.PDF. Acesso em: 22/11/2014.
Diário do Nordeste on line. Sertão Central se consolida como polo universitário. Diário do
Nordeste on line, 2004. Disponível em:
http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2004/07/19/502176/serto-central-consolida-
como-polo-universitario.html. Acesso em: 19/02/2011.
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INTRODUÇÃO
eram as práticas culturais e estéticas das dramistas no Theatro Pedro II em Viçosa do Ceará?
O estudo é parte integrante de um projeto mais amplo, denominado Educação estética e
patrimônio cultural no contexto do ensino de Arte, do grupo de pesquisa Investigação em
Arte, Ensino e História – IARTEH, formado por professores, alunos de graduação e alunos de
pós-graduação do Centro de Educação e de outras unidades da UECE, convergindo com as
pesquisas de mestrado e doutorado desenvolvidas pelos respectivos autores.
Do ponto de vista da metodologia a abordagem caracteriza-se como qualitativa, por se
tratar de uma perspectiva de investigação na qual os fenômenos são examinados de tal modo
que nada é considerado trivial, pois “[...] tudo tem potencial para construir uma pista que nos
permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo”.
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49), com a utilização de fontes bibliográficas, análise
documental e entrevista com a dramista Maria Cassiana de Arruda, conhecida pelo nome de
Maria júlia Arruda, que participou do Theatro Pedro II. O lócus da pesquisa é o Theatro
Pedro II, em Viçosa do Ceará. A escolha se deu por ser o segundo teatro mais antigo do
estado e pelo envolvimento de um dos autores com a Cidade de Viçosa do Ceará. Sob esse
aspecto, a escolha reflete a necessidade do emprego de processos que possam tornar
discutíveis e evidentes tanto o Theatro Pedro II em Viçosa do Ceará como lugar de memória,
como as práticas culturais e estéticas das dramistas, indagando, contestando, confrontando
informações e trilhando caminhos de significação.
4
Vila Viçosa Real, denominada de Viçosa do Ceará está localizada a 348,8 km da capital, Fortaleza, na
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[...] aos sete dias do mês de julho de 1759, pela manhã, após a reunião de toda a
povoação no centro da aldeia e ao som de altos brados: Viva o Senhor Rei D. José
Primeiro de Portugal, estava criada com pelourinho levantado – representação clara
da autonomia municipal – Vila Viçosa Real, a antiga aldeia de Ibiapaba (MAIA,
2014, p. 229).
O Teatro Dom Pedro II é uma das edificações teatrais mais antigas do Ceará,
“Considerada uma das mais antigas cidades do Ceará, Viçosa tem um patrimônio cultural, o
Teatro Pedro II, construído em 1904 pelo major Valdevino, que veio do Rio Grande do Sul
[...]” (HONÓRIO, 2002, p. 46). Com um nome imponente do período imperial do Brasil, o
Teatro Pedro II, construído pelo Major Valdino Elias de Alencar e depois comprado pelo
major Felizardo de Pinho Pessoa, o qual manteve o teatro com propriedade privada por mais
de setenta anos. A data da construção remonta meados da primeira e segunda década do
século XX no ano de 1904 e 1913. Entre as ilustres visitas recebidas consta a visita da família
real no ano de 1926.
microrregião de Ibiapaba e é o primeiro município criado na serra da Ibiapaba, em 1882. Segundo o censo 2010,
realizado pelo IBGE, o Município tem 54.961 habitantes e uma área de 1.311,62 km². Está subdividido em oito
unidades, sendo a Sede e mais sete distritos: General Tibúrcio, Lambedouro, Manhoso, Padre Vieira, Juá dos
Vieiras, Passagem da Onça e Quatiguaba. ( http://www.vicosa.ce.gov.br/ - acesso em 10/01/2015)
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Outras edificações educacionais serviram de palco para o ensino das artes e do teatro.
“O patronato passou a ser uma referência importante na cidade. Havia um calendário de
atividades culturais, recreativas [...]” (BARRETO, 2006, p. 141), que tinha participação ativa
nas datas comemorativas da cidade. Especialmente porque o Theatro ficou fechado por mais
de 40 anos. Somente em 2003, o local foi tombado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional e, em 2008, foi adquirido pela Prefeitura Municipal de Viçosa
do Ceará, passando por um processo de restauração e sendo reinaugurado em janeiro de 2012.
Desde então mantém uma programação permanente de apresentação de peças teatrais,
exibição de filmes e oferece espaço para reuniões, mantendo esta tradição de importante palco
da cultura local.
Nesse momento da reinauguração o professor Célio Fontenele, produziu um facebook5
e quadros com fotografias e expões nas paredes do teatro, resgatando um pouco da memória
das dramistas, como também da história do Theatro, conforme imagens e depoimento no
facebook por Célio Fontenele.
Homenagem às dramistas viçosenses, hoje senhoras, que nos anos 1940... brilharam
no palco do teatro! Obrigado pelas fotos e depoimentos que me ajudaram a
reconstruir sua história, hoje pública, mostrada aos alunos e visitantes do teatro: 1 –
Maria Alice Siqueira; 2- Vitória Tavares; 3- Conceição Pereira; 4-Arminda Victor;
5- Rosália Mapurunga; 6- Dóris Beviláqua; 7- Terezinha Sousa; 8- Hilda Victor
5
Endereço https://www.facebook.com/Theatro-Pedro-II-Vi%C3%A7osa-do-Ceara-534634406606957/acesso
20/10/2015
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Fotos: arquivo pessoal – Fotografia dos quadros afixados nas paredes do Theatro Pedro II em Viçosa do Ceará
Esta definição corresponde ao que disse a dramista entrevistada – Maria júlia Arruda,
que compõe as dramistas viçosenses, conforme o quadro exposto no Theatro Pedro II.
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Fotos: arquivo pessoal – Fotografia do quadro afixado na parede do Theatro Pedro II em Viçosa do Ceará
Segundo ela no drama tinha a comédia e o bailado, sendo este último a parte na qual
se apresentava e que mais gostava. Falou com muito carinho e orgulho do vestido
confeccionado por sua mãe para esta ocasião, feito de cetim a blusa e a saia toda de papel
crepom acompanhando de belas e delicadas sapatilhas. Relembrou com carinho dos meses de
ensaio, do dia da estréia, da professora e dos convites sendo vendidos na bilheteria para vê-las
se apresentando. Disse emocionada: Tinha a cortina e quando abria eu já estava no ponto
para bailar.
Ao trazermos para esta reflexão as práticas culturais e estéticas das dramistas,
relacionamos ao que estamos denominando de experiência estética, por compreendermos que
era isso que acontecia com as dramistas. Larrosa (2014, p. 18), corrobora com essa ideia
quando exprime que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, ou o que nos toca.
Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passa muitas coisas,
porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece”. Com esta referência de experiência como
algo que nos passa, nos toca, nos acontece, dizemos, ainda, como algo que nos transpassa,
considerando que para ser experiência deve passar por todo o ser, por todo o corpo, é sentir
por inteiro. Percebemos pelo contato com dramista que era isso que acontecia – uma
verdadeira experiência estética, por meio das suas práticas culturais.
Dewey (2010), ensina que experiência estética é um tipo que exige de quem está
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DUARTE Jr., J .F O que é beleza. São Paulo : Brasiliense, 2009.
HONÓRIO, Erotilde (Org). Historia do Teatro no Ceará: através de grupos e companhias,
1967 a 1997. Fortaleza: [...] Theatro José de Alencar, 2002.
LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte : Autêntica Editora,
2014.
MADEIRA, Maria das Graças de Loiola. As Composições Teatrais do Jesuíta Gabriel
Malagrida no Século XVIII. In: CALVACANTE, Maria Juraci Maia. HOLANDA, Patrícia
Helena Carvalho. LEITÃO, Antónia Regina Pinho da Costa. Et al. (Org). Afeto, Razão e Fé:
Caminhos e Mundos da História da Educação. Fortaleza: Edições UFC, 2014.
MAIA, Lígio de Oliveira. Educação dos Índios de Ibiapaba na Capitania do Ceará sob o
Ideário do Diretório Pombalino na Segunda Metade do Século XVIII. In: CALVACANTE,
Maria Juraci Maia. HOLANDA, Patrícia Helena Carvalho. LEITÃO, Antónia Regina Pinho
da Costa. Et al. (Org). Afeto, Razão e Fé: Caminhos e Mundos da História da Educação.
Fortaleza: Edições UFC, 2014.
X Edital Ceará Natal de Luz – 2013, publicado em 01 de outubro de 2013, pela Secretaria
Estadual da Cultura do Estado do Ceará – SECULT.
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INTRODUÇÃO
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Segundo Cascudo (1968) a Vila de São Miguel de Jucurutu foi criada originou o atual município de
Jucurutu/RN, emancipado politicamente no ano de 1935 pelo Interventor Federal Mário Câmara.
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Olívia Pereira nasceu no dia 06 de maio de 1904, a penúltima dos doze filhos
gerados pelo casal José Antônio Pereira e Ubaldina de Medeiros Pereira, nasceu na fazenda
Pai Bastião, situada no município de Caicó/RN. “Olívia Pereira foi alfabetizada no alpendre
da fazenda dos seus pais, aprendeu as primeiras letras com sua tia paterna, a senhora Severina
Pereira de Brito, uma mestra-escola que anos depois lecionou na Escola Paroquial de Caicó.”
(RODRIGUES, 2013).
Após sua alfabetização Olívia Pereira, transferiu-se para a cidade de Caicó, onde
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passou a residir numa casa pertencente a seus pais7 situada na Rua Amaro Cavalcanti. Foi
matriculada no Grupo Escolar Senador Guerra criado pelo Decreto nº 189, de 16 de fevereiro
de 1909 (RIO GRANDE DO NORTE, 1909, p. 40). Nesse Grupo Escolar, Olívia Pereira foi
aluna da professora Josefa Botelho8 e contemporânea do futuro Senador da República
brasileira Dinarte de Medeiros Mariz. Essas informações constam numa crônica escrita e,
proferida por esta professora na Escola Doméstica de Natal, durante a realização de uma
homenagem aos 80 anos do aniversário natalício deste político (RODRIGUES, 1983).
Após concluir o ensino primário, Olívia Pereira transferiu-se para a capital norte-rio-
grandense, onde ingressou em 1924, na Escola Normal de Natal concluindo sua graduação no
ano de 1928. Nesse mesmo ano, foi nomeada pelo presidente do Estado do Rio Grande do
Norte como
professora da Escola Rudimentar da Vila de São Miguel de Jucurutu (ESCOLA
RUDIMENTAR DA VILA DE SÃO MIGUEL DE JUCURUTU, 1927-1932). Essa escola foi
instalada no ano de 1922 durante o governo de Antonio José de Mello e Souza quando “foram
criadas 22 escolas rudimentares nas seguintes povoações: Campestre e S. Bento no município
de Nova Cruz, Jardim de Piranhas e S. Miguel de Jucurutu no de Caicó [...].” (RIO GRANDE
DO NORTE, 1922, p. 14).
Após lecionar durante o período de 1928 a 1929 nessa Escola Rudimentar, no ano de
1930 Olívia Pereira teve seu cargo de professora transferido para a cidade de Caicó onde
passou a lecionar no Grupo Escolar Senador Guerra (MONTEIRO, 1944).
No ano de 1947, a professora Olívia Pereira teve seu cargo transferido para a cidade
de Natal onde passou a lecionar no Grupo Escolar Áurea Barros localizado no cruzamento da
Avenida Afonso Pena com a Rua Açu, até o ano de sua aposentadoria no ano de 1960.
Segundo consta em sua Certidão de Óbito, Olívia Pereira faleceu em sua residência em Natal-
RN, no dia 10 de fevereiro de 2010, aos 105 anos de idade, tendo como causa da morte
“fibrilação ventricular, infarto agudo do miocárdio, aterosclerose coroniana.” (RODRIGUES,
7
Essa informação consta numa crônica escrita e proferida pelo filho de Olívia Pereira em homenagem aos 105
anos natalícios de sua mãe (RODRIGUES, 2009).
8
A professora Josefa Botelho foi diplomada na primeira turma da Escola Normal de Natal, em 1910. Suas
práticas educativas são investigadas pelo Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero, através
do Projeto de Pesquisa História da Leitura e da Escrita no Rio Grande do Norte (1910-1980) (MORAIS, 2014).
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2010).
A professora Olívia Pereira era uma professora muito boa, era calma e paciente com
os alunos, quando algum aluno não entendia a lição ela explicava tudo de novo. Ela
escrevia no quadro, as letras, as palavras e os números. Cada aluno tinha seu
caderno de escrever a lição. Ela ensinava a ler, a escrever e a contar, eu fui aluno
dela no primeiro ano. (OVÍDIO, 2013, grifo nosso).
Esse depoimento mostra parte dos métodos de ensino que a professora Olívia
trabalhava. Diante desse fato, destacamos que entre os exercícios de Leitura e Escrita
prescritos pelo Programa de Ensino constante no Regimento Interno das Escolas
Rudimentares do Rio Grande do Norte, era recomendado aos alunos “[...] Copiar o nome
próprio. Reproduzir, na ardósia, ou no papel, as letras, silaba, palavras ou frases, de acordo
com a lição de leitura. [...] Reprodução de traslado ou modelo do professor, no papel ou no
quadro negro.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 26).
O Livro de Atas da Escola Rudimentar da Vila de São Miguel de Jucurutu (1927-
1932) expõe outras práticas da professora Olívia Pereira. Segundo esse documento, ela
organizava festas escolares na instituição. Nessas ocasiões orientava os seus alunos durante a
entoação de hinos e apresentações de dramas, monólogos, diálogos e poesias. Diante dessas
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práticas, destacamos que conforme Souza (1998, p. 241, grifo nosso) durante a consolidação
do sistema republicano a escola primária, brasileira
[...] o seguinte programa: ‘As bonecas’, ‘Eu cá não falo’, ‘A carta’ (monólogos).
‘Saudação a bandeira’, ‘A escola’, ‘Meu dever’, ‘O Pássaro Cativo’ (poesias),’As
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Diante desse fato, salientamos que de acordo com Veiga (2010, p. 407, grifo nosso) a
escola primária republicana, estimulou “[...] o contato com a literatura brasileira, os cantos,
a dança, presente no cotidiano das salas de aula, nas festas escolares, nas festas das cidades.”.
Segundo Rocha Neto (2005, p. 154) as poesias de Olavo Bilac “[...] eram dirigidas às
crianças, e foram constantemente reproduzidas nos livros didáticos e recitadas na escola,
durante várias décadas.”
Além das festas, os Passeios Escolares organizados pela professora estudada,
configuravam as suas práticas educativas, constituindo-se como momentos de ensino-
aprendizagem. O Regimento Interno das Escolas Rudimentares, determinava o seguinte: “Os
professores deverão realizar, sempre que for possível, passeios escolares, outras
comemorações cívicas e encerramento festivo” (RIO GRANDE DO NORTE, 1925, p. 13,
grifo nosso).
Num artigo intitulado Passeios Escolares (1925) e publicado na revista Pedagogium,
o educador potiguar Antônio Estevam, rememorou aos professores das escolas primárias do
Rio Grande do Norte, as determinações legais e as vantagens pedagógicas dessas atividades,
para tanto, apregoava que “A própria Lei da Reforma do Ensino no seu art. 56 pondera que os
passeios escolares se dirigirão aos campos agrícolas, fazendas etc. (ESTEVAM, 1925, p. 49-
50).
Em parte dos documentos lavrados pela professora Olívia Pereira no Livro de Atas
da Escola Rudimentar da Vila de São Miguel de Jucurutu (1927-1932), consta os locais
escolhidos para a realização dos Passeios Escolares por ela organizados. Nesses eventos havia
o ensino das Lições de Coisas. Tais lições, constituíam-se como a etapa inicial do método
intuitivo de ensino, os defensores desse método
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Segundo Lima (1911, p. 1) as Lições de Coisas “[...] só devem ser dadas com o
objeto á vista, o que provoca a observação do aluno, sobre o seu todo, suas partes, qualidades,
etc”. Ao seguir essa norma, a professora Olívia Pereira organizava os mencionados passeios
escolares em sítios e fazendas, onde os objetos estudados nas Lições de Coisas eram
simultaneamente visualizados. Mostramos como exemplo, um passeio realizado pela
mencionada professora, dia vinte de outubro de 1927 no qual os alunos receberam uma Lição
de Coisas sobre a produção da cana de açúcar, “[...] a qual foi ouvida com a máxima atenção
que se provou com um ligeiro interrogatório sobre a mesma.” (ESCOLA RUDIMENTAR DA
VILA DE SÃO MIGUEL DE JUCURUTU, 1927, p. 31).
O cultivo da cana de açúcar foi estudado por educadores potiguares como o professor
Acrisio Freire. Numa coluna intitulada Lições de Coisas (1927) constante numa edição da
revista Pedagogium, ele publicou um artigo mostrando a importância histórico-econômica da
cana de açúcar, para a formação do Brasil. O mencionado texto, também afirmava ser essa
planta genuinamente brasileira. Segundo esse autor “[...] a cana de açúcar existia em nosso
país ao tempo do descobrimento, o que não é de admirar, pois, se ela é planta dos países
equatoriais e se reproduz com facilidade nessas regiões [...].” (FREIRE, 1927, p. 65, grifo do
autor).
O registro sobre uma Lição de Coisas sobre a cana de açúcar, realizado pela
professora Olívia Pereira na supracitada Ata, também exemplificam os estudos sobre essa
planta. Outro defensor do ensino das Lições de Coisas foi o educador Benigno de Vasconcelos
Júnior, ele asseverava que
São as coisas que com seus nomes, nomes de suas propriedades, de suas ações, nos
levam ao estudo da linguagem. É o estudo das formas dos objetos que produz a
geometria, bem como o seu número fez nascer o caçulo. (VASCONCELOS
JÚNIOR, 1917, p. 8).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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do Norte. Natal: Fundação José Augusto, 1968.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Galhardo. Lisboa:
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ESCOLA RUDIMENTAR DA VILA DE SÃO MIGUEL DE JUCURUTU. Livro de Atas
da Escola Rudimentar da Vila de São Miguel de Jucurutu. Jucurutu/RN, 1927-1932.
ESTEVAM, Antonio. Passeios Escolares. Revista Pedagogium. Natal: Tipografia Natalense,
n. 20, 1925.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, Eliane
Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive (Org.). 500
anos de educação no Brasil. 3. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. P. 135-149.
FREIRE, Acrisio. Lições de Coisas. Revista Pedagogium. Natal: Imprensa Diocesana, 1927.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Tradução Gizela de Souza.
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LOPES, Eliane Marta Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação.
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184f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas. 1996.
MORAIS, Maria Arisnete Câmara de; COSTA, Karoline Louise Silva da; MORAIS, Janaina
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INTRODUÇÃO
agitação nos espaços no qual as decisões sobre educação de nosso país são tomadas.
Entidades e órgãos responsáveis pelas leis educacionais têm promovido momentos de diálogo
sobre a temática nos espaços estudantis, a fim de decidir que caminhos devem ser trilhados
em relação a mesma.
Exemplo da polêmica em torno desse assunto são as sessões e plenárias que ocorrem
nas câmaras de vereadores e assembleias legislativas pelo Brasil a fora, no qual vereadores,
deputados e grupos, contra e ou a favor dessa abordagem em sala de aula, travam grandes
batalhas para defenderem seus pontos de vista, e até mesmo tirar das pautas de votação, itens
relacionadas às questões de gênero na escola.
Uma amostra desse tipo de confronto aconteceu na câmara de vereadores de Porto
Alegre, em 25 de junho de 2015, na qual, em meio a protestos de grupos que defendem o
diálogo sobre as questões de gênero no cotidiano escolar, alguns itens sobre o tema foram
retirados do Plano Municipal de Educação (PME) daquela localidade, causando alívio para
uns e protestos e revoltas para outros.
METODOLOGIA
Nosso lócus de trabalho foi uma escola Municipal da periferia de Fortaleza, situada
numa comunidade entendida como de “risco” por seu histórico de violência e contexto de
carências socioeconômicas e culturais.
Os olhares foram direcionados para as series iniciais (1º ao 5º anos) do ensino
fundamental I. Nesse espaço nos utilizamos da observação, principalmente, no movimento e
fala de professores em relação aos garotos e garotas “diferentes”, e isto foi o que mais nos
impactou nesta pesquisa, pois é preocupante o que se ouve durante as conversas nos horários
de intervalo dos mesmos.
Para efetuarmos esse estudo, optamos pela pesquisa qualitativa de caráter exploratório
e bibliográfico, já que a mesma nos dá possibilidade de interpretar os fenômenos relacionados
a pesquisa de forma mais eficaz. As bibliografias nos auxiliaram a entender as informações
empíricas relacionando-as com os dados teóricos que dariam embasamento ao nosso trabalho.
No tocante ao tipo de pesquisa, recorremos a Bauer; Gaskell que afirmam o seguinte:
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A FALA DOCENTE
Observamos durante nosso estudo discursos preconceituosos por parte dos docentes,
com frases do tipo: “ – o menino já nasce ruim e veado pior”; “ – a pessoa já é metida quando
se torna veado e quando já nasce um?”; “ A fulana só quer ser homem, parece que não tem
mãe”, “ – a mãe ainda deixa a menina vestir roupas masculina e cortar o cabelo como macho,
só pode ser uma irresponsável”. Essas são falas que são ouvidas diariamente e que muitas
vezes transformam-se em debates sobre como a família permite tais atitudes nos filhos, pois
acreditam que os alunos tem tal comportamento por culpa dos pais.
Desse modo não nos causou admiração quando lançamos nosso olhar para a sala de
aula e percebemos o preconceito representado nas brincadeiras de “mau gosto” de colegas
contra os meninos e meninas que demonstram tendências para outro “sexo” que não o seu de
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nascimento.
Nesse sentido dialogamos com Louro:
Ainda analisando a fala docente, compreendemos que se faz necessária também uma
formação para professores voltada para o trabalho com as questões de gênero na sala de aula,
pois muitas desses discursos são reproduções de ideias, crenças e valores morais que os
mesmos já trazem consigo ao longo da vida, fruto da educação tradicional, patriarcal e
machista que receberam e que torna tais questões ainda mais complicadas de se discutir no dia
a dia escolar.
Ao direcionarmos nossas observações para a sala de aula, ficamos ainda mais
surpresos, por ser notório o desinteresse ou falta de preocupação, por parte dos educadores,
em trabalhar as questões de gênero mesmo diante de conflitos frequentes entre colegas de
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Desse modo entendemos que a escola é apenas um local que faz parte de um espaço
mais amplo, a sociedade, e que aquele, mesmo sendo menor, é detentor de formação e
informação, tendo por obrigação repassar valores e condutas advindas dos outros ambientes
que compõem essa sociedade como, a família, a religião e o Estado.
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do turno da tarde, que se reúnem para brincar com as meninas. O grupinho traz de casa seus
brinquedos e bonecas e organizam suas casinhas, num cantinho do pátio sob o olhar
reprovador dos que passam por ali. As crianças não se incomodam com as piadinhas de outros
colegas, mas inquietam gestores e docentes que, por vezes, dão um jeito de acabar com a
diversão. Além disso, proferem comentários absurdos em relação a conduta das crianças,
reforçando a cultura machista de que “menino não pode brincar de boneca” e que certas
brincadeiras ou tarefas são só para meninas. Para Louro “A escola delimita espaços. Servindo-
se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e
institui. Informa o “lugar” dos pequenos e grandes, dos meninos e das meninas” (2003, p.
???).
Nessa perspectiva compreendemos que a escola tanto pode ser aliada no combate as
atitudes de preconceitos e de homofobia, quanto pode colaborar para a propagação desses
comportamentos entre os indivíduos que circulam nos espaços educacionais. Ela precisa
orientar melhor seus profissionais, pois vimos que muitos educadores não sabem lidar com
esse tipo de situação e acabam constrangendo alunos ao repreendê-los de forma inadequada e
desnecessária. Para
contornar a situação, os profissionais da educação poderiam se apoiar nas brincadeiras dos
pequenos e dialogar com os mesmos sobre questões como machismo, a intolerância e a
violência, indagações estas que, segundo nosso entendimento, devem ser cada vez mais
abordadas no cotidianos escolar.
Assim, ao observar os garotos brincando de casinha poderíamos ressaltar aspectos da
sociedades atual, na qual cada vez mais mulheres e homens se dividem nos cuidados com a
família e afazeres do lar e não só ficarmos preocupados no fato daquela brincadeira incentivar
ou não a homossexualidade dos garotos que dela participam.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho nos possibilitou conhecer melhor a temática sobre gênero, além de nos
trazer a compreensão de que não dá para fechar os olhos diante de um tema tão polêmico mas
de necessária abordagem no ambiente escolar.
Não se pode fechar os olhos diante do preconceito como fazem alguns professores que
circulam na instituição escolar em foi realizada a pesquisa. Não dá mais para fingir que não
ocorre
esse tipo de “problema” na escola. Não devemos ignorar o silêncio de alguns e o grito de
outros que tentam se sobrepor ao que lhes é imposto, rebelando-se contra os deboches e
insultos os quais são obrigados a enfrentar diariamente, principalmente o alunos do 4º e 5º
anos, que estão na puberdade e entrando na adolescência que já manifestam atitudes
homofóbicas e preconceituosas ou sofrem com elas.
Desse modo, compreendemos ainda que a escola precisa ser palco de diálogos
voltados para as questões que promovam um entendimento sobre a diversidade,
principalmente as referentes a problemática do gênero. É interessante ressaltar que alguns
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passos já vem sendo dados nesse sentido e que nos abrem caminhos de esperanças de que
podemos trabalhar tais questões para que se eduque os indivíduos para que estes não
continuem propagando ideias machistas, preconceituosas e, por vezes, violentas
manifestações homofóbicas.
Assim, concluímos nosso dialogo sobre as questões de gênero, ressaltando que a
escola precisa estar atenta para estas questões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Os relatos das professoras, além de serem reminiscências de uma vida, são históricos.
Portanto, como produto final das entrevistas, as transcrições dos áudios passaram por
processo de análise e foram inseridas no texto à medida que os temas tratados por elas foram
abordados. É preciso ressaltar que as entrevistas almejaram as memórias dos professores
acerca do MOBRAL, que significou um determinado momento de sua carreira docente. Não
podemos esquecer de que, dentre as seis professoras, quatro já não estavam mais na ativa, já
estão aposentadas, e todas apresentaram uma versão dos fatos segundo a própria óptica e
convicção. As professoras relataram
A Prof.ª Maria Cândida, hoje membro do Conselho de Educação do Ceará, faz uma
análise sobre o cenário educacional cearense na década de 1970 e afirma que a política de
educação de adultos sempre foi uma política caroneira no sistema de ensino. Definitivamente,
ela nunca teve o seu lugar como deveria ter sido nas políticas publicas.
O estado na época, não cuidava de Educação de Adultos. Não trabalhava com EJA,
então era um movimento praticamente da sociedade civil, não era totalmente
porque tinha despesas mantidas com recursos federais, de programas federais, que
dava o material. Mas em condições muito precárias. Tinha dinheiro para formação,
para comprar uma parte do material didático, para alguns treinamentos no interior,
organizar algumas escolas, pagava funcionários. Olha, fazer educação formal para
o sistema regular de ensino já era um desafio. Porque nos tínhamos metas e
demandas tanto do ensino fundamental como do ensino médio, altíssima de alunos
fora da escola, então era priorizar a criança e o adolescente, depois o adulto.
(Prof.ª MARIA CÂNDIDA).
A Prof.ª Maria de Fátima comenta que o MOBRAL foi “jogado em nossas mãos sem
a gente saber nem o que era, não tinha planejamento, agente aprendeu fazendo”.
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Essa luta velada é contada por quem viveu como uma busca por participação nas
decisões e pela busca de realização de ações educativas mais próximas das realidades locais, o
que sem dúvida era uma jogo de forças onde havia perdas e vitórias, angústias e satisfações:
A cada alteração sugerida no programa, era também lançada a semente de uma maior
participação nas definições políticas educacionais. O grupo de técnicos era um verdadeiro
grupo de resistência no interior da Secretaria de Educação do Estado.
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O MOBRAL tinha muito dinheiro ele tanto pagava bem o supervisor quanto o
professor, então tinha muita vaga, todo mundo queria ser professor. No meu bairro
ali na Rua João Cordeiro, da minha casa ate descer na Monsenhor Tabosa, tinha 11
núcleos. 11 casas com alunos. A coordenação ficava ali onde é hoje o teatro São
José, mas você nem via a coordenadora porque tinha muita gente trabalhando para
o MOBRAL (Prof.ª MARIA DE FÁTIMA, ex-supervisora e ex-professora do
MOBRAL).
A remuneração paga aos professores também é referida pela Prof.ª Maria Lúcia “O
dinheiro era bom, eu lembro que era como se fosse 70% do salário. Não era integral porque eu
não tinha carteira assinada, não era formada, era até de menor”
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[...] eu trabalhava de dia no comércio e de noite alfabetizava. Ate porque era detrás
de casa num areal, numa casinha, que uma senhora me cedeu, porque me conhecia.
Então aquela comunidade me valorizava e me reconhecia: Ei você é a professora!
Sobre o seu ingresso no MOBRAL, a Prof.ª Maria Eunice nos conta que
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A Prof.ª Maria de Fátima denuncia que o perfil das professoras no MOBRAL deveria
ser de estudantes da escola pública ou normalistas e que o intuito dessa seleção era para não
polemizar na sala de aula com os alunos, mas acalmar a população, já que o programa passava
uma idéia positiva de serviço educacional oferecido ao povo gratuitamente:
As professoras não faziam o debate em sala de aula ate porque eles não queriam
professoras formadas, tinha que ser estudante, de preferência alunos de escola
estaduais, com a desculpa que estavam dando oportunidade. Mas professor mesmo,
não tinha nenhum professor formado. Nós éramos voluntárias do MOBRAL. Não
éramos professoras, a gente é que se chamava assim.
Sobre o ingresso no programa, foi certo perceber que não havia critérios, a não ser ter
um local para implantação da turma:
Quando surgiu essa oportunidade, eu soube através de alguém. A gente tinha que
arranjar o local para dar as aulas, arranjava os alunos, fazia a lista de alunos, e ia
para o local
Então no MOBRAL a filosofia era: vamos alfabetizar o adulto! A condição era que
os professores chegassem numa comunidade qualquer, arranjasse uma casa e 20
alunos; formasse uma turma e cadastrasse na coordenação. Quer dizer, não existia
uma escolha de professor, existia o emprego de professor! Aí naquela casa, você
tinha que pegar a sala da frente. Pra quê? Para quem passasse, visse que ali estava
acontecendo aula e se interessasse. Esse era o discurso.
Esse discurso é reforçado pela Prof.ª Maria Clara: “Qualquer pessoa podia dar aula
no MOBRAL, não havia critério algum”. Aliás, em alguns casos, o critério era a indicação
política e ela completa: “(...) eu sabia de amigas que tinham sido indicadas por político e que
nem aulas davam, a turma era fantasma”.
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Nós íamos para lá (para Fundação), tinha um treinamento, mas muito pequeno,
muito pouco, nele a gente aprendia a manusear o material, porque tinha o livro do
aluno, tinha a parte de escrever, tinha o livro de leitura e tinha os cartazes. Eu
lembro bem dos cartazes. Nós trabalhávamos com palavra. Mas eu não tinha ideia
do que eu estava fazendo, eu lembro que ouvi falar em Paulo Freire, antes da
Universidade. Eu ainda fazia 8ª serie e não tinha a mínima ideia de como ensinar
(Prof.ª MARIA LÚCIA, ex-professora do MOBRAL).
A Prof.ª Vera continua dizendo que nunca houve um questionamento sobre isso
porque “ninguém tinha coragem de falar, se você dissesse isso aqui, você saia do programa. O
seu emprego era atrelado a nada”. E a Prof.ª Marileide reforça essa afirmação, dizendo que “O
professor tinha o
Manual do Professor como guia para o planejamento de suas aulas”. Ao ser indagada se
participavam de alguma capacitação: “nada, nada, nada!!!! A gente lia no livro: hoje você vai
trabalhar atividade tal e você fazia da melhor maneira de repassar aquilo dali para os alunos”.
Pronto! Você fazia esse treinamento pequeno e começava a dar aula, seguindo a
ordem do livro. Não tinha planejamento, mas tinha o livro que a gente ia seguindo.
Partia da palavra, da silaba, da discussão do tema, eu lembro bem que tinha a
palavra: enxada e trabalho.
Na época, era uma fundação não sei o que, não me lembro o nome dessa fundação,
já faz tanto tempo né? (rs) eu só sei que o projeto era o MOBRAL. Aí eu cheguei,
preenchi uns papeis, elas perguntaram se eu era formada, eu disse que era, que
tinha o quarto normal. (Prof.ª MARIA EUNICE, ex-professora do MOBRAL).
Eu fui lá e me deram a turma, a turma era na escola Paulo Ayrton (do estado), na
BR 116, isso porque eles tentavam colocar você, mais próximo da sua residência.
Porque na época você só tinha direito aquele salariozinho, não tinha negocio de
vale transporte, passagem de ônibus, não tinha nada. (Prof.ª MARIA DAS DORES,
ex-professora do MOBRAL).
O dinheiro era pago pela fundação não tinha nada a ver com o estado e eu me
lembro que era 150 cruzeiros, o dinheiro vinha em espécie, a gente assinava um
recibo e não ficava com nada. Por isso que não há comprovação de pagamento
nada, era solto, solto. (PROFª MARIA CLARA, ex-professora do MOBRAL).
Eu trabalhei 13 anos na Secretaria, só que eu não tinha carteira assinada, uma pessoa
recebia e me repassava uma parte do dinheiro. Ninguém assinava isso. Não tem uma
prova de que eu passei por isso. (PROFª MARIA DE FÁTIMA, ex-supervisora e ex-
professora do MOBRAL).
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Houve um incêndio, perderam tudo e eu também perdi meus dois anos de serviço
porque perderam toda a papelada. Na época valia o MOBRAL como tempo de
serviço, mas quando eu fui atrás, nada. (PROFª MARIA EUNICE, ex-professora do
MOBRAL).
Olha, tu vai terminar uma tese dizendo que a memória da educação de adultos é
morta! Porque assim que as instituições que cuidaram da educação de adultos se
extinguiram, os papeis sumiram. E a gente nem sabe onde foram parar esses
arquivos. É um grande mistério! (Prof.ª MARIA CÂNDIDA).
No comentário da Prof.ª Maria Clara, “tinha aquelas reuniões dia de sábado, para
receber cartilhas, elas chamavam de reuniões culturais, que nada mais era para receber
material didático”. Isto é confirmado pela Prof.ª Maria de Fátima, ao denunciar que trabalho
da supervisão não era bem executado, deixando a desejar em vários aspectos.
O trabalho das supervisoras era uma coisa solta! Só tinha uma coisa que não podia
faltar: as reuniões dia de sábado. De 1 às 6h da tarde. Todos os supervisores e
professores. Porque era aí que víamos os avanços onde logicamente, todos os
professores davam ótimos retornos. Tinha que sair um relatório para coordenação
geral no Rio de Janeiro, então nos sábados ela pegava os dados, juntava os quatro
sábados onde só apareciam bons depoimentos e enviava o relatório para o
MOBRAL/Central. O avanço era fictício. (Prof.ª MARIA DE FÁTIMA, ex-
professora do MOBRAL).
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Eu tinha que entregar um relatório e uma frequência todo mês. Um relatório sobre
como é que a turma estava, por exemplo: quantos estão lendo? Numero de alunos
frequentando. A maior turma que eu tive foi de 20 alunos, acho que a aprendizagem
acontecia por conta disso aí. (Prof.ª MARIA DAS DORES, ex-professora do
MOBRAL).
Lá só tinha uma turma, somente eu. Tinha uma supervisora que custava muito ir lá,
ela preferia ir às outras escolas onde tinham muitas turmas. Não tinha ninguém
para conversar sobre o trabalho e eu me sentia muito sozinha. (Prof.ª MARIA
CLARA, ex-professora do MOBRAL).
O que passava pra supervisora é o que elas entendiam, o que eles queriam ouvir, eu
não podia questionar, pelo que eu me lembro é que se o MOBRAL foi baseado em
Paulo Freire e se uma das frentes era o circulo de cultura, que era o dialogo essas
duas coisas no MOBRAL nos não poderíamos falar. Era dito assim: não vamos
politizar o ensino, nos vamos alfabetizar os adultos. Então, mas naquele tempo
ninguém questionava ate porque ninguém tinha maturidade e nem conhecimento
para entender essa política ideológica. Então lá estou eu trabalhando com as
ferramentas do Paulo Freire, mas com as ideias dele não. Todo mundo soube depois
que tinha um grupo no MOBRAL que era da UNESCO, que não tinha nada a ver
com Paulo Freire, Ele foi usado como uma frente, mas que o MOBRAL com as
ideias dele não funcionava. (Prof.ª MARIA DE FÁTIMA, ex-professora do
MOBRAL).
Aos poucos, o programa foi definhando, os estados lutavam com cada vez mais
afinco pelo direito de produzir um material didático regionalizado, além da luta pelo princípio
da autonomia regional, na tentativa de incluir nas ações os planos estaduais de educação.
Essa tensão sentida durante todo o percurso de existência do MOBRAL não foi o
estopim para o encerramento de suas atividades. Outros problemas de ordem financeira e
jurídica puseram fim às ações do MOBRAL, culminando na informação de extinção chegada
aos técnicos da Secretaria pela própria imprensa.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSI, E. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. 7. Ed. São Paulo: Companhia das
Letras.1999.
BRANDÃO, C. R. Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BURKE, p. (org.). Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. IN: A escrita da
História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
GERMANO, J. W. Estado Militar e Educação no Brasil (1964-1985). 2. Ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
GRANGEIRO, L. H. F. Educação Popular: Limites e Possibilidades no Aparelho do Estado.
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará. 1994.
THOMPSON, p. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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INTRODUÇÃO
Werle (2008, p. 19) destaca que uma instituição, especialmente escolar, se caracteriza
por “um caráter formativo, um movimento de transmissão de um saber que se deve integrar
num sistema de conduta e, ao mesmo tempo, num conjunto de limites e interdições”.
Nesse sentido, na instituição em estudo, uma tradicional escola da rede estadual de
Pernambuco situada em Olinda, os aspectos que mais se sobressaíram no período em tela
(décadas
de 1970 e 1980) foram a disciplina e o autoritarismo, perpassando as práticas na sala de aula e
nos demais espaços da escola, se manifestando, inclusive nas exigências à aparência e à
conduta das alunas do Curso de Magistério dentro e fora dos muros da instituição.
Esses dois aspectos eram vistos, na maioria das vezes, como algo positivo por
professores, funcionários, pais e também alunas, pois possibilitaram à instituição um
ordenamento (horários, comportamentos, currículo, fardamento etc.) que contribuiu para que
sua qualidade fosse reconhecida no município, sendo considerada uma instituição educativa
de excelência. Embora também fosse sentida como opressiva por alguns dos sujeitos.
[A diretora]9 era uma pessoa muito autoritária. Mantinha uma disciplina quase que
militar quanto ao horário, fardamento e comportamentos dos alunos. Para muitos
na época (pais) era ótimo, [para nós] era angustiante. Muita repressão. Não
existiam diálogos nem defesas. As regras tinham que ser cumpridas e os
funcionários respeitados e obedecido. (A1)
Tinha pessoas que até temia a pessoa dela [a diretora]. Às vezes ela era temida
também, porque ela era, assim, muito forte, muito decidida, muito enérgica. De
pulso, né? Ela era de pulso. [...] E a gente tinha que fazer também... era... o estágio,
né? A definição da farda do estágio [...]. Pronto, então era assim. Tudo definido: a
farda do estágio, a farda do desfile, assim. O que fosse ter, ela sempre tava à frente,
organizando. (A2)
[...] E de fato ela [a diretora] era uma pessoa de uma rigidez medonha e isso foi
muito bom para o colégio, o colégio realmente se tornou um padrão por causa dela.
Ela foi que iniciou, padronizou o colégio dessa forma. (PROF1)
9
Uma mesma gestora esteve à frente da instituição escolar (quase de modo ininterrupto) desde a sua fundação,
em 1960, até 1984 (quando se aposentou). Portanto, é a sua gestão que se referem todos os/as entrevistados/as
citados neste trabalho (que abarca o recorte temporal da década de 1970 até a primeira metade dos anos1980).
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Ela [a diretora] exigia que nós nos comportássemos de acordo com o perfil da
escola. Inclusive nós, atletas... Nessa época, os treinos de handebol aconteciam na
quadra e quando a quadra estava ocupada com o futsal a gente precisava ir para o
quartel, [...]. E acontecia o seguinte: uma vez ela passou e viu as atletas (porque a
gente tinha a farda do treinamento) pedindo carona... Então ela marcou uma
reunião com os atletas e com a treinadora [para] saber por que os atletas estavam
“sujando o nome da escola” pedindo carona... e que não queria nenhum atleta
pedindo carona. Quem não tivesse dinheiro [...] ela ia reservar a passagem para o
treinamento. Mas não era nem questão de não ter, era ter o dinheiro e guardar para
o lanche (risos). Então era aquela anarquia, aquela vontade... E tinha uma época
que era muito bom pegar carona! Que o povo ficava na rua pegando carona! Então
ela disse que da próxima vez que ela visse alguém pegando carona ela ia suspender
e ia tirar do time [...]. (A3).
Um fato interessante é que ela [a diretora]... Algumas vezes ela chegava nas turmas
e dizia que uma aluna do magistério (que era a “menina dos olhos” dela, era o
magistério), tinha feito alguma coisa que não era certa na área de estágio, em
outros colégios. E a turma ficava, assim, sem saber como é que ela sabia que tinha
ocorrido bagunça, tinha ocorrido, assim, distúrbios com as pessoas daquela sala.
Ela acertava. Agora não acertava, assim... às vezes a aluna, mas acertava a turma.
Passado tempos, se descobriu que havia três turmas: A, B e C. Cada uma sempre a
camisa tinha a mesma cor... Cor de rosa, amarela e azul... Então era isso. Eram
pessoas que eram conhecidas dela, que diziam, quando ocorria algum distúrbio com
alunas do Estadual... “Qual era a cor da camisa? Cor de rosa? Ah, então é do
primeiro ano tal”. Ela ia certo! Isso aí, você veja, ela usou esse artifício para poder
ela, em casa, saber quem estava fazendo bagunça, quem não
estava tão certa como deveria ser, e... foi-se descobrir muito depois. Você veja que
cabeça ela tinha, pra ficar em casa e poder administrar o colégio à longa distância.
(PROFA1)
É, ela era rígida, como eu já disse. Chegou sem farda, voltava! Era a ordem da
escola e tinha que ser cumprida. Se viesse de saia curta também voltava... Era saia
pregueada, a blusa com o emblema [...]... Tinha que ter no bolso, se não fosse...
podia ir até de blusa branca, mas se não fosse com o bolso voltava, porque aquela
era a identificação da escola. (A4)
Nos depoimentos é possível perceber o cuidado para que a aluna não “maculasse” o
nome da instituição quando estivesse fora do colégio, manifestando um comportamento não
condizente com os valores, práticas, normas, condutas que deveriam pautar o pensar e o agir
de seus membros. Sobretudo quando esse membro portava a farda que, como destaca Werle
(2004) é uma representação da instituição, contribuindo para presentificá-la.
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Também uma coisa boa que sempre foi muito... é... [a] Irmã, que muitas alunas
achavam muito chata, que ela era muito rigorosa. Mas era uma pessoa que tava
formando gente para o futuro, né verdade?! E muita gente levou aquilo para as
escolas. [...] Ali tinha é... orientação educacional, tinha todo esse aparato. Isso foi
muito... Eu acho que foi um avanço no Colégio. [...] E [também] teve um papel
muito importante [o] chefe de disciplina ali. Mas ele era um cara que conversava
com o pessoal, orientando. Né?! Não era com grito. Era orientando. (PROF2)
[...] Mas [a] Irmã: “Não brinque não, preste atenção!”; “Olhe para frente!”;
“Uma normalista tem que se comportar!”. Ela chamava a gente para escrever no
quadro, tinha que ter uma boa caligrafia e tudo e veja que quando eu entrei lá
1980, 81, 82! Imagine antes como não era! [...] Mas [a] Irmã não largava do pé
da gente: olhava os botões [da farda], tinha que está bem colocadinhos. Todo
mundo com o mesmo sapato! Agora eu não alcancei saia de prega não, já era
calça comprida, graças a Deus. [...] O sapato era aquela Fortflex... Franciscana.
Mas tinha que ser Franciscana da Fortflex, meu pai do céu! Mas de certa forma
eu gostava, porque me dava a impressão que eu estava em um lugar seguro, sério.
(A5)
Também uma coisa que havia muito boa, era que tinha as pessoas que tomavam
conta das salas. Antigamente tinha umas certas... era... funcionários que tomavam
conta ali... auxiliares de disciplinas... Que depois se acabaram. (PROFA1)
Tínhamos um funcionário, [...] ele era um zelador. Ele estava varrendo a calçada
de mentira, que ele já varreu pra lá e pra cá. Ele batia assim a vassoura: “A
senhora não tá vendo não? Viu aquela menina como entrou agora?” Eu tava aqui
ocupada com outra coisa, uma mãe chegava para falar, e a menina descendo pela
rampa... Lógico, quem estava com uma blusinha menor ou sem a blusa do colégio,
estava descendo pela rampa, escondido. “Vá lá chamar ela.” Então ele cuidava
disso, da roupa, e de quem chegava mais atrasado. Tinha um homem para cuidar
do portão, mas ele cuidava também. (PROFA2)
As falas revelam como esses sujeitos contribuíam num processo de controle e domínio
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sobre o corpo, onde a atenção ao micro, aos detalhes (comprimento da blusa, posição dos
botões da farda, modelo do sapato, a caligrafia, o horário de chegada etc.), é essencial para
tornar o exercício desse poder onipresente, ajudando a construir uma espécie de rede invisível,
que cercava o corpo discente em todas as direções possibilitando que este percebesse como
natural o controle e a vigilância exercidos sobre ele.
Sobre as inspeções (ou revista) das alunas, Rocha (2003, p.49) aponta esse
instrumento disciplinar como o mais poderoso para incutir hábitos de asseio pessoal,
especialmente quando realizado em dias indeterminados, “o que ampliaria a sua eficácia, pela
possibilidade de surpreender os renitentes”.
As manifestações de indisciplina, por sua vez, eram punidas. Não com a punição física
(já há algumas décadas abolidas oficialmente das escolas brasileiras), mas com aquela que,
segundo Foucault (2006), é capaz de fazer o sujeito sentir a falta que cometeu. Além de seu
aspecto exemplar, que busca inibir o reaparecimento do comportamento indesejado, a punição
tinha também a função de reduzir os desvios, tendo um caráter corretivo.
Dentre as principais punições estavam a suspensão das aulas, a transferência (tanto de
alunos quanto de professores), a reprimenda pública e o castigo coletivo de turmas
(geralmente retenção na sala de aula) quando não era possível identificar a “infratora”.
Além disso, as memórias dos sujeitos desvelam que o controle sobre os corpos se dava
principalmente na direção das alunas, ou seja, do corpo feminino como, por exemplo, no
controle do comprimento da saia ou da blusa, como já citado; e também nos adornos
femininos (maquiagem, pintura das unhas etc.).
[...] Que ela [a diretora] era muito, muito exigente. Não entrava com a unha
pintada de vermelho... Era. As meninas não usavam maquiagem, não podia entrar
com maquiagem... A farda tinha que ser muito impecável. (PROFA3)
Esse controle também está registrado em apontamentos de aula (da disciplina Didática
Geral) contidos em cadernos de ex-alunas do Magistério dos anos 1980, que prescreviam
como deveria ser a aparência de uma professora (roupas limpas, bem passadas e com cores
sóbrias; sapatos limpos e confortáveis; acessórios e bijuterias discretas; rosto limpo e sem
excesso de pintura; cabelos bem cuidados e penteados; postura ereta e natural; porte revelador
de equilíbrio e confiança etc.).
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Além disso, havia aulas de etiqueta que eram ministradas regularmente na escola por
uma freira responsável pelo SOE. A ideia da criação dessas aulas foi uma iniciativa dessa
religiosa com apoio da direção, como revelado pelas memórias de algumas das ex-professoras
que foram entrevistadas:
[...] Mas ela subia [até a sala da direção] e fazia valer o quê que ela queria: “Seis
aulas de português durante a semana? Porque não pode ter uma aula por semana,
um momento só, pra ver esses meninos aprenderem... Chega tudo parecendo uns
bichinhos!” Aí era muito interessante. Foi permitindo... A ideia era da Irmã [...],
ela mandou botar, fez um programinha, e: “Bote, escreva aí para depois perante a
DERE eu não ficar... a minha cabeça rolar.” Eu fazia que não estava vendo nem
ouvindo nada... (PROFA2)
[...] Eu só ouvia falar das aulas de etiqueta (risos). Eu ouvia falar, mas... Mas era
aquelas regras de boas maneiras que ela dizia, nera?! Etiqueta, por exemplo, se
era... se vai entrar numa sala tem que pedir licença, se vai sair pede licença, aquela
coisa de... de Academia e de freira e de padre. Porque padre e freira tem essas
coisinhas. Pra se levantar pede licença, não é?! É... pra ir ao banheiro, pede
licença.... Que hoje o aluno se levanta e vai embora. Num pede mais nada disso.
Não é?! Totalmente diferente. Né?! Essas coisas que, que ela ensinava... Como
chegar no lanche e não meter o cachorro-quente na boca de vez, aquela coisa toda.
Isso ela falava tudo. Eu achava que era o correto. Por exemplo, essas pernas...
Botar as pernas em cima da cadeira da frente, da banca da frente... Se ela passasse
e visse uma aluna assim... Agora, ela chamava o professor e o aluno! Era.
Reclamava: “Professor, não é desse jeito que a gente educa, não!”. Mesmo assim.
Ela dizia mesmo. E, e... pra aluna, era capaz de mandar pra casa. Era. Era exigente
demais. Mas, tudo tem sua época, né?! Naquela época, era assim. Hoje não é mais
[...]. (PROF2)
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Eu tenho até um detalhe, que uma vez... Na época do desfile [a diretora] escolhia a
menina mais bonita da escola para fazer a abertura. Aquela que levava a bandeira
lá na frente era a aluna destaque. E nós tínhamos uma amiga que ela era muito
bonita, só que ela era gorda. [...] [A diretora] não queria porque ela era gorda. E a
gente conversou muito para conseguir, para que ela deixasse [a aluna] segurar a
bandeira do Brasil. Era a abertura, tinha um grupo de bandeiras, não é? Que
levava todas as bandeiras... e a de frente era a bandeira do Brasil, então ela [a
diretora] escolhia a dedo a menina que ia levar... As balizas, o pelotão das
bandeiras, era ela que também escolhia. Tinha que ser alta, bonita... Ela escolhia as
balizas... queria meninas bonitas, brancas... Se alguma negra desejasse ser baliza
ela cortava, tinha isso. Ela mesma escolhia. Ela passava nas salas e escolhia. (A3)
E ela [a diretora] era uma pessoa muito... Assim, ela tinha preconceito. Apesar dela
ser boa... Ela ajudava as meninas pobres, as meninas negras. As meninas pobres ela
ajudava. Mas quando ela ia formar a banda, ela não queria que as negras ficassem
na frente. Minha filha é loira e alta e... bonita, né? Ela dizia assim: “Você não pode
ficar no pelotão, você tem que ser destaque. Uma menina alta, bonita dessa. Pelo
amor de Deus, tira aquela neguinha dali da frente!” Que ela dizia: “pelo amor de
Deus, tira aquela menina dali da frente, eu não quero aquela menina ali!” Podia a
menina ser boa como fosse, mas ela tinha essa coisa. (PROFA3)
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[Minha filha] foi aluna daqui, em 1983. Ela concluiu o Magistério, fez concurso
para a Prefeitura do Recife, ensinou lá um tempo. [...] Ela chegou aqui com
primeiro ano, já, no ensino médio... E entrou já no segundo ano do Magistério. Fez
82 e 83, foi nesse período. [...] Ela estava fazendo no CEFET, que era um curso
[técnico]... Foi pro CEFET e fez primeiro ano. Depois resolveu fazer Magistério
porque ia se casar. Aí veio para cá fazer o Magistério. Porque quando as meninas
queriam casar, que sabia que não ia fazer faculdade... aí fazia Magistério [riso]. E
ela fez Magistério, segundo e terceiro ano. (PROFA3, grifos meus)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados levantados trazem indícios que no período em tela ainda perdurava na escola
campo da pesquisa a representação do Magistério como um curso “espera marido” e práticas
disciplinares e punitivas que tinham por objetivo moldar corpos femininos dóceis, pudicos,
higiênicos, de aparência discreta (controlando adornos, maquiagens, vestimentas etc).
Concluímos que no período estudado o curso de magistério da instituição em estudo
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contribuiu para inculcar, reforçar e perpetuar nas alunas tradicionais representações de gênero
e de sexualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
de forma clara e sucinta para que possam suprir suas necessidades com a bolsa de estudo
durante todo o trajeto de sua busca por uma graduação completa.
A metodologia é pautada em uma utilização teórico metodológico de abordagens
participantes com entrevistas presenciais, para contribuir a cerca da realidade vivida pelas
mulheres bolsistas do programa da iniciativa privada na cidade de Manaus no Amazonas, que
buscam melhores colocações no mercado de trabalho e salários igualitários aos homens.
atitudes e devem ser abrangidas no conjunto mais extenso das modificações econômicas,
políticas e culturais diferenciando o aprendizado do mundo moderno. As leis precisam estar a
serviço da democracia, dos interesses e direitos dos grupos e culturas da sociedade.
Embasada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de
1996. Art. 1º. § 2º. “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social”. Estando essa rodeada entraves em suas várias formas de inclusão, tanto no
conhecimento educacional, quanto a inserção da classe desprovida desse acesso, no trabalho
com uma qualificação, como em sua prática social incluindo no mercado formal.
Com a chegada do século XXI, e todos os mecanismos legais, financeiros e
tecnológicos, os governantes ainda se restringem a criar e aprovar programas e políticas de
inserção a educação superior à classe que vive as margens da vulnerabilidade social, que
representa grande índice, principalmente em Manaus, por ser de grande aceitação por melhor
condição de sobrevivência, sobretudo a busca por educação de qualidade através do ensino
superior.
Freire em uma análise ampla descreve a educação como um “processo de
conhecimento, formação política, manifestação ética, capacitação cientifica e técnica, que são
características indispensáveis aos seres humanos e deles especifica na História como
movimento, como luta” (2002, p. 14).
Diante disso, a Constituição Federal Brasileira traz em seu artigo 205 (capítulo III,
Seção I) a seguinte formulação: “educação, é direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho”. (Brasil, 2011).
Ressalta-se ainda que a educação seja o desenvolvimento integral no dia a dia e a
condição essencial de socialização que o individuo precisa obter para se manter em sociedade,
que assim possa se relacionar e fundamentar-se em suas ideias e buscas, elaborando
pesquisas, construindo, ou reconstruindo interpretações de uma determinada sociedade.
DEMO acrescenta que educação “é o esforço teórico e prático de estabelecer
importância essencial para o horizonte de oportunidades e desenvolvimento para compreender
a mensagem moderna da educação e lançar os desafios”. Por isso, a educação é uma prática
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inclusiva para toda vida, pois é somente com a educação que passamos a fazer parte de uma
sociedade, como um todo, com nossos direitos e deveres reconhecidos, tanto pelos nossos
governantes, como pela comunidade (2004, p. 09).
PEREIRA destaca outro aspecto da educação afirmando que educação é “base
ideológica – a tradição, os costumes são instrumentos primordiais -, das condições subjetivas,
para o desenvolvimento de um novo modo de produção, de uma nova organização societária”
(2008, p. 30).
Nesse sentido Freire, afirma que a educação deve ser ampliada a todos os indivíduos
que verdadeiramente se propuserem a compreender e repassar para as demais gerações a
importância do ensino e aprendizagem como forma de cidadania, para que os indivíduos
possam ser educados e comprometidos com seus ensinamentos e aprendizados livres e
conscientes, ao ampliarem seus conhecimentos acrescentando benefícios para sua autonomia
(2002, p. 25).
Segundo Teixeira, o direito à educação é um direito fundamental que se inclui entre
os direitos sociais previstos na Constituição, no artigo 6º, segundo o qual “são direitos sociais
a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Sua disciplina se
expressa nos artigos 205 a 214, e está vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana
que, conforme o artigo 1º, inciso III da Constituição, é fundamento do Estado brasileiro
(2008, p.147).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 1996, afirma que “Em
todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao
ensino obrigatório, contemplando os demais níveis e modalidades de ensino, conforme
prioridades constitucionais e legais” (Art. 5º.§ 2º). Dessa forma faz-se saber a todos que
nossos governantes devem atuar e garantir esse acesso e direitos a todos os indivíduos, como
forma de fazer cumprir o que preceitua a Lei citada, como forma de socialização.
de ingresso até os anos 90 eram somente os vestibulares, o que bloqueava e excluía a inserção
dos educandos, pelos números de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas ser
reduzidos.
Porém, com o avanço tecnológico o Brasil vem se fortalecendo com as lutas sociais
por busca de uma educação superior de qualidade, com a modernidade do Século XXI
identifica-se um grande acréscimo a inserção educacional, onde possa oportunizar a
população pauperizada que tanto necessita de oportunidade e acesso a política inclusiva
educacional.
PEREIRA em sua discussão norteadora relata que, a partir dos anos de 1930,
momento que o Brasil inicia seu processo de industrialização, e em consequência da
urbanização de grande massa advinda de outras localidades, amplia ainda a questão social e
leva a expansão do ensino e seu ingresso à escola, pela necessidade de desenvolvimento em
sociedade e por sua qualificação profissional (2008).
Destaca-se nesse contexto o Programa Bolsa Educações PBE criado em 15 de janeiro
de 2013, em decorrência à grande demanda de alunos excluídos da iniciativa pública que
concluem o ensino médio e querem dar continuidade aos seus estudos, inserindo-se em uma
faculdade. É importante destacar que as diferentes formas de inserção ao ensino de graduação
criado no Brasil, têm como prioridade os interesses neoliberais, trazendo grande aumento de
cursos para as instituições da iniciativa privada, fazendo grande parte da população acadêmica
e se inserem nas instituições da rede particular.
Nos dias atuais, o número de ingressos nas universidades tem aumentado, mesmo
assim, uma grande parte de alunos da classe baixa não consegue adentrar nas instituições de
ensino devido à alta seletividade do processo que de certa forma, inclui e excluindo parte da
população que vive desprovida desse acesso de qualificação, onde os mesmos não têm
condições financeiras para se qualificarem igualitariamente aos demais, por serem de baixa
renda.
De acordo com o portal do programa, criado com o intuito de resgatar parte dessa
classe pauperizada, e por ser grande repercussão para a sociedade, ainda conta com o apoio da
Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) e o Sindicato dos Estabelecimentos de
Ensino Privado do Amazonas (SINEPE-AM), faz seu primeiro processo seletivo em Manaus,
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desenvolvidas na educação, são os vários desafios que os governantes precisam enfrentar para
que possam organizar e reorganizar as políticas públicas de educação, para o aumento dos
níveis de escolaridade e refletir sobre as condições de implementação dos vários cursos
existentes, para que assim possa alcançar a necessidade que tem a população, articulando aos
demais serviços da rede no sentido de contribuir para a cidadania de todos.
pessoas que possam interagir e socializar as informações dentro do referido órgão, respeitando
assim as expectativas dos usuários.
Para Pastorine, “o Estado, que – era uma das principais instituições reguladoras desse
processo, também sofre transformações relevantes”. Uma das – mais importantes referem-se
ao encolhimento da ação reguladora – na esfera social [...] (2010 p. 46).
Contudo, os governantes são os principais responsáveis por promoverem melhoria na
qualidade do ensino nas escolas, e grande parte da população se expande nas demandas da
exclusão social que crescem a cada ano, por isso, às desigualdades sociais continuam se
proliferando, trazendo para o ensino e aprendizagem imensas defasagens, tanto acadêmicas,
como profissionais precarizando as classes, com suas inquietações sócias vividas pela
sociedade desprovidas de direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
inclusão ou até mesmo a dar continuidade nos estudos, ampliando o acesso e oportunidades a
todas de forma igualitária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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produção social válida porque revela de outra forma, o que a análise social revela através de
outros processos de investigação. Assim sendo, torna-se possível o diálogo entre a literatura e
a história admitindo-se que nenhum texto mesmo o mais objetivo mantém uma relação
transparente com a realidade que pretende configurar. (CHARTIER, 1990).
Importa frisar, que as duas pesquisas, ainda, estão em fase incipiente. Nesse sentido,
uma trata dos primeiros achados acerca da fundação e funcionamento do Colégio Nossa
Senhora de Lourdes (1928), afluindo o debate acerca do movimento educacional da época; da
estrutura do Colégio, bem como para a análise da prática docente desenvolvida pela
Instituição no início de sua fundação e a outra, diz respeito às primeiras reflexões sobre as
contribuições de Alberto Maranhão à educação no Rio Grande do Norte, durante seus dois
mandatos governamentais que vão de 1900 a 1904 e de 1908 a 1913.
O recorte temporal das duas pesquisas insere-se no século XX, século este, segundo
Cambi (1995, p. 509), “[...] dramático, conflituoso, radicalmente inovador em cada em cada
aspecto da vida social: em economia, em política, nos comportamentos da cultura.”
Assim, na pesquisa sobre as contribuições de Alberto Maranhão à educação no Rio
Grande do Norte, destaca-se que no referido Estado, durante o período de 1892 a 1913, houve
duas reformas da educação: a primeira conferida pelo Decreto nº 18, de 30 de setembro 1892,
durante o mandato do governador Pedro Velho de Albuquerque Maranhão e a segunda através
do Decreto nº 178, de 29 de abril de 1908 que restabeleceu a Diretoria da Instrução Pública,
criou a Escola Normal do Natal, os Grupos Escolares e Escolas Mistas. As duas reformas
educacionais foram promovidas com o objetivo de melhor estruturar o ensino primário e
secundário, moldando-as aos novos tempos pedagógicos.
É nesse contexto que Alberto Maranhão, em seus dois mandatos governamentais que
vão de 1900 a 1904 e de 1908 a 1913, usando da atribuição conferida pelo código do ensino
vigente, reforma o ensino estadual e estabelece a criação dos Grupos Escolares, implantando
um sistema de ensino primário ou elementar com um conjunto de conhecimentos
sistematizados e uma nova cultura de valores que se inseria como o projeto educacional da
modernidade potiguar, efetivando uma vinculação da preposição educacional e arquitetural,
criando uma nova organização administrativo-pedagógica. Essa reforma configurou uma nova
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homem em seus aspectos moral e cívico – com educação prática e profissionalizante que
introduzisse as ciências a partir do ensino primário. Ao lado dessa formação, com vistas ao
trabalho agrícola, comercial e industrial, o governador privilegiava a formação do cidadão
republicano – para que esse participasse da vida política do país. O novo homem necessário
ao Brasil, voltado para as necessidades da vida pública e privada, não poderia ser formado nas
escolas existentes em seu tempo, estas valorizavam apenas a memorização e a retórica. E
ainda, atendiam apenas uma pequena parcela da população, enquanto a maior parte dessa
população mantinha-se analfabeta.
Ao enfatizar a necessidade de educar o povo, a maior preocupação do governador
Alberto Maranhão voltava-se às séries iniciais (escola primária), mas abordou ainda, a
necessidade de mudanças na educação em seus diversos níveis, bem como uma nova
formação para os professores que contribuiriam para programar novos conteúdos e métodos.
Para ele e o deputado Augusto Tavares de Lyra, essa educação deveria ser gratuita,
obrigatória e mantida pelo Estado.
Ainda em seu primeiro discurso como governador do Estado do Rio Grande do Norte,
o jovem Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão afirmou: “Instruir o povo e combater as
secas é, a meu ver, a fórmula mais feliz para a divisa de quantos queiram, na administração do
Estado, cumprir dignamente seu mandato.” (MARANHÃO, 1900, p. 14). Estava assim
demarcada uma das principais ações governamentais, que de acordo com o modelo de
educação republicana instaurada com a proclamação da República, que iria se firmar no
estado.
Alberto Maranhão estimulou junto ao bispo da Paraíba Dom Adauto Aurélio de
Miranda Henriques, a criação de escolas católicas para ambos os sexos, oferecendo espaços e
doações que partiram principalmente de seus sogros e esposa. Assim foi que o bispo Dom
Adauto, observando por outro lado o crescimento de matriculas no colégio Presbiteriano
Batista, fundado em Natal por missionários em 1895, começou a consultar ordens religiosas
que pudessem se dirigir a Natal com o objetivo de fundar colégios.
As irmãs da Congregação de Santa Dorotéia do Brasil responderam afirmativamente
ao
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melhorias sócio-econômicas que foi possível perceber que a criação dos grupos escolares
representava um modelo de organização da Instrução Pública Primária, na cultura do estado,
como também na urbanização.
A fundação da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte em 23 de julho de 1911 teve o
apoio irrestrito do governador Alberto Maranhão, que presidiu a solenidade de instalação da
liga. Em suas palavras de abertura da solenidade assim se expressou o governador:
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[...] a Revd.ª Madre Provincial que a Revd.ª Madre Andrade visitasse o prédio da
Escola Normal; indagasse o subsidio dado pelo governo à mesma, as disposições
dos professores para cederem suas cadeiras, quais os que deviam continuar; e ver
também se o Snr. Bispo já tinha instalado a luz electrica no prédio e encanado a
água como havia promettido. (HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928,
p. 1).
Ou seja, trata-se do lugar que a Escola Normal ocupava nas dependências do Colégio e
mais, das articulações necessárias com a Diocese, enfim com a produção socioeconômica,
política e cultural da sociedade cajazeirense e do governo do estado, o qual implica um
indicativo de estabilidade.
Então, em 28 de fevereiro de 1928, originando-se da Escola Normal de Cajazeiras, a
partir da direção da mesma sob o domínio das Irmãs Doroteias, efetivamente começa a
trajetória da fundação do Colégio que, posteriormente, será chamado de Colégio Nossa
Senhora de Lourdes.
No momento em que as irmãs Doroteias assumem a direção da Escola Normal no
Colégio iniciam o processo de exame de admissão, por meio de prova escrita, aplicada as
alunas internas para cursarem o 1º Normal, tendo a frente da seleção a Diretora do Colégio
como presidente da banca, juntamente com uma comissão examinadora. Nesse sentido, a
atuação das Irmãs no Colégio permeia a utilização da escrita, como elemento importante, na
prática docente, por elas desenvolvidas. Portanto, deixa um indicativo de que o uso da escrita
se fez presente no processo inicial de fundação do Colégio e da cultura escolar do mesmo.
Assim, começam a organizar a prática docente da Escola, desenvolvida por elas
mesmas, por alguns padres e leigos, seguindo os preceitos da Igreja Católica, mas também
com perspectivas pedagógicas e metodológicas que indicavam a utilização do lúdico. Assim,
havia dias que “[...] as internas ensaiavam uma comedia e algumas brincadeiras infantis. [...].”
(HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928, p. 5).
Aos poucos, as Doroteias foram buscando dar ao lugar já existente, características
próprias, evidenciadas por suas ações, fosse ao melhoramento do espaço físico do Colégio,
fosse à mudança e organização dos professores para lecionar as cadeiras para as alunas do
Normal e do Curso Primário. Assim, ficou determinado que “[...] o Rev.mº Pde. Gervasio
ficaria com a cadeira de Francez do 1º e 2º anno Normal e as de Catecismo do Curso Primario
e Normalistas e a Capellania. O Prof. Hidelbrando com as cadeiras de Arthmetica e Algebra.”
(HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928, p. 10).
As cadeiras como eram denominadas à época, hoje nominadas de disciplinas
escolares, pode possibilitar o entendimento de como a prática docente ali era exercida, visto
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Dessa forma, pensa-se que a prática docente desenvolvida no Colégio, também, tinha a
função de instruir, treinar e aprimorar as internas e externas no sentido de obedecerem, não
somente os pais, mas, sobretudo, os preceitos da doutrina católica. Assim, em uma de suas
visitas ao Colégio, o Bispo Dom Moises ratifica tal afirmação quando
[...] apreciando a grandíssima transformação operada em tão grande parte do
edifício. [...] esteve no recreio onde as internas faziam o lanche e entreteve-se com
as mesmas, dizendo-lhes que deveriam ter muita estima e até mesmo uma alta
veneração ao Collegio porque foi fundado por um verdadeiro santo e também por ter
sido o berço de grandes e ilustres homens. HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO
..., 1928, p. 11).
[...] o que convém a uma pessoa chamada a viver cristãmente no mundo, segundo as
circunstâncias do seu estado e condição. Por isto, além do estudo da leitura e da
escrita, que convém a todos, se lhes dará alguns conhecimentos elementares de
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação, até o momento, explorada nas duas pesquisas, denota a perspectiva de
um acréscimo à educação no Rio Grande do Norte e na Paraíba, no tempo demarcado no
estudo.
Assim, pode-se afirmar que as reformas educacionais e o estímulo para que colégios
ou sociedades educacionais viessem se estabelecer no Rio Grande do Norte, notadamente na
capital Natal, empreendidos pelo governador Alberto Maranhão, foram fruto da sua crença em
uma educação republicana como transformadora no Rio Grande do Norte e
desenvolvimentista da sociedade, segundo o projeto Republicano. Suas bases políticas já
estavam consolidadas pelo poder da Oligarquia Maranhão, presente no estado, não havendo
necessidade de ações demagógicas, de angariar simpatias ou mesmo votos da população para
afirmar-se no poder. Vale o destaque por entender que o que realmente motivou as ações do
governador Alberto Maranhão foi sua firme
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. Decreto nº 178, de 29 de abril de 1908. Restabelece a Diretoria Geral de Instrução
Pública, cria a Escola Normal, Grupos Escolares e Escolas Mistas e dá outras providências.
1908.
______. Decreto nº 178, de 29 de abril de 1908. Restabelece a Diretoria Geral de Instrução
Pública, cria a Escola Normal, Grupos Escolares e Escolas Mistas e dá outras providências.
Actos Legislativos e Decretos do Governo. Natal: Tipografia de A República, 1908.
______. Decreto nº 198, de 10 de maio de 1909. Declara que o Grupo Escolar Augusto
Severo será a Escola Modelo para servir ao ensino público elementar em todo estado. Atos
Legislativos e Decretos do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Natal: Tipografia
de A República, 1909.
______. Decreto nº 239, de 15 de dezembro de 1910. Código de Ensino. Atos legislativos e
decretos do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Natal: Tipografia de A
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UNBEHAUM, S. G. (orgs.). Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo: FCC;
Editora 34, 2002, p. 121-142.
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FEMINISMO NO MUNDO
Baseando-se nos estudos de Fraisse (1995); Jones (1994); Louro (1999); Scott (1986),
citados por Narvaz e Koller (2006, p. 648) “O feminismo é uma filosofia que reconhece que
homens e mulheres têm experiências diferentes e reivindica que pessoas diferentes sejam
tratadas não como iguais, mas como equivalentes”. Durante as lutas feministas, ocorreram
também várias fases ou gerações, conhecidas como “ondas do feminismo” (Costa, 2002;
Nogueira, 2001; Narvaz e Koller, 2006).
(2006, p.649):
Neste sentido podemos perceber que as feministas não possuíam pensamentos linear e
igual, as mesmas lutavam com objetivos e intuitos diferentes. É possível também notarmos
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homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de
indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das idéias sobre os
papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens
exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O
gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo
sexuado. (SCOTT, 1989, p. 7)
Neste processo, as relações de gênero são permeadas por uma diversidade que
envolve as relações entre homens e mulheres, mas também entre mulheres e
mulheres e homens e homens, de modo que “o tornar-se mulher e tornar-se homem
constitui obra das relações de gênero” […]. A categoria gênero contribui para
desnaturalizar e historizar as desigualdades entre homens e mulheres, sendo
entendida de modo histórico e relacional e não como “oposições decorrentes de
traços inerentes aos distintos seres” para que não se incorra no erro de deixar de
identificar “os diferentes poderes detidos e sofridos por homens e mulheres”.
(SANTOS; OLIVEIRA, 2010, p.12)
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em países fechados para certas questões no concernente às relações de gênero pelo mundo
afora, ainda na contemporaneidade.
FEMINISMO NO BRASIL
O movimento feminista no Brasil surgiu no final do século XX, com o intuito de
reivindicar pelo direito ao voto, “por uma ou outra mulher de ideias mais avançadas, como foi
o caso de Nísia Floresta (1810-1885)” (TOSCANO; GOLDENBERG, 1992, p. 25). Assim
como era o caso da Inglaterra, Estados Unidos, França e Espanha, as mulheres brasileiras
também eram subordinadas aos seus maridos, onde lhes era atribuído somente atividades
triviais para o seu sexo feminino, tais como: bordar, costurar, cuidar da casa e filhos, bem
como do marido. A sociedade restringia muito a participação feminina nos papéis trabalhistas,
sociais, políticos, educacionais, civis e culturais.
Foi na década de 70 que o feminismo ganhou força, sobretudo, como consequência da
resistência das mulheres à ditadura, depois da derrota das que acreditaram na luta armada e
com o sentido de elaborar politicamente essa derrota (SARTI, 2004, p. 37). As primeiras
manifestações dos grupos feministas nasceram com o intuito de promover a igualdade das
mulheres pela anistia e pela abertura democrática, desde então vários grupos foram criados
com finalidades diferentes se destacando “os direitos reprodutivos, o combate à violência
contra a mulher, a sexualidade”
(COSTA, 2005, p.3).
a presença maior do sexo feminino. Enquanto que, com relação aos docentes homens, cresceu
cerca de 67,9 de 1998 a 2003, o número de docentes mulheres aumentou em 102,2%. O
crescimento global de mulheres docentes com doutorado foi de 104%, enquanto que o de
homens docentes ficou em 69,2%. O crescimento do número de mestres homens ficou abaixo
da média (106,1%) enquanto que o de mestres mulheres foi de 119,4%.
Estes dados são significativos da realidade educacional brasileira e nos levam a
reflexão de que as mulheres vêm ocupando com competência os espaços de pesquisa e
acadêmicos no que se refere à qualificação para a docência.
Com a revolução do feminismo, as mulheres ganharam destaque também no meio
econômico assumindo o controle de empresas. Mesmo com a divisão do trabalho entre
homens e mulheres, as mulheres conseguiram mostrar suas capacidades frente às barreiras
impostas pelos homens, e por meio do esforço e da dedicação na qualificação profissional,
vem adquirindo boas ocupações quanto aos cargos. Em uma década, 10,7 milhões de
brasileiras ingressaram no mercado de trabalho. As brasileiras representam quase 44% da
força de trabalho nacional, além disso, 59,3% das empresas do país têm uma mulher como as
principais proprietárias, confirmando a vocação empreendedora feminina.
No entanto, mesmo havendo variados campos profissionais que abrem espaço para a
atuação de mulheres, tendo em vista suas competências e instruções, o mercado de negócios
ainda não trata com a devida valorização ambos os sexos. Não é difícil identificarmos
mulheres que trabalham e ocupam cargos similares aos homens, no entanto, não recebem o
mesmo pagamento no exercício da mesma função, porém, esta realidade é mais fácil de ser
identificada na iniciativa privada.
Na sociedade atual o sexo feminino vem conquistando seu espaço de protagonismo,
quebrando barreiras criadas há décadas e abandonando características e ocupações de meras
donas de casa, assumindo postos de trabalho, cargos em empresas.
Deste o século XX as brasileiras vêm lutando por igualdade, mas foi a partir dos anos
2000, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que foram criadas diretrizes no campo das
políticas públicas, com a finalidade de oferecer programas de atenção específica ou
diferenciada para as mulheres, tais como:
Quadro 1 – Políticas Públicas e Programas Atenção Específica às Mulheres – A partir 2010
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CONSIDERAÕES FINAIS
tarefas que só eram atribuídas para o sexo masculino. Adquiriram maturidade no meio
profissional e hoje são destaques em algumas profissões, como é o caso de grandes empresas
que tem por chefia superior as mulheres e também vale ressaltar, que hoje muitos países são
controlados e comandados por mulheres.
Por fim para encerrar, consideramos que o feminismo por meio de suas lutas e
manifestações conseguiu alcançar alguns dos muitos direitos pelo qual tem lutado no último
século, conquistando espaço na ciência, artes, educação, política, sociologia, economia,
medicina, comércio, mundo dos negócios, dentre outros. E tudo isso foi conquistado porque
as mulheres não desistiram de focar nas suas lutas.
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INTRODUÇÃO
Educação, Literatura e Gênero/UFRN (MORAIS, 2014). O objetivo do referido
projeto consiste em analisar aspectos da alfabetização, com ênfase no ensino da leitura e da
escrita nos Grupos Escolares do Rio Grande do Norte durante as primeiras décadas do século
XX.
O início do século XX foi marcado pela tentativa de reorganização do ensino
primário no Rio Grande do Norte. Na administração do governador Antônio de Souza (1907-
1908) ocorreu a reforma na educação pública que “[...] autorizou o governo a reformar a
instrução pública, dando especificamente ao ensino primário moldes mais amplos e
garantidores de sua proficuidade.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1907, p. 5). No período em
questão a tônica centrava-se nas discussões sobre a criação dos Grupos Escolares, a expansão
do ensino primário no Estado e a formação de professores.
O Decreto nº 178, de 29 de abril de 1908, criou o Grupo Escolar Augusto Severo, o
primeiro do Estado – localizado em Natal – e reabriu a Escola Normal de Natal com a
finalidade de suprir o Estado com profissionais de educação qualificados. E a Lei nº 284, de
30 de novembro de 1909, conhecida como a Reforma da Instrução Pública no Estado,
decretou a criação de “[...] pelo menos, um grupo escolar em cada município” e estabeleceu
que seriam “[...] efetivamente providos nas cadeiras primárias os professores titulados pela
Escola Normal.” (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 1).
Após concluído o Curso Normal, os professores estavam qualificados para a
docência em qualquer instituição primária do Rio Grande do Norte. As informações
demonstram que nesse período, ocorreu intenso deslocamento do professorado pelos recantos
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As irmãs Josefa Botelho e Helena Botelho são filhas do casal José Paulino de
Carvalho Botelho e Maria Marcolina Botelho. Helena Botelho nasceu no estado de
Pernambuco, em 13 de
agosto de 1896. Josefa Botelho nasceu o dia 16 de abril de 1889 no estado do Rio Grande do
Norte. Quando crianças tiveram o primeiro contato com as letras através de sua genitora. “A
família, por tradição, inclinou-se para as letras, artes, música e pelo magistério, como foi o
caso de Josefa, Helena e Alzira.” (MEDEIROS, 2013).
Ingressaram na Escola Normal de Natal, onde fizeram parte da primeira turma de
formandos, em 04 de dezembro de 1910. Nessa referida turma formaram-se,
Luiz Antonio dos Santos Lima, Severino Bezerra de Melo, Manuel Tavares
Guerreiro, Anfilóquio Carlos Soares Câmara, Francisco Ivo Cavalcanti, José
Rodrigues Filho, Luiz Garcia Soares de Araújo, Ecila Pegado Cortez, Judite de
Castro Barbosa, Áurea Fernandes Barros, Olda Marinho, Stela Vésper Ferreira
Gonçalves, Beatriz Cortez, Arcelina Fernandes, Guiomar de França, Anita de
Oliveira, Francisca Soares da Câmara, Maria Natália da Fonseca, Maria Abigail
Mendonça, Maria das Graças Pio, Clara Fagundes, Maria da Conceição Maria
Julieta de Oliveira, Maria Belém Câmara, Maria do Carmo Navarro, Helena
Botelho, Josefa Botelho. (MORAIS, 2006, p. 75).Fagundes,
Formaram-se vinte e sete alunos, cuja maioria pertencia ao sexo feminino: sete
homens e vinte mulheres. Isso evidencia o fato de que o magistério era considerado uma
profissão predominantemente feminina.
Após concluírem o Curso Normal, Josefa Botelho e Helena Botelho foram nomeadas
para exercerem a docência no Grupo Escolar Senador Guerra, criado pelo Decreto nº 189, de
16 de fevereiro de 1909 e instalado na cidade de Caicó/RN. Elas “[...] foram as primeiras
professoras formadas a atuarem naquela cidade.” (MORAIS; SILVA, 2011, p. 71). Nesse
estabelecimento de ensino lecionaram durante o período de 1911 a 1918. Uma das alunas de
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Helena Botelho foi a educadora Chicuta Nolasco Fernandes que, posteriormente, dirigiu a
Escola Normal de Natal, no período de 1952 a 1956. Dona Chicuta rememorava a sua
professora primária enquanto estudante daquela instituição: “Adorava D. Helena, bonita como
um cromo.” (MORAIS, 2006, p. 39).
Josefa Botelho e Helena Botelho lecionaram em vários estabelecimentos de ensino: o
Grupo Escolar Joaquim Nabuco na cidade de Taipú/RN (criado pelo Decreto nº 86, 8 de
janeiro de 1919), o Grupo Escolar Pedro Velho, em Canguaretama (criado pelo Decreto nº
286, 10 de julho de 1913) e o Grupo Escolar Felipe Camarão, em Ceará Mirim (criado pelo
Decreto nº 266, de março de 1912).
Conforme entrevista com Odúlio Botelho, as professoras Helena Botelho e Josefa
Botelho desenvolveram, nos municípios do Estado onde lecionaram, uma “[...] intensa
atividade cultural, procurando envolver a sociedade nas coisas da educação.” Nas suas
lembranças, a professora Helena “[...] além de poetisa, era uma excelente pintora.
Desenvolvia uma boa oratória nos
momentos solenes.” (MEDEIROS, 2013).
Helena Botelho, já aposentada do magistério, acompanhou o seu marido José Cesar
de Farias Filho para o Estado da Paraíba, onde passou a residir no município de Princesa
Isabel. “Continuou lecionando as crianças e adultos naquela região, era a vocação permanente
sobre a arte de ensinar.” (MEDEIROS, 2013). Helena Botelho faleceu em 24 de dezembro de
1986, aos 90 anos de idade, de falência múltipla dos órgãos. Seu sepultamento realizou-se no
Cemitério do Alecrim. A professora Josefa Botelho casou-se com o português Carlos Cazal e
faleceu no Hospital Universitário Professor Onofre Lopes, na cidade de Natal, no dia 29 de
novembro de 1978.
Atualmente, Helena Botelho denomina uma escola pública na zona rural do
município de Taipu/RN, a Escola Isolada Helena Botelho, localizada no sítio Arisco dos
Barbosa; e Josefa Botelho denomina a Escola Municipal Josefa Botelho localizada na Vila de
Ponta Negra, Natal/RN. Elas fazem parte das nossas pesquisas sobre a presença de
professoras que configuraram a história da leitura e da escrita no Rio Grande do Norte.
Os Diários de Classe das professoras Josefa Botelho e Helena Botelho revelavam que
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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escolar denominado Senador Guerra. Actos Legislativos e Decretos do Governo. Natal:
Typografia d’A República, 1909.
______. Decreto nº 266, de 23 de março de 1912. Cria um grupo escolar na Cidade do Ceará-
Mirim. Actos Legislativos e Decretos do Governo. Natal: Typografia d’A República, 1912.
______. Decreto nº 286, de 10 de julho de 1913. Cria na cidade de Canguaretama, um grupo
escolar denominado ‘Pedro Velho’. Actos Legislativos e Decretos do Governo. Natal:
Typografia d’A República, 1913.
______. Decreto nº 86, de 8 de janeiro de 1919. Cria na Vila de Taipú um grupo escolar
denominado ‘Joaquim Nabuco’. Actos Legislativos e Decretos do Governo. Natal:
Typografia d’A República, 1919.
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Typografia d’A República, 1925.
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Pesquisa 2014-2017, UFRN/CNPq, 2014.
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INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo compreender a produção de subjetividade
encontrada na arte Drag Queen, com base na exteriorização de uma nova identidade trazida
pelo sujeito enquanto personagem.
Além disso, analisar a forma como é concebido o processo de transformação
(montação) e suas consequências. Também visa mostrar as diferentes maneiras que a
sociedade percebe, compreende e interage com essas pessoas. Busca, ainda, explorar o
cenário atual costurado pela nova geração de performistas na cidade de Fortaleza e a mudança
do público e de sua receptividade para com todos os elementos da cultura produzida pelas
Drag Queens.
Os termos utilizados no título e no corpo do trabalho foram escolhidos de acordo
com o vocabulário local constantemente utilizado pelas Drag Queens entrevistadas. O termo
‘lacrar’ se refere a obter grande êxito ao executar algo, o realizando com perfeição, elogio
escutado constantemente pelas Drags por suas montações e performances. ‘Glamour’ se refere
a um status
conquistado através da prática Drag, relacionado a um grande envolvimento e admiração do
público.
Ao estudar um assunto envolvendo questões de gênero, achamos fundamental
esclarecer alguns termos que compõem esse universo. Por isso, explicitaremos algumas
definições desses termos propostas por diferentes autores para representar a correspondência
presente nos mesmos e a singularidade de cada um deles em relação aos outros.
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Identidade de Gênero, segundo Jesus (2012), é o gênero com o qual uma pessoa se
identifica, o qual pode ou não concordar com o gênero que foi atribuído a ela em seu
nascimento.
Diferentemente dos papéis sociais de gênero, que não são biologicamente
determinados, mas sim construtos culturais e históricos, a identidade de gênero
“remete à constituição do sentimento individual de identidade”. (GROSSI, 2012,
p.8).
A identidade de gênero, desse modo, não deve ser confundida com orientação
sexual: a primeira remete à forma como as pessoas se autodefininem (como
mulheres ou como homens), a segunda remete à questão da sexualidade, do desejo,
da atração afetivossexual por alguém de algum gênero (homossexualidade,
bissexualidade e heterossexualidade). (JESUS, 2012).
utilizada. Essa maior utilização, no entanto, é marcada pelo preconceito, já que o sentido
empregado é, grande parte das vezes, pejorativo. (JESUS, 2012).
É possível inferir, como dito anteriormente, que as definições de cada um dos autores
citados acima, além de terem relação entre si, ao mesmo tempo também se complementam.
Embora muitas vezes não seja visível, cada um dos termos é distinto e não pode ser
confundido com outro ou usado como sinônimo de outro.
A partir dos conceitos expostos, temos a particularidade da Drag Queen – forma de
expressão artística em que homens interpretam personalidades femininas, muitas vezes de
maneira caricata e extravagante, para fins artísticos ou de entretenimento. Segundo Jesus
(2012), sua personagem não tem relação com sua identidade de gênero ou orientação sexual.
O conceito de Drag Queen pode ser mais detalhado por:
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“A Drag para si é uma personagem que segue um roteiro dado por e para si mesma.
Ela não é uma personagem da convenção teatral, mas traça por meio do montar e
desmontar um movimento continnum de rito ao teatro.” (GADELHA, 2009)
O principal ponto analisado a partir das entrevistas foi a relação entre as identidades
do sujeito e de sua Drag Queen, já que eles transitam, deliberadamente, entre duas
performances de gênero. Puderam-se inferir algumas variações quanto à elaboração das
identidades personificadas por cada performista entrevistado. As respostas podem ser
agrupadas em três interpretações pertinentes, gerando categorias de identificação.
Na primeira delas há uma identidade nitidamente diferente para a personagem e para
o sujeito que a representa, a Drag ganha uma personalidade moldada segundo a vontade de
seu criador, inclusive podendo ter características, pensamentos e até mesmo preferências
diferentes ou opostas às dele. Essa resposta foi obtida principalmente por pessoas que
encaram ser e fazer Drag essencialmente como uma atividade profissional. Talvez por esse
fato, procuram estabelecer diferenças significativas entre suas vidas enquanto Drag e
enquanto homem.
No segundo caso, no qual a maioria dos entrevistados se encaixa, a personalidade da
Drag Queen surge de forma mais espontânea, já que aparece como uma parte do sujeito a qual
sempre esteve presente em seu interior, mas que só se permite manifestar a partir do processo
de montação, no qual o indivíduo passa a pensar e se expressar de forma diferente da habitual.
Ainda que a identidade da Drag venha de um desdobramento de características do próprio
sujeito, todos relataram que após terminar a montação, sentem-se como outras pessoas.
E, em uma última, o sujeito reconhece a Drag Queen como sendo a possibilidade de
libertação para a mudança de determinados comportamentos e formas de agir em relação à
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sua postura, tais como a maneira de andar, falar e se posicionar nos espaços. No entanto,
permanecem com os mesmos pensamentos e sentimentos, ou seja, apenas uma variação
daquilo que o sujeito é quando não está montado. Foi-nos relatado que a montação passa a ter
uma relação diferente com o indivíduo: não ocorre como uma transformação, mas, sim, como
um processo de completude. Outro ponto marcante sobre essa categoria foi o fato de ser
formada por pessoas que, através da experiência de Drag Queen, acabaram por se descobrirem
com uma identidade de gênero feminina, entrando em um processo de reconhecimento de
uma identidade transexual.
Apesar das respostas obtidas por cada pessoa se encaixar, inicialmente, em algum
desses tipos, foi percebida uma fluidez entre elas durante a vivência de cada indivíduo.
Algumas pessoas que originalmente se identificavam com determinado grupo, ao longo de sua
experiência, foram percebendo elementos em si que os fizeram reconhecer-se também em
características de alguma das outras categorias. Essa fluidez ocorre porque o limite
estabelecido entre as identidades do sujeito e de sua personagem é, de certa forma, uma
fronteira flutuante (CHIDIAC E OLTRAMARI, 2004), mudando constantemente de acordo
com experiências na vida desse indivíduo, tanto quando está montado, quanto quando está
desmontado.
Apesar de uma aparente aceitação do movimento Drag Queen na cidade de Fortaleza,
ainda encontram-se alguns fatos que dificultam a relação dos artistas com a cidade. Fora do
ambiente performático, nem sempre há uma boa receptividade das pessoas para com as Drags.
Foi relatado um medo em relação a diferentes formas de violência – tanto física, quanto
verbal – no espaço urbano. Os entrevistados falaram que não costumam utilizar transporte
público quando montados por conta desse medo, o que se torna um empecilho, já que muitos
deles moram em bairros distantes dos locais onde costumam performar e por isso, traz
dificuldades como maiores gastos com locomoção.
Além disso, o ser Drag possibilita a esses jovens um reconhecimento e aceitação de
partes de suas personalidades enquanto personagem e expressão de seus talentos artísticos, até
então reprimidos pela cultura de uma cidade que nem sempre os compreende, conquistando
uma melhora em sua confiança e autoestima.
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INTRODUÇÃO
Bourdieu.1998.p.185
¹ Graduanda em Pedagogia pela UFPB. Pós Graduada em Psicopedagogia pela FAAC-BA, atualmente aluna em
especial do mestrado em Educação pela UFPB.
² Graduada em História pela UFPB, Especialista em História Cultural pela UFPB, atualmente aluna especial do
mestrado em Educação pela UFPB.
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Ao começarmos a nos preocupar com os trabalhos sobre biografia, nós não tínhamos
ideia da complexidade que é lidar com as fontes históricas: documentos oficiais, iconográficos
e história oral e nem da amplitude teórica acerca de um trabalho biográfico. Desta forma,
recorremos a Borges10, que diferentemente da Antropologia, prefere usar o termo biografia,
fugindo da chamada clássica, que tende mais a acentuar o caráter político, moral ou religioso
do biografado do que em sua pessoa, em sua singularidade.
No decorrer desta pesquisa fizemos diferentes caminhos na busca do estudo sobre o
Padre Zé Coutinho. Sabemos que as fontes são importantes e essenciais para o pesquisador, é
através delas que unimos os espaços temporais do que foi vivido pois:
[...]em sua inteireza e completude, o passado nunca será plenamente conhecido; no
limite, podemos entendê-lo em seus fragmentos, em suas incertezas. Por mais que
o pesquisador tente se aproximar de uma verdade sobre o passado, apostando no
rigor metodológico, permanecem sempre fluidos e fugidios os pedaços da história
que se quer reconstruir. (GALVÃO e LOPES, 2001,p.77)
Então, “como se pesquisa a vida de um indivíduo? Por intermédio das “vozes” que
nos chegam do passado, dos fragmentos de sua existência que ficaram registrados, ou seja,
por meio das chamadas fontes documentais” (BORGES, 2006, p. 212) . E sem elas, não
teríamos como prosseguir em nossa ambiciosa investigação. E foram elas que nos guiaram na
pesquisa sobre nosso objeto, nos suscitando este breve ensaio biográfico, fazendo-nos
também analisar os diversos tipos de biografias, desde um rápido percurso da vida do
biografado que no nosso caso é um líder religioso, até um tipo mais ambicioso, como um
“aprofundamento na alma” do biografado.
Portanto para escrever sobre uma vida, é preciso encantar-se pela biografia, pois será
uma longa intimidade que nascerá entre o pesquisador e o biografado. “É necessário o que A.
De Botton chama de “impulso biográfico”, isto é, um impulso para conhecer o outro de modo
pleno” (BORGES, 2006, p.216). E foi por este motivo que sentimos a necessidade de estudar
sobre a biografia, antes de começarmos a nos debruçar sobre nosso objeto. Assim, tomando
consciência da amplitude acerca de sua vida se fez necessário este ensaio, antes de
começarmos a enveredar pelos longos caminhos de suas trajetórias.
10 É graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1959), mestrado em História
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1979) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1987).
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No entanto, o intuito deste texto não é detalhar o longo percurso teórico pelo qual
Borges (2006) percorreu ao analisar a sua terminologia adotada, mas sim fazer um ensaio
biográfico sobre
Padre Zé Coutinho, permitindo compreender a sua intervenção como sujeito na sociedade e na
história, tendo como interesse evitar contar o “Real” ou ainda, engrandecer a imagem do
biografado, mas analisar a importância de um sujeito para a educação da Paraíba em uma
determinada época, pois como bem disse Borges: (2006, p.215)
A razão mais evidente para se ler uma biografia é saber sobre uma pessoa, mas
também sobre a época, sobre a sociedade em que ela viveu [...]não há nada melhor
para se saber como é o ser humano do que se dar conta de sua grande variedade, em
espaços e tempo diferentes.
Fernand Braudel
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jornal que existia desde 1897 e era dirigido pelo Arcebispo da Paraíba Dom Adauto Miranda
Henriques. Passando ainda de 1924 a 1928 a ecônomo e professor do Seminário
Arquidiocesano da Paraíba, bem como do colégio PIO X e de 1929 a 1937 a vigário da
Catedral.
Porém, apenas em 1935 que as obras sociais e educativas do Padre Zé tiveram
início com a fundação do Instituto São José, nome dado em homenagem ao dia do Santo,
que se comemora todos os anos no dia 19 de março. E naquele dia o Padre Zé “Ergueu-se
como o levante e, lá de cima gritou: “Vinde! Aqui há sombra” (ALVES, 2012 p.11).
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A ideia de abrir um pensionato foi de fato muito feliz, pois na época não havia a
Casa do Estudante, havia apenas a Casa do Estudante Pobre que não fornecia alimentação,
apenas hospedagem, e logo o Padre montou uma pensão, apelidada imediatamente pelos
estudantes por pensão Nini e posteriormente chamada pelo próprio padre de “Pensão
Camarada”, com alimentação fornecida em todas as refeições e que rapidamente tinha 20 e
em seguida 30 jovens internos, e mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, cada
estudante pagava pela diária Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros), valor muito pequeno para
época, mas os que não podiam, também recebiam refeições gratuitamente, mas com boa
administração, doações e esmolas, mantiveram o instituto por 7 anos.
[...] resolveu o monsenhor José Coutinho, por bem querer e entender a dirigir O
Combate a Mendicância Profissional, em nossas avenidas, amparando-as a
domicílio. Tomou limpas imediatamente as ruas, invadidas por recluas de pedintes,
dando-lhes ajudas semanais de manutenção. ...Tornou semi-internas , do seu
instituto, em 1949, todas as mocinhas, também filhas de ex-mendigos cuja idade
excedesse a doze anos. Dando-lhes roupas, refeições e transportes para que
aprendessem de igual para igual , tudo o que as senhoritas da cidade aprendiam de
útil, para a vida prática, na Ordem Terceira do Carmo. (ALVES;1954,p.14)
Com isso, o Padre Zé ganha então a nomeação, no dia dois de janeiro de 1950, de
Assistente Social, cargo criado pela Assembleia Legislativa da época, retirando as pessoas das
ruas e sustentando-as com doações e esmolas, trazendo ofícios e ocupações para os mendigos
da época a fim de que os mesmos tomassem um novo rumo e abandonassem a vida de
mendigos juntamente com suas famílias.
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“Estudei no Instituto São José no ano de 1967 a 1968, vinda do sertão da Paraíba, do
povoado de Palmeira pertencente ao município de Imaculada- PB, fui para o
Instituto já alfabetizada e estudei para o Programa de Admissão...no instituto,
tínhamos nossas obrigações e todos os dias duas moças iam ajudar a servir na
cozinha e limpar o penico do Padre (risos), mas demorava muito chegar a nossa
vez, pois eram muitas moças.... Mas o que eu amava mesmo era colocar a comida
dele, lavar-lhe os pés e o rosto quando ele chegava cansado de pedir dinheiro nas
ruas...achava ele lindo!(Informação verbal)
Em 1964, com o crescimento da demanda, e vendo que muitos dos que procuram o
Instituto São José buscavam tratamento médico, o Padre Zé criou no bairro de Mandacaru, em
João Pessoa, a Casa de Apoio, também chamada de Casa do Pobre, para proporcionar
acolhimento médico, a todos os doentes que lhe pediam socorro, onde, com o auxílio de
muitos estudantes de Medicina da época, funcionou a Comissão de Proteção e Amparo ao
Indigente (COPEAI). Essa Casa veio a se transformar na Casa Padre Zé e hoje a conhecemos
por Hospital Padre Zé, que possui leitos destinados exclusivamente à população carente.
Contudo, ainda fixou na casa do pobre um gabinete dentário, que vimos também no
mesmo documentário, para atender essas pessoas e estudantes internos do Instituto com a
finalidade extrair e realizar obturações, tudo através de doações e trabalhos voluntários.
Para realização destes trabalhos, Padre José Coutinho, que passou a ser também
conhecido como: “o pai dos pobres”, buscou apoio de pessoas generosas, autoridades,
entidades públicas, privadas e de classes, instituições e movimentos religiosos, bem como,
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percorria as ruas de João Pessoa, mesmo em sua cadeira de rodas, a pedir esmolas aos
transeuntes.
Os alunos do instituto também iam com ele, alguns já na década de 60, na qual ele não
andava grandes distâncias, o arrastava em sua cadeira de rodas pela cidade, muitas vezes, até
umas 21h00 percorrendo os bares e festas de rua, angariando fundos para sustentar suas obras
já estabelecidas. Conhecido com sua varinha, batia nas pessoas para se dirigir a elas e pedir
esmolas, fato claramente exposto no documentário “Padre Zé estende a Mão”, já citado
anteriormente e na fala de Etelvina nossa entrevistada:
“Naquela época as pessoas eram lindas, não tinham besteira com nada, homens que
hoje são grandes médicos, arrastavam padre Zé pela feira em sua cadeira de rodas e
pediam esmolas com ele. Nós, as moças do Instituto também pedíamos frutas na
feira, tudo isso para ajudar o Instituto Padré Zé, onde ficavam os doentes e mais
pobres”
Durante toda sua trajetória, no decorrer de seus quase 76 anos de vida, o Padre José
Coutinho manteve suas atividades de angariar fundos, abrigar pessoas e cuidar de pessoas
doentes e no dia 5 de novembro de 1973, dois dias após passar mal no Cemitério da Boa
Sentença, Padre José Coutinho veio a falecer. Por sua obra é reconhecido como patrono
da Assistência Social na Paraíba. E, em 2012, a Arquidiocese da Paraíba iniciou a coleta de
dados para abrir processo de beatificação e canonização do Padre Zé que até essa data, não foi
concluso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
adotado pelos biógrafos não trata o sofrimento como a experiência de santificação em que se
leva em conta a paciência em sofrer”, mas trazermos narrativas através de fontes de pesquisa
e documentos orais e escritos, que mostrassem um pouco da vida do biografado da maneira
mais fidedigna possível. Porém, também não temos como nos refutar em narrar o que mais o
destacou em seu tempo: sua obra social e olhar voltado aos desfavorecidos.
surgindo assim novos questionamentos como: Qual seria sua real inspiração pessoal para o
sacerdócio? Ou ainda: O que o motivou a buscar todas essas atividades sociais? Será que em
um dado momento ele não quis abandonar suas obras sociais e viver como qualquer Padre
em uma paróquia numa condição mais tranquila? Tais perguntas requerem uma pesquisa
mais aprofundada de outras fontes. Tendo a consciência de que nossa proposta de enveredar
por alguns dos “caminhos” trilhados pelo biografado foi atingida, nos sentimos satisfeitas em
conclui-lo, e motivadas a pesquisar ainda mais a vida do Padre Zé, bem como das pessoas
que conviveram com essa figura e tiveram suas vidas afetadas por todo seu trabalho,
educação e devoção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“Padre Zé estende a mão” filmado entre 1969 e 1970, produzido e dirigido por Jurandy
Moura.
BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. In: PINSKY, Carla Bassanezi
(Org). Fontes Históricas. 2 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2006.
COUTINHO, José da Silva, folheto : Aos que não me conhecem: Sou o Padre Zé, o homem
mais doido da Paraíba.A União, João Pessoa-PB: 1965
http://www.arquidiocesepb.org.br/index.php?arqui=pages/showNoticiasArquidiocese&id=371
pesquisa realizada em 16.10. 2015.
http://www.esperancadeouro.com/2014/03/historia-do-padre-esperancense.html, pesquisa
realizada em 15.10.2015.
http://www.jornaldaparaiba.com.br/cidades/noticia/90392_padre-ze-coutinho-pode-ser-o-
primeiro-santo-paraibano, pesquisa realizada em 15.10.2015.
NUNES, José. Paraíba – Nomes do Século: Padre Zé Coutinho, Série histórica. Vol. XXVI.
A União Editora. João Pessoa: 2000.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho nasceu das analises feitas nas aulas da disciplina Tópicos em História da
Educação: História Oral e Memória: Biografia e Autobiografia, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
O objetivo deste trabalho é resgatar as histórias e memórias da educadora Lúcia de
Fátima Silva, que atua na comunidade Uruçú, na zona rural de Gurinhém. Trata-se de uma
mulher que cresceu morando em uma residência que tinha sua estrutura de taipa e o sonho de
ser educadora. Iniciou sua atuação profissional aos 17 anos de idade, lecionando em sua
residência, tendo como merendeira a sua mãe, na época do prefeito Jorge Urçulo Ribeiro
Coutinho. Como esta casa escola era pequena e ficava próxima a uma mata acabava por
dificultar o acesso das crianças da comunidade.
Mas, além das dificuldades encontradas para lecionar, Lúcia de Fátima teve outro
problema para continuar sua profissão, pois após o casamento o seu esposo não queria que ela
trabalhasse chegando muitas vezes a agredí-la, mas, Lúcia não desistiu de sua paixão que era
ensinar as crianças carentes e partiu para fazer o curso de pedagogia em João Pessoa.
Neste artigo, optamos pelos pressupostos teórico-metodológicos da Nova História
Cultural, por permitir novos questionamentos ao passado e ampliar a possibilidade de novos
objetos e novas fontes e até mesmo, realizar novas releituras de registros oficiais, tendo como
principal metodologia a história oral.
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Desse modo, vamos trabalhar com as narrativas da educadora Lúcia de Fátima, sobre
sua atuação profissional em uma escola rural, em Urucú, localizada no município de Guriém.
Sobre narrativas Bragança (2008, p.75) afirma que “[...] não apenas descrevem a realidade,
são produtoras de conhecimento individual e coletivo e no caso dos professores/as,
potencializam os movimentos de reflexão sobre as próprias experiências, teorias e práticas.
[...]” Vale ressaltar, que nessa análise das histórias e memórias da educadora em questão não
se tem a pretensão de esgotar em suas narrativas como aconteceu sua escolarização e o
exercício da sua profissão como um retrato fiel do que aconteceu no passado. Pretende-se
trazer a tona algumas de suas histórias que se encontram presentes em sua memória, as quais a
narradora tem o papel de selecioná-las para contar a partir do tempo presente o que vivenciou
no passado.
Deste modo, Chatier (2009, p.9), afirma que reorganizar as práticas culturais, através
da recordação “[...] não significa que a história se repita, e sim destacar que esta pode buscar
conhecimentos e ajudar a compreensão crítica das inovações do presente, as quais, por sua
vez, nos seduzem e nos inquietam”.
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O nosso interesse por este campo de estudo é de contribuir para a história da educação
da Paraíba dentro do contexto brasileiro, através da Educadora Lúcia de Fátima Silva, com
suas histórias e memórias sobre a escolarização na zona rural de Gurinhém/PB.
Cresci no seio de uma família humilde. Meu pai vivia da agricultura e exercia a
função de alfaiate, mamãe era merendeira, mesmo assim, enfrentávamos muitas
dificuldades a começar pela nossa casa que era muito pequena para abrigar meus
pais eu e mais quatro irmãos. Apesar das dificuldades encontradas no nosso dia a
dia éramos felizes porque
vivíamos na paz.
Desde muito criança aprendi junto com meus irmãos a prática da oração, todos os
dias meu pai reunia os cincos filhos para rezar o terço de nossa senhora e chamar
nossa atenção ser temente a Deus a está sempre fazendo o bem as pessoas. Através
dos seus ensinamentos me tornei uma pessoa comprometida pelos interesses da
comunidade.
Lúcia de Fátima explicou que nas séries iniciais, estudou em sua casa com seus
irmãos, que era humilde e que também atendia as crianças daquela região. Em 1973, essa
realidade mudou com a doação de um terreno para construir um grupo escolar, que recebeu o
nome da mãe do doador do espaço para ser construída uma escola naquele local.
A vida escolar minha e dos meus quatro irmãos, nos primeiros anos iniciais a
escola era em domicilio e funcionava pela manhã e a noite, a título Escola
Municipal Rural. Em 1973, com a construção do prédio próprio na propriedade do
senhor Manoel Arruda da Silva com uma sala de aula, dois banheiros, uma área e
uma cantina que servia de cozinha e dispensa para merenda, a escola passou a se
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Em 1976, Lúcia de Fátima explicou que esse grupo foi ampliado e começou a sentir a
necessidade de contratar novos professore e ela foi uma das professoras contempladas. A
educadora narrou a sua inexperiência, e informou que se espelhou na sua primeira professora
e na necessidade que tinha em trabalhar:
Em 1976, ainda solteira e sem formação para o magistério fui convocada pelo Sr.
Prefeito continental Jorge Úrsulo Ribeiro Coutinho para ensinar uma turma de
alfabetização na escola mencionada que havia estudado , foi muito gratificante
minha primeira experiência com este público infantil, mesmo sem qualificação
procurei inspiração e muita luta pelas dificuldades familiar que passei em meu
casamento durante anos, e me inspirando na minha primeira professora da 1ª fase a
Sr. Maria Bernadete Mariano Silva apesar de ter turmas multisseriada era uma
grande alfabetizadora além de buscar ajuda nas fontes de pesquisa cientificas e nos
relatos de experiências dos colegas.
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Até os dias atuais permaneço em sala de aula e sempre que posso participo
atividades sociais voltadas para o bem estar da minha comunidade de Uruçú
situada na zona rural do Município de Gurinhém- PB, com alguns projetos tais
como: Recuperação das nascentes, Tratamento e monitoramento do lixo da
comunidade e turismo rural e isto só foi realizado graças ao meu compromisso
como educadora porque este projeto envolve também nosso alunado da escola, e
também o Turismo Rural na comunidade, todos os anos fazemos um multirão para
arrecadação, que já ocorreu para a reforma de nossa igreja local da comunidade.
Também participo de campanhas solidárias para as famílias carentes que temos
aqui em Uruçú. Participo da igreja católica de minha comunidade como Ministra
da Eucaristia, monitora de batismo e do grupo da liturgia como comentarista. Em
minha comunidade tendo como Padroeiro São Pedro Apóstolo, tenho uma vida
ativa religiosa.
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Após a entrevista realizada com esta educadora, Lúcia de Fátima ainda refletiu sobre
os dias atuais em relação a educação de forma em geral:
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lutou para superar as suas necessidades financeiras e pessoais de colaborar para que chegasse
a informação e a educação formal em sua terra natal. Um ganho muito grande para a
comunidade foi a doação do terreno para a construção do Grupo Escolar Municipal Anália
Arruda da Silva, em 1973. E daí veio a oportunidade de trabalhar e mais tarde de correr atrás
de sua formação profissional. Hoje ela se sente realizada pelos trabalhos em que realiza e
afirma ter esse compromisso com a educação, informação e formação religiosa com todos que
se disponibilizar de sua comunidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Entrevista:
SILVA, Lúcia de Fátima. Entrevista realizada em 04/09/2015. Gurinhém/PB.
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MOTA, Rodrigo Patto Sá. Culturas Políticas na História: novos estudos. 2 ed. São Paulo. Fino Traço, 2014
(cap. 1, p. 13-14)
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“A 22 do dito, pela manhã, saiu novamente um sargento com vinte homens a bater o
mato, mas apenas conseguiram pegar uma negra coxa de nome Lúcreia,
pertencente ao capitão Líj, que ali deixamos ficar, porquanto ela não podia andar e
nos não podíamos conduzi-la, já tendo muita gente estropiada que era mister fazer
carregar; enchemos nossos bornais com alguma farinha seca e feijões, a fim de
voltarmos para casa”
Mas, mesmo que pouco avaliada o cotidiano e funções dessas mulheres, é possível
traçar possibilidades desse conhecimento se avaliando comparativamente com outras fontes.
Há relatos sobre frequentes invasões e furtos contra lavradores do período, fruto da
necessidade de manter o sustento dos quilombos. Iam à busca de mantimentos, armas e
mulheres. Ao avaliarmos a bibliografia é perceptível o difícil acesso até Palmares, as florestas
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“A guerra dos escravos”, do autor Décio Freitas.
13
“Rebeliões da Senzala”, de Clóvis Moura, afirmação vigorante a partir de autores como Edson Carneiro.
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Mais informações sobre relações econômicas nos quilombos na obra “A hidra e os pântanos: mocambos,
quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII – XIX)”, de Flávio Gomes.
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fortaleceu com ascensão capitalista foi responsável por esse sistema de homogeneizar a
cultural global como forma de abranger seus interesses e, dessa forma, acabou por
desqualificar as particularidades de cada uma dessas culturas, assim que os costumes
eurocêntricos vigoraram por cima dos originários africanos do Brasil. Se tratando da
representação da própria mulher não foi diferente, essa negação de sua identidade negra foi
extinta e foram impostas a valorizar e aderir a ‘respeitosa’ imagem européia com a esperança
de sentir-se incluída naquele ambiente. Uma tradicional ideologia colonial já perpetuou uma
visão degenerada da mulher negra, como promíscua e inferiorizada. O resgate dessa memória
negra não deve ser esquecido, manter ativa é a forma de conscientizar a população dos males
de nossa herança histórica e estimular o sentimento de injustiça para crescimento da união
pela mudança.
A análise da bibliografia básica de Palmares foi um dos processos utilizados nesse
trabalho, avaliando como foram importantes para o processo de formação da historiografia
Palmarina e em que contexto social estava inserido, a avaliação de obras como a de Décio
Freitas, Edson Carneiro e Clóvis Moura tiveram olhares interpretativos diferenciados,
comparar alguns desses autores e seus contextos de construção foram uma forma de interligar
essas opiniões e formar teorias de como esses conhecimentos foram passados e influenciaram
nos estudos acadêmicos atuais e também na sociedade, principalmente na comunidade negra.
Ao identificar o conteúdo das obras percebemos suas semelhanças, sem nem avaliarmos o
contexto em que foram produzidas já fica nítido um viés desmistificador documental da
negatividade acerca da rebelião de Palmares. Ao contrário, utilizam da documentação para
construir a própria sociedade Palmarina, descrevendo o ambiente e sua organização como
uma afirmação de contra cultura e resistência em busca da sua liberdade, e não apenas relatar
interesses entre as principais investidas no local. O objetivo é dar contexto que o ideal de
resistência contra o sistema escravista, visto em Palmares, foi algo continuo na trajetória
negra e, dessa forma, destacando seu posicionamento de luta. Essa lógica é destaque em obras
como a de Edson Carneiro15, por exemplo, que as fontes coloniais são usadas para avaliar os
acontecimentos do período e, a partir dali, tentar dar voz também ao oprimido, no
15
CARNEIRO, Edson. O quilombo dos Palmares. 4 ed. fac-similar. São Paulo: Editora Nacional, 1988.
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caso aos escravos de Palmares. Há um grande destaque da luta armada com a função atuante
de subsistir contra o sistema escravista de desumanização, mas outras atitudes cotidianas mais
pacifistas do mundo colonial, onde havia negociações e manipulações dos negros em relação
aos colonos, acabou por se tornar também uma forma de sobrepor suas vontades e resistir,
tendo como ponto de vista os estudos de João José Reis16, as escravas, por exemplo, poderiam
ameaçar seus senhores de não trabalhar e de infanticídio se vendesse seus maridos e filhos,
tendo certo controle de exigência. Elas conseguiam então, desde as senzalas, certo controle
sobre seu destino.
A abordagem de valorização da luta e da reafirmação de valores dos negros
palmarinos foram apresentados nessas obras em momentos particulares da história, ao analisar
um contexto político e social do período poderíamos entender certas ideologias levantadas
podem ter influenciado no meio vigente. Edson Carneiro foi um intelectual que fortemente
envolvido na frente contra o Estado Novo, sua obra “O quilombo dos Palmares” surgiu na
década de 70, coagiu com o mesmo período dos levantes de movimentos negros brasileiros,
lutavam para efetivação de uma ação afirmativa que auxiliaria no avanço das políticas
públicas e, obras como essa, poderiam reconstruir a história negra não conhecida,
influenciando manifestações de conscientização da população para as necessidades de espaço
e direitos da comunidade negra, deixando nítida a realidade de desigualdade racial e ela
influencia o cotidiano brasileiro. Mas, doravante ao crescimento do movimento com o
surgimento de sindicatos e instituições (muitas com nomes históricos referenciando sua
origem negra, como a instituição Palmares ou o Geledés), começaram a criação de grupos
específicos, segmentos que tratariam de necessidades específicas a partir das conveniências. O
movimento feminista negro então surgiu, buscando direitos próprios muitas vezes esquecidos
por quem deveria representá-los, o movimento negro e o movimento feminista.
Ao construir um novo segmento no meio dessas duas lutas, a racial e de gênero, o
movimento feminista negro acabou por formar uma nova identidade política porta voz dos
interesses dessa parte da população, as mulheres negras. Para isso a reconstrução de valores e
costumes para afirmação da sua identidade a partir de estudos históricos também é valorizado,
16
SILVA, Eduardo; REIS, João J. . Negociação e Conflito: a Resistência Negra no Brasil Escravista. 3. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009
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trazendo de volta personagens de mulheres fortes da sua história e inspirando as atuais com
modelos dignas de admiração com sua resistência e coragem. Seria nesse momento que
nomes como Dandara e Acotirene surgiam, a obra de Décio Freitas acabou por estimular essas
representações no período de 70 onde estava se construindo uma identidade feminina e
necessitavam de um sentimento de pertencimento e bravura histórica para refletir suas
bandeiras de luta, seriam a identificação e orgulho em comum que ligariam as mulheres desse
movimento.
A bibliografia, a partir de dados documentais, esforçou-se para traçar uma variação
de acontecimentos e compreender como foi formado aquele meio de resistência. A menção da
mulher em obras desse tipo ainda era escassa no período, encontrar então a presença feminina
acaba sendo significativa como afirmação de uma ideologia de negra atuante e transformadora
da sua história. Critérios como análise documental e comparação de um rol de fontes, já
citado anteriormente, são chaves para criar lógicos comportamentais desse gênero no
ambiente palmarino. Os estudos como o da publicação “Gogó de Emas: a participação das
mulheres na história de Alagoas”17 tem como objetivo dar destaque para essas mulheres na
formação histórica de Alagoas, fugindo de hierarquização racial e de gêneros. Há um
momento onde é tratada a trajetória das mulheres palmarinas, comentando da dificuldade de
traçar esse conhecimento devido os desafios propostos pela documentação e antiga
historiografia que muito negligenciou essa presença, mas que foi possível a partir de análises
documentais minuciosas e perspectivas diferenciadas, se utilizando de exemplos de costumes
exteriores como forma de auxiliar a formação dessas hipóteses. As mulheres negras foram
conhecidas nas sociedades africanas por sua força e poder espiritual, ativas e essenciais em
práticas religiosas e conservação de sua cultura. Tradicionalmente, a mulher tinha a função de
passar para gerações futuras os valores e práticas da sua cultura e religiosidade, no período
colonial isso acabava se tornando uma forma de resistência à opressão, perpetuado em
Palmares como forma de reafirmação das origens que humanizaria novamente a comunidade
negra e os daria a força necessária para resistir em favor da sua liberdade. Mas não apenas na
17
SCHUMAHER, Schuma. Gogó de Emas: a participação das mulheres na história do Estado do Alagoas. Rio
de Janeiro: REDEH, 2004.
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“Mulheres Negras: um olhar sobre as lutas sociais e as políticas públicas no Brasil” foi uma publicação
organizada por Jurema Werneck com o objetivo de refletir as mulheres negras e sua luta atual. No capítulo
“Nossos passos vêm de longe! Movimento de Mulheres Negras e Estratégias Políticas contra o Sexismo e o
Racismo.”, escrito por Werneck, exemplifica entidades femininas da tradição ioruba como modelos fortes de
reafirmação da identidade da mulher negra e sua luta contra a opressão dos seus valores originais.
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nos deparamos uma estratégia de evacuação das mulheres Saramaka que foi copiado em
Palmares, no período de batalhas eram verdadeiras destruições, a mulher poderia então fugir
do caos carregando consigo o máximo de grãos possível em sua cabeça e fugiam para o meio
da floresta, seria a partir disso que poderiam reestruturar sua economia em outras paragens.
Mas não apenas esses casos dão destaque para a posição atuante da mulher em Palmares, a
bibliografia clássica acabou por arrecadar uma vasta documentação que pode deduzir uma
possível participação da mulher em contexto político direto. Anteriormente abordei o caso do
mocambo Aqualtune, mãe do rei de Palmares, e de Acotirene como uma das primeiras
lideranças palmarinas, mas outros nomes como o de Dandara começaram a ocupar lugar
nesses estudos ligados à liderança feminina. Essas personagens poderiam ter sido vastas
construídas tanto no processo histórico, como na memória ou na simbologia contemporânea
dos movimentos sociais.20 Mas o foco do meu projeto, não é entrar em um debate profundo
sobre a realidade das suas existências, mas entender como sua construção pode ter surgido e
seu papel influente nas principais manifestações de reafirmação da identidade da mulher
negra.
A história e o resgate da memória dos reprimidos foi um avanço para garantir os
interesses dessas classes que por muito tempo permaneceram caladas, por causa dessa
ausência perpetuaram diversos mitos ao longo da historiografia brasileira e algumas dessas
mentalidades ainda são fortemente presentes na atualidade. Os estudos acadêmicos por muito
tempo refletiu posicionamento social de hierarquização racial e de gênero, deixando a mulher
negra em baixo nível de significação, mas acabar se prendendo a preconceitos gerados pelo
senso comum faz com que certas análises sejam fechadas a alguns acontecimentos relevantes
para formação de uma identidade propriamente brasileira não tenham a consideração
necessária. A cultura nacional desvalorizou o papel da mulher negra de muitas formas, desde
o período colonial ela tem uma imagem de vulgarização e marginalização, não tendo suas
opiniões destacadas perante as discussões de cunho nacional.
Rodrigo Patto defende que o Brasil tem uma cultura política conciliatório, onde
19
Um dos seis povos marrons (anteriormente chamado de “negros do mato”) na República do Suriname e um
dos povos marrons na Guiana Francesa.
20
Publicação “Gogó de Emas: a participação das mulheres na história do estado de Alagoas” (p. 29)
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21
“Historiografia, trabalho e cidadania no Brasil”, publicação de Alexandre Fortes e Antonio Luigi Negro
22
“O MOVIMENTO NEGRO E A QUESTÃO DA AÇÃO AFIRMATIVA”, de Marcia Contins e Luiz Carlos
Sant’ana (p.215)
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conquistar o que quiserem, por muito tempo o ‘ser negra’ foi desvalorizado com sua herança
de desumanização e vulgarização, uma mulher objeto e inferiorizada aos padrões sociais.
Estes efeitos se manifestam em sequelas emocionais com danos à saúde mental, rebaixamento
da auto-estima, expectativa de vida menor, menor índice de nupcialidade e, sobretudo, no
confinamento nas ocupações de menor prestígio e remuneração.23
Para a mulher negra sua luta não é apenas contra a hegemonia masculina, mas
também enfrentam as dificuldades geradas pelo racismo. Para a construção de um ideal de
luta é necessário levar em consideração que cada grupo tem seu cotidiano e condições
históricas diferenciadas, não há como generalizar objetivos já que cada um passa por
experiências e meios de vida diversificados que influenciam diretamente na sua matriz
identitária no que se refere às percepções se si e de seu lugar na sociedade.24 Por acabar não
levando em consideração toda a condição histórica negra e o cotidiano diferenciado dessas
mulheres, perpetua a opressão e hierarquização de gêneros a partir da raça nas próprias
manifestações que buscam direitos de igualdade, já que não há lugar para interesses
particulares dessas negras.
O surgimento de um movimento que objetaria e entenderia as causas particulares
dessas mulheres negras se instituía e ganharia credibilidade com avanço de medidas de
conscientização e da conquista de políticas públicas. A partir do momento que se
concentrariam em interesses próprios debateriam assuntos presentes, surgindo reflexões
significativas acerca de questões como a violência racial, a falta de credibilidade com doenças
comuns entre a população negra ou a desigualdade na seleção do mercado de trabalho se
relacionado com fatores étnico-raciais. Anteriormente, temáticas desse tipo não tinham espaço
para serem discutidas, mas a maior abertura
de temas do tipo em contexto acadêmico e político trouxeram oportunidade para a expansão
de debates, a criação de instituições e de programas voltados para questões próprias das
mulheres negras. A década de 90 teve um viés ativo no desenvolvimento de políticas públicas,
nesse período a ONU convocou conferências mundiais que possibilitaram abrir visões e tratar
23
Castro, 2006
24
WERNECK, Jurema (Org.). Mulheres Negras: um Olhar sobre as Lutas Sociais e as Políticas Públicas no
Brasil. Rio de Janeiro: Grupo Criola, 2008. (cap. “Jovens negras: ressignificando pertencimentos, construindo
práticas” das autoras Julia Zanetti e Mônica Sacramento) (p.26)
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da problemática racial em nível nacional e internacional, esse tipo de abertura foi essencial
para trazer a tona antigos males sociais e buscar soluções, as mulheres tiveram muitos
avanços significativos em relação aos seus direitos e relações de igualdade.25
Essa abertura política possibilitou o desenvolvimento de medidas inclusivas da
população negra em diversos setores da sociedade (o sistema de cotas, por exemplo) que,
havendo críticas ou não, são inegáveis pelo menos para o destaque dado as discussões
referentes à problemática racial. O reconhecimento de programas e medidas a favor das
necessidades negras, como na área de saúde e educação que por muito tempo permaneceram
desfalcadas, deu crédito para a luta desse movimento que aos poucos busca o seu lugar na
sociedade atual. Mais do que por uma questão de estética, restabelecer a memória do passado
da mulher traria a lembrança da trajetória opressiva por que passaram, tendo sua identidade
desqualificada e isso possibilitaria a conscientização com a lembrança constante desses males
que influenciam a presente desigualdade social. Para essas medidas de políticas públicas
prevalecerem é necessário uma afirmação do poderio feminino, trazer para essas negras a
confiança necessária para seguirem lutando, acreditarem que unidas podem vencer. Ir contra o
sistema eurocêntrico e patriarcalista que por muito tempo influenciou seus valores é uma
barreira que teve que ser enfrentada, mas restabelecer exemplos passados de personagens
astutas e corajosas que foram atuantes em ações políticas, organizacionais e militares para
fortalecimento da resistência negra foi marcante para encorajar a bravura dessas atuais
militantes.
Para o encorajamento dessas forças militantes representações de mulheres fortes
como Dandara e Acotirene, lideranças femininas no período palmarina, eram o simbolo que
necessitavam para os discursos de resistência. Sua presença ainda é constante e essas
personagens trazem orgulho pra mulher negra de hoje. Devido à herança discriminatória
vinculada a imagem da mulher negra os estudos referentes aos quilombos ainda negligenciam
sua importância na dinâmica interna nessas comunidades de refugiados, excluindo sua
participação na história da política brasileira como uma estratégia de manter essas classes
25
Para alguns exemplos de conferências e dos avanços realizados pelas mulheres negras nessas oportunidades, o
artigo de Sueli Carneiro, “Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma
perspectiva de gênero”, destaca brevemente algumas, como a de Beijing, e como foi a participação dessas
mulheres.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Nacional, 1988.
FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos escravos. 4 ed. São Paulo: Editora Graal, 1982
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GOMES, Flávio (Org.). Mocambos de Palmares: histórias e fontes (séculos XVI-XIX). Rio
de Janeiro: Editora 7letras, 2010
GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades
de fugitivos no Brasil (Séculos XVII-XIX). São Paulo: Editora UNESP: Ed. Polis, 2005.
MOURA, Clovis. Rebeliões da senzala. 1 ed. São Paulo: Editora Zumbi, 1959.
PINTO, Regina Pahim. Movimento negro e educação do negro: uma ênfase na identidade.
Cad. Pesq. São Paulo. N.86. p 25-38. Agosto, 1993.
SCHUMAHER, Schuma. Gogó de Emas: a participação das mulheres na história do Estado
do Alagoas. Rio de Janeiro: REDEH, 2004.
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Escravista. 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009
WERNECK, Jurema (Org.). Mulheres Negras: um Olhar sobre as Lutas Sociais e as
Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Grupo Criola, 2008.
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INTRODUÇÃO
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profissão docente no Brasil ainda é em número maior composta por mulheres, fato que não é
diferente no município de Goiânia. O interesse pela pesquisa se deve a algumas questões
identificadas nas leituras de teóricos que estudam gênero e os dados obtidos nos questionários
aplicados nas escolas. Dentre as questões está a naturalização das representações sociais da
profissão docente e a divisão social do trabalho presentes no município de Goiânia,
evidenciando a vocação, a missão e a profissão docente como mais adequada para as
mulheres.
A construção do que é ser feminino ou masculino é feita a partir de seu meio social,
pois são sujeitos suscetíveis às transformações a partir das relações com o mundo a que
pertencem. O meio social a que pertencem (família, escola, igreja) impõe moldes
comportamentais que acabam sendo absorvidos pela sociedade como naturais e justificados
pela distinção biológica, o que serviu de base para a exploração das mulheres em sociedade.
Mesmo em momentos históricos que oportunizam mais espaços para a presença
pública das mulheres, com mais oportunidades, as diferenças sexuais/biológicas não
deixavam de ser apontadas como barreiras para a emancipação da mulher, como, por
exemplo, a função reprodutiva. Em um mundo patriarcal, a organização social deve ser
mantida, o trabalho produtivo ou remunerado deve ser parcial, para que não sejam
abandonadas as obrigações domésticas.
Historicamente, as contradições sociais, inclusive as de gênero, resultam em
discriminação e opressão em muitos âmbitos da sociedade, inclusive no profissional.
(SAFFIOTI, 2000). Diante desse quadro socialmente imposto, as mulheres não tiveram as
mesmas oportunidades que os homens de se especializarem como profissionais, o que
resultou instabilidade no trabalho e salários baixos. A naturalização das diferenças biológicas
é que cria a divisão sexual do trabalho, colocando homens e mulheres em lados opostos
(NOGUEIRA, 2004). A sociedade é um conjunto formando uma totalidade, não é composta
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por fragmentos (SAFFIOTI, 2000, p. 74), por isso, todas as formas de separação e de
injustiça, ideologicamente sustentadas, carecem de intervenção.
FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO
26
Sinopses Estatísticas da Educação Básica do Inep de 2013 por sexo. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 07 out. 2013.
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socialmente. Por fazer parte do acervo cultural, já foi incorporado às normas sociais, é uma
espécie de lema em que “as coisas são assim porque assim é natural que sejam e sempre serão
assim porque assim foram sempre” (BIANCHETTI, 1996, p. 76).
É no contexto deste discurso que as representações de “professorinha” ideal foram
sendo tecidas, e que identificou as educadoras dos anos de 1950, depois profissionais de
ensino dos anos de 1970, e as trabalhadoras da educação a partir dos movimentos sindicais
posteriormente (LOURO, 2003). Historicamente, a educação está profundamente implicada
na política da cultura, afinal,
Sexo
0 0 Femini no
11
Masculino
Não
63 resp ondeu
Fonte: Elaboração para este estudo baseado nos dados dos questionários
27
Disponível em: <http://www.publicacoes.inep.gov.br/web/guest/basica–censo–escolar–sinopse–sinopse>.
Acesso em: 30 jun. 2014
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de Rincón (2005), é uma contribuição para com a naturalização da existente construção social
das representações. Como faz parte dessa naturalização o não reconhecimento do trabalho
como tal, no espaço doméstico, e a desvalorização do trabalho da mulher com ele
identificado, no espaço público, consequentemente, acontece à desvalorização do magistério,
por ser tratado como um trabalho feminino. Somente com a desnaturalização das
representações sociais pode-se desfazer a divisão sexual do trabalho, caso contrário, as
docentes “continuarão exploradas como profissionais, vivendo como cidadãs de segunda
categoria e reproduzindo as mesmas relações sociais de gênero sustentadas por essas relações
[...]” (RINCÓN, 2005, p. 193).
Os questionários revelaram em algumas falas28 das professoras, que há uma
naturalização nas representações sociais por parte das respondentes. Quando perguntadas qual
a motivação para o exercício da profissão, algumas responderam que:
28
Optou-se em destacar as falas dos/as docentes usando itálico, com o intuito de diferenciá-las do restante do
texto.
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não gostam da profissão ou gostam em alguns aspectos, justificaram, em sua maioria, a falta
de reconhecimento social, como o baixo salário e a desvalorização da categoria. Estes são os
problemas que mais pesam.
Quando questionados/as sobre o motivo de escolha pela profissão docente,
Gráfico 2 – Motivo de escolha pela profissão docente
Escolha pela profissão docente
Fonte: Elaboração para este estudo baseado nos dados dos questionários
Interessante revelar que a maioria dos(as) respondentes que optaram pela resposta “a
vida me levou à profissão”, justificam que a profissão docente facilita a dinâmica do dia a dia
pela flexibilidade de horários. No caso da resposta “profissão mais fácil”, as 03 respondentes
são mulheres. Esse resultado sugere que pela condição de mulher e mãe, como revela pelo
estudo que é a maioria, a profissão facilita os compromissos com a família, conforme justifica
uma das respondentes:
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escola, dessa forma, passa a representar um espaço pertencente ao mundo das mulheres, é o
acesso ao espaço púbico, remunerado, valorizando o papel social vivido por elas na divisão
social do trabalho e na construção de um sujeito social (ENGUITA, 1989).
A fala de duas respondentes com relação a motivação profissional retrata bem essa
valorização do papel social da profissão.
Muito baixo
3 3 Baixo
27 Regular
18
Alto
Não responderam
23
Fonte: Elaboração para este estudo baseado nos dados dos questionários
Esta questão foi disponibilizada fechada e aberta, ou seja, os docentes poderiam
justificar sua resposta. Pontuam-se aqui algumas justificativas.
Os dados revelam que uma das maiores preocupações do/as docentes é com relação
ao reconhecimento social da profissão docente. Os resultados sugerem que o
reconhecimento/prestígio social dos/as professores/as está intimamente ligado às questões
econômicas que ressignificam a categoria. Os/as professores/as não se sentem valorizados
com os salários que recebem, que não são compatíveis com a formação exigida e nem com as
tarefas que lhes são atribuídas. O rendimento médio do/a docente é muito menor se
comparado com as demais profissões com as mesmas exigências de formação superior, e as
implicações aparecem nas dificuldades de se atrair os estudantes para a carreira docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
naturais e justificados pela distinção biológica na construção do que é ser mulher ou homem,
para que as mulheres consigam se inserir em outros espaços profissionais até então mais
ocupados por homens e mais valorizados socialmente e economicamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APPLE, Michael W. Freire. Repensando a ideologia e currículo. In: MOREIRA, Antônio F.;
SILVA, T. (Org.). Currículo cultura e sociedade. 2. Ed. Trad. M. Aparecida Baptista. São
Paulo: Cortez, 2002. P. 39-58.
MARX, K; ENGELS, F. A Ideologia Alemã (Feuerbach). Trad. José Carlos Bruni e Marco
Aurélio Nogueira. 6. Ed. São Paulo: Hucitec, 1987.
MENEZES, Luís Carlos de (Org.). Professores: formação e profissão. Campinas, SP: Autores
Associados; São Paulo: NUPES, 1996. (Coleção de Professores).
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento? Crítica
Marxista n° 11. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho nasceu das analises feitas nas aulas da disciplina Tópicos em História da
Educação: História Oral e Memória: Biografia e Autobiografia, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Como afirma Burke (1992), na história a visão tradicional não permitia que as
consequências do modelo vigente viessem à tona, a exemplo: somente os grandes feitos
realizados pelos homens apareciam na história. Então, durante duas décadas, no século XX, os
historiadores perceberam o potencial de explorar novas perspectivas do passado a partir de
novas fontes.
Mediante esse contexto trago neste estudo a educadora Nilza Fernandes de Souza, cuja
trajetória pessoal e profissional é marcada pela dedicação ao ensino. Segundo Pinto (2003), o
gênero feminino passou por muito tempo a ser silenciado pela história, devido à cultura
repressora e autoritária do século XIX. Portanto, trazer a história de Nilza Fernandes de Souza
é contribuir para que sua história saia do silêncio histórico e ganhe maior visibilidade,
trazendo o sentido de que as mulheres são parte constituinte da história.
O objetivo deste trabalho é trazer à tona a importância das práticas ocorridas no
interior do Instituto Moderno, localizado em Mamanguape/PB, através das memórias da
educadora Nilza Fernandes de Souza.
Contudo, o estudo situa-se metodologicamente na Nova História Cultural e no campo
da História Oral, enfatizando na pesquisa, os “novos problemas”, “novas abordagens” e
“novos objetos”, o que quer dizer que com a evolução da história surgem novos olhares,
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outras abordagens, outros problemas e outros objetos que devem ser considerados e
pesquisados.
Segundo Duarte (1995), os obstáculos fazem parte de todo o processo de interpretação
e pesquisa histórica e, consequentemente, transforma-se em relevantes produções que
impulsionam superar os desafios, à medida que exige do pesquisador atentar novamente aos
detalhes despercebidos e a leitura nas entrelinhas das fontes.
Na busca de tentar trazer a trajetória de vida e profissional de Nilza Fernandes de
Souza, de sua contribuição como educadora recorreu-se as entrevistas e fontes iconográficas
por se tratar de inicio de pesquisa, ainda há muito a ser pesquisado. A entrevista realizada
para esta pesquisa foi realizada em 11/10/2015.
Nilza informou que passou seus primeiros anos de vida morando na propriedade da
fábrica, como era de costume a qualquer funcionário. Seu pai a partir da compra de um
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caminhão para transporte de madeiras pediu para deixar de trabalhar na fábrica e apenas
prestar serviços a esta, no que também pediu para continuar a residir na propriedade da
fábrica:
A minha família foi sempre muito movimentada. Quando meu pai veio pra Rio Tinto
trabalhar na fábrica, a princípio e depois ele viu que pra transportar a lenha, eles
fizeram uma linha de ferro, fizeram trilhos e tudo. Mas havia necessidade de mais
transporte. E meu pai percebeu e se interessou. Comprou um caminhãozinho e
começou a transportar lenha. E dali a pouco já tinha dois caminhões, três
caminhões; e então ele fez um acordo com a fábrica. Ele disse: ‘Eu gostaria de ficar
aqui com vocês, mas eu não queria mais... Eu queria sair da fábrica e eu não peço
nada.’ Ele já tinha treze anos lá. Naquele tempo também não havia essa questão de
leis trabalhistas... ‘Eu não faço questão, só quero poder continuar a ficar aqui.’ Lá
só morava quem fosse operário, funcionário da fábrica. ‘Eu me desligo da fábrica e
não vou dar trabalho, mas eu queria ficar morando aqui.’ Aí eles deixaram. Papai
ficou morando lá, mas ele já fazia parte de uma empresa própria que ele tinha
criado transportando a madeira.
A depoente informou que brincou muito durante sua infância, no que por várias vezes
trouxe preocupações a sua mãe com os exageros das brincadeiras:
Nilza Fernandes iniciou sua vida escolar em uma pequena escola particular que
funcionava em uma única sala multiseriada, em Miriri. Sua primeira professora, Dª. Alta de
Assis que era uma vizinha que colocou uma escolinha no alpendre da casa. Mas sua grande
incentivadora foi sua segunda professora, Magliana Furtado de Assis Paiva. Dona Magna,
como era chamada, filha de uma família tradicional da capital foi morar em Rio Tinto, após o
casamento com um comerciante, e fez a grande diferença na formação e na vida de Nilza, pois
notou a sua potencialidade, sabia que podia “ir além” das lições da alfabetização e da escola
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Eu tenho quatro irmãos. Somos três mulheres e dois homens. De lá pra cá eu comecei
a frequentar as aulas lá (em Miriri) e minha professora, Dona Magna, que tenho
muito carinho eu tenho por ela, uma lembrança muito grande. Ela em mim, assim,
que eu podia dar mais. Isso eu devo muito a ela porque os meus pais, eles se fixaram
em produzir algo que pudesse ajudar a família e tudo mais, mas essa minha
professora, ela viu em mim alguma coisa que eu podia ir além. Eu comecei com a
escola particular que ela tinha e ela depois, ela era professora do estado, uma das
únicas que tinha lá na época, em Rio Tinto, mas ela se orgulhava disso. E ela ficou
minha amiga. Eu era uma criança, eu tinha pouco mais de dez anos, uns doze anos,
por aí, mas ela me levava, trazia e era aquela festa. É tanto que eu sou madrinha de
uma menina dela, você acredita? Sou madrinha de apresentação de uma filhinha que
ela teve. Perdeu contato comigo, eu não sei mais de Dona Magliana. Ela foi um anjo
na minha vida. Ela ensinava numa das escolas lá de Rio Tinto pelo estado e disse
assim ‘Nilza, aqui na minha escola você já deu o que tinha que dar. Agora você vai
fazer o quarto ano lá no estado comigo, que é uma classe só’. Porque na escola
particular dela eram vários meninos de vários níveis. ‘E lá na escola onde eu ensino,
(que chamava Grupo Escolar naquela época) é só quarto ano. Você vai aproveitar
mais.’ Aí eu fui com ela estudar lá, embora eu continuasse pagando a ela como se eu
estudasse na escola dela, mas ela me levava pra lá. E lá foi muito bom esse ano.
Nesse tempo você tinha que fazer o quinto ano, era o exame de admissão. Ah, era um
vestibular! Aí ela disse ‘Você não vai ficar só no quarto ano, não. Você vai pro
quinto ano, vai ser em Mamanguape’, que era esse colégio daqui (Instituto Moderno)
que tinha começado recentemente.
Segundo a depoente o seu primeiro contato com o Instituto Moderno aconteceu por
intermédio de sua professora:
Era em 1948, a fundação dele (do Instituto Moderno). Não funcionava aqui,
funcionava ali na frente, lá naquele prédio onde é a Moto Honda. Ali era uma casa
antiga e ele começou lá, mas depois passou pra cá (local atual). Quando eu vim pra
cá ele já estava aqui neste prédio. Não era desse tamanho, mas foi funcionando e foi
aumentando, os pavilhões foram aumentando. Então, ela (a professora, Dona Magna)
disse assim ‘Você vai pra lá. Vai fazer o exame de admissão. Vai! Seu pai pode
pagar.’ Meu pai nessa época podia pagar mesmo. ‘E você vai estudar lá.’ Então tá
certo. Ela veio comigo aqui, me apresentou ao diretor que não era esse, não, que está
ali a foto (Dr. Adailton Coelho Costa), mas era Doutor Lins, um dos fundadores
também. Chegou aqui ela me mostrou a ele e disse: ‘Essa moça vai fazer o exame de
admissão, Dr. Lins.’ ‘Traga. Pode trazer.’ Me lembro como se fosse hoje! E eu vim.
Era assim: o exame de admissão, ou você estudava o quinto ano todo, ou você fazia o
quarto ano... Por exemplo, eu estudei o quarto, aí fazia nas férias, janeiro, fevereiro,
com aula todo dia aqui. Aí quando terminava, você fazia as provas. Se você fosse
aprovado, pronto. Entrava no primeiro ano ginasial. Eu pulei um ano de quinto ano,
quer dizer, você podia pular. Se você fizesse o quarto ano e no fim do ano fizesse o
curso nas férias e passasse, você já entrava no primeiro ano ginasial. E se não
entrasse você vinha cursar o quinto ano aqui (no Instituto), que era o exame de
admissão todinho pra no fim do ano fazer a prova. Aí ela disse ‘Você pode fazer.’,
‘Dona Magna, eu posso?’. ‘Pode e você vai. Você vai se arriscar agora, vai fazer
agora. Do quarto vai pular pro primeiro ginasial.’ Ela acreditou e eu passei. Eu vim
fazer o curso de férias e, no fim, vim estudar aqui. Então foi essa a minha formação
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A depoente informou que era de uma família católica e sua mãe trabalhava como
doméstica. Nesse empenho aos estudos lembrou que:
Eles não cobraram nada de mim. Ela só queria que eu estudasse. Ela se empenhou
muito. Ela fazia questão! Lá. Ela passou... Assim: ela ficava nas escolas procurando
uma melhor, outra melhor pra mim.
Meu pai ficou com aquele negócio de carro, pouco interferiu. Nunca me cobraram.
Meus irmãos também. Minhas irmãs são professoras. Todos estudaram. O meu irmão
mais velho, depois de mim tinha outro. Esse foi que se envolveu com meu pai com
história de carro, que naquele tempo era um sonho. Todo mundo só queria dirigir, ter
carro. Naquele tempo não existia quase transporte. É tanto que meu pai ia pra Recife
pegava aqueles carros, carro de passeio, tem fotos dele, ele pegava aqueles carros lá
que não estavam bem novos ele transformava aquilo em carrão. Ele chegava em Rio
Tinto era novidade. Porque não tinha carro. Aí ele se envolveu com isso, meu irmão
encostado a mim, e não foi muito chegado a estudo, não. Ele ficou lá, se envolveu com
papai, de repente começou a dirigir e começou naquela vida de carros. Mas os outros
todos se formaram. Nós viemos pra cá (Mamanguape). Aí eu puxei tudinho pra cá.
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Quem me alfabetizou foi dona... [pensando] Dona Alta. Era minha vizinha. Ela botou
uma escolinha e foi quem me alfabetizou. Havia umas canetas tinteiro que a gente
cobria as letrinhas. Molhava e cobria, depois apagava com o mata-borrão. Eu sou
desse tempo ainda. A princípio você cobria com lápis comum. Ela fazia as letrinhas e
você ia cobrindo. Aí, depois você já estava molhando ali, e fazendo a letrinha
cobrindo. Aí fui treinando e aprendi a ler. Aprendi a ler com ela, com dona Alta. Alta
de Assis. E depois, essa escola de dona Magna, ela era parente ainda de dona Alta.
Tem a família dela ainda lá em João Pessoa, Furtado de Assis Paiva, que são
dentistas e não sei o que mais. São pessoas tradicionais de João Pessoa. [...] Quando
dona Magna chegou em Rio Tinto ela usava luvas. Era tão chique lá. Ela estudava no
Colégio das Neves29. Ela chegou lá parecia uma princesa. Aí depois casou com seu
Maurino. Seu Maurino parece que veio de lá também, de João Pessoa, mas ele era
comerciante. Mas mesmo assim ela casou com ele, mas ela continuava com aquela
educação de moça bem educada, que estudo no Colégio das Neves. Ele era mais
simples, mais popular, mais chegado. O comércio deles não era grande coisa, não,
mas mesmo assim eles conseguiram viver um tempo em Rio Tinto e depois eles foram
embora de lá. E eu fiquei. Eu perdi contato com ela. Nunca mais. Porque naquele
tempo era tão difícil, sabe?! Não tinha essa facilidade de comunicação. A gente pra
chegar em João Pessoa você passava quatro horas, de uma as quatro dentro de um
ônibus viajando por Sapé. Era. Chegava lá as luzes já se acendendo. E foi assim que
eu comecei a estudar. Eu ia no domingo e voltava na quinta pra dar aula aqui, mas
isso foi muitos anos depois.
Sobre a saída da família de Nilza de Rio Tinto para morar em Mamanguape, foi muito
sofrida, pois todos gostavam de Rio Tinto e os negócios de seu pai em Mamanguape não
prosperaram muito:
[...] A gente foi obrigado a vir embora pra cá (de Rio Tinto para Mamanguape),
porque se não meu pai não vinha nunca porque a gente gostava de lá. Eu saí de lá
muito triste, mas me adaptei aqui. [...] Eu tinha... deixa ver... eu tinha uns treze anos,
por aí assim. Doze pra treze anos. Mas eu já tinha começado a estudar aqui (no
Instituto Moderno), eu vinha de ônibus todo dia pra cá. Estava no primeiro ano
ginasial. Quando viemos pra cá não precisava mais vir de ônibus. Meu pai veio aqui,
comprou uma casa. A situação da gente não era ruim. Ele comprou uma casa aqui, a
gente foi morar. Só que depois a coisa começou a piorar e não deu certo. Aí eu já me
formei aqui, terminei o ginásio, com dificuldade financeira. Foi a força. Aí quando
terminou eu disse ‘Não quero deixar de estudar, não. Eu quero estudar.’ Eu falei.
Meu pai: ‘Mas, minha filha, agora tá difícil. Como é que eu vou fazer? Nesse tempo
admissão, ginasial, não tinha estudo de graça pra ninguém aqui, não tinha escola. E
nem tampouco o que eu queria, que era já o segundo... Eu já ia pro Médio. Aí ele
disse ‘Agora não posso mais, não.’ Eu tinha que estudar em João Pessoa. O primeiro
ano clássico, ou técnico ou científico. Eu já estava no científico. Ele disse ‘Mas eu
não posso. Você já fez o ginásio.’ Aqui já era muito ter o ginásio. Só tinha em João
29
Para saber mais sobre o Colégio Nossa Senhora das Neves, ver a dissertação de mestrado de Tatiana de
Medeiros Santos: Magistério em Declínio: Histórias e memórias de ex-alunas da última turma do magistério do
Colégio Nossa Senhora das Neves (1970). Mestrado em Educação. UFPB, 2009.
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Pessoa. Como é que eu ia se não estava podendo nem pagar aqui? Mas eu disse:
‘Não vou parar de estudar, não. Seja o que for.’ Nisso, aqui (no Instituto Moderno),
abriu o curso de Contabilidade. Doutor Adailton1 era um homem de visão. Ele achava
que a pessoa que estudasse aqui devia continuar a estudar, mas não tinha. Ele criou o
Curso Técnico de Contabilidade aqui. No Instituto Moderno mesmo. Aí já podia
continuar aqui. Aí eu disse: ‘Pronto, eu vou ficar é aqui no Curso Técnico.’ Mas
como pagar? Aí veio minha tia minha de Recife pra cá. Aí começamos a conversar e
eu disse pra ela. Eu vou embora é com minha tia. Ela queria me levar porque ela não
tinha filhos. Ela queria terminar de me criar, mas minha mãe não quis: ‘Não, não vou
dar. Eu sei que é pro bem dela, mas eu vou deixar essa menina ir embora?’ Ela não
quis. Foi bom. Aí, ela disse: ‘Pois então, vamos fazer o seguinte: não tem um jeitinho
de tu arranjar um dinheiro?’ Eu disse ‘Olha, doutor Adailton, que me ensinou, ele
disse assim: Você vai ser professora daqui, viu Nilza! Você vai ser professora de
Geografia.’ Porque eu tirava notas boas, tudinho. Então eu me lembrei dessas
palavras dele. Aí eu disse ‘Tia Alta o diretor dizia isso comigo, mas eu tenho
vergonha de pedir isso a ele.’ Ela disse: ‘Não tenha, não, que eu vou com você.
Vamos, eu vou com você.’ Aí quando ele veio eu falei ‘Doutor, o senhor me disse e eu
estou precisando. Meu pai não pode pagar. O que é que eu faço?’ Ele disse assim:
‘Olhe, a essas alturas os professores já estão todos’... Eu já queria ensinar. Terminado
o ginásio. [risos] Mas o sucesso daqui foi esse, sabia. Ele foi pegando os alunos que
ele achava que foram bons e foi botando pra ensinar. Depois ele foi dando
oportunidade de você fazer um curso. Porque era difícil trazer professor de João
Pessoa para ensinar aqui. O colégio não podia pagar. Não podia. A distância era
grande e não eles podiam morar aqui.
Então, como Nilza Fernandes mesmo falou, o diretor do Instituto Moderno era um
homem de visão e buscou formar sua própria equipe para não ficar na dependência de trazer
professores de João Pessoa:
Ele ia formando. Tinha uma história aqui de um curso que você fazia em João
Pessoa, durante as férias, que vinham professores de fora. Ai, meu Deus, como era
o nome? Não estou lembrada. Vinha professores de fora e eles iam qualificando
professores. Era. Isso era feito pelo governo. Os professores eram sérios e severos.
Você não passava toda vez, não. E aquele bando de professores eles aconselhavam
dois ou três a fazer uma prova. Depois de um tempo que você fazia aquela prova
eles iam qualificando você. Havia isso. Ele me disse assim ‘Eu já consegui os
professores, mas você vai trabalhar. Eu quero lhe dar uma chance. Não tem nem
aonde, mas você vai trabalhar lá.’ Aí ele me trouxe. Eu fiquei na secretaria. Eu
disse a ele ‘Eu só quero pelo estudo. Eu não preciso ganhar dinheiro.’ Aí ele disse
‘Não, você ganhar o seu salário.’ Então tudo bem, eu fiquei e fui estudar no curso
técnico. Graças a Deus. [...] Do Primário até o curso de Contabilidade. E depois
ele teve mais ideia porque o Curso Normal, que foi quando começou o Instituto
Moderno foi com o curso, que foi desativado um pouco porque o ensino de
professores não foi muito procurado, aí eles transformaram em ginasial, mas ficou
lá Normal. Aí depois que começou o Técnico ele disse ‘Não, eu quero fazer é
professores, que eu preciso é de professores.’ Aí reativou o curso de professores,
dessa vez já era com outro nome, Pedagógico. Aí ele trouxe o Pedagógico também.
Então já havia outras opções. Quem não queria o Técnico fazia o Pedagógico. As
turmas ficaram cheias aqui a noite. E ficaram esses cursos. Aí eu fui me envolvendo
aqui com o trabalho, fiquei na secretaria e esqueci de ensinar. Que também não era
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muito a minha vocação. Eu queria fazer Direito. Mas enquanto eu não fiz Direito, a
gente foi se acostumando. Aí o Colégio passa a Estadual porque ele queria dar uma
oportunidade aos professores que ele já tinha formado e eram bons professores.
Eram todos professores daqui e fizeram esse curso que eu esqueci o nome e que já
tinham passado. Todo mundo já estava qualificado a ensinar. ‘Mas eu quero mais
pra esse povo. Eu vou trazer um colégio estadual.’ Nesse tempo ele se envolveu com
política, Pedro Gondim, daquele povo. ‘Eu vou trazer o Colégio Estadual aqui pra
Mamanguape que todo mundo vai poder estudar. Vai acabar com esse negócio de
só estudar quem paga e fica particular só o Técnico e o Pedagógico. Eu vou ceder
as instalações do Instituto Moderno pro Estado. Mas eu quero que todos os meus
professores sejam nomeados logo.’ Nesse tempo não tinha concurso. Mas não é que
eles não merecessem, não, Todos eram muito bons professores. ‘Uma das sugestões
que eu vou fazer é isso. Eu não vou alugar. Eu vou ceder pra que os meus
professores sejam nomeados.’ Aí nós fomos, entramos pra nomear. E tinha uma
história: quem fosse professor logo era chamado professor catedrático porque
fundava cadeira e ganhava mais, ganhava igual aos formados em João Pessoa. E
nós entramos nessa. E ele me disse ‘E você vai ensinar o que?’ E eu sei, doutor? Tô
tão bem aqui na secretaria. ‘Não. Isso não é futuro, não. Você vai ser professora.
Você gosta de que?’ Eu gosto de Português, o senhor sabe. Eu gosto de Português.
Gosto de Inglês. ‘Então vamos começar com Português.’ Aí pronto! Entrei em
Português. E fui me acomodando. E nisso passando o tempo. Aí eu disse a Inês: Nós
precisamos fazer um curso. Já que estamos na dança, vamos dança. Eu digo a você
que nessa época, depois veio Wilson Braga1, o professor ganhava cinco salários
mínimos. Na época de Wilson Braga era. Veja. Faça a conta de hoje. A gente nem
pensava mais em nada, em fazer outra coisa. Só que isso foi temporário. Teve
menina que passou no INSS aqui, professora, e não quis ir. Porque disse ‘Eu não
vou passar o dia todinho no INSS quando pra ensinar eu não preciso nem passar o
dia, tem os dias alternados. Não vou querer.’ Coitada. Entraram pelo cano porque
depois quando ele saiu acabou. Mas houve tempo disso. Então nós estávamos um
pouco acomodadas mas eu disse assim: Inês, já que a gente tá na dança, vamo
dança. Vamos estudar. Vamos voltar a estudar. Eu já tinha abandonado o meu
sonho do direito. Nós estávamos aqui ensinando então ela disse ‘Eu vou fazer pra
Geografia’, ela já ensinava Geografia, e eu: Vou fazer pra Letras. Eu gosto muito
de Inglês, vou fazer Letras e Inglês também. Tá certo? ‘Tá.’ Então nós duas
começamos a estudar. A pegar programas pra estudar. Passar no vestibular
naquele tempo era um sonho, ainda mais em cidade do interior que não havia
assim... nenhuma preparação. Era sem nada. Então, pegamos o programa de
estudos e fomos estudando. Tcham, tcham, tcham e tcham . E fomos, fomos, fomos
fomos, né?! E fomos. E então conseguimos.
A seguir se visualiza Dr. Adailton Coelho Costa, diretor do Instituto Moderno, ao lado
de alguns professores e alunos da instituição, que posam no acesso principal da escola. Nesta
fotografia se encontram Terezinha, Zezé, Dinha (filha de Seu Pedro Paulo), as professoras de
Inglês Otilia e Nilza Fernandes, Benê, Nininha (filha de Seu Souza), Eunice, Inês Lyra e a
irmã, Irene, Anita, Izolda, Ana Lúcia, Newman, Socorro Ramalho, Pedro Jorge, Muniz e....
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Nilza explicou como fazia para estudar e ensinar e trabalhar no Instituto Moderno:
Eu dava quarenta horas/aulas, né. Fosse à hora que fosse. E a noite. Como é que
eu faço? A cabeça doeu, foi aquela confusão. Procurei lugar para ficar lá (em João
Pessoa) que eu não tinha parentes, mas não conseguia, não conseguia. Aí doutor
Adailton disse ‘Você está se estressando em vão. Eu tenho umas irmãs’, ele tinha
umas irmãs que trabalhavam lá, ‘Você vai ficar lá na casa das meninas. Não tem
problema.’ Eu fiquei encabulada. Eu conhecia todas daqui, mas eu fiquei
encabulada. Mas não tinha o que fazer e aí eu fiquei. Do domingo até quinta-feira.
Eu não podia ir e vir todo dia pois não havia esta estrada até aqui, passava quatro
horas pra chegar. Vinha por Sapé. Quando era quinta a tarde eu vinha embora.
Dava aula aqui quinta a noite, sexta de manhã, sexta de tarde e de noite e no
sábado de manhã que sábado também tinha aula. Antigamente tinha. E como eu
fazia? Aí eu esqueço lá (UFPB) e venho pra cá (Instituto). Só que aí eu voltava no
domingo. Como eu estudava lá? As tardes. Todas as tardes eu pegava o programa
de lá e ficava estudando que eu ficava em casa as tardes. Mas não contente, eu
disse assim: tem um curso de extensão universitária aqui de Inglês e eu vou fazer
mais pra melhorar. Mas consegui, consegui. Dois anos nessa luta. Quando foi de
repente, fizeram a estrada, a BR 101. Então, os últimos dois anos eu já terminei em
casa. Aí eu vim me embora e ia e vinha todo dia que nesse tempo a passagem era
mais barata e eu consegui terminar assim, nessa luta. Aí nessa época inventei de
casar também, que foi um desastre. Só durou dois anos, eu tive uma filha e a gente
se separou. Houve essa revolução na minha vida mas eu voltei pra casa e retomei,
continuei a minha vida. Foi em 68. Muita coisa aconteceu no Brasil nessa época,
as confusões dos hippies, aquela coisa!
O curso que Nilza Fernandes foi para a Universidade Federal da Paraíba foi em Letras
Inglês:
Não tive dificuldade, graças a Deus. Deu tudo certo. Era ali onde é a... era a
Faculdade de Filosofia, junto do Liceu. Estudei ali. Terminei na Cidade
Universitária. Eu me casei no segundo ano da universidade. Foram tempos
horríveis. Foi um desastre. Mas passou, graças a Deus. Ele era ciumento demais,
demais. A gente achava que esse negócio era, era... Ficava até vaidoso, né, porque
o cabra era ciumento. Mas casa com um ciumento!! Deus me livre!! Porque é um
desvio, uma coisa assim. É terrível. Foi terrível. Eu sucumbi. Eu só aguentei por
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causa da minha família porque eles foram muito contra. Eles sentiam que ele... Mas
eu quis casar porque eu quis. Mas depois eles me deram muito apoio.
Sobre o Instituto Moderno, Nilza Fernandes explicou que não ofertava o primário:
Não. Nessa época não. Pera aí deixa eu me lembrar... Não. Começava no exame de
admissão, o primário era feito fora, nos grupos escolares. Quando vinha pra cá já
vinha fazer o exame de admissão. O primeiro edital que se fez aqui no colégio foi
convocando pro exame de admissão e ingressava no Curso Normal. Então as duas
primeiras turmas, houve uma turma, depois houve outra, a casa onde funcionava ali
na frente era pequena também, mas não foi por isso, não. Foi porque o número de
alunos não era tanto assim porque, na verdade, era pago. Era iniciativa privada. E
além do mais, as pessoas que vinham pra cá já eram pessoas que tinham parado de
estudar fazia tempo. Não era nem tanto os jovenzinhos como é hoje. Eram pessoas
que haviam parado que aqui não oferecia outras escolas então você fazia o curso
primário e parava. Por isso que eles viram essa necessidade de fazer com que a
juventude estudasse, porque os adolescentes propriamente ditos, não estudavam.
Então a turma primeira foi formada mais de adolescentes. Nós temos até fotos aqui.
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pessoalmente não participei em nenhuma das escolas que eu estudei, nem antes
daqui. [...] O Instituto Moderno funcionará este ano os cursos... [lendo] Pronto.
Tinha primário. Admissão... [lendo] Admissão era um curso que você estudava pra
ir para o curso Normal que equivalia ao Ginásio. Curso Primário e Admissão,
também curso de Ilustração Prática e também matérias avulsas... [lendo] aqui era
propaganda. Transporte especial para os alunos de Rio Tinto. [risos] Foi mais ou
menos na época em que eu vim pra cá. Eu vim pra cá em 55 e isso aqui foi em 52.
Enfim, este é só o inicio de uma história da educadora que enfrentou dificuldades para
estudar e por persistência conseguiu seus objetivos, com a sua efetivação na escola privada
Instituto Moderno, em Mamanguape e por lá ainda atua à cerca de trinta anos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.
COSTA, Adailton Coelho. Mamanguape, a Fênix Paraibana. Campina Grande, GRAFSET
LTDA. Endereço atual do Instituto Moderno: Rua José Vieira, S/N – Centro Mamanguape-
PB, 1986.
DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: vida e obra. Natal: UFRN, 1995.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2003.
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INTRODUÇÃO
Parte como premissa para composição deste trabalho a referência da história de vida
da minha mãe Tecla de Santana Araújo, migrante da zona rural para cidade de Feira de
Santana. Aos 17 anos consegue seu primeiro trabalho de carteira assinada em um moinho de
café, mas pouco tempo depois se casou no civil e teve seu primeiro filho. Nesse momento
finda a vida de trabalhadora, o casamento e o filho os colocaram no clausto da vida
doméstica, mas a busca pela autonomia a fez transformar o ambiente do cuidado, o lar, no
espaço de trabalho no qual ela passou a costurar e fazer outros pequenos serviços. Essa vida
circundada pelo trabalho, ele, multifacetado recheados de afazeres os quais garantiram a
sobrevivência e o expericiamento de uma mulher negra como dona de casa atenta as
sinonímias que permeia a vivência de uma família negra, a qual o papel do pai era colocar
comida no lar, e da mãe, criar e assistir os filhos dando conta de compreender a subjetividades
embebidas e confundidas com o desejo do bom alimento e do bem viver, sacralizadas na
busca essencial por uma inalcançável qualidade de vida.
Mas qual o tempo dedicado a si que cabia na dinâmica eufórica do trabalho intra/extra
– doméstico? Seria essa mulher invisível a si mesmo no demasiado cuidado ao seu marido, a
sua proli e suas obrigações de trabalhadora? O que de resto ao passar tempo cabia nas
vivências de uma mãe de família, que agora fazia do lar morada e lugar de trabalho?
Neste trabalho os relatos orais são imprescindíveis, pois, cumprem o papel de dar cor,
voz e vez as memórias, saberes coletivos e individuais de indivíduos e grupos que por muito
tempo estiveram in-visibilisados, e sem predileção para serem elegidos como elementos de
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privilégio para a construção histórica , assim, são eles que embasam a discussão e aprofundam
a reflexão a cerca do cotidiano das trabalhadoras negras. São esses relatos que dão conta da
percepção da subjetividade dessas mulheres e seu ponto de vista sobre sua situação. Elas
como indivíduos imersos numa sociedade exclusiva travam lutas diárias as quais a condição
de objetificação é desconstruída por elas de forma inconsciente, mas não suficiente para
reversão de algumas sujeições. Sendo isso, a projeção dessa mulher como mãe de família e a
chefe da mesma, cumprindo o papel de mantenedora mesmo quando se tem a presença do
homem, esse não desempenha de forma equacional e numeral as atividades as quais as
mulheres desempenham.
A mensuração no trato do subjetivo só é possível de ser percebida no transcurso das
falas com gestos e entonações, essa mulheres são invisíveis a uma sociedade marcada pelo
poder masculino, no qual o labor do mesmo é de grande valia e enaltecedor, sendo o trabalho
da mulher minucioso e menos prestigiado, o trabalho leve e irrelevante. Seria essa idéia
apenas pontuada no campo do abstrato no qual o real não contém consistência nem tão menos
substanciamento. Mas seria o real o flagrante das injustiças sociais as quais as mulheres estão
subjugadas aos salários baixos, a informalidade e a incerteza de uma qualidade de vida.
Talvez o bálsamo dessa tortura sócio-antropológica seria a realização enquanto seres maternos
e educadores o quais podem projetar em seus filhos a possibilidade do rompimento das
limitações impostas pela falta de estudo, pela condição social e espacial que estão inseridas,
seriam essas mulheres o contrapelo imposto pelo ideal de benignidade, docilidade e
moralidade. Muitas delas casadas por influências de uma educação moral e cívica na qual boa
moça, seria a boa esposa, mães de filhos bem criados, outras tantas amancebadas, amantes,
mulheres solteiras e mães de filhos sem pai, mas filhos de mães que exerciam sua dignidade
no labor cotidiano dos dias de Feira de Santana.
Mulheres que extrapolaram os limites dos lares e transgrediram com seus corpos
negros as ruas do comércio de Feira de Santana, expondo suas mercadorias na feira livre,
lavando roupas nos tanques e aguadas, no trato com as panelas nas casas da senhoras bem
nascidas e bem de vida, cuidadeira dos filhos dos outros e protetora dos seus em preces. Essas
mulheres viviam divididas entre a sobrevivência e a luta da existência e criação da sua proli.
Outras mulheres inseridas em espaços como o famoso Mercado do Fato, onde as mesmas
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No período abordado por este artigo a cidade de Feira de Santana mantinha como
projeto de cidade uma urbe organizada e higienizada, nessa época o curral de venda de bois e
artigos derivados do couro, estava localizado mais distante do centro da cidade, logo as
boiadas não passavam mais pelas ruas principais do centro, assim, os tumultos e algazarras
ocasionadas pela passagem dos vaqueiros e suas dezenas de cabeça de gado não mais eram
vistos como ameaça a organização do espaço civilizado. A feira livre se avolumava e era tida
como corpo, parte e essência do coração do centro comercial, não por ser aceita pelo que
pensavam e projetavam a cidade como capital do sertão, mas sim por ser tradicional, pois, foi
a feira que traçou os primeiros planos de ruas as quais vieram surgi o comércio central da
cidade.
O bairro de Rua Nova surgi de uma fazenda a qual sua proprietária a senhora
Enerstina Carneiro decide doar, e vendar a preços baratos, pequenos lotes de terra as pessoas
que chegavam até ela e confessavam seu desejo de ter um pedaço de terra para construir uma
casinha, ter um lugar seu. A situação comum naquela época era morar em pequenos casebres
os quais formavam as conhecidas avenidas de quartos, com banheiros coletivos – um modelo
reduzido dos hsitóricos cortiços. A fazenda pertencia geograficamente a toda área conhecida
como Calumbi30, bairro que Mayara Pláscidos em sua dissertação de mestrado intitulada
Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana (1890-1930). Declara ser um
lugar habitado por ex-escravos e seus descendentes, destacando que maior parte do
contingente pobre e negro da cidade, estava vivendo e sobrevivendo, criando estratégias para
garantir pelo menos a sub-existência, esses indivíduos estavam colocados nas funções de
menor remuneração no mercado de trabalho, eram eles os carregadores, carroceiros,
aguadeiros, e elas, as lavadeiras, fateiras, domésticas, costureiras e feirantes.
30
Faz referência a uma árvore comum na caatinga que possui muitos espinhos. O lugar leva esse nome porque
no decorrer da estrada nas cercas que fronteirava as propriedades, existiam inúmeras árvores deste tipo.
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Praça da Televisão – como era conhecida a praça onde se encontrava instalada uma
televisão coletiva no bairro de Rua Nova, com horário de funcionamento das 17h às
23hs. Foto: Antônio Magalhaes. In: História nas lentes: Feira de Santana pelo olhar do
fotógrafo Antônio Magalhães. Ed, UEFS, 2009
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homens e mulheres. Ter um emprego, uma ocupação significa antes de qualquer coisa se
perceber um ser munido de utilidade e dignidade, um pensamento influenciado pela bíblia a
qual afirma que o trabalho edifica o homem, assim, o indivíduo vive e sobrevive do suor do
seu trabalho, do exercício cotidiano do serviço. Se tratando das mulheres, no contexto das
décadas abordadas pelo artigo, trabalhar era uma busca pela autonomia, pelo bem viver, pela
garantia mínima de vida, a sobrevivência.
Feira de Santana vivia o fomento a modernidade citadina com implantação do Centro
Industrial Subaé (CIS)31, ocorrida na década de 1970 que também marcada um avanço
espacial da cidade e a redução da população rural o que consequentemente acrescia a
demografia feirense. Mas quem eram os sujeitos contemplados com os processos
modernizantes, qual o lugar daquelas que saiam dos roçados para tentar a vida na cidade
grande? No contexto social de Feira de Santana entre às décadas de 60 e 70, cabia as mulheres
negras, o mesmo papel de sempre, aquele que historicamente estava relegado a população
negra desde o pós-abolição, a subalternidade empregatícia.
Secas, restritas possibilidades de trabalho, forte concentração de
terras e sucessivo repartimento das pequenas propriedades entre
herdeiros numerosos jogaram no mercado de trabalho das grandes
cidades um número significativo de mulheres vindas das zonas
rurais, muitas vezes analfabetas[...]. SANCHES, 1998, p. 57
31
Ver: Freitas, Nacelice Barbosa. Modernização Industrial em Feira de Santana: uma análise a da implantação
do Centro Industrial do Subaé-CIS. In: Sitientibus, Feira de Santana, n. 41, p.139-160, jul./dez. 2009
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madrugada, o que sinaliza D. Tecla de Santana Araújo ao dizer que acordava bem cedo para
bucar água no tanque, água do gasto doméstico, para fazer o café, tomar o banho.
Eu acordava cinco horas da manhã e ia buscar água em um tanque lá
no Jardim Cruzeiro, vinha com aquela lata na cabeça, depois que
fazia as coisas, eu subia pro trabalho, lá no moinho de café.
32
Clementina da Silva Ferreira (in memorian), entrevista concedida em: 06 de abril de 2015.
33
Tanque de abastecimento de água, onde as lavadeiras, aguadeiros mantinham como ambiente de trabalho.
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protagonistas da sua própria história e ali entre idas e vindas da lavagem de ganho elas entre
elas se dignificavam e ganhavam a vida, enfrentando as sujeições impostas pela falta de
estudo, de colocações mais qualificadas no mercado de trabalho34. A saída da invisibilidade se
dava quando as mesmas conjuntamente criavam laços de sociabilidades e estrategicamente
elaboravam parâmetros para seu trabalho informal que era a lavagem de ganho, essas
mulheres optavam por não ter patrões, e assim, poder coordenar seu próprio tempo de
trabalho, realizando outros serviços que conjugadamente acrescentavam na sua renda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que fica explicitado nos dois pequenos trechos citados no texto é a versatilidade que
acompanhavam essas mulheres e suas responsabilidades enquanto trabalhadoras e donas de
casa, sair para trabalhar significa sair do silenciamento que as acompanhava enquanto
senhoras dos seus lares. Ter uma ocupação fora de casa seja ela formal ou informal permitia a
essas mulheres uma autonomia sobre suas vidas, o direito ao trabalho mesmo que mal
remunerado e muitas vezes exaustivo, as colocava no lugar do sujeito social que interagem,
interfere e condicionava suas relações sociais, mesmo que subalternizadas e vista de cima
para baixo. A relação de D. Tecla no moinho, como conferente e em alguns momentos
ensacadora, simbolicamente a dignificava como um ente do ambiente de trabalho que
contribuía para o bom serviço daquele moinho, assim, como D. Clementina que trabalhava no
armazém de fumo, o trato com as folhas, o cuidado aplicado à seleção das folhas de fumo e no
fim, resultado compensador do minucioso serviço, promovia nela também dignidade exercida
pelo poder da utilidade promovida pelo trabalho. O cansaço das lavadeiras e feirantes e
fateiras, elas, as quais estavam na informalidade, era subtraído pela sensação de autonomia,
pela operacionalização do tempo o qual poderia se realizar tantos outros serviços que
conjuntamente a renda da lavagem de ganho, a venda na feira e o tratamento das vísceras
bovinas e suínas, contribuíam para seu sustento. As estratégias eram as mais variadas, a
dignidade companheira próxima, pois, todas essas trabalhadoras negras elaboravam para si
formas de se conceberem enquanto indivíduos e agentes modificadores e transformadores da
34
Ver: SANTA BÁRBARA, Reginildes Rodrigues. O Caminho da Autonomia na Conquista da Dignidade:
Sociabilidades e Conflitos entre Lavadeira em Feira de Santana - Bahia (1929-1964). Dissertação –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
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sua própria realidade, mesmo guetizadas vivendo muitas vezes apenas entre o espaço do
trabalho, do bairro de moradia, criavam nesses momentos espaços de visibilidade dentro da
própria comunidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIN, Alain. A questão local. Tradução de Orlando dos Santos Reis. Rios de Janeiro:
DP&A, 2001, 240p.
MAGALHÃES, Antônio Ferreira et al. História nas lentes: Feira de Santana pelo olhar do
fotógrafo Antônio Magalhães- Feira de Santana: UEFS Editora, 2009.
SANCHES, Maria Aparecida Prazeres. Fogões, Pratos e Panelas: Poderes, práticas e
relações de trabalho doméstico. Salvador 1900-1950. (Dissertação Mestrado em História)
– UFBA, Salvador, 1998
SILVA, Mayara Pláscido. Experiências de trabalhadores/as pobres em Feira de Santana.
(1890-1930). (Dissertação Mestrado em História) – UEFS, Feira de Santana, 2012.
SINGER, Paul L. E MADEIRA, Felicia R. Estrutura do Emprego e Trabalho Feminino no
Brasil 1920 – 1970, Caderno CEBRAP 13, São Paulo: Brasiliense, 1975. Pp. 18/20
FONTE ORAL:
Clementina da Silva Ferreira (in memorian) – Entrevista concedida em: 06 de abril de 2015.
Tecla de Santana Araújo (costureira) – Entrevista concedida dia 22/09/2014
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INTRODUÇÃO
escrita. Hoje, finalmente, é uma área acadêmica consolidada. Depois do silêncio rompido a
que estavam confinadas, é que tem início um movimento de luta coletiva das mulheres em
todo mundo. Porém, devido ao acesso da escrita chegar tardiamente às suas vidas, poucos
vestígios diretos, escritos e materiais, sobre suas produções historiográficas. Os escritores,
observadores e cronistas da época, em sua grande maioria eram homens, a escrita era reduzida
ou ditada de estereótipos, diziam pouco sobre as mulheres reais.
O mesmo ocorre com as crônicas medievais e as vidas de santos: fala-se mais de
santos do que de santas. Além disso, os santos agem, evangelizam, viajam. As
mulheres preservam sua virgindade e rezam. Ou alcançam a glória do martírio, que é
uma honra suntuosa. (PERROT, 2013, P.18).
Já no século XX, as mulheres têm acesso à universidade, algumas se interessam pela
história das mulheres, mas ficam à margem do processo revolucionário sobre historiografia,
que estava acontecendo na França, com o movimento dos Annales. A escola dos Annales traz
um caráter inovador sobre a historiografia, rompendo com o exclusivismo político,
enfatizando a visão econômica e social como suas prioridades. Para os membros dos Annales,
a história das mulheres não era cogitada como diferença de sexos e também não se constituía
como uma categoria de análise. O movimento era composto apenas por pesquisadores
homens.
O nascimento da história das mulheres acontece primeiramente na Grã- Bretanha e nos
Estados Unidos da América nos anos de 1960 e na França surge nos anos de 1970. Foi nessa
década que aconteceu uma renovação na crise dos sistemas (Marxismo e Estruturalismo), a
história passa a se aliar com a antropologia e redescobrem a família e começam a pensar nas
medidas de todas as dimensões familiares. Essa trajetória nos leva ao funcionamento de um
novo processo de historiografia, pelo viés da família, novos personagens surgem na história: a
mulher, a criança, o jovem, as idades da vida e outros. A Nova História Cultural, também
conhecida como a terceira geração dos Annales, muda o clima intelectual das academias e a
maneira de escrever história.
Por fim, os rumos que as leituras realizadas tomaram nos levaram a analisar a trajetória
individual dessas mulheres que, através da imprensa, puderam militar e divulgar suas ideias
de forma a despertar em outras mulheres um sentimento de valorização de suas conquistas.
Essa primeira imprensa é muito original, não somente por seu conteúdo, mas
também por sua representação. Além do uso antipatriarcal do patronímico, abre uma
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“tribuna de leitoras”, que suscita muito interesse e manifesta a vontade de criar uma
rede. (PERROT, 2013, P.34).
Face ao exposto, pondo em comparação com a realidade paraibana da época à qual nos
reportamos, pode-se perceber que essa impressa reivindica o direito da mulher ao trabalho, a
autonomia na escrita, a formação de grupos e cooperativas e até um engajamento maior pelo
poder do sufrágio.
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educação das mesmas deveria ser voltada para o lar e seus aprimoramentos nos estudos eram
para a educação de seus filhos, para administrar bem sua casa, contribuindo com o bom
desempenho do homem como provedor da família. Foi justamente contra esse modelo de
educação que as mulheres se uniram em busca de uma nova posição social, assim, procuraram
seguir as carreiras do magistério e inserir-se em outras áreas do mercado de trabalho.
A sociedade da época foi marcada pela transição do antiquado para o moderno, pois
trouxe uma nova discussão baseada na igualdade e na liberdade. Os artigos publicados nas
revistas se referiam à beleza, moda e ao comportamento feminino, isto é, uma linha de
pensamento ligada à educação, pois os jornais como veículos de informação, possuíam um
amplo conceito e englobavam, principalmente, o processo de ensinar e aprender. Com o
passar dos anos, as revistas e jornais comandados por mulheres começaram a apresentar uma
nova dimensão de conhecimento com uma base de transformação da sociedade, pois até então
a mulher era vista como um objeto.
Por termos contato com várias fontes dessa mesma época, podemos afirmar que
muitas dessas mulheres envolvidas com a impressa também eram professoras. E
contemplavam a educação como sendo um passo para o desenvolvimento econômico e
industrial do país, de modo que a formação seria necessária à população para que esta pudesse
adquirir melhores condições de vida.
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na região.
Consideramos, a partir da fonte documental, que os médicos higienistas consideravam
a escola como um espaço para transformação dos males existentes, e, por esse motivo atuaram
fortemente na área educacional, produzindo e fazendo circular discursos sobre o equilíbrio
dos indivíduos em vários aspectos, tendo como objetivo sanar as dificuldades geradas no
campo pedagógico, começando pela instrução infantil e, em seguida, na formação da mulher.
Era preciso que a higiene se fizesse presente em todos estes espaços da escola (dimensões da
sala de aula, construção do prédio, entrada do ar e mobílias).
Nas minuciosas prescrições e detalhes das matérias presentes no jornal, notamos a
vontade de um controle absoluto; ou seja, o higienismo como um meio para o
esquadrinhamento da mulher, corpos dóceis a serem governados, com o intuito de prevenir os
desvios morais, físicos e intelectuais, dando relevância à elaboração de critérios para sanear a
sociedade das problemáticas existentes, sendo este fator fundamental para transformar o país
numa nação civilizada, moderna. Assim, a Paraíba passou a afirmar o discurso médico como
um caminho de prevenção para os males existentes na região. Através desse discurso e de sua
concepção sanitária, a educação escolar e as mulheres passaram a ser um objeto de ação
higienizadora e moralizadora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O diagnóstico desse estudo apresenta que foi exatamente pelo processo de educação
que algumas mulheres ingressaram na sociedade, as mesmas passaram a ter uma importância
social, política e cultural. A participação da mulher nos meios de comunicação teve
fundamental importância para as mudanças de pensamento da sociedade paraibana, por isso
negar a participação da mulher nos acontecimentos históricos da sociedade é um desserviço à
produção histórica. Com base nos resultados e nas discussões que realizamos sobre as
matérias que foram escritas no Jornal O Educador – Orgam do Professorado Primario entre
os anos de 1921 e 1922, explicitamos as representações divulgadas no periódico, como
também, percebemos que o discurso higienista, instrução feminina e o cuidado social sempre
estiveram expostos no jornal como ideais, procedimentos e hábitos que deveriam ser seguidos
e que mudaram a rotina dos habitantes da Parahyba do Norte.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PERROT, M. Minha história das mulheres. 2ª. Ed. São Paulo: Contexto, 2013.
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ROCHA, Heloísa Helena Pimenta. A higienização dos costumes. Campinas, SP: Mercado
das Letras, 2003.
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35 NUNES, C. “(Dês)Encantos da modernidade pedagógica”. In: Lopes, E. M. T., Faria Filho, L. M & Veiga, C. G (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte,
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39 VIDAL, Diana Gonçalves. Cultura e prática escolares: Uma reflexão sobre documento e arquivos escolares. In: SOUZA, Rosa Fátima de e VALDEMARIN, Vera Teresa (orgs). A
cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicas e desafios à pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. Apoio Unesp/FCLAr – (Coleção educadores
contemporâneos).
40 BURKE, Peter. História e teoria social. Trad. de Klauss Brandini Gerhardt, Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p.63.
41 POERNER, A. J. O poder jovem. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1979.
42 AGUIAR, R.C.L.; GRÁCIO J.C. Grêmio Estudantil: construindo novas relações na escola. In:
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53 a 95). Os “novos donos do poder”, passaram a governar a Nação com base na dominação
da política de seu estado, exercendo uma prática política personalista e patrimonialista
(FAORO, 2001). Segundo Linda Lewin (1993, p.73), o Estado da Parahyba do Norte passou
por três oligarquias: o “venancismo”, comandado por Venâncio Neiva. (juntamente com
Epitácio Pessoa), primeiro governador republicano do estado, no período de 16 de novembro
de 1889 a 27 de novembro de 1891. Com a dissolução da primeira junta governativa estadual
(Neiva – Pessoa), em seu lugar é endossada uma nova, cujo grupo político, daria origem a
oligarquia “Machado – Leal” ou simplesmente “alvarista”, na figura de seu líder maior,
Álvaro Machado. Por fim, a terceira oligarquia, foi o epitacismo (antigos venancistas e
epitacista), na figura do ex-presidente da República Epitácio Pessoa, quando assumiu o
controle do Partido Republicano Conservador – PRC, em 1912, comandando assim os rumos
da política até 1930.
Do ponto de vista da Historia da educação, segundo Romanelli (2010, p.42), a
Constituição da República de 1891, que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou
também a descentralização do ensino, ou melhor, a dualidade de sistema48, cabendo a União o
direito de “criar instituições de ensino superior secundário nos Estado” e “prover a instrução
secundaria no Distrito Federal”, o que, consequentemente, delegava aos estados competência
para prover e legislar sobre a educação primária. Na prática, cabia à União criar e controlar a
instrução superior em toda a Nação, bem como criar e controlar o ensino secundário
acadêmico e a instrução em todos os níveis do Distrito Federal, e aos estados cabia criar e
controlar o ensino primário e o ensino profissional, que, na época, compreendiam
principalmente escolas normais (de nível médio) para moças e escolas técnicas para rapazes.
Ainda segundo essa autora, neste período, o ensino secundário no Brasil ainda
guardava muitas heranças do período Imperial, entre elas, o caráter elitista e a formação
essencialmente propedêutica. No âmbito do ensino secundário, cabia ao Governo Federal criar
e legislar sobre o ensino secundário por ele mantido. Essa legislação atingia diretamente os
estabelecimentos mantidos, pelos estados e pela iniciativa particular, por duas razões mais
desenvolvimento de uma oligarquia. Em geral, a presença das práticas oligárquicas impede que amplas parcelas da população participem do debate político. Dessa forma, podemos ver que
a oligarquia diverge do atual sentido dedicado à democracia. Na História do Brasil, o termo oligarquia é costumeiramente empregado para se fazer menção às primeiras décadas do seu
regime republicano. Em tal período, compreendido entre 1894 e 1930, os grandes proprietários de terra utilizavam de sua influência política e econômica para determinar os destinos da
nação. Apesar da presença de um sistema representativo, a troca de favores, a corrupção do processo eleitoral e outros métodos coercitivos impediam a ascensão de outros grupos políticos.
48 Art. 35, itens 3 e 4 da Constituição da República de 1891.
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49 FERRONATO, Cristiano de Jesus. Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações do ensino secundário na Província da Parahyba do Norte/ Cristiano de Jesus
Ferronato. - João Pessoa: [s.n.], 2012.
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Lyceu (1836 – 1873).50 Por essa razão, pouco influiu o corpo discente, “com seus líderes e
suas associações, sua consciência estudantil e sua expressão literária”, na política escolar ou
repercutiu como política cívica.51. O autor elenca dois fatores principais para a pouca
atividade cívica e cultural dos discentes do Lyceu. O “autoritarismo pedagógico” pautado no
ensino tradicional, onde a distância entre “mestres e pupilos” não favorecia a associação dos
discentes em centros autônomos. Além disso, havia o relativo isolamento institucional do
Lyceu, haja vista a inexistência de outras escolas na Província naquele período. Essa situação
somente mudaria a partir dos anos de 1870, quando a geração dos “bacharéis políticos”
passou a libertar-se das influências dos “Padres Mestres” (eruditos, sisudos, os donos do
saber) na direção do Lyceu, influenciando, assim, a formação de centros autônomos, sob
estímulos e diretrizes de matriz institucionalizadora, como, por exemplo, a campanha pela
Guerra do Paraguai, o abolicionismo e o republicanismo.52
Por conta disso, a relação entre professores\diretores e alunos adquiriu outros
significados. Segundo Menezes, a geração dos “bacharéis políticos” foi responsável por uma
melhor aceitação dos alunos, principalmente, entre aqueles que assumiam por idade do que os
outros eleitos pela congregação e\ou nomeados dentro de critérios políticos. Um exemplo
disso foi dado pela “liderança diplomática” de Lindolfho Correia Neves, então diretor do
Lyceu, em 1923, no “infausto” mês de setembro da “tragédia” de Sady Castor. Segundo
Nóbrega, Autor do livro História Republicana da Paraíba (1950). “sem o seu prestigio junto
aos estudantes e aos professores jovens, tudo teria se agravado, com possíveis chacinas
estudantis”.53
Durante quase meio século, inúmeros grêmios se sucederam, muitos com curtíssima
duração. Infelizmente, não é ainda possível saber quantas agremiações existiram ou quais suas
orientações cívicas e\ou literárias. Sabe-se, apenas, que os primeiros grupos estudantis só
foram reconhecidos institucionalmente em 1889. Nesse ano, os alunos do Lyceu fundaram o
Grêmio Benjamin Constant, em homenagem ao “Fundador da República Brasileira”, na
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61
Literário) , estes últimos fundados com os esforços de João da Mata. (LIMA, 1951, p. 22).
Na verdade havia uma efervescência de clubes literários, jornais, agremiações e organizações
femininas e religiosas. Para Rafael Menezes, entre as inúmeras as associações criadas nas
décadas de 1880 a 1930, “Grêmio Benjamin Constant” e o “Grêmio Escholastico
Parahybano” foram os mais “duradouros” e “operosos”. O primeiro deles, de ex-alunos, como
Irineu Pinto62, conduzindo-o para a defesa do patrimônio histórico, enquanto os discípulos de
Eugenio Toscano de Brito63 preferiam a apologia republicana. Este último teve maior
atividade, favorecido pela “esplendorosa” fase lyceana, no período do governo de Castro
Pinto. Era uma associação estudantil, como sólido apoio da administração do Dr. Thomas de
Aquino Mindello, diretor daquele estabelecimento de onde saíram alguns nomes importantes,
em especial, os Drs. Miguel Santa Cruz, João da Mata, João Dantas. Estes senhores eram
representantes de uma elite em ascendência, portadores de uma visão liberal de sociedade e
que almejavam ascender na carreira política. Naquele ano de 1923, João da Mata e João
Dantas haviam fundado o Jornal e articulavam a fundação de um partido de oposição ao
situacionismo, para concorrer a sucessão de Solon de Lucena, de que falarei em seguida.
Quatro anos depois, em 1928, fundariam o Partido Democrático que teve vida curta devido a
revolução de 1930.
A geração seguinte da década de 1920 daria origem ao Grêmio Cívico literário 24 de
Março, como representantes de uma cultural “cívica literária”, fortemente marcado por
atuação política de cunho liberal. Segundo Mello (2000, p. 170), a agitação cultural dos anos
vinte expressava ascensão de classe média que não viria a destruir o patriarcalismo oligarca.
61 Fundado por João da Mata Correia Lima, Eusébio Coelho, Roberto Lira, José Antonio de Carvalho Melo, Alfredo Coêlho e Vasco Tolêdo. Fonte: Idem, 1946, p.97.
62 Irineu Ferreira Pinto nasceu na cidade da Parahyba do Norte, hoje João Pessoa, em 7 de abril de 1881 e faleceu em 27 de março de 191870. É considerado um dos mais influentes
historiadores da Paraíba no século. Aos dezenove anos de idade, tornou-se funcionário público da Secretaria do Estado (1900) e, em seguida, dos Correios da República (1903). Foi sócio
fundador do IHGP e também seu primeiro bibliotecário (1905); depois acumulou os cargos de bibliotecário e secretário (1910-1912) e, finalmente, apenas secretário (1912-1918). Durante o
governo do presidente Camilo de Hollanda (1916-1920), que era seu amigo e admirador, já no período de hegemonia do “epitacismo” foi, por um breve período, diretor do Arquivo Público
do Estado. Irineu Pinto foi também, na sua juventude, um dos fundadores do Clube Benjamin Constant que promovia grandes manifestações públicas de caráter cívico a favor da República
e mantinha, como porta-vozes, o jornal O Combate, bem como uma revista, a Revista Benjamin Constant, que tinham o objetivo de divulgar as ideias positivistas. XX, em especial devido
à sua maior obra, a Datas e Notas para a História da Paraíba, publicada, pela primeira vez, entre 1908 (volume 1) e 1916 (volume 2). Fonte: Meneses, Hérick Dayann Morais de. As
Contribuições de Maximiano Machado e Irineu Pinto para a construção da cultura histórica sobre o período holandês na Paraíba (1634-1654) / Hérick Dayann Morais de Meneses. – João
Pessoa, 2009.
63 Nasceu na capital da Província da Parahyba do Norte, em 10 de outubro de 1850 e faleceu no dia 31 de janeiro de 1903; filho do Comendador Felizardo Toscano de Brito e D. Eugênia
Accioli Toscano de Brito. Casado com D. Josefina Roy Toscano de Brito. Fez o curso primário e os preparatórios na Parahyba, capital do Estado, depois foi para o Rio de Janeiro, onde se
diplomou em Medicina, no ano de 1879. De volta a sua cidade, dedicou-se à medicina, ao magistério e ao jornalismo. Foi nomeado Inspetor da Saúde Pública e do Porto; exerceu as
funções de Vacinador Provincial, Diretor do Serviço Médico da Santa Casa de Misericórdia, Cirurgião-Mor da Província; Médico Legista da Polícia da Estrada de Ferro Conde D'Eu. Era
sócio correspondente da Sociedade de Medicina Cirúrgica do Rio de Janeiro; Professor de Trigonometria, Pedagogia, Ciências Físicas e Naturais, Geografia, Álgebra, Biologia e História
Natural. Foi, também, Diretor da Instrução Pública, Diretor da Escola Normal depois, Externato Normal e do Lyceu Provincial. Fundador de A Gazeta da Paraíba.
Fonte: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario9/biografias.html.
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Antes se comporia com ele. Em outras palavras, a pequena burguesia de vivências urbanas
não era revolucionária, mas reformista e quando muito, radical.
64
O Grêmio 24 de Março, pivô dos desdobramentos do caso Sady e Ágaba, como
ficou conhecido o assassinato do estudante do Lyceu Parahybano, Sady Castor, no dia 22 de
setembro de 1923, na cidade de Parahyba, capital do Estado da Parahyba do Norte,65 é um
exemplo emblemático, pois expressa essa relação entre política escolar e política partidária,
ideológica. Por trás da repercussão da morte de Sady Castor e dos desdobramentos por ela
originados, estava a atuação dos componentes de uma “agremiação cívica literária”,
organizada política e “ideologicamente” e, assessorada por diversos “elementos” políticos
oposicionistas ao governo de Sólon de Lucena, mais especificamente, alguns representantes
de uma elite urbana, portadores de uma visão liberal de sociedade e que almejavam acender
na carreira política e profissional, como, por exemplo, o bacharel Miguel Santa Cruz, João da
Mata Correia Lima e o ilustre João Duarte Dantas, este último atuando através das páginas de
O jornal. Todos estes ex-alunos do Lyceu, na sua época de estudantes, entre 1908 e 1916,
eram atuantes no “movimento estudantil”.
Fundado em 02 de março de 1921, o Grêmio Cívico Literário 24 de Março relativa
duração, existindo sete anos, isto é, até o inicio de 1930. A escolha do nome foi dada em
homenagem a data de fundação do Lyceu Parahybano, instituído pela lei N 11, de 24 de
março de 1836. Fundação ocorreu no salão de honra do Lyceu Parahybano. Para aquela
ocasião, foi convidado pela diretoria “o ilustre homem de letras patrício Dr. Carlos Dias
Fernandes”, então Diretor d’ A União, cuja conferência intitulada “A cultura clássica”, teceu
uma “bela apreciação da língua latina e grega”, constituindo, segundo a Revista Era Nova, um
dos maiores acontecimentos literários dos “últimos tempos”66.O Grêmio Cívico Literário 24
de Março foi a última agremiação estudantil antes da Revolução Tenentista de 1930, com
forte atuação no âmbito político institucional.
Assim, e para concluir, apesar de tudo, não é possível saber os impactos dessas
64 Fonte: Revista Era Nova, abril de 1921/Revista Era Nova, Maio de 192.\. Fonte: Revista Era Nova, abril de 1921.
65 O crime abalou sensivelmente o cenário político Parahybano, principalmente, quando os estudantes do Lyceu, liderados pelo Grêmio Cívico e Literário 24 de março, apoiados por
elementos oposicionistas ao governo do Estado, passaram a explorar politicamente a tragédia. O incidente, muito bem documentado pela imprensa da época, acabou tendo amplas
repercussões no âmbito político e estudantil, justamente num dos momentos mais delicados da política paraibana, marcada pelo agravamento das tensões políticas faccionais, em meio às
divisões intraelites e aos rearranjos das forças políticas locais e nacionais de 1922.
66 Fonte: revista Era Nova, abril de 1921.
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agremiações na “cultura escolar” das instituições, mas apenas deduzir que, dentro das
associações de estudantes, havia interesses diversos e em constantes conflitos pelo poder, ao
ponto de serem espaço disputado pelas lideranças políticas, como atestam a influencia de
professores, políticos e intelectuais, na organização e atuação das mesmas. No caso do grêmio
24 de março, figuras como os professores e baixareis, Miguel Santa Cruz e João da Mata,
haja vista a tendência dessas associações serem orientadas por ex-alunos e (ex) professores da
respectiva Instituição.
O primeiro deles, o professor Miguel Santa Cruz era, professores do Lyceu Parahyba,
lecionava de História do Brasil. Junto com João Mata, foi testemunha dos protestos e das
manifestações dos estudantes. Estiveram presentes às missas e romarias em prol da alma do
casal. Miguel Santa Cruz, como professor do Lyceu, esteve sempre ao lado dos estudantes, os
orientado nos momentos difíceis, coordenando reuniões do Grêmio 24 de Março, nas
solenidades, palestras e conferências promovidas pelos gremistas. Muito embora o professor
Miguel Santa Cruz nunca tenha assumido cargo político, foi um árduo defensor das causas
estudantis, juntamente com seu colega João da Mata Correia Lima, considerado o “general da
mocidade”. A atuação desde ultimo junto a “classe- estudantina” foi tão marcante, que o
Grêmio seguinte, pós-Revolução Tenentista, faria homenagem justamente ao professor líder
dos estudantes dos anos de 1920, o Dr. João da Mata67.
Já João da Mata era filho do Dr. Lindolfo Correia Lima, este ex-deputado estadual,
secretário do governo e emérito professor do Lyceu. A época do crime, o Dr. Lindolfo era
então diretor do Lyceu Parahybano. Notável advogado, brilhante orador, ex-aluno do Lyceu
(turma de 1908), João da Mata mostrou logo cedo suas aptidões intelectuais. Ingressou no
Lyceu em 1912, concluindo o curso em 1915. Líder estudantil a sua época, era considerando
um aluno excelente. Em 1912, fundou o Grêmio Maciel Pinheiro, onde colaborava para a
revista Lyceum. Em 1915, é aprovado no exame de admissão para a Faculdade de Direito do
Recife, baicharelando-se em 18 de dezembro de 1919. Segundo Lima, João da Mata atuou em
diversos jornais, onde deixou “traços marcantes de sua pena”. Como em “(...) A Noite, onde
publicou diversos sonetos sob pseudônimo de “C. L” (1915); Renascença (1916); Correio da
Manhã, a partir de 1917, com pequenas interrupções; o Norte; o Comercio da Parahyba; Era
67 Fonte: A União, Sábado, 22 de outubro de 1932.
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Nova; O Jornal; O Diário do Povo (1929) e a Gazeta Humorística”. Foi no Jornal Correio da
Manhã porém, onde exercitou sua vocação de jornalista e onde construiu os alicerces de sua
carreira política (LIMA, 1951, p. 22).
Ao longo de sua formação, atou como jornalista, orador, literato, poeta, professor e
advogado, esta última considerada sua maior vocação. No inicio da década de 1920, de volta a
Parahyba, trabalhou defendendo causas polêmicas, juntamente com seu amigo e sócio, o Dr.
João Duarte Dantas. Segundo Melo “(....) apesar do absoluto contraste de temperamento, era
considerado verdade amigo de João Dantas”. Ambos militaram na imprensa, no fórum e na
política parahybana, durante toda década de 1920 do século passado (MELO 2002, p.55 e 56).
Assim, os dois bacharéis representaram o Grêmio 24 de Março, perante o Supremo
Tribunal de Justiça no processo do habeas corpus, impetrado dois dias após a morte de Sady
Castor. A ação foi vencida, mas a custa do fechamento, por tempo indeterminado, do Lyceu e
da Escola Normal. Os dois também atuaram como advogados, durante os vários julgamentos
do guarda 33, contratados pela família Castor e Nóbrega para auxiliar a acusação. Ou seja, de
modo geral, foram principalmente essas duas figuras que melhor orientaram os estudantes até
o ano de 1929.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Universitária\UFPB, 1982.
BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis,
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M & Veiga, C. G (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, 2000. Pp. 371 –
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GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário” IN Mitos, emblemas, sinais:
Morfologia e História. 3ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
MONARCHA, Carlos. Estudos Históricos em Educação: entre antigos e modernos. In:
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Este estudo teve como objetivo geral conhecer como era o trabalho da única
mulher na Polícia Militar de Fortaleza, integrante do COTAM. Osobjetivos específicos
foram:: fazer uma reflexão sobre gênero e a inserção da mulher no mercado de trabalho e
trazer alguns aspectos sobre a polícia feminina.
A condição da mulher no processo histórico de forma abrangente, foi retratada
de várias formas com características peculiares, que estigmatizava um ideal de mulher para
desempenhar seu papel de acordo com a vontade masculina e aprovação da sociedade. Com
efeito, a mulher era vista como submissa, eficiente nos afazeres domésticos e cuidado da
família, trabalho que não precisava de ter salário, por ser uma obrigação da dona de casa;
satisfação de desejo sexual, condição de subalterna ao homem, devendo obediência primeiro,
ao pai, depois, ao marido, sem direitos e sem privilégios sobre os espaços públicos,
principalmente bares, restaurantes, participação política; era ausente no mercado de trabalho,
sem direito a educação institucional, sendo dela esperadas qualidades de sensível e dócil.
Então, com essas qualidades, ela servia para se casar, adquirir reconhecimento
pelo sobrenome do marido e este casamento deveria ser eterno. Assim, as mulheres eram
definidas e não definidoras de sua própria história. Corroboram essa discussão, os autores
Calazans (2003), Pinto (2008), Nash (2005) e Rago (2004) e também a fala da entrevistada,
quando abordou a parte mais difícil para ela no relacionamento com seus colegas de trabalho,
referindo-se ao tratamento que ela recebia na Corporação:
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SM – Foi a parte mais difícil que achei. O preconceito com as mulheres de que não
sabe trabalhar, é escorona, protegida de alguém. Eu tinha que mostrar que não era
nenhuma dessas a minha intenção ao ingressar na corporação. Isso só foi possível
com a aprovação nos cursos e mostrando meu trabalho com seriedade e
pretendendo sempre manter minhas conquistas.
68
Fonte: Disponível em <http://www.pm.ce.gov.br/index.php/sala-de-imprensa/noticias/43647-20-anos-de-
policia-militar-feminina-no-ceara>. Acesso em setembro de 2015.
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Esta é uma pesquisa qualitativa, descritiva e com estudo de caso. Teve como
base o referencial teórico abordado no decorrer do texto e mencionado nas referências, tais
como: Bahia & Ferraz (1999), Scott (1991), Bonneti e Souza (org.) (2011), Calazans (2003),
Capelle & Melo (2010) e Tribuna do Ceará (2013).
A pesquisa qualitativa permite que o pesquisador perceba os sentimentos, as
entrelinhas sobre o assunto discorrido, por estar em contato direto com o entrevistado,
olhando nos seus olhos e observando, não só a fala, mas também todo o cenário e
comportamento de quem se expressa. Considera a concepção de mundo do pesquisador, sua
subjetividade, e busca compreender fenômenos vivenciados pelos sujeitos, considerando
assim sua interpretação sobre o objeto estudado. (POLAK, DINIZ e PEQUENO, 2014).
A pesquisa descritiva, consoante Gil (2002), é um dos tipos quando ela é
classificada pesquisa quanto aos objetivos, que visam a especificar as características
relevantes dos fenômenos em questão. O estudo de caso possibilita o uso de várias fontes,
observações, documentos e entrevistas (YIN, 2001), considerando-se o fato de se haver aqui
entrevistado somente uma pessoa.
Em relação à estrevista semiestruturada, dentre os aspectos positivos, se destacam:
a utilização de questões abertas e fechadas, pois permite que o entrevistador norteie a
entrevista, tendo como foco os objetivos a serem logrados, a elasticidade da duração do
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Usar o fardamento completo é uma das exigências que deve ser cumprida. Essa
norma foi descrita na Lei nº 13.407, de 21.11.03 (PUBLICADA NO DOE N° 231, DE 02
70
A autora 1.
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Como você fez para conseguir trabalhar nesse ambiente, já que havia essa
situação? Como trabalhar em um serviço que exige muito fisica e psicologicamente, sem a
aceitação dos colegas de equipe? Foi um trabalho de conquistas e paciência como apresentado
a seguir:
SM – Na polícia temos ascensão pela formação de cursos específicos. Fui aprovada
em concurso em 2007 na polícia militar e fui para o ronda, em 2012 para o
Batalhão do Choque, fui para o CDC na época a 1ª companhia. Em 2014 fui para o
COTAM. Para ingressar em cada uma das 5 companhias precisa ser aprovação em
cursos. Depois de aprovação fui para o CDC mediante aprovação em curso, depois
fiz o curso de patrulhamento urbano que é do COTAM, e o curso do COTAR que
dura 45 dias (em 2013) falar da matéria do jornal. Falta somente o do GATE. Em
relação ao grau de dificuldade esse é o 1º e o do COTAR o 2º.71
O seu reconhecimento teve como suporte as aprovações nos cursos, nos quais
competia com homens, acumulando currículo e experiências. Essas conquistas deram respaldo
junto a sua equipe, uma vez que muitos homens foram reprovados ao longo dos cursos. Como
exemplo no curso do COTAR72, realizado em 2013, como a entrevistada assinalou, seu
primeiro grande desafio foi logo na inscrição:
71 Para complemento listam-se as informações sobre as siglas mencionadas: Controle de Distúrbios Civis (CDC), Comando
SM- Todos ou quase todos achavam que eu seria a primeira pessoa a desistir. O
meu primeiro desafio foi fazer a inscrição, eles não queriam mulher para fazer o
curso, devido a rigidez e ao preconceito. Na época precisei falar com o comandante
para garantir minha inscrição e fui perguntar qual era o motivo que não estavam
aceitando minha inscrição. Então ele falou: - você não é do batalhão, então você
vai se inscrever sim. Então me inscrevi e passei na primeira prova que foi o teste
físico com média 10 e mesmo assim quando saiu a relação dos policiais aprovados
meu nome não estava na lista.
Não aceitando essa condição, ela foi em busca de seus direitos junto aos superiores:
SM – Lá vai eu falar de novo e dizer que havia passado e meu nome não estava na
lista. Então ele entrou em contato com o responsável pela companhia do Cotar para
saber explicações. Depois de algumas explicações colocaram meu nome na lista dos
aprovados. Esse resultado da primeira prova já foi surtindo efeito, pois alguns
tiraram a média 10, mas muitos ficara abaixo. Lá somos conhecidos pelo
sobrenome que é o nome de guerra. E com isso fui ganhando respeito entre os
colegas porque eu fui ficando no curso e vários colegas foram desistindo. E os
colegas que antes falavam foram se admirando e dizendo que eu estava resistindo.
As aprovações davam suporte para que ela conseguisse ser respeitada e vista
como uma profissional como os demais. Na sequência, estão relatos de como aconteceu o
curso do COTAR e as atividades vivenciadas ao longo dos 45 dias de duração:
SM – O curso do Cotar começou com 55, no caso 44 homens e só eu de mulher,
finalizamos com 30. Era um curso de muita resistência e o curso não reprovava por
notas e as pessoas iam desistindo por si só. Era muito puxado. Estivemos nos
municípios de Crateús, Nova Russas e Canindé. Equipe de 6 pessoas, matava
cobra, carneiro cozido com sal e água e os instrutores botava mais sal ainda para
dá mais sede. Cantil com 2 l de água. Tinha aranha, inseto. Pior momento - matar
o carneiro e viver sem água. 5 dias sem tomar banho e sem escovar os dentes.
Sobre esse depoimento a entrevistadora perguntou por que era ela que tinha de
matar o carneiro. Ela respondeu que os seus colegas designaram essa missão, e ela pensa
que foi como prova, se ela teria coragem ou não pela sua condição de mulher. Ela disse
que, na hora, teve realmente muita pena do animal, por ser grande e por gritar muito na
hora da morte. Foi, porém, obrigada a fazer este serviço. Pode-se fazer uma reflexão,
hipotetizando que seus colegas apostavam que ela não iria conseguir, tendo como certeza
a questão do sentimento e da força física, qualidades atribuídas ao sexo masculino.
Corrobora para se pensar a questão a ideia de gênero, abordada por Meyer (2001, p. 32)
citada por Calazans (2003, p.22):
Igualdade gênero reforçaa necessidade de se pensar em que hámuitas formas de se
pensar em que há muitas formas de sermos mulheres e homens, ao longo tempo ou
no mesmo tempo histórico, nos diferentes grupos ou segmentos sociais. Não se
referindo mais ao estudo da mulher, é um conceito que procura enfatizar aconstrução
relacional e a organização social dasdiferenças, entre os sexos, desestabilizando
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equipamentos adquados e até mesmo apoio de uma formação psicológica e técnica, mas que
não é uma situação estanque havendo mudanças em busca de melhorias para a categoria.
A entrevistada finaliza a sua fala, acrescentando sua pretensão em realizar o
último curso que lhe falta para fazer parte do Grupo de Ações Taticas Especiais (GATE) que
somente sai às ruas quando é para uma missão ostensiva de sequestro ou roubo grande a
banco, mais uma vez, ela será também a primeira mulher a fazer parte dessa corporação,
mudando o seu grau de qualificação, prestígio, respaldo e reconhecimento
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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Na verdade, foi localizada posteriormente, uma planta de um loteamento ali previsto, embargado
provavelmente por invadir a Lagoa. Os terrenos que foram surgindo com o aterramento da ciclovia eram
identificados então com pedaços daqueles lotes.
74
Visando preservar a identidade dos atores mencionados, em virtude de possíveis constrangimentos, até mesmo
já sugeridas por outros moradores do entorno, optou-se neste contexto pela utilização de nomes fictícios.
75
É a própria Vó Dalva que faz questão de não precisar a quantidade de casas que possuía, se questionada sobre
o porquê de continuar pobre mesmo tendo sido “proprietária” de tantos “imóveis” na favela. Limita-se a dizer
que “muitos ali dentro pegaram suas casas para morar e deixaram de pagar o aluguel”.
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mulher forte guerreira – ou outro – “velhinha” frágil, varia conforme o jogo e a interação , a
natureza e a dinâmica do campo. A opção por um ou por outro não necessariamente ocorre de
forma deliberada e nem mesmo excludente, mas responde a uma percepção irreflexiva das
representações sociais da mulher e do idoso.
Para entender melhor o acionamento de papéis por parte dos sujeitos, nas dinâmicas
de interação do “campo de possibilidades” (VELHO,1994), auxilia-nos a noção de espaço
social de Bourdieu. Para este autor, o espaço social se caracteriza como um campo de forças e
um campo de lutas, e os resultados das lutas vão depender das posições ocupadas pelos
sujeitos no campo de forças. Tais posições não são fixas, vão variar de acordo com a luta em
questão, e a constituição dos grupos de forças vai se dar de maneira artificialmente
construída, especificamente para aquela situação. Bourdieu (1989) enfatiza, e muito
apropriadamente, que a constituição de um grupo social não é um processo “natural”, é
resultado de um trabalho de acionamento de identidades, e destaca as variáveis que podem
atuar na maior ou menor eficácia dessas construções.
No momento de constituição da ocupação irregular da orla da Lagoa de Piratininga,
D. Dalva Carvalho Miranda era uma mãe de 17 filhos que precisava prover moradias para sua
prole. Através dessa identidade era possível “sensibilizar” as “autoridades” locais para ir
conseguindo mais um “terreno” e mais um pouco de aterro, mais um pouco de tijolo, mais um
pouco de areia... Nesse jogo, D. Dalva conta com seu próprio grupo: seus 17 filhos, eventuais
noras, genros e netos. Para esse “interesse” – o de ocupar terrenos e construir moradias – a
família constitui o “grupo unido”. Mas no decorrer da vida cotidiana num espaço de muita
precariedade, outros interesses se impõem, e é preciso se movimentar em busca de outras
alianças, num fazer e refazer de identidades. Assim surge o personagem da Vó Dalva,
responsável pela imposição de respeito diante da crescente violência imposta nesses contextos
pelas organizações responsáveis pelo comércio ilegal de entorpecentes. Não mais uma mãe,
mas agora uma avó – personagem que conjuga mais um elemento da identidade feminina –
traça suas estratégias, aciona suas táticas, procurando através dessa construção identitária,
visualizada como oportuna para esse objetivo, acumular “capital político” (BOURDIEU,
1989:28) conquistar “poder simbólico” (id.). O personagem da avó, neste contexto específico,
adquire maior poder simbólico ainda por sua ascendência sobre os demais elementos
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femininos de identidade: se entre suas filhas e noras muitas podem também acionar o papel de
mulher e mãe, até uma certa data, apenas D. Dalva pode ocupar a posição de avó – o que
garante, de certo ponto, vantagem na liderança do grupo familiar, vantagem essa que se
“espalha” para outros momentos em que há necessidade do acionamento da posição de líder.
Mas como enfatiza Bourdieu, o campo (de possibilidades, na terminologia de Velho)
é um campo de lutas, e a constituição das alianças se dá a partir das necessidades específicas
de cada luta, e nem o acionamento da identidade familiar garante homogeneidade permanente
à constituição dos grupos de força. Assim é que, diante da precariedade material da vida
cotidiana da família Miranda, uma filha pode se descolar de sua própria mãe, se aliando ao
pai de seus filhos – acionando portanto seus papéis de mãe e esposa em detrimento de seu
papel de filha – e deixar de pagar o aluguel devido a D. Dalva, a despeito das eventuais
consequências para a situação financeira de sua própria mãe. É o que se apresenta como
possibilidade, nesse caso específico, para o “fazer e refazer da identidade” feminina, num
espaço social marcado por fortes assimetrias de distribuição de poder simbólico entre homens
e mulheres.
Em seu trabalho Mulheres e militantes, Mirian Goldenbererg (2005), declaradamente
influenciada pelo pensamento de Bourdieu, demonstra com clareza como mulheres
socialmente identificadas como fortes, são ocupantes de posições “secundárias” no campo de
forças e lutas em questão, e para superá-las são levadas a atuar dentro de padrões associados à
masculinidade. Assim é possível compreender como, no momento em que se vê na situação
de escolher entre pagar o aluguel à sua mãe ou resguardar esse dinheiro para sua própria
família – nesse contexto específico, endurecida pelas precariedades materiais, distanciada de
sua mãe pela dominância do pai de seus filhos – a filha de D. Dalva recorre à segunda opção.
A dominação masculina (BOURDIEU,1999), se inscreve no campo, dando contornos
definidos às possibilidades das trajetórias femininas. O fato da filha comprometer os
rendimentos financeiros da própria mãe, em virtude da adesão a uma decisão oriunda de seu
marido, não será mal visto pelos demais membros da família pois não contraria nenhum
preceito da moralidade androcêntrica – é normal, aliás até mesmo desejável, e não só pelos
homens, mas pela própria mulher, que a decisão do marido prevaleça. Conceder a prevalência
às decisões do marido passa a ser, sob esta ótica, não só um elemento de submissão, mas
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Num espaço social tão marcado por precariedades materiais como são as favelas,
locais portanto de escassez de capitais tanto econômico como cultural (de valor simbólico
elevado, que fique claro, pois não se trata aqui de discutir a importância da chamada “cultura
popular”), as possibilidades do campo, que são disponibilizadas às mulheres, atuam de
maneira mais restritiva em suas trajetórias do que em outros espaços mais bem providos de
recursos. E aquele permanente transitar entre diferentes “províncias de significado”
(VELHO,1994) nesses contextos fica comprometido, chegando mesmo à interdição em certas
construções identitárias.
Assim se observa em referências presentes nas letras de grupos de rap da periferia de
São Paulo, analisadas por Maria Rita Kehl (2000). Na tentativa de constituição de um “grupo
social”, os “manos” do rap constroem uma identidade fraterna na qual as mulheres não são
bem-vindas, a não ser aquelas que passam a se comportar como eles, se destituindo portanto
dos atributos associados à feminilidade, como também observa Kehl:
...em um programa apresentado pela MTV sobre o rap, comandado por KL Jay,
algumas bandas formadas por garotas de favelas cariocas foram tratadas pelo
apresentador com o mesmo respeito e consideração que as bandas masculinas.
Seriam as primeiras manas a furar a barreira da misoginia e colocar-se ao lado dos
rapazes? (id., p.242)
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não veja nesse movimento uma garantia de superação de uma situação de opressão
(KEHL,2000:242-3)
A menção ao “mundo do rap” neste trabalho, muito embora esteja de acordo com a
iniciativa de analisar um espaço social classificado como favela – intrinsicamente relacionado
ao desenvolvimento desse gênero musical no Brasil – não se baseia no interesse por esse
universo específico, até porque, na localidade estudada não se observa a ocorrência de
nenhum grupo com essas características. Interessa reter dessas discussões apenas o que elas
trazem para pensar como o campo de possibilidades para as trajetórias femininas pode tomar
contornos mais restritivos nesses espaços que, por suas marcantes precariedades, terminam
por propiciar constituições de grupos “fraternos” – pela necessidade da busca daquela “zona
de conforto” que tais “unidades englobantes” (VELHO,1994) proporcionam, ser mais
premente do que em outros campos – cujas identidades, o quanto mais procuram se fortalecer,
tanto mais correm o risco de se tornarem segregacionistas. E, como “a corda sempre arrebenta
do lado mais fraco” quem tende a “sobrar” são as mulheres, que vão encontrar, no entanto,
possibilidades de se constituírem enquanto grupos de compartilhamento de capital simbólico
em outras redes.
Em seu trabalho “Em nome dos filhos, a formação de redes de solidariedade:
algumas reflexões a partir do caso Acari”, Freitas (1994) aponta para essas possibilidades que
se apresentam às mulheres moradoras de favelas. A autora destaca a função materna – ao
invés da função fraterna analisada por Kehl, e onde o feminino está “interditado” - como
elemento aglutinador de mulheres na constituição de um grupo social dotado de um interesse
comum, e enfatiza a importância da construção dessas “redes de solidariedade” para a luta
política:
Ao estudarmos esses movimentos vemos as mulheres como protagonistas. E elas
fazem isso a partir da dimensão materna. São como mães e a partir do que esse papel
suscita em termos simbólicos e culturais que se lançaram às ruas. [...] E essa
estratégia vem dando mostras de ser um importante caminho para a negociação
política. (p.96)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nenhum filho de D. Dalva logrou uma melhoria de vida além da que ela mesma já
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Até o último quartel do século XIX, Porto Alegre comemorava o carnaval sob a
forma do entrudo. Brincadeira de origem ibérica tinha aqui como principal objetivo molhar e
sujar o adversário, seja através dos limões de cheiro, de bisnagas, seringas ou, até mesmo, de
água jogada de bacias e baldes. Foi somente em 1873 que surgiram as primeiras sociedades
carnavalescas – Esmeralda e Venezianos – e com elas um novo modelo de carnaval, com
desfiles em carros alegóricos e bailes para seus sócios.
Essa mudança não se restringiria somente na forma como o carnaval seria
comemorado. Ela também alterou os espaços, os lugares e as condições destinados a homens
e mulheres na brincadeira. Dessa forma, este artigo busca analisar a construção das relações
de gênero, tomando como lócus investigativo os festejos carnavalescos do último quartel do
século XIX, na cidade de Porto Alegre, quando essa festa passa por uma mudança
significativa, o surgimento do carnaval veneziano. Nosso objetivo é mostrar que tal
festividade, sendo um campo de invenção do social, serviu para edificar e reforçar sentidos e
significados para as relações de gênero. Através dos festejos de carnaval temos acesso ao
mundo das relações estabelecidas entre homens e mulheres, o que nos permite enxergar a
diversidade das atividades práticas e representacionais que compõem esses universos.
O entrudo foi praticado em Porto Alegre desde o início de sua colonização
(FERREIRA, 1970:11). Em nossa pesquisa de mestrado pudemos verificar o protagonismo
feminino nessa brincadeira, tanto nas classes populares, quanto entre membros da elite
(LEAL, 208:26-44). John Luccock, viajante inglês, que visitou a cidade no início do século
XIX e que teria tomado um banho das filhas do governador relatou que “[...] ficar de tocaia
nas janelas e ensopar passantes distraídos era um dos prazeres prediletos das donzelas da
terra, ainda mais se as vítimas fossem estrangeiro” (FERREIRA, 1970:10).
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A ex-marquesa de Monte Alegre, era mulher do ex-presidente da Província, Antônio da Costa Pinto e Silva
(exerceu mandato de 16/09/1968 a 20/05/1869) Acreditamos ser ela Maria Isabel de Souza Alvim, a segunda
esposa do Marquês de Monte Alegre, José da Costa Carvalho, com quem casou-se em São Paulo, em 1839. O
Marquês de Monte Alegre morreu em 1860 e ela se casou novamente com Antonio da Costa Silva e Pinto
(AITA, 1996); Lista genealógica, Jornal Brasileiro de Cultura, disponível em
http://www.jbcultura.com.br/gde_fam/pafg109.htm. Acessado em 31 de março de 2007.
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[...] precisamos acabar com o Entrudo. Temos tantos carros na cidade e uma
rapaziada que se distingue por seu bom gosto e fino espírito (é preciso elogiá-la);
por que não havemos de organizar uma sociedade carnavalesca que enterre para
sempre o antiquário Entrudo? Apareça aí um mais corajoso, tome a iniciativa, e verá
que há de ser acompanhado. Se aparecer este herói, prometo desde á endeusá-lo,
num discurso ad-hoc que há de ser proferido na sexta-feira gorda de 1874, por
ocasião do banquete oferecido pelo Deus Baco, em regozijo à entrada da Quaresma
(A Reforma, 23 de fevereiro de 1873).
A iniciativa de criação de uma sociedade a fim de fazer carnaval deveria ser tomada
por um corajoso, que seria considerado um herói. Se, no ano seguinte, houve esse discurso de
endeusamento não conseguimos averiguar. Mas os heróis foram lembrados no ano de 1875 e
comparados a ardorosos defensores de tempos medievais, com nobre missão a executar.
77
Desjenais era o pseudônimo de Joaquim Antônio Vasques. Foi pagador do Exército na Guerra do Paraguai, Inspetor Fiscal
da Fazenda Provincial até 1879 e deputado provincial pelo Partido Liberal de 1873 a 1876. Foi homem de confiança de
Gaspar Silveira Martins, o cacique supremo dos liberais gaúchos, sendo seu Oficial de Gabinete quando este esteve no
Ministério da Fazenda do Império em 1878 (MARTINS, 1878). Segundo Lazzari, “não consta que ele houvesse participado
da fundação da Sociedade Carnavalesca Esmeralda em 1873”(LAZZARI, 1998: 85). Entretanto, o mesmo foi sócio e chegou
a presidir a sociedade na gestão de 1880/1881(Mercantil, 16 de fevereiro de 1880).
78
Em Pelotas, a partir de 1860, já havia sociedades carnavalescas, quando a elite começou a introduzir o Carnaval Veneziano
ou Grande Carnaval, mais refinado e civilizado. Caracterizado pelos suntuosos carros alegóricos e bailes de máscara. Nesse
período se estabeleceu um conflito entre a festa selvagem do entrudo - praticada pela população em geral - e a folia de
exibição organizada pela elite (BARRETO, 2003).
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eram frequentemente dirigidos a elas: “Castas donzelas desta terra ingente, lindas estrelas de
eternal fulgor, daí hoje aos filhos da Veneza ardente, flores, sorrisos e um olhar de amor [...}”
(A Reforma, 11 de fevereiro de 1875). Discurso que reforçavam as ideias de pureza, candura e
continência sexual: a única a coisa a ser dada deveria ser flores sorrisos e olhares de amor...
Percebe-se, dessa forma, que a adequação do comportamento feminino durante o
reinado de Momo foi uma das principais preocupações e objetivos a se atingir com a
introdução do novo carnaval. Era uma forma de controle do feminino, colocado sob a tutela
do masculino. Se durante o entrudo se encontrava formas de burla, com o carnaval veneziano
o domínio masculino passa a ser reforçado.
No entendimento de Pierre Bourdieu, os gêneros podem ser apreendidos como
“habitus sexuado” (BOURDIEU, 2005:06), ou seja, como a incorporação das disposições
culturais do princípio de divisão sexual dominante sobre os agentes sociais, resultado de um
extraordinário trabalho coletivo de socialização difusa e contínua no qual “as identidades
distintivas que a arbitrariedade cultural institui se encarnam em habitus claramente
diferenciados” (BOURDIEU, 2005:34). Para Bourdieu
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INTRODUÇÃO
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Doutoranda e Mestre em Educação Brasileira pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Ceará (FACED/UFC); Especialização em Arte-educação e Cultura Popular pela Faculdade de Tecnologia Darcy
Ribeiro (FTDR); Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); Professora
efetiva do ensino básico no município de Fortaleza e Tutoria pelo Instituto UFC Virtual. E-mail:
sammiacastroef@gmail.com
80
Movimento historiográfico iniciado com o lançamento da revista Anais de História Econômica e Social,
na França no final da década de 1920, por Marc Bloch e Lucien Febvre, representantes da primeira geração desse
movimento que rompeu com a concepção estritamente polítca de História. Essa primeira geração constitui a
vanguarda de uma renovação de métodos históriográficos, aspirantes à construção de uma História Total e cuja a
interdisciplinaridade e questionamento de fontes é uma estratégia importante. A segunda geração foi liderada por
Braudel, notadamente reconhecido pelo apreço à longa duração do tempo histórico. A terceira fase é iniciada
com o início da presidência da revista por Jacques Le Goff, interesssado em questões simbólicas e culturais, a
multiplicidade de métodos, a valorização de narrativas e de biografias também fazem-se relevantes nesse período
(BURKE, 1992).
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Sobre a presença da mulher capoeirista no Brasil, Leitão (2004) constata que essa
participação foi evidenciada ainda no início do século XIX. Essa afirmação é sustentada a
partir da análise de um documento pertencente ao Arquivo Nacional Brasileiro de 1817 e
1819, em que Joaquina Angola de João dos Fatos foi presa e condenada a levar 300 açoites
por estar com um “estoque” na mão e jogando capoeira. O mesmo autor reconhece que
somente a partir do século XX houve uma maior participação de mulheres capoeiristas na
sociedade brasileira, citando nomes contemporâneos à década de 1940 e 1950, tais como
“Nega Didi”, “Maria Homem”, “Satanás”, “Maria para o bonde”, “Calça Rala” e a tenista
campeã brasileira Lucy Maia, treinada pelo Mestre Artur Emídio de Oliveira na década de
1950. Material jornalístico, fotografias, vídeos e discos gravados ainda na década de 1950,
comprovam a participação de mulheres no canto das rodas de capoeira, especialmente no
samba de roda.
Ainda sob a ótica da repressão, Soares (2002) aponta uma notícia que menciona o
nome de mulheres que passavam a vida a brigar e a desafiar quem lhes desagradassem. Essas
mulheres atendiam pelo nome de “Isabel” e “Ana”, mostrando-se peritas na arte da
capoeiragem, em meio às lutas travadas por elas, nas ruas do Rio de Janeiro. Conforme as
pesquisas de Barbosa (2005), existem sete nomes de capoeiristas que ficaram famosas no
século XX: Maria Homem, Júlia Fogareira, Maria Cachoeira, Maria Pernambucana, Maria pé
no Mato, Odília e Palmeirona. A autora afirma que a documentação escrita relacionada a essas
mulheres é escassa e geralmente se refere ao “comportamento masculino” adotado por elas.
A partir das inúmeras cantigas de domínio público da capoeira, depreende-se o
caráter proximal das mulheres às práticas da capoeiragem. Percebemos isso de fato quando
essas cantigas se referem às Quitandeiras do Largo da Sé, no Rio de Janeiro, e às Baianas do
Acarajé, das ruas de Salvador. De acordo com a lenda N`Golo, amplamente difundida pela
tradição oral, a origem da capoeira também é contada de um modo que a mulher apresenta
um caráter passivo na ritualística. Conforme Bola Sete (2001), a capoeira decorre de uma luta
africana que era uma espécie de ritual de passagem da mulher para fase adulta, a efêndula.
Nesse ritual os homens disputavam a pontapés e cabeçadas, similarmente às lutas que
ocorriam entre as zebras, o direito de desposar as mulheres da tribo. No decorrer do
consagrado estudo etnográfico de Rego (1968), mulheres não são citadas como as maiores
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Segundo Silva (2013), é impossível afirmar, com a devida certeza, o primeiro capoeirista do estado do Ceará,
pois, em períodos remotos e por diferentes necessidades, por aqui passaram diversos adeptos dessa arte. No
entanto, ficou constatado que, na década de 1970, mestre Zé Renato iniciou o ensino da capoeira em instituições
formais de ensino da cidade de Fortaleza/Ceará. Foi relatado que, desde o início, mulheres que pertenciam ao
grupo folclórico do CSU Presidente Médici tiveram contato com a capoeira. Entretanto, nesse estudo a condição
feminina no universo capoeirístico do estado do Ceará não foi devidamente estudada pois o objetivo central
desse estudo dissertativo foram as relações entre lazer, aprendizagem e formação profissional dos primeiros
professores de capoeira do estado, onde não havia representantes do sexo feminino.
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Eu acho que todo estudo tem importância, com relação às mulheres esse estudo tem
um caráter de denúncia. Vamos falar de gênero né? [...] Porque houve discriminação
[...] Sempre houve nessa primeira etapa toda aí, a mulher sempre foi discriminada,
no sentido também de um capoeirista chegar mais rápido a graduações mais
elevadas [...] Então a questão da forma, a questão do mérito, não que a gente faça
por mérito, mas você que tá pesquisando deve saber que era difícil aparecer uma
mestra. Hoje aparece, mas não aparecia não! [...] Tudo foi uma luta né, nesse sentido
da mulher ter seu espaço, seu reconhecimento. A importância é isso, porque ela vem
desvelando todo esse preconceito.
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do Ceará Mara (2014), mestra Carla Mara, enfoca também a questão da emergência do
registro histórico:
Fidelis (2014), mestra Paulinha Zumba, fala do momento atual de crescente inserção
da mulher na capoeira, que atingiu uma maior proporção somente a partir da primeira década
do século XXI, com a iminência de alguns movimentos. Ratifica também a relevância de
ilustra esse aspecto numa pesquisa pelo fato de se registrar e repassar o conhecimento acerca
da trajetória de vida de mulheres que lutaram pelo reconhecimento no universo capoeirístico.
Nas palavras de mestra Paulinha Zumba: “... Tá faltando esse outro lado né? De pesquisar
mesmo as mulheres! Nós estamos aqui também! E somos referência!”.
[...] e mesmo com faculdade e filho era sempre treinando! Meu treino é constante
[...] Fui formando alunos, viajando bastante! Viajei levando a capoeira praticamente
pelo Brasil todo. Viagem lá fora também. Vários países. Fui representar em 2010 as
mulheres do Brasil na Califórnia [...] Fui a única representante do Brasil e do Ceará
nesse evento só de mulheres (FIDELIS, 2014).
Observamos no discurso das mestras um desejo de serem historiadas como uma
oportunidade de valorização pelos trabalhos realizados no decorrer das próprias vidas. A
produção de pesquisas relacionadas às desigualdades de gênero e raça na sociedade brasileira
tem se apresentado de maneira crescente, mas ainda se mostra insipiente através de inúmeras
reivindicações societárias. Importantes órgãos, tais como ONU mulheres, têm apoiado estudos
nessa área que envolve gênero e sexismo com o intento do combate à erradicação da violência
e da pobreza que acomete mulheres brasileiras. Resultados de pesquisas realizadas
recentemente ratificam a necessidade de políticas públicas, respaldam a relevância de estudos
em meios acadêmicos e a organização de movimentos sociais em defesa das mulheres.
O sexismo e o racismo são ideologias geradoras de violência e estão presentes no
cotidiano de todos(as) os(as) brasileiros(as): nas relações familiares, profissionais,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os múltiplos saberes e ensinamentos de mulheres capoeiristas em território cearense
é um importante recurso para se debater a questão da democracia e inclusão na educação, da
função social da mulher e a perspectiva de equidade de gênero, constituindo elemento
determinante na compreensão sobre a complexidade da capoeira cearense no século XXI.
Com a coleta dos discussos das primeiras mestras de capoeira estamos contribuindo, de
maneira interdisciplinar e através de levantamento de dados históricos, com uma área de
estudo insipiente de visibilidade científica que é a História das Mulheres Cearenses.
A questão do estereótipo e do sexismo que procura determinar funções sociais e
inibir potencialidades e capacidades estão fortemente arraigadas na cultura popular e provoca
constrangimento e revolta naqueles que são vitimizados por tal prática. No estado do Ceará,
assim como em outros lugares, esse aspecto cultural vivenciado por inúmeras mulheres foi
denominado popularmente de “machismo” e vem sendo rechaçado, veemente, no decorrer do
processo histórico de transformação cultural. É comum encontrar em obras literárias a questão
do lazer feminino, na antiga sociedade cearense, sedimentada ao tripé renda, religião e
passeios acompanhados em praças e teatros. Entretanto, pela quantidade de escravas
residentes no estado do Ceará, representando cerca de 50% do total de mulheres ainda no
século XIX, podemos crer que práticas de cunho afro-brasileiro, por exemplo a capoeira,
sempre se fizeram presentes nesse território.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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21.São Paulo, 14 de julho de 2002.
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vol. 9, 2005.
BOLA SETE, Mestre. A capoeira angola na Bahia.3 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
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relevância do estudo sobre mulheres capoeiristas do estado do Ceará. Fortaleza- Ce, em
20 de fevereiro de 2014.
FIDELIS, P. A. Z. (mestra Paulinha Zumba). Entrevista concedida a Sammia Castro Silva
sobre a relevância do estudo sobre mulheres capoeiristas do estado do Ceará. Fortaleza-
Ce, em 5 de março de 2014.
LEITÃO, L. A. F. Análise dos discursos femininos no contexto da capoeira na revista
Praticando Capoeira. 2004. Monografia (Licenciatura em Ciências do Desporto e Educação
Física). Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade de Coimbra,
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relevância do estudo sobre mulheres capoeiristas do estado do Ceará. Fortaleza- Ce, em
12 de fevereiro de 2014.
MARCONDES, M. [et al.] Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das
mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil: 1890-1930.
Paz y Tierra, 1997.
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: ensaio socioetnográfico, Salvador: Editora Itapuã,
1968.
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aprendizagem e formação profissional. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira).
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará.
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106, 2002.
SIMÕES, R.M.A. Capoeira: um convite ao jogo feminino. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Motricidade) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista. Rio Claro,
1999.
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SOARES, C.E.L. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-
1850). 2ª edição rev. E ampl. Campinas, SP: Editora da Unicamp/ Centro de pesquisa em
História Social da Cultura, 2002.
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INTRODUÇÃO
João Milfont Rodrigues nasceu em Lavras da Mangabeira, pequeno município
localizado na mesorregião do Centro-Sul Cearense, no dia 07 do 11 de 1922. Segundo o
pesquisador Marcos Antônio Marcondes (1999), o cantor e compositor ainda na adolescência
integrou um grupo regional onde atuava ao lado de Zé Cavaquinho (Zé Meneses). Contam
que sua voz na época se assemelhava muito à de Carmen Miranda. Durante o período de dois
anos, fase de mudança de voz, afastou-se das atividades artísticas. Já como adulto, seu modelo
musical foi Orlando Silva, em cujo fraseado se inspirou.
O autor supracitado também comenta que a primeira apresentação pública de Gilberto
Milfont ocorreu em 1936, quando se apresentou no programa Hora Infantil na PRE – 9,
levado por um tio, repetindo o feito em 1938. Como os lançamentos de discos feitos no Rio
de Janeiro demoravam a chegar ao Ceará, de maneira curiosa, buscou uma alternativa para
que seu repertório não ficasse ultrapassado: enquanto ouvia os programas de rádio das
emissoras cariocas, taquigrafava as letras e sua irmã aprendia a melodia das canções. Desta
forma, foi capaz de apresentar em primeira audição no Ceará o samba: Atire a primeira pedra,
de Ataulfo Alves e Mário Lago, antes mesmo que a gravação de Orlando Silva tivesse sido
lançada.
Miguel Ângelo de Azevedo (1982) aponta que Gilberto Milfont ampliou seus
horizontes musicais após transferir-se em 1945 para o Rio de Janeiro, onde estreou na Rádio
Mayrink Veiga, fazendo parcerias com grandes músicos de sua época. No ano seguinte, o
cantor Dick Farney gravou uma composição sua, o samba Esquece. Em 1946, estreou em
disco com as gravações das canções Geremoabo e Maringá, compostas por Joubert de
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Carvalho e acompanhadas pela orquestra do maestro Gaó. No mesmo mês, lançou os sambas:
Estão vendo aquela mulher e Apelo, da dupla Pedro Caetano e Claudionor Cruz. Ainda nesse
ano, gravou os frevos-canção E...nada mais, de Capiba e Quando lhe vi chorando, de Eduardo
Barbosa com acompanhamento de Zaccarias e sua orquestra. No final do mesmo ano, gravou
a clássica canção Minha terra, de Valdemar Henrique, o choro Framboeza e a valsa Uma
serenata...uma despedida, de Pedro Caetano e Claudionor Cruz e o samba É muito tarde, de
Lauro Maia.
Em 1947, gravou os sambas O meu prazer, de Haroldo Lobo e Doroty, de Erasmo
Silva. Em 1948, lançou da dupla Haroldo Lobo e Milton de Oliveira os sambas: Ela não
voltou e Seis horas da manhã. Nesse ano, Dick Farney fez sucesso com o samba “Esquece”
gravado na Continental. Apresentado por Luiz Gonzaga, conseguiu fazer um teste na Rádio
Nacional. Tendo sido aprovado, estreou no programa A canção romântica, de Francisco
Alves. Em 1949, gravou os sambas “Capricho inútil”, de Marino Pinto e Mário Rossi, Ódio,
de Wilson Batista e Paulo Marques, Falsa mulher, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira e
Covardia, de J. Piedade e Alex e a marcha Cabeleira de verão, de Peterpan e Ari Monteiro.
Nesse ano, lançou para o carnaval do ano seguinte o samba: Um falso amor, de Haroldo Lobo,
Milton de Oliveira e Jorge Gonçalves. Ainda nesse ano, seu samba: Não devemos mais
brigar, parceria com Milton de Oliveira foi lançado na Odeon pelos Vocalistas Tropicais.
Em 1953, gravou os sambas Perversa, do russo Georges Moran e Castigo, de
Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, este considerado um dos clássicos da dupla
gaúcha, o samba-canção Tu não me dizes, de Wilson Batista e Erasmo Silva e o frevo-canção
Margaret, de Sebastião Lopes. Em 1954, lançou o bolero Champanhe para dois, de P.
Trellese Lourival Faissal, o beguine Meu grande coração, de Haroldo Eiras e Lourival Faissal
e os sambas Se você souber, de Ari Monteiro e Amigo do peito, de Raul Sampaio e Rubem
Silva. Nesse ano, foi contratado pela Continental e nessa gravadora estreou com o fox-trot
Amor secreto, de S. Fain, P. Francis Webster e Ghiaroni e a toada-baião Valei-me Nossa
Senhora, de Paquito e Romeu Gentil. No ano seguinte, gravou os sambas Cadê meu
marinheiro, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira e Testamento, de Paulo Soledade, a
marcha Você falou demais, de Paquito, Romeu Gentil e Airton Amorim e com o Trio
Melodia, o baião Matando o tempo, de João de Barro.
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designar também o indivíduo “que leva uma vida desregrada”, num estilo de vida
caracterizado pela despreocupação com relação a bens materiais, a grandes projetos, às
normas. Era para descrever uma vida à margem da sociedade e cultivar uma nova forma de
liberdade de pensamento, e uma preocupação de usar nomeadamente roupas excêntricas.
Jerrold Seigel (1992) aponta que o termo passa, por empréstimo, do francês ao
português, na acepção do século XVII: vagabundo, indivíduo de vida desregrada ou não
convencional, eventualmente ligado às artes ou à literatura, ou mero aventureiro que vivia de
forma despreocupada. Nesse sentido, mais tarde, no século XIX surge um movimento artístico
e literário, constituído à margem do movimento romântico, mais “aristocrático” e fora do uso
da sua época. Segundo o Seigel, será Balzac, que em 1844, ao escrever Um Príncipe da
Boémia, faz rasgados elogios a tal juvenil comportamento. Balzac afirmava que a palavra
Boémia diz tudo. Ela não tem nada e vive de tudo. A esperança é a sua religião, a fé em si
mesma é o código, a caridade o seu orçamento. Todos esses jovens são maiores do que o seu
infortúnio, abaixo da sorte, mas acima do destino.
O autor ainda comenta que a boêmia deve ser analisada como um fenômeno social e
literário que teve lugar em diversos pontos do planeta e em diferentes épocas. O autor
considera a boêmia como uma manifestação de jovens burgueses que, no século XIX e
sobretudo nas décadas de 1830 e 1840 na França, buscavam um estilo de vida especial e que
se tornou popular principalmente a partir dos escritos de Henri Murger, autor de Scènes de la
vie de bohème. O romance foi escrito a partir das experiências de Mürger como um escritor
pobre vivendo na Paris de meados do século XIX. A obra inspirou a famosa ópera La
Bohème, de Puccini.
Cabrocha Maria
Eu ouvia dizer,
Que a gente do morro,
Era mais feliz,
Que nós aqui da cidade,
E um dia zuando um pedaço,
Parti para o morro, paletó no braço,
Para saber a verdade.
Em setembro de 1946, Gilberto Milfont gravou pela Victor a música Maringá, com
parceria de Joubert de Carvalho. Nesse samba o compositor relata uma situação inversa da
que costumeiramente ocorria nos casos de migração para as grandes cidades no período de
longas secas. No caso em questão a retirante fugiu do sertão de Maringá, município do Pará,
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Maringá
Foi numa leva que a cabocla maringá
Ficou sendo a retirante que mais dava o que falar
E junto dela veio alguém que suplicou
Pra que nunca se esquecesse de um caboclo que ficou
Maringá, maringá
Depois que tu partiste
Tudo aqui ficou tão triste
Que eu garrei a imaginar
Maringá, maringá
Amigo
Meu velho amigo do meu peito
Deixemos de preconceito
E conversemos à sós
Bebamos juntos na mesa de um bar qualquer
Vamos falar da mulher
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Amigo
Amas quem amo também
Mas compreendermos convém
Que estamos cegos no amor
Vamos fazer um tratado
Pra não sofremos depois
Se nós brigarmos por ela
Ela vai rir de nós dois.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os diferentes olhares do compositor e intérprete sobre as mulheres jamais substituirá o
lugar da fala feminina. No entanto, a historiadora brasileira Maria Odila Leite, chama a
atenção em seu livro: Quotidiano e Poder em São Paulo do século XIX (1984), que em muitos
casos nas fontes oficiais escritas por homens, a fala feminina pode ser encontrada “escondida”
nas entrelinhas do documento. Nos inúmeros processos crimes analisados por Maria Odila
Leite, existem acusações de mulheres que não obedeciam às leis, que desordenavam o espaço
urbano e causavam o verdadeiro caos na São Paulo do fim do século XIX. Todavia, a
pesquisadora interpretou a venda ilegal em quitandas e tabuleiros realizadas no espaço
público como a tentativa de mulheres empobrecidas driblarem a fome e outros problemas
causados pela falta de recursos.
No caso das músicas de Gilberto Milfont, é preciso fazer uma operação historiográfica
muito semelhante ao de Maria Odila. Apesar das músicas se tratarem de um material
documental que pode nos dar pistas sobre o passado sem a mesma pretensão de um processo
crime, o método da leitura nas entrelinhas é eficaz para compreender certas práticas
femininas, sobretudo relacionadas as suas experiências afetivas. Se em algumas obras é fácil
encontrar elogios de forma direta a estilo de vida de certas mulheres descritas pelo
compositor, em outras conseguimos observar de forma indireta práticas femininas afetivas
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transgressoras, que quebram com o padrão de amor romântico e a submissão das mesmas aos
homens.
Por fim, para Sandra Pesavento (2003), as representações são operações mentais e
históricas, que criam sentidos ao mundo, sem elas este, em si, não possui significado. É por
meio delas que se age no mundo, que se constroem identidades. Nesse sentido a representação
fica no lugar da realidade, porém, não como uma imagem perfeita do real: o representante não
é o representado, ele guarda relações de semelhança, significado e atributos com este. As
representações se expressam nos discursos, assumindo múltiplas configurações, as quais se
tornam concorrentes, estabelecendo relações de poder. Assim, a percepção dominante acaba
ganhando foro de realidade, de verdade, sendo naturalizada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro:
Funarte, 1982.
BUITONI, Dulcília S. Mulher de papel. A representação da mulher pela imprensa feminina
brasileira. São Paulo, Loyola, 1981.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no séc. XIX. São
Paulo: Brasiliense, 1984.
DUARTE, Lima Constância. Feminismo e literatura no Brasil. Estud. Av. Vol.17 no.49 São
Paulo Sept./Dec. 2003
MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira:
erudita, folclórica e popular. 2. Ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
PESAVENTO, Sandra Jathay. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,
2003.
SEIGEL, Jerrold. Paris boémia: cultura, política e os limites da vida burguesa. 1830-1930.
Porto Alegre: L&PM, 1992.
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A DOMINAÇÃO MASCULINA:
JUGOS DA MORAL E DA FIDELIDADE
INTRODUÇÃO
Numa integração entre imaginário coletivo e história social, as narrativas populares
apresentam-se, indubitavelmente, como documentos “legítimos” e reveladores de um tempo,
de um povo, de um mundo. Constituem, de fato, fontes discursivas de onde se podem extrair
os vestígios e dados que vivificam e homem e a sua identidade. Esta, envolta pelas amarras da
tradicionalidade e transformada pelas imposições das novas eras, permanece singular, viva e
atuante entre aqueles que, culturalmente situados, comungam de certos valores, conceitos,
ditos e proibições. É por meio de suas práticas que o indivíduo faz significar o meio em que
vive e os outros a sua volta. Através de seus textos, manifesta, tacitamente ou não, os valores
axiológicos capazes de tornar visível uma determinada visão de mundo, um saber
compartilhado que, no dizer de PAIS, traduz “as grandes linhas de um mundo semioticamente
construído”.
Nesse contexto, o romance oral, expressão ímpar da cultura popular, alimenta,
incorpora e sustenta um self identitário que pode ser compreendido e apreendido levando em
consideração não apenas o discurso subjacente às estruturas lingüísticas, mas também através
do exame da própria organização conceptual que perpassa e, muitas vezes, ultrapassa essas
estruturas. Justifica-se, então, a proposta do nosso estudo: analisar a presença e o papel das
ideologias em versões do romance oral A Mulher Infiel, coletadas em cidades do interior e da
zona urbana da Paraíba. Buscamos observar como se constrói a imagem do homem e da
DO ARQUITEXTO AO ARQUICONCEPTUS
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Depois desse episódio, o marido, para livrar-se da ignomínia que lhe sucedera,
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assassina a mulher indigna. Caso o adultério não ocorresse, o homem, evidentemente, não
teria cometido esse ato condenável, pois teria ao seu lado uma companheira íntegra e
verdadeira, cuja fidedignidade lhe asseguraria o necessário respeito perante a sociedade. Com
isso, pode-se afirmar que honra e desonra são conceitos potencialmente atrelados à mulher:
no plano do ideal, mulher corresponderia à garantia de respeito e prestígio social; no plano do
real, no caso específico desta narrativa, a mulher representa a aviltante e vexatória condição
do homem vitimado pela traição e para o qual a ‘única solução’ é a morte da ‘então traidora’.
Vejamos a ilustração:
Arquiconceptus 1
[+Dever ser]
[+Dever fazer] Subconjunto da
[+ Fidelidade] <<mulher real>>
[+ Submissão]
[+ Honra] Arquiconceptus 2
[+Complacência]
[+Bondade]
[+Saber-fazer]
[+/-Honra] [+Querer-fazer]
[+Adultério]
[-Submissão]
[-Honra]
[-Complacência]
[-Bondade]
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Subconjunto <<marido>>
Metaconceptus 1 Subconjunto
<<esposa>>
[+Dever-ser]
[+Dever-fazer]
[+Poder-fazer] [+Dever-ser]
[+Supremacia] [+Querer-ter]
[+Provisão [-Supremacia]
do lar] [+Honra] [+Promiscuidade]
[+Bravura] [+Infâmia]
[+Impolidez]
Metaconceptus 3
[+Dever-fazer]
[+Fazer-ser]
Metaconceptus 4 [+Correção]
[+Dever-ser]
[+Fazer cumprir] [+Cuidado]
[+Justiça] Metaconceptus 2
[+Ordem]
Subconjunto
Subconjunto <<delegado>>
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Subconjunto do <<marido/Deus>>
Metametaconceptus 1 Subconjunto do
<<marido/diabo>>
[+Querer-ser]
[+Deus]
[+Respeitabili- [+Querer-ser]
dade] [+Diabo]
[-Culpabilidade] [+Perversidade]
[+Absolvição] [+Honra] [+Força]
[+Bravura]
Metametaconceptus 3
Metametaconceptus 4 [+Fazer-crer]
[+Firmeza de
[+Poder-fazer] caráter]
[+Autoridade] Metametaconceptus 2
[+Sinceridade]
[-Condenação] [+Destemor]
[+Amparo legal]
Subconjunto do
Subconjunto do <<delegado>> <<marido/justiça>>
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Considerada a Paris nordestina, a cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco,
se consolidou como referencial de modernidade no inicio do século XX. A cidade recebeu
esse titulo devido às reformas urbanas que sofreu semelhantes às reformas realizadas
primeiramente em Paris, ainda no século XIX, e depois em várias outras cidades do mundo.
George-Eugéne, o Barão de Haussmann foi o administrador de Paris que recebeu o poder
cedido por Napoleão III para modificar permanentemente a estrutura da cidade,
desapropriando uma área central de 300 km e mais de cem mil habitações tidas como focos
epidêmicos, constituindo vias largas favorecedoras de manobras militares, mansões, praças e
bulevares.
Seguindo o exemplo, em 1902 o Rio de Janeiro começa a sua reforma urbana
promovida pelo então administrador da cidade Pereira Passos, que derruba os cortiços,
eliminando não só as edificações como também transferindo os moradores para áreas que
estavam à margem do centro, gerando uma profunda insatisfação na população –
semelhantemente a Paris; as passagens estreitas e fétidas também foram substituídas por ruas
esgotadas e pavimentadas, combatendo os focos epidêmicos e modificando o aspecto da
capital do Brasil. As próprias ruas passaram a ter novos nomes, eliminando as vulgares
nomeações e instituindo as figuras importantes do progresso.
Recife apresenta-se então como uma cidade diferente. O período de modificação
intensiva encontra-se entre 1909-1926, todavia se somado os outros momentos em que houve
alterações na paisagem da cidade, aproxima-se de um século. Esta modernização do aparato
urbano foi profundamente importante para Recife, tendo em vista que modificou a feição
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colonial da cidade e incentivou a circulação de capital, já que esta região vinha sofrendo de
uma profunda decadência econômica.82
Os discursos médicos sobre da insalubridade dos mocambos e habitações semelhantes
envolviam Recife – eugenia e higienismo se confundiam; estes eram reforçados pelas diversas
epidemias que acometiam várias cidades do Brasil. Engenheiros sanitaristas como Saturnino
de Brito foram fundamentais para as modificações já tão mencionadas. Aliando a construção
civil e a medicina, em 1930 foi fundada a Liga Social contra o Mocambo que visava derrubar
essas habitações, construídas muitas vezes de palha, barro vermelho e pau-a-pique – que
Gilberto Freyre tanto elogiava por ser o verdadeiro símbolo recifense em seu Manifesto
Regionalista.
Nessas novas ruas largas, limpas e iluminadas transitavam os Marmon, Ford e Dogde,
os bondes e as pessoas – que agora tinham uma nova forma de se relacionar com o espaço
publico. Novos meios pedem novas maneiras – higiene, bom porte e boa aparência. Tudo isto
era ensinado nas escolas. A idéia seria de que as crianças ensinariam aos demais. Todavia a
escola não era a única forma de abordar os indivíduos a respeito de como se comportar diante
dessa modernidade. Desde o século XIX os periódicos foram fundamentais para propagar
inúmeras informações: moda, comportamento, cinema, eventos social, etiqueta, entre tantas
outras.
Cada vez mais uma pequena parcela da população se beneficiavam materialmente
nesta sociedade de consumo. Quanto maior o volume das saias, maior era o aspecto de
prestigio e esplendor capitalista. O conceito de alta costura já existia, o que fazia da moda
muitas vezes uma forma de arte – uma arte extremamente comercial “Na alta costura, ou
mesmo na moda mais sofisticada os nomes femininos sobrepuseram-se aos masculinos.
Chanel continuava sua marcante carreira” (BRAGA, 2008: 78). Em contra ponto a mulher
bibelô, vemos os homens que surgem com suas roupas que simbolizam a sociedade produtiva
e saudável.
A REVISTA E AS MULHERS
É nessa efervescência que surge em fevereiro de 1930 na cidade do Recife o periódico
82
MOREIRA, Fernando Diniz. A construção de uma cidade moderna (1909-1930).
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P’ra Você – semanal ilustrado tendo como proprietário a Empresa Diário da Manhã S.A.
Publicou matérias sobre vida social, cultura, moda, arte e literatura, contando entre seus
colaboradores com Jorge de Lima, Álvaro Lins, Aurélio Buarque de Holanda, Josué de Castro
e Mario Melo. Foi suspensa sua publicação numero 18, de 28 de junho de 1930. A capa e as
ilustrações do texto são do pintor Manoel Bandeira e os pequenos desenhos e charges
políticas de J. Ranulpho.
O objetivo da nossa pesquisa é investigar o modelo feminino apresentado na revista
P’ra Você a partir da indumentária retratada em inúmeras matérias, que permeiam o seu
primeiro ano de circulação, e como estas constituíram a mulher moderna nesse centro urbano
recifense. Qual o estereótipo feminino idealizado neste periódico? Buscamos desta forma,
pensar sobre a figura feminina na Recife de 1930, observando a indumentária como ponto
chave para a apresentação desta.
Gilda de Melo e Souza em sua obra “O Espírito das Roupas”, nos demonstra como a
vestimenta transfere o status do individuo dentro do período temporal e da sociedade que o
cerca. Assim, a roupa passa a ter uma profunda representação simbólica da classe econômica,
fazendo com que muitos indivíduos tentem se apropriar deste símbolo na tentativa de se
enquadrar a uma imagem que não condiz com sua realidade sócio econômica.
No momento em que a alta costura desponta, não haverá mais distinção apenas pela
roupa. É por isso que a formação de um comportamento tido como adequado torna-se
sumariamente importante para as mulheres que leram as colunas da revista P’ra Você –
especificamente as matérias que falavam como elas deveriam se portar nos eventos sociais alem
do que deveriam trajar.
Gylberto Freyre destaca essas diferenciações em sua obra “Modos de Homem e Modas de
Mulher”, todavia há um ponto de sua obra em que discordamos, tendo em vista que o mesmo em
alguns momentos destaca a moda como uma preocupação da sociedade de estar fora dos
parâmetros desta moda é ser praticamente um herege, todavia sabemos que este periódicos que
circulavam com matérias sobre moda e comportamento estavam voltados para um setor
especifico da sociedade.
Desta forma, concordo com Diana Crane quando esta percebe que “As variações na
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escolha do vestuário constituem indicadores sutis de como são vivenciados os diferentes tipos de
sociedade, assim como as diferentes posições dentro da mesma sociedade” (Crane, A moda e seu
papel social: classe, gênero e identidade das roupas, 2000, p. 22).
A mulher, tantas vezes tido como o sexo frágil, dependente do marido e com a única
função de cuidar do lar, apresenta-se como o pilar de sustentação imagética simbólica da família.
Seu comportamento é a chave para a manutenção das boas relações, principalmente a da figura
masculina que a representa na sociedade: “Num certo sentido, os homens eram bastante
dependentes da imagem que suas mulheres pudessem traduzir para o restante das pessoas em seu
grupo de convívio. Em outras palavras, significavam um capital simbólico importante, embora a
autoridade familiar se mantivesse em mãos masculinas, do pai ou do marido.” (D’incao, Historia
das mulheres no Brasil, 2011, p.229).
Podemos perceber que conforme as práticas sociais femininas vão sendo modificadas,
seus trajes tornam-se espelhos, como menciona João Braga em “Historia da moda: uma
narrativa”: “O banho de mar estava em evidencia, mais que isso, também o banho de sol. [...]
Talvez a moda propriamente dita, assim como a moda da roupa de banho, estivesse uma
influenciando a outra e as duas ficaram afinadíssimas” (BRAGA, 2009: 76).
Desta forma Manon Salles em sua pesquisa sobre a indumentária paulista e mineira nos
anos 1930 reintera: “Nos anos trinta as ilustrações nas revistas de moda trazem as novidades e
personagens como “A Melindrosa” criada pelo caricaturista J.Carlos, passa simbolizar a mulher
brasileira da época. A grande influência para a moda vem das divas do cinema de Hollywood
como Greta Garbo, Marlene Dietrich e Catarine Hepburn. A mulher deveria ser magra e
bronzeada com sobrancelhas desenhadas com lápis” (SALLES, 2009: 4).
FONTE E METODOLOGIA
O presente artigo tem como objetivo principal analisar a revista P’ra Você,
especificamente as colunas que falam sobre moda, poesia e eventos sociais, observando
cautelosamente as figuras apresentadas nas mesmas colunas, a fim de captar com maior
capacidade a representação da figura feminina idealizada. Buscamos nas edições digitalizadas
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descontinuadas do periódico o cotidiano de uma mulher que se encontra numa sociedade ainda
patriarcal, eugênica e capitalista, onde a mulher muitas vezes representa apenas um belo ‘bibelô’.
O período de análise vai de fevereiro de 1930, mês de lançamento da revista ilustrada, até
junho do mesmo onde, onde suas atividades foram suspensas por motivo desconhecido. Todavia
é importante ressaltar os fatos anteriormente ocorridos, como a reforma urbana de Paris e a
importância da moda parisiense, cujas tendências foram perseguidas pela elite tupiniquim desde
o século XX. Temos como proposta a catalogação das revistas, observando o estado físico do
material a fim de fazer a leitura e analise de como a presença feminina e os seus caracteres
indumentários são fundamentais para a sua afirmação e participação no espaço urbano moderno.
As vias de trabalho desta pesquisa firmam-se numa base teórica e metodológica que
discute questões sociais, de gênero e historia cultural. Primordialmente, nos anos 1980 o
historiador inglês Peter Burke, ao dar uma palestra no Brasil, tentou traçar os novos paradigmas
da historiografia. Mostrando uma nova vertente, Burk buscou em Marc Bloch e Lucien Febvre a
gênese de uma historiografia que não seria objetiva, mas sujeita as referencias culturais de um
determinado período.
Na imersão desta nova fronteira, percebemos que outras fontes fazem parte da nossa
busca. A historiadora norte-americana Lynn Hunt em 1989 nos faz perceber que os documentos
não seriam simples reflexos transparentes do passado, mas que na verdade por trás destes
existem ações simbólicas com significados diferentes – a partir dos produtores e sua estratégia.
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A representação será vista na exibição da presença feminina publica moderna. Por isto, os
símbolos de moderno em seus trajes e no seu comportamento serão fundamentais para criar uma
imagem – apropriada pelas leitoras da revista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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novas perspectivas. São Paulo. Editora UNESP. 1992. Pag. (7-38).
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. Historia e Historia Cultural. 2ª edição. Belo Horizonte. Editora
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INTRODUÇÃO
Na Idade Média, não se fazia distinção entre o mundo infantil e o mundo adulto,
entre o que poderia ser feito dentro e fora do seio familiar. Assim que aprendia falar e se
locomover, a criança era logo misturada aos adultos e partilhava de seus trabalhos e jogos,
isto é, não passava pela suposta fase físico-psicológica que chamamos de juventude (ARIÈS,
1981; LEVI, SCHMITT, 1996).
Ao longo dos anos, com o avanço de pesquisas cientificas e políticas públicas, a
juventude passou a ser ressignificada. Em 1985, a ONU definiu a juventude como o período
de 15 a 24 anos. Posteriormente, em 2000, acatou a ideia de que outras definições existiam
nas mais distintas sociedades, onde apareciam novas delimitações etárias, como resposta a
circunstâncias sociais, econômicas e ideológicas.
No Brasil e no resto da América Latina, vai se estabelecendo o consenso de que a
juventude se estende até os 29 anos. Desde meados do século XX, a sociedade vem passando
por um conjunto de mudanças culturais que afetam diretamente as suas práticas corporais,
individuais e em grupo. Um novo cenário social passou a interferir diretamente na produção
social dos indivíduos e na forma como eles se relacionam com as instituições sociais e com o
próprio corpo, redimensionando, assim, o encaminhamento dos seus projetos de vida e do que
a sociedade espera para eles (DAYRELL, 2013).
Diante disso, pensamos que a referida categoria é produtora de práticas e
representações. Para investigá-la, não é viável simplificar uma realidade complexa que
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Gênero não é exatamente o que alguém ‘é’ nem é precisamente o que alguém ‘tem’.
Gênero é o aparato pelo qual a produção e a normalização do masculino e do
feminino se manifestam junto com as formas intersticiais, hormonais,
cromossômicas, físicas e performáticas que o gênero assume. Supor que o gênero
sempre e exclusivamente significa as matrizes ‘masculino’ e ‘feminina’ é perder de
vista o ponto critico de que essa produção coerente e binária é contigente, que ela
teve um custo, e que as permutações de gênero que não se encaixam nesse binarismo
são tanto parte do gênero quanto seu exemplo mais normativo (BUTLER, 2014,
p.254).
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que ele é ou como gostariam que fosse” (CHARTIER, 1990). P.19), sabendo que as mesmas
são determinadas pelos interesses dos indivíduos ou grupos que as forjam.
Nesse sentido, optamos por uma descrição minuciosa das representações83, contidas
no livro “O Namoro – Grito de Alarme” (1952), com o intuito de entender as representações
católicas sobre as sociabilidades juvenis de outrora, sinalizando os aparatos preventivos das
relações de gênero e da heterossexualidade, ou seja, o modo como uma determinada
conjuntura social foi construída, pensada e dada a ler na sua contemporaneidade.
“Se alguém observa um edifício em chamas fica com o dever de pedir socorro dando
grito de alarme”. Esta afirmativa inicia o livro estudado e é complementada pela seguinte
argumentação: “O namoro de hoje com o seu desenfreio, é esse fogo feroz, que está
devorando o coração da Mocidade moderna, encaminhando-a para a degeneração do Futuro,
levando também com ela a sociedade, e mesmo a Pátria, a um fim deplorável” (p.5).
Conforme o autor, Elias Maria Gorayeb, o namoro é “o lapso do tempo que precede
ao noivado, como entendimento prévio para o casamento” (p. 6). Para ele, a palavra, namoro,
não deixa de ser inconveniente, pois em seu sentido moral, não é tão elevada nem corresponde
à altura da missão do casamento. Logo, acha mais oportuna a utilização das palavras
“pretendente”, “simpatia” e “cortejo” para exprimir as sociabilidades entre os jovens, uma vez
que “A palavra namoro soa mal entre gente fina e educada” (p.6).
Adverte que, baseados exclusivamente na aparência física ou bens materiais, o
namoro pode resultar em graves riscos a posteriore, pois “além da beleza, existe um cérebro,
do qual depende o ideal da felicidade. Além do corpo elegante, existe um coração e uma
vontade dos quais poderão vir todos os bens da personalidade dos jovens, ou ao contrário,
poderão produzir todos os males da vida” (p.6).
Em suas postulações, o autor menciona que existem dois fatores primordiais na
83
Optamos por montar um esquema sintético de trechos do livro, ressaltando as principais representações do
autor sobre o tema proposto. Todas as citações do tópico “Namoro: Gritos e silêncios” estão contidas no livro “O
Namoro – Grito de Alarme” (1952)”.
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concepção do namoro, a saber, paixão e razão. A primeira é “uma inclinação cega, movida
pelo prazer e pelo gosto”. A segunda “é um ideal elevado para casar-se e cumprir uma missão
divina na sociedade humana, constituindo uma família”. Enquanto aquela leva os pretendentes
ao fracasso, esta os leva ao bem-estar da vida e ao cumprimento do dever. Por isso “deve-se
seguir as luzes da razão e vencer as inclinações naturais da paixão” (idem).
Nesse encaminhamento há, conforme seus pareceres, duas faces do namoro. Uma
delas é inspirada por Deus e “eleva o coração além da aparência cingindo os pensamentos
para preparar os cônjuges à responsabilidade do futuro e a cumprir o Sacramento do
Matrimônio”. A outra é “arte diabólica”, ilícita, inventada para corromper o coração à matéria
e ao prazer, “dirigindo o pensamento à sensualidade” (idem).
Buscando sintetizar as duas faces do namoro, Padre Elias Maria Gorayeb cita
algumas condições características das mesmas. Para ele, o “namoro bom e de Deus” é aquele
em que tem o consentimento dos pais ou tutores. Evita toda a familiaridade, liberdade ou
intimidade entre os jovens, tratando o outro como um estranho, querendo-o como um irmão e
tratando-o com cuidado e pouca confiança. Os bons namorados comportam-se como duas
pessoas prontas a realizar um negócio relevante, pois dependendo dele os jovens podem
ganhar grande fortuna ou perdê-la totalmente.
O “namoro bom e de Deus” tem idade apropriada para começar. Conforme o autor, o
rapaz deve entrar nos tramites do casamento na idade de 25 anos, aproximadamente, enquanto
a moça aos 20 anos. Podendo alterar a faixa etária para um ano a mais ou a menos, diante de
certas conveniências e aconselhamentos. Um dos motivos da determinação da idade está
articulado ao contexto sociocultural vigente, onde alguns jovens desejam estudar ou
profissionalizarem-se.
O namoro “bom e de Deus” torna-se excelente quanto tem pouca duração, pois a
demora expõe os jovens a “inumeráveis perigos”. O tempo de namoro não deve exceder de 3
meses, seguindo-se 3 meses de noivado e, posteriormente, a preparação para o casamento.
Logo, entre o contato inicial e a oficialização do casamento não se deve passar de um ano.
O “namoro diabólico” possui características peculiares. Começa escondido dos
pais. Realiza-se nos portões, nas praças, nas ruas, em lugares afastados e escuros. “Executa-se
de uma maneira bem artística nos cinemas e automóveis”. Deixa-se levar pelos instintos,
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personalidade humana.
9) No ideal de escolher cônjuge, tenha bem presente certas igualdades, semelhanças
e aproximações, como: caráter, gênio, cultura, origem, religião, cor, idade, físico,
estatura, e outras qualidades. Estas condições são grandes fatores para a harmonia e
paz da vida conjugal futura.
10) Os jovens, ao empreenderem os primeiros passos do namoro, devem ter um
ideal elevado, nobre e sobrenatural; e ao chegarem a vida conjugal, devem seguir
também santificando-se por uma conduta virtuosa e piedosa, servindo desta vida
como meio para a vida eterna. Devem pensar sempre na felicidade eterna do Céu,
muito mais que na felicidade fugaz da terra (p. 10)
O beijo nesta circunstância é uma faísca capaz de originar um incêndio das paixões,
encaminhando a alma para o abismo dos vícios. O beijo é tentação do Demônio para
profanar a santidade do futuro matrimônio. Citarei uma prova curiosa que demonstra
bem claro, a maldade pecaminosa do beijo dos namorados, isto é, que aquele beijo
nunca procede em presença dos pais ou família, mas sim, em lugares afastados e
escuros onde está sempre presente o Demônio, Inimigo da Mocidade e da honra (p.
14).
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Padre Elias Maria Gorayeb afirma que, em suas experiências eclesiásticas, escutou
lamentações sobre os términos dos namoros e cita um exemplo. Em certa ocasião, uma jovem
o confessou que fazia de tudo para agradar o seu namorado, dançava em clubes, apresentava-
se com elegância, detinha atrativos de enfeites e pinturas, acompanhava-o nos passeios,
cinema e piqueniques, porém o término tinha sido inevitável.
Segundo ele, isso tinha acontecido porque o meio empregado para conquistar foi
exatamente o que contribuiu para o fracasso antes do matrimônio. Logo, respondeu para a
moça que a dança, a entrega às vaidades, aos enfeites, as aparências de encanto, a perda de
tempo em passeios e futilidades, foram decisivos no fracasso do relacionamento.
Um rapaz sério, que procura verdadeiramente casar-se e constituir família, nunca
procura uma bailarina nem uma moça muito atirada às vaidades, às futilidades e à
perda de tempo. É por esse motivo que existe uma infinidade de moças que
destruíram a felicidade de suas vidas pelos mesmos meios com que pretendiam
construir. Namoraram muito e por isso não casaram. Eis a causa desta lamentável
anarquia que domina esta pavorosa crise de casamentos na sociedade moderna. Aqui
está uma prova: A mocidade de hoje namora muito, sendo pouco, pouquíssimos, os
que se casam... Escutai mocidade – ‘Ou corrigirás o teu erro, nessa maneira de
pensar para constituir um lar, ou terás que permanecer num estado degradante,
perdendo por completo a felicidade de teu futuro’ (p.14).
Antes de finalizar o livro, o autor cita dois países que servem de “modelo” para os
relacionamentos entre os jovens. O primeiro deles é a Suíça. Segundo ele, o governo do país
europeu, notando que existia uma liberdade demasiada na sociedade, principalmente entre os
jovens, decretou que nenhum rapaz tinha licença de acompanhar publicamente a uma moça, a
não ser da família mais próxima, ou então, deveria ter um documento que creditasse que era
noivo dela, estando perto de casar-se brevemente, dentro de um prazo não superior a um ano,
começando desde a data marcada no documento.
Conforme seus escritos, na Suíça, “as moças sérias, ajuizadas e nobres, apoiando este
ato do governo, formaram uma sociedade”, cujo principal fim era o seguinte: nenhuma moça
sócia poderia “dar confiança” a um rapaz, nem acompanhá-lo, nem conversar com ele, no
sentido de namoro ou noivado, antes de pedir-lhe um documento com a sua assinatura e a de
um dos membros de sua família, autenticando o documento perante a autoridade civil, a fim
de evitar abusos e assegurar um futuro garantido. “Esta sociedade alcançou em pouco tempo
mais de 10.000 sócias, chegando-se a endireitar as intenções de muitos rapazes em relação ao
casamento” (p. 17).
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Padre Elias Maria Gorayeb também destaca outro país que servia de modelo para os
jovens, a saber, sua pátria de origem, o Líbano. Para ele:
O casamento no Líbano é algo extraordinário, digno também de ser mencionado
aqui. É tradicional e comum na sociedade Libanesa, que a mocidade quando chega à
idade do casamento, deve casar, confiando-se seu casamento, antes de tudo, a seus
pais. Uma vez feita à compreensão entre pais e filhos, os pais do rapaz vão à casa da
moça escolhida para pedi-la em casamento. Então, as reuniões dos rapazes e moças
candidatos ao casamento são sempre em sociedade e em presença das famílias. (p.
17)
Nestas circunstâncias, o autor conclui que o namoro não existe no Líbano. Um rapaz
nunca acompanha uma moça sozinha às festas sociais. O entendimento entre eles é feito com
raciocínio, nobreza e em presença da família. As conversas giram sempre sobre a
responsabilidade da missão que vão assumir e sobre a organização do novo lar.
O compromisso entre os jovens é feito por intermédio das famílias envolvidas. O dia
e horário do casamento pega os jovens de surpresa. Todavia, sem grandes enfrentamentos,
exceto “nas grandes cidades, onde existem elementos estranhos que trazem ao Líbano certos
costumes modernos que são sempre combatidos e condenados pela massa” (p.18).
Os casamentos no Líbano, em sua maioria, são felizes, pois são frutos de uma base
sólida fundada sobre o amor de Deus, a razão e a Doutrina da Igreja. Muitos na
sociedade moderna estranham o que dizemos e talvez recebam o que publicamos
com semblante constrangido. Entretanto, a verdade deve ser anunciada em toda
parte, mesmo que não haja aceitação, porque a moral é moral sempre, e a verdade é
verdade até o tempo sem fim! (p. 18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse estudo introdutório descritivo, podemos aferir que o artefato cultural
citado, problematiza as sociabilidades juvenis, destacando elementos oportunos para reflexões
sobre as experiências do passado recente e suas influencias no presente. Há uma preocupação
em educar os corpos jovens fora do ambiente escolar. Logo, instaura-se uma tentativa de
pedagogia familiar, onde os pais são responsáveis pelo bom amadurecimento afetivo-sexual
dos seus filhos.
No artefato cultural estudado, o foco está nas sociabilidades juvenis, todavia
encontramos indícios de como os aparatos preventivos das relações de gênero e da
heterossexualidade apresentavam-se. Tais aparatos revelam-se de forma sutil, tendendo a uma
representação de naturalidade construída para ser imposta como verdade.
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CONNELL. Robert W; MESSERSCHMIDT, James W. Masculinidade Hegemônica:
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CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro:
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DAYRELL, JUAREZ. A Escola ‘Faz‘ as Juventudes? Reflexões em torno da Socialização
Juvenil. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 – Especial, p. 1105-1128, out. 2007.
___________________. A Juventude e suas Escolhas: As relações entre Projetos de Vida e
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Geografias Plurais em Confronto. Instituto Politécnico de Portalegre – Escola Superior de
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LEVI, Giovanni & SCHMITT, Jean-Claude (orgs). História dos jovens II: a época
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MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte:
Autêntica Editora/UFPO, 2012.
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INTRODUÇÃO
Este artigo teve como objetivo analisar as estratégias discursivas das cartas
destinadas ao diretor do Colégio dos Educandos Artífices da Paraíba no jornal diário O
Publicador. Para isso, partimos dos indícios dos conteúdos das epistolas como: ao diretor do
Colégio dos Educandos Artífices, pagamento de trabalhadores da Casa dos Educandos,
compra de materiais para obra no Sítio Cruz do Peixe dentre outros. Os documentos-
monumentos utilizados nas análises foram os relatórios de presidente de província da Paraíba,
ofícios manuscritos e leis e regulamentos da Paraíba.
As cartas destinadas ao diretor do Colégio do Educandos Artífices da Paraíba nos
jornais no Império brasileiro possibilitaram a percepção das práticas culturais de leitura e
escrita que permitem ao pesquisador entender a cultura escolar da época. Nesse sentido,
corroboramos com Chartier (2002, p.16) quando explica que ela “tem por principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social
é construída, pensada, dada a ler”.
Em nossos resultados sobre as análises discursivas postas neste artigo percebemos
como o inspetor do tesouro provincial publicava a prestação de contas de seus serviços,
comunicando suas ordens ao diretor do Colégio dos Educandos Artífices da Paraíba, e
fazendo uso das cartas e de suas regras de produção. Assim, verificamos que ao passo que
versaram sobre a obra de reforma no estabelecimento deram visibilidade aos recursos
destinados ao pagamento de materiais para construção e especificaram os valores de
pagamentos das despesas. Dessa forma, ainda constatamos que o diretor poderia ocupar mais
de um cargo público, além do que desempenhava na instituição que atendia a pobres livres,
órfãos e desvalidos da Paraíba.
PUBLICADOR
para fazer uso dos recursos de retórica, na intenção de tornar os textos das cartas persuasivos.
Para ocupar o cargo de Diretor do Colégio dos Educandos Artífices da Paraíba, era
necessária a nomeação da presidência como poder ser conferido no relatório de 1867 no qual
o diretor do colégio dos educandos era nomeado pelo presidente da província. E, ainda
apresentar as exigências apontadas no regulamento. Nesse sentido, o Regulamento da Casa de
Educandos Artífices no artigo 14 determinou que:
O Diretor, que deve ser de preferência um Sacerdote, é a primeira autoridade do
estabelecimento, e reside no Colégio. Todos os empregados lhe devem respeito e
obediência, e perante o Presidente da Província é ele o único responsável pela
prosperidade e pela representação do estabelecimento. (REGULAMENTO N.7 In
CURY, p.122 grifos nossos).
No artigo 14, há dois pré-requisitos para que um sujeito fosse nomeado à direção do
colégio técnico para pobres, órfãos e desvalidos. O primeiro era que esse preferivelmente
devia ser sacerdote e, o segundo tinha que residir no estabelecimento de ensino. Segundo
Cunha (2000), a escolha por padres a frente de instituições escolares ocorria porque esses
tinham sólida formação intelectual. Nessa direção, Pinheiro (2010, p.227) afirma que no
século dezenove existiu uma “íntima relação entre o Estado imperial e Igreja Católica [...] que
era a religião oficial da nascente nação brasileira. ”
Pelo regulamento do colégio, percebemos que o diretor administrava o colégio em
parceria com os outros servidores da província como consta no artigo oito e no relatório de
(1867,p.02) “a administração do Colégio fica a cargo de um Diretor e de um Conselho
Administrativo, que será composto do mesmo Diretor, do Diretor da Instrução Pública, e do
Procurador Fiscal da Fazenda Provincial”. Segundo determinou o artigo dez do regulamento
o conselho do colégio devia se reunir mensalmente no terceiro dia útil de cada mês. Por isso, a
fiscalização do trabalho do diretor Joaquim Victor Pereira contava era rigorosa e burocrática.
No ano da compra do sítio Cruz de Peixe que sediou o Colégio dos Educandos
Artífices da Paraíba uma das cartas publicadas no jornal O Publicador chamou atenção do
leitor para as obras de reforma e construção que passou o respectivo estabelecimento.
Vejamos uma das cartas:
–Idem ao padre Joaquim Victor Pereira. –Achando-se Vmc. Nomeado, por portaria
de hoje, diretor do collegio de educandos artífices creado em virtude da lei
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Passo ás mãos de V. Ex.ª a conta junta da despesa feita com o material da obra do
Collegio d`educandos artifices, na semana q. Passou, afim de q V. Ex.ª se assim
mandar satisfaser a sua importancia.
Dº Jº a V. Exª (ilegível)
Il.mo e Exmo Sr. D.orFelisardo Toscano de Britto
(ilegível)Presidente da provincia
(PARAHYBA DO NORTE, PROVINCIA DA, 1866 s/p)84
84
Documento manuscrito. CX.48. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba. FUNESC.
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cartas que abordavam conteúdos diferentes que foram referentes ao diretor, e, por isso,
observamos que esse por ter sido responsável pela administração financeira do Colégio dos
Educandos Artífices da Paraíba interagiu recorrentemente com o tesouro provincial. Sena
(2014) ao tratar do uso de vocativos nas epistolas afirma que essa era uma forma de marcar
uma singularidade no discurso. Entendemos que possivelmente tal adaptação competia ao
editor do periódico. Nesse sentido, Chartier (1999) ao discorrer sobre o controle da produção
dos textos escritos afirma que o autor não tem domínio de sua produção textual, essa por sua
vez passa pela revisão do editor que tem como competência adaptá-la ao espaço de publicação
de maneira que fique agradável ao leitor. Nesse sentido, as cartas no jornal não tinham um
lugar fixo e uma forma que a padronizasse.
Nas epistolas citadas acima percebemos que a direção da primeira instituição de
ofícios financiada pelo estado destinada a treinar pobres livres, órfãos e desvalidos prestava
contas com detalhes dos recursos utilizados para compra de materiais de construção para
reforma do estabelecimento. Nesse sentido, o regulamento no artigo sexto determinou essa
responsabilidade para o diretor “organizar a vista dos balancetes mensais do Diretor, e
apresentar ao Presidente da Província no fim de cada mestre, o balanço da receita e despesa
do estabelecimento. ” Desse modo, concluímos que o inspetor do tesouro público era o
responsável pela mediação dos dados financeiros transmitidos pela gestão do Colégio dos
Educandos Artífices da Paraíba.
Além dos materiais para obra do colégio o jornal O Publicador pelas cartas deu
visibilidade as interações com outra esfera administrativa da província da Paraíba que
interagiu com o Colégio dos Educandos, a saber: o comandante superior interino da capital
que como a informação acerca da ordem do comandante superior da Paraíba que recebeu
ordem para liberar um pedreiro que devia contribuir no adiantamento da reforma. Segue a
carta:
– Idem ao commandante superior interino da capital. Achando-se actualmente
empregados, como offictaes de pedreiro nas obras do edificio do collegio de
educandos artifices os guardas nacionais do 4.º batalhão desse commando superior
Joaquim Francisco dos Santos, e Vicente Nunes, que acabam de ser designados para
o serviço do destacamento desta capital ; determino a V. S. Que dê suas ordens para
os fazer dispensar do dito serviço em atenção não so á urgente necessidade, que
ha de prompto acabamento do mencionado edificio, como a terem eles
regressado do destacamento em janeiro do corrente anno, segundo sou informado.
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Inferimos que o colégio teve seu funcionamento de forma precária e, que a obra
seguia enquanto os educandos eram atendidos, pois a Paraíba vivenciava segundo Silveira
(2009), a crise econômica que se refletiu em todas as esferas sociais do seu espaço regional, e,
em virtude da seca no Norte que prejudicou a produção açucareira e algodoeira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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legitimação das identidades de seus atores” e isto seguimos no fragmento do livro Alecrim do
tabuleiro (1972, p. 16):
era isto: livre escolha e nada mais. Logo... Todavia, professores como éramos, não
podíamos manifestar muito nossa opinião. Muito, não. Nem muito, nem pouco.
Nada. Se assim procedêssemos, mesmo longe da escola, a perseguição, em forma
de transferência, não tardava: parece que vinha...2 a jato. [...] (Nessa hora o
‘Departamento de Educação’ andava depressa, ‘despachando os papéis...’)
professora não tinha vez, nem vontade. Era teleguiada. Eu mesma sofri na pele, alta
perseguição, transferida segundo quiseram que eu fosse, para lugares dantes nunca
povoados, muito pior, em se tratando de professora. Isto porque, sempre fui teimosa
e não conseguia esconder minhas simpatias... Achava que a democracia
Maria Feijó representa uma mulher que não se deixa vencer pelas injustiças e
punições, pois acreditava ser a educação a mola-mestra da transformação. Este pensamento
justifica sua satisfação em tornar-se professora primária e pensar contribuir para uma
sociedade composta por cidadãs/os defensoras/es dos seus ideais. Inspirava-se nas suas
professoras quando cursara o Curso Primário para “alimentar seu ideal.”
Desde jovem valorizava as comemorações escolares, como o dia da árvore, momento
em que ela e suas colegas saíam vestidas de camponesas, supervisionadas por uma professora
em busca de local para plantar uma árvore:
Pois bem, meus amigos, e no dia 21 de setembro, saíamos em fila, com a alegria nos
olhos e alvorada nos sorrisos, de estarmos vestidas de camponesas, com todos os
aparatos para o plantio da árvore que, à frente era conduzida, condignamente, por
uma aluna maior, em geral, boa aluna, de ótimas notas e exemplar conduta. Baldes,
enxadinhas, pás, picaretas, cavadores, etc., nos acompanhavam, tudo em miniatura
[...]. (FEIJÓ, 1972, p. 86).
2
A escrita de Maria Feijó é marcada com o uso de reticências antes e depois de frases. Outra característica da
escritora reside no uso de palavras e frases em caixas altas.
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‘Ora! Senhor Delegado Escolar’ – quase lhe respondi – ‘logo a quem o senhor vem
dizer isto! (E porque não me conhece!...) Se não posso ver uma Bandeira Brasileira
tremulando, muito menos ouvir o Hino Nacional, que não sinta vibrar em mim toda
a brasilidade trazida dos longes do meu curso primário, desde tenra infância’ [...].
(FEIJÓ, 1972, p. 50).
Ufanista, amava a pátria, bens e valores morais, o que externava nas aulas de
Educação Moral e Cívica ampliadas pelo sentimento religioso:
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3 Maria Feijó foi “Miss Alagoinhas”, fundou a “Hora da Biblioteca” com uma “Escola de Brotinhos” no Serviço de Alto-
Falantes local e foi única mulher que integrou a redação de um jornal da década de 30 dedicado aos homens. (O Alarma).
Estes dados foram obtidos através de uma entrevista concedida pela escritora ao extinto jornal Educarte, produzido pela
Secretaria de Educação do Município (199-?) em uma das suas vindas a Alagoinhas, haja vista, que se mudou para o Rio de
Janeiro nos anos 60.
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Férias alongadas você terá (pelo menos mais do que em qualquer outra profissão),
momentos de aula com intervalos descansáveis para a devida pausa repousante,
necessária (embora o prosseguimento dos deveres escolares em casa. Mas em casa,
no seu lar, à sua vontade, até mesmo servindo de uma higiene mental, um nobre
espairecimento), tema esse que caberia, se possível, uma tese em sua defesa.
[...] Escola Jesus, Maria, José dos saudosos professores Mário e Maria José Laerte
[...] Particular primária e uma das melhores, senão a melhor da época, em toda
Cidade, mantendo ainda um Curso Complementar. [...] (Esta escola, para nossa
alegria, ainda hoje é mantida pelo mesmo casal, com igual gabarito e muito mais
vivência nas experiências adquiridas num caminho extenso de feliz sacerdócio, em
Salvador, no Politeama de Baixo). Logo foi procurada por todas as famílias locais
na ânsia de sempre serem oferecidos melhores dias aos filhos, em futuro alicerçado
no estudo. Poder-se-ia dizer desta Escola, guardando-se as devidas proporções no
tempo e no espaço, que foi a precursora da educação lá implantada, tempos depois,
por Alcindo de Camargo.
“Começam as aulas” (1972, p. 34-37) é iniciada pela epígrafe “– Para você, MÃE-
AMIGA” – contemplando práticas que antecedem as aulas, desde a pasta escolar aos
uniformes. Melancolicamente, lamenta o término do carnaval ao tempo que anuncia a
chegada das matrículas e do ano letivo com início no mês de março, desde o Jardim até a
Faculdade. Destaca a prática de repassar livros aos irmãos mais novos, pessoas carentes e
bibliotecas e que isto não acontece se a mãe não colaborar com a professora e insinua
acontecimentos nas escolas particulares:
[...] Para cada ano que passa, um livro especial é providência que, se não for
estudada para ser refreada e substituída, vai chegar a vez de, principalmente, em
escola particular, não mais poder se continuar estudando. Ainda bem que nas
escolas públicas, há um bom auxílio em livros para os alunos. Mas... e as
particulares? Enfim... nada temos a ver com isso).
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Contempla os deveres de casa e sua relação com o caderno de férias, lembrando que
a mãe é responsável por lembrar às filhas e filhos essa responsabildade e que o cuidado com o
“Português” era importante:
Além [...] do DEVER DE FÉRIAS, que não sabemos se muita professora primária
usa hoje para com seus alunos. [...] Apenas, temos ciência [...] nos nossos tempos
de professora, no encerramento das aulas, antes dos exames finais, quando os
alunos faziam as escritas para o ‘Caderno de Férias’ [...]. E quando outra coisa não
entrasse em vigor, em se tratando de aprendizagem, entraria o Português, língua-
mãe para todos nós e Disciplina Básica [...] no curso primário. Isto [...] em relação
ao Curso Primário, [...] porque, no nosso tempo de Professora, [...] não havia
Jardim de Infância. Ou a criança era 1º ano ou não era...
Broto amigo, mais ainda da parte feminina, ouça-me, por favor e... se puder, siga o
meu conselho: queira ser PROFESSORA PRIMÁRIA, SEJA PROFESSORA
PRIMÁRIA, profissão quão espinhosa, mas também... tão nobre, indicada,
ajeitável, ajustável, amoldável à alma, à vida da mulher, principalmente em uma
Cidade de Interior, dando continuidade àquele clássico ‘esposa-e-mãe’, a ele,
perfeitamente acrescentável: Mestra! (FEIJÓ, 1972, p. 23).
[...] sim, minha querida amiga jovem, SEJA professora para você poder derivar a sua
vida na vida de suas crianças-alunos, que são as nossas crianças, as crianças de todas
nós, tão maleáveis (grifos nossos) ao sentimento, ao carinho, à ternura, ao senso
maternal que vive em cada MULHER... (FEIJÓ, 1972, p. 24).
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[...] você deve colaborar com a Professora. Isso se chama, indiretamente, mas...
eficazmente, aquela GRANDE, ÚTIL e PROVEITOSÍSSIMA ‘ALIANÇA entre
PAIS e PROFESORAS...’ – Digamos de passagem: entre MÃES E
PROFESSORAS. Pais, aqui aplicamos no sentido genérico, porque sabemos, em
verdade, que esses cuidados imprescindíveis à educação integrada da
criança, cabem é a VOCÊ, MÃE-AMIGA.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Maria Feijó, com uma postura “revolucionária” para a época, na luta pelos seus
ideais resiste a preconceitos, mas, quando se vê oprimida muda-se para o Rio de Janeiro.
Ocorre que, na “cidade grande” estranha o comportamento das mulheres dos pensionatos por
onde passou. Deste modo, apesar de suas participações carrega ranços de uma cultura
patriarcal, que determina o lugar da mulher: mãe, professora e dependente de orientações
masculinas. Sob essa estrutura foi educada, por isto, ao mesmo tempo em que seu impulso
revolucionário era instigado, suas raízes conservadoras a reprimiam. Este comportamento
possibilita duas reflexões: primeiro, não aceitou as amarras de sua cidade natal; no entanto, ao
manter contato com novos conceitos os rejeita. Essas reflexões demonstram a segurança como
os fundamentos patriarcais foram difundidos e encontram-se modificados e espalhados nas
diversas culturas. Em meio a essa diversidade, a escola é ainda um local ideal para a
disseminação de valores e a prática pedagógica pode influenciar no comportamento das
pessoas e insistir na busca de um lugar no mundo idealizado para e pelos homens. Portanto, as
ideias surgidas no texto em estudo devem ser analisadas criteriosamente, pois é importante
percebermos que as crônicas de memórias possibilitam refletir sobre a construção da exclusão
da mulher e, por isto mesmo, merecem releituras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Nessa citação, vemos que o destino de Bentinho já tinha seu destino traçado desde
sua concepção; ele expõe à promessa feita pela mãe como uma justificativa de fé e amor. Ao
narrar o motivo pelo qual sua mãe quisera vê-lo padre e o porquê de ele ter suas aulas em
casa, vemos que Bentinho tem nas atitudes da mãe a expressão de amor e cuidado e suas
ações são unicamente para um bem maior como honrar a Deus e amar ao filho. As palavras de
Bentinho expressam sua conformidade em atender as decisões da mãe e ver nelas seu destino
já decidido, sendo ele, apenas espectador dos acontecimentos futuros, o que podemos concluir
como uma falta de atitude de nosso narrador. Insegurança, dependência, repressão, ansiedade,
neurose são algumas caraterísticas da personalidade de Bentinho e que serão refletidas em
todas as suas atitudes e ações. Poder-se-ia dizer que Bentinho sofreu, durante seu processo de
desenvolvimento pessoal, o que Freud conceituou de castração. De acordo com Freud,
castração é o processo pelo qual a criança passa a reconhecer a diferença sexual entre os seres
masculino e feminino; o filho passa a “desejar” a mãe só para si, e vê no pai, um rival assim
com a filha “deseja” o pai e a mãe passa ser sua rival. Embora não tenha tido muito contato
físico com o pai, a figura paterna é desempenha, através da mãe, de maneira simbólica,
verbal, como fica expresso no trecho abaixo:
São retratos que valem por originais. O de minha mãe, estendendo a flor ao marido,
parece dizer: “Sou toda sua, meu guapo cavaleiro!”. O do meu pai, olhando para a
gente, faz este comentário: “Vejam como esta moça me quer...” [...] Depois da morte
dele, lembra-me que chorou muito; mas aqui estão os retratos de ambos, sem que o
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Bentinho admira o amor que a mãe tinha por seu pai e que mantinha mesmo depois
de sua morte. Vemos que ele retrata a atitude da mãe como uma entrega ao amado, diferente
do pai, que, expressa no olhar o orgulho da conquista de sua amada. Bentinho projeta no olhar
da mãe a certeza do verdadeiro amor e é por esse olhar que ele busca na mulher amada que,
como a mãe, o olhasse de maneira a se entregar para ele.
Já na visão de Melanie Klein (1996), Bentinho vive uma situação transferencial, pois
a mãe projeta no filho a figura do marido, como podemos observar a seguir:
[...]-Mano Cosme, é a cara do pai, não é?(...)-Justamente! Exclamou minha mãe.
Mas veja bem, mano Cosme, veja se não é a figura do meu defunto. Olha Bentinho,
olha bem para mim. Sempre achei que te parecias com ele, agora é muito mais. O
bigode é que desfaz um pouco... (ASSIS, Cap.XCIX, pag.199-200)
Nesse trecho, vemos a comparação feita ao marido morto por dona Glória com seu
filho e este, como narrador, relata a beleza vista pelos olhos da mãe que o compara a seu pai,
demostrando a transferência por ela criada na figura do filho. Embora criado para satisfazer os
desejos da mãe, Bentinho, não se identifica com os desígnios da mesma em fazê-lo padre.
Angústias e dúvidas permeiam o grande conflito que precisa enfrentar: impor-se frente à mãe
ou simplesmente obedece-la. Tal postura demonstra, nas palavras de Klein (1996), uma
fraqueza do ego:
Dúvidas quanto ao objeto bom surge facilmente numa relação criança-mãe: isso se
deve não apenas ao fato de o bebê ser muito dependente da mãe, mas também à
ansiedade recorrente de que sua voracidade e impulsos destrutivos venham a
preponderar – ansiedade que é importante fator nos estados depressivos ( KLEIN,
1991, p.225).
Elza Macedo, em seu artigo Apontamentos sobre a angústia em Lacan, afirma, nas
palavras de Lacan, que a angústia é um afeto porque é algo certeiro:
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nota-se que a mesma manipula essa situação para que ela seja centro da vida do filho, este
então busca responder ao amor e cuidados recebidos por esta mãe tão dedicada, passando a
viver de forma a agradá-la e, inconscientemente, passando a depender de suas decisões. Tal
atitude, Klein identifica como sendo um sentimento de amor e gratidão, pois o indivíduo
sacrifica seus próprios desejos e sentimentos em nome do outro:
Bentinho passa a afligir-se por está no seminário e não poder ficar perto de sua
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amiga, o que o leva a demostrar sua impotência sobre as atitudes de Capitu e a agonia por não
ser seu único objeto de prazer. A restrição que o impede de ir ao encontro de Capitu não está
relacionado apenas a distância física mas ao sentimento; é o que Lacan chama de
impedimento: “o impedimento não é do movimento, mas do sujeito, o que nos aproxima da
angústia” (MACEDO, 2008). A repetição da palavra “quantos” demonstram todo o
desequilíbrio psicológico e o ressentimento do personagem ao tomar ciência do
comportamento de Capitu; nesse trecho, o narrador-personagem começa a insinuar que é
traído, embora de maneira inconsciente, e sente o ímpeto de destruir o objeto amado.
Podemos identificar que, tal sentimento não é direcionado apenas para Capitu, mas também
para aqueles que hipoteticamente, teriam se relacionado com ela. Bentinho deixa sua
insegurança conduzi-lo ao ódio que sente em saber que Capitu poderia olhar para outros
rapazes e já passa a imaginar sua atitude diante da situação, deixando claro seu pavor em ver
sua amada voltar seu olhar a alguém que não fosse ele.
De acordo com Klein (1996), o sentimento de amor e ódio sintetiza aspectos bons e
maus da mãe: conforme afirmamos neste artigo, Bentinho vive um processo transferencial da
mãe com Capitu: aquela, viúva, abstém-se de novas núpcias e vive como se o marido estive
vivo; esta, ao contrário, separada por um breve momento “permite-se” ser cortejada. Nessa
situação Bentinho não vê em Capitu a postura de fidelidade que está na mãe. O ciúme surge
então como um elemento constituinte do ódio e desejos de morte, e sendo vivenciados,
transfere os sentimentos hostis não apenas ao objeto (neste caso Capitu), mas principalmente
contra os rivais (o peralta da vizinhança). Esse sentimento despertado em Bentinho é o que, de
acordo com Marco Antonio Coutinho Jorge (2007), em seu artigo Angústia e Castração,
Lacan define em sua teoria, como um fator desencadeador da angústia considerado como um
sinal real que invade o imaginário, o que fica ratificado no trecho a seguir:
Tudo isso é obscuro, dona leitora, mas a culpa é do vosso sexo, que perturbava
assim a adolescência de um pobre seminarista. (ASSIS, Cap.LXIII, p.146)
adolescência, e acaba sendo dominado por eles, assumindo um papel de vítima. Capitu, na
visão de Bentinho, é culpada por sua agonia e por seus sentimentos de raiva, como podemos
conferir no trecho abaixo, numa revelação cheia de desequilíbrio emocional e ímpetos de ódio
e vingança:
Corri ao meu quarto, e entrei atrás de mim. Eu falava-me, eu perseguia-me, eu
atirava-me à cama, e rolava comigo, e chorava, e abafava os soluços com a ponta do
lençol. Jurei não ir ver Capitu naquela tarde, nem nunca mais, e fazer-me padre de
uma vez. Via-me já ordenado, diante dela, que choraria de arrependimento e me
pediria perdão [...] A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço,
enterrá-las bem, até ver-lhe sair a vida com o sangue... (ASSIS, Cap.LXXV, p.163-
164)
Toda essa fusão de sentimentos provém, segundo Lacan, da relação de desejo que
intervém no amor, mas não diz respeito ao objeto amado; Macedo (2008) afirma que, para
Lacan, a angústia, enquanto sentimento, não está relacionado a pessoa do outro, e sim o
“Outro”, significativo, que está dentro de nós mesmos:
Bentinho não consegue expressar seus desejos e vontades, ou seja, não se impõe
frente as suas relações pessoais, seja com a mãe, seja com Capitu; essa indefinição de sua
personalidade, a contradição de quem sou com quem devo ser, do ideal representado
buscando dentro de si mesmo um Outro para completa-lo e traze-lo a existência, é o eixo
causador da angústia bentiana.
Separado da mãe e de sua amiga, no seminário, Bentinho consegue desenvolver
relacionamentos de amizades, desta vez com o sexo oposto, dentre as quais destaca- se a com
Escobar. Contrário ao sentimento amoroso que sente por Capitu, Bentinho também se deixa
ser seduzido por Escobar, numa relação que lhe causa prazer e satisfação:
A princípio fui tímido, mas ele fez-se entrado na minha confiança. [...] Escobar veio
abrindo a alma toda, desde a porta da rua até o fundo do quintal. A alma da gente ,
como sabes, é uma casa assim disposta... [...] Não sei como era a minha. Eu não era
ainda casmurro, nem D.Casmurro; o receio é que me tolhia a franqueza, mas como
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Ao conhecer Escobar, Bentinho passa a lidar com uma relação diferente na qual está
habituado. Ele descreve seu encontro com o amigo como sendo algo que lhe “abriu a alma”
([...] Escobar veio abrindo a alma toda... p.134) e essa nova amizade lhe dar prazer. Embora deixe
claro, mais uma vez, que sua alma era fraca, Bentinho fala de Escobar com o encanto que a
postura do amigo lhe causa. A maneira pela qual se da à relação entre Bentinho e Escobar, são
o que Klein (1996) faz referencia como sentimentos afetuosos dissociados daqueles de caráter
sexual:
Apesar de novas gratificações e elementos correspondentes à personalidade adulta
penetrarem na amizade de um homem com outro, este também busca uma repetição
da sua relação com pai ou um irmão, tenta encontrar uma nova afinidade que
preencha desejos do passado, ou então, procura aperfeiçoar relações insatisfatória
com aqueles que um dia lhe foram mais próximos (KLEIN , 1996, p.375).
Conforme dito neste artigo, Bentinho não teve relacionamento com pai nem com
irmão, uma vez que foi filho único e a figura paterna limitou-se a uma função simbólica; já
Escobar, tinha uma irmã e foi criado pelo pai advogado; sua entrada no seminário é para
satisfazer desejos familiares, embora sua paixão seja o comércio. Os sentimentos de castração
de Bentinho encontram em Escobar, uma satisfação de liberdade e que, em seu inconsciente,
Bentinho vê no amigo as atitudes que ele sempre quis ter e teve coragem para vivenciar. Essa
afinidade, entre os dois, corrobora as palavras de Klein, como podemos observar:
-Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui no seminário você é a
pessoa que mais me tem entrado no coração, e lá fora, a não ser a gente da família,
não tenho propriamente um amigo (ASSIS,Cap. LXXVIII, p.166).
O relato feito sobre os sentimentos de Bentinho são sempre com palavras de dentro
dele. Ele relata que o amigo “entra no coração” e na alma. Podemos observar que, ao longo da
obra, Bentinho vai construindo relacionamentos significativos, embora de sentidos
diferenciados com Capitu e Escobar; estes passam a ter importantes papéis na formação de
sua personalidade e na sua vida pessoal. Capitu sempre é tida como uma amiga, apesar de
tornar-se esposa, mas a Escobar, Bentinho o retrata como alguém que nasce de dentro dele,
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invadindo sua alma e seu coração, tornando-se uma “amizade grande e fecunda”, embora o
mesmo tivesse “uns olhos policiais a que não escapava nada”. Escobar é, então, o oposto de
Bentinho: decidido, inteligente, perspicaz, e consegue interferir na vida dele na mesma
maneira que Capitu: Bentinho passa a contar com dois aliados para tira-lo do seminário.
Bentinho, em um determinado momento converte em dúvidas e dissabores, a
amizade entre Capitu e Escobar, de modo a se insinuar, numa perspectiva paranoica, um
triângulo amoroso entre eles. É pela voz de Bentinho, que imaginariamente Capitu e Escobar
estão próximos, e se envolveram fisicamente. A priori, Capitu não confia em Escobar e até
questiona Bentinho por lhe confiar segredos:
Fica expresso nesse dialogo que Bentinho, confia plenamente tanto em Escobar
quanto em Capitu; a aproximação de ambos só ocorre quando Bentinho vai estudar Direito e
Escobar, já negociante do ramo de café, serve com intermediário na troca de cartas entre
Bentinho e Capitu:
[...] Ele foi o terceiro na troca de cartas entre mim e Capitu. Desde que a viu
animou-se muito com nosso amor. [...] Nem depois de casado suspendeu o
obséquio... Que ele casou, - adivinha com quem, - casou com a boa Sancha, amiga
de Capitu... (ASSIS, Cap.XCVIII, p. 199).
Casados, Bentinho com Capitu e Escobar com Sancha, vivem cada vez mais
próximos; no entanto, o narrador-personagem sempre enfatiza a importância tanto de Capitu e
Escobar na sua vida:
[...] mas as cautelas que Capitu empregou para o fim de descobrir-me um dia o
cuidado de todos os dias. Escobar também se me fez mais apegado ao coração. As
nossas visitas foram-se tornando mais próximas, e as nossas conversações mais
intimas. (ASSIS, Cap.CVII, p.212)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Bentinho sempre teve sua vida direcionada pelos outros; no decorrer de sua vida, não
consegue estabelecer relação com o seu Outro e passa a viver uma dependência, como sujeito,
do outro. Bentinho estabelece com da mãe, Capitu e Escobar suas relações mais intimas nas
quais, ele relaciona seus sentimentos. Criado só com a mãe, ele passa a tê-la como modelo de
mãe dedicada e de esposa fiel, tendo assim sua imagem como sendo de perfeita conduta.
Capitu, por sua vez, é sua amiga mais antiga e seu amor de adolescência e projeta nela seu
desejo transferencial que, inconscientemente, nutria pela própria mãe. Em Escobar, Bentinho
descobre um sentimento que sai de dentro dele, que não nasce com a amizade, mas sim como
se já existisse; Escobar tem sua figura relatada como alguém que nasce da alma e coração de
Bentinho, e que, aquele, seria objeto de desejo de Bentinho, não no sentido sexual, mas de
personalidade, ou seja, uma projeção do seu próprio Eu, o Outro que sempre buscou dentro de
si.
Nas relações construídas por nosso narrador, vemos reflexos psicóticos, fruto de sua
falta de confiança construída ao longo de uma infância de castração, Ao procurar no olhar a
Capitu o mesmo sentimento demonstrado pela sua mãe ao pai morto, e, ao vê-la demostrar o
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mesmo sentimento, através do olhar, para Escobar morto, tem como uma desconexão com sua
esposa; quando Capitu olha para seu amigo morto, desperta o fantasma da traição, que passa a
angustiar Bentinho pois, inconscientemente encontra naquele olhar o amor que se havia
perdido, ou que jamais tivesse possuído. A agonia da traição e a dúvida provoca fraturas
irreparáveis em Dom Casmurro, tornando-o um homem fechado, que perdeu seus amores para
a morte e para dúvida, passando a viver seus dias com a alma endurecida pois nunca soube
liberta-se da incerteza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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INTRODUÇÃO
Conhecer a vida de alguém através de relatos, crônicas e reportagens é uma tarefa
complicada que exige bastante cuidado com o tratamento das fontes, pois os discursos são
construtores dos sentidos da “verdade”, ao passo de normatizar as identidades. Por isso,
pensar na relação das mulheres com a linguagem é ultrapassar as barreiras rompidas pelas
mulheres em meados da década de 60 e 70 pleiteando direitos no âmbito público,
deflagrando um processo de afirmação identitária. A poética será a via produtiva do
reencontro do desejo de enunciar sentidos de libertação feminina. A arma dos poetas é a
palavra, e neste sentido corta, transforma, possibilita meios de reflexão. Desta forma a
escrita é a subversão da ordem estabelecida.
Nesses discursos não é difícil notar o silêncio sobre as histórias plurais das
mulheres e de forma mais intensa percebemos o silêncio de exaltação do trabalho das
poetas. Foi a partir dos feminismos que as mulheres passaram a desconstruir narrativas que
excluíam suas vidas da história nacional buscando produzir novas cartografias existenciais,
dessa maneira este texto propõe questionar as relações de poder na sociedade, em detrimento
da hegemonia das forças, e das relações de alteridade entre os seres humanos.
Diante desse contexto de descaso ao trabalho literário feminino, a credibilidade
atribuída, em geral, ao trabalho realizado por mulheres nas sociedades ocidentais é um fato
recente e ainda constitui uma problemática que requer a preocupação das estudiosas
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de uma fortuna crítica sobre a autora, porque seu nome foi tão negligenciado?
Marina Colansanti (1997) comenta que ao longo de muitas décadas, as mulheres
foram as grandes narradoras das memórias milenares patriarcais e dessa forma negligenciaram
sua existência. E, no momento que se tornaram narradoras de suas próprias histórias, seu
próprio texto, passa a representar um perigo constante mediante ao domínio do discurso
exercido pelos homens.
Feministas como Margarete Rago e a Tania Swain têm defendido que o corpo impõe
uma identidade ao indivíduo, conduzindo-o a exercer determinadas funções sociais, morais e
comportamentais. Dessa forma, observo o poder como essencialmente repressivo,
funcionando em cadeia, situando-se por todos os lados, dominado por poucos. Seu
funcionamento assemelha-se a uma rede, onde todos os indivíduos são capturados por ele e da
mesma forma a sexualidade. É esta a primeira ideia que avanço, para entender como foram
elaborados os discursos poéticos de Violeta de Lourdes Formiga Maia e assim passo de
imediato a um poema que represente um ponto de partida.
A porta fechada
a sala deserta,
silêncio.
E eu estava por fora
não percebia a dimensão
da vida
infinita no ângulo
da espera,
circulando na esfera
onde as pessoas sentem
da ilusão da esfera
que as portas se abram
magicamente,
que as pessoas não se façam
ausentes,
na importância dos fatos.
Mas a porta
magicamente não se abriu
e ninguém dela, por ela
surgiu
e eu me fui no espanto
de porta fechada,
na sala deserta.
Silêncio.
(FORMIGA, 1983, p.18)
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87 Professora do Departamento de História da UnB, doutora em história pela Sorbonne / Paris III.
http://www.tanianavarroswain.com.br/chapitres/bresil/utero.htm
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Minha vida
por uma única
palavra:
Liberdade.
(Então eu
serei feliz
como os anjos
que ainda não
nasceram).
(FORMIGA, 1983, p.23)
88 Entende-se bio-poder como um conjunto de práticas e discursos consolidado a partir do século XIX, que
através das técnicas de controle, modela o corpo da mulher ao homem, marcado pelo assujeitamento.
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Helena (2015) explica que poética feminista busca estabelecer uma relação de consciência e
conscientização em relação ao papel afirmativo do gênero feminino. Usando a palavra como
recurso transformador do lugar a que se referia, uma boa poesia cria modelos de sensibilidade,
mergulhando na linguagem no intuito de regenerar sentimentos e sentidos que envolvam os
leitores. Seus poemas quando não falavam diretamente de liberdade, exaltavam a figura dos
pássaros como símbolo de independência que tinham no seu vôo a representação da liberdade
que sua poética buscava.
O passáro
aparentemente acorrentado
voa firma
voa
nas asa do homem
feito cavalo alado
voa
extraindo da terra seca
a semente
pincel/sangue
carne/papel
rasga o véu
sai do ovo
e legitimamente
voa
A produção de autoria de mulheres sempre foi excluída, por várias razões, dentre elas
o puro preconceito de uma sociedade atrelada a valores patriarcais que reservava à mulher o
papel de esposa e mãe. Assim, sua produção sempre foi avaliada como deficitária em relação
à norma de realização estética, vista com aspectos masculinos. Dessa forma por muito tempo
a literatura dessas autoras, foi esquecida, apagada, relegadas ao encobrimento da memória
social. A partir da década de 1960 a irmandade feminista emergiu de forma mais intensa no
texto, deflagrando um processo de afirmação identitária.
Para um estudo depositado de valor cultural, necessita-se de análises que não excluam
a realidade diferenciada entre homens e mulheres, trata-se de avançar para uma história capaz
de perceber a complexidade dos processos sociais. Logo, os estudos feministas denunciam o
caráter particularista, ideológico, racista e sexista existente na história dos indivíduos. O
estudo dos sujeitos é considerado efeito das determinações culturais, inseridos num campo de
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complexas relações sociais, culturais e sexuais. Logo, a mulher deve ser pensada como uma
identidade construída para a projeção em uma sociedade patriarcal, condicionada as práticas
disciplinadoras que impedem seu desenvolvimento e liberdade.
O conceito de gênero aqui será entendido a partir da elaboração de Tereza Lauretis
(1994), sendo um conjunto de construções socioculturais que somado as representações,
identidades que foram historicamente conflitantes, são assumidas pelos sujeitos dentro da
sociedade, onde o feminino aparece atravessado por múltiplos discursos, posições,
significados e contradições. Coadunamos com Joan W. Scott (1990) que observa a categoria
gênero entre duas proposições fundamentais: “1)O gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseada nas diferentes percepções entre os sexos e 2)“o gênero é uma forma
primária de dar significado às relações de poder”. (1990:6) Logo, a inferiorização da mulher
aparece como resultado de uma essência atrelada ao seu corpo “deficiente”: fêmea, espírito
fraco e superficial, exigindo vigilância constante e a domesticação de seu ser, logo ao decorrer
deste trabalho mostraremos que por trás das divisões entre os sexos há um conjunto de
discursos responsáveis pela construção dos estereótipos dos indivíduos.
No nível das interrelações e nas relações de gênero em particular, o desafio
constante é manter os poderes que definem as posições e práticas nos relacionamentos. Pois, é
no âmbito da família que as disputas de gênero tomam-se ainda mais acirradas. Para Tereza
Lauretis (1994), o feminino aparece como uma construção atravessada por múltiplos
discursos, posições, significados e contradições. Para a autora – o casamento – aparece como
um discurso de controle, a partir de sua construção unificadora de vocação inata a todas as
mulheres, alvos constantes da vontade do outro, nesse cenário suas vontades e desejos são
esquecidos, pois estão submersas ao poder nelas depositado. Logo, damos a tais ocorrências a
nomeação de violência, porque notamos que esses comportamentos transgridem os direitos
pessoais dos indivíduos.
“A educação, pelo contrário, que é a formação dos bons hábitos e produz boas
esposas, mães e donas de casa parecem essencial. As virtudes femininas de
submissão e silêncio, nos comportamentos e gestos cotidianos, são centrais nela. E,
acima de tudo, o pudor, a honra feminina do fechamento e do silêncio do corpo.”
(PERROT, 2003, p.28)
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A organização do cotidiano continua a ser o grande teatro da vida das moças e a base
de sustentação do seu poder, o local de seu trabalho, de seu sofrimento, mas também de sua
alegria e satisfação pessoal. Nessa perspectiva apenas o espaço privado, a família, o lar, os
filhos são o espaço adequado para as moças. Mediante essa educação machista, levantar tais
discussões em torno das palavras é um ponto de resistência, ultrapassando as barreiras da
linguagem. Nélida Piñon no conto I love my husband, critica a atuação da vida feminina
apenas no espaço privado, cuja a matriz temática do texto é o papel devotado da mulher ao
casamento e ao marido, em nome dos quais rejeita seus mais secretos sonhos de liberdade, de
espontaneidade, de autonomia. Cenário por ela abalado, já no título do poema, eu amo meu
marido, seu texto é uma paródia comportamental feminista, tudo o que as mulheres não
devem seguir, ou ao contrário assumirão um lugar de submissão absoluta aos homens. Este é
sentido em torno da poética feminina, promover um reencontro com a personalidade de
muitas mulheres, é este um processo de afirmação identitária. Para tanto a poesia de Violeta
Formiga, tem muito a dizer as próximas gerações, pois o poema é a síntese, é a representação
de algo em poucas palavras. A poesia transforma, possibilita e cria novos sentidos com uma
intenção explícita de apontar alguns paradoxos existentes na sociedade.
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89
Graduada em História pela Universidade Federal da paraíba (2014). Especialista em Gênero e Diversidade na
Escola pela Universidade Federal da paraíba (2015). Mestranda em História pela Universidade Federal da
Paraíba − UFPB. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior − CAPES. Email:
dayannydeyse@hottmail.com.
90
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Vale do Acaraú – UVA (2002) e em História pelas Faculdades
Integradas de Patos – FIP (2012); Pós-graduada em Psicopedagogia Pelas Faculdades Integradas de Patos – FIP
(2009). Pós-graduada em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares pela UEPB (2014).
Professora de História na Rede Estadual de Ensino-PB. deis.maria@hotmail.com
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ao Brasil.
De acordo com Sousa (2003), juntamente com o crescimento do comércio, a
invenção da tipografia foi umas das responsáveis pela explosão da comunicação. O sucesso da
imprensa se deveu ao aperfeiçoamento contínuo das técnicas de tipografia, à diminuição dos
custos e ao aumento das tiragens, que acabou estimulando a leitura e incentivando a instrução.
Ocupando um lugar social de destaque no Brasil durante todo o século XIX, a
imprensa assumiu o lugar de porta voz social, político, cultural e econômico da sociedade. Por
meio de seus diferentes gêneros, dentre eles jornais, livros, revistas, almanaques e folhetins, a
imprensa se configurou enquanto portadora de diferentes representações do passado,
carregando consigo marcas de distintas culturas políticas que marcaram a história do Brasil.
“Acompanha-se, assim, uma tendência da historiografia recente, que procura reconhecer que a
imprensa é mais do que um registro de acontecimentos da época. Suas informações não
devem ser tratadas como verdades, mas como representações acerca das questões de seu
tempo” (KNAUSS, 2011. P. 08).
No entanto vale destacar que o processo de aceitação da imprensa periódica enquanto
fonte história é um processo que ocorreu de forma não tão pacífico e linear. Embutido por um
fazer histórico ancorado na descrição de documentos oficiais, durante o século XIX a
imprensa sofreu duros golpes ao ser adotada enquanto contribuidora da história, pois era
considerada parcial e subjetiva, fugindo das características que deveriam portar um
documento histórico. O processo de desmistificação desse pensamento ocorre em diferentes
espaços, desde a Escola dos Annales até o campo do Materialismo Histórico, sendo
intensificado, apenas a partir da década de 1970. Assumindo uma postura mais flexível e
interdisciplinar, a História passou por um processo de alargamento em relação às fontes,
métodos, objetos e perspectiva91, abraçando para si a imprensa periódica enquanto grande
portadora de representações. Na atual conjuntura, o historiador não pode mais se privar de
fazer uso dessa vasta documentação, tendo em vista a grande quantidade de impressos
conservados e disponibilizados, assim como a grande importância do teor que os mesmos
91
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. A 3ª Geração dos Annales: cultura histórica e memória. In: Cláudia Engler
Cury; Elio Chaves Flores; Raimundo Barroso Cordeiro Jr Cultura (Ogrs). Histórica e Historiografia- Legados e
Contribuições do Século XX. João Pessoa: Editora Universitária/ UFPB, 2010. P 37 a 68.
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carregam consigo.
Inserida no contexto do século XIX, a imprensa fazia parte de uma série de
instituições que configuravam e regulavam a vida social das pessoas, fomentando um novo
espaço público para o debate. Nessa conjuntura os homens compunham esse espaço público,
enquanto às mulheres eram atribuídas ao espaço privado. Como afirma Telles (2006), o
contato com a imprensa era uma forma das mulheres ultrapassarem as barreiras que
separavam o espaço público do privado, inserindo-as assim, mesmo que de forma indireta,
nos espaços públicos e seus embates.
Em um país com uma alta taxa de analfabetismo universal, as mulheres não deveriam
nem podiam priorizar a instrução, voltando-se para o aprendizado dos afazeres do lar. No
entanto, apesar de vários obstáculos, desde o início do século XIX, o Brasil contava com uma
produção periódica destinada às mulheres, sendo o primeiro jornal escrito e dirigido por uma
mulher fundando em 1852, o Jornal das Senhoras. Nesse sentido Rabay e Carvalho (2010)
destacam que o direito de acesso à educação foi umas das primeiras bandeiras de lutas
levantadas pelos grupos de mulheres já no século XIX.
De acordo com Carlos Costa (2012), o caráter da imprensa mudou na passagem para
a segunda metade do século XIX. Seguindo uma conjuntura de mudanças políticas e sociais,
as décadas posteriores a 1850 se configuraram enquanto momentos de inflexão de um país em
formação, marcados por fortes debates em torno do fim do tráfico de escravos, movimentos
abolicionistas, governo de D. Pedro II e suas características. Knauss (2011) afirma que a
liberdade de expressão foi a grande marca da imprensa brasileira da segunda metade do
século XIX, dando um ar mais despreendido aos periódicos, que não se prendiam apenas a
assuntos da política oficial, mas juntamente com esta, tratava de temas variados. “Tornou-se
um espaço fundamental da manifestação de ideias, opiniões e gostos”. (KNAUSS, 2011. P.
08)
Nesse contexto surgiram também novas demandas a fim de atender a uma
aristocracia emergente. Regras sociais são importadas da Europa, juntamente com roupas e
comida. Os trajes franceses eram os preferidos das mulheres. Vale ressaltar que aqui se fala de
um determinado grupo de mulheres, aquelas pertencentes à classe média alta. Carlos costa
(2012) salienta que essas novas demandas geravam grandes impactos sociais, por elas
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demarcarem o lugar do “outro”, o daquele que não era atendido por elas.
Nesse cenário de valorização do que trazido da Europa para o Brasil, as regras
sociais se estabeleceram como reafirmadoras de uma divisão social e sexual do trabalho,
determinando o público como masculino e o privado como feminino, nascendo a ideia da
mulher como “rainha do lar”. Ultrapassar essa barreira continua sendo uma luta diária em
pleno século XXI.
É preciso ressaltar o papel fundamental desempenhado pelos produtos culturais, em
especial o Romance, na cristalização da sociedade moderna. Escrita e saber
estiveram ligados ao poder como forma de dominação ao descreverem modos de
socialização, papeis sociais e até sentimentos esperados em determinada situação.
(TELLES, 2006. P. 401 e 402)
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América Latina. Os periódicos pretendiam adentrar o lar, assim não trazia temáticas
polêmicas de forma escancarada, ao mesmo tempo que não se omitiam por completo delas.
Telles (2006) destaca que o campo da profissionalização começara a se abrir para as
mulheres.
Ainda na primeira metade do século estudado, surgiram jornais que mesmo sendo
organizados por homens, tentavam adentrar o universo feminino, tratando principalmente de
assuntos relacionados à moda, romances, receitas, teatros. Dentre eles, Oliveira (2011)
destaca O Espelho Diamantino de 1827, O Mentor das Brasileiras de 1829, O Espelho das
Brasileiras de 1831, e O Correio das Modas de 1839
Com citado acima, o Jornal das Senhoras foi o primeiro periódico escrito e dirigido
por uma mulher. Periódico semanal, foi publicado durante três anos consecutivos, de 1852 a
1855, e seus exemplares se encontram disponíveis para consulta na Seção de Obras Raras da
Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro92. O mesmo era formado por seções de Moda, Belas
Artes, Teatro e Crítica, além de espaços dedicados a partituras de piano e a romances que
eram publicados em sua maioria em forma de folhetins. Circulava aos domingos, era
composto por oito páginas numeradas em ordem crescente. Nos primeiros anos o Jornal das
Senhoras era impresso na Tipografia Parisiense, localizada na então rua Nova do Ouvir.
Posteriormente, o periódico tinha sua própria tipografia, demonstrando assim prestígio social
e econômico.
Os três grandes nomes do Jornal das Senhoras foram, a argentina Joana Paula de
Manso de Noronha e as brasileira Violante Atalipa Ximenes de Bivar e Velasco e Gervásia
Nunes. Esta última ficou a frente da direção do jornal até 1855, ano que o mesmo deixou de
circular. Telles (2006) destaca que um dos principais motivos que levaram ao fim do jornal
teria sido a falta de recursos financeiros para manter a publicação de um periódico semanal
que sobrevivia graças às assinaturas e aos recursos próprios das suas diretoras. Na última
edição do periódico, datada do dia 30 de dezembro de 1855, a redação do mesmo lança uma
nota à suas assinantes, se despedindo delas, justificando a pausa na publicação e prometendo
92
OS exemplares também encontra-se disponíveis no acervo digital da Biblioteca Nacional:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/per700096/per700096_anuario.htm
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modernização do Rio de Janeiro, a capital do Império, ainda era assolada por epidemias e
pragas no século XIX. Cuidar da saúde também era encarada com uma forma de emancipação
moral. O que se pode perceber é que o Jornal das Senhoras, com o seu objetivo de
emancipação moral da mulher, pretendia formar e informar as suas leitoras. Porém, não
podemos ver a emancipação feminina com um olhar contemporâneo, pois as editoras do
Jornal das Senhoras entendiam essa emancipação como sendo a ilustração da mulher.
A partir de 1853, o Jornal das Senhoras passou a ser dirigida por Gervasia Nunezia
Pires dos Santos Neves. Sob sua direção os artigos que tratavam de forma mais esclarecida
sobre a emancipação moral da mulher foram aos poucos desaparecendo, sendo esse tema
tratado de forma, mais sutil e camuflada, pois as diretoras da revista entendiam por
“emancipação moral da mulher” fornecer instrução e educação às mulheres a fim de que elas
desempenhassem bem seus papéis de esposa e mãe. O incentivo a instrução se inseria nesse
contexto, de formação da rainha do lar.
A leitura meus amigos!...sabeis vós bem o que é a leitura?! É de todas as artes a que
menos custa e a que mais rende. Há livros, que, semelhantes a barquinhas
milagrosas, incorruptíveis e inaufragáveis, [sic] nos levam pelo oceano das idades a
descobrir, visitar e conhecer todo o mundo, que lá vai: os povos antigos revivem
para nós com todos os seus usos, costumes, trajes, feições, crenças, idéias, vícios,
virtudes, interesses e relações: a história é a mestra da vida, e as suas lições,
ampliação e complemento ao nosso juízo natural. (Jornal das Senhoras, 31 de julho
de 1853).
Dessa forma, fugindo do anacronismo, buscando analisar as representações
femininas no Jornal das Senhoras sem impor nosso olhar contemporâneo, entendemos que
apesar do periódico não conseguir atingir toda população feminina da corte, pois não era o seu
objetivo, aquelas que tiveram acesso ao seu conteúdo conseguiram ter contato com alguns
ideários em torno das questões de mulheres que estavam sendo discutidos em boa parte do
mundo, demonstrando assim que nem todas as mulheres se mantiveram passivas e caladas no
contexto patriarcal do século XIX, assim como evidencia o papel da imprensa nesse processo
de ascensão feminina na vida pública por meio da escrita.
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da Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro.
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Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro.
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INTRODUÇÃO
site faz parte, o portal Globo possui uma ferramenta chamada Ogon que fornece informações
sobre os interesses dos internautas, fornecendo às marcas que desejam investir com
publicidade e propaganda no portal, um panorama específico de cada perfil de público-alvo. A
ferramenta coleta dados dos 51 milhões de visitantes do portal Globo e compõe um guia,
dividindo os internautas em categorias que indicam o nicho de mercado desejado pelo
anunciante. Entre os perfis estão: Automaníacos, Moda & Beleza, Noveleiros, Futeboleiros,
Viajantes, entre outros. A definição desses grupos foi construída a partir do histórico de
navegação, da audiência dos sites do portal e os temas que despertam interesse.
Só no site Ego são 135,2 milhões de visitantes por mês, com um tempo médio de
permanencia na página de 2 min 28s. Os acessos são divididos 50% entre homens e mulheres,
sendo 56% dos internautas da Classe AB, 40% da Classe C e somente 4% da DE. Entre a
faixa etária que mais acessa o site, 35%, estão pessoas de 25 a 34 anos, seguidas por visitantes
de 15 a 24 anos, com 22%, empatadas com os visitantes de 35 a 44 anos.
No que se refere ao gênero, durante muito tempo essa discussão pesa sobre as
mulheres e houve um longo percurso de elaboração deste conceito. Segundo Charlot (2009)
tanto os homens quanto as mulheres são dotados/as de razão e inteligência. A diferença é que,
nos meios sociais, exalta-se a tal da “sensibilidade feminina” – a noção biologizante de que as
mulheres seriam dominadas por seus hormônios, o que explicaria o seu suposto descontrole,
impulsividade e emotividade. Nada mais dominador e masculinista do que encerrar as
mulheres na tal onipotência da TPM.
Diversos discursos tendem a abordar as mulheres como idênticas entre si e opostas
entre os homens, devendo-se superar essas diferenças para se alcançar a igualdade de sexos.
Dentro da visão iluminista para alcançar igualdade, entre homens e mulheres não pode haver
diferenças.
Charlot (2009), tece a hipótese de que, em um mundo onde os valores são
masculinos, a forma pela qual as trinta e uma mulheres aprendem a lidar com tais situações
traz-lhe benefícios nas interações sociais. Para elas, que já aprenderam a suportar tanta coisa,
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é mais fácil ser tolerante a condições que para os homens soariam extremamente incômodas.
A sociedade ainda convive com a cultura machista, a mulher que expressa seus desejos e
vontades ainda é vista como uma mulher que não merece respeito. É por esse motivo que
muitos homens utilizam desse ato para vingar-se de algumas mulheres, porque sabem que elas
serão humilhadas e rejeitas pela sociedade e aos poucos se darão conta de que ela é vítima.
Segundo Charlot (2009), as mulheres, sofrem mais opressões na sociedade em função do sexo
que os homens.
Fonte: http://revistasamuel.uol.com.br/blogs/transtudo/nao-e-pornografia-nem-vinganca-e-machismo/
A pesquisa analisou 20 notícias, com suas imagens, coletadas no site Ego do portal
Globo de notícias. Segundo Banks (2009), a análise de imagens preexistentes, geralmente, é
utilizada por estudiosos dos campos da comunicação, dos estudos culturais e da mídia, não
dispensando a contribuição de sociológos e antropólogos. A metodologia utilizada para o
estudo das fotos segue os escritos de Banks cuja interpretação da imagem é centrada no seu
contexto, que inclui a sua produção e o consumo.
O estudo gerou também dados qualitativos que não podem ser desprezados. Ao todo
foram coletadas 78 imagens em 20 notícias, uma média de 3,9 imagens por notícia. Em uma
havia somente um parágrafo com 12 fotos e esse comportamento se repetia em outras notícias,
com a presença bem maior de fotos do que de textos informativos. Em oito (8) notícias esse
comportamento foi alterado, já que essas somente tinham uma (1) foto cada. A explicação
para isso é que as imagens foram retiradas das redes sociais das próprias celebridades, como o
Instagram93. Os textos só eram mais extensos em entrevistas realizadas em estilo ping-pong,
ou seja, perguntas simples e respostas rápidas no qual o entrevistador já possui um
quetionário pré-estabelecido. Os números demonstram uma grande presença de imagens em
quase todas as notícias, reforçando o apelo visual para chamar a atenção do leitor. Outro dado
interessante é que todas as fotos eram em plano geral, focando no corpo das celebridades.
Na análise imagética, se pode constastar também a utilização de fotos com foco no
corpo dos personagens, por isso das 78 imagens coletadas somente seis (6) eram de rosto ou
perfil. Foi possível verificar também que algumas celebridades faziam poses como se
estivesem interpretando, conforme as imagens abaixo.
Figura 2 – Notícia “Mãe de Nicolas Prattes: ‘Ele tem ciúmes quando os homens me olham”
93
O Instagram é uma rede social online utilizada para o compartilhamento de fotos e de vídeos pelos seus
usuários, permitindo também a edição dessas imagens e publicação, simultaneamente, delas em outras redes
sociais, como o Facebook.
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Figura 3 – Notícia “Laura Keller capricha na cruzada de pernas e deixa calcinha à mostra”
feminilidade, até para elogiar a atuação de alguma atriz que esteja em novelas, utilizam-se
cenas sensuais e imagens sexuais dessas mulheres. Conforme imagem a seguir:
Figura 5- Notícia “Aline Dahlen sobre bumbum perfeito: ‘Ginástica, dieta e boa genética”
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Figura 6 – Notícia “Graciele Lacerda usa fantasia sexy em festa com Zezé Di Camargo”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A imagem da mulher e por extensão do seu corpo com realce assim fragmentados
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INTRODUÇÃO
Na sociedade atual o quesito homossexual é gerador de questões que perpassam por
temas como a discriminação, o preconceito e repressão quanto aos valores tido como éticos
históricos e sociais representados por uma classe heterossexual dominante em agravo às
minorias homossexuais. Neste trabalho propõe a análise da vida de dois personagens, Eduardo
e Alexandre, retratados do romance Um estranho em mim (2008), de Marcos Lacerda, bem
como a composição de vida é fruto para reflexão evidenciando, nas sociedades, a legitimidade
das identidades sexuais se compõe em conformidade a orientação sexual para que se tenha um
campo de aceitabilidade para o personagem principal.
Partiremos para a observação do autor, Marcos Lacerda, sobre seu romance, que
permitirá repensar atitudes, conceitos e julgamentos acerca do imaginário homossexual. Sobre
o que concerne a história proposta, faremos um recorte do que o autor nos sugere ao falar de
seu trabalho
94
Graduando em Licenciatura em Letras – Português – UFPB, atualmente integrante do grupo de pesquisa
LIGEPSI (Literatura, gênero e psicanálise), participando do projeto de iniciação científica PIBIC, intitulado: A
análise da construção das identidades homoeróticas nos romances contemporâneos.
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É posto, por questões diversas, que se faz necessário atentar o campo para algumas
discussões contidas em algumas publicações que enfocam questões individuais, familiares e
sociais, que se sobrepõe em tributos junto ao amalgama de pesquisas consistentes capazes de
suprir, mobilizar e corroborar com pesquisadores de inúmeras instituições e diferentes
formações, visando a projetos de interesses comunitários. O que ocorre mais facilmente é
negar as discussões sobre os reais conflitos que se suscitam como possíveis propostas que,
muitas vezes, distanciam o real do suposto imaginário que aparecem como aporte, do qual
podem ser abordados nos territórios literários. Visando suscitar discussões familiares ou
mesmo acadêmicas, as vivências dos novos casais é sempre um motivo para se compreender
como as mudanças afetam os enlaces modernos atuais. Sãos tais questões que movem muitos
autores a embarcarem no mundo obscuro da homossexualidade abrindo caminho para que se
discuta como se constituem a vida cotidiana, os conflitos internos e externos, a presença do
olhar social sobre a constituição familiar moderna. Os casais homoeróticos de certa forma
invadem nossas casas, seja pela televisão, pelos jornais, ou mesmo pela literatura, buscando
atentar para a concepção de uma nova realidade que possa ser respeitada e aceita pela maioria
social.
Para uma compreensão sobre a posição identitária do sujeito, utilizaremos como
suporte adicional o conceito de identidade na concepção proposta por Stuart Hall, em seu
estudo a respeito da “noção de sujeito sociológico” (HALL, p. 10, 2014), inferindo o
pensamento de que o sujeito não se insere no mundo de forma única, mas parte do princípio
de interação com o outro. Tanto em um diálogo com o outro, ou mesmo em seu entorno
social, o indivíduo transcorre em interação, ou seja, “A identidade nessa concepção
sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior”- entre o mundo pessoal e o
mundo público”. (HALL, p. 11, 2014).
Já nos meados do século XVII, segundo Foucault (2014), era cabível aos indivíduos
que não procurassem, em suas práticas sexuais, o segredo, pois as coisas eram ditas e
praticadas sem que fossem maquiadas ou mesmo escondidas em meio aos discursos
familiares. Segundo o autor “eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da
decência, se comparados com os do século XIX”. (Foucault, 2014, p. 7). Os costumes da
época eram todos lícitos e suportáveis aos olhos familiares de forma que não agredia aos
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sujeitos o fato de viver uma vida sem as regras convencionais que cercariam os séculos
posteriores. Mas com o passar dos tempos, as famílias seguem um novo discurso. O que era
exposto aos olhos passa a ser reprimido em seus íntimos enlaces. Como nos narra Foucault:
A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A
família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de
reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, legítimo e procriador, dita a lei.
Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de
falar, reservando-se o princípio do segredo. (FOUCAULT, 2014, p. 7)
Numa busca de se condensar um desejo que por muitas vezes pode estar ocupando um
imaginário desejado, e ao mesmo tempo ainda em face de construção e pré-concebido por um
desejo que ainda está por vir, Freud (2011), em seu livro O mal-estar na civilização
sugestiona que em geral as pessoas idealizam almejar coisas que ainda pode não estar
preparadas para dominarem, ou mesmo não estarem preparadas para terem. Freud reconhece
que muitos ignoram tais diferenças de ideais ao inferir o pensamento de que “a coisa pode não
ser tão simples, devido à incongruência entre ideias e os atos das pessoas e à diversidade dos
seus desejos”. (FREUD, p. 7, 2011). Ao almejar algo novo, o indivíduo por vezes tenciona
abarcar o que nem sempre está preparado para lidar em sua vida. O novo pode surpreender de
forma a aniquilar expectativas antes concretizadas no imaginário do indivíduo.
O sujeito poderia estar preparado facilmente para lidar com as questões homossexuais
com uma maior naturalidade, maior conforto e segurança, precisão com as palavras. Uma
autoconfiança sobre suas ansiedades, articulação de ideias, troca de experiências. Mas nem
sempre o pensamento individual compreende tais suposições, podendo infringir determinados
acordos com o seu modo de ser e buscar satisfazer-se com outras experiências que possam
evocar um lado ainda não percorrido por si.
No que tange a produção de conhecimento acerca da “homossexualidade” podemos
inferir uma passagem de Foucault (2014) sobre a especificação dos indivíduos. Segundo o
autor,
O homossexual do século XIX torna-se uma personagem: um passado, uma história,
uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma
anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no
fim das contas, escapa à sua sexualidade [...] agora o homossexual é uma espécie.
(FOUCAULT, 2014, p. 48-49)
Nos meandros de sua existência, a homossexualidade surgiu como uma das figuras da
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Esse foi, segundo o autor, o despertar do gosto pela literatura em sua vida. Esse
fascínio por narrativas continuou vida afora, não tanto sob a forma da escrita, mas
principalmente sob a da escuta, motivo pelo qual se tornou psicólogo clínico e
especializou-se em teoria psicanalítica. (AMIGOS DO LIVRO).
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intermédio de uma carta como podemos observar em uma passagem, onde diz:
Sei o que estou lhe dizendo porque um dia também vivi isso com outro homem. De
um modo diferente, é certo, do que sinto por você. Mas, igualmente, minha vida
passou a ter um sentido que antes não experimentara. Você entenderá o que acabei
de escrever à medida que eu lhe for contando o que se passou. Tudo começa com
uma cena. Tudo termina nessa cena. (LACERDA, 2008, p. 10)
sabia o que era masculino e feminino; quem era ele ou eu; o que era dor ou prazer; o
que era vida ou morte. (LACERDA, 2008, p. 22)
Observamos, pela descrição erótica narrada pelo personagem que, mesmo envolvo
nessa relação homoerótica de desejo e atração sexual, Eduardo possui um preconceito
internalizado que se correlaciona em meio as suas dificuldades de viver uma relação
homoerótica em sua plenitude não tendo o desejo como forma de pertencimento de um para
com o outro.
NA CONTRAMÃO DO DESEJO: OS IMPULSOS DE EROS
No romance, Um estranho em mim, os personagens Eduardo e Alexandre se
conheceram ao acaso. Alexandre fora apresentado a Eduardo por intermédio de Beatriz uma
amiga e confidente que servia como sua consciência em alguns aspectos de sua vida. Mas tal
encontro foi ao mesmo tempo o ápice do desejo reprimido de Eduardo em querer viver uma
vida que pudesse transpor sua antiga relação no tempo em que vivia ao lado de uma mulher
(Virgínia), um relacionamento até então com atos de ternura e amor. O primeiro encontro foi
surpreendente e constrangedor devido à jovialidade de Alexandre ante a meia idade de
Eduardo, como narra o próprio personagem:
(...) o garoto, apesar da pouca idade, já era um homem fisicamente amadurecido e
extraordinariamente belo. Sentindo-me atraído e vendo minha irritação esvanecer
diante da masculinidade juvenil daquele rapaz, pus-me a observá-lo mais
atentamente. (LACERDA, 2008, p. 57)
Numa abordagem sobre o amor, o autor Nicola Abel-Hirsch (2010) aborda o tema de
Eros sob a ótica freudiana partindo de uma reflexão sobre o ideário do amor. Para o autor,
No que se refere à sexualidade, amor e pensamento, há uma diferença entre, por um
lado, ver a relação entre si - -próprio e o outro como se gostaria que ela fosse, e, por
outro lado, descobrir o que ela realmente é. (ABEL-HIRSCH, 2010, p. 37)
O primeiro olhar pode despertar para o amor idealizado num primeiro momento, bem
como um desejo distorcido daquilo que se espera do ideário primeiro. Ao mesmo tempo, pode
despertar a idealização real de alguém que começa a encontrar o outro enquanto pessoa.
Num processo por escolhas naturais, as diferentes experiências humanas vivenciadas
em pessoas distintas são tão comuns como suas semelhanças. A posição sexual é mantida em
uma experiência complexa e percebida num momento diferente para cada pessoa que a
experimenta. Vazia ou preenchida para seus sujeitos, e por vezes, em contraposição aos
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A vida dos personagens segue em plena harmonia. Eduardo está em êxtase por estar
vivendo ao lado de Alexandre que é o seu alimento para a vida. A paixão pelo surfista segue a
toda a prova. A relação é vivida como sempre sonhara seguindo os padrões de uma vida a
dois. Mas nem tudo é cabível a ambos. Alexandre quer algo além. Sua liberdade. Até então é
o médico quem custeia sua vida e isso se torna um impasse na vida do casal. A partir do
momento em que Alexandre começa a trabalhar, Eduardo sente que está perdendo seu
companheiro aos poucos, pois não concebe a ideia de não estar mais no controle da relação,
abrindo espaço para possíveis desconfianças. O ciúme vai preenchendo a cabeça de Eduardo
ao ponto de desconfiar da fidelidade de Alexandre.
Alexandre estava buscando viver algo novo em sua vida pautada em relações para ele
naturais de um homem. Queria viver algo ainda não experimentado. Eduardo não aceitava tal
pensamento e atitude, pois sua relação de poder estava buscando um exercer uma maior
influência sobre seu companheiro. Segundo Fávero (2012), sobre as relações de gênero e
desenvolvimento das relações interpessoais, que abarcam os sentimentos emocionais,
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suscitando uma busca por questões atuais a serem discutidas. Compreendendo como um
processo, o leitor pode se permitir uma maior compreensão, um novo enfoque, um olhar, ou
até mesmo um pensamento do qual seja capaz de entender as vicissitudes do ser humano em
meio a seus conflitos, seja de ordem individual ou em sociedade, bem como seu
posicionamento para enfrentar os desafios sugeridos.
Lacerda ressalta que os personagens de seu romance representam grupos minoritários
marginalizados da sociedade sendo por vezes interpretados como transgressores das regras
sociais e morais impostas por seus conservadores. O recorte deste trabalho fecunda numa
identidade homossexual ainda persistente pelo desrespeito e violência quanto à negação de
políticas para reverter tal quadro.
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Pereira. – Portugal: G.C – Gráfica de Coimbra, Lta, 2010.
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina,
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LACERDA, Marcos. Um estranho em mim. – São Paulo: GLS, 2008.
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INTRODUÇÃO
∗
Estudante de Graduação do Curso de Direto (UNIFOR). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Filosofia do
Direito (UNIFOR).
∗∗
Doutor em História Social (PUC/SP). Líder do Grupo de Pesquisa Justiça em Quadrinhos (UNIFOR).
Professor das disciplinas de Filosofia do Direito e Ciência Política (UNIFOR).
∗∗∗
Estudante de Graduação do Curso de Direito (UNIFOR). Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Justiça em
Quadrinhos (UNIFOR).
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O CONSTRANGIMENTO EM CENA
É possível visualizar nas revistas dos X-men cenas em que as personagens femininas
são constrangidas por atitudes dos personagens masculinos, que invadem a privacidade,
agridem o corpo e a moralidade das mesmas. Uma das cenas em que acontece essa situação de
constrangimento é apresentada na primeira revista dos X-men produzida por Lee e Kirby.
A cena mostra o professor Xavier e os membros masculinos do X-men sendo
apresentados à nova integrante do grupo, Jean Grey, que passa a ser chamada de Garota
Marvel e é a primeira mulher a entrar para a equipe dos X-men. Ela é apresentada a todos e dá
uma demonstração do seu poder. Após esse momento, o professor Xavier sai e deixa o Anjo,
o Fera, o Ciclope e o Homem de Gelo sozinhos com a Garota Marvel, para que eles
conversem e se conheçam melhor. (LEE, 1963, p.10)
O Fera é o primeiro a falar com ela e a dar boas-vindas à sua maneira. Ele beija-a no
rosto sem autorização da mesma, segurando o rosto dela com uma de suas mãos, impedindo
que ela se esquive do beijo, forçando-a. Na imagem é perceptível pela expressão do rosto da
Garota Marvel o espanto e o constrangimento dela com a atitude do Fera.
Foucault, filósofo e psicólogo do século XX, no seu primeiro volume da História da
sexualidade, intitulado A vontade de saber, cunhará seu pensamento acerca da relação do
saber com o poder, a partir do pensamento da época, de que a sexualidade ao longo da história
foi marcada pela figura da repressão. Aonde falará o autor: “a menor eclosão de verdade é
condicionada politicamente” (FOUCAULT, 1988, p. 11). De tal forma é possível desprender
que quem detém o poder, ainda que temporariamente, poderá afirmar o que é a “verdade” ou
não. Sobre a ligação do sexo com a política, reitera o autor: “também o sexo se inscreve no
futuro” (FOUCAULT, 1988, p. 12). Ligação, talvez, acidental com o pensamento de George
Orwell (2009, p. 47), na medida em que ambos deixam implícitos que uma das prerrogativas
que o grupo detentor do poder possui é alterar a história do passado, a partir do hoje, ou
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alterar a história do presente, a partir do futuro, de tal forma que o grupo que no futuro
permanecerá no poder poderá afirmar a “verdade” sobre o sexo de hoje.
A ligação fica mais óbvia com a questão da sexualidade na medida em que o Foucault
redimensiona seu campo de análise. “A questão que gostaríamos de colocar não é por que
somos reprimidos, mas por que dizemos, com tanta paixão, tanto rancor contra nosso passado
mais próximo, contra nosso presente e contra nós mesmo, que somos reprimidos?”
(FOUCAULT, 1988, p. 14) Redimensionamento que leva a outra passagem da sua obra, na
qual ele questiona não a questão da repressão sexual em si, mas o “benefício do locutor”
(FOUCAULT, 1988, p. 12).
O que nos interessa aqui é a forma do autor de pensar, na medida em que o presente
trabalho não pretende perquirir acerca da dita repressão sexual. O autor foge da formulação
óbvia, na medida em que ele se questiona quem é o locutor e qual o benefício que este adquire
ao inscrever a verdade na lógica do discurso, revelando, portanto, o oculto nas “instâncias de
produção discursiva”. Nesse sentido, a correta colocação nos termos deste artigo seria:
quando a revista passa uma determinada imagem do sexo feminino como se fosse verdade,
independente desta imagem ser certa ou errada, quais as estruturas de poder sustentam e se
beneficiam desta lógica afirmativa?
Levando isso em consideração, desprende-se que pouco adianta buscar as explicações
no consciente do autor da revista para o modo em que ele retrata as personagens do sexo
feminino, uma vez que o próprio Stan Lee é fruto da historicidade das estruturas objetivas de
poder, as quais atuam no inconsciente, denotando a necessidade de uma nova formulação da
categoria de “sujeito”. Isto fica claro na medida em que o autor tenta construir uma imagem
da Jean Grey como se ela fosse independente e segura de si, seja através de suas roupas, uma
vez que ela não se veste como criança, mas como mulher, seja pelas suas palavras ou ações.
Porém, é tratada como uma pessoa que não pode manifestar contrariedade ao
posicionamento masculino. Os personagens se sentiram à vontade para cortejá-la como
quisessem, sem levar em consideração o fato dela aprovar ou não. Em evidência, encontra-se
nesta fragmento da revista o uso/abuso do poder masculino, interpretado como algo dado e
cristalizado, ou seja, não poderia ser questionado.
Na sequência, Grey se impõe, afirmando que “tem o direito saber” como é a escola em
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que está ingressando. Posteriormente, em meio à curiosidade dos rapazes, ela afirma que com
o tempo eles saberão mais sobre ela. A Garota Marvel se recusa a deixar os rapazes puxarem
uma cadeira para ela, pois a mesma se antecipa, utilizando seus poderes telecinéticos (LEE,
1963, pg. 10). Ela igualmente se recusa a deixar o Warren defendê-la diante da ação invasiva
do Fera, em tentar beijá-la (LEE, 1963, pg. 11). Tais cenas demonstram que o autor tenta
passar a imagem de uma mulher forte e independe, porém, surgem os seguintes
questionamentos: se ela era independente, por que os rapazes não a trataram desta maneira?
Se a personagem detinha poder, por que eles, mesmo sabendo disso, agiram de forma
invasiva, sem se questionar sobre suas vontades, como se somente eles tivessem poder?
Nesse sentido, as categorias de pensamento formuladas por Bourdieu ajudam a
compreender o motivo pelo qual as intenções de Stan Lee em criar uma mulher forte e
independente parece ser constantemente frustradas. Tal intelectual afastará a noção clássica de
poder, como um elemento em que, apesar de sua abstratividade, pode-se observar em
determinadas instâncias normativas, como o Estado ou o Direito, como algo que se pode
“possuir fisicamente” de modo muito claro; construirá Bourdieu sua noção de “poder
simbólico”:
O poder simbólico como o poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação
sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito
específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário. (BOURDIEU, 2007, p.14)
O poder simbólico, portanto, possui uma função de alterar a percepção que possuímos
acerca do mundo. Para isso, ele necessita ser “ignorado como arbitrário”. Nesse sentido,
Bourdieu formulará sua concepção de habitus: “longo trabalho coletivo de socialização do
biológico e de biologização do social produziu nos corpos e nas mentes conjugam-se para
inverter a relação entre as causas e os efeitos, e fazer ver uma construção social naturalizada”
(BOURDIEU, 2014, p.14). Nota-se, pois, que o âmbito da dominação masculina, fruto deste
poder simbólico, escapa o domínio da razão, inscrevendo-se nos corpos dos sujeitos, a partir
do inconsciente.
Dito isto, deve-se esclarecer que o âmbito desta dominação masculina não alcança
somente as mulheres, mas igualmente os homens, na medida em que cria uma “expectativa
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social” sobre eles. Retrato disto é a cena já descrita do Fera constrangendo a Garota Marvel na
sua apresentação e o subsequente constrangimento dele, quando ela decide se defender. É
imperativa a compreensão de que ao tentar beijá-la à força, o Fera não faz isto para
impressioná-la, mas para impressionar os rapazes que o cercam, destacar-se entre eles. Prova
disto é que o fruto de seu constrangimento ao ser “atacado” pela Jean Grey reside na vergonha
que ele passa diante de seus companheiros. (LEE, 1963, p.11)
Em face disto, Bourdieu explica a virilidade masculina, associada ao sentimento de
honra, sendo indissociável da virilidade física, como uma expressão desta honra masculina
que insiste em se reafirmar.
Como a hora – ou a vergonha, seu reverso, que, como sabemos, à diferença da culpa,
é experimentada diante dos outros –, a virilidade tem que ser validada pelos outros
homens, em sua verdade de violência real ou potencial, e atestada pelo
reconhecimento de fazer parte de um grupo de ‘verdadeiros homens’. (BOURDIEU,
2014, p.77-78)
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qual, não só ela fica incomodada com a situação, como um dos X-men, o Anjo, vai em defesa
de Grey mandando o Fera soltá-la. (LEE, 1963, p.11). A forma de agir do Anjo em defesa da
Jean Grey mostra que ele a considera frágil e que por ser mulher ela não conseguisse se
defender sozinha. Inconscientemente, ele esquece que a Jean Grey também é uma mutante,
que tem poderes, então, ela conseguiria se defender sozinha.
Em face disto, resta perquirir acerca da expectativa social sobre a mulher que a
dominação simbólica masculina gera. Expectativa esta que pode ser observada primeiramente
pelo aspecto biológico e físico da mulher, partindo de um ponto de vista relacional, em que se
analisam opostos cujo valor que se atribui é fruto de uma incorporação das estruturas
objetivas de dominação, como Estado e Igreja, relacionado o feminino ao negativo. Exemplo
deste ponto de vista relacional pode ser observado nas oposições “seco/úmido”, “alto/baixo”,
“forte/fraco”, “razão/sensibilidade” (frases rotineiras como “o homem é a razão e a mulher a
sensibilidade”), dentre outras. Nesse sentido, intenta-se encontrar na própria constituição
feminina a justificativa para a sua posição de inferioridade (BOURDIEU, 2014, p. 29), de tal
forma que se constrói toda uma “ciência da sexualidade”, como ilustra Foucault (1988, p. 57-
58), para construir um fundamento de cientificidade e assim dita a “verdade” em relação aos
corpos, cabendo à mulher “dar, a todo instante, aparência de fundamento natural à identidade
minoritária que lhes é socialmente adquirida” (BOURDIEU, 2014, p. 50).
Nesse sentido, esta dominação se inscreve nos corpos ao ditar os trajes adequados,
penteados impecáveis e a forma de se portar das mulheres, sempre de modo a se fazer
“pequenas” e “delicadas”. Tal fato pode ser observado nas revistas pelo modo da Jean Grey se
vestir. Além de suas vestes impecáveis e femininas, ela está usando uma saia, ao adentrar na
mansão, que impossibilita boa parte de sua movimentação, criando uma espécie de
“confinamento simbólico” à personagem, fundamentando sua aparente “feminilidade”. (LEE,
1963, p. 9) Não obstante, mesmo nas situações em que a personagem está lutando, seu
penteado permanece impecável, como se parada estivesse.
A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo
ser (esse) é um ser-percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente
estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem
primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos,
atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam ‘femininas’, isto é, sorridentes,
simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas. E a
pretensa ‘feminilidade’ muitas vezes não é mais que uma forma de aquiescência em
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os bandidos que iam capturá-la dizem que ela é mais perigosa que os outros X-men. (LEE,
1963, p.23)
A Garota Marvel também mostra sua capacidade de se defender na cena da primeira
revista, quando o Fera a constrange e o Anjo vai defendê-la. Ela interrompe o Anjo dizendo
que ele não precisa se preocupar, pois ela não é tão indefesa quanto ele pensa. Ela mostra isso
usando os seus poderes de telecinese, contra a agressão do Fera, levitando-o e girando-o no ar.
Quando o personagem masculino é colocado nessa situação, ele passa a agir como se
fosse a vítima e ela, agora, fosse a agressora ao se defender. Ele pede para a Garota Marvel
ser boazinha e colocá-lo no chão, pois o que ela estava fazendo era constrangedor. E que a
forma que ele agiu se justifica, por que ele estava apenas sendo simpático. Então, ela coloca-o
no chão e diz para o professor Xavier “Espero não ter sido dura demais com ele”.
Desde o momento que a Jean Grey se defendeu usando seus poderes, ela passou a ser
desenhada pelo Stan Lee como sendo a agressora e o Fera sendo vítima, pois ele se sentiu
constrangido por ser “atacado” por uma mulher. Sendo visível nessa cena a ilustração da
vitimização masculina, ocorrendo a inversão dos papéis, no qual a mulher constrangida ao se
defender e punir o homem agressor, passa a ser a agressora.
Nesse sentido, por mais claro e evidente que seja a correspondência entre a realidade
natural e a realidade socialmente construída, Bourdieu (2014, p. 28) afirma que há sempre um
espaço para uma “luta cognitiva”, proporcionada pela indeterminação parcial de certos
objetos, o que propicia a diferentes agentes a capacidade para a determinação da visão
legítima de mundo. Tal teoria se aproxima da construção teórica de Foucault (1988, p. 89-90),
o qual define o Poder como uma “correlação de forças”, situacional e complexo, de modo que
quando percebe-se, erroneamente, uma estrutura rígida e dogmática entre “dominante e
dominado”, nada mais é do que um “recorte temporal”, levando em consideração que o poder
é fluído, fruto de uma “luta simbólica”, o que impossibilita fragilizar e vitimizar por completo
qualquer agente social.
Tal descrição pode ser observada na revista nas inúmeras cenas em que a Jean Grey se
afirma como uma mulher forte, independente e superpoderosa, enfrentando seus adversários
como igual.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível com o presente artigo analisar de forma detalhada as cenas e mostrar
como os comportamentos machistas sutis nas histórias em quadrinhos, que normalmente são
aceitos como normais, geram o constrangimento contra mulher e torna difícil o alcance a
igualdade de gênero.
A Marvel inovou nas histórias em quadrinhos ao produzir personagens que erram e
sofrem dos mesmos problemas dos leitores ao se questionarem sobre a vida, sobre suas
atitudes e sobre amores. O que os diferencia dos leitores são os poderes, que os tornam irreais.
Com isso a parte, as formas de agir e pensar dos personagens são similares às atitudes do
cotidiano dos leitores, pois o Stan Lee se baseia na realidade que o rodeia para criar os
personagens. Com isso, o público alvo acaba recepcionando a forma como os personagens são
elaborados, os valores éticos e comportamentos que eles apresentam nas histórias sem um
crivo crítico, questionando se as atitudes dos personagens são corretas, ainda mais quando
essas atitudes se mostram sutis, sendo perceptíveis apenas com uma análise mais detalhada.
Assim, para o intelectual do Direito é impreterível o estudo dessas histórias, pois ao
ver como é retratada a desigualdade de gênero nas histórias em quadrinhos, ele pode
comprovar que a universalização das leis, a criação de tratados e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos não garantiu a igualdade de gênero. Portanto, o intelectual do direito tem
que pensar em outros mecanismos para ser alcançado o patamar de igualdade de gênero, já
que a lei posta pouco se dinamiza em meio as novas mídias.
As revistas estudadas foram publicadas no século XX, suas histórias retratam o
machismo que em vários aspectos, quando comparadas às situações da sociedade
contemporânea, se mostram ainda muito atuais. O constrangimento contra a mulher, a figura
feminina como um ser frágil, a infantilização da mesma, e a vitimização dos homens são
alguns aspectos que foram levantados no artigo por meio da leitura das revistas. Porém, há
muitos outros temas que não foram tratados no presente artigo, que são perceptíveis como
fatores que geram a inferioridade da mulher perante o homem e que precisam ser estudados.
Pois, é necessário ir além do que é visível para entender e discutir o cerne dos
comportamentos machistas que impedem a igualdade de gênero.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bertrand Brasil, 2007.
________. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kühner. 1ª ed. Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014.
CHOMSKY, Noam. Mídia. Propaganda política e manipulação. São Paulo: Martins Fontes,
2013.
FOUCAUTL, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução Maria
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 12ª ed. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1988.
LEE, Stan. Os X-men: X-men. Tradução Eduardo Sales Filho.Nova York: Marvel Comics
Group, 1963.
________. Os X-men: Ninguém pode deter o Vanisher. Tradução Eduardo Sales Filho. Nova
York: Marvel Comics Group, 1963.
________. Os X-men: Cuidado com o Blob. Tradução Eduardo Sales. Nova York: Marvel
Comics Group, 1964.
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flavia. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo, 2014.
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INTRODUÇÃO
imprensa passou por modificações significativas. De acordo com Barbosa (2007), as adoções
das tecnologias do novo século fizeram com que a imprensa que antes era artesanal, passasse
a ser comercial. Dentre as inovações redacionais, a ilustração e as imagens adquiriram lugar
de supremacia nas publicações.
Acompanhando esse processo de modernização, as revistas femininas inovaram com
fotografias em suas páginas e assim como os jornais, elas transformaram-se, revelando o
intuito da imprensa, que era seguir a estrutura e organização de empresas na sociedade
capitalista de modelo industrial.
Desde o seu surgimento, a imprensa feminina, sob a justificativa da função de
entretenimento e distração trazia conteúdos sobre moda, beleza, comportamento e culinária,
que além de estimular o consumo, representavam uma importante ferramenta de difusão de
imagens e conteúdos para o público feminino. Era carregada de intencionalidades.
Materializada em jornais e revistas, a imprensa feminina assumia o papel de difusora das
ideias europeias, reforçava em suas páginas o papel da mulher como mãe e esposa, mas
também serviam como instrumento de difusão das ideias emancipatórias femininas. Com o
advento da industrialização, a imprensa feminina transformou-se num potente negócio
editorial com discurso persuasivo apoiado no texto e nas imagens.
Este estudo lança um olhar sobre a imprensa feminina no Brasil, trazendo à baila
considerações sobre as revistas femininas a partir de Buitoni. Toma como eixo central a
análise de capas da revista Querida da década de 1950, período de seu lançamento. Buscou-se
com isso perceber quais as imagens da mulher e os conteúdos para o feminino se espraiavam
nas capas da revista Querida, nos anos 50 através dos títulos, das chamadas e das imagens.
O estudo utilizou como objeto e fonte as capas da revista Querida. Para tanto, foram
utilizadas na análise duas capas da revista dos anos de 1954 e 1955. Destaca-se as
dificuldades para encontrar exemplares da revista, por isso as fontes que se pode lançar mão
foram capas disponibilizadas na internet. Entretanto, este aspecto não comprometeu o objetivo
da pesquisa, pois a virtualidade das fontes continha os elementos necessários à pesquisa.
Na perspectiva Bakhtiniana, as capas de revistas constituem um gênero discursivo
por serem unidade comunicativa, e por conterem um tipo de enunciado. De fato, elas possuem
elementos verbais e não- verbais que compõem seu enunciado. Cavalcante (2011, p. 44)
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define gêneros discursivos como sendo “padrões sociocomunicativos que se manifestam por
meio de textos de acordo com necessidades enunciativas específicas. ” Tratando-se de “[...]
artefatos constituídos sociocognitivamente para atender aos objetivos de situações sociais
diversas. ”
Sendo assim, as capas das revistas aqui analisadas cumprem um papel de
comunicabilidade, pois são portadoras de enunciados cuja intencionalidade era
estrategicamente propagar comportamentos a serem seguidos e despertar nas leitoras o desejo
pelo consumo de determinados produtos. Ou seja, através da veiculação dos conteúdos
contido nas capas das revistas eram transmitidas ideias, padrões de comportamentos, de
modas e de costumes.
Nos anos 50 o Brasil vivia os chamados Anos Dourados, em que a classe média
ascendia, adotando um estilo de vida mais moderno e utilizando bens de consumo, os quais
eram fruto das novas tecnologias descobertas durante as Guerras Mundiais. Aos brasileiros,
ampliava-se as possibilidades de acesso aos bens de consumo, lazer e informação.
De acordo com Buitoni (2009), na década de 1950 a imprensa brasileira vivia um
período de desenvolvimento na industrialização, refletido, sobretudo, nas revistas femininas.
A autora esclarece que nesse período, os jornais modernizavam-se lentamente quanto à forma
e ao conteúdo, muitos conservando ainda os velhos padrões. Neles, as sessões femininas
mantinham-se atrasadas em relação às revistas.
Suas sessões eram pobres, sem imaginação, com diagramação e ilustração pouco
trabalhadas. Eram colchas de retalhos, que juntavam receitas de tricô e crochê, uma
crônica ou poesia, culinária, moda, conselhos de beleza, frases de amor, etc. Boa
parte do material publicado era tradução de textos enviados por agências
estrangeiras. A mulher, como público não era muito considerada. A impressão que
se tem é que o jornal editava a página feminina mais para constar. (BUITONI, 2009,
p.97).
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uma nova fase do mercado editorial feminino no Brasil”. (BUITONI 2009, p.98). Nesse
cenário, as revistas eram instrumentos de captação de consumidoras em potenciais, pois elas
pretendiam guiar o gosto e as compras das mulheres. Entretanto, há de se considerar que além
desse objetivo capitalista, as revistas também eram portadoras de imagens e condutas
femininas que serviam para difusão ou legitimação de comportamentos de cada época através
das imagens, conteúdos e discursos contidos nelas.
É nesse contexto que surgiu a revista Querida. Editada no Rio de Janeiro em 1954,
pela Rio Gráfica Editora. De propriedade das Organizações Globo da família Roberto
Marinho, essa editora era considerada a principal produtora de periódicos no período entre
1950 e 1970. A revista circulou quinzenalmente de 1954 até 1971, e era destinada ao público
adulto. Em 1989 foi relançada pela Editora Globo, passando a ter como público-alvo as
adolescentes, circulou durante a década de 90.
Na primeira fase de lançamento, Querida revelava a expressividade da marca da
industrialização. Era uma publicação com excelente qualidade de papel e de impressão, de
formato americano 21x27.50 cm, apresentando capas coloridas.
O próprio nome Querida indicava que era uma revista destinada às mulheres. O
conceito de querida para Fernandes (2001), corresponde a uma pessoa de estima elevada,
amada ou tida com predileção. Além dessa definição, de acordo com a classificação
gramatical, dependendo do contexto, a palavra querida pode ser um substantivo quando se
refere àquela pessoa a quem se quer muito bem, e pode também ser um adjetivo que qualifica
a quem se quer muito bem. Percebe-se então no próprio nome da revista essa duplicidade de
significados, ou seja, era uma revista querida pelas mulheres, ao mesmo tempo em que a
mulher era o próprio ser querido. Havia no título da revista um chamamento, um diálogo entre
emissor e receptor.
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Disponível em: http://www.robertomarinho.com.br/obra/editora-globo/detalhes-de-verbete.htm/ Acesso em:
20/01/2015
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elegante e sensual, com ares de feminilidade. Era o retrato da mulher de classe média da uma
sociedade burguesa urbano-industrial. Sociedade que assumia um novo estilo de vida,
adotando novas práticas de consumo e comportamento, sobretudo a população dos centros
urbanos.
De fato, no período pós-guerra, vivia-se a vitória da modernidade, o usufruto e a
potencialização do conforto que o capitalismo oferecia através dos produtos resultantes dos
avanços tecnológicos. A propagação desse conforto objetivava fomentar cada vez mais o
consumismo que, também, era praticado como uma forma de ostentação e adesão à
modernidade. O próprio modo de se vestir da mulher desse período retrata o ideário de vida
da burguesia moderna.
FIGURA 2 – Querida nº 16, janeiro de 1955:
Assim, as revistas femininas, neste caso Querida, como se pode observar na imagem
acima, propagava a imagem da mulher glamorosa, com vestidos fartos de tecidos e cortes
delicados que delineavam suavemente a silhueta feminina sem tirar o ar de decoro. O cabelo
curto com corte chanel reproduzia a moda das estrelas de Hollywood. Cultivava-se desse
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Disponível em: http://www.robertomarinho.com.br/obra/editora-globo/detalhes-de-verbete.htm/ Acesso em:
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modo, o perfil de mulher bela, jovial, moderna e sofisticada, que deveria também estar bem
maquiada.
Juntamente com o cultivo desse perfil feminino de beleza, conservava-se o culto à
imagem da mulher de conduta irreprovável, comportada, obediente. Pinsky (2012) ao
discorrer sobre as mulheres dos Anos Dourados, argumenta que, apesar das condições de vida
nas cidades provocar mudanças nos comportamentos sociais entre homens e mulheres;
modificando as práticas de namoro e intimidade familiar, diminuindo a distância entre os
casais e as diferenças entre os papéis da mulher e do homem, a sociedade continuava
arraigada nos antigos modelos tradicionais. “A mulher ideal era definida a partir dos papéis
femininos tradicionais- ocupações domésticas e o cuidado dos filhos e do marido e das
características próprias da feminilidade, como instinto materno, pureza, resignação e doçura”.
(PINSKY 2012, p. 608).
Coadunando com esse propósito, Querida nº1 edição de junho de 1954, na sua
primeira fase de lançamento, trazia nas capas anúncios dos conteúdos sobre moda: “Paris
decretou... A última palavra da moda para a última estação”, sobre comportamento: “Você
admite o ciúme? ”. Trazia também novelas em cores com seus temas ousados sobre amor:
“Lutarei por meu amor”. As novelas em cores era outra inovação atrativa das revistas
femininas.
Percebe-se que neste período de avanços no mercado editorial feminino, sobretudo
nas revistas, onde se cultivava a mulher moderna, os ditames da moda vinham de Paris e
adentravam no Brasil pelas revistas. Além da moda, os contos e novelas, estrategicamente
destacados nas capas de Querida, traziam temas considerados ousados para a época por
abordarem assuntos sobre traição e divórcio.
Embora este estudo não tenha analisado os textos desses temas, pode-se supor, pelas
características da sociedade dos anos 50, que esses assuntos eram abordados como uma forma
de fomentar os bons costumes, a moral, reprovando os comportamentos que naturalmente
emergiam na sociedade. Além disso, tratar sobre divórcio e traição por meio de contos e
novelas era uma estratégia de forte persuasão, pois ler como forma de entretimento era algo
prazeroso para a mulher e, desse modo, a mensagem ia sendo difundida suavemente através
das páginas das revistas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira fase de Querida, nos anos 50, as revistas femininas tradicionais eram
instrumentos da indústria de bens de consumo que espargiam seus produtos por meio delas.
Também difundiam imagens e condutas femininas próprias da sociedade burguesa da época.
Seguindo esse perfil, Querida direcionava-se para a mulher casada, adulta comprometida com
as atribuições do lar. Trazia nas capas um discurso persuasivo através das imagens e
chamadas de texto.
Estampava a imagem da mulher de classe média branca, elegante, feminina, que
espraiava sensualidade comportada. Os temas versavam sobre beleza, decoração, culinária,
contos e novelas, estas com forte papel persuasivo em relação às condutas adequadas às
mulheres da família burguesa. O objetivo dos temas que compunham as capas de Querida,
além de favorecer a indústria do consumo, era fomentar os valores, os bons costumes e a
moral nos anos 50, além de sutilmente reprovar os comportamentos que fugissem aos padrões
estabelecidos pela sociedade da época.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Alzira Alves. Mulheres e Imprensa: passado e presente. In: RIBEIRO, Ana Paula
Goular; HERSCHMANN, Micael (orgs). Comunicação e História: interfaces e novas
abordagens. Rio de Janeiro: Mauad X: Globo Universidade, 2008.
BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
BUITONI, Duicília Helena Shoroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela
imprensa feminina brasileira. São Paulo: Summus. 2009.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2011.
Chartier, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Tradução Maria
Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.
FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, Marques F. Dicionário
Brasileiro Globo. 54.ed. São Paulo: Globo, 2001.
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos Anos Dourados. In: DEL PRIORE, Mary (Org.).
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História das Mulheres no Brasil. 210º ed. São Paulo: Editora Contexto, 2012.
FONTES
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INTRODUÇÃO
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CONHECENDO A FONTE
A imprensa é um importante meio de comunicação pelo fato de ter visibilidade por
grande parte da população. A riqueza de informações que um jornal pode nos transmitir vai
muito além das que estão contidas nos noticiários publicados, podemos perceber nas
entrelinhas aspectos representados da sociedade de uma época, além disso, podemos ver por
diferentes óticas os mesmos assuntos ou temáticas, como elas (são)eram abordadas, o teor de
relevância que (é)era dada, etc. Por este fato entendemos a imprensa como uma importante
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fonte para pesquisas na área de história da educação. Toda esta riqueza de informações antes
não era considerada fonte histórica, a história tradicional não admitia para pesquisas
científicas qualquer fonte que não fosse as provenientes dos arquivos oficiais de governo. A
virada historiográfica que culminou na Nova história Cultural, favoreceu o reconhecimento de
diversos artefatos como fonte; a imprensa foi uma delas, e vem sendo muito utilizada nas
últimas décadas no campo da História da Educação, por exemplo.
No início da pesquisa visitamos os seguintes arquivos: o Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional – NDIHR, Arquivo do Instituto Histórico Geográfico
Paraibano (IHGP), a Fundação Espaço Cultural da Paraíba (FUNESC), a Fundação Casa de
José Américo, e o Arquivo da Cúria Metropolitana, para dar início a identificação e seleção, e
posterior catalogação, digitalização e análise das fontes documentais.
O jornal Liberdade teve seu primeiro número publicado em 15 de janeiro de 1931,
sob a direção de Adherbal Pyragibe, tendo como redator chefe, Alves de Mello e redator
gerente, Anchises Gomes. Era um jornal que se descrevia, como seu próprio nome diz, o
jornal da liberdade de expressão, “o jornal do povo e para o povo”, era seu lema. No entanto o
que se via era uma postura não muito diferente dos demais, quando o comparamos com outros
jornais já explorados, tanto no que diz respeito a sua organização quanto ao conteúdo das
publicações.
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Em sua primeira publicação o Liberdade deixa claro quais são as suas pretensões em
um texto de apresentação intitulado: “O que vamos fazer”, como podemos ver na figura 1
acima. Iniciando o seu corpo textual com uma fotografia do ex-presidente assassinado, João
Pessoa, enaltecendo sua “grandiosa” figura e o seu papel no cenário político local e nacional.
Nas palavras do Liberdade:
A PRODUÇÃO FEMININA
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Como já citamos, encontramos no período pesquisado apenas nove textos, sendo cinco
entrevistas, dentre essas, três são respostas a uma enquete feita pelo jornal intitulada: “Os
direitos políticos da mulher”. A figura 2 abaixo, se refere à primeira entrevistada que foi Alice
de Azevedo Monteiro, educadora na época.
A segunda entrevistada da enquete foi Albertina Correia Lima, que foi uma figura
feminina com grande visibilidade no estado da Paraíba. Filha de Lindolfo Correia das Neves.
Formou-se em Direito pela Faculdade do Recife em 1931. Deu início a sua carreira no
jornalismo em 1912, publicando em alguns jornais do estado, ingressou no Instituto Histórico
e Geográfico Paraibano em abril de 1938, e foi oradora, no ano de 1933, da Associação
Paraibana Pelo Progresso Feminino. Teve uma vasta publicação, faleceu no dia 18 de março
de 1975. (BARBOSA, 2009)
Albertina publicou também outro texto no qual defende o direito ao voto, em 1933 no
jornal A União, e vários outros em que fala da força feminina e o seu papel social. No entanto,
o que nos chamou bastante atenção na enquete é uma declaração da mesma, afirmando que o
direito ao voto feminino deve ser restrito a algumas mulheres:
O voto é a legitima expressão da consciência nacional. Para não perder sua alta
significação e finalidade, deve ser restricto ás mulheres independentes intellectual e
economicamente, isto é, áquellas que possam fazer uso livre e consciente desse
direito. [...]. (Liberdade, p. 1, Abr. 1931)
O terceiro e último texto publicado foi assinado apenas com iniciais, no entanto
suspeitamos que seja de autoria de Albertina Correia mais uma vez, pois as iniciais assinadas
são A.C.L. e o texto foi publicado logo após o assinado por ela. No entanto não podemos
afirmar com certeza quem respondeu à enquete. As justificativas apresentadas pela autora,
para a defesa do voto feminino, são semelhantes às apresentadas por Albertina, fato que pode
ser considerado comum, mas, como citamos acima, ela tem a opinião de que o voto não deve
ser direito de todas as mulheres, neste outro texto não há tal afirmação, entretanto é citado
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novamente o fato de as mulheres que votam serem mais importantes que as demais:
A mulher intelligente, culta, independente, a mulher que trabalha, não pode deixar
de sentir-se humilhada perante suas irmães de outros paizes, em que os direitos
políticos lhes são extensivos. Ella que se engrandeceu pela intelligencia e pelo
trabalho, se elevará muito mais pela plenitude de seus direitos, porque,
incontestavelmente, aquella que vota, vale mais que as outras. [...]. (Liberdade, p. 2,
maio. 1931)
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Após essa declaração, a autora do texto diz que, mesmo com essa concepção, sempre
se manteve bem informada de todos os fatos ocorridos no estado. O texto foi publicado no dia
13 de novembro de 1933, a autora assina como “Uma admiradora de João Pessoa”, por este
motivo desconhecemos sua identidade.
Dentre as entrevistas encontradas uma se tratava de uma pernambucana, que estava
residindo em um bairro da capital, João Pessoa. Marina Lins e Silva era uma escritora um
tanto conhecida, conforme podemos deduzir por informações no jornal, que cita algumas de
suas obras. Na entrevista, interrogada sobre o que acha das mulheres intelectuais da capital, dá
um riso sarcástico, segundo informa o jornalista, que já um tanto irritado pergunta novamente,
e ela responde
---Tenho lido a pagina feminina d’<<A União>>. Exercicios escolares... Nada de
positivamente estético. Poesias de pobre inspiração...
Para ser justa, devo excetuar um trabalho de critica assinado por Beatriz Ribeiro
sobre uma poetisa chilena. Está bem traçado. Dizem que Beatriz é uma adolescente
ainda. Promete... [...]. (Liberdade, p. 4, Ago. 1934)
A crítica não foi bem recebida pelo jornalista, ela falou negativamente da Página
Feminina do jornal A União, imprensa oficial, uma conquista das mulheres paraibanas que
compunham a Associação Paraibana pelo Progresso Feminino, fundada em 1933, seguindo os
moldes da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922, por Bertha Lutz e
outras mulheres.
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Além dos textos já citados, encontramos três poesias, uma intitulada “Paraíba”, de
Belmira Parnaiba, “As rosas que eram tuas” de Palmyra Wanderlei, por fim “Ultimos
Lampejos” de Maura de Oliveira Brasil . Não encontramos informações sobre Belmira
Parnaiba e Maura de Oliveira Brasil. Palmyra Wnderley era uma conhecida escritora
Potiguara, precursora do jornalismo no Rio Grande do Norte, suas poesias eram publicadas
em vários jornais paraibanos como A União, A Imprensa, entre outros.
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Este gênero textual, a poesia, era o mais constante escrito por mulheres na imprensa
paraibana, em resultados de pesquisas anteriores, encontramos 30 poesias de um total de 52
textos escritos por mulheres no jornal A Imprensa, ou seja, mais de 50%. Não consideramos
menos importantes, pois este foi um dos primeiros espaços de escrita para mulheres na
imprensa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos o quanto é difícil escrever sobre história de mulheres, porque por muito
tempo o único espaço concedido a elas, “generosamente” pelos homens, era o doméstico,
espaço que não merece de forma alguma menosprezo, no entanto talvez pelo motivo de a
mulher ser a sua maior atuante, o que não é sinônimo de dominante, isto ocorresse.
Acreditamos também que a dificuldade de produzir sobre história de mulheres é uma
constante, como disse Perrot:
Porque são pouco vistas, pouco se fala delas. E esta é uma segunda razão de
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silêncio: o silêncio das fontes. As mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos
ou materiais. Seu acesso à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são
rapidamente consumidas, ou mais facilmente dispersas. São elas mesmas que
destroem, apagam esses vestígios porque os julgam sem interesse. Afinal, elas são
apenas mulheres, cuja vida não conta muito. Existe até um pudor feminino que se
estende à memória. Uma desvalorização das mulheres por si mesmas. Um silêncio
consubstancial à noção de honra. (PERROT, 2015, p. 17)
Com base nos resultados e nas discussões que realizamos sobre os textos que foram
escritos por mulheres na década de 1930, percebemos que houve uma grande abertura no que
se refere à discussão sobre os direitos da mulher, mesmo que, elas mesmas não tivessem
muitas publicações no jornal pesquisado. Não haviam muitas mulheres escritoras, nem muitas
redatoras ou diretoras de jornais. O que podemos perceber é que as mulheres que publicavam
em jornais, em sua maioria eram intelectuais, detinham algum poder aquisitivo e, muitas
vezes, tinham sobrenomes conhecidos por pertencerem a famílias tradicionais da Paraíba,
tendo seus nomes atrelados aos parentes homens, pai, marido, irmão.
O jornal Liberdade não era um dos considerados mais importantes na história da
Paraíba, não encontramos referências que mencionem sua história ou fale sobre suas
publicações. Todas as informações aqui mencionadas foram extraídas do próprio jornal, pois,
tivemos acesso ao seu primeiro número. Criado no auge da discussão sobre direitos e
liberdade, de um modo geral, sem distinção de gênero, o Liberdade teve um discurso a favor
da liberdade de expressão, embora se demonstrasse situacionalista, muitas vezes, nos
posicionamentos políticos. Encontramos exemplares desde 1931, data de inauguração, até
1939, último ano de interesse da pesquisa. Sabemos que o Liberdade foi fechado, pois nos
dias atuais não há circulação dele, entretanto não temos a informação sobre o seu fechamento,
como se deu, em que ano ou os motivos que levaram a tal acontecimento.
Não se pode negar a crescente visibilidade das mulheres na imprensa e em outros
espaços públicos, a década pesquisada era o momento propício, já que vários direitos foram
conquistados. No jornal Liberdade, no entanto, não encontramos um volume de publicações,
considerado razoável, já que em outros, mesmo considerados tradicionais, como A Imprensa,
que tinha interesses predominantemente religiosos, encontramos mais que o triplo em textos
escritos por mulheres. No entanto, não podemos realizar julgamentos de uma época onde
escrever era um privilégio para poucas mulheres e poucos homens, também, reconhecendo-se
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que a escolarização ainda era de oferta limitada, e considerando também que ainda hoje há
novos espaços a serem conquistados pelo dito“sexo frágil”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACL. Enquete: Os direitos políticos da mulher. Liberdade. João Pessoa. p. 2. Mai. 1933.
ANONIMA. O protesto de uma paraibana contra as infamias de certa gazeta. Liberdade.
João Pessoa. p. 1. Nov. 1933.
BARBOSA, Socorro de Fátima Pacífico. Pequeno dicionário dos escritores/jornalistas da
Paraíba do século XIX: de Antonio da Fonseca a Assis Chateaubriand. João Pessoa: Editora
Universitária, UFPB, 2009.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. 2 Ed. Algés Portugal, . Difusão Editora S.A., 2002.
LIBERDADE. Paraíba-Brasil. De 1931 a 1939
LIMA, Albertina Correia. Enquete: Os direitos políticos da mulher. Liberdade. João Pessoa.
p.1. Abr. 1933.
MONTEIRO, Alice de Azevedo. Enquete: Os direitos políticos da mulher. Liberdade. João
pessoa. p.1. Mar. 1933.
NUNES, Maria Lúcia da Silva. Quando as mulheres escrevem: textos sobre educação na
imprensa da Paraíba (década de 1930). Projeto PIBIC 2014/2015. Universidade Federal da
Paraíba, 2013.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. Tradução Angela M. S. Côrrea. 2 ed.-
São Paulo: Contexto, 2015.
SILVA, Marina Lins e. Entrevista: Uma brilhante inteligência feminina. Liberdade. João
Pessoa. p. 4. Ago. 1934.
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INTRODUÇÃO
Falar do Outro é tão complexo quanto o ser. O Outro pode ser aquele que tem
alguma deficiência ou limitação física, o mendigo que fica pedindo um trocado lá no centro
da cidade, a mulher que faz faxina na minha ou na sua casa ou aquela velhinha que está
esperando o ônibus. Convivemos com o Outro, e o somos para eles, todos os dias, em vários
ambientes e situações. Mas, na maioria das vezes, fingimos que não existem ou os toleramos.
Todavia, há momentos onde esse “preconceito velado” se faz aparecer em pesquisas
divulgadas pela mídia e foi com base em uma que a ideia desse trabalho surgiu. Em 19 de
junho de 2005, a Folha de São Paulo no caderno “Mais” publicou uma matéria intitulada “Só
os viris e discretos serão amados?” que trazia uma pesquisa feita entre os participantes da
Parada Gay paulista com a seguinte informação:
Na pesquisa do Datafolha, chamou a atenção o fato de 76% dos entrevistados
concordarem, total ou parcialmente, com a idéia de que "alguns homossexuais
exageram nos trejeitos, o que alimenta o preconceito contra os gays". A mesma
pesquisa no Rio de Janeiro revelou que, entre os homens homossexuais, 44,6%
preferem parceiros "mais masculinos", contra apenas 1,9% que os preferem "mais
femininos". Para alguns, por aumentar o preconceito, a feminilidade parece
politicamente incorreta nos homens. Para outros, deve ser cuidadosamente policiada
pelos que se aventuram no mercado dos afetos e paixões.
97
Doutorando em História pelo PPGH/UFPE. fabiocg@gmail.com
98
Mestranda em História pelo PPGH/UFCG. raquel.silva.guedes@gmail.com
99
Graduando em História pela UAH/UFCG. rafaelporto2@hotmail.com
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Trocando em miúdos, mais de 40% afirmavam que nunca teria nenhum tipo de
relacionamento com homossexuais não viris, ou seja, com aqueles homossexuais chamados,
no cotidiano, de “bicha”, aqueles que “dão pinta”, também chamados, vulgarmente, de
“viado”. Esse Outro é o outro do homem “a categoria serve para assinalar sujeitos cujo
processo de materialização enquanto homem de verdade fracassaria”100 e o Outro do
homossexual. Esse Outro não virilizado seria então uma figura abjeta que, quando trazido pela
mídia televisiva, por exemplo, será, na maioria das vezes, representado como um pícaro,
alguém que serve para divertir e, quando muito, ajudar quem esteja passando por alguma
situação difícil.
Escolhemos então, fazer uma análise das imagens trazidas nas capas da revista G
Magazine (1997-2007) – publicação voltada para homossexuais masculinos e que esteve101
por 16 anos, sem nenhuma interrupção, em circulação no mercado editorial brasileiro – no
intuito de perceber qual a representação de masculinidade que ela apresentou para o público
que consumia a revista. Para tanto, será feita não apenas uma análise da representação do
modelo que posa na capa, mas o personagem que ele representa, o gestual, bem como os
elementos que vão compor o cenário que, juntos, contribuem para reafirmar a virilidade do
personagem ali representado.
100
OLIVEIRA, Leandro de. As realizações polimorfas da figura da bicha. Anais do VII Seminário Fazendo
Gênero. UERJ, 2006, p. 01.
101
A revista deixou de ser publicada em junho de 2013 quando saiu a edição 176 que trazia o modelo Sergey
Henir na capa.
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das principais publicações que marcam a história da mídia voltada para o público gay no país.
Todavia, por questões de espaço, nos deteremos apenas a G Magazine, periódico que tinha
como especialidade o nu masculino, e que passou a se destacar das demais já existentes e que
tinham a mesma proposta, pelo fato de trazer em suas capas personalidades famosas, como
jogadores, atores e cantores que expunham nu frontal e o falo ereto.
Nunan (2003, p. 185) afirma que,
Com relação às publicações com fotos de homens nus masculinos pode-se citar,
primeiramente, as revistas Spartacus e Alone (surgidas entre as décadas de 60 e 70).
Em abril de 1997 chega às bancas de todo o país a Bananalouca, revista paulista que
depois de algumas edições e mudanças de direção se transforma na G Magazine, um
fenômeno editorial, chamada por muitos de ‘Playboy gay’. Dirigida para os
homossexuais masculinos, a G Magazine se tornou conhecida do grande público
devido à adoção de uma estratégia semelhante à da Playboy, isto é, convidar
personalidades famosas para posarem nuas na revista. [...]. Em junho de 1997 a SG-
Press (mesma editora da Sui Generes), de olho no filão dos nús masculinos, lança a
Homens, revista de qualidade bastante inferior à da G Magazine. Entre as demais
publicações com conteúdo sexual citamos: Gold, Porn, Sex Symbol, Sodoma (a
primeira revista nacional a mostrar sexo explicito entre homens, também da editora
SG-Press) e Top Secret (fotonovela gay da editora Fractal, a mesma da G
Magazine), entre outras.
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MASCULINIDADES EM REVISTA
Toda identidade é um constructo, um artifício, bem como toda teoria, todo discurso,
todo pensamento. Se todas as identidades estandardizadas são verdadeiras ou todas falsas,
então essas categorias, tomadas isoladamente, não dão conta do problema. Assim, o
importante nesse caso é saber como as pessoas se veem, se definem e reagem aos modelos
identitários difundidas pelas imagens – nos deteremos aqui, as estáticas, produzidas e
veiculadas nas capas da revista G Magazine. São imagens reais na medida em que indivíduos
ali se reconhecem, são falsas para aqueles que se sentem de algum modo agredidos,
102
Informações retiradas do sítio: http://gonline.uol.com.br/site/arquivos/estatico/memorias.htm
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caricaturados, ludibriados.
A masculinidade tem a ver com relações sociais como nos lembra Keijzer (2001,
p.3), a masculinidade é “un conjunto de atributos, valores, funciones y conductas que se
suponen esenciales al varón en una cultura determinada”103.
Autores como Nolasco (1995) e Goldenberg (2004) apontam uma crise da
masculinidade ao surgirem tensões entre o padrão tradicional de identidade masculina e a
possibilidade de viver novas formas de ser homem. Assim também o estudo de Oliveira
(2004), sobre a construção social da masculinidade, aborda uma possível crise da
masculinidade em um contexto específico da sociedade, mas não a defende como algo
generalizado, pois, diz ele, que nas camadas populares o modelo tradicional de hegemonia
masculina predomina. De modo geral, tanto homens como mulheres ainda alimentam o ideal
de comportamento dos homens baseado na força, no poder e na virilidade (GOLDENBERG,
2000), mas o que se encontra é um modelo em que o comportamento tradicional já não é mais
valorizado. A virilidade fica ameaçada.
A masculinidade é social e culturalmente construída, sendo secundária, frágil e
desenvolvida a partir da feminilidade. É fácil constatar quanto os homens se preocupam em
demonstrar, comprovar e reafirmar sua virilidade.
A necessidade de “restaurar” a masculinidade dominante conduz à revalorização da
masculinidade tradicional. Este esforço de restauração de uma imagem deteriorada provocou
o surgimento de cultos que são comumente definidos como a verdadeira masculinidade.
Demarcada pela excessiva valorização da virilidade, do sentido do dever, do sacrificar-se pelo
bem da sociedade, do ideal de guerreiro, este culto da masculinidade fez surgir, nas décadas
de 1980 e 1990, modelos de homens como os atores Silvester Stalone e Jean Claude van
Damme, inspirados no antigo ideal masculino do cowboy104.
103
“um conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se supõem essenciais ao homem em uma cultura
determinada” [Tradução do autor].
104
Segundo Pollakapud Vincent (1983), “cabelos curtos, bigode ou barba, físico musculoso... As imagens míticas
mais freqüentes na imprensa homossexual e nas revistas pornográficas especializadas são o caubói, o
caminhoneiro e o esportista” (p. 371), personagens esses que, serão representados nas capas da G Magazine que
analisaremos no decorrer desse trabalho.
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Fig. 01: Outubro de 1997 Fig. 02: Abril de 2006 Fig. 03: Agosto de 2000
Sobre isto, podemos perceber na capa da primeira edição com o modelo Vitor Xavier
(fig. 01) e nas capas com Ricardo Vilani (fig. 02) e Esnar Ribeiro (fig. 03) que aparecem com
elementos que nos remetem à própria imagem do cowboy. O primeiro, está representando a
figura de um vaqueiro ou cowboy, personagem que, no imaginário, se destaca sempre pela
bravura, agilidade e, o mais importante, masculinidade e virilidade. A representação desse
personagem será utilizada algumas vezes pela revista em diferentes capas, sendo este o
personagem que mais se aparece nas capas da revista.
O leitor perceberá que eles estão representando vaqueiros ou cowboys pela existência
de alguns símbolos como o cinto e o chapéu que os modelos estão usando, bem como o
cenário onde se encontram. Isso é o que Chartier (1998) vai chamar de apropriação, ou seja, a
forma como os indivíduos dão sentido ao que vêem e/ou lêem. Trata-se da construção de
sentido e interpretação. A apropriação é, por definição, histórica. No campo da leitura, seja
esta textual ou imagética, os fatores que determinam a apropriação são as competências do
leitor, derivadas por sua vez das práticas de leitura que ele possui; os dispositivos discursivos
e formais (inclusive materiais) etc. A apropriação tem suas determinações sociais,
institucionais e culturais.
Já Ricardo Villani (fig. 02) aparece mais como um vaqueiro do que um cowboy e
isso pode ser visto pela existência de alguns elementos que chamaremos aqui de signos: o
fundo verde, mesmo que desfocado, que nos passa a ideia de um pasto e o chapéu de
vaqueiro.
Para haver entendimento dos signos, existe a necessidade da emissão de uma
mensagem para alguém. Então temos uma mensagem, um emissor e um receptor. Para que
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haja uma boa relação entre estes três elementos deve haver uma boa codificação de signos e
sinais. Se o receptor não reconhecer os sinais, então não entenderá a mensagem. Estes signos
transformam-se em uma linguagem clara e cada cultura possui signos diferentes e com
características próprias, mas com a globalização, em especial, culturas de determinados
povos, até então não conhecidas, puderam ser visualizadas por outros povos e aquelas já
conhecidas, receberam maior massificação no intuito de serem absorvidas. Por isso, mesmo a
figura do cowboy não fazendo parte da nossa cultura, já a introjetamos através dos filmes das
décadas de 1950 e 1960, pelos comerciais de cigarros da década de 1980 e 1990.
Ainda sobre a segunda capa, na figura 02, apenas o rosto do modelo é mostrado e a
representação de virilidade estará, não apenas no personagem que é utilizado pelo modelo,
mas no rosto, ou seja, pela a barba e pelo o olhar. Enquanto que na figura 03, similar a figura
01, o foco é o corpo do modelo e a atenção do leitor estará voltada para a área da genitália do
Esnar Ribeiro que ganha destaque devido ao tamanho da fivela do cinto que ele está usando
junto a cueca de couro.
Segundo Mira (2003), os produtores de revistas eróticas e/ou pornográficas, muitas
vezes, compartilham do mesmo universo cultural dos consumidores de determinadas revistas,
sabendo como “agradá-los”, isso implica que, possivelmente, o leitor/consumidor da G
Magazine não encontrará nas capas desta publicação, por exemplo, mulheres como atração
principal nem tampouco um modelo representando um apanhador de lixo, pois isso não faz
parte do imaginário desejante de quem consome essa revista.
Ainda segundo a autora, os produtores sabem a quem se dirigem, sabem quem e qual
é o seu público e falam a mesma linguagem “proibida” e conhecem os seus códigos de
deciframento. Como é um jogo compartilhado, existe um processo de cumplicidade, de
comunicação entre o leitor/consumidor e os produtores.
Se tomarmos Nolasco (1998) que afirma que o sentimento de identidade masculina
está mesmo ligado à identidade sexual, podemos afirmar que será no campo sexual onde
haverá as maiores exigências. Isso porque, na cultura ocidental, masculinidade implica ser
masculino, logo, ativo. Ser ativo, utilizando a discussão sobre gênero, significa ser ativo
sexualmente, ou seja, penetrar o corpo de outra pessoa. É possível perceber na figura 05 que
segue a ideia de virilidade, força e poder que estarão presente devido a presença de um
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Fig. 04: Fevereiro de 2006 Fig. 05: Abril de 2002 Fig. 06: Fevereiro de 2007
Enquanto que o negro que aparece na fig. 06 representa um malandro, aquele homem
que seduz a todos para conseguir o que quer, se é uma pessoa que consegue o que quer e
seduz quem deseja, é um macho em potencial pois, a todo momento, está mostrando que é
uma pessoa forte, máscula e viril.
Como nos mostra Machado (1997),
O malandro se constrói positivamente como aquele que rouba, assalta, mata, bebe e
se droga, associando estas atividades à valorização positiva do macho: corajoso,
dono de sua vontade e capaz de impor sua vontade. A idéia de “macho” no campo da
sexualidade, centrada no lugar simbólico do masculino como lugar da iniciativa é
que parece fundar a crença da idéia de “macho social”, aquele que tem a iniciativa e
a imposição da vontade no plano social (p. 238).
Tanto nas imagens já mostradas o destaque que foi dado ao corpo dos modelos.
Estes, na maioria das vezes estarão sem camisa, exibindo um corpo forte, malhado, com
músculos definidos.
Ao mesmo tempo em que traz e mostra modelos viris e com corpos definidos,
tomaremos como exemplo aqui, as figuras 04 e 05, a revista acaba contribuindo para
influenciar no que tange ao desejo do corpo desejado e o desejoso, pois, como afirma Oliveira
(2004), a mídia, assim como a publicidade exploram características tidas como típicas da
masculinidade reafirmando as prescrições comportamentais contribuindo para reproduzir e
representar a masculinidade como um lugar imaginário de sentido estruturante junto aos
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Aqueles que trabalham no corpo como um “artesão”, moldando-os de acordo com o desejo de se sentir mais
musculoso e viril.
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Em quase todas as capas todos os modelos se encontram sozinhos, o que sugere que
esse outro para quem olham e sorriem e com quem tentam estabelecer um diálogo pode ser o
fotógrafo que está por trás das lentes, o qual, também ausente na fotografia, dá seu lugar ao
leitor, que passa a ser o interlocutor da cena.
A instauração de uma interlocução se dá no jogo enunciativo “eu-tu”, denunciado nas
revistas pelo olhar dos modelos fotografados, que se volta constantemente ao leitor, o que
atrai, de alguma maneira, o olhar do leitor para o corpo fotografado, como se o convidasse a
participar dessa cena. Esse convite começa como é de se imaginar, já nas capas. A capa,
considerada como o espaço de apresentação da revista, constitui o primeiro contato entre o
leitor, e anuncia em destaque o conteúdo mais importante da edição; no caso das publicações
consideradas aqui, os ensaios de nu.
Magnavita (2008) discutindo a respeito do “ideal” que há na mente das pessoas, e em
especial, naquelas que são homossexuais afirma que,
um sujeito pode ser homossexual, contanto que não seja uma "maluca desvairada e
caricata" (leia-se: afeminado) e, ao que parece, ser "velho" é também um demérito, e
não uma condição natural e inevitável da biologia. Tal discurso não dá espaço para a
invenção da homossexualidade a partir de um ativismo constante e auto-
questionador, conforme nos propõe Foucault. Existe, para este tipo de militante, uma
forma ideal de ser homossexual, uma forma que, justamente por ser idealizada,
exclui terminantemente uma realidade: efetivamente, existem homens homossexuais
afeminados, quer gostem disso ou não os gays descolados, modernos e másculos106.
Tal afirmação do autor nos indica que, dentro do próprio grupo que já é estigmatizado
por grande parte da sociedade heterossexual, existem outros grupos que sofrem preconceitos
por não serem viris, por serem gordos, velhos etc. O que nos mostra que há uma seleção,
dentro do grupo homossexual, do que é e o que não é bem-vindo, o que podemos denominar
de preconceito, havendo dessa forma, um grupo que domina, isto é, os másculos, viris, pois
são discretos, logo, não percebidos pela sociedade quanto a sua orientação sexual e os
dominados, os efeminados, não viris, tidos como passivos e que causam “vergonha”. São
esses últimos à que será negada a existência nas capas da revista G Magazine.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
106
Retirado do sítio: http://www.portalcienciaevida.com.br/ESFI/Edicoes/22/artigo87205-1.asp .
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KEIJZER, B. Hasta donde el cuerpo aguante: género, cuerpo y salud masculina. In: R
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MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidades e violências. Gênero e mal-estar na sociedade
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MIRA, Maria Celeste. O Leitor e a banca de Revista: A segmentação da cultura no século
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INTRODUÇÃO
Toda semana, diferentes agrupamentos juvenis se encontram em locais estratégicos
pré-determinados via WhatsApp108. Ruas, praças, vielas, diferentes locais de encontro, veem-
se abarrotados de jovens, de diferentes identidades de gênero, provenientes de vários locais da
cidade, com diferentes gostos, vontades e, também, que trazem múltiplas perspectivas de vida.
Nos encontros, a música vira componente básico, especialmente o funk, trilha sonora
fundamental desses encontros. Autodenominados família, tais grupos mantêm contato
permanente, mediados pelo uso do celular. E, dia após dia, mais e mais jovens entram e saem
dessa esfera.
Para além de toda uma gama de agrupamentos urbanos que também seguem essas
características apresentadas no primeiro parágrafo, esse artigo leva em consideração as
práticas sociais plurais geradas por um agrupamento específico: a família “Os Poderosos e As
Poderosas”. Composta por adolescentes e jovens de diferentes bairros de Fortaleza (CE), a
família mantém grande concentração de participantes provenientes das comunidades da
Secretaria Regional VI, onde estão localizados bairros como Messejana, Barroso, Castelão,
Curió e, principalmente, a Sapiranga de onde vem a maior quantidade de integrantes da
família.
Nesta família, há uma quantidade extensa de representações sociais, ligadas também
107
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal do Ceará
(PPGCOM-UFC), como bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Email: olivanog@gmail.com
108
Aplicativo de celular utilizado como ambiente de comunicação bidirecional, entre duas pessoas em ambiente
caracterizado como privado, e multidirecional, entre duas ou mais pessoas, caracterizado como grupo, mantendo
a internet como rede-base para sua utilização.
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às identidades de gênero construídas por cada um dos que fazem parte desse âmbito. Exemplo
disso é a criação de funções pré-determinadas para a diretoria, que rege o agrupamento, da
família ainda baseada na dicotomia homem/mulher, e crises geradas pela incompreensão, de
alguns integrantes, quanto aos que se sentem representados por identidades de gênero que
fogem dessa dicotomia.
A opção metodológica para esse trabalho é a etnografia por se configurar como a mais
indicada para acessar os sentidos dos usos do celular no estabelecimento, fortalecimento e
desfazimento de vínculos entre os jovens da referida “família”. Tal etnografia se dá tanto na
forma como essas juventudes se encontram nas praças e ruas, quanto nos grupos presentes no
WhatsApp. Esta opção metodológica também coaduna com uma discussão recente acerca do
uso da etnografia em aspecto virtual. Levando em consideração que tais mediações,
provocadas por diferentes tecnologias a partir do advento da internet, propiciaram a geração
de diferentes agrupamentos e comunidades em âmbitos digitais, é importante destacar que
internet também deva ser encarada como um lugar gerador de práticas sociais (POLIVANOV,
2013).
Diante dessa perspectiva apresentada, é objetivo deste artigo compreender, no campo
da sociabilidade (SIMMEL, 1983) as relações sociais tecidas por esses adolescentes e jovens
pertencentes à família “Os Poderosos e As Poderosas”, quanto à discussão de gênero
existente, percebendo como ela está inserida na construção e fortalecimento de vínculos deste
agrupamento, por meio de seu contato estabelecido por WhatsApp.
movimentação diferente de tudo o que já tinha visto até então: causou-me espanto e certa
estranheza o fato de tantos jovens, em plena sexta-feira à noite, por volta das dez horas,
estarem reunidos em um espaço como aquele. No entanto, mesmo tendo sabido da existência
da família na Praça do Lago Jacarey, não é lá onde ela mantém seus encontros. “Os Poderosos
e As Poderosas” utilizam como espaço de convivência e convergência a “praça do
Imprede”109, também chamada por eles de “Via Sul Boladão” ou “Praça do Via Sul”, por estar
localizada perto do Shopping Via Sul. É o que mostra as imagens de divulgação dos encontros
que a família compartilha por WhatsApp (Imagens 1, 2 e 3).
109
No caso, quando os/as integrantes da família “Os Poderosos e as Poderosas” divulgam seus encontros tanto
pelo whatsapp como pelo facebook, eles denominam a praça onde o Instituto da Primeira Infância (Iprede) está
localizado, como praça do Imprede.
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integrantes. É o que reforça Kelly110, 22 anos, integrante da família desde o começo de 2015:
Uns a gente já conhece quando a gente entra. Outros a gente não conhece. Mas a
gente pega um afeto, um carinho, por justamente estar muito reunido, por encontros
e estar juntos a gente forma aquele laço de amizade que a gente começa a considerar
uma família. Porque, tipo assim, se você é dedicada pro grupo, quando você não está
em casa com a sua família, você tá lá na outra família que é o grupo, ou no encontro,
ou numa festa deles, de alguma das pessoas, então por isso que é chamado de
família. Só que toda família tem seus defeitos, né? Brigas, desavenças e tal, mas por
isso que tem o nome de família, pela ajuda de um ao outro [Entrevista com Kelly, 22
anos, junho de 2015].
110
Nome fictício dado a si mesma pela própria entrevistada.
111
Categoria nativa empregada para famílias que apenas querem curtir. A proposta dos fundadores era ir mais
além, montar uma família onde cada um se ajuda e ajuda os demais.
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dobra ou de interstício entre os sistemas on line, o WhatsApp, e off line, a praça (DIÓGENES,
2012; 2013). É nesse entremeio que as relações sociais são construídas entre os integrantes da
família “Os Poderosos e As Poderosas”, tecidas pelo uso do Whatsapp e pelos encontros
estabelecidos semanalmente na praça. É nesse âmbito onde vínculos de amizade são tecidos,
fortalecidos e até desconstruídos. É nesse espaço onde também as performances de gênero são
evidenciadas. Adolescentes e jovens dialogam e se conhecem. Paqueram e são paquerados. É
um espaço intenso de trocas possibilitado pelo acesso desse mecanismo à internet.
O nome original da família é baseado nos personagens do jogo de videogame “The
King of Fighters”112. Existem dois personagens que representam o feminino e o masculino na
família: a Leona e o Iori Yagami. E são esses personagens que aparecem gravados nas
camisas tanto femininas como masculinas dos Poderosos. A justificativa se dá por o Rafa
considerar que o desenho mostra “querer agir sempre pelo certo, nunca pelo errado”
[Entrevista com Rafael, junho/2015], o que deu a ideia para que o slogan da família fosse
“fechar com o certo é a nossa meta”. A ideia central para o Rafa seria fundar uma família em
que seus componentes tivessem oportunidades de crescimento pessoal e ajuda mútua, e onde
não houvesse o tráfico ou o uso de drogas ilícitas, algo que já fez com que outras famílias ou
equipes acabassem.
Entre os meses de março a outubro de 2015, estive inserida em três dos grupos da
família poderosa no WhatsApp: o geral, onde permanecem todos os integrantes, o do bonde
feminino, que congrega as que se reconhecem desse gênero, inclusive mulheres trans, e o da
diretoria, composto pelos adolescentes e jovens que regem a família.
No começo de 2015 eram onze componentes no grupo da diretoria no WhatsApp, entre
adolescentes e jovens do sexo feminino e do sexo masculino. Durante o ano, alguns
componentes entraram na diretoria, outros saíram, houve os que permaneceram na família
mesmo com a saída da diretoria, e os que saíram definitivamente. Em setembro, a quantidade
passou para sete pessoas. Esse caráter fluido acompanha o agrupamento e evidencia sua
constante mutação, onde não cabe serem transformados em grupos fechados ou considerados
como tal (LATOUR, 2014).
112
Abreviado oficialmente como KOF, é uma série de jogos de luta produzidos pela empresa SNK Playmore.
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OS VET E AS NOVINHAS
No processo de conhecimento daqueles que integram a família, ao mesmo tempo que
me via por entre ricas construções de sociabilidades e possibilidades de ajuda mútua entre
adolescentes e jovens, observava que diversos conflitos entre o ser mulher, o ser homem e,
ainda, ser trans, também geravam crises.
O princípio da discussão acerca da discussão de gênero parte da dicotomia
homem/mulher, onde temos como interlocutora inicial de peso a pós-estruturalista Simone de
Beauvoir, cujo marco é a percepção essencial de que a mulher não nasce mulher, torna-se
(1949). Durante décadas, permanecemos dialogando com esta perspectiva. Somente a partir
dos mais recentes estudos com base na cena queer, passa-se a discutir a concepção de gênero
em uma perspectiva multi e trans. A ideia é rever o posicionamento inicial de reforço da
dicotomia homem/mulher, entender a pluralidade dos diferentes eixos de gênero, e entender
que a compreensão de gênero não deve ser determinada por genitálias (BENTO, 2006).
Na família “Os Poderosos e As Poderosas”, há uma clara divisão de gênero tanto nas
funções estabelecidas para os que fazem parte de sua diretoria, assim como na forma como as
mulheres e os homens são vistos. No caso, eles são normalmente chamados, entre eles, de as
novinhas e os vetin, ou vets113. Tanto um como outro podem virar “botes” 114 na cena.
Na família, existem atribuições específicas dadas pelo patrão Rafael115, 17 anos, aos
componentes da diretoria do “Os Poderosos e as Poderosas”. Tais atribuições também
demonstram uma clara divisão de gênero. Todos reconhecem o Rafa como dono da família, às
vezes também chamado de patrão, e o têm como referência. Isso não evita que haja certas
crises, ou que as determinações do Rafa sejam totalmente aceitas. Em entrevista, Rafael nos
fala sobre as funções na família e quem pode exercê-las:
Diretoria na verdade são só três pessoas. Mas como os poderosos sempre gostam de
fazer um algo diferente, então eu como sou dono, o Richell como é dono, a gente
113
Enquanto que novinhas são as meninas, as mulheres, os vets são os homens, numa redução do termo
“pivetes”.
114
Possíveis esquemas. Tem um caráter altamente sexual, configurando-se como uma possível comida. Remete
ao bote que as cobras dão em suas vítimas.
115
Nome fictício dado para o idealizador da família, é também administrador (adm) dos grupos no WhatsApp.
Fundou a família com mais um amigo e uma amiga e, até hoje, todos são membros da diretoria, sendo que a
jovem está afastada porque deu à luz há pouco tempo.
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tem dois propósitos. Um de que? Deixar um pra apoio da diretoria, no dia que a
gente não puder fazer algo, eles puderem fazer. Tipo organizar, eh... as camisas e
deixar uma patroa pra ir buscar, outra pra entregar às meninas, um patrão arrecadar o
dinheiro, pra ir deixar, e outra pra entregar aos meninos. E tem as puxadoras. As
puxadoras foi uma intenção minha de fazer porque caso isso, eu não puder, e quem
tá na diretoria não puder, pra diretoria as puxadoras são um braço direito. Isso é
dentre elas, não vai chegar a comunicação pra mim. Vai chegar acaso o que? As
puxadoras não puder, isso vai chegar pra mim. Dizer que não “ah eu não vou poder
Rafael, por causa isso isso e aquilo”, isso vai ter que tá no papel de outra puxadora.
Então, eu escolhi o que? Cinco puxadoras de Messejana116, Castelão117, Barroso118,
Siqueira119 e, onde eu moro, na Sapiranga. Essas cinco puxadoras, três faz com que
evolua o grupo e as duas fazem o papel de braço direito da diretoria [Entrevista com
Rafael, 17, junho/2015].
116
O bairro Messejana está localizado na Regional VI. É o coração da Regional, por vezes também chamada de
grande Messejana, onde existem outros bairros. Possui população de 41.689 pessoas, de acordo o Instituto de
Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE).
117
Também inserido na Regional VI, o bairro Castelão conta com população de 5.974 pessoas, de acordo com
dados do IPECE, configurando-se entre os bairros mais pobres da cidade, com Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) de 0,25.
118
Localizado na Regional VI, o Barroso possui população de 29.847 pessoas, de acordo com dados do IPECE.
O fato de eu escolher o âmbito da Regional VI para pesquisa, se dá principalmente pelo fato de eu ter bastante
relação com a história do local. Cabia, em um primeiro momento, ao ser perguntada sobre onde seria minha
moradia, a referência de um lugar próximo para que os interlocutores da pesquisa me reconhecessem como parte
da localidade. O Barroso também é um local extremamente pobre, situando-se no ranking, da Prefeitura de
Fortaleza, dos bairros de pior situação, com o IDH de 1,8.
119
O Siqueira se encontra na Regional V, vizinha à Regional VI, e possui população de 33.628 pessoas, também
de acordo com dados do IPECE. Mantém IDH ainda mais baixo, com 1,4.
120
São consideradas as famílias que mantêm aliança. Isso quer dizer que uma família ajuda a outra a crescer,
participa dos encontros enviando representantes, e constrói de laços de amizades. É comum, ainda,
relacionamentos amorosos entre integrantes de famílias diferentes.
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Imagem 4
Em toda a pesquisa, até o momento, fui apenas a uma festa: a de comemoração de três
anos das Poderosas. Festa regada a muito álcool, churrasco e som de carro, eram as mulheres
que prioritariamente dançavam ao som alto das músicas de funk ostentação121. Geralmente, a
família poderosa, em parceria com MCs122 locais, criam os próprios funks e compartilham por
WhatsApp. Esse, especificamente, evidencia as mulheres integrantes das Poderosas como
meninas espertas que não se deixam levar facilmente.
As músicas com as quais estas meninas lidam em suas performances trazem letras
voltadas para a construção de movimentos sensuais e sexuais, além, claro, da própria música
que incentiva o lento ou, dependendo da música, o frenético balançar da região da pélvis,
sendo a representação do corpo feminino como locus primário da sexualidade e do prazer
sexual (LAURETIS, 1994). O funk é o estilo de música normalmente escolhido para animar
os encontros nas praças e nas festas. Na praça, os homens demonstram todo o seu desejo ao
voltar o olhar para a dança sensual que as meninas protagonizam em via pública. Esse desejo
é provocado deliberadamente pelas performers.
121
Estilo musical de funk, originado nos bailes de São Paulo (SP), prega o consumo como prazer. Nas músicas,
normalmente, as mulheres são taxadas como interesseiras.
122
Os cantores de rap são conhecidos como rappers ou MCs, abreviatura para mestre de cerimônias.
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Tanto o funk como o reggae são tocados por carros de som presentes nos encontros
das praças. Nas divulgações nos grupos de WhatsApp, há também a informação de que os
participantes dos encontros poderão contar com carros de som. A música faz parte do
cotidiano desses jovens. Nos próprios grupos do WhatsApp, a troca de músicas acontece entre
os seus integrantes. Demonstrações de alegria, paixão e até tristeza acontecem pelo
compartilhamento de canções. Nos grupos de WhatsApp, os forrós também tomam contam
das intenções e sentimentos de seus integrantes.
Para além das crises e ruídos com os quais passei a lidar, em momentos diversos as
relações estabelecidas demonstravam aceitação do ser diferente. Tal aceitação vez por outra
era colocada por terra, a partir da forma com as quais, particularmente jovens do sexo
masculino pronunciavam-se no WhatsApp, entre os seus considerados iguais. Entre chacotas e
sarros com palavras como “gay”, “viado”, além de imagens altamente abusivas de mulheres
trans, houve ainda um momento de crise na família onde uma de suas integrantes foi o centro
de brincadeiras justamente por ser trans (Imagens 6, 7, 8 e 9).
Durante a discussão, vê-se claramente a tentativa de superação após o fato sofrido. A
adolescente em questão é mulher trans e reconhecida como tal entre a família poderosa. No
entanto, outros integrantes da família não respeitaram sua identidade de gênero. Vendo que
estava sendo vítima de preconceito, ela ainda saiu do grupo. Depois foi recolocada pelo
administrador Rafael, que como seu porta-voz, e a reconhecendo como mulher, destacou que
não toleraria desrespeitos com ela. Afinal, ela estaria representando, quer dizer, estaria
também, além do Whatsapp, participando dos encontros semanais na praça, algo necessário
para que a família sobreviva.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante meu percurso intenso de pesquisa acerca da família “Os Poderosos e As
Poderosas”, várias outras situações envolvendo o feminino e o masculino foram colocadas.
Interessante observar que qual for o ambiente comunicacional construído, a discussão de
gênero encontra lugar.
No caso da família poderosa, a força da discussão de gênero é percebida já na sua
autodenominação, dividida entre feminino e masculino. Para além dessa dicotomia, que cai
por terra quando esclarecemos a importância dos estudos queer contemporâneos para a
compreensão acerca das pluralidades existentes, é necessário perceber que “gênero representa
não um indivíduo e sim uma relação, uma relação social” (LAURETIS, 1994, p. 211).
Em diálogo com os que fazem a família acontecer, seja por parte da diretoria ou
mesmo os próprios integrantes, é geral uma percepção de que tanto homens como mulheres
exercem o mesmo poder de decisão e participam da mesma forma nos ambientes de encontro
e discussão. No entanto, ao observar assiduamente como as relações são construídas, percebe-
se diferentes condutas, formas de diálogos, tecidas essencialmente de forma diferenciada
também por representações de gênero.
Apresentei apenas algumas considerações, no entanto a pesquisa ainda está em
andamento, e necessariamente trará ainda mais olhares quanto às posturas desses que fazem a
família poderosa.
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
123
Graduando pelo curso de licenciatura em História da UFCG. Rafaelporto2@hotmail.com
124
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFCG. Ewennyerhoze@gmail.com
125
Doutorando em história pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFPE fabiocg@gmail.com
126
http://dicionariodoaurelio.com/escapismo
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subentende-se que a própria condição humana e sua relação com as regras impostas é, no
mínimo, problemática. Nesse aspecto, a leitura de Freud sobre a mente humana é bem atual,
quando mais de uma vez ele se refere à sociedade como sendo a causa da insatisfação do
homem.
É só durante o século XX que Freud publica “O mal-estar na civilização”, que procura
explicar, por exemplo, porque e do quê escapamos. No período de publicação dessa obra,
Freud já era um autor reconhecido, e sua publicação de caráter pragmático torna-se
rapidamente uma de suas produções mais famosas.
Não é difícil compreender o motivo de Freud ser um autor influente até os dias de
hoje. Além de boa parte de suas teorias não terem sido desconstruídas, sua perspectiva sobre o
ser humano é construída através da ideia de que todos os homens são naturalmente iguais, e as
diferenças comportamentais só existem devido à formação externa ao corpo humano.
Freud também se torna bastante polêmico a partir do momento em que atribui
diferenças entre o sexo masculino e o feminino desde antes da criação, argumentando que,
além da criação distinta, homens e mulheres possuem o corpo mais ou menos adaptados para
a vida civilizada e em sociedade. Não sem surpresa, Freud argumenta que o corpo (e a
formação) feminino é justamente o menos propício para a vida moderna.
Tendo em mente a proposta da obra original e a data em que foi inicialmente
publicada, procuramos entender como a comunidade científica europeia do começo do século
XX definia a mulher e seu estado psíquico, através de um dos autores científicos mais
influentes do século, e que até hoje é estudado não só por seguidores, mas também por
críticos. É importante lembrar que o discurso científico desde então mudou bastante, assim
como os pontos de vista não só dos cientistas como também dos leigos de cada época.
127
O Positivismo foi uma filosofia ocidental, surgida na França no começo do século XIX, e tinha como
principais expoentes os filósofos Auguste Comte e John Stuart Mill.
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humanas, tendo em vista o sucesso das ciências naturais neste século, responsáveis pelo
“progresso” no qual toda a Europa estava embriagada. A influência no campo da história não
tarda a se fazer presente, e rapidamente influencia nas metodologias e na teoria da história.
Tamanha a influência dessa filosofia na história, que o emprego do conjunto de
métodos e técnicas elaborados principalmente pela dita “Escola Alemã” é frequentemente
nomeado de “método positivista”. De certo modo, os preceitos dos pensadores mais
conhecidos da Escola Alemã são bastante similares, como por exemplo, a noção de que, do
mesmo modo que há uma organização científica para as áreas da química e da física, há
também uma organização prévia (de acordo com o desenvolvimento das práticas humanas,
científicas ou não) da memória e da retórica, organizada em documentos e outros escritos
(DROYSEN, 1868), ou a noção de que história é ciência, tanto quanto a filosofia128 ainda que
com uma pitada de arte, através da poesia (RANKE, 1831).
Através desse esforço da história em se aproximar da metodologia científica (seguindo
o exemplo do Positivismo) é que o conceito de fonte histórica e documento foram
inicialmente propostos. Nesse primeiro momento, dado o contexto histórico, a fonte do
historiador é, exclusivamente, documentos, escritos, oficiais, preferencialmente organizados
em arquivos (e, se não estiverem em arquivos oficiais, devem para lá ser relocados). Assim,
com esse conceito inicial de fonte histórica, é excluído todo conhecimento transmitido de
maneira não-verbal, e todo escrito que se refere a crenças, superstições ou narrativas
ficcionais.
Para a historiografia do século XIX, o escrito de Freud não seria considerado uma
fonte histórica, mesmo sendo a organização de um discurso anterior. Curiosamente, é mais
provável que suas obras fossem usadas mais como aporte teórico que trabalhadas como fonte,
dadas as conjunturas da escrita da história até então.
Ainda durante o século XIX, a historiografia desenvolveu-se, e exemplos de obras de
história com métodos mais “flexíveis” podem ser encontrados, como as obras de Jules
Michelet e Johann Huizinga (VAINFAS, 1997). Apesar do uso das conceituações mais
flexíveis, é apenas no começo do século XX que o conceito de documento sofre grandes
128
A própria teoria positivista via a filosofia como uma ciência exata, inclusive no que se diz respeito às noções
de progresso, metafísica e ética.
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Percebe-se também uma crítica à “história dos filósofos”, quando os autores defendem
a narrativa de tradição oral, transmitida entre gerações, chamadas de anedotas no ensaio.
A partir de então, os autores do livro partem para a própria teoria: a crítica literária
possui valor semelhante ao da análise historiográfica, baseados na premissa de que as
anedotas não são mais do que literaturas – narrativas (ficcionais ou não) produzidas
129
Os trabalhos utilizados pelos autores estão publicados no livro “A interpretação da Cultura” (1973) de Geertz.
No livro, o antropólogo utiliza de suas observações durante viagem à Indonésia para descrever práticas culturais
singulares ou paralelas e seus respectivos simbolismos, e como tais práticas podem ser operacionalizadas e
compreendidas pelas ciências humanas no geral.
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conscientemente, como qualquer outro fruto da cultura local ou individual, assim como a
narrativa histórica. Baseado no ponto de vista dos autores presume-se, então, que a análise
crítica da produção literária – conceito esse abrangente o bastante para englobar também as
obras de Freud – também é uma operação historiográfica, indistinta das outras operações mais
“tradicionais”.
Analisar as obras de Freud, então, torna-se uma atividade duplamente historiográfica:
analisaremos o discurso científico do século XIX que influenciou inclusive a história, ao
mesmo tempo em que, ao tecer críticas sobre seus famosos escritos, estamos produzindo
opiniões e observações passivas de análises históricas.
A respeito da análise do discurso científico do século XIX, e principalmente sobre a
imposição do discurso científico à condição feminina, é importante que se compreenda o
contexto da história das mulheres e os postulados que essa área do conhecimento elaborou no
decorrer do tempo.
Quanto à história das mulheres, este próprio campo tem um caminho traçado, e
ganhou força principalmente após a terceira geração do movimento dos Analles, o mesmo
movimento responsável pela “revolução historiográfica” responsável pela maior abrangência
do conceito de fontes históricas.
Por volta dos anos de 1960 e 1970, este campo de estudo ganha força, e cada vez mais
publicações na área os estudos de gênero podem ser encontradas, ao ponto de ser considerado
um hábito na França escrever sobre as mulheres (PERROT, 2008). Apesar da força e do
crescente interesse na área, o campo de estudo demorou a se firmar, devido ao caráter mais de
rupturas que de continuidades, muitas vezes entrando em conflito com normas sociais
preestabelecidas e em outro momento inquestionáveis.
Há ainda uma dificuldade técnica inerente maior que o comum ao se fazer a história
das mulheres: as documentações costumam tratar das práticas e das ações masculinas, ou por
ela realizadas. A presença feminina, aparentemente preterida pelos documentos, torna-se rara
em contextos que deveriam ser abundantes (PERROT, 2008). Em certos aspectos, até as
regras gramaticais (também contidas em todo um código sociocultural) dificultam a pesquisa
deste campo, na medida em que as estatísticas tornam-se assexuadas e a partir do casamento
os registros da mulher passam a ter o nome da família do homem (PERROT, 2008).
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O exemplo do discurso da medicina tornou-se memorável principalmente devido à própria condição do
autor: Michel Foucault fora internado em uma clínica psiquiátrica em 1948.
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Fica evidente, ao analisar esse trecho, que Freud vê a mulher como antagonista da
civilização, contribuindo para retardar o progresso, ainda que tenham sido elas as criadoras
das primeiras regras que fundaram a civilização (os tabus). Engajados em uma vida social –
um modo de desenvolver o processo civilizatório, segundo o autor - o homem divide suas
energias entre o espaço público e o privado. A mulher, restrita apenas a esse último âmbito,
gasta muito mais energias em suas práticas, ao mesmo tempo em que se vê disputando
atenção com a própria “civilização”, ou seja, os costumes sociais.
Nesse sentido, as mulheres seriam culpadas pelo não desenvolvimento da sociedade,
pois não faziam parte da tão necessária vida social, as quais elas foram excluídas, com o
argumento, segundo Freud, de que não eram aptas para a atividade. Dentro da narrativa do
autor nota-se a tentativa de atribuir “mais responsáveis” e “menos responsáveis” pela
insatisfação do mundo moderno:
(...) Sua constante associação com outros homens e a dependência de seus
relacionamentos com eles o alienam inclusive de seus deveres de marido e de pai.
Dessa maneira, a mulher se descobre relegada a segundo plano pelas exigências da
civilização e adota uma atitude hostil para com ela. (FREUD, 1930 p. 24)
A partir do momento em que a mulher adota “uma atitude hostil” para com a
civilização, ela se torna inimiga declarada do processo que o homem procura tanto. Vale
lembrar, o século XIX é marcado pela admiração do progresso e do desenvolvimento
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científico. A tentativa de reviver o “século das luzes” através da ciência implicou também em
reviver a “idade das trevas” para as mulheres, que se tornaram, mais uma vez, inimigas da
humanidade, assim como foi o discurso durante o período medieval.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
A figura da prostituta ainda é marcada pelos signos de uma sensualidade exacerbada e
capacidade de dissimulação incomparável, tanto no imaginário brasileiro, quanto nas obras de
ficção dos atuais dias. Neste sentido, não é raro que a teledramaturgia faça ressurgir
personagens que vivem da prostituição de onde advém não só seu sustento, quanto o gozo de
uma vida voltada, exclusivamente, para proporcionar o prazer ao outro que esteja disposto a
pagar.
Considerando-se este fato, nossa pesquisa, numa interface entre a psicanálise de base
freudiana e a teledramaturgia, com os pressupostos teóricos de Georges Bataille (1987) e Lujo
Bassermann (1968), pretende analisar a ambivalente personagem da minissérie brasileira
Amorteamo, exibida pela Rede Globo de Televisão, no ano de 2015, seu nome é Dora, dona
de um luxuoso bordel no Recife do início do séc. XX. Esta personagem chamou-nos a
atenção, entre os demais, por mostrar indícios de um imaginário vívido com relação às
profissionais do sexo, ao mesmo tempo em que atesta um pesar, carregado durante 18 anos,
por ter sido, indiretamente, a causadora da morte do homem que amou. Em vista de tamanho
paradoxo, Dora se sobressai as suas subordinadas por não só alimentar o desejo masculino,
mas de, ela mesma, não se satisfazer enquanto mulher que almeja, sobretudo, ser a única na
vida de um homem.
131
Graduando em Letras Português pela Universidade Federal da Paraíba, pesquisador do LIGEPSI/CNPq.
132
Professor Adjunto II do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação em
Letras na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
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O enredo da série é centralizado nas relações trágicas de amor, onde a morte se faz
presente de maneira constante: Arlinda, esposa do coronel Aragão, se envolve com Chico, um
homem sedutor e boêmio, com quem vive um tórrido caso até o dia que o esposo traído os
flagra na cama e assassina o amante da mulher a sangue frio. Após aprisionar a traidora no
porão da casa, Aragão se vê obrigado, pelas chantagens do padre Lauro, com quem a mulher
confessa-se e circunstâncias do momento, a adotar a criança que procedeu da relação adultera
de Arlinda. Dezoito anos se passa e o menino chamado Gabriel, crescido, apaixona-se pela
amiga de infância Lena, filha da criada Zefa, com quem deseja casar-se, mas é impedido
quando lhe é revelado que a menina é, segundo a mãe dela, sua irmã, uma vez que era filha de
Aragão. Decepcionado e desnorteado, o rapaz entrega-se a vida boemia e, antes tão calmo e
gentil, converte-se num rebelde, desordeiro, andando na companhia de declarados vagabundos
e bêbados. Influenciado por eles, é levado ao bordel de Dora, onde, necessariamente, objetiva-
se que perda a virgindade, mediante relação com uma das prostitutas do local. Lá encontra o
pai, com quem tem uma séria discussão, e é expulso, após sofrer uma agressão do mesmo.
Dora é uma personagem secundária na trama, mas é definida, pelo próprio Gabriel, e
vista pelos demais integrantes da localidade, como a autoridade máxima sobre as prostitutas
da cidade. A cafetina, por sua vez, se mostra extremamente arbitrária e metódica: exige,
conforme a cena da contenda que descrevemos, ordem em seu estabelecimento, ou seja, não
admite nenhum tipo de escândalo ou insubordinações por parte das meretrizes. Apesar de suas
atitudes e aspectos rígidos, a alcoviteira é madrinha da prostituta Maria, a única que, em
comparação com as outras, goza da atenção e dos cuidados afetivos da patroa.
Estes são os aspectos da personagem que analisaremos nesta pesquisa, procurando um
diálogo possível entre a teledramaturgia e a psicanálise. Valemo-nos, para isso, das instruções
de Bellemin-Noel (1978, p. 17) que nos ensina que é admissível, sim, aplicar a metapsicologia
em corpus semelhante a esse.
133
Eram elas as dicteríades, compradas, exclusivamente, para se relacionar sexualmente com os clientes; as
aulétrides, dançarinas e tocadoras de flauta, possuidoras de certa autonomia de ficar ao seu critério relacionar-se
com o cliente e, por fim, as hetairas, o grupo de maior destaque neste período, pois eram possuidoras de
habilidades e competência para ensinar escravas iniciantes no oficio de serem exímias servas de Afrodite.
134
Bassermann (1968, p.44) esclarece que o nome dela era Laurência, mas chamada de Lupa pelo marido, que
resgatou os dois meninos da morte certa, porque se entregava a muitos homens.
135
Meretrício, no sentido que empregamos aqui, diz respeito à comercialização do próprio corpo.
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ser o Grande Império Romano. Com o advento do Cristianismo, a prostituição foi encarada
como prática impura, caraterística do paganismo que, principalmente no campo da
sexualidade, intentava desvirtuar os homens do bom caminho. À prostituta, portanto, cabia
arrepender-se de seus pecados e procurar viver uma vida piedosa. Bassermann (1968, p. 105)
revela que medidas adotadas para erradicarem a prostituição não surtiram o efeito desejado,
pelo contrário, “as casas [de prazer] ficaram e com elas as raparigas , já agora associando ao
prazer canúbio carnal o novo sabor da consciência de estar pecando.” E, diga-se de passagem,
os bordéis existiam com o nítido conhecimento da Igreja e, na cortes européias, com sua
omissão que, via de regra, era permissiva. Mas isso não significa dizer que as cortesãs eram
vistas com respeito ou admiração. Em Amorteamo, por exemplo, Dora e suas subordinadas
são constantemente desprezadas pelas mulheres casadas do Recife que as veem como uma
ameaça ao seu matrimonio, conforme esta cena que selecionamos mostra. Neste contexto, o
casamento de Gabriel com Malvina está para ocorrer136. Dora e suas companheiras saem às
ruas da capital a passeio já que, segundo explica no diálogo com o vendeiro Manuel, durante
dia de casamento, os homens não aparecem no bordel sendo, portanto, uma espécie de
feriado. A cafetina, petulantemente, entra na venda de seu Manuel a fim de cumprimentá-lo, o
vendeiro a recebe com alegria demasiada, mas assim que a esposa nota a presença delas,
dirige-se ao marido:
Dona Cândida: Que desmantelo é esse, homem? Isso aqui virou filial da casa da
perdição, foi?
Seu Manuel: Não tamos em condições de escolher freguesia não, mulher...
Dora: Dona Cândida tá se emperequetando toda... Ai... Vai aonde?
Dona Cândida: Vou no casamento fino do filho de seu Aragão, conhece?
Dora: Conheço, não conheço, Maria? [...] Conheço seu Aragão melhor do que a
senhora pode imaginar.
Dona: Ah, mas pro casamento, as mariposas não foram convidadas, foram? Não
foram (ri)! Que lástima, e pode e tomando seu rumo que aqui também não são bem
136
É importante saber que os dois personagens são os protagonistas da trama: Gabriel é obrigado por seu pai a se
casar com a judia a fim de que as dívidas e o tratamento de Arlinda sejam pagos. O rapaz, desiludido após saber
que Lena é sua irmã, se submete as ordenanças do pai.
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vindas.
Seu Manuel: As senhoras podiam voltar um outro dia, quando a minha mulher tiver
mais calma.
Dora: Seu Manuel, eu vou atender um pedido do senhor porque o senhor é muito
gentil, mas a gorjeta vá buscar na nossa casa, não é?
Dona Cândida: Vá! Não bula comigo não! Mariposa! Messalina! Marafaia! Mulher
da vida! Rapariga! Espreguiça daqui!
cena a fim de confirmamos nossas suposições: Arlinda nunca foi prostituta, nem sequer sabia,
conforme alegou, se deitar com um homem sem amor; desnorteada tem uma desagradável
surpresa logo em seu primeiro dia como profissional do sexo: Aragão a vem visitar, não para
resgatá-la do meretrício, e sim notificá-la dos acontecimentos desencadeados pela atitude de
Gabriel que, influenciado pela mãe, abandonou Malvina no altar. No calor da discussão e
trocas mutua de acusações, Aragão exigiu que, uma vez que tinha pagado pelos serviços da
nova prostituta, fosse o primeiro dos muitos que viriam. Transtornada, Arlinda procurou
defender-se, mordendo a orelha de Aragão, seus gritos atraem a atenção de Dora que, irritada,
ordena que parem com o escândalo, pois o mesmo está afastando os clientes:
certamente, com Bataille (1987, p. 89), acreditamos que ela esteja no último grau de
rebaixamento moral uma vez que não parece ter vergonha do que exige de Arlinda e das
demais subordinadas, pelo contrário, como bem frisou, o que importa mesmo é ter as contas
pagas no fim do mês, ou seja, manter o bordel funcionado com todas as comodidades que o
tornaram um sucesso. A indiferença é, supomos, a forma encontrada pela alcoviteira de
conseguir conviver consigo mesma visto que, de acordo com Bataille, ela tem consciência dos
interditos, ou melhor, está ciente de, como uma porca, chafurdar na lama. Mas, com Bataille
(1987, p.88), devemos esclarecer que “não é, na verdade, o pagamento que faz a degradação
da prostituta”, o que está em jogo aqui é o fato de Dora fazer questão de, não só ela, bem
como as demais serem indiferentes aos interditos. Desta forma, sem dúvida, a cafetina estaria
no que Bataille classifica como o baixo meretrício.
Com as bases teóricas que dispomos, buscaremos analisar, sob a ótica psicanalítica, a
prostituta Dora, tema de nossa pesquisa, procurando descobrir nesta protagonista como seu
desejo fica a deriva, por meio da erotização do corpo. Expliquemos que Chico retorna dos
mortos a procura de Arlinda no bordel, mas, na verdade, o que o defunto deseja é vingança
contra Aragão que o matou com um tiro a queima-roupa. Ele convence a amante a denunciar
o marido e, com isso, o inquérito é reaberto. Dora é convocada a depor e revela o que fez:
Dora: O Chico vivia visitando a cama de tudo quanto é de mulher casada, mas
sempre voltava pro meu bordel, até ele conhecer essa tal de Arlinda, e quando ele
me ameaçou de me abandonar... Eu fiz o que fiz.
Delegado: A senhora fez exatamente o quê?
Dora: Fui eu quem contei pra Aragão da safadeza dos dois.
Maria: Por que tu foi fazer uma coisa dessa, madrinha?
Dora: Pra me vingar: nunca perdoei Arlinda por ter roubado meu homem [...] não
tem uma noite que eu não chore de remorso...
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Freud, em seu artigo intitulado Luto e Melancolia (1917, p. 128), discorre sobre esses
dois processos no psiquismo do sujeito, de acordo com o mestre vienense, “luto é a reação à
perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa seu lugar, como pátria, liberdade,
um ideal etc.” Em outras palavras, o luto se dá por diversos motivos e, não significa,
necessariamente, que a razão para o mesmo, signifique somente a morte, Freud esclarece que
o enlutado assim está em virtude de uma perda, de qualquer ordem. Considerando que a vida
é repleta de perdas durante a evolução do individuo, ele é, na visão do doutor, um processo
137
normal. A melancolia, por outro lado, demonstra ser de uma ordem patológica e
insatisfeita, “observamos, em algumas pessoas, melancolia em vez de luto, e por isso
suspeitamos que nelas exista uma predisposição patológica.” (Ibid, p. 128). Aparenta ser o
caso de Dora que, diante da perda do objeto amado, não faz um luto por ele, mas sofre um
constante pesar que faz com que este objeto retorne dos mortos, mas não para ela. Sabemos,
com Freud, que a realidade se apresenta de modo a dizer ao sujeito que este objeto não existe
mais, embora que ninguém esteja disposto a, dia um dia para o outro, abandonar “uma
posição de libidinal”. A melancolia, no entanto, Freud explica, não está pronta a abandonar a
idealização de que este objeto não existe mais, ou seja, nas palavras de Freud, “[...] essa
oposição pode ser tão intensa que se produz um afastamento da realidade e um apego ao
objeto mediante uma psicose de desejo alucinatória [...]” Isso significa que, de fato, para
Dora, Chico continua vivo138, mas em seu psiquismo, por conseguinte, no melancólico, que se
difere do enlutado, é difícil saber o que, de fato, se perdeu, ou seja, o que Chico representava
para Dora, a ponto de sua perda ser sentida de forma a levá-la a uma atitude drástica. (Ibid, p.
130). Neste sentido, a melancolia seria, sempre, de uma ordem inconsciente, isto é, no luto o
sujeito tem consciência do que perdeu, o oposto daquele que ignora o verdadeiro sentido de
sua perda. Considerando isso, devemos nos valer de uma última cena para darmos
continuidade a nossa análise, seguindo as teorias de base freudianas: Dora logo se dá conta de
137
Para que compreendamos melhor o sentido de luto em Freud, consideremos o seguinte: nossas relações
afetivas, profissionais ou de qualquer ordem, são marcadas por ideais que desejamos e/ou pretendemos alcançar,
para isso dispomos e emitimos, em direção ao objeto amado, uma gama de energia libidinais, ou seja, a
expectativa inerente ao desejo ou, em termos psicanalíticos, se faz um investimento narcísico. Ao perdermos o
objeto amado, no processo de luto, a energia libidinal investida retorna a seu emissor, de modo que, durante o
processo, o sujeito vai se esquecendo do ideal ou desejo, e está pronto, no término, a investir em outros objetos.
138
A interpretação que estamos fazendo diz respeito aos processos psíquicos que envolvem o luto e melancolia,
o corpus em questão é ficcional permitindo que o entendamos de uma maneira figurativa
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que algo errado está ocorrendo em seu bordel: ao entrar no quarto de Maria, sua afilhada,
percebe que ela está nervosa. Desconfiada, a cafetina recomenda que a subordinada se
arrume, pois os clientes não tardariam a chegar. Em vez de se retirar, Dora se afasta alguns
passos e ouve a voz de Chico e Maria, confabulando sobre as relações sexuais que tiveram.
Dora, enfurecida, entra no quarto, bate no rosto de Maria e a expulsa do bordel. A afilhada
replica as acusações garantindo que, em primeiro lugar, não existia exclusividade de homens
naquele estabelecimento e, além disso, a lição primária ensinada por Dora é que “puta não se
apaixona”, por causa disso, néscia havia sido Dora por se apaixonar pelo homem mais
mulherengo do Recife. Dora retruca a Chico que, o fato dele ser de muitas mulheres, não era
nenhuma novidade, entretanto, não era admissível que, em seu castelo, ele a traísse daquela
forma. Chico, no entanto, revela saber que foi ela que o denunciou a Aragão e provocou sua
morte. Desnorteada, a cafetina desfere um golpe de faca do peito do defunto que ri e garante-
lhe que ela não pode matá-lo por duas vezes, indo embora definitivamente. Desesperada, Dora
corta os pulsos com a mesma faca com que tentou matar Chico. Maria, de malas prontas, bate
a porta do quarto a fim de pedir perdão pelo que fez, ao abri-la se depara com a cafetina
estendida no chão e tenta ajudá-la.
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exterior é completamente vazio, ou seja, o sujeito perde o interesse pela vida exterior, mas, na
139
melancolia, é o ego que se torna vazio, sendo, a partir daí, consumido pelo ideal. Freud,
relatando como exemplos casos clínicos, esclarece o que ocorre com frequência:
O doente nos descreve seu Eu como indigno, incapaz e desprezível; recrimina e
insulta a si mesmo, espera rejeição e castigo. Degrada-se diante dos outros; tem pena
de seus familiares, por serem ligados a alguém tão indigno. Não julga que lhe
sucedeu uma mudança, e estende sua autocrítica ao passado; afirma que jamais foi
melhor. [...]
[...] a sombra do objeto e a partir de caiu sobre o Eu, então este pôde ser julgado por
uma instância especial como um objeto, o objeto abandonado. Desse modo a perda
do objeto se transformou numa perda do Eu, e o conflito entre o Eu e a pessoa
amada, numa cisão entre a crítica do Eu e o Eu modificado pela identificação. (IBID,
p. 133).
Em outras palavras, o sujeito se fundiu com o objeto e o ego passa a ser massacrado
139
Freud acredita que, justamente por estar em tal situação, o melancólico tem consciência de verdades sobre si
mesmo que o não melancólico não teria.
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por este agente especial (o ideal do ego) por ter perdido este objeto tão essencial à
continuidade da vida. Diante desta realidade, que Dora é incapaz suportar, o suicídio é a
solução eficaz para se livrar deste ideal de ego extremamente tirânico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discorremos, neste artigo, acerca da forma prática e fria de Dora agir: sob seu
comando, o bordel apresenta-se como a melhor opção para se esquecer dos problemas e, para
as novas integrantes, o passado. Dora alimenta o imaginário popular na medida em que
procura fazer com que as prostitutas percam a subjetividade, de modo que, como bem
afirmou, as suas contas estejam pagas no fim do mês. Além disso, Dora não admite nenhum
tipo de confusão em seu estabelecimento, a fórmula se mostra eficaz, ao menos, no que diz
respeito a lucro. Com atitudes deste gênero, a cafetina é uma eximia negociante e se mostra
bem mais esperta que grande parte dos personagens da série. A fim de respondermos nossas
inquirições, recorreremos a quatro cenas que manifestam, entre outros aspectos, a humanidade
da personagem, que ela resguarda debaixo de uma roupagem de alcoviteira impiedosa.
Descobrimos, com base nas teorizações freudianas, que Dora se encontra num quadro
de extrema melancolia, a ponto de não suportar ser trocada ou abandonada por Chico, seu
objeto de amor. Em vista de não suportar a perda, ela, em um nítido surto psicótico, originado
pela melancolia, corta os pulsos, a fim de se matar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Discente do V semestre do curso de Licenciatura Plena em História, pela Universidade do Estado da Bahia,
do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVIII – Eunápolis.
141
O historiador afirma que a aparência vale pelo real, ‘‘a relação de representação é, desse modo, perturbada
pela fraqueza da imaginação, que faz com que se tome o engodo pela cerdade, que considera os signos visíveis
como índices seguros de uma realidade que não é’’. CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. In:
Revista Estudos Avançados, Vol.5, N° 11, São Paulo. Jan./Abr. 1991.
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produzidas sobre as mulheres que participaram de tal movimento através de obras literárias.
A discussão aqui proposta busca dar voz às protagonistas de uma história, que por
vezes foram citadas enquanto meras figurantes, de uma história em que as mesmas eram
donas. Silenciadas por modelos e estigmas, este estudo busca mais que escutá-las, fazerem-na
serem ouvidas.
A literatura referente a tal temática aponta que desde finais do século XIX e início do
XX, os literatos, cineastas e intelectuais buscavam forjar uma unidade identitária para a
cultura brasileira. Naquele momento sentiu-se a necessidade de incorporar à civilização
brasileira o sertanejo e consequentemente o sertão – o sumo da brasilidade, sui generis. Deste
modo, avolumou-se as narrativas literárias e cinematográficas que buscavam significar e
representar o sertanejo e o sertão, e é nestas mesmas obras que se traçou os perfis femininos
sertanejos dentro e fora do fenômeno do cangaço.
O projeto desenvolvimentista vivenciado pelo Brasil nos ‘‘anos dourados’’ que
desejava atualizar o país, não admitia a inserção do sertão, pois era terra de atraso e miséria,
era tudo o que os governos do nacional-desenvolvimentismo-progresso aboliam.
As narrativas literárias contribuíram de modo decisivo para a invenção do sertão como
um espaço selvagem, bárbaro, inabitável, mísero e o sertanejo enquanto incivilizado selvagem
(ARRUDA, Gilmar apud SILVA, José Luís de Oliveira e, 2008, p. 3) fez parte do ciclo
denominado literatura regional. A obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, lançada em 1902
que narra a repressão de tropas federais ao movimento de Canudos no interior da Bahia em
1897, é inaugural no que refere-se ao modo dicotômico pelo qual era representado o sertão.
Ao mesmo tempo em que o sertão e o sertanejo eram o que deveria ser ‘‘extinto’’, era a mais
legitima expressão do ‘‘o que é ser brasileiro’’.
Partindo da premissa defendida por José Luís de Oliveira e Silva (2008, p. 2) que toda
representação, ainda que mostrando-se revestida de um caráter natural, ocorre no campo das
lutas que dão formas as estruturas culturais de um dado momento histórico. Estas mesmas
representações revestem-se de um caráter antagônico, sendo responsáveis por tornar viáveis
elementos simbólicos que possibilitam ao sertão uma existência que rompe com o sentido
físico-geográfico.
A discussão em torno das lutas que ocorrem no campo da representação é fulcral para
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Logo é preciso considerar o que vivenciava tais mulheres nestes espaços sociais em
que não era fácil lidar com sentimentos ambíguos e contraditórios, e que não foram
considerados por literatos.
Estas mulheres eram retratadas enquanto cangaceiras ou criminosas, que entravam no
cangaço por vontade própria, sem considerar que a maioria delas foram raptadas e violentadas
pelos homens que tornar-se-iam seus companheiros. Algumas mulheres entraram no cangaço
por vontade própria atraída pelo status que tal atividade proporcionava, ascensão social e
desejo carnal que se despertava nas mulheres pela imagem da virilidade masculina dos
cangaceiros.
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Não era sob a perspectiva que encoraja a mulher, que se avolumaram as narrativas
literárias, cinematográficas e da imprensa – qualificando-as enquanto criminosas, bandidas,
amantes, cruéis -, mas sob um olhar que a inferioriza seu papel no cangaço, pois o exemplo de
mulheres que rompem com uma ordem, mostrando que isto é possível, não é o exemplo
adequado para uma sociedade patriarcal, no qual não há espaço para se pensar a mulher, o
modelo adequado era o da moral cristã.
A imprensa em geral as tratava como meras coadjuvantes no movimento do cangaço,
as diversas páginas que se enchiam com as proezas do bando, só mencionavam os nomes dos
cangaceiros, a elas cabiam à menção de serem companheiras ou amantes de cangaceiros,
objetificando-as.
[...] as cangaceiras foram qualificadas de forma homogênea como criminosas e
bandoleiras construindo, assim, um estereótipo masculino, belicoso e violento de
mulher, ou então, tratando-as como meros objetos de satisfação sexual,
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‘‘natureza’’, não poderiam ter, como o selvagem, nem língua nem linguagem. A
ideia deque um gesto poderia ser uma frase ou um olhar um longo discurso é
completamente insuportável: não significaria isso que a imagem, as imagens
sonoras, o grito dessa mocinha ou essa multidão amedrontada constituem a matéria
de uma outra história que não é a História, uma contra análise da sociedade.
(FERRO, Marc, 2010, p. 31-32).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises empreendidas em torno de como foram representadas as
cangaceiras através de jornais, literatura, filmes, dentre outras possibilidades foi possível
perceber as motivações pelas quais as cangaceiras foram estigmatizadas.
Percebeu-se que os estereótipos e representações criados em torno das cangaceiras não
fora somente por participarem do bando, mas por serem mulheres e tornarem-se cangaceiras,
rompendo com uma ordem machista e patriarcal. Estas mulheres sinalizavam alternativa para
as mulheres que não desejavam casar por acordos políticos e econômicos ou trabalhar na zona
rural. Ou ainda, desejavam desfrutar de um status social que o fenômeno do cangaço
possibilitava.
Em uma das análises realizadas, percebe-se a vitimização da cangaceira Maria Bonita
ao título da notícia do Jornal Estado da Bahia (1 de agosto de 1938) – Foi uma súplica a
última palavra de Maria Bonita /A amante rocambolesca pediu que não matassem seu amado
– para além, descreve-la enquanto amante do cangaceiro, busca depreciar a mulher
cangaceira. Encontra-se no título de tal manchete a mesma perspectiva em que aparece Maria
Clodia na película supracitada, enquanto adúltera, pois o vocábulo ‘‘amante’’ remete-nos a
esta definição, e enquanto representante da má moral e do incivilizado deveria ter a sua
cabeça cortada, assim como as dos cangaceiros.
A reflexão aqui apresentada não tem por intento ser um ponto final, mas sim o terceiro
ponto da reticência, que sinaliza que há muito por se discutir e refletir sobre as mulheres
cangaceiras, que foram assim como os celebrados cangaceiros, foram protagonistas de uma
história que as estigmatizaram e as deixarão à margem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acervo
Biblioteca Pública do Estado da Bahia
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Filmes
BARRETO, Lima. O cangaceiro. [Filme-vídeo]. Produção: NETO, Anibal Massaini. São
Paulo. 105 min. Preto & Branco. Son.
ROCHA, Glauber. Deus e o Diabo na terra do Sol. [Filme-vídeo]. Produção: Luiz Augusto
Mendes; Luiz Paulino dos Santos. Bahia. 115 min. Color. Son.
SANTOS, Nelson Pereira dos. Vidas Secas. [Filme-vídeo]. Produção: BARRETO, Luis
Carlos; RICHERS, Herbert; SANTOS, Nelson Pereira dos; TRELLES, Danilo. Rio de
Janeiro. 103 min. Color. Son.
Artigos e livros
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: A experiência vivida. Tradução: Sérgio Milliet. São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.
CHARTIER, Roger. O Mundo Como Representação. In: Revista Estudos Avançados, Vol.5,
N° 11, São Paulo. Jan./Apr. 1991.
FERRO, Marc. Cinema e História. Tradução: Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992.
FREITAS, Ana Paula Saraiva de. A presença Feminina no Cangaço: Práticas e
Representações (1930-1940). 2005. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade
Estadual Paulista, Assis, 2005.
GINZBURG, Carlo. Olhos de Madeira. Nove reflexões sobre a distância. Trad. Eduardo
Brandão. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
LANGER, Johnni. ‘‘Metodologia para análise de estereótipos em filmes históricos’’. In:
Revista História Hoje. São Paulo, nº 5, 2004. Disponível em:
NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. In. Carla Bassanezi Pinsky (org). Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p.115-202.
NÓVOA, Jorge. A relação cinema-história e a razão poética na reconstrução do paradigma
histórico. In: Revista O Olho da História, n.10, abril, 2008.
QUEIROZ, Rachel. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
SANTOS, Caroline Lima. De Maria Déia a Maria Clodia: As representações de Maria Bonita
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142
Tag: como os/as pichadores/as nomeiam a marca que identifica alguém ou algum grupo de pichadores/as.
Pode ser uma assinatura, um desenho ou apenas riscos.
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143
Na significação gramsciana do termo hegemonia, esta palavra designa o papel imprescindível de manter
estável a ordem social em sua organização política superior, o Estado, em uma fórmula de soma da coerção e do
consenso. A força da hegemonia é realizada em dois planos: o monopólio da violência legítima por parte do
Estado e as necessidades se sujeição da população impostas pela ordem econômica vigente, com os meio de
produção controlados pela classe dominante. Indo de encontro a esta noção hegemonia, a contra-hegemonia seria
uma forma de atuar contrariamente as ordens sociais vigentes. GRAMSCI, A. 1978a. Concepção dialética da
história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. ALVES, Ana Rodrigues Cavalvanti. O Conceito de Hegemonia:
de Gramsci a Laclau e Moufee. Lua Nova, São Paulo, 80: 71-96, 2010.
144
Utilizaremos gênero como categoria de análise histórica, como sugerido por Joan Scott. Para ela, gênero é um
elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e também a forma
primeira de significar as relações de poder. SCOTT, Joan Wallach. Gender and the politics of history. New York:
Columbia University Press, 1988.
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145
O conceito de classe aqui é usado e questionado em cima do utilizado por Thompsom, na obra Tha Making of
the English Working Class. O conceito de classe na obra é construído como uma identidade masculina, mesmo
quando nem todos os atores são homens. Assim, visto que as estruturas hierárquicas baseiam-se e compreensões
generalizadas da relação pretensamente natural entre masculino e feminino, as mulheres não são vistas como
sujeitos políticos dentro da classe. Apontamos a necessidade de identificar as várias formas nas quais as
diferenças sexuais são usadas para construir a classe trabalhadora questionando como o conceito de classe foi
criado e legitimado. SCOTT, Joan Wallach. Gender and the politics of history. New York: Columbia University
Press, 1988. P. 72-78.
146
“Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou
privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário
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ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a
observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela
preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.” As alterações da lei estão disponíveis
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12408.htm. Acesso em: 01/05/2015.
147
Exceto pela tese de mestrado de Thiago Santa Rosa, única sobre a história do pixo no Recife e a busca pela
territorialidade de pixadores. MOURA, Thiago Santa Rosa de. Pixadores, grafiteiros e suas territorialidades :
apropriações socioespaciais na cidade do Recife. Recife: UFPE, 2014.
148
RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite, Pichação & Cia. São Paulo: Annablume, 1994.
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Por não haverem documentos escritos, nem fontes audiovisuais, é importante que esta
atividade seja contada e problematizada pelas próprias ativistas por meio de relatos orais.
Apesar de marginalizadas, as pixações e os grafites não podem e não devem ser desprezados
pelo fato de serem parte viva e pulsante da cultura urbana do Recife – e de muitos centros
urbanos no mundo. As pessoas que pixam e grafitam buscam uma maneira não oficial de
manifestar seus pensamentos. Como tática, inclusive, riscam por cima de propagandas ou
outros informes publicitários, já que dentro dos veículos de comunicação de massa suas
opiniões são consideradas irrelevantes e não são publicadas.149
Não tendo lugar oficial dentro da mídia hegemônica ou da produção historiográfica
para terem suas queixas, críticas, histórias e questionamentos ouvidos, as paredes e os muros
assumem a função da comunicação social. Lugar onde os/as pixadores/as despejam seus
discursos e reivindicações por meio de tags que imprimem a individualidade de cada pessoa,
como se identificam dentro dos próprios grupos e entre outras “galeras” de pixadores/as,
formando uma rede de comunicabilidade entre os/as pixadores/as, vista como agressão visual
às pessoas fora desse contexto. Ao serem colocados fora da história oficial, não tem apenas os
discursos invalidados por adjetivos e expressões como “vandalismo”, mas os próprios sujeitos
também são colocados na posição de criminosos sem haver forma de indagação do lugar
social daqueles indivíduos. Entendendo esta complexidade nas relações entre sujeito e meio
como exemplo da teoria das sistemacidades descontínuas, mas atribuindo-a todas as
149
Em entrevista realizada com pixadores da Zona Sul do Recife, os Anarquistas Detonadores do Pina (ADP),
eles mostraram-me uma coleção própria de jornais recifenses com notícias sobre pixo, grafite e a comunidade
onde vivem, chamada de Bode, localizada no Pina, bairro vizinho de um dos bairros mais elitizados da capital
pernambucana, Boa Viagem. A manchete do jornal Diario de Pernambuco, do dia primeiro de julho de 2013:
“Pichações invadem Boa Viagem.” (Disponível em:
http://siteantigo.mppe.mp.br/index.pl/clipagem20130108_pichacoes. Acesso em: 10.01.2015) Na matéria, os
pixadores são tratados como “vândalos”, “destruidores” do patrimônio alheio. No outro dia, no mesmo jornal,
uma matéria destaca o trabalho de grafiteiros e artistas visuais no bairro do Pina. São as mesmas pessoas
desenhando em ambas as matérias, só os jornalistas que não sabiam. Assim, é possível perceber como a
institucionalização da grafitagem como arte beneficia as instituições. “É assim que o governo pensa: vamos
institucionalizar o grafite, vamos dizer que o grafite é arte e assim todos os pixadores vão querer virar grafiteiros.
Mas não é isso que acontece. Tem muita gente fazendo o grafite bomb, não só de preto fosco, mas também de
cores, colorindo a cidade, sem autorização nem financiamento do governo”. (Stilo)
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Questionadas como uma forma de discurso marginal, as pixações são apontadas por
150
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 2012.
151
Entrevista realizada em Setembro de 2015, na praça do Marco Zero, no Bairro do Recife, com Tab, Bubu,
Kel, Vertigem, Lai e Mah, pixadoras do grupo Pixegirls. Os trechos das entrevistas estão reproduzidos
exatamente como os entrevistados falaram. As autoras fizeram mudanças de correções ortográficas apenas
quando imprescindíveis para garantir o entendimento do/a leitor/a.
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Marcos Corrêa de Mello Felisette, em seu artigo Outsiders da Escrita152, como meio de
alcançar status e reconhecimento que não seria possível através de órgãos burocráticos:
Há uma relação afetiva entre os/as pixadores/as e suas territorialidades, a cidade onde
vivem, na qual precisam utilizar argumentos para assegurar sua própria existência diante de
um local que a nega por uma questão de classe. É neste sentido que as diversas noções de
temporalidade são mudadas e que a pixação aparece como noção contra-hegemônica no
âmbito artístico, comunicacional e classista.
Dentro das significâncias do processo de criação afetiva nas relações com o território
152
FELISETTE, Marcos Corrêa de Mello. Outsiders da escrita. São Paulo: XIX Encontro Regional de História:
Poder, Violência e Exclusão, ANPUH – USP, setembro, 2008.
153
MOURA, Thiago Santa Rosa de. Pixadores, grafiteiros e suas territorialidades : apropriações socioespaciais
na cidade do Recife. Recife: UFPE, 2014.
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onde vivem, a maioria em favelas na cidade - que não necessariamente são nas periferias, já
que no Recife as palafitas e comunidades ficam em áreas centrais, em cima do mangue, no
caminho para os bairros nobres – o pixo e o grafite estão inseridos dentro da resinificação
daquele território para virar um registro espacial do grafiteiro/a ou do pixador/a. Pixações
“riscadas” no centro comercial da cidade são uma forma de demarcação do território
daquele/a pixador/a, que busca como um meio intersubjetivo, dentro do universo deles,
disputá-lo em um sinal de status. Ao mesmo tempo que existem essas expressões humanas,
artísticas, comunicativas e ilegais, a cidade se organiza independente delas, se organiza para
proteger a propriedade privada, tornando quem desrespeita essa ordem imposta, um/a
criminoso/a.
Sabendo o quão real e forte a opressão de gênero se dá na sociedade, por muito tempo
houve o mito da igualdade nas relações entre os sexos dentro de grupos políticos organizados
de esquerda ou anarquistas. Essa igualdade relacional pode até existir em alguns grupos, mas
na maioria fica só no discurso. É essencial quebrar essa falsa ideia de igualdade em grupos
contestatórios para entendermos a opressão sofrida pelas mulheres por estarem exercendo
ações consideradas como masculinas. O caráter de oposição entre masculino e feminino é
construído historicamente e produz como um dos seus efeitos a aparência de ser invariável,
binário e fixo. Nesse sentido, os elementos constitutivos das relações sociais são fundados
sobre as diferenças entre os sexos, por meio de símbolos culturais, conceitos normativos e
análises teóricas que tendem a excluir a noção do político de esferas que não sejam a pública
– vista como masculinizada. De acordo com a pixadora Lai, o tratamento é diferenciado entre
pixadoras mulheres e homens.
Uma vez eu fui sair sozinha pra pixar, de madrugada, num local próximo à BR, que
era super perigoso. Aí, um senhor parou o carro e ficou me esculhambando, tipo,
eu fiquei morrendo que ele me botasse uma arma, botasse pra dentro do carro, que
me estuprasse e tal. Mas o que me chamou atenção é que ele não me esculhambou
de vândala, de coisas do tipo, por tá pixando. Ele me chamou de vagabunda, de
vadia, de puta, coisa que não tem nada a ver com o fato de tá pixando, só pelo fato
deu ser mulher. (LAI, 2015)
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recentemente, nos últimos dois anos, as mulheres formaram grupos próprios e entraram em
“galeras” mistas. A pixação de tag começou a se expandir no Recife na década de 1980154,
por meio dos pixadores Cano e Well. Eles trouxeram do Rio de Janeiro esse tipo de pixo de
representação do indivíduo e de “galeras”. O primeiro “comando”155, iniciado por eles, foi a
VC, que no Rio de Janeiro significava Vândalos de Copacabana, mas no Recife significa
Vândalos da Caxangá, nome da avenida principal da Zona Oeste da cidade. Foi somente em
2013 que pixações feitas por mulheres começaram a ser vistas e identificadas com frequência
nas ruas do Recife. Muitos pichadores partem do pressuposto de que as pixadoras tem
interesse em relacionarem-se com eles, retirando todo o caráter ativo das mulheres no
universo do pixe. Alguns, inclusive, se sentem no direito abusá-las. Para a pixadora Mah, é
indignante que a maior discriminação venha de dentro do próprio universo da pixação.
Pra mim a coisa mais absurda é o preconceito do pixo feminino sair de dentro do
movimento. O risco não é nem dos homens de fora, é de dentro do movimento
mesmo, dos próprios mano do pixe não dão valor, tá ligado, e isso é mais absurdo.
Só eles tem, só eles podem chegar num topo de um prédio e colocar o nome dele, e
a gente não pode, a gente não consegue, a gente é limitada. E pra gente, a gente
consegue. Pra mim, eu assim, no meu ver da pixação, quando eu tô pixando com
algum “brother” pra mim é tudo igual, é igualdade. (MAH, 2015)
Há cerca de dois anos, as pixadoras contam que era bastante hostil e difícil sair para
“rolés” com outros pixadores. Para elas, apesar de ter havido mudanças em relação, quando
novas meninas ou mulheres tentam se inserir, são alvo de um sexismo. Outro argumento
posto por parte dos homens é de que as mulheres irão atrapalhar os “rolés”, sob o argumento
de não conseguirem ou não serem capazes de fazerem as mesmas artimanhas, como subir em
prédios e muros ou correr.
154
A reconstrução da história da pixação do Recife se deu inteiramente através de fontes orais. Tendo em vista
que o movimento da pixação, apesar de presente nas grandes cidades, circula no meio da ilegalidade,
aparentemente não há nenhum interesse dos/as historiadores/as recifenses em dar voz às histórias do começo do
pixo na cidade. Não há nenhum documento escrito autenticando o início da atividade. Veículos de comunicação
tão pouco documentam essas histórias. Nesse âmbito, o presente artigo está se inserindo em um processo de
construção contra-hegemônico de documentação historiográfica da atividade pixadora enquanto ativismo de
resistência, na contra mão do modelo de desenvolvimento do Recife. Foram utilizadas como fontes principais as
falas do geógrafo Thiago Santa Rosa e dos pixadores Nemo, Optimus, Cano e Well.
155
Comando: grupo de pixadores. Sinônimo de galera.
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E por ser mulher, aí é que é complicado. Por que, é muita discriminação. Eles
acham que só por que é mulher, vai pra um rolé, mas pode dar errado, é mais fácil
de dar errado. Mas não é assim não. A mulher pode tá onde ela quiser, o lugar da
mulher é onde ela quiser. Ela é capaz e a gente não quer mostrar não, a gente vai
fazer com que eles saibam que a gente é capaz e não importa se for mulher ou não,
ta entendendo? (LAI, 2015)
O objetivo delas, no entanto, não é conseguir respeito por parte deles, mas mostrar
que já o tem e podem pixar tanto quanto eles, procurando quebrar esse preconceito de que a
mulheres não são tão hábis quanto os homens, como explica a pixadora Tab.
Tanto o preconceito de achar que por você ser mulher você vai atrasar o rolé e ia dar
errado alguma coisa. ‘Ah é mulher não vai não, a gente vai rodar por causa disso.
Vai atrapalhar de alguma forma por ser mulher simplesmente.’ E o que sofrer de
repressão, sofrer de chegar e dar errado mesmo, de chegar a polícia, e sei lá
qualquer coisa, vai ser uma coisa totalmente passível de acontecer, não é só por ter
uma mulher junto que vai ser mais fácil que aconteça. Outra coisa que percebi
assim que rola também, rolava assim, que eu via muito, hoje em dia não sei se é por
que a galera já tipo já saca que você tá fazendo um rolé e não tem muito essa
conversa assim, não expõe tanto isso, como antes de ouvia por ta começando.
Muitos caras quererem o contrário, querer que a mulher fosse, que a menina fosse
no rolé, mas com a intenção de ficar com ela. (...) E você tem que tá na rua um
tempo pra poder conseguir meio que um respeito que isso não aconteça, tá ligado?
Eu acho que a gente não passa tanto mais por isso, por já conseguir um pouco de
respeito. Mas, as que tão começado sempre vão passar por isso. (TAB, 2015)
rua de madrugada, sozinha, ou mesmo com outras companheiras, ela é imediatamente taxada
como “vadia” ou “prostituta”, e segundo a lógica machista, misógina e patriarcal os homens
se sentem no direito de violar os corpos dessas mulheres. Caso sejam pegas pela polícia,
muitas vezes a situação consegue ser “amenizada” por serem mulheres, já que não
correspondem ao estereótipo de “pixadores”. Por serem mulheres pixando, quando são
flagradas por policiais, os agentes do Estado não levam a atividade a sério e se sentem
responsáveis pelas vidas delas, indagando por que pixam, por que saem na rua tão tarde. As
mulheres pixadoras muitas vezes são mães ou estão grávidas, o que não as impede de darem
contribuições ao movimento.
Eu e Lai, a gente ta grávida, e é outra coisa mais punk ainda de respeito mesmo, da
galera achar que a gente ta fazendo rolé e que a gente é tipo irresponsável, por a
gente ta continuando fazendo, mesmo estando grávida. Como se a gente não
soubesse os riscos, até onde a gente pode ir, até onde nosso corpo permite. É como
se sempre tivesse que ter alguém pra cuidar da gente, orientar e dizer: 'ó, tu não
pode fazer isso.' (TAB, 2015)
O pixo é uma forma de agredir. A pixação deve ser agressiva156 para a cidade para
marcar a existência desses sujeitos e significar que este espaço urbano não está organizado e justo
como deveria ser. É por meio da agressividade contra a cidade que são mostrados indivíduos com
vontade de se comunicar, que precisam se expressar além dos meios de comunicação de massa
monopolizados pela elite. A característica da rapidez necessária ao ato de pixar faz com haja uma
temporalidade diferente, por exemplo, entre o pixo e o grafite autorizado. Na medida em que a tag
ou o bomb - expressão utilizada por grafiteiros quando o grafite não é autorizado - devem ser
feitos rapidamente para não haver embate com a polícia, há uma necessidade de apropriação cada
vez mais rápida da cidade.
Visto como forma de participação social e de resistência pelos/as próprios/as pixadores/as,
o ato de “riscar” muros pertence aos centros urbanos entrando em contraposição com o modelo de
desenvolvimento e desigualdade utilizado nas cidades. Além da necessidade de se comunicar, a
pixação também revela uma forma autônoma de existir frente ao caos urbano com temporalidades
e espaçamentos diversificados. Pixar é ato político, é “vandal”, é arte. E é feito por mulheres sim.
156
GELDERLOOS, Peter. Como a não violência protege o Estado. Tradução: Coletivo Protopia S.A. Porto
Alegre; Deriva, 2011.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade discorrer sobre gênero e as relações de poder
estabelecidas socialmente com base no determinismo dos sexos. Para isso usa-se como
referência a série de TV Guerra dos Tronos, produzida por David Benioff e D.B. Weiss
baseada na obra As Crônicas de Gelo e Fogo do renomado autor norte americano George
Raymond Richard Martin, até o momento com quatro temporadas exibidas.
Cada livro do cinco foi adaptado para série em dez capítulos, como em quase toda
adaptação algumas coisas ficam de fora e ou diferente do original, o que não prejudica o
estudo. É categorizada como fantasia épica voltada para um público adulto; traz em seu
enredo temas fortes e toca sem cerimônia no que Foucault (1995) categorizou de sexualidades
ilegítimas ou subversivas, e no que as pessoas são capazes de fazer em suas relações sociais
para manter-se ou chegar ao poder constituído ou delegado legalmente, aqui citando incesto,
assassinatos, traições, feitiços, vinganças, conflito familiar, casamento arranjados com
interesses político, prostituição entre outros.
O blog Adoro Cinema relata que fãs de série chamam o autor George R. R. Martin de
sádico, no que eles não estão errados, como provam os cinco livros lançados até o momento,
porém o autor diz que os criadores da série televisiva são muito mais sanguinários que ele.
Existem várias personagens femininas que chamam atenção em Guerra dos Tronos por
quebrarem paradigmas aparentemente imutáveis como uma fuga de determinações de padrão
de beleza feminino de Laide Brienne de Tarth extremante alta, considerada feia pra época, é
uma mulher guerreira que luta e se comporta como um soldado; se apaixona por Jaimi
Lannister irmão da rainha, mas tem constante sua sexualidade questionada. Ruptura de
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padrões heteronormativos, como o Cavaleiro das Flores, um jovem Lord, de face delicada que
tem um relacionamento homoafetivo com um dos irmãos do rei Robert, mas é um cavaleiro
vencedor de vários duelos, o que era entendido como uma atitude masculina já que estar
ligada a luta, coragem, agilidade e força obtendo assim desprezo de outros cavaleiros.
Ou mesmo a rainha Cersei e o seu irmão gêmeo Jaime que mantém uma relação de
incesto e todos os filhos dela também são dele e nenhum do rei Robert. Ou o casal de lords o
Príncipe Oberyn e sua esposa que frequentam bordel contratando moças e rapazes para seus
momentos íntimos para um ato sexual livre de preconceitos priorizando o prazer. Ou ainda
Daenerys Targaryen filha do rei louco que é vendida pelo seu irmão para um cavaleiro líder
de outro povo que não fala sua língua num acordo que prever usar o exército junto do
cunhado para tonar o trono já que é o herdeiro legitimo, a família Targaryen mantinha uma
prática antiga de incesto para manter a linhagem pura.
Ou então outra personagem que vive na floresta, além da muralha, maritalmente com
suas esposas, filhas e netas doando aos deuses as crianças do sexo masculino que nascem.
Sem esquecer uma das personagens mais fascinantes que o Tyrion Lannister ou o anão, a mãe
de morreu no parto, motivo pelo qual o pai e os irmãos o detestam, apesar de ser lord vive no
que se poderia chamar de guetos e tem como lugar preferido os bordéis, mas pelo fato de sua
estatura sofre muito preconceito e como forma de superar isso sempre estar lendo e
estudando, caso tivesse nascido numa família de camponês seus pais o teriam abandonado na
floresta para ser comido por algum animal.
Tendo que pontuar no percurso do texto algumas dessas personagens citadas
anteriormente por se cruzarem no desenvolver da trama. Em fim chegamos à figura dramática
que vai ganhar destaque é a filha mais nova dos Starks, uma adolescente que questiona as
normas de gênero baseada no sexo impostas para ela. Não apresenta ter dúvida quanto a sua
vivência de ser ele ou ela, tem certeza de si, mas ou invés de bordar, cantar e ou se enfeitar,
usa calças, luta, atira e sempre questiona e argumenta sobre o que lhe é esperado de sua
performatividade de gênero e em certo momento concorda em se disfarçar de menino para
proteger sua vida.
APRESENTANDO O ENREDO
Para melhor entendimento até chegar à personagem em questão é preciso elencar
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alguns detalhes, começando pela principal inspiração do autor para obra, que foi na Guerra
das Duas Rosas e em Ivanhoé157, ambas falam sobre conflitos numa sucessão de trono.
É um universo de fantasia épico, voltada para um publico adulto, que traz cenas de
violência, sexo, traição, política, mitos, feitiçaria entre outros, mas o que interessa na obra em
questão é a forma que é apresentada as relações de gênero, principalmente no tocante a
personagem Arya Stark vivida pela atriz britânica Maisie Willians, (no inicio da série ela
tinha 13 anos de idade e nunca havia atuado antes).
Em vídeo de divulgação Kit Harington, ator que interpreta Jon Snow, relata que ouviu
dizer que a série é feminista por trazer mulheres fortes que a todo o momento vão se
colocando e conduzem os fatos mais determinantes na trama.
Pois bem a história tem fortes características do período medieval, passa em um lugar
com um clima misterioso o continente Westeros, onde as estações duram décadas, e todos
temem a chegada do inverno. Havia um rei que governava com poder maior sobre os demais
reinos menores é tido como louco e posteriormente assassinado, deixando dois herdeiros
legítimos os Targaryen, que se refugiam em outro continente.
Robert Baratheon um guerreiro que venceu as guerras que lutou, depois do assassinato
do rei louco controla toda forma de rebelião com a força e violência que sua causa lhe permite
e assume o trono de ferro158. Principalmente por ser casado com Cersei Lannister, esta da
família mais poderosa de todos os reinos. A sede do reino fica no Sul em King`s Landing. É
quando o rei Robert morre, que os que se entendem merecedores do trono, os outros reis nos
reinos menores entram em conflito, daí o nome Guerra dos Tronos.
FAMILIA STARK
Os Stark são a família da Casa do Norte. São muito respeitados, governam-no há
muitas gerações, são de longe os que seguem os princípios mais justos e honestos de todos.
159
Eddard Stark é convidado para ser conselheiro do Rei Robert por ser de sua extrema
157
A Guerra das Duas Rosas trata de um conflito na idade média da disputa pelo trono da Inglaterra entre as
famílias York e Lancaster, as duas provenientes da dinastia Plantageneta entram em confronto pelo trono depois
da morte do Rei Luiz III. E Ivanhoé, um romance do francês Walter Scott de 1820, relata a peleja de saxões e
normandos e as intrigas de João sem Terra para retirar do trono Ricardo Coração de Leão.
158
Trono de ferro, forjado com as espadas dos inimigos derrotados em batalhas que fica no Sul.
159
Nerd ou Eddard Stark é a mesma pessoa, ele é chamado por um ou por outro nome na série.
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confiança depois que seu último conselheiro o chamado a “mão do rei” foi assassinado em
circunstâncias misteriosas e suspeitas.
Os dois foram criados juntos e companheiros de batalhas, Robert o considera quase
parente, já que desejava ter casado com a irmã de Nerd Stark já falecida que ele diz que foi a
única mulher que amou, demonstram uma relação fraternal de carinho e respeito mútuo.
A família Stark é a típica família tradicional, com pai, mãe e filhos; Nerd Stark é o
nobre de Winterfell no Norte como foi dito, a esposa é Catelyn Stark, que ao se casar recebeu
o nome do marido, o que acontece até hoje em muitas famílias, tem cinco filhos (duas
meninas e três meninos) e ainda um filho bastardo, filho só dele o Jon Snow, que não recebe o
nome do pai, os bastardo tem como sobrenome o lugar que nasceu, se tiver nascido em
Riverlands seria chamado de Rivers. Sansa a filha mais velha segue todo o padrão do
comportamento feminino esperado, estar sempre bem arrumada, tem uma governanta que lhe
dar aulas de bordado e deseja casar e ter filhos.
Para NASCIMENTO (1997)
A sociedade feudal foi, sem dúvida, patriarcal e, para muitos autores, estaríamos
falando de uma época histórica na qual as mulheres estavam obrigadas a circular
exclusivamente na esfera privada. E, ainda assim, estaríamos falando de uma
circulação somente permitida dentro dos limites da casa paterna, da casa marital ou
do convento. (NASCIMENTO 1997 pag. 83)
Já os meninos são os futuros sucessores do pai no leme do Norte, os três sem exceção
desejam tornarem-se guerreiros como pai, praticam caça, treinam, lutam e os dois mais jovens
também estudam a história de todos os reis, lords, reinos, amigos e inimigos, casas e batalhas.
A VISITA MALDITA: UM INCESTO REAL E UM HERDEIRO DESONRADO.
Uma visita dos Lannisters a Winterfeld vai dar desenvolvimento a trama,
desencadeando diversos acontecimentos. Um deles é quando um dos filhos flagra a rainha
transando com o irmão, para que o menino não revelasse o viu é empurrado de cima da torre
do castelo, mas não morre, fica muitos dias desacordado e quando recupera a consciência
estar paralitico e alega não lembrar-se do ocorrido.
Desde a chegada dos Lannisters, Sansa troca alguns olhares Jofrey, filho do Rei
Robert Baratheon, em um determinado momento eles saem para passear e encontram sua irmã
Arya treinando esgrima com um amigo, usando espadas de madeira, do alto de sua posição na
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hierarquia de poder Jofrey desembainha a espada o ferindo no rosto e ordena para que lute
com ele, o garoto filho de um açougueiro nega-se, vendo que seu amigo seria morto Arya
interfere, daí o filho do rei voltasse para ela, mas tem detalhe todos os filhos Stark incluindo
Snow tem um lobo com animal de estimação, e nesse momento a loba de Arya ao ver que sua
dona estava em risco ataca-o, é quando a caçula o desarma e joga sua espada no rio.
Esse episódio é exageradamente ampliado pela rainha Cersei Lannister que o
questiona bastante irritada e diz desacreditar que ele foi desarmado por uma garota, se as
pessoas soubessem desse episódio não respeitariam o futuro rei e teria que viver com essa
desonra.
Com isso Cersei provoca um julgamento, em depoimento Sansa influenciada para
nunca contra dizer seu “reizinho”, confirma toda acusação, enquanto Arya grita aos quatro
ventos que é mentira deles, mas Robert considera tudo uma briga de crianças, quando o Lord
da casa chega, pede que controle suas filhas e tenta acabar com o momento indigesto, porém a
insatisfeita Cersei exige que alguma punição aconteça e sugere ordenando que a loba seja
sacrificada por ter ferido Jofrey. Arya já temia que isso fosse acontecer já tinha espantado a
dela, dessa forma a que acaba sendo sacrificada é a Sansa, nesse momento Nerd Stark diz que
por respeito ao animal que é do Norte ele deve ser morto por uma pessoa do Norte, no caso o
próprio Lord.
Foucault relata em Vigiar e punir que o melhor carrasco era aquele que causava as
mais fortes dores nos apenados; os condenados do Norte geralmente não eram castigados por
carrascos e sim pelo nobre ao qual serviu em vida e com golpe fatal, esse ato era uma forma
de também demonstrar respeito. O produtor autor da série em vídeo de divulgação diz que
tratam de coisas que acontecem no mundo de hoje, falam de pessoas lutando pelo poder, e o
poder é o que move o mundo. Foucault também diz que o poder não é uma coisa que pertença
a um individuo ou a um lugar, mas estar nas relações estabelecidas entre esses indivíduos e
que todos tem capacidade de exercer poder e ou sentir um poder exercido.
Fica latente no exposto que Arya rompe com as expectativas comportamentais de
gênero pautadas pelo sexo, uma adolescente que ao invés de aprender a bordar, cozinhar e
obedecer às ordens usa calças, atira de arco e fecha, deseja lutar com espada, geralmente
surge despenteada, e quando orientada a ser como sua irmã não concorda e levanta diversos
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A mulher deveria seguir as normas poder casar-se, dar filhos e ser protegida pelo
esposo geralmente escolhido pelo pai em acordos com outros homens de famílias amigas ou
até rivais, casamentos arranjados para selar a paz.
O Lord Stark aceita o convite de torna-se a mão do Rei Robert Baratheon, muda-se
para King´s Landing levando as duas filhas, Sansa e Arya, um detalhe por que não levou os
filhos? Como só tinha um já rapaz ele deveria ficar e o substituí-lo no comando do Norte. Ao
desperdice diz que Winterfeld nunca pode ficar sem um Stark, os outros dois ainda criança,
ficando assim aos cuidados da mãe e um ainda se encontrava enfermo pela queda.
Ao chegar ao centro do poder nota que o rei pouco esta envolvido na condução do
poder, passa a maior parte do tempo em orgias, bebendo ou caçando. E o Conselho do rei é
quem dita às regras de finanças, de estratégias de guerra, de quem vai receber algum titulo de
nobreza, de terras e ou de quem vai perder.
Enquanto Sansa vive nas salas de bordados, nos jardins e chás com as mulheres da
corte se preparando dentro dos bons costumes e etiqueta para tornar-se a futura esposa do
futuro rei.
Era corriqueiro casamento acordados nas famílias nobres até mesmo para garantir e
unir os bem materiais e os nomes, cessar conflitos armados, pagamento de dívidas e outros
para Rubin (1993):
Em sociedades pré-estatais, parentesco é o idioma da interação social, organizando
as atividades econômicas, políticas, cerimonial e sexual. As obrigações,
responsabilidades e privilégios de uns, frente a outros, são definidos em termos de
parentesco mútuo ou de sua ausência. A troca de bens e serviços, produção e
distribuição, hostilidade e solidariedade, ritual e cerimônia, tudo ocorre no interior
da estrutura organizacional do parentesco.
Enquanto isso Arya pede ao pai que contrate para ela um professor de luta com espada
para que ela possa aprender a usar, pois antes de vir para King´s Landing recebeu de presente
uma espada de seu meio irmão John Snow. Assim Eddeard faz, porém ele é apresentado como
um professor de dança e não como um espadachim.
Talvez Ned Stark tenha preferido esconder a real especialidade do professor de Arya
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para protegê-la de insultos e preconceitos como os que são lançados sobre Laid Brienne que
tem maior habilidade em montaria, escudo e espada que muitos dos homens. Para BUTLER
(2003) é necessário o entendimento da performatividade dos corpos sexuados sem torna-los
reféns das expectativas de comportamentais sociais atribuídas pelo sexo que esse corpo
carrega, e que não se deve prender-se radicalmente ao sentido estrito da palavra homem ao
corpo masculino e nem mulher ao feminino.
O erro de Ned Stark foi ser fiel no mais puro sentido da palavra ao Rei. Estando no
Conselho fica indignado com jogo de interesses e de beneficiamento próprio dos demais
membros, sente-se ameaçado principalmente quando investiga a morte do seu antecessor e
descobre que os herdeiros do Rei não são filhos dele, mas sim da rainha e do irmão. Pede à
rainha que fuja antes que o rei fique sabendo, porque ele irá avisá-lo da traição e ninguém da
família escapará da fúria de Robert e também sabe de outros filhos que o rei teve. O Rei que
sempre estar alcoolizado perde agilidade e é atacado por um animal na caça aos javalis, fica
gravemente ferido e antes de morrer dita um documento que dar poder a Ned Stark para
assumir o trono até que seu herdeiro legitimo atinja a idade adequada para reinar, devido aos
ferimentos morre antes que Ned Stark possa revelar sua descoberta. Ao entregar o documento
ao Jofrey e a rainha regente Cersei na presença do Conselho e da Guarda Real ela o rasga o
papel e o acusa de traição condenando a morte. Também dar ordem para matar os
empregados, soldados, escravos e servos que encontrarem que tiverem vindo do Norte com
ele. As filhas dele são ditas como prisioneiras.
Estando Arya em sua “aula de dança” recebe a notícia de que seu pai pede que ela os
siga, ela questiona a guarda real e diz que se ele quisesse vê-la não mandaria soldados
negando a cumprir ao convite-ordem, como os soldados insistem o professor aconselha que
ela fuga enquanto ele luta para defendê-la. Quando chega a casa onde estavam hospedados
todos estão mortos.
Sansa fica horrorizada com tudo isso pede clemência em relação à ordem do rei
Jofrey em plena audiência pública. A Rainha temendo uma revolta do Norte também
aconselha que o filho desista de sua determinação, porém o novo Rei embebido de arrogância
e inexperiência não dar ouvidos a mãe, quer demonstrar autoridade perante seus subalternos e
condena-o a decapitação na praça na frente de todos inclusive de Sansa.
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Arya consegue escapar, na fuga é reconhecida por garoto que ameaça estuprá-la já que
ela era filha do traidor do rei ele receberia uma recompensa por isso, tentando libertar-se do
garoto acaba o ferindo com espada que ganhou do irmão.
O estupro era comum com as mulheres e garotas das cidades conquistadas em
batalhas, elas representavam um prêmio para os soldados vencedores, aos homens vencidos a
morte ou a escravidão, já as mulheres a escravidão também significava ser estuprada, esse ato
também era uma forma de humilhar os homens derrotados.
Ainda tem o enfoque de classe, pois a partir de então ela não pertence mais a nobreza.
Um mercenário que a reconhece, a segura a força, corta seus cabelos e diz que a partir de
agora receberá um nome masculino, e que deveria agir como um menino. Assim ela o faz.
Passa um longo período vivendo com esse codinome, quando questionada diz que é filha de
um pedreiro para proteger sua própria vida, num mundo bastante perigoso que é mais seguro
ser ele do que ela. E é levada como um menino órfão a ser entregue para a Guarda da Noite160.
Capturada antes de chegar à muralha onde fica a Guarda tem seu disfarce descoberto e vai
servir de copeira para um Lord. Em momentos enfadonhos seu Lord inicia diálogos com Arya
descobre que ela é alfabetizada e que conhece todas as casas do reino com isso desconfia
também de sua origem social. Como que uma menina filha de um pedreiro conhecia a história
e a organização política dos sete reinos como também as regras de comportamento e etiqueta
da nobreza, porém na dá tempo dele descobrir que ela é na verdade uma Stark, mas ela sabe
que é o pai da rainha Tywin Lannister que estar em guerra com seu irmão.
No último episódio da quarta temporada Arya encontra-se com Laid Brienne que
procurava devido um juramento sagrado que fez a Catelyn Stark de encontrar as filhas dela, as
duas se olham, Arya pergunta se ela é um cavaleiro, Brienne responde que não. Arya diz com
olhar interrogativo que ela tem uma espada e sabe usa-la, Brienne responde que Arya também
tem. Arya pergunta pelo nome da espada161, ao responder “cumpridora de promessa” Briene
devolve a interpelação, Arya diz que o nome da sua é “agulha”. Brienne diz que seu pai não
160
Uma ordem de soldados que protegiam as muralhas que separavam os reinos de tudo que era desconhecido do
outro lado. Faziam juramento de obediência, de castidade, renunciavam de herança e qualquer coisa que
lembrasse sua família de origem. Geralmente eram destinados a guarda da noite órfãos, ladrões, devedores,
bastardos e todos os outro do gênero masculino que não se desejavam conviver com eles.
161
Na trama todas as espadas especiais tem um nome.
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aceitava o fato de ela querer lutar e que isso era coisa de meninos, Arya fala exatamente a
mesma coisa do pai dela. Esse encontro vai para além do diálogo estabelecido entre as duas
personagens, é como se o passado de uma estivesse refletindo um desejado futuro da outra ou
vise-versa.
Fica a sensação de que a pesar de tudo fizeram a escolha certa, satisfazendo a vontade
própria rompendo preconceito, na contramão do determinismo de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora sendo limitada para realização das tarefas domésticas e agropastoris
dependendo da classe social que a mulher pertencesse, dificilmente participavam dos espaços
públicos que dialogavam e construíam os rumos da vida em sociedade; o controle do saber
colabora na reprodução da questão de gênero e legitima a dominação masculina. Os estudos
de gênero possibilita um olhar diferenciado para condição histórica da desigualdade.
Atualmente encontra-se na sociedade características opressoras baseadas binarismo
que hierarquiza as relações pelo domínio patriarcal, assim inferiorizando as mulheres ou que
se refere ao feminino até mesmo se esta ação vier de um homem. Determinando papel e local
social com base no sexo e na vivencia do gênero. Para Scott (1995)
O estudo de gênero e o movimento feminista tem como um dos objetivos descobrir o
alcance dos papéis de sexuais e do simbolismo sexual nas diferentes sociedades e
períodos, é encontrar qual era o seu sentido e como eles funcionavam para manter a
ordem social e para muda-la. (SCOTT 1995 pag. 5)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fortaleza foi palco e inspiração para vários movimentos literários entre os séculos XIX
e XX (FIÚZA, 2011). Dessa forma, grande parte desses sujeitos atuantes foram homens das
letras, os quais com suas prosas e poesias, conseguiram deixar sua marca na cidade para que
as futuras gerações optassem por se inspirar ou a fazer diferentes deles.
Embora seja essa uma realidade marcada por vários trabalhos acadêmicos, também
encontramos mulheres que fizeram diferença no campo literário cearense, praticando nas
letras suas impressões sensíveis, mostrando suas visões de mundo. Temos o exemplo no
interior cearense, de Francisca Clotilde com seu jornal A Estrella e sua obra A divorciada162.
Nesse artigo, vamos abordar sobre como através da trajetória da Henriqueta Galeno, é
possível observar sua atuação no meio das letras, não somente por sua posição feminista, mas
também como escritora e poetisa, atuando também nos espaços culturais, como na Casa
Juvenal Galeno e na Academia Cearense de Letras. Não propomos aqui uma biografia163 de
Henriqueta, porém a análise de alguns fatos que fizeram parte de sua vida e de como isso
pode ser interpretado historicamente.
Henriqueta Galeno foi filha de Juvenal Galeno e nasceu meses depois da vinda de seus
pais para Fortaleza164. Sendo a quinta filha de um total de seis filhos, ela foi uma das que
162
Para entender melhor sobre Francisca Clotilde e sua história de vida ver em: ALMEIDA, Luciana de
Andrade. A Estrella: Francisca Clotilde e literatura feminina em revista no Ceará (1906- 1921). Fortaleza:
Museu do Ceará, 2006.
163
De acordo com Bourdieu, “(...) Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o
relato coerente de uma seqüência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com
uma ilusão retórica, (...)” (BOURDIEU, 2006:185). Diante disso, o intuito não é simplesmente narrar eventos
que aconteceram de modo cronológico na vida de Henriqueta Galeno, mas questionar suas atitudes no período
em que aconteceram.
164
Para saber melhor sobre a genealogia de Henriqueta e familiares ver em: NETO, Raymundo. (org).
Cronologia comentada de Juvenal Galeno. Fortaleza: Comercial, 2010. (Coleção Nossa Cultura, Série
Memória)
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resguardaram sua vida para os cuidados de seu pai e da vida cultural ao redor de sua nova
casa, no endereço da rua General Sampaio, 1228. Ainda criança, teve parte de seus estudos
em casa e também no Colégio da Imaculada Conceição. É interessante entender que
Henriqueta não fugiu do aprendizado das prendas domésticas cotidianas, como bordar e
costurar, como afirma Adízia Sá no seu Elogio a Patrona
“(...) Henriqueta ganhava da mãe todos os conhecimentos domésticos, juntamente
com suas irmãs Júlia e Maria do Carmo, como diz Cândida Maria na biografia da
avó , << depois do almoço, as filhas Maria do Carmo, Henriqueta e Júlia tomavam
as suas grades e, na <sala da bola> , com as venezianas que davam para as ruas
fechadas, entregavam-se a tarefa de bordar flores e ramos em toalhas , colchas e
pastas. Não se admitia, naquela época, uma mulher que não soubesse bordar e
costurar (...)” (SÁ, 1971: 573)
Analisando o trecho, percebemos que o ato de bordar era o que se classificaria como
prática feminina comum. Logo, as mulheres desse período, em vista da educação e cultura
patriarcal a quem estavam expostas, tendiam a executar tarefas que tivessem mais a ver com o
lar e a família. Cabia a elas o espaço particular da casa e, dessa forma, os conteúdos que sua
educação permitia era limitada e, muitas vezes, não incluia a alfabetização delas. Percebemos
que a educação das filhas de Galeno, em especial Henriqueta, progrediu além dos afazeres
domésticos, utilizando-se dos estudos como meio para se destacar diante de sua família
posteriormente.
Em 1919, iniciando sua vida adulta, completa o seu curso de direito, se tornando uma
das primeiras mulheres advogadas pela Faculdade de Direito do Ceará. Contudo, não chegou
a praticar sua real profissão, lecionando no Liceu e na Escola Normal. Todavia, não é somente
no magistério que ela construirá sua carreira. Uma de suas principais atividades foi coordenar
as atividades do Salão da Casa Juvenal Galeno e, depois, transformar sua própria residência
em reduto cultural dos eventos literários e sociais de Fortaleza.
Entender como ela realizou isso é apontar para quais modos de fazer ela se utilizou,
dessa forma, entendemos a ideia de prática sob a ótica de Michel de Certeau, o qual expõe que
“(...) constituem as mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do espaço organizado
pelas técnicas de produção sócio-cultural.” (CERTEAU, 1994: 41). Logo, podemos refletir
sobre como, na sua vida, encontramos essas práticas influenciando a vida literária da capital.
Dessa forma, a priori identificamos um senso de liderança, esta, por sua vez, pode ter
sido desenvolvido pelo grau de leituras com as quais ela entrou em contato, desenvolvendo
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uma percepção política feminista, algo que foi defendido em seus escritos. No dia 27 de
setembro, o salão de sua casa se transforma na conhecida Casa Juvenal Galeno, instituição
“(...) cultural de utilidade pública, funciona com o seu salão desde o dia 27 de
setembro de 1919, realizando sessões lítero- artísticas, congregando os valores
intelectuais da terra cearense, recepcionando hóspedes ilustres (...).
Além dêsse seu programa, não há descurado de estimular e orientar as novas
gerações, homenageando em reuniões extraordinárias, os escritores cearenses
quando publicam suas obras, para, deste modo, infundir-lhes novas energias e o
necessário entusiasmo no prosseguimento da carreira literária.” (GALENO, 1949: 1)
Estas são suas palavras ao defender o espaço para a existência das atividades artísticas
e culturais. Prova disso, são os dois tomos dos Anais da Casa Juvenal Galeno dos anos de
1949 e 1953, onde há vários depoimentos de homens reconhecidos por suas atuações
intelectuais e políticas como Fernandes Távora165, Gustavo Barroso166, dentre outros, sobre a
importância do espaço e de como a direção da filha de Juvenal Galeno tem destaque para
aqueles que estiveram presentes nas festividades oficiais.
Além disso, podemos refletir sobre a prática de Henriqueta em apoiar a produção e a
exposição literária de seus escritores na capital, utilizando-se de idades comemorativas ou da
vinda de pessoas consideradas ilustres de sua época, a ex-diretora se utilizou dessas táticas
para fazer o ambiente de sua casa um espaço cultural. Utilizando-se dos argumentos de José
D’Assunção Barros, podemos assumir que a Casa se transformou em um artefato urbano que
se põe como um mecanismo de intercâmbio, de intermediação e de circulação (ASSUNÇÃO,
2012:83) de ideias e informações com a sua liderança.
Henriqueta não é conhecida somente por sua direção por quase cinquenta anos, mas
também por seu posicionamento político. Ela era feminista assumida, participando do
Segundo Congresso Internacional Feminista no ano de 1931, enquanto delegada juntamente
com a escritora Adília Albuquerque Morais, palestrou na capital do País, desenvolvendo a sua
ideia de que
“O feminismo, bem orientado não significa em hipótese alguma, a diminuição do
sexo oposto.
Não pretendemos desafiar o <sexo feliz> para uma luta, nem tampouco mostrar a
165
Henriqueta Galeno organizou o primeiro tomo dos Anais da Casa Juvenal Galeno, em 1949, com a publicação
de uma conferência ministrada por Fernandes Távora, intitulada “A telepatia e o psiquismo.”
166
Também organizado por Henriqueta, o segundo volume de anais intitulada “O que é a Casa Juvenal Galeno”,
em 1953, contém conferências e recortes de matérias de jornais, ampliando a divulgação do espaço cultural.
Nesse caso, temos a conferência de Gustavo Barroso, intitulada “A Casa Juvenal Galeno.”
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De acordo com seu discurso “Como vêdes, o meu esforço isolado eu o tenho dado espontaneamente pois me
anima este mesmo ideal de liberdade igualitaria da emancipação socio-política e material da mulher. (...)”, logo
ela expõe a vontade encabeçar a luta feminista em terras cearenses. Isso pode ser visto na coletânea que ela fez
sobre a visita ao Rio de Janeiro no período que participou do Segundo Congresso.
168
Isso pode ser visto na matéria “Histórico Ala Feminina” do primeiro número da Revista Jangada de 1949
169
Idem.
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170
Isso pode ser visto nas matérias escritas por Alba Valdez na revista do Instituto Histórico, podendo ser
visualizadas de modo online.
171
Pode ver isso melhor na conferência de Mário Linhares “A Casa de Juvenal Galeno” na coletânea “O que é a
Casa Juvenal Galeno” de 1953.
172
No caso, como exemplo, podemos citar os elogios as patronas Francisca Júlia da Silva por Ligia Soares
Bulcão Vasconcelos; Isabel, a redentora por Susana Barreira Amaral e dentre outras na coletânea “Mulheres do
Brasil” publicada em 1971.
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importantes.
De acordo com José Martins Murilo, a maior parte de seus escritos foram sobre
mulheres, salvaguardando-se duas obras: Força Indômita (conjunto de versos) e Juvenal
Galeno, o legítimo criador do popularismo literário no Brasil (MARTINS, 2009). Dessa
forma, quando ingressou na Academia Cearense de Letras, em 1951, ocupando a cadeira
número 23, com o nome de seu pai, a maior parte de suas obras se compôs sobre a abordagem
de mulheres e de poesias de sua autoria, expondo de forma mais sensível suas impressões
pessoais.
Concentraremos nossos esforços na análise do perfil biográfico intitulado de “Maria
Quitéria de Jesus, Heroína brasileira” publicado na revista da Academia Cearense de Letras
no ano de 1954. A prática da escrita de biografias sobre personagens femininas poderia ser
uma tentativa de inserção dessas mulheres na história dita oficial? Podemos afirmar que sim,
pois de acordo com SOHIET
“De acordo com Mary Nash, o debate em torno da opressão da mulher e seu papel
na historia teria se inaugurado na década de 1940, por iniciativa da historiadora
norte-americana Mary Beard, que, na sua obra Woman as force in history, aborda a
questão da marginalização da mulher nos estudos históricos. Beard atribui as
escassas referências a mulher ao fato de a grande maioria dos historiadores, sendo
homens, ignorarem-na sistematicamente. Esse argumento provocou uma replica do
historiador J.M. Hexter, para quem a ausência das mulheres devesse ao fato de elas
não terem participado dos grandes acontecimentos políticos e sociais.” (SOHIET,
1997: 403)
Logo, refletimos sobre o propósito dessa intensa escrita biográfica: seria uma maneira
de fazer com que a memória dessas mulheres se fizesse vistas e, diante disso, justificar suas
ações e existências dentro da História?
Assim, sob quais características ela desenha o perfil de Maria Quitéria, por exemplo?
Vejamos,
“Maria era de temperamento vivo, irrequieto, expansivo. Gostava de correr
livremente pelos campos, manejar armas de fogo nas quais se exercitara
admiravelmente caçando. Gostava de montar e domar cavalos apontados como
perigosos. A caça era seu esporte favorito, notabilizando-se pontaria certa e
infalível.” (GALENO, 1954: 133)
que demandava esforço e concentração, características consideradas masculinas. Por que ela
seria dotada de qualidades “masculinas”? Por ausência de uma presença materna? a própria
Henriqueta afirma que ela perdeu a mãe quando criança e que seu pai casara duas vezes, logo
essa não seria resposta mais correta. Podemos pensar que a mensagem da autora sobre o
temperamento e a agilidade na caça poderia ser comum a ambos os sexos? Ainda assim, a
personagem biografada teve que se vestir de homem para poder combater no período do
primeiro império, porém, tendo reconhecido sua eficácia e coragem nas batalhas enquanto
mulher.
Diante de tudo isso, sua atuação foi bastante significativa, contudo sua saúde foi
atentada pelo câncer, vindo a falecer em 1964. Maria Cândida Santiago Galeno, conhecida
por Nenzinha, em homenagem a sua tia, publicou postumamente no ano de 1965, pela mais
nova editora Henriqueta Galeno, a coletânea de biografias escrita antes de sua piora de saúde.
“Mulheres admiráveis” contém 17 biografias de mulheres brasileiras e estrangeiras, algumas
tais: Amélia de Oliveira, Andradina de Oliveira, Júlia Lopes de Almeida, Emily Dickson,
dentre outras.
É curioso como a autora mistura características consideradas femininas e masculinas,
como exemplo, na criação de Júlia Lopes
“Mais tarde, em colaboração com sua irmã Adelina, escritora também de grande
talento, publicou "Contos Infantis", nos quais as autoras preconizam o melhor
método para o ensino das crianças, baseado na prática constante de atos ern que se
refletem a bondade, a .meiguice d'alma, a generosidade e o exemplo do bem;
herdaram do genitor, abalisado mestre, hábitos de convivência com crianças.
Revelaram conhecer perfeitamente a delicada psicologia infantil.” (GALENO, 1965:
73)
Nesse trecho percebemos que a desenvoltura de Júlia e de sua irmã ao escrever o livro
foram inspirados em seu pai, aparentemente, dotado de uma sensibilidade singular e, por isso,
herdaram dele, “a bondade, a meiguice, a generosidade e o exemplo do bem”, essa
“sentimentalidade” exposta pela autora da descrição não condiz com o que se consideraria um
comportamento típico masculino (MALUF E MOTT, 1998)
Diante do exposto, concluímos que o percurso da vida de Henriqueta enveredou por
práticas coletivas e literárias. Assim, temos o destaque para a Casa Juvenal Galeno como seu
principal espaço de atuação enquanto diretora e enquanto ser atuante na intelectualidade
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fortalezense, com suas reuniões e eventos culturais, procurou apoio para que o ambiente da
casa não enfraquecesse, além disso, sua luta em prol das mulheres abriu alas para maior
interação cultural entre elas, principalmente, as que tinham maior interesse em demonstrar sua
inteligência e presteza com as palavras. Por fim, sua prática de escrever biografias é encarada
como uma tentativa de levar os nomes dessas mulheres, antes mais desconhecidos, a um
patamar maior dentro da história, misturando construções comportamentais naturalizadas de
homens e de mulheres, demonstrando que os dois podem ter o direito de compartilhar de
ações e sentimentos, antes cristalizados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Luciana de Andrade. A Estrella: Francisca Clotilde e literatura feminina em
revista no Ceará (1906- 1921). Fortaleza: Museu do Ceará, 2006.
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Janaina. (org.). Usos & abusos da história oral. 8.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. pp.183-
191.
BARROS, José D’Assunção. Cidade e História. 2 ed. Petrópolis. Vozes, 2012.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira
Alves. Petrópolis. Vozes, 1994.
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e Família burguesa. In: PRIORE, Mary Del (org.).
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FIUZA, Regina Pamplona. O Pão...da Padaria Espiritual. Fortaleza. Expressão Gráfica
Editora, 2011.
MARTINS, José Murilo. Poetas da Academia Cearense de Letras 1894- 2009 (antologia).
Fortaleza: Expressão Gráfica, 2009.
MALUF, Marina. MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: SEVCENKO,
Nicolau. (org.) História da vida privada no Brasil: República: da Belle Epoque à Era do
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NETO, Raymundo. (org). Cronologia comentada de Juvenal Galeno. Fortaleza: Comercial,
2010. (Coleção Nossa Cultura, Série Memória).
SÁ, Adísia. Henriqueta Galeno. In: VVAA. Mulheres do Brasil: pensamento e ação. 2º vol.
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Ela narra que vivia sob o controle do pai, mas que mesmo assim viveu uma infância
saudável e uma adolescência que lhe oportunizou contar anedotas e fazer muitas amizades.
Na adolescência, na festa de Nossa Senhora da Purificação, embora sobre a vigília do pai,
tinha “liberdade” de passear pela praça. As festas religiosas eram os espaços de
sociabilidade no qual as meninas e as mulheres usufruíam de liberdade, pois para sair de
casa era preciso ter uma razão e um destino predeterminado (MIGUEL; RIAL, 2012; p.154).
Vê-se, assim, que as experiências vivenciadas na infância e adolescência, mesmo com
toda a restrição destinada à mulher, não só se constituíram em lembranças vitalícias da sua
trajetória como foram marcas indeléveis do amor e dedicação de Zilda Paim à cidade e ao
povo santamarense.
Em 1937, após concluir o ginásio passa a almejar uma carreira profissional, entretanto, por
viver sobre a tutela do pai, é impedida de ir trabalhar no sertão; decide, então, exercer a sua
profissão e ganhar o seu próprio dinheiro ao abrir uma escola, denominada de Escola São João.
Atuou nesta escola por 17 anos e foi durante essa época, em que trabalhou como professora, na
sua escolinha, que o gosto pela carreira profissional passou a assumir cada vez mais importância
em sua vida.
Criada numa época em que a mulher era educada principalmente para o trabalho
doméstico e que passar de senhorita a senhora era a meta das meninas de família, Zilda para ir
de encontro à sua educação contrai, em 1944, casamento com João Paim.
Em 1949, se torna mãe ao adotar uma menina, Margarida Lúcia Paim, a qual passou a
ter a sua atenção, mas não impediu que ela deixasse de atuar como professora. Longe de se
adequar à imagem de “mulher perfeita”, que não consegue se enxergar fora do casamento,
decide, em 1950, terminar o seu matrimônio de 7 anos. Tal fato marcou a sociedade
santamarense porque se constituiu no primeiro desquite da cidade.
A sua atitude demonstra total transgressão, pois:
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Ela demonstra o quanto ela foi desconsiderada por não possuir o título de historiadora,
mas deixa demarcado sua bagagem de conhecimento, que lhe garantiu evidencia e que foi
registrado nos seus cinco livros: Isto é Santo Amaro (1974); Passeio no Passado (1989);
Relicário da Memória (1999); Salve 2 de Fevereiro (s/n); Palestra Folclórica (2011).
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Especialmente para este artigo vamos abordar a obra “Passeio no Passado” (Figura 7
e 8), escrita a punho e ilustrada por Zilda, quando tinha 70 anos, e que por falta de recursos
foi impresso pela Bureau, em 1989. O livro constitui-se numa narrativa em que ela se imagina
sentada no bondinho, que antigamente circulava pela cidade, para contar a história dos
casarões, das famílias, dos costumes do povo do seu torrão natal.
A olhar de Zilda Paim sobre o passado surgem principalmente como manifestação de
conhecimento para as novas gerações, portanto, para aqueles que vivem em Santo Amaro com
o seu progresso e suas contradições. A sua escrita evidencia uma forma de ver e de
relacionamento próprio de Zilda com as suas raízes: a história da sua cidade, os ritos
cotidianos e a tradição das famílias que habitavam os casarões. A narradora assume um
discurso saudosista, conforme apresenta na dedicatória (PAIM, 1989):
175
A temática do livro, a história de Santo Amaro, é recorrente nas outras obras, sejam
elas escritas ou pintura. Especificamente neste livro a autora traz uma perspectiva
memorialista, pois descreve as ruas que fizeram parte da sua infância e adolescência, os
casarões, que fazem parte da história dos engenhos em Santo Amaro, e seus respectivos
donos, a emoção que outrora sentiu, a partir do que vivenciou e pela oportunidade de deixar
registrado as suas lembranças, conforme apresenta (PAIM, 1989; p. 01):
175
Trechos digitalizado do livro de Zilda Paim. Cf bibliografia.
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Tais aspectos impedem o leitor de separar o que foi, de fato, realidade e do que é
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imaginário. Mas há, sem dúvida, um olhar sensibilizado e particularizado da autora em deixar
registrado, para a nova geração, um apelo para que se interesse pela história de seu povo, mas
que reconstruam esses velhos tempos, que ela os considera áureos e felizes.
Com estilo próprio e influência pública que possuía na cidade, Zilda Paim enriquece o
cenário da produção literária como mulher, ecoando as suas ideias e conhecimentos a
diferentes gerações. Sobre a produção escrita da mulher Woolf afirma que se “é verdade que
as mulheres sempre quiseram escrever, também é verdade que não puderam fazê-lo e, que
puderam menos ainda publicar”, por não possuir condições favoráveis para escrever e dar
conta das demandas domésticas.
Não se pode perder de vista que Zilda publicou esse livro aos 70 anos, mesmo com a
sua independência ela estava inserida numa sociedade patriarcal. A publicação desse seu livro
“Passeio no Passado” é marcada pela ausência de interesse do mercado editorial, por isso é
impresso numa editora pequena e com recursos próprios. Ao lançar esse livro Zilda Paim
deixa registrado a perspectiva feminina sobre os fatos históricos, ritos culturais, sociais e
cotidianos de Santo Amaro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AREND, Silvia Fávero. Trabalho, escola e lazer. In: PINSKY, Bassanezi. PEDRO, Joana
Maria (Orgs.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
FREITAS, Antonio F. G.; ASSIS, Arthur de. Canô Velloso: lembranças do saber viver.
Salvador: EDUFBA, 2009.
MIGUEL, Raquel de Barros; RIAL, Carmem. “Programa de Mulher”. In: PINSKY,
Bassanezi. PEDRO, Joana Maria (Orgs.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2012.
PAIM, Zilda. A Santo Amaro da educadora Historiadora Zilda Paim. Revista Muito – A
Tarde, Salvador, Domingo, 26/12/2010, p. 8 – 11. Entrevista cedida a Marcos Dias.
PAIM, Zilda. Isto é Santo Amaro. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2005.
PAIM, Zilda. Palestra Folclórica. Santo Amaro: Gráfica TOKA, 2011.
PAIM, Zilda. Passeio no Passado. Salvador: BUREAU, 1989.
PAIM, Zilda. Relicário Popular. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da
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INTRODUÇÃO
Neste artigo objetiva-se analisar um texto publicado no Periódico Semanal “O
Nordeste”, em 1955, na cidade de Alagoinhas (BA), de autoria do jornalista José Galdino
Carneiro. A crônica apresenta o perfil típico da normalista da época. Estas são descritas como
um ser universal, como um grupo sem distinções entre si, isto é, sem quaisquer distinções no
tangente, por exemplo, a classe social e/ou raça. Como se fossem homogêneas. A ênfase dada
ao uniforme azul marinho contribuía para corroborar essa perspectiva. Percebeu-se que o
cronista visava consolidar a imagem da mulher/normalista como alguém nascido para
servir/educar a infância, contribuindo assim para o desenvolvimento do País, reforçando com
esse argumento, os papéis de gênero impostos pela sociedade de então.
A formação recebida pelas jovens mulheres não era percebida como fonte de
independência e liberdade. Contrário a isso, era mais um meio pelo qual a mulher melhor
poderia desempenhar os papéis sociais a ela destinados e considerados adequados ao sexo
feminino. Implicitamente, o autor revelava assim uma visão das relações de gênero e,
consequentemente das relações de poder existentes na sociedade da época. Ao longo do texto
analisado, o autor faz uma significativa comparação entre uma jovem comum e uma moça
normalista. Quando diferencia a moça em trajes comuns – simpática e sorridente – da moça
trajando o uniforme marinho, o cronista associa a imagem da normalista/professora a de
alguém de expressão severa, retraída, que pouco sorri e, pode-se dizer, nada tem de
encantadora. Constatou-se, a partir da análise da crônica, que a mulher/normalista estava
submetida a um controle rígido, não apenas da instituição escolar à qual pertenciam, mas da
comunidade como um todo. Isso impunha às futuras professoras, um modelo a ser seguido;
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A esse respeito, Louro (2000, p. 464) remete ao jogo das representações que não
apenas espelharam essas mulheres, mas efetivamente as produziram. Para ela, “as
representações de professora tiveram um papel ativo na construção da professora, elas
fabricaram professoras, elas deram significado e sentido ao que era e ao que é ser professora”.
Defende a autora que observar como e por quem um grupo social é representado nos aponta
muito sobre as relações de poder transcorridas na sociedade. No caso das professoras, foram
os homens – parlamentares, médicos, padres, pais, legisladores – que, intitulando-se porta-
vozes da sociedade, dizem sobre elas. E, consequência do dito pelos homens, aponta Louro
(2000, p.465), “elas também acabam, frequentemente, definindo-se e produzindo-se em
consequência com tais representações”. No caso das normalistas de Alagoinhas, a fala, como
se constata, era mérito de um político – o prefeito da cidade – e de um jornalista, ambos do
sexo masculino, que diziam sobre a mulher/normalista.
Fazer dois agradecimentos mui sinceros. Ambos sobre a minha penúltima crônica
intitulada: “Normalistas”. O primeiro trata-se de uma carta recebida e assinada
por uma Normalista, onde os elogios são exagerados e os conceitos
demasiadamente benévolos. O segundo é um pedido de uma professora no sentido
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Nas edições posteriores de O Nordeste, encontram-se indícios de que o autor da crônica advinha de famílias
de posses, sendo chamado algumas vezes de ‘pecuarista e homem das letras’. Na edição de 25 de setembro de
1955 há uma nota no jornal registrando seu noivado com uma jovem da cidade e na edição de 16 de março de
1956 o registro do casamento, realizado na cidade de Salvador.
177
Regimento Interno do CSSS, em vigor nas décadas de 1950/60, encontrado nos arquivos da instituição.
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Essas mulheres, futuras professoras, deveriam ter como parâmetro, em suas vidas
profissional e pessoal, os valores cristãos católicos; seriam observadas e delas exigidos o
cuidado e o zelo com suas imagens e boas condutas morais e religiosas. A formação recebida
pelas alunas na instituição objetivava, para além do magistério em si, formar também o
caráter das alunas, pautado nos princípios morais cristãos. A mestra formada pelo CSSS
personificava um modelo de mulher da época: cristã, instruída, resguardada, apta a
desempenhar os papéis de esposa, dona de casa e mãe, e também o de professora primária.
De 1956, quando se diplomou a primeira turma de professoras primárias, até 2000,
quando o curso de magistério foi encerrado, foram formados pelo CSSS 1.964 professores,
dos quais apenas dois eram homens. A presença de dois professores num total de 1.964
formandos é significativa. Acredita-se que esse dado ratifica a “feminização do magistério”,
tema muito abordado na literatura da História da Educação Brasileira. Os anos nos quais se
evidenciou a presença de jovens do sexo masculino, foi entre 1993 e 1999. O século 20
chegava ao fim e os estereótipos acerca do magistério primário mantinham-se firmes na
sociedade brasileira. Contraditoriamente, desde o ano de 1975 o CSSS oferecia à mocidade
alagoinhense feminina o curso de Técnico em Patologia Clínica. De 1978, quando se
diplomou a primeira turma até 1982, foram 167 alunas formadas, que, obviamente, não
optaram pelo curso de Magistério. Abriam-se assim novas perspectivas de formação para o
sexo feminino e, posteriormente, de ocupação profissional. O curso de Patologia Clínica foi
substituído pelo de Química e, em 1983, dez alunas concluíram essa formação; em 1984
foram 14 alunas e em 1985 tem-se o registro dos primeiros alunos concluintes desse curso: de
um total de 14, apenas 3 eram do sexo masculino. Nesse momento, o CSSS já havia aberto as
portas, também, ao sexo masculino, adequando-se às mudanças ocorridas na sociedade e a
demanda em geral. De 1978, quando diplomou a primeira turma em Patologia Clínica até o
ano de 2000, já com o Ensino Médio, conforme legislação vigente foram 529 alunos e alunas
formados nesse nível de ensino pelo CSSS.
O CSSS, em sua prática educativa, buscava criar nas alunas um “jeito de ser
professora”, estabelecendo nelas, de acordo com Louro (2000, p.461) “um modo adequado de
se comportar, de falar, de escrever, de argumentar”. Mais que um ‘modo’ esperado de
comportamento social, criava-se um modelo a ser seguido pelo professorado, podendo isso ter
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representado para elas, em conformidade com Louro (2000, p.462-463) um “encargo social
pesado que teve profundos efeitos sobre as vidas de mestres e mestras”.
A educação feminina sempre foi alvo de discussões, dentro e fora do Brasil. Segundo
Passos (2004, p. 22), a Bahia dos anos 30 do século 20 também se inseriu nesta discussão,
defendendo este acesso, mas sem que isto significasse uma ruptura com os valores da época,
pois “a proposta não apresentava a educação como forma de libertação feminina, ao contrário,
reafirmava-se em todos os momentos que a mulher devia continuar sendo companheira do
homem, mãe primorosa e esteio da família”.
A pesquisadora baiana, dedicada ao estudo da educação da mulher baiana nos séculos
19, 20 e no atual, afirma, na introdução de um de seus trabalhos, qual o objetivo buscado: “a
partir da recuperação dessa memória, entender os silêncios e as falas, a que e a quem eles vêm
servindo” (PASSOS, 2004, p. 10). Segundo ela, a figura da mulher educadora estava
fundamentada em valores morais inspirados na religião católica, cuja prática deveria servir
também como transmissora de valores e ensinamentos religiosos. O sexo feminino prossegue
Passos (2004, p. 10), era tido como sinônimo de amor incondicional, encontrando no amor
materno a representação máxima a tudo aceitar e compreender.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Transitando num contexto no qual as vivências morais e os valores religiosos eram
uma prerrogativa, esperava-se das normalistas, futuras mestras, uma conduta moral
compatível com a formação recebida e com a profissão escolhida; que no cotidiano e no
exemplo confirmassem – e amplificassem para a sociedade – o apreendido durante a sua
formação. Nessa conjuntura, as jovens vestidas de “azul e branco” a partir da formação
técnica e profissional, deveriam, em sua prática docente, ser não apenas competentes na tarefa
de instruir, mas, e principalmente, de educar seus alunos/as inspiradas pela formação moral e
cristã dentro da qual eram formadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula. In. DEL PRIORE, M. História das
mulheres no Brasil. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2000.
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LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In.: PINSKY, Carla
Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
PASSOS, Elizete Silva. Palcos e Plateias: as representações de gênero na Faculdade de
Filosofia. Salvador: UFBA< Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, 1999.
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INTRODUÇÃO
A referente pesquisa tem como objetivo principal fazer uma análise por meio de
estudos bibliográficos sobre o que as mulheres brasileiras do século XIX escreviam, para
quem escreviam e como seus escritos eram recebidos na sociedade em que viviam. Sociedade
esta patriarcal, escravista com uma elite agrária imersa em situações conturbadas no que tange
a luta dos abolicionistas e insurreições causadas pelos mais diversos motivos, assim vivia-se
no Brasil Imperial. Dessa forma, os acontecimentos vigentes influenciaram em alguns pontos
as escritas das mulheres deste período. Nesta pesquisa observar-se-á as lutas e conquistas de
um restrito número de mulheres que ousaram insurgir sobre as normas sociais estabelecidas
no que se refere a aquisição de conhecimento e divulgação por meio da Imprensa de seus
escritos.
Sendo assim, é cabível questionar sobre o porquê as mulheres, sejam elas das
classes de elite ou das classes menos abastadas, durante tanto tempo foram tratadas como
seres incapazes de participarem ativamente da vida intelectual e quando lhes era dado este
direito, acontecia de forma restrita? Porque somente elas foram relegadas as prendas
domésticas? Do que os homens temiam? Em que momento da História brasileira a aquisição
do conhecimento lhes foi garantido mesmo com algumas ressalvas e com que objetivo? Para
178
Graduada em História pelas Faculdades Integradas de Patos – FIP; Pós-graduada em Fundamentos da
Educação: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares pela Universidade Estadual da Paraíba.
179
Mestranda em História pela Universidade Federal da Paraíba.
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responder a esses e outros questionamentos se faz necessário uma pesquisa mais aprofundada
e adentrar também no campo da sexualidade, pois segundo a misoginia clerical do medievo
sendo a mulher culpada pelo pecado original e para se redimirem, as mesmas foram tratadas
como seres inferiores aos homens e sua presença somente era necessária no momento da
procriação. Assim sendo, de acordo com Perrot (2013), um número bem razoável destas
mulheres chegam ao século XIX com a mentalidade de que lhes cabe como participação
social cooperar para adquirirem um bom casamento, filhos educados, enfim um lar exemplar.
Mas algumas mulheres a exemplo de Délia pseudônimo de Maria Benedicta
Câmara Barmann (1853 – 1895), Júlia Lopes de Almeida (!863 – 1934) dentre outas,
romperam as normas e escreveram sobre os mais diversos assuntos e lutaram pelo direito das
mulheres estudarem e assim tonarem-se cultas, atuantes na vida social antes pertencente a
misoginia patriarcal.
A sociedade brasileira do século XIX vivia momentos de transição principalmente
a partir de 1808 com a chegada da família real, com ela veio também as influencias europeias,
sendo que estas interferiram em todos os campos da até então colônia portuguesa. Um grande
número de mulheres brasileiras deste período não interferia na vida política e econômica de
seus pais e/ou maridos, pois não eram consideradas dotadas de conhecimento suficiente,
segundo a misoginia vigente, para opinar e/ou participar e quando o fazia tinha de demonstrar
total ignorância nos assuntos que não fossem os das tarefas do lar. A imprensa chega ao Brasil
juntamente com a família real. Assim ao analisar textos referentes a Imprensa do século XIX
percebe-se como esta colaborou para o mercado de trabalho feminino, seja por meio da oferta
ou por meio da procura por emprego. De acordo com Carvalho180 (2006) o “[...] começo do
século XIX fatalmente transbordaria para o espaço doméstico, contribuindo para que fosse
construída uma noção do que deveria ser família civilizada. [...] o lar tornou-se metáfora da
pátria. [...]” (CARVALHO, 2006, p. 176). Sendo assim, a esposa não opinava, a família era o
povo, o homem da casa seu governante, este por sua vez era quem elaborava as leis para que o
“povo”, ou seja, a família mais especificamente a mulher obedecesse, pois esta poderia reinar
180
CARVALHO, Marcus J. M. de. A imprensa na formação do mercado de trabalho feminino no século XIX. In:
NEVES, Lúcia Maria Bastos P., MOREL, Marco, FERREIRA, Tânia Bessone da C. (orgs). Imprensa e História:
representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A: Faperj, p. 176, 2006.
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no lar, mas as leis eram feitas pelos seus digníssimos cônjuges, pois a boa esposa
representaria a honra do esposo esta seria submissa, trabalhadora (do lar) e calada. Mesmo em
casa no momento em que o patriarca reunia a família, trazia discussões sobre política que era
o tema principal da Imprensa local, não era de bom tom para as mulheres demonstrarem
inteligência e opinarem, pois este assunto se reservara apenas para o mundo erudito
masculino. Mas nem todas se mantinham obedientes, algumas opinavam mesmo não sendo
ouvidas.
As mulheres sem posse e sem marido que eram livres ou libertas e que tinham
instrução, pois um grande número destas não sabiam ler nem escrever, enfrentavam
dificuldades para sobreviverem por isso em muitas situações recorriam aos anúncios de
professoras e empregadas domésticas em jornais da época como afirma Carvalho (2006)181
O trabalho doméstico destacava-se na lista das alternativas de sobrevivência. Na
década de 1840 não eram poucas as mulheres livres que colocavam anúncios nos
jornais em busca de trabalho doméstico. As possíveis patroas também anunciavam
indicando o perfil da empregada que desejavam. Esses anúncios não ficavam numa
seção separada nos jornais. Eles compartilhavam o mesmo quadro dos avisos de
compra e venda de cativos, o que denota que trabalho livre ainda não se separara
totalmente da matriz escravista. Até as mensagens de professoras em busca de
emprego situavam-se em local idêntico àquele em que os cativos eram postos a
venda. [...] (CARVALHO, 2006 p. 179)
Assim percebe-se a importância da Imprensa na vida dessas mulheres que
buscavam alternativas para sobreviver. Estas mulheres, as que se julgavam decentes, que
anunciavam a busca por emprego tinham o cuidado de deixar claro em seus anúncios que não
fariam trabalho fora de casa, porque o espaço da rua era um lugar indecente e inseguro e por
isso mesmo era um espaço masculino. Para as mulheres pobres o trabalho doméstico oferecia
segurança enquanto o trabalho de ambulante na rua muitas vezes era confundido com
prostituição.
Nísia182 Floresta, por exemplo, escreveu sobre a quantidade de prostitutas
existentes no Brasil oitocentista, sendo que para a mesma o fato é resultante da escravidão e
181
CARVALHO, A imprensa ..., p. 179.
182
Educadora, escritora e poetisa nascida em 12 de outubro de 1810, em Papari, Rio Grande do Norte, filha do
português Dionísio Gonçalves Pinto com uma brasileira, Antônia Clara Freire, foi batizada como Dionísia
Gonçalves Pinto, mas ficou conhecida pelo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta. Nísia é o final de
seu nome de batismo. Floresta, o nome do sítio onde nasceu. Brasileira é o símbolo de seu ufanismo. Augusta é
uma recordação de seu segundo marido, Manuel Augusto de Faria Rocha, com quem se casou em 1828, pai de
sua filha Lívia Augusta.
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poucas alternativas para as mulheres pobres. A mesma era contrária a ideia de submissão aos
homens, questionou as imposições masculinas fundou o Colégio Augusta no Rio de Janeiro e
uma de suas principais obras foi Direitos das mulheres e injustiça dos homens publicado em
1832.
No Brasil oitocentista a Imprensa também colaborou com a educação das
mulheres, haviam anúncios, por exemplo, de professoras que buscavam alunos, e neste caso
alunas, pois as mulheres bem casadas, respeitáveis e honradas ensinavam as meninas e ao
ofertarem o ensino poderiam ter um meio de obterem recursos para sobreviverem. Alguns
discursos misóginos defendiam que não era necessário ocupar a mente das mulheres com
informações científicas, já que a função destas era cuidar da educação dos filhos e ser
formadora dos futuros cidadãos, para tanto lhes bastava uma formação moral sólida e
princípios como honestidade, pureza, castidade dentre outros. A mulher era responsabilizada
pelo caráter dos cidadãos e somente por isso recebeu instrução, pois dela dependia, na
concepção social da época, o fato de os homens serem bons ou maus. Os meninos aprendiam
a ler, escrever, além de lições de cálculos como geometria e as meninas além da leitura e
escrita aprendiam a bordar, costurar além das prendas domésticas.
De acordo com o discurso iluminista as mulheres deveriam ser educadas para
representarem as famílias moralmente. Porque o lar estaria representando a pátria e a honra do
lar dependia da mulher submissa e imaculada. Era preciso civilizar, mas para tanto se fazia
necessário trocar o trabalho das cativas pelo trabalho das livres ou libertas e assim afastar a
influência das africanas no cotidiano da boa família. No periódico O Popular183 há uma crítica
sobre as famílias que ao se envolverem com as escravas deixam filhos bastardos como fruto
de um relacionamento ilícito, assim era muito comum anúncios de venda de escravas pelos
mais diversos motivos e também pelo envolvimento sexual dos senhores com as mesmas nos
periódicos oitocentistas. Tais envolvimentos dificultava a relação entre patroas e empregadas
como afirma Carvalho (2006)184
183
9 de junho de 1830.
184
CARVALHO, Marcus J. M. de. A imprensa na formação do mercado de trabalho feminino no século XIX. In:
NEVES, Lúcia Maria Bastos P., MOREL, Marco, FERREIRA, Tânia Bessone da C. (orgs). Imprensa e História:
representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A: Faperj, p. 191, 2006.
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O ciúme das negras da casa não só abalava a paz conjugal como adicionava fel ao
azedume natural da relação senhora-escrava. Esse exemplo explica parte da tirania
das sinhás no trato diário com suas domésticas. [...] A cativa estava exposta ao
assédio, ao estupro e à opressão sexual dos senhores, filhos e agregados, e sofria
ainda o ciúme das esposas traídas. As sinhás enciumadas vingavam-se como podiam
[...] as ‘melhores’ patroas deviam ser as viúvas e as solteironas convictas.
(CARVALHO, 2006, p. 191)
O envolvimento sexual dos senhores com suas escravas também foi usado para a
questão abolicionista, já que ao presenciar tais situações dentro de casa as moças poderiam
não ser castas e boas esposas de acordo com Carvalho (2006).
Percebe-se que a cultura africana vinda para o Brasil por meio dos escravos
influenciou até certo ponto alguns comportamentos da população, além desta a influência
francesa também chega por meio dos imigrantes logo após o fim da era napoleônica, sendo
assim nos jornais haviam anúncios de mulheres francesas que se ofereciam para ensinar os
costumes, a língua, o figurino, enfim os moldes franceses. Estes por sua vez iam se adaptando
ao modelo existente no Brasil Imperial, favorecendo assim uma quebra de fronteiras entre o
espaço da casa e o espaço da rua, ao modelo europeu agora as famílias passam a desfrutar o
cotidiano das cidades, da vida urbana, passam a visitar as confeitarias, os saraus mudando
assim as relações sociais.
Segundo Cláudia Oliveira185 (2011) a nova forma de viver o amor são mostrados
nos romances que emergem nas narrativas femininas do século XIX mulheres felizes,
infelizes, rejeitadas, românticas. Ao transgredirem as normas estabelecidas ocorre uma
transformação da mulher brasileira mostradas nos romances. Surge nesses escritos um novo
elemento: O adultério. Essas transgressoras foram combatidas pela imprensa misógina que as
via como uma ameaça a harmonia social. Essa mulher que busca a liberdade de escolha e de
seus atos seria retratada no romance folhetinesco como heroína moderna, uma mulher que
vive entre o amor e a paixão.
A produção folhetinesca do século XIX passa a associar a mulher ao mercado de
consumo, ou seja, a vaidade. O apelo emocional é uma constante para a imprensa em que os
personagens são bem caracterizados as mulheres são mostradas como frágeis e indefesas
185
OLIVEIRA, Claudia de. Mulheres de estampa: o folhetim e a representação do feminino no Segundo
Reinado. In: KNAUSS, Paulo et. Al. Revistas Ilustradas: modos de ler e ver no Segundo Reinado. Rio de
Janeiro: Mauad X: FAPERJ. 2011. P. 157-172.
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enquanto os homens são fortes e viris. Outro tema abordado nos folhetins direcionados ao
público feminino é a questão do casamento sem amor que não pode ser desfeito. Estes
romances folhetinescos em sua maioria eram escritos por homens, para e sobre as mulheres,
pois estas eram o público leitor.
De acordo com Martins186 (2001) no período do Brasil Império havia uma
Imprensa feita por mulheres e para mulheres, nestas escritas algumas confrontavam a ideia de
rainha do lar enquanto outras reafirmavam a condição de mãe-esposa, a mulher imperial lia e
produzia colaborando assim na produção de várias revistas. Algumas destas produções trazem
em seus títulos a “fragilidade da figura feminina”, por exemplo, A Camélia, A violeta, O lírio,
A crisálida, O espelho, dentre outras. Estas revistas ao mesmo tempo que propagavam o
movimento feminista, o direito ao divórcio, a participação política e o direito ao voto, outras
enfatizavam um comportamento moralizante, moda, decoração dentre outros.
Sendo a escrita e o saber, meios de poder e dominação as mulheres tiveram que
romper normas e lutarem pelo direito a leitura e a escrita. De acordo com Norma Telles187
(2011) ao romper às normas sociais as mulheres ascendem no papel de escritoras, assumindo
um novo papel, fora das paredes do lar. Sendo assim, o romance do século XIX muda da
fantasia para o real voltado para o cotidiano da vida doméstica. Tais romances são
denominados neste período como romances de família, agora quem os lerão são as mulheres
burguesas. Numa cultura em que as mulheres eram vistas como um ser de virtude o anjo do
lar as que desobedeciam eram vistas como as decaídas, assim sendo em seu texto Telles188
afirma
[...] À mulher é negada a autonomia, a subjetividade necessária à criação. O que lhe
cabe é a encarnação mítica dos extremos da alteridade, do misteriosos e
intransigente outro, confrontado com veneração e temor. O que lhe cabe é uma vida
de sacrifícios e servidão, uma vida sem história própria. Demônio ou bruxa, anjo ou
fada, ela é mediadora entre o artista e o desconhecido, instruindo-o em degradação
ou exalando pureza. É musa ou criatura, nunca criadora. (TELLES, 2011, p. 403)
186
MARTINS, Ana Luiza. A produção de uma nova mulher: Revistas Feminina. In: Revista em revista –
Imprensa e Práticas Culturais em tempos de República. SP (1890 – 1922). São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo: FAPESP: 2001.
187
TELLES, Norma. Escritoras, Escritas, Escrituras. In: PRIORE, Mary Del(org.), PINSKY, Carla Bassanezi.
História das mulheres no Brasil. 10. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2011.
188
TELLES, Escritoras..., p. 403.
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189
TELLES, Norma. Escritoras, Escritas, Escrituras. In: PRIORE, Mary Del(org.), PINSKY, Carla Bassanezi.
História das mulheres no Brasil. 10. ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, p. 407, 2011.
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distintas.
Narcisa Amália de Campos, nascida no Rio de Janeiro em 1852, de acordo com
Telles (2011) era filha de professores, guiou-se por ideias européias liberais, se dedicou a
ideias democráticas progressistas, defendia o direito dos escravos receberem instruções, era
mais uma defensora do direito educacional e artístico das mulheres, foi acusada de
transgressão as regras morais.
Maria Benedicta Câmara Barmann usava o pseudônimo de Délia (1853-1895),
pertencia a uma família de prestígio, era abolicionista, defendia um conhecimento para a vida
e o conhecimento da própria sexualidade, pois a nova mulher do final do século XIX,
pretendia ser sexualmente livre e independente, criticava a insistência no casamento, estudava
e privilegiava a carreira profissional. Estas por sua vez tiveram que enfrentar as críticas de
médicos, políticos e jornalistas que uniram-se para condenar essa nova mulher, segundo
médicos ingleses o desenvolvimento do cérebro das mulheres implicava em não nutrir seu
útero. Entre os romances escritos por Délia estão: Aurélia (1883); Uma vítima, Três irmãs e
Magdalena (1884); Lésbia (1890); Celeste (1893) e Angelina (1894) segundo Telles (2011).
Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) era uma abolicionista, republicana, escritora,
jornalista, como afirma Telles (2011), fez campanhas em defesa das mulheres, da cidade, do
divórcio, pela instalação de creches e melhores condições do ensino. Tentou conciliar nos
seus escritos o papel de esposa com o papel da nova mulher. Em seus romances a escritora
trata do cotidiano do campo e da cidade, cortiços e palacetes. Escreveu peças de teatro, contos
e pertenceu a Legião de mulheres de Berta Lutz. Entre seus principais romances estão: A
família Medeiros (1899), Memórias de Marta (1885), A viúva Simões (1897), dentre outros.
No final do século XIX estas escritoras trazem em seus romances histórias de
ficção em que as mulheres tornam-se seres sexuais, sensuais ficando de lado a imagem do
“anjo do lar”. Nos romances que aparecem personagens (femininas) histéricas também trazem
a cura, o casamento e a maternidade. Neste contexto da descoberta e do conhecimento da
própria sexualidade estas mulheres escritoras forma combatidas por higienistas que se
empenharam na tarefa de consolidar a o exemplo de “mãe burguesa”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir esta pesquisa percebi o quanto as mulheres tiverem que lutar para
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
A história nos mostra que até pouco tempo o feminino encontrava-se amordaçado pelos
entraves que o patriarcado impunha. Este quadro foi pouco alterado até a atualidade, visto que
os prescritos para o feminino ainda são muitos e o silêncio ainda faz parte do universo
feminil. A sociedade heteronormativa, branca e classe média estabelece padrões, os quais são
introjetados deste da tenra idade. O binarismo de gênero é alimentado pelo cordão umbilical.
Mas o feminino é múltiplo e em sua complexidade é portadora de inúmeras questões,
dentre elas as de gênero. Se a mulher branca, hétero, burguesa encontrava um espaço mínimo
no convívio social, as mulheres lésbicas padeciam de um apagamento social quase absoluto.
Omitidas do enredo da sociedade estas mulheres se viram obrigadas a buscar mecanismos
para se colocarem no mundo. O amor entre iguais não tinha espaço no corpo social e era posto
como distúrbio passível de cura. Elas buscavam por representação, mas esta era quase
inexistente.
A tradição literária não apresentou muitas heroínas, nem muito menos heroínas que
amassem as suas iguais. Assim, a representação era algo de ordem quimérica até pouco
tempo. O século XXI chegou e poucas são as escritoras que conseguem publicar seus textos.
As grandes editoras, como foi analisado por Regina Dalcastagnè, continuam privilegiando a
produção masculina. Assim os escritos feminis padecem da certa invisibilidade e esta é mais
gritante quando falamos da produção lésbica. Deste modo as herdeiras de Safo precisaram
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buscar alternativas para falar sobre seus amores e os blogues literários surgiram como uma
alternativa eficaz para o desempenho de tal função, à medida que possibilitam uma
emancipação para as ficcionistas.
A necessidade de colocar-se no mundo, enquanto ser falante ficou evidente quando, no
século XIX, as histéricas freudianas fizeram de seus corpos verdadeiros outdoors. A mudez
pronunciou-se por si quando as jovens do Salpêtrière tinham partes dos seus corpos
paralisadas em forma de reivindicação. Os sintomas físicos alertaram o jovem médico sobre a
influência da sociedade a respeito da construção psíquica. Deste modo o imberbe iátrico deu-
se conta de que o único caminho para a “cura” vinha do ato da fala.
Em razão de uma visão de mundo talhada pelos ditames culturais a pena feminina
costumava discorrer sobre o universo da casa, da educação dos filhos e assuntos que eram
entendidos como próprio da orbe femínea. Tal atributo fazia com que a crítica, composta por
homens, enxergasse-se a literatura feminina como menor, à medida que não retratava temas
que fossem do interesse de todos.
A escrita sobre si atravessou os séculos e perpetuou-se através deles. Em pleno século
XXI com a proliferação das TCIs o feminino adentra a grande rede e faz dela mecanismo para
divulgação de sua escrita. Falar sobre si é o marco desta era, o self hodierno é marcado pela
capacidade de criação de sentidos e corrobora com o processo de representação.
Portadoras de um conhecimento teórico restrito as mulheres eram sentenciadas a
permanecerem à margem da sociedade, visto que a ascensão pelo saber lhes era negada. O
apagamento das conquistas femininas resultou em uma história repleta de homens
memoráveis, mesmo que para alcançar os louros eles tenha usurpado descobertas ou
publicados livros que não lhes pertenciam. Através do anonimato feminil é que a tradição
patriarcal alicerçou-se.
ESCRITA, AMOR E CONTEMPORANEIDADE
A arte surge para a humanidade como uma possibilidade de exteriorizar elementos que,
costumeiramente, seriam impossibilitados de serem expressos, devido a forças que
instituições hegemônicas exercem sobre os sujeitos. Esta prática é exercida pelas classes
dominantes deste sempre, em um processo cíclico de silenciamento. Tal mecanismo não é
caracterizado por agir sobre uma determinada classe, ele incidi sobre todo e qualquer ser que
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não adeque-se ao que é determinado, seja em maior ou menor grau. Segundo Bourdieu a arte
é um lugar de liberdade:
Eis por que amo a Arte. É que aí, pelo menos, tudo é liberdade, nesse
mundo de ficções. Aí se sacia tudo, faz-se tudo, é-se a um só tempo
seu rei e seu povo, ativo e passivo, vítima e sacerdote. Nada de
limites; a humanidade é ara, você um fantoche com guizos que se faz
soar na ponta de sua frase como equilibrista na ponta de seu pé.
(BOURDIEU, pág. 42, 1996).
Deste modo a arte auxilia na construção de novos prismas de visão do mundo, assim
como na viabilidade de representação de novas subjetividades. As quais conseguem, graças a
este meio, ofertar àqueles que buscam representatividade ou apenas saber sobre a diversidade
de nuanças que integram a existência humana.
Trazer a tona sujeitos relegados ao mutismo, assim como àqueles que não “ousam
falar seus nomes190” é um ato que requer habilidade e desenvoltura, à medida que não se
busca o empate, mas sim a reflexão. E é esta destreza que a arte apresenta. Retratar temas que
são desencadeadores de incipiência dos dominantes exige conhecimento na construção das
metáforas, as quais são usadas para minimizar o peso dos ditos.
Estabelecer diálogos que não desencadeiam contendas com as forças tidas como
majoritárias vem sendo um dos papéis desempenhados pelas artes ao logo de sua produção. O
homem usa de todas as artimanhas das quais dispõe para colocar-se no mundo. Existir não
está relacionado a nascer, nem tão pouco manter-se vivo, mas em ser visto, em ser percebido
como integrante da esfera social. Deste modo é de suma importância para os “menores” terem
voz, mesmo que para isto seja necessário fazer uso de canais alternativos. É-lhes vital falar
sobre quem são, onde vivem, como amam etc.
As transformações históricas da cultura juntamente com as mudanças culturais vêm
favorecendo o surgimento de hodiernas formas de narrar a existência das minorias, as quais
vivem açaimadas pela mão dos senhores dos corpos e saberes. É na busca por mecanismos
representativos que a literatura eclode como um aliado memorável para tais práticas. Falar
sobre os silenciados de forma inventiva, e os acomodando de maneira expressiva os seus
190
Oscar Wilde
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protagonista.
O homem narra as suas memoráveis sagas de vida, assim como falam sobre a
existência feminina. Regina Dalcastagnè (2012) em seu livro Literatura brasileira
contemporânea um território contestado faz um levantamento bastante significativo na busca
pelo entendimento de como funciona o sistema editorial no Brasil. Em sua pesquisa a
estudiosa constatou que 75% dos livros publicados pela Rocco, Record e Companhia das
Letras – maiores editoras no país – eram escritos por homens. Mas o mapeamento foi além e
constatou-se que 70% dos autores vêm de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul, além do que 93,9% desses escritores, entre homens e mulheres, serem
brancos. O estudo nos evidencia, com provas numéricas, o perfil dos autores que consegue
publicar seus textos nas grandes editoras nacionais.
O silêncio circunscreveu a biografia feminina desde sempre. Convidadas ao convívio
do lar e ao enclausuramento ditados pelas normas do masculino, o belo sexo191 padeceu com
os entraves que tal confinamento lhes causou. Ao serem privadas do acesso a todas as áreas de
conhecimento, as mulheres eram colocados, automaticamente, em segundo plano pela
sociedade, visto que não detinham conhecimento teórico necessário para a resolução de
questões de ordem especializada.
O letramento feminino estava ligado à fabricação de convites para bailes e festividades
de uniões conjugais, restringindo de forma significativa o que elas deviam aprender. Assim
como os fundamentos teóricos eram engessados pelo ditatorialismo patriarcal, a escrita era
desempenhada de forma esmerada. As meninas que tinham acesso ao saber, eram adestradas a
desenharem as letras, transformando assim o ato da escrita em uma prática requintada. Deste
modo, a elas cabiam os diários, os livros de receitas que eram repassados pelas gerações. Nos
quais elas deixavam suas marcas, conselhos e ensinamentos para as futuras gerações de
jovens de sua família.
O silêncio imposto era quebrado de forma criativa pelas mulheres, para tanto faziam
uso dos que lhes era ofertado e permitido para trazer a tona seus posicionamentos diante do
momento histórico em que estavam inseridas. Tal prática é seguida até hoje. O que
percebemos que o quê muda são os meios, mas as estratégias são semelhantes. De acordo com
191
Simone de Beauvoir – Segundo Sexo.
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Bourdieu:
A escrita abole as determinações, as sujeições e os limites que são
constitutivos da existência social: existir socialmente é ocupar uma
posição determinada na estrutura social e trazer-lhe as marcas, sob a
forma, especialmente, de automatismos verbais ou de mecanismos
mentais, é também pertencer a grupos e estar encerrado em redes
relações que têm a objetividade, a opacidade e a permanência da coisa
que se lembram sob a forma de obrigações, de dividas, de deveres, em
suma, de controles e de sujeições. (BOURDIEU, pág. 42-43, 1996).
Segundo Virginia Wolf em seu ensaio Um teto todo seu, “a mulher precisa ter dinheiro
e um teto todo dela se pretende mesmo escrever ficção” (WOOLF, p. 8). Visto que a produção
ficcional feminina traz com sigo uma série de idiossincrasias dos mais diversos aspectos para
suas produtoras. Deste modo é indispensável que a escritora disponha de mecanismos que a
ajude a se manter se necessitar do lucro que seus livros renderiam, para que assim não padeça
tão duramente das forças externas sobre a sua ficção.
...penso que vocês podem levantar a objeção de que fiz demasiado
alarde da importância das coisas matérias. Mesmo concedendo uma
generosa margem ao simbolismo, no sentido de que quinhentas libras
por ano representam o poder de contemplar, e de que a fechadura da
porta significa o poder de pensar por si mesma...(WOOLF, p. 130,
1928).
Woolf deixa claro que o confinamento vivenciado pelas mulheres, não lhes garantia
qualquer tipo de privacidade, sendo assim elas não tinham espaço para reflexão, tão
indispensável para a escrita. A elaboração textual tem início bem antes do ato da escrita, ela
inicia quando o sujeito reflete sobre algo e este o motiva para a escrita. A reflexão é parte
fundamental na produção, visto que é ela quem desencadeia o processo produtivo.
Tal fato pode nos auxiliar a pensarmos nos porquês da prosa feminina ter sido
enquadrada no adjetivo que a qualifica como menor. O primeiro ponto que nos auxilia neste
entrave é o fato das escritoras não disporem do alento silencioso de um quarto próprio, como
nos lembra Wolf, no qual pudessem ousar debater sobre os mais diversos assuntos, sem que o
pai ou irmãos ficassem espreitando o que era manifesto pela pena feminina.
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Outro fator interessante que deve ser levado em conta quando falamos de escrita
feminina é que o mercado editorial sempre foi de domínio masculino, logo tudo que fugisse
do “gosto” deste não teria espaço nas tiragens editoriais. Ao debruçarmos sobre a história da
literatura, vemos que a ficção feminil foi sempre posta em subcategorias, que
automaticamente menor.
“... os autores não brotam espontaneamente de suas obras. Eles
precisam ser construídos, fabricados de acordo com regras específicas.
Precisam se situar dentro do espaço ocupado por outros autores,
disputar com eles as posições que estão disponíveis nesse espaço,
como os livros disputam os espaços de uma prateleira já abarrotada”
(COLONETTI, p. 8, 2014). (observe as normas para citação longa)
192
Margaret Eleanor "Peggy" Atwood é uma escritora canadense: romancista, poetisa, ensaísta e contista, que
foi reconhecida com inúmeros prêmios literários internacionais importantes. Envolveu-se no diálogo intelectual
feminino no Victoria College, na Universidade de Toronto, frequentemente retrata personagens femininas
dominadas pelo patriarcado em seus romances.
193
Sandra M. Gilbert (nascida em 27 dezembro de 1936, Nova York), professora emérita de Inglês na
Universidade da Califórnia. É uma influente crítica critica literária e poeta. Dedicou-se amplamente nos campos
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A junção entre o medo de visibilidade, juntamente com o mercado pouco favorável ao texto
lésbico, faz da internet um espaço privilegiado para a publicação da ficção feminina. A
medida que possibilita um tráfico pautado em uma exposição do fruto ficcional em caráter
imediato. Deste modo deixando à margem questões como aval de corpo editorial, por
exemplo.
As inovações no campo da informação, assim como no das comunicações possibilita uma
gama de alternativas para o artefato literário lésbico, visto que se mostram menos fixas no
195
tocante à “dominação simbólica” . Assim o acesso ao espaço dos blogs é realizado de
forma menos rígido. Segundo RIBEIRO, CERQUEIRA e CABECINHAS, 2008 “a questão
do acesso dos elementos femininos ao meio digital tem sido uma das prioridades de actores
políticos globais como a UNESCO, que consideram que se trata de uma ferramenta crucial
para o empoderamento das mulheres.”.
Quando o patriarcado usurpa o direito à fala, ele exerce o seu poder de dominação
mais eficaz. Percebemos, aqui, que não se trata apenas do “não poder falar”, mas também, da
não aceitação do discurso elaborado pelo feminino.
A possibilidade de narrar sobre a existência de verdades discordantes com as ditas pela
195
Pierre Bourdieu – Dominação Masculina.
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hegemonia social, faz do blog uma ferramenta de mais-valia. À medida que concede a
proliferação de percepções distintas.
Diana Klinger em “Escrita de si, escritas do outro: autoficção e etnografia na
narrativa latino-americana contemporânea” traz questões bastante frutíferas no tocante a
experiência da fala de si. O “retorno a o autor” é uma prática que vem se tornando recorrente
na literatura latino-americana hodierna.
Tomemos o conceito de autobiografia para Philippe Lejeume: “narrativa retrospectiva
em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história
individual, em particular a historia de sua personalidade”. Mais a frente ele fala que o que
distingui ficção de autobiografia é o pacto selado direta ou indiretamente que é estabelecido
entre o leitor o escritor. Visto que é do leitor que estabelece o sentir-se como o personagem
criado e assim ver-se representado ou não. Assim o que está em jogo são questões
relacionadas à referencialidade e à ficção.
Em pleno século XXI a mudez ainda faz parte do cotidiano feminino, derivado das
forças que o patriarcado exerce. Assim as mulheres continuam buscando meios de
exteriorização de suas questões. Desta ânsia pelo intento de visibilidade é que o uso das TCIs
– Tecnologias da Comunicação e Informação surgem como uma alternativa viável para
desempenhar tal função, posto que apresenta uma vasta e crescente difusão.
No tocante à disseminação do pensamento feminino pelas TCIs o blogue irrompe
como um dispositivo que versa sobre vasto grau de interatividade, fato que possibilita uma
plasticidade do que é produzido. Princípio este, que auxilia no processo de identificação entre
o leitor e o texto. À medida que o leitor deixa a passividade da leitura para integrar o corpo
escritor da obra. Podemos afirmar que existe espécie de fundição entre o papel do leitor e da
função do escritor.
O blog ABCLes196surge como um bom exemplo para análise de como o fenômeno
supracitado ocorre, ao passo que as leitoras deste dispõem de um contato quase que imediato
com as escritoras das histórias lidas. A partir do uso da ferramenta comentário, as leitoras
196
Nascido em 2008 como o primeiro portal de literatura lésbica da internet brasileira, o ABCLES atrai público
específico de mulheres interessadas em uma escrita feita especialmente para elas. Conta com histórias, colunas,
notícias do movimento LGBTT e divulgação de eventos culturais.
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interagem quase que em tempo real com as escritoras, podendo propor “ingredientes” para a
história, assim como auxiliar na reescrita ou até mesmo sugerir fins desejados para os textos.
Outro ponto de suma significância deste contato são os incentivos motivacionais que são
dados para as escritoras. O blog foi idealizado pela escritora e artista visual Danieli
Hautequest como um recanto para a divulgação de histórias voltadas para o público lésbico.
O blog é direcionado para toda e qualquer menina que queira publicar seu texto. Não
há corpo editorial ou qualquer tipo de pré-requisito para ter o texto colocado na grande rede.
O que proporciona uma propagação da essência subjetiva que compartilhada pela escrita de si.
Deste modo o blog pode ser entendido como uma nova forma de escrever sobre si.
Os diários eletrônicos representam uma chave de acesso para o mundo da escrita,
assim como para a representação das minorias, na medida em que viabiliza o acesso a voz, ao
direito de expressar-se, de construir um discurso sobre si sem que aja um intermediário no
processo. As mídias representam um forte aliado na propagação e formação de ideias, por isto
elas são tão representativas para as minorias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O homem ao longo do percurso histórico consagrou-se como o dotado do espaço “de
fora da casa” e a mulher “de dentro da casa”. Assim ao masculino coube a socialização em
ordem macro. Tal procedimento fez com que o homem desenvolvesse sua capacidade de
liderar os bandos, assim como a ampliação da sua habilidade argumentativa. O discurso marca
a organização do masculino ao longo da história.
A experiência feminina foi eviscerada por fatores de ordem simbólica, os quais influenciaram
na alienação da condição feminina. Poucas insurgiram contra esta condicionante e colocaram-
se em movimento contrário. Nadaram contra a maré social e se colocaram como geradoras de
seu próprio discurso, mesmo que este fosse visto como menor, à medida que era perpassado
por elementos de seu universo.
A literatura mostrou-se como um forte aliado do feminino na construção de um contra
discurso sobre a moral hegemônica, visto que ela propicia a formulação de uma imagem de si
a partir das experiências vividas pelo sujeito escritor. Escrever sobre quem são faz com que o
feminil alicerce sua construção simbólica sobre fortes vigas, fator desencadeador do processo
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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O cangaço é um fenômeno que gerou e gera muito interesse nas pessoas, enorme
curiosidade, como se cada um, mesmo sem nunca ter estudado o assunto tenha algo a falar,
quase sempre por “ouvir dizer”. Por meio desse processo são perpetuadas e difundidas muitas
imagens dos cangaceiros e das mulheres cangaceiras. Nesse contexto, as imagens elaboradas
em torno das mulheres cangaceiras foram enunciadas de maneira paradoxal, com divergência
nas caracterizações feitas, dentre outros, pelos estudiosos, cordelistas e imprensa. As práticas
e vivências da mulher no cangaço se configuraram como exceção às regras, e foram
enunciativas para as imagens elaboradas acerca da mulher cangaceira na historiografia e na
literatura de cordel, positivando-se social e culturalmente, mas, foram pouco analisadas de
modo sistemático na perspectiva que ora propomos: a de problematizar tais elaborações.
Trabalharemos com algumas escritas sobre Maria Gomes de Oliveira199, conhecida
na sua comunidade como Maria Déa,200 nascida no dia 08 de março de 1911, na fazenda
Malhada da Caiçara, município de Santa Brígida, no estado da Bahia e que entrou para a
história com o nome de Maria Bonita. A história de vida de Maria Bonita é pensada pelos
estudiosos do cangaço não só pelo viés de sua trajetória de cangaceira, mas antes mesmo de
sua entrada no cangaço, por isso seu casamento, sua vida familiar, os motivos que fizeram
197
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB. nadjaclaudino@yahoo.com.br
198
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB. rayanabenicio@yahoo.com.br
199
Foi a primeira mulher a integrar um bando de cangaceiros, sendo companheira de Lampião, de 1930 a 1938,
ano da morte dos dois.
200
Era chamada assim por conta do nome de sua mãe, que se chamava Déa. Então para diferenciá-la de outras
Marias chamavam-na de Maria de dona Déa, que foi abreviado para Maria Déa.
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dela a primeira mulher a entrar no bando de Lampião são bastante discutidos. Muitas são as
versões para uma mesma história, de modo que as imagens formuladas sobre a “Rainha do
Cangaço” também são diversificadas. Muitos se apropriam de sua história, escrevendo sobre
uma mulher cheia de virtudes ou, ao contrário, uma mulher leviana, usada para aplacar os
desejos “doentios” de um “sátiro” governado por “super-sexualismo” (PRATA, 2010), que
demonstra nessa sua fala repleta de preconceitos o que nos adverte Lins (1997, p. 129) “É
como se para o imaginário masculino a mulher não existisse como sujeito. Ela seria ou um
objeto de consumo ou algo a ser ingerido, “comido”, ou ainda um outro homem.” Por isso o
corpo de Maria Bonita é examinado, sua sexualidade é “exacerbada” sendo colocada em foco
na cena de sua vida, suas lutas e inquietudes são cobertas pelo manto do sexo soberano,
sempre falado e imaginado. “Entre seus emblemas, nossa sociedade carrega o do sexo que
fala. Do sexo que pode ser surpreendido e interrogado e que, contraído e volúvel ao mesmo
tempo, responde ininterruptamente” (Foucault, 2014, 85). O dispositivo da sexualidade de que
nos fala Foucault (2014), a vontade de verdade sobre o sexo, a curiosidade e repulsa que ele
causa, o silêncio eloquente dos discursos sexuais, o controle do sexo, dispositivo de poder
dotado de vários instrumentos de dominação e anulação dos seres. Principalmente dos seres
femininos.
Com a entrada das mulheres, o cangaço da sua função bélica passa a ter uma função
amorosa e erótica nos textos dos memorialistas, as mulheres se entregando ao sexo, “sexo
animalesco”, “impuro”, porém desejado. Esse novo imaginário sexual parece dar uma
dimensão mais rica de significados ao cangaço. Lampião emerge como guerreiro apaixonado,
Maria Bonita, um corpo a ser possuído, tanto na época em que viveu, pelos homens que a
desejavam, como agora por homens que sentados nas suas cadeiras, participando dos diversos
grupos de estudiosos do cangaço, se apropriam do sexo dessa mulher, atribuindo nos seus
textos o papel, o paradoxal papel, de santa ou puta. Como nos adverte Swain, os homens
percebem as mulheres principalmente pelos aspectos ligados à sexualidade. “[...] já que os
papeis atribuídos socialmente às mulheres passam pela sedução, casamento, procriação,
prostituição (Swain, 2008, p.287).
No cangaço o feminino se manifesta, ousa ao romper a tradição sertaneja,
memorialistas e cordelistas tentam através dos textos explicar essa participação feminina.
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Assim atentamos para o uso da imaginação desses autores, como lugar de definição e
construção de uma Maria Bonita “conhecida” por quase todos.
Para Castoriades (1986) a base de todo o pensamento se organiza em função da
imaginação e do imaginário. Por ser parte integrante da natureza humana, o imaginário é uma
dimensão significativa das sociedades. Castoriades (1986, p.192) afirma ainda que: “É
impossível compreender o que foi, o que é a história humana, fora da categoria do
imaginário”. Por isso, a questão central da investigação é a de problematizar as imagens que
os autores (re)produzem sobre Maria Bonita e de como, ao fazer isso, estão representando a si
mesmo e ao mundo em que vivem.
Segundo Teves (2002, p.64)
Enquanto sistema simbólico, o Imaginário Social reflete práticas sociais em que se
dialetizam processos de entendimento e de fabulação de crenças e ritualizações.
Produções de sentidos que consolidam na sociedade, permitindo a regulação de
comportamentos, de identificações, de distribuição de papéis sociais.
Assim percebemos que alguns estudiosos do cangaço, analisados nesse texto, trazem
à tona aspectos negativos sobre Maria Bonita, muitos outros saem em sua defesa. Em razão
disso, consideramos que, ao entrar na história, ela tem sua imagem controlada pela ideologia
de outros que lhe dão forma seja na historiografia, na memória ou no cordel.
Assim também não nos furtaremos de imaginar essa mulher. Pensando na
compreensão de Prost (1996, p. 244): “Entretanto, no mesmo instante, o historiador procura
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levar o leitor a se representar o objeto de seu estudo. Para isso, faz apelo à sua imaginação e
não somente a sua razão”. Percebendo que o imaginário é muito presente nessa história de
homens e mulheres que enquanto viviam na caatinga só eram representados pelo olhar de uma
elite “culta”, branca e litorânea, portanto, afastada por questões geográficas e intelectuais, do
sertão e dos cangaceiros. As lacunas dessa história são preenchidas com a imaginação dos
autores. Em artigo que condena as “mentiras” contadas sobre o cangaço um estudioso do tema
ligado a SBEC201 defende “As inverdades rondam o mundo do cangaço como se fossem
tatuagens impregnadas na epiderme da história, fatos imaginários são tidos como verdadeiros
e propagados com a velocidade do raio” (LIMA, 2010, p. 41).
Percebemos que esses autores geralmente procuram apreender o “real” sobre a vida
de Maria Bonita e condenam o imaginário a um estatuto de inverdade. Podemos notar nesses
discursos o que Foucault (2013) chamou de vontade de verdade, que se transforma em um
sistema de exclusão de outras histórias possíveis. Ao analisamos os discursos acerca da vida
de Maria Bonita não estaremos investigando quais são as elaborações “falsas” ou
“verdadeiras”. Pois como nos alerta Swain (1996, p.130),
A busca do real em história é nos dias atuais e a partir de uma certa perspectiva
teórica, uma tarefa inútil, pois a realidade do passado chega ao presente através de
uma série de meditações, a partir do próprio sujeito que interroga os sentidos na
vereda do tempo.
Portanto, analisamos como esses discursos falam sobre quem os escrevem, seus
enunciados, suas significações e as tramas discursivas e seus jogos de poder através do que
foi pensado por Foucault (2013, p.10). “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as
lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos
queremos apoderar”. Analisamos as lutas de poder entre os escritores, sejam memorialistas
ou cordelistas, que engendraram as imagens e os discursos sobre a cangaceira Maria Bonita
e as construções identitárias que estas imagens instituem no imaginário social.
Trazemos aqui alguns exemplos dessa escrita sobre meu objeto de pesquisa. Em
LIMA; MARQUES (Orgs.) (2010), os autores tratam a infância de Maria Bonita baseados na
201
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, com sede na cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte. A
SBEC tem estatutos, mas parece não se preocupar em fazer uma história sobre associação. Ainda não tive
contato com esses estatutos, mas pretendo perceber as normas de ingresso e de como a produção de livros é
pensada pelos sócios.
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imaginação, pensam dessa maneira uma Maria Bonita que nasceu inocente, não predestinada
a uma vida cheia de percalços como foi a sua, uma menina que teve inquietações, sonhos,
angústias e medos próprios da sua idade e do seu tempo. Tendo uma vida plena de sensações:
“Se feriu, nos tantos espinhos, filetes de sangue a manchar-lhe a pele, a pele morena, morena
tão bela. Sarou feridas, criou cicatrizes. Sentiu saudades, essas muito mais que todos”.
(LIMA, In: LIMA; MARQUES (Orgs), 2010, p. 46).
Maria Bonita, nessa elaboração, teria sentido dores (dores da alma, dores físicas) e
saudades maiores do que as outras pessoas. O autor confere, através de seu texto, uma
dimensão poética sobre os caminhos trilhados por ela no cangaço. Por mais que tenha se
ferido e sofrido mais que os outros, ela teve o gozo de poder sentir a natureza de forma mais
próxima. Surge assim uma mulher natureza, pronta a receber o cheiro e mesmo as agressões
da flora sertaneja, com seus espinhos que lhe machucavam a pele, que para o autor era uma
pele morena, bela, reforçando dessa forma mais uma vez a imagem de beleza excepcional que
é atribuída a nossa personagem.
Uma Maria Bonita pusilânime, cabeça de vento, vaidosa em demasia, é descrita pelo
memorialista Alcino Alves da Costa no seu livro Lampião Além da Versão, Mentiras e
Mistérios de Angicos (2011). Costa se refere à Maria Bonita enfocando a sua juventude,
“Matutinha atirada, cheia de dengos, bonitinha, malcriada, faceira, alegre e apetitosa”.
(COSTA, 2011, p. 125). Essas características para o autor já apontavam para Maria um
destino diferente das outras moças. Sua formosura e independência não eram apropriadas à
uma vida anônima. “Positivamente, aquela caboclinha não era mulher para fazer a vida e ir
para uma cama com um paradão e desconsolado como o sapateiro de Santa Brígida”.
(COSTA, 2011, p. 125) Assim, nos é mostrada uma mulher com a sexualidade a flor da pele,
uma sexualidade julgada inadequada para o matrimônio nos moldes de sua época. Ao mesmo
tempo, o autor fala do primeiro marido de Maria Bonita com desdém, descrevendo-o como
um homem, ou meio homem, fraco, não afeito a violências e a arroubos amorosos, sem
capacidade para a decisão. Já Maria, é perfilada por ele como toda mulher, a precisar de um
homem forte, encontrando no cangaceiro, chefe do bando mais importante a exacerbação da
masculinidade, dada pela violência do sexo muitas vezes praticado a força, como pela
violência de um punhal pronto para sangrar os inimigos. Assim aparecem a definição dos
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papeis sociais a serem desempenhados pelo masculino e pelo feminino. Homens valentes e
poderosos, mulheres belas e dóceis. Swain (2000, p.48) reflete sobre a delimitação dos papeis
sociais quando diz.
No cadinho das práticas sociais o “eu” se forja em peles, delimitando corpos
normatizados, identidades contidas em papéis definidores: mulher e homem, assim
fomos criados, por uma voz tão ilusória quanto real em seus efeitos de significação,
cujos desígnios se materializam nos contornos do humano.
Por isso, mesmo autor que traz à tona a suposta traição de Maria Bonita a Zé de
Nené, seu primeiro marido, tenta reabilitá-la quando diz que ao conhecer Lampião: “Maria se
tornou a extraordinária amiga, a grande companheira, a mulher que guardava o mais absoluto
respeito pelo seu amante (COSTA, 2011, p.126).”
Para ele com a entrada no cangaço Maria deixa de ser a mocinha frívola, a esposa
adúltera e passa a ser a amante companheira, confidente, dona do destino de seu homem,
mulher merecedora do título de Rainha do Cangaço. Além de fazer a antiga Maria Déa
renascer sob a figura apaixonada e respeitável de Maria Bonita, o autor dá uma dimensão
heroica ao amor dos dois, uma parceria pautada na confiança, pois um homem que vivia
escondendo-se dos inimigos, não poderia confiar sua vida a uma mulher como a antiga Maria
Déa, agora renascida no cangaço como Maria Bonita. Para Mello (2012) Maria Bonita era
uma parte do corpo de Lampião, ajudando-o com o peso da própria vida e das cargas que
levavam:
Como poderia ainda o Rei do Cangaço, por cima de tudo, quanto vimos, honrar o
lastro-ouro de sua fazenda real, da ordem de 5kg, costurado ou cravado por todo o
equipamento, o restante jazendo nos bornais – correntes, anéis, moedas, lapiseiras,
tabaqueiras, tesoura de aparar charuto, relógio de algibeira, botões de punho e de
colarinho, cacos de jóias, tudo no metal nobre, embora em quilates variados – sem
se valer do concurso confiável e da resistência jovem de Maria Bonita, a um
tempo mulher e escudeira exemplar de seu homem? (MELLO, 2012, p. 146,
grifo nosso)
Ela era a única pessoa no bando que poderia dominar Lampião, pois com sua
meiguice adoçava-lhe o espírito combativo. Assim, a bela Maria acalmava o valente Lampião:
Suas palavras e jeito doce eram cheios de ternura. “E, passando as mãos pelos seus cabelos,
alisava-os carinhosamente, pedindo calma” (COSTA, 2011, p.126).
Dessa forma o autor define o papel feminino e masculino. A mulher doce, incapaz do
arrebatamento da violência, com sua calma e talento para a paz conseguia pelo amor controlar
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os instintos violentos dos homens, sempre prontos para a guerra, mas também prontos para se
deixarem seduzir pelos encantos femininos. Essa imaginada “vocação amorosa” das mulheres
que encontrou expressão em Maria Bonita é descrita pelo autor quando ele diz: “Foi Maria
Bonita, sem dúvida, o maior símbolo do amor e dedicação em toda a história cangaceira.”
(Costa, 2011, p. 126). A bondade de Maria Bonita é muitas vezes enfatizada, além disso sua
falada beleza é valorizada.
Maria Bonita, mulher que entrou para a história carregando o adjetivo de bonita ao
nome Maria, nome feminino por excelência, nome da mãe de Cristo, nome da prostituta mais
famosa da história Maria, a Madalena, que depois se arrepende e vira santa, nome de muitas
mulheres brasileiras, sertanejas: Maria de Lourdes, de Fátima, da Paz, dos Anjos, Maria
Bonita. O bonita do nome remete a uma beleza alvo de muitos debates. Suas fotos são sempre
interrogadas, sua beleza é procurada, sendo encontrada por uns e rechaçada por outros. Os
questionamentos e as expectativas sobre a beleza de Maria Bonita não deixaram de existir
nem depois de sua morte. Seu corpo trucidado ficou em Angicos202 servindo de pasto para os
urubus. Porém as cabeças dos cangaceiros transportadas em latas de querosene peregrinaram
de cidade em cidade servindo como prova de que o bando de cangaceiros que aterrorizava o
Nordeste estava acabado. As pessoas ao verem a cabeça de Maria logo perguntavam olhando
suas feições já disformes pela morte: Se era mesmo bonita a Maria Bonita? Gruspan (2006,
p.315) nos fala disso ao descrever como os jornalistas narraram a curiosidade que a cabeça de
Maria Bonita despertou na população sertaneja. “Paradoxalmente todos os jornalistas
insistiram na beleza do rosto de Maria Bonita”.
A mulher de “Lampeão” não foi atingida por nenhuma bala no rosto, conservando
uma physionomia serena, mostrando ter sido, em vida, um bello typo de cabocla
nordestina, com as linhas do rosto perfeito, lábios finos e duros. Bonita ainda depois
da morte. Serena sem rictus.
E quando o público desfilava deante dos tropheos trágicos, muita gente se
emocionou, vendo a cabeça de Maria Bonita, a sertaneja que fizera de Lampeão um
heroe a seu modo, seu companheiro de 12 annos de tragédia através o sertão,
enfrentando soldados, vencendo a galope as caatingas incendiadas pelos
perseguidores. (MELLO, Apud, GRUSPAN, 2006, P. 315)
202
A Fazenda Angicos, localizada no sertão de Sergipe, foi o local onde Lampião, Maria Bonita e mais nove
cangaceiros foram executados pelas tropas da força volante do tenente João Bezerra e do sargento Aniceto
Rodrigues da Silva, na manhã do dia 27 de julho de 1938.
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Mas o que é a beleza? Porque é tão cobrada das mulheres? Wolf (1992) faz essas e
outras perguntas e nos diz que a propagada beleza feminina é mais uma forma de controle
social, aprisionando as mulheres no desejo de se fazerem belas e cobiçadas. Sendo uma das
causas do sofrimento feminino ao impedir a libertação das mulheres, presas fáceis das
cirurgias corretivas, das dietas mirabolantes, de condutas exigidas de forma acintosa por uma
sociedade marcada pelo culto a uma beleza que se modifica com o tempo, mas que quase
sempre impõe padrões inalcançáveis às mulheres. Maria Bonita em vida e depois de morta
sempre foi julgada a partir de sua beleza, assim também apareceram muitos discursos em que
ela é criticada duramente como uma mulher vulgar, sem rastros de formosura que não fosse
apenas admirada por um criminoso como Lampião.203
A beleza ou a falta dela é, muitas vezes, citada nos livros por alguns autores que
escrevem quase num arrebatamento de paixão sobre Maria Bonita. Araújo (2012) colheu
depoimentos de pessoas que conviveram com Maria Bonita, antes dela ser cangaceira e depois
de entrar no cangaço, para escrever Lampião as Mulheres e o Cangaço. Nesse livro, o maior
capítulo é o que fala sobre Maria Bonita e discute a sua aparência. O autor apresenta Maria
Bonita na idade em que conheceu Lampião, defendendo que “Teria ela nessa ocasião dezoito
anos, morena, cabelos pretos, rosto mais para o redondo, nariz proporcional e bem feito,
lábios cheios em boca de dentes perfeitos, pernas grossas. O traseiro batido segundo Balão”
(ARAUJO, 2012, p. 73). Como se deduz, nessa elaboração, Maria Bonita possuía todos os
atrativos desejados pelo autor para seduzir o Rei do Cangaço, sua aparência resplandecia
beleza, feminilidade e juventude necessárias para fazer Lampião quebrar as regras tácitas de
não aceitar mulheres no cangaço. Pois, “O mito da beleza tem uma história a contar. A
qualidade chamada “beleza” existe de forma objetiva e universal. As mulheres devem querer
encarná-la, e os homens devem querer possuir mulheres que a encarnem” (WOLF,1992,
p.15). Nos discursos, tudo leva a crer que no imaginário sertanejo um homem como Lampião,
poderoso e rico, não iria escolher para si uma mulher que não fosse a mais bela entre as belas.
Desse imaginário da beleza da mulher de Lampião surgiu o nome - Maria Bonita -204, que foi
203
Ver GÓIS, Apud, LINS, 1997, p. 58.
204
Até hoje não se chegou a um consenso de como (tenha surgido) surgiu o nome Maria Bonita. Sabe-se pelos
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propagado dentro das volantes, mais para o final do cangaço. Porém, nem todas as opiniões
sobre as cangaceiras são no sentido de dignificá-las. Maria Bonita, por exemplo, foi também
agredida por meio de textos. Joaquim Gois, que diz tê-la conhecido pessoalmente, fala de
Maria Bonita de forma agressiva e preconceituosa, tirando dela qualquer qualidade. Mesmo
quando é para desmistificar, Maria Bonita não é tratada com indiferença, até seus inimigos se
sentem fascinados de alguma maneira por ela. É descrita por alguns como uma cabocla sem
atrativos, de peitos caídos, sem graça, feminilidade e ternura “próprias” da mulher. Eram
muitas vezes vistas como mulheres brutais, feras humanas, ainda mais marginalizadas do que
os homens. A mulher cangaceira também foi odiada nos textos:
(...) ao tentar descrever a “sociologia” das mulheres no cangaço, certos autores vão
vomitar seus próprios demônios, acordar seus medos infantis, numa narração que
confirma um etnocentrismo radical e a fobia à mulher como corpo e sexo perigoso,
néctar misturado ao veneno. (LINS, 1997, p.194).
Por tudo que foi exposto, acreditamos que as imagens e os discursos formados em
torno de Maria Bonita acabam engendrando lutas de poder entre os autores estudiosos do
cangaço. Os textos fazem nosso objeto de estudo refém das elaborações masculinas sobre a
feminilidade. Maria Bonita, não deu entrevista, nunca foi ouvida por jornalistas, não deixou
escritos, mas esse silêncio foi se fazendo espaço propício para que memorialistas, jornalistas,
cordelista formulassem a Maria Bonita que atendesse a seus interesses, reforçando imagens
ideias do feminino e das relações amorosas entre homens e mulheres, criando assim um
romance para o cangaço, romance protagonizado por uma mulher capaz de sacrifícios pelo
amor, e por um homem encantado por uma beleza incomum que o fez abrir as portas do
cangaço para essa mulher, assim são silenciadas a vontade de participar de uma luta, a fuga
de uma vida de dificuldades, a vontade de liberdade e um protagonismo feminino na vida
cangaceira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Antônio Amaury Correia de. Lampião, As Mulheres e o cangaço. São Paulo:
testemunhos de ex-cangaceiros que a (mulher de Lampião) não era tratada por esse nome dentro do grupo.
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302.
TEVES, Nilda. Imaginário social, identidade e memória. In: FERREIRA, Lúcia M. A. e
ORRICO, Evelyn G. D. Linguagem Identidade e Memória Social. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres.
Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
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205
Comunicador Social e estudante de Letras-Português na Universidade Estadual do Ceará (UECE).
E-mail: moreirafalcaoneto@gmail.com
206
Estudante de Letras com habilitação em licenciatura de português – Universidade Estadual do Ceará (UECE)
E-mail: llimairacema@gmail.com
207
Professora Mestra orientadora do trabalho
E-mail: sayurigmb@gmail.com
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A editora do casal Woolf, de acordo com Arantes (1989), pretendeu publicar Ulisses,
de James Joyce, quando receberam a obra inacabada em 1918, mas, a prensa da Hogarth era
muito pequena. A obra só foi impressa quatro anos mais tarde, em Paris. Sobre Joyce, nos
conta Virgínia, em seu diário, no dia 20 de setembro de 1920:
[...] Joyce mostra o interior. Seu romance Ulisses apresenta a vida de um homem em
16 circunstâncias, todas ocorridas (acho eu) em um dia. Isso, até onde pôde
perceber, é extremamente brilhante, diz ele. Talvez tentemos publicá-lo. [...] Joyce,
como homem, não tem importância, usa lentes grossíssimas, parece-me um pouco
com [Bernard] Shaw, enfadonho, egocêntrico, & perfeitamente seguro de si. [...]
(WOOLF, 1989, p.69)
Na escrita de Virgínia, percebemos que ela, assim como afirmou sobre Joyce, também
busca mostrar o interior. Em Mrs. Dalloway (1925), a escritora nos apresenta um dia de uma
mulher comum que decide ir comprar flores, mas, a ação narrada não se detém aos
acontecimentos externos, como podemos ver:
Chegara aos portões do Parque. Deteve-se um momento, olhando os ônibus de
Piccadilly.
Não, agora nunca mais diria, de ninguém neste mundo, que eram isto ou aquilo.
Sentia-se muito jovem; e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. Passava como
uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo ficava de fora, olhando. Tinha a
perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio
do mar; sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse.
[...] (WOOLF, 1980, p. 12).
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empenhado em ser poético; &, assim, livrou-se de seu gênio mau do falso romântico
& do falso imaginativo. (idem, 1989, p. 35)
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[...] Estarei condenada todos os dias a escrever cartas, a enviar vozes que caem sobre
a mesa do chá, fenecem nos corredores, marcando encontros para jantar, enquanto a
vida vai se encolhendo? Ainda assim, porém, as cartas são veneráveis; e o telefone
necessário, pois a jornada é solitária e, se estamos vinculados por bilhetes e
telefonemas, andamos acompanhados – quem sabe? -, talvez possamos conversar no
caminho. (idem, 2008, p. 131)
Compartilhar o mundo comum com o outro para se construir como sujeito. O estar em
sociedade e a representação de si, de acordo com as convenções do tempo do qual faz parte,
surgem como elementos mobilizadores do sujeito criado nas narrativas de Woolf. Em
Orlando (1928), o papel social de cada gênero e a constituição das subjetividades humanas
surgem em primeiro plano. No ensaio Um teto todo seu (1929), ao falar sobre a obra de
escritoras, Virgínia questiona-se sobre o que teria acontecido se Shakespeare tivesse uma irmã
semelhante a ele, até mesmo fisicamente, chamada Judith. Forçada a casar, a moça fugiria de
casa e tentaria ser atriz, porém, não poderia receber instrução para o ofício e teria como
destino:
[...] Finalmente — pois era muito jovem e tinha o rosto singularmente parecido com
o do poeta Shakespeare, com os mesmos olhos cinzentos e sobrancelhas arqueadas
—, finalmente, o empresário Nick Greene compadeceu-se dela. Judith viu-se grávida
desse cavalheiro e então — quem pode medir o fogo e a violência do coração do
poeta quando capturado e enredado num corpo de mulher? — matou- se numa noite
de inverno, e está enterrada em alguma encruzilhada onde agora param os ônibus em
frente ao Elephant and Castle. (WOOLF, 1985, p.61)
A narrativa de Orlando nos sugere pontos de partida tais como: se um dia eu acordasse
como mulher, como eu seria? (se pensarmos com o olhar do macho, temeroso em perder seus
privilégios de gênero) ou, como eu seria, se um dia eu tivesse vivido como homem? (se
partirmos do olhar da mulher, questionadora dos papéis sociais que lhes são impostos). À
medida que o meio e a personagem se modificam, a narração se transforma e o exercício de
escrita e a reflexão sobre o método narrativo se revelam ao leitor. As problemáticas da
comunicação e da constituição da personalidade surgem como articuladoras da narrativa.
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do tempo concorresse para disfarçá-lo – estava atacando a cabeça de um mouro, que pendia
das vigas.” (WOOLF, 1978). A personagem é privilegiada: homem, nobre e belo. Sua
identidade se forma em perfeita harmonia com o meio. O mundo está a seu dispor a espera de
ser conquistado.
A personagem narrador surge com o que Proença (1992) nomeia como uma “visão
por trás”, conta sobre o observável e o documentado, busca agregar uma áurea de objetividade
às ações narradas. Como biógrafo, o narrador busca apenas os fatos e diz detestar “o tumulto e
confusão de paixões e emoções” (WOOLF, 1978). O seu compromisso é com a reconstrução
das ações exteriores e com a defesa da verdade, mas confessa a impossibilidade da sua tarefa:
“uma coisa é o verde na natureza; outra coisa na literatura. Entre a natureza e as letras parece
haver uma natural antipatia; basta juntá-las para que se estraçalhem” (idem). A limitação do
signo linguístico aparece como um empecilho à captura da realidade. Com linguagem poética,
o narrador persiste na busca da reprodução da verdade, a se contradizer e a criar aspecto
irônico ao discurso de imparcialidade que defende.
A vida de Orlando, como um script, segue o socialmente esperado. Orlando pensa e
ama como um homem deve pensar e amar. Constrói-se socialmente de forma admirável e
respeitável, como um homem de bem, até que um dia: “Espreguiçou-se. Levantou-se. Ficou
de pé, completamente despido na nossa frente, enquanto as trombetas rugiam ‘Verdade!
Verdade! Verdade!’ E não podemos deixar de confessar: era mulher” (ibidem). Orlando
acordou com o sexo feminino, sem nenhuma ação que justificasse a transformação. A
personagem não estranha a mudança do seu corpo, nada se altera na sua identidade. Orlando
continua a ser Orlando, mas a partir desse momento, ao se referir à personagem, o narrador
não usará os signos ele/o, mas ela/a. O signo muda, mas o referente (Orlando) não.
A imagem acústica se modifica, o conceito do que é ele passa a ser ela, o signo é
arbitrário, uma convenção social. O que também podemos compreender sobre o gênero
sexual. Portanto, demonstra a limitação do signo, conforme estudos de Saussure (2002). “Ele
considera ainda que o laço que une o significante é arbitrário, convencional e imotivado, quer
dizer, esse sistema que é a língua é formado de unidades abstratas e convencionais.”
(ORLANDI, 1992).
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Orlando inicia sua vida como mulher com um grupo de ciganos, em busca de
liberdade. Nesse contexto, a personagem se depara com seus preconceitos e as contradições
provenientes de se viver em sociedade. “Orlando, vendo o poente arder sobre os montes da
Tessália, exclamou: - Que bom para comer! - Os ciganos não possuem expressão para bonito.
Essa é a mais aproximada. Todos os jovens explodiram em gargalhadas. [...]” (WOOLF,
1978). Na página seguinte, o narrador prossegue:
(Pois é curioso que, embora as criaturas humanas disponham de tão imperfeitos
meios de comunicação que só podem dizer “bom para comer” quando querem dizer
“bonito”, e vice-versa, prefiram suportar o ridículo e incompreensão a guardar só
para si qualquer experiência). (idem, p. 80)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A palavra na literatura não reproduz sentido, mas os cria. O discurso literário não é a
reconstrução de uma conjuntura social, muito menos o espelho social, porém, é arena onde
discursos, dialogicamente construídos, se ordenam em um concerto de imagens e sons
polifônicos. Em Orlando, a autora não propõe uma teoria ou elabora um panfleto em defesa
de ideologias, mas questiona-se sobre o que nos faz humanos, o que significa as diferenças
convencionalmente estabelecidas em torno dos grupos humanos.
O diálogo constitui o romance moderno. O homem e o seu perpétuo embate dialógico
com o mundo comum que compartilha são os argumentos literários que articulam a
construção do romance. Virgínia sintoniza o humano, reflete sobre a dificuldade de se por em
comunicação com o mundo e a necessidade humana de comunicar-se com ele.
Contemporaneamente, possuímos caminhos teóricos que nos auxiliam a interpretar
Orlando, justificá-lo e associá-lo a diversas problemáticas sociais. Alguns anos após a
publicação da obra de Woolf, Simone de Beauvoir afirmou: “ninguém nasce mulher: torna-se
mulher” (BEAUVOIR, 1980). Plurais são as teorias sobre identidade, gênero e sexualidade.
Termos surgiram para nos auxiliar a compreender a pluralidade própria a humanidade:
cisgêneros, transgêros, pós-gêneros, entre outros. Mas Orlando não faz teoria, a obra, como
discurso literário, preocupa-se com o humano e, consequentemente, com a pluralidade
proveniente das angústias de se ter consciência da própria existência e individualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980.
DAFERNNER, Sílvia. Do romantismo burguês ao expressionismo. In: Academus Revista
Eletrônica da FIA. Vol IV, 68-79, 2008.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martin Fontes, 1990.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1992.
PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 1992.
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Em 1937, Walt Disney lançava o seu primeiro filme intitulado “Branca de Neve e os
Sete Anões”, narrando a história de uma moça que era tida como a mais bela de todo reino,
despertando a ira de uma rainha má, o carinho e zelo de sete pequenos homens e a paixão de
um príncipe encantado que a salvaria de um terrível feitiço. Esta história não é original dos
estúdios Disney, mas sua repercussão se sobrepõe a de qualquer outra recriação da história –
cativando crianças e adultos através das gerações, principalmente as meninas.
Ao mesmo tempo, influenciadas pelos ideais do século XIX, ganhava força no século
vinte o Movimento Feminista, que se dividia, na década anterior ao lançamento do filme, em
duas grandes vertentes: Feminismo Liberal e Feminismo Socialista. Não só isso, eclodiam em
diversos países o direito feminino ao voto. Em tempos modernos, solidificava-se o
feminismo: “Foi, pois, na modernidade, que se consolidou o processo de organização das
mulheres, passando o feminismo a integrar a perspectiva de mudança, que envolveu a
emancipação dos indivíduos das formas tradicionais de vida social” (Guimarães, 2002). Não
só isso, o discurso e os estudos feministas voltam-se para a tese de que a subordinação da
mulher e o ideal feminino serão nada além de uma construção social210 que, por sua vez,
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Graduanda em História na Universidade Federal de Pernambuco.
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Graduanda em História na Universidade Federal de Pernambuco.
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De acordo com a definição de Joan Scott, gênero é “um elemento constitutivo de relações sociais baseadas
nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de
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comida para os homens que foram trabalhar. É intrigante que ao invés de esta procurando
táticas para se defender da Rainha, Branca passa seus dias arrumando e cozinhando. A
questão do patriarcado aparece de forma muito sutil quando ele está perfeitamente alojado no
psicológico – a arte é um reflexo da sociedade e vice-versa.
Outros pontos muito bem observados é, justamente, alguns detalhes da trama da Bela
Adormecida. Uma jovem, que ao nascer é amaldiçoada por Malévola, que a condena a morte
aos 16 anos, quando espetar seu dedo numa roca de tear. Além do fato do príncipe vir a salvá-
la – igual como aconteceu com a Branca de Neve. Logo no início do filme, enquanto que o
narrador introduz a história do reino de Aurora, ele fala o nome do seu pai – Rei Estevão –
mas em nenhum momento fala o nome da sua mãe, que aparece somente no início do filme e
é referida como “esposa do Rei Estevão” ou “a rainha”. Até o final do filme, o nome da mãe
de Aurora não é revelado. Conforme se desenrola a animação, o narrador nos conta que desde
o nascimento a princesa já estaria de casamento marcado com o príncipe Filipe, que é uma
criança, para selar a aliança entre os dois reis amigos - Estevão e Humberto. Denunciando um
hábito claramente arcaico, mas que, na época que o filme foi lançado, ainda era recorrente em
alguns lugares do mundo.
Aurora recebeu o dom da beleza (reforçando o padrão de beleza elaborado por estes
longas), o dom de cantar e, se é que pode ser considerado um dom ou benção: ela no lugar de
morrer, adormecerá profundamente, e apenas um beijo a despertará. É inevitável questionar o
porque de a colocarem como o elemento passivo, ao invés dela mesma buscar sua salvação.
As três fadas que cuidaram de Aurora possuíam poderes suficientes para criar uma
espada que ajudou o príncipe a sair da prisão eterna e matar a vilã, sem a ajuda delas, ele seria
facilmente assassinado, mas mesmo assim quem leva todo o crédito é o príncipe. As fadas
sequer foram mencionadas como salvadoras ou ajudantes – fatos como estes reforçam a ideia
do protagonismo masculino nestas tramas, e da necessidade de um homem para tomar a frente
de tudo ainda que, como no filme, seja favorecido pela ajuda de mulheres.
No que se refere a história de Cinderela, a trama em pouco se diferencia: Uma moça
bondosa (magra, branca e loira) mora com sua madrasta e suas meia-irmãs, tratando-a como
uma empregada doméstica que faz todos os serviços e dorme no sótão, enquanto que as outras
vivem confortáveis. Como se não bastasse, mesmo sempre cheia de afazeres domésticos e
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com roupas maltrapilhas, sempre foi mais bonita do que suas irmãs (novamente, o elemento
inveja entre mulheres se torna recorrente, o que sugere uma rivalidade feminina a partir dos
padrões de beleza). Ao ser impedida diversas vezes de ir ao baile (cujo o critério para o
convite era ser mulher e ser solteira, lançando-se como candidata a um príncipe que nunca
conhecera), ela chora copiosamente até que sua fada madrinha aparece e lhe concede a
oportunidade de ir à esta festa, dando-lhe uma carruagem, cavalos e um vestido através de um
feitiço que seria quebrado na última badalada à meia noite. A história se desenrola, e a
princesa foge antes da última badalada e deixa seu sapatinho de cristal.
O príncipe, apaixonado, usa o sapatinho para encontrar a sua amada com quem dançou
uma única noite. Depois da busca incessante, acha-a e casa-se com ela. Seria repetitivo citar
todas as críticas que se faz a este filme, já que elas se repetem nas tramas anteriores: uma
mulher bonita se apaixona (em uma única noite) perdidamente pelo príncipe que mal conhece.
Doméstica, doce e manipulável, como todas as outras. Que outro estereótipo temos, além do
que torna a mulher como um elemento desprovido de reações que fujam aos limites da tristeza
(em relação ao príncipe ou as vilãs) ou da paixão por um homem desconhecido? Sem falar
que, sem exceção, em todas as histórias o contraponto se estrutura em vilãs. Questiona-se o
motivo de não haver um vilão, como se fosse impossível que um homem invejasse o outro.
Nesse recorte temporal, não temos homem algum disputando pelo amor de uma princesa, mas
o contrário.
B) 1989-1992: A PEQUENA SEREIA, A BELA E A FERA E ALLADIN.
Neste núcleo, a presença do príncipe prevalece, apenas com a exceção de Aladdin, que
era um ladrão (de boa índole). No entanto, ao contrário do núcleo anterior, nestas tramas as
princesas em questão já possuem características, ainda que sutis, que não se encontra nas
outras. Tanto Ariel, quanto Jasmine e Bela apresentam um certo espírito aventureiro e uma
considerável curiosidade, diferente das outras. Mas as críticas ao estereótipo feminino, aqui,
ainda permanece: todos os filmes terminam com o casamento.
Ariel, filha do rei Tritão, é uma sereia que se apaixona por um príncipe ao salvá-lo de
um naufrágio, trocando sua voz por um par de pernas com a bruxa do mar, Úrsula. Tritão é
um rei, pai, homem, que protege sua filha a todo custo e a priva de todos os contatos com o
mundo fora d'água: No ideal machista seria apenas de uma atitude bonita e cuidadosa de um
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pai, mas aqui há justamente a privação de informações pelo fato de se tratar de uma menina
aparentemente frágil e manipulável, mesmo com toda a sua audácia para aventuras. Assim, a
contra gosto do pai, Ariel se aventura pelo mar e pelo mundo humano. O príncipe só
lembrando-se da voz de sua salvadora, incapaz de se lembrar de seu rosto, chega a quase se
casar com Úrsula por esta ter roubado a voz de Ariel – sugere-se aqui a objetificação de uma
mulher, da exploração de apenas uma, de suas inúmeras qualidades, sem falar no fato de que,
novamente, a rivalidade feminina reaparece neste longa – Úrsula, uma bruxa tão poderosa
quanto Tritão, sente inveja de Ariel única e exclusivamente por conta de sua beleza e voz.
Observa-se que além de feia, Úrsula é gorda, fortalecendo o padrão de magreza.
A Bela e a Fera tem uma questão mais do que interessante, quando se analisa o grau da
gravidade do caso. A Bela se apaixona pela criatura que prendeu seu pai e que em seguida a
capturou em troca da liberdade deste. É verdade que o filme gira em torno da moral de que
“deve-se amar as pessoas não pelo que aparentam externamente, mas internamente”, no
entanto esse ideal esconde uma situação absurda. E Bela, apesar de gostar de ler e ser
corajosa, ainda é submissa. Recusou-se a casar com Gaston, e levou um certo tempo para
conhecer a fera, mas mesmo assim ela permanece enclausurada no arquétipo da feminilidade
exacerbada e falta de reações violentas. Diante da maldição da fera, é questionável o fato de
que apenas com Bela, ele conseguiu criar laços afetivos, mas com seus criados que viveram
com ele por anos, nenhum vínculo fora criado. Era preciso que a fera aprendesse a amar para
quebrar a maldição, mas ele não pôde amar sua família ou amigos, precisou amar uma
mulher. Aqui ainda está muito atrelada que a ideia de amor verdadeiro é unicamente o amor
que leva ao matrimonio, amor entre pessoas que não tenham qualquer linha de parentesco.
Apesar de ser Bela quem quebra o feitiço da Fera, eles acabam se casando e “vivendo felizes
para sempre”, caindo nessa obrigatoriedade do matrimonio e da felicidade inacabável.
No caso da animação Aladdin, é a primeira vez dentre os filmes citados em que a
princesa não é a personagem principal, mas suas aparições no filme também são
questionáveis. Apesar de recusar-se casar com seu pretendente, Ali (que era Aladdin
disfarçado de príncipe, retomando a ideia de que o príncipe era um ser honrado), ela acaba se
contradizendo ao mudar de ideia quando descobre a verdade sobre o rapaz. Novamente, trata-
se de um rapaz que mal conhece, e que, ainda por cima, mente sobre sua identidade, algo que
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lutar. No entanto, o que mais surpreende é o fim, pois vemos um final feliz, sem sombra de
dúvidas, mas o casal não fica junto. Tanto o pai quanto Smith deixam-na livre para fazer sua
escolha, e ela escolhe recusar o convite de Smith para ir à Londres para ficar com seu povo. E
assim, o final termina diferente do imaginário de que para ser feliz, é preciso encontrar o amor
da sua vida e que fiquem juntos para sempre, algo problemático. Pelo fato das pessoas serem
constantemente cobradas para que encontrem a pessoa ideal sem se equivocar, sendo essa
exigência colocada por Alexandra Kollontai (1978. p.27) como uma das consequências do
matrimônio, devido ao seu caráter indissolúvel, a parte que mais sofre com a cobrança é a
mulher, que ao errar em sua escolha, tem seus sentimentos ignorados e é atacada
impiedosamente pela sociedade.
1998-2010: MULAN, A PRINCESA E O SAPO E ENROLADOS
A partir desse grupo, presenciamos uma intensa desconstrução de gênero e a
diminuição gradual da presença e da importância do príncipe na trama. Começando por
Mulan (1998), temos uma referência clara de uma mulher que não se enquadra nos padrões de
feminilidade, pois ao se encontrar com a casamenteira, é logo repreendida por falar sem
permissão e por ser magra demais, logo, não seria boa para ter filhos. Foi preciso que ela
anotasse em seu antebraço os "deveres de uma boa esposa" para responder à casamenteira e
esse encontro terminou com a sentença de que ela jamais traria honra à sua família. Esse
veredito a entristece e é perceptível na canção "Reflexo", onde canta sua tristeza por não saber
quem é.
De acordo com Butler (1987, 143), "as constrições sociais sobre a conformidade e
desvio de gênero são tão grandes que a maioria das pessoas se sente profundamente ferida se
lhes dizem que exercem sua masculinidade ou feminilidade inadequadamente". Mulan mostra
sua coragem ao cortar o cabelo e vestir a armadura de seu pai para se unir ao exército
imperial, causando assim uma ruptura com as características femininas. No exército ela
aprende a lutar e se destaca mesmo não sendo muito forte, e aos poucos vai aprendendo a "ser
um homem" através das maneiras de falar e de agir, visando não ser descoberta.
O filme A princesa e o sapo (2009) traz sua primeira protagonista negra e de classe
social baixa, que tem como grande sonho abrir um restaurante, sonho este que foi construído
com seu falecido pai, e para isso ela trabalha bastante para conseguir o dinheiro, pois sabe que
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apenas ele pode conseguir, não fica esperando a oportunidade aparecer. E essa determinação
de Tiana está clara na música "Quase lá", em especial quando diz: O meu pai me disse um dia
/ Tudo pode acontecer/ Ver o sonho realizado/ Só depende de você.
Assim como Tiana, Rapunzel de Enrolados (2010) também é determinada em realizar
seus sonhos. Rapunzel sonha em ver as "luzes flutuantes" e faz com que Flynn Rider, um
criminoso procurado, seja seu guia. O motivo que os levou a começarem uma jornada juntos,
foi por Rapunzel ter escondido a tiara da princesa perdida que Flynn havia roubado.
Perto do fim, é revelado que a princesa perdida é Rapunzel e que havia sido
sequestrada pela mulher que acreditava ser sua mãe. O final é inquietante porque Flynn acaba
morrendo ao cortar o longo cabelo de Rapunzel para impedi-la de curá-lo e para ela ser
finalmente livre, todavia, o vestígio de magia presente nas lágrimas de Rapunzel o salva.
Vemos novamente a ideia do príncipe salvador desconstruída como aconteceu com Mulan,
que salva Chang de uma avalanche, e com Tiana, que com seu beijo acaba com a magia que
transformara ela e Naveen em sapos.
Nos três enredos percebemos a presença constante do príncipe, e o sentimento
amoroso vai sendo criado no decorrer do longa, com ambos conhecendo melhor os defeitos e
qualidades do outro.
2012-2013: VALENTE E FROZEN
O quinto e último núcleo é o das princesas que não sonham com o casamento e nem
terminam com um par no fim. Não há a presença do príncipe e a ausência deste não afeta a
narrativa, pois o foco não é ele nem a relação dele com a princesa. Em Valente (2012), a
história gira em torno da relação entre Merida e sua mãe, Eleanor, e em Frozen (2013) a
relação fraterna entre Elsa e Anna é o foco da trama.
Em Valente, temos a figura feminina como empecilho para a felicidade da princesa, no
entanto, Eleanor não é má, ela tem apenas a visão de mundo ultrapassada, mas não é por isso
que deixa de querer a felicidade da filha. E é essa relação conturbada entre mãe e filha que o
filme procura explorar, trazendo para o debate a questão de serem pessoas diferentes com
pensamentos e vivências diferentes, e que superam as dificuldades devido ao amor que
sentem. Em Valente vemos a presença masculina praticamente anulada, e o poder que a
rainha possui é claramente maior do que o do rei, sendo demonstrado Eleanor tomando a
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frente de diversas situações e repreendendo o marido e os outros homens por certas atitudes.
Já em Frozen temos a presença de uma princesa e uma rainha, e a dicotomia entre as
duas. Enquanto Anna é uma garota sonhadora que espera encontrar o príncipe encantado,
Elsa é realista, e quando Anna lhe apresenta Hans, seu noivo, ela logo a repreende dizendo
que ela não poderia se casar com alguém que acabara de conhecer, situação clássica nos
enredos das primeiras princesas. O filme começa descontruindo a toda uma cultura de
princesas a partir desse ponto, e quando Anna precisando de um ato de amor verdadeiro para
se salvar tem que escolher entre Kristoff e a irmã, acaba se transformando em uma estátua de
gelo ao proteger Elsa da espada de Hans. Contudo, seu sacrifício foi o maior ato de amor, e
assim o feitiço foi quebrado, surpreendendo aos telespectadores que esperavam que o beijo de
Kristoff a salvasse. Dessa forma, foram as próprias irmãs que salvaram elas mesmas e o reino,
não um príncipe encantando que salva a todos em quinze minutos de aparição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os filmes infantis não funcionam apenas como entretenimento para crianças e adultos,
eles também agem como doutrinadores e passam através dos enredos, das personalidades das
personagens e das músicas, mensagens que são facilmente assimiladas, especialmente pelas
crianças. Até a nova geração de princesas, começada por Jasmine e Pocahontas aparecer, o
ideal de beleza que se tinha era apenas o padrão branco, e mesmo assim, das doze princesas
analisadas apenas três não são brancas, e até Merida não vemos nenhuma com o cabelo
cacheado. O que mostra que o avanço foi lento, todavia, o ano de 2016 traz grandes
promessas com a estreia de Moema, a mais nova princesa da franquia. Moema é filipina,
negra, cacheada e não possui o corpo magérrimo das princesas anteriores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENA, Michele Escoura. Girando entre as princesas: performance e contornos de
gênero em uma etnografia com crianças. Dissertação. São Paulo, 2012.
BUTLER, Judith. Variações sobre sexo e gênero: Beauvoir, Wittig e Foucault. BENHABIB,
Seyla; CORNELL, Drucilla (coord.). Feminismo como crítica da modernidade. Ed. Rosa
dos tempo, Rio de janeiro, 1987, p. 139 - 154.
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Estudante de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, membro do
GECC- Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Currículos e Culturas da mesma universidade e bolsista de Iniciação
Cientifica do CNPq. claudianealmeidai@hotmail.com
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Os significados que são atribuídos e que caracterizam cada gênero são quase sempre
distintos e opostos. Estudos realizados por Michele Perrot (2005) mostraram que,
historicamente, os homens são incentivados a ocuparem o espaço público, enquanto as
mulheres são limitadas ao espaço privado. Desse modo, percebe-se que os significados que
compõem a representação de gênero, atribui ao masculino ser forte, valente, viril, destemido,
corajoso, entre outros. Ao feminino é atribuído significados distintos opondo ao masculino,
como: fracas, sensíveis, meigas, carinhosas, obedientes, frágeis, ou seja, “nascidas para o lar”.
Nesse trabalho, são analisadas e discutidas as representações de gênero de três
professoras que atuam nos três primeiros anos do Ensino Fundamental de uma escola pública
do município de Ribeirão das Neves no estado de Minas Gerais. A escolha em analisar as
representações de gênero dessas professoras foi impulsionada por observações que realizei
nessa escola como bolsista de iniciação cientifica, vinculada à pesquisa: “Currículo, diferença
e relações de gênero: modos de subjetivação na alfabetização de crianças”, coordenada pela
professora orientadora Marlucy Alves Paraíso. Nessas observações, notamos que as
professoras fazem diversas e distintas divisões e separações entre as crianças. Em muitos
momentos, essas divisões são realizadas tendo como referência o sexo das crianças, como: as
filas que são separadas entre meninos e meninas, os grupos de trabalhos em sala onde são
grupos formados por meninas e por meninos, algumas atividades que são diferentes para
meninos e para meninas, os brinquedos são colocados para meninos e para meninas, os
espaços onde as crianças irão praticar a Educação Física. Nota-se que com isso, essas divisões
e distinções contribuem na produção de um ensino generificado entre essas crianças.
Muito além de aprenderem os saberes escolares, as crianças, também aprendem na
escola a serem meninos e meninas. Em meio aos conteúdos, materiais didáticos, livros
literários, brinquedos e brincadeiras, jogos, entre outros, “operam diversas pedagogias que
definem como as crianças devem se comportar de acordo com o gênero”(SANTOS, 2011 p.
52.). Assim como em outras instituições, na escola, práticas que regulam modos adequados de
ser menina e menino são impostas às crianças. Professores/as, funcionários/as, diretores/as e
outros/as possuem representações, e estabelecem características, comportamentos, condutas e
qualidades adequadas para cada gênero. E essas representações produzem efeitos no processo
de subjetivação e na constituição das identidades das crianças.
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logo pode deduzir qual será a de um menino. Conforme podemos ver na fala de uma das
professoras:
Eu acho a menina mais organizada, mais dedicada, mais comprometida,
participativas, os homens não são de falar, dá impressão que eles não envolvem com
os temas. As meninas não, só para ter uma idéia, nesse projeto da copa, as meninas
todos os dias queriam coisas novas, vamos fazer isso, vamos fazer... E os homens
estavam longe, o negocio deles era só perguntar se tinha bola, eu acho que as
meninas têm mais questionamentos, eu acho que elas se envolvem mais com as
coisas, e eu instigo muito também, eu acho que elas querem mais, aqui nessa sala
quanto de manhã também. (Fragmento de fala da professora 2, gravado no dia 09 de
junho 2014).
estão alfabetizados, que participam da aula, que dedicam, que tem força, dedicação
mesmo! Tem uns e outros que estão se esforçando, mas, é questão da idade também,
tem meninos aqui com cinco anos, não estão com aquela maturidade.. (Fragmento
de fala da professora 2, gravado no dia 09 de junho 2014).
Por conseqüência, as professoras consideram ser mais fácil e até mesmo preferem
alfabetizar as meninas do que os meninos:
Eu acho que é mais fácil alfabetizar meninas, eu as acho mais organizadas, mais
interessadas, tem umas exceções, assim, tem uns meninos que são bem organizados
e interessados, mas é difícil. Esse ano eu tenho dois alunos que são assim, são até
melhores que as meninas, mas nesse tempo todo que eu trabalho eu acho que as
meninas estão dando um passo antes que os meninos estão indo antes. Os meninos
têm muitos outros interesses, as meninas têm vontade de aprender, querem
aprender. (Fragmento de fala da professora 1, gravado no dia 09 de junho 2014).
Eu acho que as meninas aprendem mais rápido, eu acho. (Fragmento de fala da
professora 1, gravado no dia 09 de junho 2014).
Além disso, podemos notar nas falas das professoras que consideram também que as
meninas sobressaia aos estudos em comparação com a maioria dos meninos, pois as mesmas
precisam ajudar em casa, e esse ato de ter que ajudar em casa, é um elemento que constitui a
identidade da menina boa aluna, como conforme Paraíso e Reis (2012) nomeia de menina-
aluna, “a menina-aluna é constituída como aquela que é mais disciplinada, que é mais cobrada
por ser responsável, pelo fato de ficar mais em casa e, por isso, receber maiores cobranças de
pessoas da família. (p. 245)”.
Eu acho elas mais dedicadas, são mais comprometidas com o trabalho e tem vontade
de aprender. Os meninos, às vezes, eles aprendem porque estão ali, na brincadeira, e
acabam assimilando, porque a inteligência está ali ajudando. Agora, os que tem, que
tem uns que tem um dificuldadezinha e não tem esse comprometimento, vontade,
não são alfabetizados. Ano passo eu trabalhei com o PROALE aqui de manha na
escola, meninos que estão no 6º ano e não sabem ler, 5º e 6º ano que não sabem ler,
a maioria era menino, pelo menos assim, eu não sei como é a nível nacional isso,
mas eu tenho visto que pelo histórico, eu tenho visto que as mulheres têm dado um
banho nos meninos ai na questão de estudar, até na minha família eu vejo isso, as
mulheres estão estudando mais. Aqui na escola a gente tem visto isso, vai nos 9º
ano para você ver, seis meninos e o resto é tudo menina, nos formando do 9º ano
está de um jeito assim, vai dando um funil e assim, eu vejo desde a base, as meninas
são mais cobradas porque tem aquela questão assim: tem que ter mais capricho, tem
que ter dedicação, tem que saber fazer as coisas bonitas e os meninos não. Então eu
acho que é uma questão cultural mesmo. tem uma parte que separa, que educa os
meninos diferente que as meninas, na mesma família as meninas estudam e os
meninos não. (Fragmento de fala da professora 1, gravado no dia 09 de junho 2014).
Nota-se nesse fragmento que há uma cobrança cultural, como colocada pela
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professora, para que as meninas se alfabetizem mais rápido, pois assim podem ajudar nos
trabalhos domésticos onde inclui o cuidado com os irmão mais novos. E devido a essas
cobranças em ter que ajudar nos serviço domésticos, fazendo com que as meninas tenham
mais responsabilidade com os estudos, e assim sobressaiam aos meninos em relação a
aprendizagem. Assim, as meninas acabam sendo em maior numero as primeiras a se
alfabetizarem.
No entanto, podemos perceber que nem todas as crianças incorporam essas normas
de modo pacíficas. Podemos notar que há diversos modos de resistências no qual se questiona
tais normas. E alguns desses modos de resistências são muitas vistos como desviantes, como
na fala de uma das professoras:
Normalmente são os meninos mesmo que se agrupam, por exemplo, na minha sala,
eu coloquei um menino e uma menina sentado na sala, mas quando a gente diz: hoje
vocês podem sentar onde quiserem, ai eles vão e separam, eles separam, os meninos
sentam com os meninos e as meninas sentam com as meninas. Igual, por exemplo,
sexta-feira eu os deixo sentarem onde eles querem, ai eu faço dois grupões, você já
viu na minha sala, eu faço dois grupões, assim, para a gente trabalhar com pintura,
desenho, aí um lado senta só menina e do outro lado senta só menino, aí eu já fiquei
olhando assim, porque os meninos estão todos desse lado aqui, eu acho que é porque
eles tem os interesses em comuns, gostam de... às vezes tem um menino que gosta
de ficar mais com as meninas, que tem uma menina que gosta de ficar mais com os
meninos, um ou outro que tem a dificuldade de saber qual é o gênero dele, eu acho.
Eu acredito também que isso seja genético. (Fragmento de fala da professora 1,
gravado no dia 09 de junho 2014).
As crianças que não comportam conforme o modos que lhe são impostos para o seu
gênero são colocadas como possuir algum problema. Mesmo dando a escolha para a criança
sentar onde deseja, espera-se que ela escolhe a opção de se juntar com os seus pares, ou seja,
que os meninos sentem com os meninos e que as meninas sentem com as meninas. Uma vez
que, posto pela professoras, meninos e meninas têm interesses divergentes. No entanto, se
uma menina ou um menino têm a preferência em ficar em algum grupo oposto ao seu sexo,
essas crianças são colocadas pelas professoras como um sujeito que possui “dificuldade” em
saber seu gênero. Essa dificuldade em reconhecer o gênero é algo que coloca essas crianças
como não se enquadram as normas, ou seja, normas que são estabelecidas socialmente para
cada sexo. Uma vez que a escola é lugar onde reforça as normas de gênero presente na
sociedade, tento como sua responsabilidade reforçar os “modos considerados “apropriados”
de ser homem e de ser mulher” (CARVALHAR, 2010, p.32).
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A escola é um espaço generificado, uma vez que “nela opera um conjunto de práticas
pedagógicas que regula os comportamentos de meninos e meninas, bem como suas
vestimentas.” (SANTOS, 2013, p. 52). Percebe-se que se um menino tem a preocupação em
ser bom nos estudos, em ter capricho com a letra ele é uma rara excessão. Já as meninas, se
não possuem essa preocupação, são consideradas desviantes. E isso constitue a criança como
sujeito pertencente a uma identidade feminina e/ou masculina. “Esses processos educativos
envolvem estratégias sutis e refinadas de naturalização que precisam ser reconhecidas e
problematizadas” (MEYER, 2010, p. 17).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos notar que as representações de gênero das professoras analisadas reforçam
as normas de gênero. Por meio dessas representações, colocam o que o Outro, a criança,
deve conduzir de acordo com o sexo no qual pertence. Colocam as meninas como mais
obedientes, disciplinadas, quietas e essas características são valorizadas no ambiente escolar.
Desse modo, para as professoras analisadas, as meninas têm êxito na alfabetização, uma vez
que as características demandadas para as meninas favorecem que asmesmas sejam
alfabetizadas primeiro que a maior parte dos meninos.
Em relação aos meninos a inquietude e indisciplina, são algo que é próprio do
gênero masculino. Desse modo, muitas vezes tolera-se mais esses comportamentos quando o
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mesmo vem de um menino. Mas, se o menino apresenta um comportamento que não condiz
com essa representação de masculinidade, começa-se a questionar se o menino tem alguma
dificuldade em saber seu gênero.
Desse modo, nota-se uma desigualdade no tratamento entre as crianças. Esse
tratamento desigual, têm efeitos na constituição das identidades das crianças. Visto que
muitas se comportam como demandam o seu gênero, mas as que não seguem as regras
também sofrem intervenções, gerando efeitos nos processo da constituição das identidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOURO, Guacira Lopes. Nas redes do conceito de gênero. In: LOPES, Marta Julia Marques
(org); MEYER, Dagmar Estermann (org) e WALDOW, Vera Regina (org). Gênero e Saúde.
Porto Alegre: Artes Medicas 1996.
MEYER, Dagmar E. Gênero e educação: teoria e política. In: LOURO, G. L.; FELIPE, J.;
GOELLNER, V. S. Corpo, gênero e sexualidade. 5 ed. Rio de Janeiro, Vozes, 2010.
PARAÍSO, Marlucy Alves. Contribuições dos Estudos Culturais para a educação. Presença
Pedagógica. Editora Dimensão. V10. N 55. Jan/Fev. 2004. P.53-69.
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SANTOS, Valéria Lopes. Representações de gênero nas falas das professoras da pré-escola
e primeiro ano do ensino fundamental que atuam no município de Corumbá/MS. 2011. 2002
f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. Mato Grosso do Sul. 2011.
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INTRODUÇÃO
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preceitos maternal e religioso. Porém em outros ela deixa vestígios que ser mulher também
necessita de autonomia e independência. Acredita-se que analisar os escritos da professora e
poeta Maria Bronzeado Machado converge para compreender, contribuir e revelar aspectos da
história das mulheres, da história da educação e da mulher paraibana.
A mulher durante anos recebeu uma educação voltada para a formação moral e
valorização dos bons costumes da sociedade. Suas funções correspondiam àquilo que era
pregado pela Igreja, ensinado por médicos e divulgado pela imprensa. Assim as mulheres
foram destinatárias das ideologias cultural e religiosa que lhe atribuía modos de ser
considerando adequados. “A religião seja de qualquer origem sempre foi decisiva na definição
de padrões comportamentais femininos - o catolicismo, ao impor às mulheres a imagem da
Virgem e Mãe, arquétipos ineludivelmente dicotômicos [...]”. (ALMEIDA, 2007.p.66).
A mulher era considerada frágil pela sua natureza, destinada ao lar e à maternidade,
seu papel era governar a casa, educar os filhos e cuidar do marido.
Edith Stein, no livro A Mulher sua missão segundo a natureza e a graça, mostra-nos
como a mulher é representada segundo os preceitos da igreja.
Só quem estiver ofuscado pela paixão da luta poderá negar o fato óbvio de que o
corpo e a alma da mulher foram formados para uma finalidade específica. A palavra
clara e incontestável da Escritura expressa aquilo que nos está ensinando a
experiência diária, desde o início do mundo: a mulher é destinada a ser a
companheira do homem e a mãe dos seres humanos. [...] A atitude da mulher tem
em vista o pessoal-vivente e visa o todo. Cuidar, velar, conservar, alimentar e
promover o crescimento: esse é seu desejo natural, genuinamente maternal. (STEIN,
1999, p. 57)
Vejamos a mãe de Deus no seu papel de esposa: confiança tranquila, sem limites,
que conta com uma confiança ilimitada; obediência silenciosa; apoio fiel,
inquestionável, no sofrimento; tudo isso em subordinação à vontade de Deus que lhe
confiou o marido como protetor humano e cabeça visível. A imagem da mãe de
Deus nos revela a atitude fundamental da alma que corresponde à vocação natural da
mulher: obediência para com o marido, confiança e participação da vida dele
colaborando com suas tarefas objetivas e com o desenvolvimento de sua
personalidade; em relação ao filho: vigilância confiante, incentivo e promoção dos
dons que Deus lhe deu. (STEIN, 1999, p.60)
mulheres na atividade produtiva nacional. Marca uma ruptura simbólica com a exclusividade
do trabalho doméstico; o mercado passa a exigir qualificação, o que coloca as mulheres a
competir em relativa igualdade de condições com os homens pelos postos de trabalho.
Segundo a autora foi o período que apresentou um maior potencial de mudanças no
status econômico e social da mulher, contribuindo para o processo de emancipação feminina.
A participação da mulher no mercado de trabalho formalmente remunerado,
provocou mudanças nos padrões conjugais e familiares social e culturalmente estabelecidos,
levando a uma reorganização dos papéis familiares tradicionais referentes a homens e
mulheres.
Apesar das novas possibilidades para a mulher, ainda se espera que ela siga o
modelo antigo e – como afirma Jornal das Moças214, “inteligência e cultura apenas
não fazem a esposa perfeita” – o que conta neste aspecto é colocar o casamento em
primeiro plano, como objetivo de vida. Jornal das Moças aconselha à “mulher de
inteligência e de cultura superior” a considerar o casamento sua vocação
primordial”, assim “verá abrirem- se muitos caminhos”. A revista também sugere
que, quanto menos exigente e preocupada com questões extralar a mulher for, mais
chances terá de ser feliz. (PINSKY, 2014,p.192).
214
Pesquisa realizada por Carla Bassanezi Pinsky no livro Mulheres dos anos Dourados (2014) no período 1945
a 1964.
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anos ficou à frente no governo da cidade de Remígio, e a memória de seus familiares ficou
imortalizada em nomes de rua, creche e escola.
Já casada, concluiu o curso Normal no Colégio Santa Rita - da Ordem das madres
franciscanas, fundado em 1937, na cidade de Areia - de maneira extraordinária em apenas 8
meses, quando normalmente seria concluído em 4 anos, recebendo seu diploma de professora
aos 32 anos no dia 28 de novembro de 1948. Era uma aluna exemplar, destacando-se como
primeira colocada em uma turma de 31 alunos, atingindo a média 9,3.
Em sua caminhada no âmbito educacional, oficialmente, começou a sua vida
profissional como professora concursada na Escola Elementar Mista de Serrinha (Remígio) e
dando continuidade, exerceu os seguintes cargos: diretora e professora da Escola Elementar
Mista de Remígio, diretora do Ensino Municipal de Areia, diretora das Escolas Reunidas
Noturnas “Santa Júlia” em João Pessoa, em cujo cargo se aposentou em 11 de abril de 1962,
despedindo-se do Serviço Público e dedicando-se, exclusivamente, ao Ensino Privado. Em
1953, criou o Externato Epitácio Pessoa, posteriormente denominado Instituto Presidente
Epitácio Pessoa (IPEP), instituição que alcançou prestígio na sociedade paraibana
principalmente entre as décadas de 1970 e 1980. Foi diretora proprietária do educandário que
constava de três unidades escolares com uma matrícula aproximada de 4.000 alunos. A este
educandário, a professora Maria Bronzeado Machado dedicou boa parte de sua vida,
acompanhando diariamente o seu funcionamento.
Pelos serviços prestados à comunidade no setor da Educação, a Câmara Municipal de
João Pessoa concedeu-lhe o título de “Cidadã Pessoense”, atribuiu seu nome a uma escola da
rede estadual de João Pessoa, a uma rua e uma praça desse mesmo município.
Após mais de quarenta anos de vida dedicada à educação, no dia 10 de junho de
1986, à uma hora e trinta minutos da madrugada, sua família e principalmente os pessoenses
foram pegos de surpresa pela morte da professora e poeta Maria Bronzeado Machado, aos 69
anos, vítima de vertículite no hospital Alberto Sabin no Recife- PE.
Conforme publicado no jornal A União no dia 11 de junho de 1986 na página 8,“A
Paraíba perde a última representante de uma geração de grandes educadores”, dizam
repetidamente as mães de alunos que estudavam no Instituto Presidente Epitácio Pessoa
(IPEP), durante o velório. Foi sepultada no Cemitério da Boa Sentença em João Pessoa/PB.
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Com sua morte, a escola ficou sob a administração de filhos, mas o seu declínio
começa a ser percebido.
215
Gabriela Mistral, pseudônimo de Lucila Godoy Alcayaga, (1889 – 1957), poeta chilena, primeira escritora
latino-americana a receber o prêmio Nobel de literatura. Parte de sua obra é marcada principalmente pelo
sentimento de frustração por não ter exercido a maternidade.
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Enaltece o sacrifício, o desapego, a renúncia, aos bens matérias ao mesmo tempo que
também valoriza os princípios cristãos de fé e piedade deixando claro que a ambição mais
importante é para as coisas de deus, contrariando a sua prática, já que a professora poeta foi
também uma mulher empresária, fundou um dos colégios importante para época e que
ganhou prestigio por esse feito.
No poema “saudação a criança brasileira”, a educadora Maria Bronzeado explicita o
papel de mãe que ela demonstra ter incorporado para si, quando diz “Alarga meu coração de
mãe, E a minh’alma de mestre se extasia para trazer-te a minha saudação”. (MACHADO,
1980, p71). Nos princípios da igreja, esse é o modelo da mulher, onde quer que esteja no
âmbito profissional, vivendo como mãe em casa, que ocupe um lugar de destaque na vida
pública ou esteja atrás dos muros silenciosos de um convento, em todo lugar deve ser uma
serva do senhor.
Porém, essa imagem da “mulher moral”, que é boa esposa, boa dona de casa e boa
mãe, constante em seus escritos, cede lugar, às vezes a vestígios que apontam outra
expectativa do ser mulher, como alguém que também necessita de autonomia e
independência. No poema “Saudação a minha mãe” dedicado a sua mãe, a poeta vai
relembrando a figura de mãe que a sua representou e faz menção a injustiça que pode
performar o papel de mãe, quando diz:
Mesmo não sendo a mãe-carinho, passiva e submissa, no íntimo seu objetivo maior
era educar seus filhos nos princípios da igreja. Mas já se percebe a diferença de mãe que foi
das que descreve em seus escritos. Assim podemos observar que o enquadramento de funções
e papéis vividos, decorre da estrutura social e cultural. A regulamentação do comportamento
maternal é determinado pelos interesses estruturais da cultura. No entanto, as mulheres vêm
contribuindo para a construção de novos valores, ajudando a renovar e atualizar as ideias
condizentes com seu tempo.
A partir do texto acima é possível identificar que tentar ser uma mãe de acordo com
os preceitos cristãos, mas ao mesmo tempo buscar um espaço de atuação profissional pode
gerar na mãe uma culpa, advinda de um modelo de mãe que requer dedicação exclusiva e
integral aos filhos, ao marido e à casa. Sair de casa para trabalhar, embora os resultados do
trabalho revertam em bens culturais para a família, toma a feição de que a mulher está
deixando de cumprir bem o papel a que foi destinada "naturalmente" pela sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Jane S. de. Ler as letras: por que educar meninas e mulheres? Campinas,
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INTRODUÇÃO
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intelectuais, artistas, pessoas ligadas à igreja (e outras religiões que não a Católica), partidos
políticos (que se formavam como o PT, PMDB e PSDB), entre tantas personalidades
políticas.
A bandeira deste movimento era pela promoção do processo de redemocratização do
país, possibilitando a participação da sociedade civil na escolha de seus governantes. Embora
as diretas não tenham tido o efeito que se esperava (uma vez que o Congresso ainda era
controlado pelo governo, retardando as eleições apenas para o final da década), mesmo que
indiretamente um presidente civil foi eleito: Tancredo Neves.
O prodoeste foi criado pelo presidente Emilio Garrastazu Médici com a finalidade
de promover o desenvolvimento da região Centro-Oeste. Este projeto surgiu em
1971, integrado no 1º plano de desenvolvimento econômico e social visava reforçar
a integração da região Centro-Oeste e a criação de uma infraestrutura para o
desenvolvimento da agropecuária regional. Objetivada ainda atacar em Mato Grosso
os problemas que retardavam o escoamento da produção de Mato Grosso. Por ser
um período de grande prosperidade econômica, o projeto foi recebido com muito
entusiasmo. Incentivados pelas facilidades oferecidas para financiamentos no setor
agrícola, muitas famílias adquiriram grandes extensões de terras próximas a
Rondonópolis.
Nessa época chegou o Sr. Adão Sales que “plantou pela 1ª vez em todo o estado de
Mato Grosso sementes de soja, da variedade Santa Rosa, fazendo com isso explodir
uma nova mentalidade agrícola em Rondonópolis e região (...). Adão Salles não foi
só o 1º gaúcho a vir com sua família para a região de Rondonópolis, o primeiro na
implantação de soja, mas também o primeiro a desfazer o mito de que o cerrado não
dava soja”. A partir dai grande numero de famílias do Sul vieram para a região
cultivar soja, sendo que atualmente é produto de pauta econômica do Estado.
(ALVES, 1995, p.48)
Assim podemos observar como foi feito o processo de povoamento do Centro Oeste,
demostrado que tinha terra boa para plantio de soja, e demostra que com o movimento do
PRODOESTE varias pessoas vieram em busca de enriquecimento rápido, e mostra o
povoamento rápido da cidade de Rondonópolis.
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Para compreender todas essas discursões que esta acontecendo nos anos de 1980,
voltemos a 1970 para entender o que estava acontecendo em relação ao movimento das
mulheres em Rondonópolis. Segundo a historiadora Oliveira (2014), que fez uma sua
pesquisa no jornal A Tribuna sobre as mulheres na década de 1970, destaca que
[...] reportagens que destacavam mulheres ocupando cargos elevados na sociedade
de Rondonópolis-MT eram raras nos jornais, entretanto, os estudos históricos, em
especial no campo das mulheres tem mostrado que as mulheres foram buscando
conhecimento e lutando por seus direitos. (OLIVEIRA,2014,Pág. 20).
A autora monstra que mesmo muitas mulheres tenham tido influencias do movimento
das mulheres ainda precisava ocorrer muitas mudanças, pois as mesmas ainda sofriam com
relação a violências e preconceitos. A autora podera que
Apesar de nos anos 1970 a mentalidade de muitas mulheres terem mudando
influenciadas pelos movimentos de mulheres e pelas mudanças ocorridas na
sociedade, o preconceito ainda existia, entretanto, é valido destacar que a imprensa
de Rondonópolis, já publicava muitos temas voltados para o universo feminino,
dentre eles podemos destacar, matérias sobre modas, concurso de beleza,
reportagens sobre mulheres ocupado cargos de destaque como desembargadora,
advogada, escritora, atriz, musicas, bailarinas, enfim, analisando os registros do
Jornal Tribuna do Leste foi possível perceber a publicação de matérias com essas
temáticas e as mulheres recebiam sempre novidades, dicas para que ficassem belas e
motivadas para conquistarem seu espaço na sociedade. (OLIVEIRA, 2014, Pág.47)
Assim a autora faz uma discussão sobre como o jornal mostrara a saída das mulheres
para o mercado de trabalho e como as mesmas eram vistas nessa época.
Para compreender as dificuldades que as mulheres passaram na década de 1980 em
Rondonópolis que eram consideradas como seres inferiores e que tinham que realizar tarefas
de acordo com o que era destinada a elas, a autora Luci Léa poderá que:
por isso, na Rondonópolis de hoje, que tem como base o uso da máquina, da técnica
e dos grandes investimentos (convencionado como espaço sexual do forte) não
somente não reconhecem o trabalho de “formiga” da dona de casa como reservam
para o restante das mulheres somente o desempenho em trabalhos considerados
menores ou alguns outros automatizados (secretárias, estenógrafas, digitadoras), sem
dizer que as desestimularam com salários mais baixos. (TESORO, 2002, P.38)
Desse modo, o “trabalho de formiga” desempenhado pelas mulheres nessa época era
tido inferior e mesmo os considerados “menores” elas ganhavam salários inferiores.
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DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Outras reportagens mostram mulheres que trabalham fora de casa, mas quando
chegam em casa tem que cuidar de todos os afazeres de casa e dos filhos, como podemos ler
na reportagem/notícia com o título “As Românticas - As ninfas do miraglia” de 10 de
Fevereiro de 1980, A Tribuna, página 3.” Essa reportagem demostra o exemplo de família
comporta por pais e a filha, esta que estuda fora e vem passear na casa dos pais nas férias.
Jane é filha de ex-fazendeiros que deixaram São Jose do Rio Preto e vieram para
Rondonópolis e aqui dedicaram-se ao ramo de lanchonete. Jane e irma do conhecido
Batatinha... Jane cursa o 3° ano de magistério (normal) do colégio sagrado coração
de jesus, mas que se formar-se em Psicologia Clínica. E das 7 da manha até ao
anoitecer lá esta a eficiente Jane distribuindo gentilezas e atenções a todos os
hospedes indistintamente. Jane é simples não usa maquiagem, seu belo semblante já
é um quadro de rembrandt, sem precisar de retoques. (Diretora: Maria Janice
Logrado de Souza – Ano XII – Edição No. 1220 – Rondonópolis, MT 12 Dezembro
de 1980 – Fundador: Aroldo Marmo de Souza)
Jane teve um caso de amor. E esse caso deixou nitidamente rastros no seu
semblante. *ele era inspetor dos correios. Foi para São Paulo*... mas Jane que que
com seu charme, sua humildade e eficiência, logo terá outro eleito. E segundo os
padrões dela, terá que ser moreno, médio porte, até uns 40 anos, realizado
financeiramente e que tenha cultura, docilidade e generosidade. Jane merece até
muito mais, afirmamos. Porque na analise deste relator, Jane não ser psicóloga e
sim, relações públicas. Ela nasceu para essa atividade. (Diretora: Maria Janice
Logrado de Souza – Ano XII – Edição No. 1220 – Rondonópolis, MT 12 Dezembro
de 1980 – Fundador: Aroldo Marmo de Souza)
Nessa reportagem apresenta a figura da mulher que trabalha e atenciosa e delicada
que teve um romance de amor. Podemos perceber que na década de 1980, ainda existia um
conservadorismo muito grande em relação às mulheres saírem para o mercado de trabalho e
existia ainda a imagem da mulher dona de casa e boa esposa como modelo ideal.
Ainda, há reportagem especial sobre a mulher, como a que apresenta a entrevista com
o Padre Frei Otaviano, realizada em dia 25 de novembro de 1980, na qual o Frei classifica as
mulheres como “oportunistas e doutrinarias”.
Oportunistas e doutrinantes foram as palavras do frei Otaviano ao redator deste
jornal, na ocasião em que este o entrevistou para obter dados para reportagem
alusiva aos 40 anos de sacerdocio do santo frade: as mulheres devem obedecer ao 9º
madamento expressado-o de forma diferente: não cobiçar o marido alheio.
Essas mulheres na quase totalidade, vem de origens humildes, são incultas, e usam
seus dotes físicos de beleza e sexualidade para assim poderem aumentar suas rendas.
Não raro assim procederam quando ainda eram virgens, mocinhas, que capitularam
permissivamente as investidas de machões bem situados na vida. Poderiam ter mais
personalidade, amor próprio e espirito firme de decisão e mandar os assediantes
machistas às favas, estudarem e trabalharem e se transformarem em dignas esposas
de algum homem pobre, mas honrado, e terem chances de ambos subirem na vida
em uma escalada comum, com o fruto do trabalho de ambos. Seria uma união
profícua, que enalteceria cada vez mais a ambos e seus filhos se exaltariam quando,
chegando à idade adulta tomassem conhecimento da luta e jornada dos seus pais.
“casai-vos e multiplicai-vos” diz o evangelho. “vou curtir aquele coroa e tomar
grana dele”, dizem as concubinas deslumbradas, já com maldade latente nas
nefandas intenções. Mas as vitimas acabam sendo elas mesmas. Esses machistas,
que envergonham a sociedade e não raro as suas famílias quando são descobertas as
suas atividades extraconjugais, usam as concubinas como se usam as joias e
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Segundo parentes da vitima, o mesmo cometeu o suicidio depois que sua mulher o
abadonou acerca de um mês antes, entao, por isso ele teria se suicidado.
Na reportagem “Empregada doméstica rouba 200 mil em jóias” retrata sobre uma
denuncia contra Lindaura Marques Palmira aonde retrata que a mesma trabalhava há poucos
meses na casa de Sidney celotim aonde a mesma roubou as joias da casa de Sidney. Assim
esta explicito na reportagem que:
Aconteceu no ultimo dia 22 de Novembro a prisão da empregada doméstica
Lindaura Marques Palmira, residente à rua Otávio Pintaluga 1133, Jardim
Pindorama, que foi denunciada pelo seu ex-patrão Sidney Celotim Ferreira, à rádio
Patrulha, que atendeu á ocorrência por ter furtado da residência deste, várias jóias
avaliadas em duzentos mil cruzeiros.
A referida empregada trabalhava já há alguns meses na casa de Sidney Celotim e
usando e abusando da confiança deste, entrou em seus aposentos e dali levou as
joias.
A ocorrência foi atendida pela plolicia Militar, que encaminhou a indiciada à
Delegacia Municipal de Vila Aurora.
Na reportagem acima mostra a figura da empregada doméstica que roubou as joias da
casa de seus patrões anonde trabalhava a poucos meses e que segundo esta explicito na
reportagem a empregada abusou da confiança de seus patroes para cometer tão atrocidade.
A riqueza do material coletado no Jornal A Tribuna permite afirmar que se trata de um
periódico primordial para a compreensão das representações sobre o feminino e as
controvérsias sobre as lutas por independência e autonomia das mulheres em âmbito regional,
uma vez que o Jornal A Tribuna noticiava para a cidade de Rondonópolis-MT e regional, ao
mesmo tempo em que, apesar de não ser o objetivo central do jornal, construía e reafirmava
representações referentes à mulher dos anos 1980.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do objetivo de identificar e analisar as representações da mulher no Jornal A
Tribuna problematizado relaçoes de genero da epoca, partiu-se alguns presupostos como a
utilização da midia impressa como portador de representações moralizantes acerca de papeis
sociais que deveriam ser desempanhados pelas mulheres.
Entende-se que a pesquisa empreendida por vir a contribuir para a produção de
reflexão cientifica sobre mulheres nos jornais regionais e para o ensino sobre história das
mulheres em Rondonópolis, MT.
Por fim, trata-se um estudo que desafiou a pensar as representações sobre o feminino a
partir de uma fonte histórica, ao mesmo tempo em que, exigiu a escrita e a dedicação no fazer
histórico. E que parece afirmar que o Jornal A Tribuna legitima um modelo de mulher construída
desde o século XIX, segundo a qual a mulher deve cultiva o papel de boa mãe, esposa e dona de
casa e castidade.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2004000200003.
TESORO, Luci Léa Lopes Martins. Luta das Mulheres. IN: Experiências de Mulheres/ Laci
Maria Araújo Alves, Luci Léa Lopes Martins Tesoro. Rondonópolis – MT: LMAA Editora,
2002.
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INTRODUÇÃO
O crescimento da população idosa é reflexo de uma melhoria nas condições de vida
que aumenta a perspectiva de vida dos seres humanos. Segundo Birren e Schroots (1996), o
envelhecimento pode ser definido em três divisões: envelhecimento primário; envelhecimento
secundário e envelhecimento terciário. Para Papalia (2010), o envelhecimento primário é um
processo gradual e inevitável de deterioração corporal que ocorre durante todo o ciclo de vida.
Ainda segundo o mesmo autor, o envelhecimento secundário são processos de
envelhecimento que resultam de doença e de abuso ou de falta de uso do corpo e que, muitas
vezes, são evitáveis. De acordo com Birren e Schroots (1996), o envelhecimento terciário ou
terminal é o período caracterizado por profundas perdas físicas e cognitivas, ocasionadas pelo
acúmulo dos efeitos do envelhecimento, como também por patologias dependentes da idade.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, do IBGE,
mostrou ainda que, nos últimos anos, a população do Brasil cresceu a uma média anual de
1,21%. No ano 2000, eram 169.799.170 milhões de habitantes, aumentando para 183.987.291
milhões em 2007. Especificamente, com relação à população idosa brasileira, a pesquisa
revela que o número de pessoas no Brasil com 60 anos ou mais chegou a cerca de 21 milhões.
Considerando apenas o segmento de pessoas com mais de 75 anos (cerca de 5,5 milhões), os
idosos no Brasil tomam proporções significativas, mudando bastante o perfil etário até pouco
tempo considerado extremamente jovem.
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Devido ao que foi exposto, surge a necessidade de discutir sobre como a velhice e o
envelhecimento femininos são representados pela mídia jornalística e como essa visão pode
ser assimilada pelos leitores. Dessa forma, essa pesquisa abordou a representação social da
velhice e do envelhecimento femininos, através da análise das matérias publicadas no
primeiro semestre de 2015, em um jornal impresso de Fortaleza.
METODOLOGIA
Nessa pesquisa, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental, através da coleta
dos dados de matérias publicadas em um grande jornal impresso de Fortaleza, que abordam o
assunto velhice e envelhecimento femininos, durante o primeiro semestre do ano de 2015, a
fim de analisar as representações sociais que são veiculadas por essa mídia a respeito dessa
população; o núcleo teórico central se deu à luz de Moscovici (2012).
A análise do conteúdo foi realizada através da pesquisa de natureza quantitativa e
qualitativa. (CHIZZOTTI, 2010) A partir de Moscovici (2012), analisamos a representação
social da velhice e do envelhecimento abordada em 49 matérias que continham os termos
velhice e envelhecimento, das quais 24 estavam relacionadas com o gênero feminino.
Levamos em consideração o grau de abrangência do público de leitores desses jornais, sendo,
portanto, um grande influenciador da formação das representações sociais da mulher idosa na
cidade de Fortaleza.
Em um primeiro momento, levantamos os dados publicados, quantificando-os pela
nomenclatura utilizada para se referir às idosas. Nós nos fizemos valer desse método com a
finalidade de adquirir os dados necessários, junto à leitura e à análise de todo o conteúdo
disposto, para realizar a pesquisa qualitativa. No segundo momento, pudemos submergir na
essência da matéria, em busca dos significados de como a velhice e o envelhecimento
femininos são representados através desse veículo midiático.
Segundo Moscovici (2012), as representações sociais são geradas a partir do
acúmulo dos processos vividos, pois sofremos transformações que dão forma a um novo
conteúdo. Dessa forma, os meios de comunicação possuem um poder de influência na
formação do senso comum propagado diariamente e as representações sociais acabam sendo
moldadas por esses meios. Através dessa influência, estabelecemos associações que nos
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guiaram, estabelecendo categorias analíticas centrais para o estudo que serão apresentadas a
seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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BELEZA E ESTÉTICA 4
DIREITOS SOCIAIS 3
CULTURA 2
GÊNERO E SEXUALIDADE 1
OUTROS 1
Fonte: A pesquisa, 2015.
Há ênfase também nas matérias sobre alimentação e saúde (5), trazendo à tona a
cultura do corpo da mulher jovem e das possibilidades de adiar as marcas do envelhecimento.
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população idosa que são a Política Nacional do Idoso (1994) e o Estatuto do Idoso (2003).
O tema cultura surge, na maioria das matérias, numa perspectiva mais legalista,
colocando que é dever do Poder Público criar oportunidades de acesso a cursos especiais que
abranjam também o domínio de novas tecnologias e à cultura em geral. No sentido da
preservação da memória e da identidade culturais, os idosos podem participar das
comemorações de caráter cívico ou cultural. Além disso, a pessoa idosa tem direito ao
desconto de 50% em eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer. (BRASIL, 2003)
As pesquisas de dados mostram que, embora as estatísticas comprovem o aumento da
expectativa de vida e o avanço das tecnologias e da medicina, o idoso brasileiro de hoje não
tem condições de prover sua subsistência da melhor maneira de que necessita. Nessas
matérias, fica claro que a velhice é representada, principalmente, pelo fator cronológico.
Porém, devemos esclarecer que é também socialmente construída, posto que a velhice e o
processo de envelhecimento assumem especificidades, papéis e significados distintos
conforme a sociedade e a época em que são enfocados. (DEBERT, 2004)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os meios de comunicação são responsáveis por um dos principais reforços de
representação social dos valores atribuídos à velhice, ao envelhecimento e ao lugar da mulher.
Logo, a representação social de quem está nessa fase, ou seja, da mulher velha, não é vista
com bons olhos nos veículos de comunicação, haja vista o interesse capitalista estar voltado
para as novidades e para o consumo, desqualificando o passado. Com isso, há a reprodução de
uma concepção deturpada e estereotipada do que é e do que pode vir a ser a velhice,
problematizando ainda mais a aceitação dessa fase da vida.
Constatamos, portanto, que a velhice e o envelhecimento são representados a partir
de uma ausência, seja ela de trabalho, de saúde, de direitos, de beleza, enfim, de vida. Essa
ideia revela que, aos olhos da sociedade, quando o ser completa 60 anos ou quando se
aposenta, é considerado inválido e improdutivo. Assim, o preconceito contra o idoso está
ligado também ao modo de produção capitalista no mundo globalizado em que vivemos, o
qual considera útil apenas quem produz. Não podemos, pois, descartar a influência da mídia
sobre a velhice e o envelhecimento femininos, uma vez que as informações podem apresentar
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uma imagem fantasiosa dessa fase da vida, reforçando estereótipos e colaborando para
processos de múltiplas exclusões.
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INTRODUÇÃO
O poeta, o escritor, o pintor, o escultor transformam a realidade, combinado-a com a
sua percepção, produzindo ao mundo uma interpretação própria e subjetiva, longe de ser um
mero espelho refletor da realidade que o cerca. Destarte, deve-se pensar a influência exercida
pelo meio social sobre a obra de arte como uma relação recíproca, ou seja, de influência
mútua. É necessário ressaltar que só a partir do século XVIII a literatura passa a ser também
um produto social, pois ela passa a expressar uma série de condições de cada civilização em
que é produzida. Uma obra traz para o universo inteligível a singularidade que o autor produz
sobre o mundo, a partir de uma leitura, em alguma medida, independente, pois a obra literária
tem uma autonomia em relação ao mundo, haja vista que nem sempre ela está diretamente
ligada aos acontecimentos por excelência públicos. Enfim, a obra literária é singular e tem
uma autonomia relativa em sua manifestação pública, mas é também uma obra ou produto do
discurso que rege a sociedade em que se encontra. O meio social disponibiliza as matérias
para constituição da obra, assim como atua na constituição do que há de essencial na obra,
enquanto obra de arte.
As reflexões e as críticas que são tecidas em torno de uma obra literária devem ser
atribuídas sem deixar ao acaso a perspectiva estética da obra, a vista de que, a obra é uma
ressignificação da relação entre tempo e espaço, pois o trabalho literário é uma obra diferente
216
Aluna do doutorado no Programa de Pós-Graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde
se dedica as áreas do conhecimento dos corpos, das relações de gênero, das sexualidades, do cinema, da teoria
Queer.
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de um texto científico, o que não se deve entender como uma desvalorização desta, afinal, não
há uma espera por uma exclusividade científica, e sim, uma produção para o presente e para o
futuro, a obra não tem, de certa forma, um fim como algumas teorias científicas quando
superadas, em alguns casos ela estará para a posteridade. Dessa forma, a obra literária é
produto da manifestação do discurso de uma época, mas também, representa a ressignificação
desse discurso, já que ela não tem o objetivo de servir inteiramente a algo ou alguém, pois em
muitos casos ela subverte essa situação.
O trabalho sociológico de reflexão e crítica em torno de uma obra literária deve
atingir as relações sociais que são expostas na obra. Assim como afirma Antônio Cândido,
Quando fazemos uma análise desse tipo, podemos dizer que levamos em conta o
elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar, na
matéria do livro, a expressão de uma certa época ou de uma sociedade determinada;
nem como enquadramento, que permite situá-lo historicamente; mas como fator da
própria construção artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo.
(CÂNDIDO, 1985, p. 16).
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tentou outrora subverter. O que não pode ser pensado como algo insuperável, afinal há as
frestas que são deixadas pelos discursos e, são essas fissuras que formam novo pensamento e,
dessa forma, há a possibilidade de se formar o novo diante do que se está dado.
É a partir dessas considerações sobre a relação literatura e sociedade que exponho a
construção da identidade da personagem principal do livro A hora da estrela (1998) de
Clarice Lispector. Tal identidade foi erigida por intermédio das relações que ela mantém com
os outros personagens. Contudo, para fins desse artigo, somente as relações estabelecidas
entre Macabéa e Olímpico serão analisadas. A metodologia utilizada para fornecer suporte ao
objetivo proposto foi a análise bibliográfica, presente em todo trabalho acadêmico, e a análise
de discurso, a qual tem como alicerce Michel Foucault no livro A ordem do discurso (2006).
O discurso não é aquilo que emana da boca dos sujeitos, a fala. O discurso é uma prática
social de regulação, que define regras para a manifestação e organização de um campo de
experiência. Todas as sociedades são controladas, selecionadas e organizadas pela produção e
manifestação do discurso, embora sejam exprimidas de formas diferenciadas. Dessa maneira,
o sujeito não é anterior ao discurso, nem tão pouco o sujeito da fala ou do enunciado, mas sim
um efeito, uma produção do discurso.
Quanto à moça, ela vive num limbo impessoal, sem alcançar o pior
nem o melhor. Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e
expirando. Na verdade – para que mais que isso?. (LISPECTOR,
1998, p. 23).
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217 Relativo ao exercício da autoridade, do prestígio e da explicitação do poder na figura paterna, o que
desencadeia nos traços definidores do monopólio do mando. Sobre as sociedades ditas patriarcais. Ver:
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A feminização da sociedade. In: Nordestino: uma invenção do
falo - Uma história do gênero masculino. Maceió. Edições Catavento, 2003.
218 Ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras Artes. São Paulo:
1999.
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219 Essa acepção diz respeito aos processos que geram os preconceitos, nesse caso designando as identidades
regionais. Ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Preconceito contra a origem geográfica ou de
lugar: as fronteiras da discórdia. São Paulo: Cortez, 2007.
220 Sobre os tipos ideais, ver: WEBER, M. Os tipos de dominação. In: Economia e Sociedade. Ed. Univer.
Brasília. Brasília, 1999.
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mulher.
Eis que temos Olímpico de Jesus, um “cabra-macho” do sertão da Paraíba que não
veio à toa para o Rio de Janeiro, ele queria ser mais e tinha desejos por melhores dias na sua
vida, a qual não fora fácil, mas ele tinha tirado de letra, naquela terra seca de onde viera que
tudo se quer plantar, mas quase nada se colhe. Por isso, ele se mantinha resistente às
adversidades que se colocavam a ele, o homem nordestino já é criado para resistir à terra
Olímpico não era inocente como Macabéa que não compreendia as coisas do mundo,
embora isso não a incomodasse, no entanto, ele sempre queria ter respostas e dar respostas
quando questionado, afinal ele era o homem, aquele que detém a sabedoria necessária para se
guiar e orientar os outros que, por alguma brincadeira do destino, o colocam em seu caminho.
Esse é o caso da personagem Macabéa, menina moça do sertão de Alagoas, que perde os pais
cedo e fica sob a responsabilidade de uma tia, beata que lhe dava cascudos e a privava de
comer o seu doce favorito, goiabada-com-queijo. Mas, “Maca”, como era chamada pelas
colegas de quarto, não era tão submissa quanto parecia, pois se assim fosse talvez essa história
não existisse, pelo menos não com ela. Macabéa teve coragem para romper com as suas
origens e construiu em si um desejo ralo, rasteiro por mudança, daí foi para o Rio de Janeiro.
No entanto, esse rompimento não fez dela uma lutadora ou transgressora na nova
selva de pedra que a rodeava. Ela viveu na sombra de não ser nada, e quando era vista ou
escutada, dependia dos outros para realizar tal feito. Olímpico é aquele que faz Macabéa
existir enquanto Macabéa, pois até então não se sabia quem era aquela moça de quem Rodrigo
S.M. falava tão impiedoso e ao mesmo tempo até amoroso, um amor um tanto cruel. Quando
em uma tarde chuvosa do mês de maio, eles finalmente se encontram e, assim foi
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Você sabia que na rádio relógio disseram que um homem escreveu um livro
chamado “Alice no país das maravilhas” e que ele era também um matemático?
Falaram também em “élgebra”. O que é que quer dizer “élgebra”?
- Saber disso é coisa de fresco, de homem que vira mulher. Desculpe a palavra de
eu ter dito fresco porque isso é palavrão para moça direita. (LISPECTOR, 1998, p.
50).
E o namoro continua,
Ela achava Olímpico muito sabedor das coisas. Ele dizia o que ela nunca tinha
ouvido. Uma vez ele falou assim:
- A cara é mais importante do que o corpo porque a cara mostra o que a pessoa está
sentindo. Você tem cara de quem comeu e não gostou, não aprecio cara triste, vê se
muda – e disse uma palavra difícil – vê se muda de “expressão”.
Ela disse consternada:
- Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste por dentro eu sou
até alegre. É tão bom viver, não é?
- Claro! Mas viver bem é coisa de privilegiado. Eu sou um e você me vê magro e
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pequeno, mas sou forte, eu com um braço posso levantar você do chão. Quer ver?
- Não, não, os outros olham e vão maldar!
- Magricela esquisita ninguém olha. (LISPECTOR, 1998, p. 52).
E assim, da mesma forma que começou o namoro acaba, sem alvoroços. Na verdade,
ele nunca demonstrou satisfação em namorar “Maca”, afinal ele “era um diabo premiado e
vital e dele nasceriam filhos, ele tinha o precioso sêmen.” (LISPECTOR, 1998, p. 58). Mas,
quando ele viu Glória, colega de trabalho de Macabéa, sabia que era uma mulher de verdade.
Farta de carnes o que a demonstrava como alguém que possui uma posição privilegiada. E
naquele momento, viu-se esfarelar o que ambos tinham, ele demonstração de rudeza e
macheza viril sobre ela e, Macabéa se percebeu novamente num espaço vazio do mundo.
Nada a conectava no momento com o mundo a não ser Olímpico.
Nem tristeza ela pôde sentir, pois não fazia parte dela, mas o que fazia parte dela se
não o nada ou o quase nada? É nesse rompimento que ela perde aquilo que lhe liga ao mundo,
ela sempre precisou de elos que a ligassem ao mundo, mesmo que esses elos fossem
desastrosos como foi o caso do relacionamento que manteve com um “moço” que nem ao
menos sabia o seu nome durante tanto tempo e que, por ventura do destino cruel que teimava
em lhe seguir foi trocada pela colega, a qual passa a função de conectar Macabéa ao mundo.
Mesmo assim, não se via tristeza nos olhos dela, na verdade ela não era uma pessoa triste,
pois para ser triste é necessário saber o que se é. E ela não fazia ideia do que era, só sabia
viver e, só queria viver.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
221 Processo pelo qual todo indivíduo passa após o nascimento, com o objetivo de inculcar ou interiorizar nele
as regras, leis e normas que a sociedade em que ele está inserido mantém. A esse respeito, ver: BERGER, P. A
sociedade como realidade subjetiva. In: A construção social da realidade. Petrópolis. Ed. 14ª, 1985.
222 A formação do homem rústico tem por base a ideia de uma construção masculina a partir de uma sociedade
violenta, o Nordeste do cangaceiro, homem forte, viril, violento, honrado dentre outras características adquiridas
socialmente. Sobre a produção do homem rústico no Nordeste ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz
de. A invenção de um macho. In: Nordestino: uma invenção do falo - Uma história do gênero masculino.
Maceió. Edições Catavento, 2003.
223 Diz respeito à construção de um homem, no caso “cabra-macho”, com o objetivo de fazer frente à
modernização das sociedades, o que provocaria um afrouxamento da ordem tradicional vigente para os gêneros.
Ver: ALBUQUERQUER JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção de um macho. In: Nordestino: uma invenção
do falo - Uma história do gênero masculino. Maceió. Edições Catavento, 2003.
224
Sobre a formação da identidade por meio da diferença e, consequentemente, por meio da exclusão ver:
SILVA, Tomaz Tadeu de. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais/Tomaz Tadeu da Silva
(org.). Stuart Hall, Kathryn Woodward. 15. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
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225 A respeito da violência simbólica, ver: BOURDIEU, P. Uma imagem ampliada. In: A dominação
masculina. Rio de Janeiro. 4 ed. 2005.
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Macabéa só reage, dessa forma, em relação a Olímpico porque foi construída dessa
maneira, afinal a ideia do homem como detentor da força, da sabedoria, da atuação frente à
mulher é uma realidade subjetiva e objetiva dentro da sociedade, pois além de se fazer
presente nas mentes de ambos, também faz parte dos discursos de manutenção de uma série
de instituições sociais que dependem da existência dessa dualidade hierárquica entre os
gêneros para se manter, como por exemplo, a família. A mulher é subjugada pelo homem e
por uma sociedade construída em comum acordo com padrões essencialistas, os quais buscam
interpretar as relações humanas a partir da biologização dos corpos masculinos e femininos,
fazendo-os em prol de uma polarização social do masculino como fonte única da verdade,
quando realiza o desejo heterossexual na busca pela manutenção de papéis sociais para os
gêneros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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história do gênero masculino (Nordeste-1920/1940)/Durval Muniz de Albuquerque Júnior.
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BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 3 edição - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2005.
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 7.. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional,
1985.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio.
Edições Loyola, São Paulo, 2006.
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela/Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
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Ver: ARAÚJO, Antonio Amaury C. Lampião: as mulheres e o cangaço. São Paulo: Traço Editora, 1985.
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229
Jornal A Tarde, de 21 de março de 1931. In: Arquivo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
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constituição de uma imagem essencialmente nordestina, segundo José Luís Oliveira e Silva
(2008) as representações sobre o sertão e sertanejo feitas pela literatura e mais tarde pelo
cinema, nasceram da necessidade de autoafirmação da cultura brasileira, que experimentava
avultada expansão durante o século XX. Estas representações foram marcadas pelo caráter
dualista que opunha rural e urbano. Deste modo, segundo o autor foi sendo estereotipadas a
geografia e a cultura sertaneja com características antagônicas, pois se encontravam em
disputa a luta pelas representações. A partir dessa discussão analisaremos a forma que as
cangaceiras foram representadas nos documentários A Musa do Cangaço (1982) e Feminino
Cangaço (2013), considerando as memórias das ex-cangaceiras e sua invisibilidade.
MEMÓRIA EM DISPUTA: OUTRAS HISTÓRIAS DELAS E DELES
230
CÂMARA, Antonio da Silva; LESSA, Rodrigo (org.). Cinema documentário brasileiro em perspectiva.
Salvador: EDUFBA, 2013.
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opiniões de outras pessoas, o que se imagina ter acontecido pela absorção de representações
de uma memória histórica. A lembrança, de acordo com Halbwachs (2004, p. 76-78), “é uma
imagem engajada em outras imagens”. Ou seja, a lembrança é em larga medida uma
reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso,
preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora
manifestou-se já bem alterada (HALBWACHS, 2004, p. 76-78).
Entende-se que o envolvimento da ex-cangaceira num novo contexto e dos novos debates
em torno do movimento do cangaço, possivelmente, influenciou na constituição de suas
memórias, haja vista todo o trabalho por parte da família de Virgulino Ferreira – Lampião, e
de alguns memorialistas de defenderem a imagem deste como a de um herói. Tendo em vista
que essas lembranças, também, são fontes de pesquisa para se compreender o movimento do
cangaço, apontam uma opção por parte de Dadá, a de tornar positiva a experiência do
cangaço. Mas, aqui a questão é: como as memórias dessas mulheres foram representadas no
cinema documentário? Cabe então analisar os signos e símbolos presentes nessas obras.
Inicialmente deve-se considerar que nossa sociedade trabalha com signos; “a ciência social
deve tomar como objeto as operações sociais de nomeação e os ritos de instituição através dos
quais elas se realizam” (BOURDIEU, 1998, p. 81). Ou seja, a ciência social, de acordo com
Bourdieu, necessita investigar a parte que cabem as palavras na construção das coisas. A
proposta é investigar a partir dos depoimentos das ex-cangaceiras suas trajetórias,
problematizando como foram invisibilizadas nas obras supracitadas.
Essa invisibilização, ou esquecimento em relação à história das cangaceiras para Paul
Ricuer (2007) aponta para questões subjetivas, estas fariam parte de um processo humano,
segundo o autor, ambas associadas a memória e a história. Na medida em que questiona-se como
memória e história podem ser esquecidas, observa-se como estas podem ser perdoadas. Qual o
impacto da recepção destes depoimentos? Porque selecionar o que deve ser contato e registrado?
A memória também é um caminho que contribui nas relações do individuo com o mundo exterior,
diante disso, o estudo da memória e da história nesse trabalho poderá possibilitar análises
profundas sobre as formas que a Memória dessas mulheres deram vida a história de seus
companheiros, tentado compreender porque filmes produzidos para dar a voz a elas, culminaram
em produções fílmicas sobre eles, os Cangaceiros.
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No inicio do documentário de José Umberto Dias o amor foi registrado também como
elemento motivador. Observa-se que ambos constroem uma imagem “frágil” das cangaceiras,
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e como estas também necessitavam de “cuidados”. O feminino para ambos estaria associado a
fragilidade e ao “dom de amar”. A violência, a guerra e o enfrentamento com as volantes não
eram coisas de “mulher”. Contudo, as fontes documentais apontam para algumas
contradições: mulher como chefe de bando; Dadá como liderança e pegando em armas. Para
José Umberto Dias, em suas pesquisas suas fontes não apontaram para a existência de
mulheres como chefes de bando? Um elemento que precisa ser investigado.
No Feminino Cangaço o documentário inicia com algumas falas de pesquisadores
(as), e então Dadá surge contando a violência sofrida por sua família após seu rapto, as
volantes entendiam que seus familiares eram coiteiros do bando de cangaceiros, a entrevistada
faz uma denúncia a violência praticada pelas volantes, a cena seguinte surge Frederico
Pernambucano Mello fazendo uma análise do cangaço, dos cangaceiros, sobre elas ou sobre a
violência a que elas estavam expostas nenhuma linha. A edição acabou por optar para a
história deles, e a delas ainda tardava a ser contada.
No depoimento de Deus te Guie o ex-cangaceiro deixa claro “as mulheres andava
igual homi (sic)”; só estavam vulneráveis segundo ele quando estavam “com problema de
gestação (sic)”. Mas, no decorrer do documentário a figura frágil das mulheres ainda persistia
em aparecer. Esses elementos necessitam ser estudados, precisa-se compreender porque a
“fragilidade” feminina deve compor a história de Cangaceiras, Guerrilheiras e Soldadas, e na
disputa da memória sobre o cangaço a permanência dos esquecimentos em relação a elas, as
cangaceiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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tudo é medido e concentrado e faz diferença. Ela inicia: “Sonhei que corria por um campo, e
que fui atingida por um raio que me partiu em duas. Sem medo nem dor, eu era duas – duas
mulheres idênticas corriam em direções opostas” (LUFT, 2008, p. 95).
O sonho é um componente central na história contada por essa mulher, e vai
desencadear fatores decisivos em sua vida – uma vida comum, rotineira, enfadonha, linear,
estática e aparentemente sem sobressaltos, até aquele dia, no qual ela emerge desse sonho e já
não se sente mais a mesma pessoa. A imagem de alguém que corre num campo pode remeter
à sensação de liberdade, a depender do contexto; mas, de repente, no sonho, essa mulher é
abatida por um raio, que a parte em duas, e nisso poderia haver dor, sofrimento, morte,
tragédia. Contudo, não é o que se nota, no caso específico: ela não sente “nem medo nem
dor”. E poderíamos perguntar: por quê? O que representaria a ausência dessas sensações?
Indiferença? Destemor? Prenúncio de uma transformação que há de vir? Apenas, de uma hora
para outra, ela se vê dividida. O oposto se faz presente – e para ficar – no momento da
afirmação: “duas mulheres idênticas corriam em direções opostas”. Assim nos é apresentada e
se nos apresenta, a personagem central, em lances de extrema autopercepção e senso crítico.
Passemos a analisar a concepção da personalidade da narradora, através de seu ponto
de vista e das muitas pistas latentes, considerando, por ora, um viés fundamental: sua
infância, ligada aos familiares mais íntimos.
Como vimos, a narrativa se inicia com a apresentação do sentimento de dualidade,
por parte da protagonista. Contudo, a sensação de duplo, de oposição sempre esteve na vida
dessa mulher: sua mãe tivera uma filha antes dela, mas, ainda bebê, a menina morrera.
Novamente grávida, e uma vez com a segunda filha nos braços, a mãe exclamara: “– É a
mesma!”. A avó da criança, italiana que era, exclamou em sua língua de origem: “ma è la
stessa” (op. cit. 2008, p. 96). Pronto. O nome da menina estava escolhido – para marcar, de
saída e definitivamente, a condição primária de quem assumiu o lugar de outra, sendo esta.
Não podia ser outra, ela própria? Sobre o pai, ela diz: “Lerda, dizia meu pai, mas que menina
lerda, anda, menina!” (op. cit., 2008, p. 97). Eis, assim, a filha subjugada, desoriginal, alheia à
sua condição particular e única.
Isso nos leva a concluir que Stessa sempre esteve, de alguma forma, assinalada pela
diminuição de seu papel e de sua força enquanto mulher. As palavras da mãe e da avó, no
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momento mesmo de seu nascimento, inscrevem-se, nela, como signos que, uma vez
pronunciados, marcam de uma vez por todas a sua vida. Funcionam, assim, como rubricas
que, simbolicamente, definem um traço impulsivo na personalidade da menina; prenunciam a
sua condição subalterna posterior; e, de maneira bastante representativa, demarcam o
território do indesejado: como não ser considerada única – como indivíduo que se é – pelas
pessoas até então mais importantes em sua vida?
Assim também, quando escutamos a voz do pai, a acusar que a filha era uma “lerda”,
distanciando-se da manifestação de carinho, apoio e confiança, característica de
relacionamentos familiares saudáveis, encontraremos, outra vez, uma pessoa, em sua
condição feminina, destratada e desamada pela primeira figura masculina de sua existência, o
pai. Esses acontecimentos se constituem, por sua vez, em pistas muito significativas para
interpretarmos tanto a postura da personagem central no decorrer de toda a sua trajetória
seguinte, como mãe e esposa, quanto nos servem a acessar a sua própria percepção acerca do
lar que lhe formou, quando era apenas a filha.
O desenho familiar nesse conto (centrando-se, inicialmente, nas limitações afetivas
no tempo em que a narradora era criança, e, em seguida, na caracterização do ambiente
doméstico no presente narrado, em seus papéis de esposa e mãe) leva-nos a um dos traços
marcantes da obra de Lya: a subalternidade da mulher nos diferentes momentos de sua
história pessoal, desde a infância.
Segundo a pesquisadora Cintia Cecilia Barreto (2006, p. 12),
O período infantil é um tema extremamente caro para Lya Luft. Em todas as suas
obras, sejam as ficcionais sejam as ensaísticas, é sempre possível observar a presença dessa
etapa da vida como um marco para as trajetórias afetivas que irão compor a existência dos
indivíduos ao longo do tempo. Como vimos acompanhando, em Uma em duas não é
diferente: o conto é curto, as situações de vivência familiar da personagem principal quando
criança são breves (o que em nada diminui a densidade dramática do conflito). Assim, de
todos os elementos citados por Barreto (2006), a rejeição, ligada à ausência de amor, aplica-se
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a Stessa, durante sua infância, de maneira destacada, não brutal e direta, mas sutil, direcionada
à não valorização de sua singularidade e completude.
Vale destacar, nesse contexto, alguns elementos de relevo, necessários à construção
da personagem tal como observamos e, também, ao desenrolar do enredo psicológico,
digamos, em outras palavras, da atmosfera intimista, base de sustentação para a complexa
construção da densidade interior dessa mulher. Já vimos que as demais personagens com as
quais ela se relaciona foram, no passado, a mãe, a avó e o pai, além de professores, os quais,
muito ligeiramente, são citados para mostrar o estranhamento diante do nome tão inusitado e
curioso, quando “levantavam os olhos da lista de presenças no primeiro dia de aula” (LUFT,
2008, p. 95). No tempo presente em que se passa a narrativa, porém, Stessa já convive, em seu
cotidiano, com o marido e a filha (relacionados em análise mais adiante) e com a empregada,
esta citada para mostrar que nunca acerta o nome da patroa, a quem se refere sempre como
“dona Estércia” – o que assinala, sem dúvida, um indício de que, nem ao menos para uma
pessoa subordinada a ela, a protagonista se sente ela própria, visto que seu nome não é sequer
pronunciado corretamente.
Toda a ambientação física, na história, é doméstica, sendo o lar, esse espaço restrito à
convivência familiar, o único a marcar presença com relevância. Já o tempo da narrativa é
predominantemente psicológico, pois está centrado nas reminiscências, nos desejos íntimos,
na imaginação e no conflito interior da personagem, desencadeado pelo sonho primordial.
Destarte, convém ressaltar os três momentos da passagem do tempo que afloram na fala de
Stessa: a infância, já destacada por nós; o momento que sucede ao referido sonho, cenário da
situação conflituosa; e o estágio de reinvenção interior da personagem, fixado no que
chamamos aqui de “transgressão”, o clímax da narrativa, alvo de observações subsequentes.
[...] uma pintura quase infantil, um jardim com duas árvores floridas, no meio um
banco onde se sentava uma menina com sua boneca na mão estendida. Ou era uma
jovem mulher com uma criança? De cada lado dela havia um gato: o preto sentava-
se nas patas traseiras a seu lado direito no banco; o branco estava no capim do lado
esquerdo. Sempre imaginei que era um daqueles gatos: minha irmãzinha morta seria
o branco, e naturalmente eu era o preto. Eu com minhas trapalhadas, meus medos,
eu tão mentirosa, não muito inteligente nem muito bondosa. Por que um daqueles
bichos não era ruivo? Tudo teria muito mais graça. (LUFT, 2008, p. 96)
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representa, também, em nosso folclore, azar e assombramento). E a cor ruiva, que ela defende
(“Tudo teria muito mais graça”...), que sugere? Se o branco e o preto indicam maniqueísmo,
separação delimitada entre bom e mau, agradável e desagradável, o ruivo seria a mescla dos
dois, o exótico, o diferenciado, o mais atrativo e curioso. Desafiador? Se “teria mais graça”,
também poderia ter o mistério encoberto, e a ânsia por desvendá-lo. Quem seria o gato ruivo,
se ele existisse? Ela, a “stessa”, sempre a “mesma”, desejaria sê-lo, sentir-se como ele?
Resta saber, ainda, o que representa e como é percebida essa mesma imagem (no
tempo presente da narração), tão carregada de valores autorreferenciais na vida da
protagonista, que confessa: “Agora, com essa outra mulher saída de mim, não um clone mas o
meu avesso, revejo o quadro e entendo que não somos o bebê morto e eu: somos eu e o meu
outro eu. Também percebo que eu sou o gato branco. A outra vem da escuridão, cheia de
maldade, e muito mais divertida” (op. cit., p. 96-97).
De posse da concretização de sua segunda persona, idêntica fisicamente, mas
contrária, nascida do sonho, presentificada em seu lar, agora a leitura do quadro é diversa da
primeira: sob o olhar da observadora, os dois gatos são seus dois eus, num jogo de espelhos e
reflexos que vão de fora para dentro e de dentro para fora. E poderíamos acrescentar, como
questionamento: e a boneca no colo da menina, por vezes confundida, no passado, com uma
criança no colo de uma mulher? Seria, agora, o bebê preferido, e morto em seguida, no colo
da mãe? A narradora não dá atenção a esse recorte, no hoje de sua idade adulta, mas nós, seus
leitores e confidentes, efetuamos nossas próprias conclusões.
Podemos caracterizar esse diálogo entre literatura e pintura, realizado, no conto, pela
voz e sob o ponto de vista da personagem, como um recurso temático e estilístico que
enriquece o teor subjetivo, imagético, sugestivo e simbólico da narrativa. Um texto
intersemiótico, ousamos dizer, pois que não se vale da inclusão de uma outra arte apenas
como mero artifício ou técnica de enfeite, mas promove leituras inusitadas e criativas, tanto
na voz que narra quanto no leitor que (re)interpreta. Numa confirmação, assim, da constatação
de Frederico Fernando Souza Silva (2010, p. 166), que destaca: “A literatura se aproxima da
pintura, na medida em que para esta o processo de criação também pode ser livre de estruturas
preconcebidas. Os aspectos sociais, o cotidiano e sobretudo o imaginário do artista são as
principais fontes de construção das artes plásticas”.
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SONHAR É TRANSGREDIR
É correto afirmar que a realidade, no sentido literal, não está no cerne que dá forma e
sentido ao conto. Temos, assim, a conotação de um evento, que poderia ser trivial (mas, no
contexto, não passa a ser), num dado irreal, considerando um dos traços mais decisivos dessa
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de estranhar que isso aconteça, e não somente pela marca intimista da obra luftiana, mas,
sobretudo, pelas relações fecundas e de há muitos revisitadas, entre a literatura e a psicanálise.
Aquela, arte e transubstanciação da realidade por meio da imaginação e da fantasia; esta,
desbravamento da alma humana e seus mistérios ainda encobertos, aos quais se dedica a
descobrir, desvelar e interpretar.
Foi com a publicação de “A interpretação dos sonhos”, que Sigmund Freud, o pai da
psicanálise, ofereceu à humanidade uma obra clássica, pioneira e perene na área.
Acerca do sonho (entre as inúmeras observações e análises que a obra contém),
Freud analisa:
Qual o material do sonho de Stessa, a não ser ela mesma? Ao “correr po um campo”,
de repente essa mulher se vê repartida em duas, e por “um raio”. A protagonista não sabe
explicar de onde vem aquele outro ser, o seu “avesso”, a sua transgressão personificada. Mas,
como o Velho observa acima, em sua obra cabal, o material do sonho daquela mulher era a
sua própria experiência: a ânsia por uma nova natureza íntima; o desejo de mudar; a vontade
de conquistar autonomia. No fundo, ela “sabia e recordava de algo que estava além do
alcance” de sua “vigília” e realidade – algo que a diminuía e deveria ser desbaratado,
ignorado, abnegado.
Stessa, até aquele momento tão desprovida de coragem e ousadia, no papel de mulher
que lhe coube exercer, agora, depois do sonho, já não se sentia mais assim tão “boba” (como,
em determinado momento, a filha dissera) nem tão distante da liberdade, outrora incompatível
com sua personalidade e postura.
Ela ironiza:
Começo a achar que a outra pode ser minha parte melhor.
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[...]
Estou aprendendo a trocar de lugar com ela, enquanto ela se diverte no meu, executa
as minhas tarefas com todas as suas artimanhas: o café fraco, a comida requentada, a
filha negligenciada, as gaiolas sujas, e a casa que caia aos pedaços [...]. (LUFT,
2008, p. 99-100)
A cada dia estou mais do outro lado; aprendi o pulo-do-gato. A cada dia aumenta o
meu poder de mudar – e a qualquer hora não volto. Deixo a outra aqui enrolada com
minha vida, e para sempre fico no seu mundo, onde sou má e relaxada, sou vulgar,
pinto as unhas dos pés de vermelho berrante e o cabelo de um louro medonho, dou
um tapa na minha filha e cuspo no meu marido, deixo os malditos canários
morrerem na sujeira. E saio voando montada no meu gato ruivo, que é das bandas
das maldades, como eu. (op. cit., p. 100)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com poesia e singularidade estilística, Lya Luft, no exercício de uma literatura em
franco diálogo com a psicanálise, e em sintonia com as reflexões sobre Gênero, consegue,
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com a narrativa Uma em duas, um de seus melhores resultados no terreno do conto. A escolha
desse exemplar literário, entre tantos de reconhecida qualidade artística, deu-se em função de
sua evidente complexidade em torno da personagem feminina central, alvo de nossa
discussão. Deve-se considerar que, por motivo de espaço, não poderíamos nos alongar em
aspectos secundários mas de importância no interior do conto. Acreditamos, contudo, ter
alcançado o objetivo proposto: desbravar a condição transgressora da mulher (representada
pela narradora protagonista), de modo a enriquecer o debate sobre gênero, sexualidade e
feminismo, servindo-nos de nossa eminente produção literária nacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, Cintia Cecilia. A representação da infância em Lya Luft. Rio de Janeiro, 2006.
124 fls. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) — Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
COLASANTI, Marina. Fragatas para terras distantes. Rio de Janeiro: Record, 2004.
FIORUSSI, André. In: MACHADO, Antônio de Alcântara et alii. De conto em conto. São
Paulo: Ática, 2003.
FISCHER, Luís Augusto. Literatura brasileira: modos de usar. Porto Alegre: L&PM, 2008.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (Primeira parte). Vol. IV (1900). Disponível
em:<http://www3.universia.com.br/conteudo/literatura/A_interpretacao_dos_sonhos_de_sigm
und_freud.pdf>. Acesso em: 09/10/2015.
LAKOFF, Robin. Linguagem e lugar da mulher. In: OSTERMANN, Ana Cristina;
FONTANA, Beatriz (org.). Linguagem. Gênero. Sexualidade. Clássicos traduzidos. São
Paulo: Parábola Editorial, 2010.
LUFT, Lya. Em outras palavras. Rio de Janeiro: Record, 2006.
______. O silêncio dos amantes. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. 2. ed. São Paulo:
Globo, 2014.
SILVA, Frederico Fernando Souza. Literatura e pintura: uma leitura possível em sala de
aula. TRAMA INTERDISCIPLINAR – Ano 1 – Vol. 1 (2010). Disponível em:
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INTRODUÇÃO
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Pesquisas recentes têm apontado que o magistério feminino foi construído, ao longo
da segunda metade do século XIX e décadas iniciais do XX, com argumentações em
torno, inclusive, de uma desqualificação masculina para o exercício dessa profissão.
(Ênfase adicionada)
Como vimos o Presidente que descreve sobre uma ampliação para educação de
ambos os sexos parece-nos, que sugere uma melhor estrutura para a realização desse ensino. A
presença de uma figura feminina para educar as crianças do sexo feminino mostra-se
relevante nesse relatório. O Presidente faz associações das estruturas físicas, a uma professora
qualificada para tal função, tecendo elogios as mulheres nessa profissão. Mas afinal, quais
poderiam ser os verdadeiros interesses postos nos discursos desse presidente, em relação às
atribuições do mesmo, da mulher na profissão docente, mais especificamente, a figura de
Idalina nesse processo?
Apropriamo-nos de conceitos sugeridos pelo filósofo Francês, Pierre Bourdieu que
discute a figura do homem como uma dimensão simbólica do poder sobre a mulher:
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Tenho esperança, Senhores que não deixareis de dotar a província com tão útil
estabelecimento. Se uma boa educação a todos aproveita, muito maiores são as suas
vantagens, em relação aquelas que tem algum dia de exercer as funções de mães de
família. A senhora que possuem uma instrução variada transmite a seus filhos os
conhecimentos que adquiriu na infância, inicia-os nos elementos de literatura e arte
liberais, e dispõe a sua inteligência para estudos mais importantes. Seus cuidados
maternais, desenvolvendo-se em uma esfera mais larga, são sobre tudo, um recurso
precioso naquelas casas menos abastadas, ou de a mais estrita economia tem de
suprir a deficiência dos bens da fortuna.
(RELATORIO APRESENTADO Á ASSEMBLÉA LEGISLATIVA DA
PROVINCIA DA PARAHYBA DO NORTE EM 20 DE SETEMBRO DE 1858
PELO PRESIDENTE, HENRIQUE DE BEAUREPAIRE ROHAN. PARAHYBA,
TYP. DE JOSÉ RODRIGUES DA COSTA, 1858P. 34).
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Tendo uma experiência de mais de dois anos feito ver. Que o colégio de Nossa
Senhora das Neves criado nesta Capital em virtude da Lei Provincial n.13 de 4 de
Novembro de 1853, para a educação do sexo feminino, não correspondi de modo
algum ao dispendio que ele se fazia, visto que apenas era frequentada ultimamente
por cinco alunas, resolveu o Governo em 1 de Março, suspender os trabalhos do
mesmo collegio ate o ulterior deliberação de Assembleia provincial removendo a
respectiva professora de primeiras letras D. Rosalina Tetuliana de Almeida que era
ao mesmo tempo directora do Collegio para a cadeira do mesmo ensino da Vila
Campina Grande, e exonerada a Pedido da Professora de Geografia Idalina
Margarida de Assunção Henriques”.
(RELATORIO APRESENTADO A ASSEMBLEA PROVINCIAL LEGISLATIVA
DA PROVINCIA DA PARAHYBA DO NORTE NO DIA 1 DE AGOSTO DE 1861
PELO PRESIDENTE, DR. FRANCISCO D'ARAUJO LIMA. PARAHYBA, TYP.
DE JOSÉ RODRIGUES DA COSTA, 1861. P. AJ-1).
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Embora o colégio em que a docente desempenhava seu trabalho, não tivesse atuando
com maior abrangência ficando restrito apenas ao ensino primário, é evidente que esse
estabelecimento chamasse a atenção das autoridades do período pelo o bom desempenho na
instituição para as meninas. Quando falamos dos discursos produzidos pelos Presidentes de
província, acerca de uma escola para o sexo feminino, notamos que os mesmos se aproximam
dos discursos sobre a instrução do sexo oposto, como fora citado acima, apresentando o grau
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Nesse sentido, o autor esclarece na compreensão, de como era dada a separação entre
os gêneros, das atividades e lugares designados a cada um deles, no período oitocentista. No
processo de feminização no espaço público, a figura da professora Idalina foi fundamental
para o desenvolvimento da educação e inserção da mulher na Província da Parahayba do
Norte.
No ano de 1866, o diretor Fructuso da Solidade Segismundo fez um levantamento de
como estaria o ensino primário e secundário, fazendo um balanço das escolas de ambos os
sexos ao ensino que estava sendo aplicado. Em 1866, o relatório apresentado na província,
toma como contraponto duas escolas: Uma dirigida por um Padre e a outra por uma
professora de Geografia:
Os únicos colégios que presentemente tem a província são antigos e bem conhecidos
do sexo masculino da vila de cajazeiras, e outro de meninas. Ha poucos anos
instalado na Capital. Enquanto no primeiro que exclusivamente se há prestado a
estudos secundários, não é preciso testemunhos para evidenciar a regularidade de
seus trabalhos, e os variados conhecimentos de que há enriquecido a mocidade dos
sertões: o prestigioso nome do Rvm. Comendador Padre Ignácio de Souza Rolim
seu instituidor, sobejamente o acredita e circunda de bem merecida consideração:
mas a nenhuma correspondência, que no corrente ano há tido com da sua
continuação. Enquanto, porém ao de meninas dirigido por D. Idalina Margarida da
Assumpção Henriques tenho a satisfação em fazer saber a V. Exc. Que progride com
vantagem e aproveitamento de 22 alunas que ali aprendem.
(RELATORIO APRESENTADO Á ASSEMBLÉA LEGISLATIVA PROVINCIAL
DA PARAHYBA DO NORTE PELO 1.O VICE-PRESIDENTE, EXM. SR. DR.
FELISARDO TOSCANO DE BRITO, EM 3 DE AGOSTO DE 1866. PARAHYBA,
TYP. LIBERAL PARAHYBANA, 1866. P A8-9)
No primeiro momento ele toma como modelo, o colégio do sacerdote Padre Ignácio
Souza Rolim, pelo ensino secundário que era aplicado na instituição. Segundo momento vem
a preconizar o colégio de D. Idalina Margarida Assunção, pela boa educação que ela
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desempenhava quanto ao ensino primário, e que antes era aplicado com pouquíssimas alunas,
como foi supracitado acima. Mas uma vez, o diretor assim como seus antecessores destaca o
papel da professora que, tinha uma forte confiança por parte dos políticos como responsável
por administrar uma escola para meninas.
Entretanto em1867, o presidente Barão de Baurú, ressalta em seu relatório sobre a
decadência do ensino no Liceu, enfatizando a relevância de uma reforma. Desta vez, o
trabalho de Idalina é enaltecido pelo então presidente da província, argumentando uma
melhoria da escola com o aprovisionamento de mais professoras para a instituição:
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Tratando destas escolas, cumpre-me mencionar entre outras com louvor os collegios
D. Idalina Margarida da Assumpção Henriques do sexo feminino, e Manoel José
Alves Branco, do sexo masculino, nesta Capital, pelo interesse dos seus mestres e
aproveitamento dos discípulos nas quaes se ensinão também matéria de instrução
secundaria.
(RELATÓRIO com que S. EXC O Sr. DR SILVINO ELVIDIO CARNEIRO DA
CUNHA 1º VICE-PRESIDENTE PASSOU A ADMINSTRAÇÃO DA PROVINCIA
DA PARAHYBA DO NORTE AO EX. SR. DR BENANACIO JOSÉ DE
OLIVEIRA LISBÔA 1869 P. AB6).
Nesse ano percebe-se nos relatórios que, a instrução secundária também já era
aplicada para meninas. Mas afinal, o fato de tantos presidentes referirem-se a uma figura do
sexo feminino na instrução pública, período tão marcado pela presença masculina, no caso da
professora Idalina mostra-nos como se deu o processo de feminização do magistério na
Província da Parahyba do Norte. O progresso na educação dessa província deu-se de modo
gradativo, porém satisfatório, segundo os relatórios.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes Históricas
Relatórios dos Presidentes de Província da Parahyba do Norte
Todos os relatórios citados abaixo estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico:
http://www.crl.edu/brazil/provincial/para%C3%ADba
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INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade o mundo do trabalho se apresenta com novas configurações,
atividades culturalmente constituídas no imaginário social por indivíduos na condição
masculina, vem crescentemente sofrendo alteração, as mulheres vem apropriando-se de postos
de trabalho e profissões antes atribuídas apenas aos homens, a exemplo podemos citar o
aumento da participação feminina na construção civil. A presença das mulheres brasileira no
mercado de trabalho vem aumentando de forma consistente e significativamente nas últimas
décadas.
Desde a década de 60 a ideia de um ser cibernético, parte máquina, parte organismo,
essa ideia nos remete às ficções científicas, nos filmes: Star Trek, Exterminador do Futuro e
demais filmes e livros que mostram seres modificados, melhorados e reconfigurados a partir
das tecnologias. A relação do homem e da máquina parece retirar a priori parte da
humanidade que existe e afastar o ciborgue232 da realidade social, longe de ser apenas um ser
de ficção, o ciborgue corresponde às experiências vividas, além da realidade social que está
presente na contemporaneidade.
Para Andre Lemos (2003) o “nosso corpo é fruto de diversas combinações de
informação ao nível dos genes está em sintonia com a era da informação.”233 Ainda segundo o
autor, o corpo assume o papel de pura informação, este corpo é fruto de diversas combinações
de informação que está em sintonia com a era de informação, o corpo agora é objeto de
intervenção. Por isso a necessidade de se pensar nas representações como a mesma é
reproduzida, além da tecnologia que se torna aliada no sentido de possibilitar uma melhora na
232
HARAWAY, 2009, p. 36.
233
LEMOS, 2003, p. 7.
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qualidade de trabalho na construção civil, dessa forma outra relação com o corpo. Segundo
Joan Scott (1995):
234
SCOTT, 1995, p. 75.
235
FIGUEIREDO, 2008, p.238.
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culturalmente, é não ter medo, não chorar, não demonstrar sentimentos, arriscar-se diante do
perigo, demonstrar coragem, ser ativo.
Podemos considerar a masculinidade como o resultado de várias transformações
sociais, de papéis e conceitos que levaram os homens a comportamentos estereotipados tais
como: ser agressivo, viril, não afeminado, coloca o homem em uma situação nitidamente
superior em termos de poder social em relação às mulheres, gerando uma dominação e uma
subordinação não só em relação às mulheres especificamente, mas a tudo o que possa ser
associado ao feminino. Segundo Connell (1995), embora remetam a um corpo biologicamente
masculino, a construção e vivência das masculinidades ultrapassam a predeterminação física,
uma vez que os corpos masculinos são construídos, definidos e disciplinados especificamente
conforme o contexto.
Os estudos de gênero e raça é fruto da intersecção dessas mesmas categorias, tudo
ocorreu devido ao interesse politico e acadêmico das pesquisadoras negras, vale ressalta que
nesse momento a presença de mulheres pesquisadoras negras na academia ainda é limitada.
Porém as pesquisadoras negras tem uma vasta produção no que tangi o tema e contribui para a
percepção de gênero, nesses discursões políticos o tema mulher e negro, ainda estava
relacionada às características biológicas.
A autora chama atenção como o processo de construção reciproca entre gênero e raça
favorece ao processo de construção de torna-se ser mulher negra. Luiza Bairros considera
importante:
[...] entender diferentes feminismos mas pelo que ela permite pensar em termos dos
movimentos negro e de mulheres negras no Brasil. Este seria fruto da necessidade de
dar expressão a diferentes formas da experiência de ser negro (vivida atreves do
gênero) e de ser mulher (vivida atreves da raça) o que torna superfluas discussões a
respeito de qual sena a prioridade do movimento de mulheres negras luta contra o
sexismo ou contra o racismo'? - já que as duas dimensões não podem ser separadas
236
FIGUEIREDO, op. cit.
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Do ponto de vista da reflexão e da ação politicas uma não existe sem a outra.237
Desta forma o movimento negro, deposita nesse novo padrão de beleza negra, uma
espécie de arma para lutar contra o preconceito, o racismo, a discriminação, moldando uma
nova geração. Pensando nas desigualdades entre homens e mulheres e de como essas
desigualdades são reproduzidas e como as mesmas constrói hierarquias é que “gênero torna-se
uma forma de indicar ‘construções culturais’ – a criação inteiramente social das ideias sobre
os papéis adequados aos homens e às mulheres,”238 entender os processos de construções
culturais é de suma importância, pois é a partir da relação entre os símbolos culturais e
processos históricos que as desigualdades de gênero serão construídas, portanto atentar para o
fato que estas relações foram construídas, a partir de uma base sócio-historica, no sentido que
as construções vão sendo baseadas em um modelo que traz e envolve questões históricas.
237
BAIRROS, 1995, p. 461.
238
SCOTT, 1995, p. 75
239
É um importante instrumento de coleta de dados, que tem por objetivo o suprimento às necessidades de
controle da atividade trabalhista no País, além do provimento de dados para a elaboração de estatísticas do
trabalho e a disponibilização de informações do mercado de trabalho às entidades governamentais. Disponível
em <http://www.rais.gov.br/sitio/index.jsf>
240
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção - CBIC foi fundada em 1957, no estado do Rio de Janeiro,
com o objetivo de tratar de questões ligadas à Indústria da Construção e ao Mercado Imobiliário, e de ser a
representante do setor no Brasil e no exterior. Sediada em Brasília, a CBIC reúne 79 sindicatos e associações
patronais do setor da construção, das 27 unidades da Federação. Disponível em <http://www.cbic.org.br/>
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241
NATANSOHN, op. cit, p. 21.
242
BOUDIEU, 2007, p.20
243
NATANSOHN, op. cit, p. 17.
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LEGO244, ambos são brinquedos, mas o bloco de montar com dezena, centena ou milhares de
pecas que se unem formando um objeto ou modulo dentre tantas, estimula esse jovem a
construir, inovando, criando assim novos brinquedos, por outro lado a menina recebe algo
pronto, acabado, permitindo apenas interagir com estes brinquedos.
Podemos atentar para estas construções, como a própria Sherry Ortner (1979) aponta
que a mulher é sempre posta para o natural e o homem como ser social245, segundo Adriana
Piscitelli (2004), acrescenta que:
A subordinação da mulher não é justa nem natural como chegou a ela e se mantém?
[...] As diversas correntes do pensamento feminista afirmam a existência da
subordinação feminina, mas questionam o suposto caráter natural dessa
subordinação. Elas sustentam, ao contrario que essa subordinação é decorrente das
maneiras como as mulheres é construída socialmente.246
Estas ideias estão posta em nossa sociedade e no senso comum o que acaba gerando
desigualdades, visto que algo que é natural se transforma em social, pois os diferentes grupos
e sujeitos vão perpetuando a mesma, a partir de determinadas construções o que indica a
intensificação da mesma.
Fazendo uma comparação entre o setor da construção civil e o setor computacional em
relação à igualdade de gênero, acreditava-se que um ambiente comunicacional seria mais
propicio ao desenvolvimento da igualdade de direitos e oportunidades entre os gêneros, porem
isso não acontece, as relações de poder existem e continuam as desigualdades e contradições
no uso, desenho e produção das TIC’s, entre homens e mulheres, brancos e negros, ricos e
pobres. Sendo assim Graciela Natansohn (2013) aponta que surge então a “Brecha digital de
gênero”, que não se refere somente as dificuldades de acesso à rede, mas também, aos
obstáculos que as mulheres enfrentam para apropriarem-se da cultura tecnológica, devido a
hegemonia masculina nas áreas estratégicas de formação, pesquisa e no emprego das TIC’s.
De acordo com Deise Gravina coordenadora, o objetivo é a qualificação profissional
de mulheres na indústria da construção civil, o maior desafio para a inserção da mão de obra
244
O Grupo LEGO é uma empresa privada com sede em Billund, na Dinamarca. está envolvida no
desenvolvimento da criatividade das crianças através de jogar e aprender. Baseado no mundialmente famoso
tijolo LEGO ®, a empresa hoje fornece brinquedos, experiências e materiais de ensino para crianças em mais de
130 países. Disponível em<http://www.lego.com/en-us/>
245
ORTNER, 1979, p. 99
246
PISCITELLI, 2004, p.2
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desvaloriza certos atributos corporais, criando um tipo físico para cada sociedade, segundo o
contexto histórico e cultural de cada lugar.
Para tanto é importante atentarmos para a construção do corpo de como o mesmo é
construído, e refletir sobre que corpo é este? Como ele se dá na construção civil? Como e qual
as condições desse corpo, Monteiro (2008) aponta para um processo de “dez –
universalização, a partir do momento que novas identidades masculinas e femininas buscam
se afirmar, buscando sua legitimidade a partir de uma oposição ao outro”, por isso Mauss
(1974) aponta que a partir da disposição e observação dos corpos é possível construir uma
teoria do corpo, como que os homens a partir das diferentes sociedades sabem-se utiliza-se de
seus corpos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tantos negros quanto brancos experimentam seu gênero, classe, sexualidade através
da “raça”, a racialização da subjetividade branca não é muitas vezes manifestadamente clara
para os grupos brancos, segundo Brah (2006) porque “branco” é um significado de
dominância, mas isso não torna o processo de racialização menos significativo. É necessário,
portanto, analisar a “mulher branca”, “mulher negra” como “homem branco”, “homem negro”
tal desconstrução é necessária se quisermos decifrar como e por quer os significados dessas
palavras mudam de simples descrições a hierarquicamente organizadas em certas
circunstâncias econômicas políticas e culturais. As diferenças são construídas de maneira que
os órgãos sexuais são sempre trazidos à cena social para representa a distinção entre homens e
mulheres, “a diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo
feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode ser vista
como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros.”248
O que reflete em uma construção da masculinidade baseada na negação do outro o que
vai implicar em uma construção diferenciada de masculinidade, como bem aponta Almeida
(2000), o mesmo dirige para uma percepção, sobretudo na sociabilidade e nos discursos e
248
BOURDIEU, 2007, p.20.
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praticas diferenciadas na pratica da masculinidade apontando como que o ato de tomar café na
ilha de Pardais, que é uma construção urbana e cosmopolita burguesa também é uma forma de
constituição da masculinidade.
Refletindo a cerca de como as desigualdades de gênero se constitui a partir de
determinadas hierarquias e que está implicada juntamente com raça, o que vai gerar uma
dupla desigualdade, podemos adicionar a essa a questão a masculinidade hegemônica que
segundo Connell (2013), é produzida em contextos específicos, podemos pensar em uma
hegemonia masculina.
Pensando na relação estabelecida no canteiro de obra entre os operari@s e a
tecnologias digitais, podemos aponta para as formas de relacionamento social através das
novas ferramentas de comunicação, que surge com uma gama de possibilidades de se
relacionar com o individuo e o mundo, e entre ambos. Ele ponta para a relação de semelhança
entre as relações online e a relação face a face, apesar do anonimato, da ausência física,
presentes nessas novas praticas sociais, além de certa dificuldade de estabelecer confiança nas
novas formas midiáticas online. Com base nessas informações podemos refletir qual a relação
que a tecnologia digital tem com essa pesquisa, quais as novas formas de relacionamento
moldadas nesse ambiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
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376. Disponivel em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30396.pdf>
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ROSALDO, Michelle e LAMPHERE, Loise. (orgs) A mulher, a cultura e a sociedade. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
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corpo como, se o meu fosse sua casa”, In: Reunião Brasileira de Antropologia, 29ª, Natal,
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PISCITELLI, Adriana. Re-criando a (categoria) mulher? Biblioteca território de maíra.
Disponivel em: <http://mairakubik.cartacapital.com.br/wp-content/uploads/mairakubik/sites/
3/2012/07/adriana01.pdf>
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INTRODUÇÃO
O interesse pelos estudos de gênero, através dos relatos de viajantes europeus deu-se
pelo trabalho de pesquisa PIBIC/CNPq realizado entre os anos de 2013 e 2014, na
Universidade Federal da Paraíba, intitulado: A docência masculina em tempos de feminização
do magistério: facetas de gênero no debate da profissão docente na Parahyba do Norte-
(1860-1920), sobre a coordenação e orientação do Professor Doutor Matheus da Cruz e Zica,
detendo-me ao meu plano de trabalho: Gênero e docência sob a ótica dos viajantes europeus
que visitaram o nordeste brasileiro ao longo do século XIX. Várias literaturas de viagens
foram consultadas, porém nesse trabalho focaremos nos relatos de Henry Koster, em uma
única Província.
Na perspectiva de entender, como as relações entre homens e mulheres foram
configuradas durante o processo histórico brasileiro a partir do século XIX, é necessário
compreender as multifaces estabelecidas sobre os papéis de ambos. Nesse trabalho
enfocaremos essas relações a partir da ótica do europeu, Henry Kostert, que esteve no Brasil
por duas vezes, com ênfase no sujeito masculino.
Suas descrições a respeito da Província de Pernambuco, durante o período
apresentado acima deixaram marcas de como teria sido as relações entre os homens e
mulheres associadas ao contexto do período. O viajante parece apresentar traços fiéis do
nosso país, aspectos relevantes que foram apontados por outros cronistas que, também
estiveram no Brasil naquele contexto. Koster é enfatizado pelos demais companheiros:
Nenhum dos grandes viajantes e naturalistas que visitam o Brasil no século XIX
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O fato de Koster ser tão citado pelos seus compatriotas nos instiga a fazer uma
análise mais apurada sobre seus relatos, que estão compostos por uma diversidade de aspectos
como: os hábitos, a história, a religião, a economia, etc. Tantas características descritas por
ele, de certo modo despertou nos companheiros a curiosidade de conhecer mais sobre o
Brasil. Zica (2011) faz ressalva sobre as formas de como os viajantes europeus referencia os
aspectos do Brasil:
Nos relatos dos viajantes europeus que visitaram o Brasil ao longo do século XIX
podemos perceber referências a aspectos bastante diversificado do cotidiano. A
ansiedade por classificar detalhadamente os animais, os vegetais, os tipos de rocha e
clima de cada lugar em que pisavam, característica que perpassa a maioria deles,
parecia se espraiar também nas observações minuciosas que faziam do
comportamento social, cultural e econômico de cada população visitada.(ZICA
2011, p. 40).
Focando pelo viés das relações de gênero, mais detidamente sobre as condições dos
sujeitos masculinos, na província pernambucana, a seguinte questão nos inquietou: Como o
viajante Henry Koster descreve os comportamentos das mulheres e dos homens nas primeiras
décadas do século XIX? Esse questionamento também procede das lacunas de estudos sobre a
masculinidade.
Na tentativa de responder a esse questionamento apontamos sugestões propostas por
Bourdieu, em se tratando das questões de gênero:
Como estamos incluídos, como homem ou mulher, no próprio objeto que nos
esforçamos por apreender, incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de
percepção e de apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina; arriscamo-
nos, pois, a recorrer, para pensar a dominação masculina, a modos de pensamento
que são eles próprio produto da dominação. (BOURDIEU 2014, p.13).
essas estruturas para além do que está posto, mas acima de tudo, como a sociedade pensava
essas relações, nesse contexto específico. Chartier (2009) aprimora a compreensão de
Bourdieu no tocante as representações: As percepções do social não são de forma alguma
discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem
a impor uma autoridade à custa de outros (...). De fato, nenhum discurso apresenta-se neutro,
eles influenciam diretamente na compreensão de mundo conceituada a partir de quem escreve.
Percebe-se que, nesse discurso a ausência da mulher é posta como uma crítica, dando
sequência ao tom preconceituoso, com que se refere a presenças das mulheres negras nas ruas.
Essa forma de relacionar a ausência da mulher nas ruas e o “aspecto sombrio” ocasionado
pela presença da mulher negra desnuda as formas de representação desse europeu que, se
encontra diluído com as questões raciais e de classe diferenciado de sua cultura. Rodrigues em
sua obra, Literaturas de viagem (2013), conceitua as formas de como o europeu elabora as
narrativas de aspectos distintos de outros povos, outras culturas, outros espaço, se não o dele:
Essa apropriação realizada pelo olhar europeu deixa claros dois processos: o
primeiro, quando aquilo que se omite ou se fala sobre o outro desnuda muito sobre
aquele que fala; assim, a construção de uma identidade brasileira traz,
dialeticamente, o explicitar-se de uma identidade europeia, e o segundo, cujas
diferentes maneiras de apreender a realidade ambiental no Brasil, vão deixando
transparecer as modificações nos contextos socioculturais europeus e as
transformações nas mentalidades desses períodos. (RODRIGUES 2013, p.11).
A associação que Henry Koster faz, entre a igreja e, a atuação dos homens e
mulheres nesse processo mostra-nos o quanto a sociedade pernambucana era bastante
religiosa e que, também aderiam um estilo de vida na época. De toda forma, como podemos
notar, os estudos sobre os gêneros não podem está de forma alguma separados. Como bem
conceitua Bourdieu:
A divisão entre os sexos parecem está “na ordem das coisas”, com se dizem por
vezes para falar do que é normal, natural, apontado de ser inevitável: ela está
presente ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo,
cujas partes são todas sexuadas), em todo o mundo social, e em estado incorporado,
nos corpos e nos hábitos dos agentes funcionando como esquemas de percepção, de
pensamento e de ação. (BOURDIEU 2014, p.5).
Nesse sentido compreendemos que, o lugar para cada sexo é demarcado por uma
ordem construída socialmente. Essa ordem que determina o lugar do homem e da mulher se
encontra incorporado e está presente o tempo todo de forma silenciosa. Em se tratando das
representações desse europeu, vemos a atuação de ambos em diversos aspectos, entretanto a
presenças das mulheres é frequentemente notada nos festejos religiosos.
Resolveu-se que regressaríamos ao Recife nessa mesma noite. Ao nascer da lua nos
pusemos a caminho. O grupo consistia em cinco frades, muitos leigos, a cavalo,
entre os quais se encontravam algumas senhoras em palanquins e os negros
portadores. Partimos à meia-noite, a lua estava brilhante e o céu perfeitamente claro.
A cena era estranha. A estrada fazia curvas bruscas, mostrando aos que se
adiantavam, no volver dos olhos, o séquito, todo inteiro ou parcialmente escondido
pelo alvoredo. Os frades formavam um bando bem extraordinário, com suas túnicas
dobradas na cintura e presa pela longa corda de flagelação, e seus imensos chapéus
brancos. Várias, entre eles, ficavam em Olinda e outros chegaram ao Recife Às sete
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A indumentária dos frades lhes chama a atenção pela forma de como representa os
detalhes. Ainda nesse contexto nota-se a presença de mulheres e negros que também
caminham durante o período noturno junto ao viajante e os frades, o que dá a entender que, as
mulheres caminhavam com os homens fora dos horários restritos descrito em outra parte dos
relatos, como já fora citado.
Pode ser observado, depois do que escrevi e tenho feito menção, que não é julgar a
sociedade por uma mesma regra. Famílias de igual posição, importância e riqueza,
têm maneiras inteiramente diversas. O fato é que a sociedade sofreu uma
transformação rápida. Não que o povo imitasse os hábitos europeus embora esses
tivessem influência, mas a proporção que a prosperidade aumenta, maior luxo é
exigido; quando a educação se aperfeiçoa, os divertimentos são mais polidos e altos
e, alargando-se o espírito, pelas leituras, muitos costumes tomam forma diversa. As
mesmas pessoas vão insensivelmente mudando e já olham com ridículo e desgosto,
em poucos anos, os hábitos que as haviam subjugado longamente. (KOSTER, p.61).
Em outras partes dos escritos, a vestimenta dos homens é citada com maiores
detalhes:
... O calção de seda, o sapatão de fivela de prata, o bastão alto, com cabo de ouro, o
lacinho para o cabelo masculino, fora se diluindo como fumo diante de um
ventilador. Senhoras e moças vêm para mesa do jantar ou do jogo, com homens,
conversando pilheriando, numa comunicabilidade que suicidaria o Sargento-Mor de
Ribeira vinte anos atrás. (KOSTER, p. 29).
O público masculino parecia dotado de elegância por seus adornos, bem trajados,
vaidosos e gozava da boa vida que, a economia dessa província podia lhes oferecer.
Características importantes são citadas em outros momentos, como, por exemplo, as mulheres
mais uma vez são vistas com homens jogando, conversando, jantando, aspectos que
aparentavam causar estranhamento em outros tempos na Província.
Os modelos de sociedade mencionados por Henry koster não apontam uma
linearidade, mas diferentes formas. As transformações ocorridas no período parecem está
relacionadas a essas características, nesse sentido as mudanças não ocorriam somente pelo
fato de imitarem a Europa em tempo de processo de modernidade, mas a riqueza, a educação,
a prosperidade de modo geral poderia influenciar no avanço da Província. Nessa conjuntura,
pode-se julgar que, o olhar do Europeu sobre um modelo de sociedade imperial provida de
poder, relacionava-se à educação e ao poder aquisitivo que, aos poucos ia transformando a
sociedade em novas formas de está no mundo, o considerado “mundo civilizado”,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisarmos os relatos de Henry Koster podemos ter a noção de como era a
província de Pernambuco. As relações de gênero davam-se sempre em conjunto, o tempo todo
se nota a presença das mulheres, mais especificamente, nos rituais religiosos. Diante desse
710
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fato, compreendemos que a igreja tinha uma influência muito grande nas relações sociais e
comerciais do período. Os homens parecem deter o poder que os eram atribuídos, ora sendo
atuante no comércio, ora na agricultura, nos negócios de modo mais geral.
Outra parte importante sobre as masculinidades é a presença de homens
teatralizando, articulado com pessoas do sexo feminino. Enquanto que a mulher fosse ela, de
qualquer classe ou cor, poderia ser vista nos ambientes mais destinados a elas, a casa, ou a
igreja. Entretanto, mesmo que, a sociedade do período fosse marcada pelo patriarcalismo, as
mulheres são constantemente citadas pelo viajante durante seus relatos sempre de forma
conjunta, em relação de ambos os sexos.
Esse trabalho nos instigou a conhecer sobre os papeis de gêneros no período
oitocentista no Brasil, mais especificamente na região nordeste, uma vez que, essa região
ainda é marcada pela virilidade masculina. Também contribuiu para desenvolvermos outras
leituras acerca do pensamento dos viajantes europeus em visita ao nosso país e, conhecer
outros aspectos em diversas regiões do Brasil em que estiveram presente no Século XIX.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fontes Histórica
Koster, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Rio-São Paulo-Fortaleza: ABC-2003.
___ http://www.brasiliana.com.br/obras/viagens-ao-nordeste-do-brasil/pagina/4/texto
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INTRODUÇÃO
249
“Sair do armário” é uma expressão muito utilizada aqui no Brasil para designar pessoas que se assumem
como gays e lésbicas. Sedgwick (2007) entende o “armário” como uma epistemologia que se constitui em um
regime de regulação e controle da sexualidade, perpassando o público e privado, que eram e são criticamente
problemáticos para as instâncias econômicas, sexuais e de gênero da cultura heterossexista que se pauta na nossa
sociedade desde o século XX.
250
Emerge, ao longo da década de 1980, em países anglo-saxões, estudos sobre homens e masculinidades,
desenvolvidos por pesquisadores homens vinculados ao movimento feminista (CECCHETTO, 2004).
713
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O que Derrida chama de feminino, por exemplo, está para além da mulher, para
além da distinção sexual homem-mulher: é justamente o fim da distinção polar e a
abertura para uma produção de múltiplas diferenças sexuais [...]. sob este prisma, o
feminino não é a mulher, mas sim a possibilidade de se lidar com a ausência da
verdade fálica, masculina, certa... É a possibilidade do desconhecido e do novo e,
por isso, a chance de pensarmos para além de qualquer classificação sexual, seja
hetero, homo, trans, metro ou mesmo pansexual (HADDOCK-LOBO, 2008, p. 20).
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mais aberto e menos segregador para praticar e torcer. Conforme coloca a autora: “É nesse
cenário que o vôlei acaba se constituindo em um espaço de sociabilidade feminina e
homoerótica” (p.91).
As pesquisas de Pacheco (2010) e Pacheco, Lopes & Posteraro (2012), tiveram como
objeto de análise homens atletas profissionais de voleibol de clubes localizados em Minas
Gerais, e seus discursos sobre a construção de masculinidades, dentro e fora das quadras.
Dentre alguns dados da pesquisa, os atletas entrevistados associavam a palavra masculinidade
a preceitos da corporeidade, como a construção de um corpo que suporta dores e fadigas, e,
além da questão corporal, citam as masculinidades ligadas a questões éticas, como: não ser
falso, não fazer intrigas, honestidade, companheirismo, disciplina, coletividade, dentre outros
(PACHECO, 2010).
A questão da sexualidade, como uma interseção da pesquisa dentro do tema
masculinidades, não teve grande impacto nas respostas dos atletas investigados, explicitada
pelos autores por uma certa dificuldade burocrática encontrada no desenvolvimento da
pesquisa e na entrada no campo, assim como na falta de entendimento de dirigentes dos
clubes em “compreender” a importância da mesma, pois julgavam “polêmico” falar sobre a
sexualidade de atletas profissionais. As falas dos atletas estiveram associadas à justificativa
pela escolha do esporte, relacionando atributos tidos como “masculinos” nas habilidades
decorrentes do jogo:
É curioso perceber que a potência sexual passa ao largo do entendimento da
masculinidade enquanto percepção na descrição do que é ser homem. No entanto, ela aparece
na justificativa da escolha pelo esporte. O vôlei é esporte para homem porque é um esporte
envolto pela potência: potência do ataque, do saque. Além disso, é um esporte onde não é
possível se esconder, se omitir. É o homem com a visibilidade do público que supera a
dificuldade da prática, a força do ataque adversário, as dores do corpo e a violência da bola
(PACHECO, LOPES & POSTERATO, 2012, p. 15).
No âmbito de prática de voleibol com jovens, o trabalho de Clementino & Rossetto
Júnior (2008) investigou como jovens de 13 a 15 anos, meninos e meninas identificados como
heterossexuais, de um projeto de voleibol em um bairro da periferia da cidade de São Paulo,
conviviam com outros colegas – do sexo masculino - que identificavam-se como
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com os xingamentos de “bicha” e “viado”. Logo após o episódio, Michael, com o apoio dos
companheiros e da equipe, assumiu-se publicamente como gay, com o objetivo de que o
episódio não fosse ignorado (MONTES, 2011). O fato causou muita repercussão na mídia
brasileira e internacional, gerando até algumas pesquisas acadêmicas sobre o fato
(BANDEIRA, 2013; ANJOS, 2015).
Mais recentemente, fora noticiado o caso do jogador brasileiro que atua na Liga
Italiana de voleibol, no time da cidade de Milano, Vinícius Santos, que assumiu sua
orientação sexual publicamente e fez um pequeno relato sobre ser homossexual dentro do
voleibol em um blog LGBT:
lésbicas, e, deste modo, teço algumas justificativas para este fato: “naturalização” da
participação de atletas lésbicas no esporte, de uma maneira geral, competindo em equipes
femininas sem quaisquer problemas, o que ainda não acontece com atletas gays, por todo o
contexto histórico cultural que ainda permeia o esporte e os sentidos do masculino.
A partir deste quadro apresentado, reflete-se sobre como o voleibol brasileiro tem se
mostrado como o principal esporte que tem trazido à tona discussões relacionadas ao gênero e
à sexualidade. Entretanto, assumir-se como LGBT, no meio esportivo geral, ainda é um
estigma aqui no Brasil, já que muitos/as atletas ainda temem possíveis retaliações de fãs e
torcedores/as, assim como de possíveis “danos” às suas carreiras, como a perda de um
patrocínio esportivo, por exemplo. Todavia, assumir-se também pode ter um sentido
ressignificado mais amplo, pois além de uma posição política que se incorpora, se abre
possibilidades de discussões sobre o tema e de desmistificação da não existência de diferentes
sexualidades e identificações de gênero no meio esportivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste sentido, masculinidades não hierarquizadas começam a emergir no cenário do
voleibol brasileiro, pois deslocamentos e ressignificações sobre os sentidos do masculino
começam a ser visualizados no referido esporte, mesmo ainda existindo resistências, de uma
maneira geral, no campo esportivo masculino. A desconstrução do modelo hegemônico de
masculinidade e de seu viés estruturalista apontam para um movimento de desestabilização
normatizador no contexto do voleibol masculino brasileiro, fato que já é mais do que
perceptível, conforme se constatou neste estudo.
Reconhecer o rompimento da lógica metafísica do pensamento, dos binarismos, das
dicotomias e das classificações, nos mostra a multiplicidade de possibilidades que os
processos identitários, estes de gênero e sexualidade, que me debrucei neste estudo, se
expressam nos sujeitos, seja, inclusive, no esporte, campo ainda muito normatizador no que
diz respeito às sexualidades que fogem do modelo heterossexual, em especial entre os
homens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANDERSON, E.. Inclusive masculinity: the changing nature of masculinities. New York:
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ANJOS, L.A.. “Volei masculino é pra homem”: representações do homossexual e do torcedor
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thuis/bnl-par-20140618-3313674>. Acesso em: 20 de Outubro de 2015.
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transgeneridade no espaço do voleibol”. XIX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e
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BANDEIRA, G. A.. Homofobia, masculinidade e esporte: o caso Michael. In: Fazendo
Gênero 10: desafios atuais dos feminismos, 2013. Anais...
BADIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
CECCHETTO, F. Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.
CLEMENTINO, R.; ROSSETTO JÚNIOR, A.J.. Esporte, convívio, respeito e valorização das
diferenças: voleibol superando preconceitos homossexuais. Encontro da Alesde: “Esporte na
América Latina: atualidade e perspectivas”, Universidade Federal do Paraná. Anais...
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Editora Terceiro Nome, 2009, p. 75 – 93.
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INTRODUÇÃO
251
Desde sua primeira edição, o Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais tem sido organizado pel@s
professor@s Charliton José dos Santos Machado (UFPB), Maria Lúcia da Silva Nunes (UFPB) e Idalina Maria
Freitas Lima Santiago (UEPB). Neste último evento, a parceria foi ampliada para além das fronteiras da Paraíba,
fruto de vínculos acadêmicos na Universidade Federal do Ceará e Universidade Estadual do Ceará, tendo a
participação ativa e fundamental da professora Lia Machado Fiuza Fialho (UECE).
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edição, em 2007, tomou como eixo central “Desafios Históricos e saberes interdisciplinares”;
a segunda, em 2009, voltou-se às “Culturas, leituras e representações”; em sua terceira edição,
em 2011, por sua vez, propôs o diálogo entre diversas epistemologias contemporâneas para
promover “Olhares diversos sobre a diferença”. Em 2013, a quarta edição optou pela reflexão
acerca das fugas, interstícios e brechas que escapam às formas de dominação, enfatizando as
“Subjetividades e Contradiscursos”. Em virtude do aniversário dos 80 anos da conquista do
voto feminino no Brasil, comemorado em fevereiro de 2014, a quinta edição do evento, na
qual este trabalho está inscrito, optou por definir a temática principal de “Feminismos,
cidadania e participação política no Brasil”. Embora existam especificidades entre uma edição
e outra, há, no entanto, um fio condutor que perpassa todo o evento.
No entanto, uma análise (quali e quantitativa) pormenorizada dos anais das quatro
edições anteriores do evento, evidencia fragilidades na maneira como a categoria gênero,
entendida como relacional, tem sido operacionalizada. Como corpus de análise, observou-se
os resumos e palavras-chave de todos os 1001 trabalhos publicados e em 88% dos casos, usa-
se “gênero” quase como um sinônimo de mulheres/feminino. Comprovou-se, ainda, que o GT
“Gênero, homens e masculinidades”, presente desde a primeira edição do evento
concentrando os estudos voltados às masculinidades, tem, por sua vez, o menor número de
trabalhos publicados, compondo apenas 5% do montante. Longe de ser uma exceção, o
resultado desse “balanço” sugere a própria dinâmica no interior dos Estudos de Gênero.
252
Joana Maria Pedro, no esforço de historicizar a categoria Gênero, disserta sobre as limitações teóricas
envolvendo a utilização do termo “mulher”, na medida em que não há “a mulher” universal; substituída,
posteriormente, pela categoria “mulheres”, respeitando, dessa forma, o pressuposto das múltiplas diferenças que
se observa dentro da diferença; e, finalmente, o uso da categoria “Gênero” na narrativa histórica, o que permitiu
às pesquisadoras e pesquisadores focalizarem as relações entre femininos e masculinos, discernindo como as
tensões e acontecimentos foram produtores de gênero. Seguramente, estas categorias de análise não formam uma
evolução na direção da “categoria mais correta”, mas co-existem sendo apropriadas de diferentes formas em
contextos específicos. Ver mais em: PEDRO, 2008.
253
Embora, é verdade, já houvesse uma embrionária discussão sobre a necessidade de um diálogo entre as
perspectivas feministas e os homens na década de 1980. Arilha, Unbehaum e Medrado (1998) citam
como exemplo: 1) Rosiska Darcy de Oliveira que escreveu, em 1983, o artigo “As pequenas pedras no bolso do
feminismo” (Novos Estudos CEBRAP, nº3, v. 2, Nov. 1983), enfatizando a necessidade da participação dos
homens no movimento para que as conquistas feministas pudessem ter continuidade; 2) Ruth Cardoso, também
em 1983, que apresentou na VII Reunião Anual da ANPOCS o texto “A adesão dos homens ao feminismo”; 3)
Maria Lygia Quartim de Moraes que no mesmo encontro, discutiu no GT Família e Sociedade sobre “Família e
feminismo: o encontro homem/mulher como perspectiva”).
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Foi justamente por esta especificidade no emprego do termo que a categoria Gênero
tornou-se historicamente quase sinônimo de “mulheres”. No entanto, cabe ressaltar, o SNGPC
orienta-se pela dimensão relacional do termo, o que implica considerar as relações de poder
que fabricam condutas masculinas e femininas permitidas ou negadas. Ratifica-se, pois, o
posicionamento de Scott (1995, p. 82), quando afirma que “masculino e o feminino não são
características inerentes e sim edificações subjetivas (ou fictícias) que se encontram num
processo constante de construção” ou, ainda, “são categorias vazias e transbordantes, sem
significado definitivo e transcendente”. Amparando-se na analítica foucaultiana sobre o
poder, Scott questiona a afirmação de que as posições normativas são um produto da natureza,
um a priori histórico, e não de conflitos, sedições e insurreições cotidianas. “O gênero é,
portanto, um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado”
(SCOTT, 1995, p. 88).
Aproveitando-se do espaço promovido pela categoria “Gênero”, apenas no
final da década de 1980 e início dos anos de 1990, surgem, timidamente e de forma esparsa,
os, antes olvidados, estudos voltados às “masculinidades”. Pesquisas que se esforçam em
adotar uma perspectiva relacional, não polarizada, que rompa com a visão maniqueísta de
culpabilização dos homens e vitimização das mulheres são fundamentais, pois conforme
atesta Medrado e Lyra (2008, p. 820):
Descrições de homens quando aparecem são em geral imersas numa análise mais
profunda sobre os modelos femininos ou figuram como objeto/objetivo secundário
em estudos sobre fatores sociais amplos como violência, homossexualidade,
trabalho etc.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos trabalhos publicados nos anais das quatro edições anteriores
do SNGPC, pode-se observar que a categoria gênero que perpassa a criação do evento, isto é,
com caráter relacional, é pouco operacionalizada. De modo que os estudos voltados às
“masculinidades” são comumente concentrados no GT intitulado “Gênero, Homens e
Masculinidades”, compondo apenas 5% do total de artigos. Longe de ser uma exceção, esse
modesto balanço evidencia um modelo de pesquisas empreendidas dentro dos Estudos de
Gênero que precisa ser repensada.
Conforme lembra Priore (2013), as relações de gênero permanecem, sem dúvidas,
sob o jugo de desigualdades e injustiças. As mulheres precisam renovar de forma aguerrida a
luta contra formas díspares de opressão. Atuam, muitas vezes, de forma sorrateira, tática
(Certeau, 1994), por meio das brechas e interstícios, a fim de combater o machismo que se
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embrenha em todo o tecido social. Ainda assim, é importante salientar que o feminismo é uma
ferramenta importante aos homens também, pois questiona o “estereótipo (naturalizado) do
machão, valente e conquistador que assombra muitos homens” (PRIORE, 2013, p 12).
É necessário, pois, construir outros sentidos para as masculinidades, uma vez que o
culto à virilidade, fundada em um “ideal de força física, firmeza moral e potência sexual não
surge de um estado de natureza, mas está profundamente inscrita no estado da cultura, da
linguagem, das imagens e dos comportamentos” (COURTINE, 2013, p. 8). Destarte, longe de
constituir uma simples virtude individual, a virilidade impõe-se como um “sistema de valores
e normas, produzindo efeitos de dominação - dentre os quais o exercido sobre as mulheres é
apenas um elemento - no qual o homem deve, incessantemente, saber dar provas”
(COURTINE, 2013, p. 8).
O nosso intuito não é esgotar o tema, nem poderíamos fazê-lo se assim desejássemos.
O que realizamos é um estudo pontual, uma centelha que exige posteriores desdobramentos.
Assim, propomos esse pequeno artigo como um trabalho em aberto, passível de ser revisitado,
questionado e criticado a partir de outras problematizações. O que nos interessa é provocar
novos entendimentos acerca das masculinidades, para além da compreensão do “homem
unívoco e universal”, mas dos múltiplos significados e dimensões que se relacionam na
constituição do “homem de carne, osso e músculos”. Escolhemos, pois, a multiplicidade de
experiências femininas e masculinas negociadas, claudicantes, contingentes, mais ou menos
submetidas aos valores sociais de determinado contexto histórico, em detrimento de uma idéia
de “natureza” inerente aos Gêneros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda alguns modos com os quais jovens adolescentes, de uma escola
da periferia urbana, constroem suas masculinidades e como estas masculinidades são
vivenciadas no ambiente escolar. Nesse aspecto, buscamos captar como dois jovens de uma
escola da periferia de Duque de Caxias se constroem como “homens”, criando significados
sobre a masculinidade legitimada e reconhecida pelo senso comum. Pretendemos mostrar
através de narrativas como os jovens Victor – autodeclarado homossexual - e Felipe –
autodeclarado heterossexual - (nomes fictícios) se posicionam como narradores e narram os
acontecimentos do evento, criando significados sobre a masculinidade legitimada e
reconhecida pelo senso comum.
Defendemos a grande relevância deste estudo, porque em nossa sociedade o domínio
discursivo da masculinidade hegemônica (CONNELL, 2000) ainda é muito forte e sufoca ou
desconsidera diversas outras formas de masculinidades. Assim, se por um lado,
masculinidades que não atendem às práticas discursivas preconizadas pelas formas
hegemônicas são consideradas subalternas ou desviantes, por outro, jovens buscam caminhos
para defenderem outras possibilidades de masculinidades destacando diversas perspectivas
para o entendimento de relações sociais e culturais presentes na escola.
Neste sentido, conhecer os discursos e narrativas sobre sexualidades e
masculinidades pode ajudar aos/às professores/as a desenvolver novas perspectivas de
trabalho e de ação em busca do combate a homofobia nas escolas e principalmente em prol do
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SEXUALIDADES
A sexualidade está diretamente ligada à forma como o sujeito utiliza seu corpo
sexuado para se relacionar com outro. Roland (2003) considera a sexualidade como uma das
identidades sociais que marcam as subjetividades: “é vista como fruto de um conjunto
complexo de processos sociais, culturais e históricos, fruto esse que é oscilatório inter e
intraculturamente, que é (re) interpretado ao longo do tempo e que possui significados
diferentes para pessoas diferentes” (p.115). Sendo parte integrante da vida do sujeito é
entendida por diversos/as autores/as como “construção social” (por exemplo, BRIZTMAN,
1996, 2001; LOURO 2001, 2003; MOITA LOPES, 2002, 2003).
Nesse sentido, considerações de Britzman (1996) podem ser úteis. A autora assinala
que toda identidade sexual é um construto instável, mutável e volátil, uma relação social
contraditória e não finalizada, sendo constantemente rearranjada, desestabilizada e desfeita
pelas complexidades da experiência vivida, pela cultura popular e pelas múltiplas histórias.
Então, pensar em identidade sexual significa abrir um leque de maneiras, segundo as quais as
pessoas vivem e apresentam socialmente sua sexualidade, tendo que ser vistas em relação às
outras identidades sociais de classe, de gênero, profissão, etc. Essa expressão, identidade
sexual, só terá sentido se for vista como polimorfa, fragmentada, fluída, múltipla,
contraditória, em constantes modificações e negociações, capaz de rearticular desejos e
prazeres.
Segundo a autora, as identidades sexuais são construídas e negociadas nas práticas
sociais cotidianas. As palavras reforçam o pensamento de que não existe uma identidade
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padrão na qual o sujeito social nasce e se adapta. Desse modo, a construção da identidade
sexual, também, depende de um projeto pedagógico (LOURO, 2001), que se encarrega de
moldar os diversos sociais, para que eles se enquadrem as regras legitimadas pala sociedade.
MASCULINIDADES
A masculinidade para Connell (2000) é uma configuração prática em torno da
posição dos homens na estrutura das relações de gênero e seus efeitos nas experiências físicas,
pessoais e culturais. Como existem diversos formas de construir uma masculinidade, esse
termo deve aparecer sempre no plural. Assim, masculinidades são práticas diárias nas quais
garotos são engajados, enfatizando agência (FROSH, PHOENIX & PATTMAN, 2002). Neste
sentido, as masculinidades são construídas e re-construídas, não podendo ser tomadas como
realidades imutáveis e objetivas, estando sempre de acordo com a história e a cultura, bem
como sujeitas às relações de poder.
Diversos tipos de masculinidades co-existem e são produzidas simultaneamente.
Existe uma hierarquia entre as diversas masculinidades. Neste trabalho, pretendemos repensar
a construção da masculinidade hegemônica, ou seja, um tipo de masculinidade que enfatiza o
papel do homem nas relações de poder, ressaltando seus privilégios e deveres nas estruturas
patriarcais. Destacamos, que esse é apenas um tipo de masculinidade entre as diversas
existentes. A masculinidade hegemônica nem sempre é o tipo mais comum de masculinidade
em nossa sociedade, ela pode ser destacada pelo gosto e prática de esportes, à oposição as
características femininas, pela naturalização da violência e uso da força, pela homofobia e
constante horror a ameaça da homossexualidade.
A necessidade de se tomar a heterossexualidade como dada e natural é um dos
maiores projetos de consolidação da masculinidade hegemônica. Fato que reforça o
pensamento preconizado por Butler (2003) quando diz que a partir da noção de construção
social das identidades, a heterossexualidade deve ser constantemente problematizada. Outro
aspecto relevante que deve ser destacado em Frosh, Phoenix, Pattman (2002) é o fato de que
nas discussões sobre masculinidade deve ser considerada a dicotomia entre o público e o
privado.
Em oposição à masculinidade hegemônica, alguns autores, por exemplo, Connell
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(2000); Frosh, Phoenix, Pattman, (2002); O`Donnell, Sharp (2002), nos apresentam as
masculinidades subordinadas ou marginalizadas como aquelas que são produzidas na
exploração e opressão de grupos e minorias. Essas identidades são construídas com base em
estereótipos e os sujeitos são marcados como abjetos, sem brilho e valores. A identidade
feminina, normalmente, serve como o elemento que reforça essas masculinidades. Assim,
aqueles garotos que apresentam uma determinada fragilidade, não praticam esportes, não
exercem a violência ou que não vivem, em público, o que se espera do modelo hegemônico de
masculinidade são considerados menos másculos ou gays.
Contudo, Sullivan (2003) lembra que uma forma possível de problematizar e tentar
desestabilizar esses discursos é operar simultaneamente com os traços performativos de raça,
gênero, sexualidade e classe social, uma vez que estes estereótipos foram construídos por
civilizações ao longo da história, que os utilizaram e consumiram. Como um exemplo de que
os construtos raça e sexualidade foram produzidos discursivamente, a própria autora lembra
que no século XVIII Charles Linnaeus propôs a existência de quatro raças, assim
classificando-as: o branco europeu, aquele que é gentil e inventivo; o vermelho americano, o
obstinado; o amarelo asiático, melancólico e ambicioso; e o negro africano, indolente e
negligente, ao mesmo tempo detentor de pênis grande e cérebro pequeno (o oposto dos
brancos). Este discurso confirma que raça é “uma fantasia móvel e instável” (SULLIVAN,
2003, p. 65).
outros ganham significados. É a partir delas que falamos sobre nós, sobre nossas vidas e
acabamos nos tornando aquilo que contamos (SCHIFFIN, 1994). Em outras palavras, os
narradores podem construir o que são e se posicionarem sócio-culturalmente através das
histórias que contam. Nesta perspectiva, descrevendo eventos o narrador toma o controle de
sua vida e pode reforçar ou criar algo mais movimentado para afirmar o eu (WORTHAN,
2001).
Partindo do pressuposto de que os discursos, as narrativas e as histórias de vida
acontecem através da linguagem e que ao dizermos algo estamos fazendo algo (AUSTIN,
1990), pode-se dizer que ao narrar estamos realizando uma performance. O conceito de
performance é muito amplo, está relacionado a eventos, a espetáculos, a ensaios, assim como,
também ao ato dizer algo com convicção. Na performance o sujeito precisa acreditar no que
está dizendo ou fazendo para convencer a audiência (GOFFMAN, 1959). É essa crença que
leva o outro acreditar naquilo que está sendo dito ou realizado. Assim, todo discurso pode ser
compreendido como performance. Nesta perspectiva, as identidades sociais, identidades de
gênero, sexualidades e masculinidades são produzidas através da performance, onde a
repetição de gestos, de falas, reforça a idéia que existe uma essência, uma forma pré-
estabelecida de ser. Ao contrário, não existe uma essência, é a linguagem que constitui as
subjetividades. A teórica queer Judith Butler (2003) nos mostra que a identidade é
performativa, no qual o ato de fala tem efeito de materializar e criar os corpos, por meio da
repetição dos discursos, da forma que interessam ao poder ou à sociedade.
É relevante destacar que a performance é metacultural (COUPLAND, GARRETT,
WILLIANS, 2005), em outras palavras, para realizar sua performance o sujeito busca se
enquadrar de acordo com as regras culturais nas quais está inserido. A performance estabelece
uma relação entre o acontecimento e seus significados na cultura. Quem pertence a um
determinado grupo realiza um tipo de performance, fato que aponta seu nível de inclusão e
envolvimento, ou não, no seu contexto específico.
SITUACIONALIDADE E POSICIONAMENTO
Pensar em situacionalidade é pensar no cenário onde está ocorrendo a performance,
nos elementos que contribuem para realização do ato e que são empregados consciente ou
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inconscientemente durante o evento. As pessoas são constituídas a partir dos contextos nos
quais estão inseridas e os significados serão dados e entendidos a partir deste contexto. As
pessoas com as quais circulamos são pessoas que permitem construir aquele contexto
(PENNYCOOK, 2007). Já o conceito de posicionamento, em geral, se refere a como a pessoa
é localizada no discurso ou na conversa quando eles estão/são engajados construindo
significados com os outros. Assim, a partir da narrativa o eu é delineado de acordo como o
narrador se posiciona diante de outros personagens e diante do que está sendo narrado.
Neste sentido, os alunos que narraram suas historias são oriundos de uma escola
localizada no 2º distrito de Duque de Caxias e oferece desde a educação infantil ao segundo
segmento do ensino fundamental. A escola possui cerca de 1000 alunos e alunas, provenientes
de classe trabalhadora e de baixa renda. Os/as alunos estão divididos em 3 turnos: 7:30 às
12:00, 13:00 às 17:00 e 18:30 às 22:00. Os alunos que narram suas histórias estudam no 9º
ano, segundo turno.
educação infantil e o clima foi completamente informal. A motivação para a gravação surgiu a
partir de observações de situações que vem se observando no decorrer deste ano, onde estes
dois rapazes se destacam pela forma como apresentam seus discursos e performances sobre
masculinidade. Esses trechos ocorreram em uma conversa gravada sobre o que é ser “homem
de verdade”. Conduzimos as perguntas. Assim, o trecho que interessa constitui uma narrativa
elicitada (THREADGOLD, 2005), ou seja, Victor e Felipe (em momentos distintos) foram
provocados para que falassem sobre o que é ser homem. Do material coletado selecionamos o
trecho que interessava a esse trabalho e transcrevemos. Ressaltamos que para realizar as
transcrições utilizamos as convenções indicadas por Bastos (2005). Assim, as palavras
escritas com letras maiúsculas indicam uma ênfase do narrador, ... uma pausa, os símbolos ↑↓
indicam frases ditas com uma maior ou menor entonação.
A entrevista com Victor aconteceu na primeira semana de agosto/2015. Combinamos
encontrar na escola momentos antes da aula. Ele chegou, cumprimentou e assentou de pernas
abertas, destacando uma perfomance corporal do que se espera do masculino. Disse para ele
que nossa conversa era sobre o tema: Ser homem.
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Victor: -Um dia que um dos meus professores conversou comigo e me disse que o
que faziam comigo era cruel. ....Ele passou um filme.....Conversou muito comigo..
Eu: - E o que mudou:
Victor: -Eu passei a exigir respeito... Eu passei a me aceitar. Mostro para as
pessoas quem sou e não me abaixo para as pessoas nesta escola e na rua. ↑Tenho
muitos amigos gays e bissexuais.
Eu: - Observo aqui na escola que alguns adolescentes são alvo de brincadeiras de
mal gosto, de discriminação em relação à sexualidade, mas isso não acontece com
você. Como justifica isso?
Victor: - Eu tenho PERSONALIDADE.
Eu: -Como assim?
Victor: ↑Eu sou o que sou, Não me abaixo para eles. Mostro que sou HOMEM
como eles. Estes garotos só encaram quando são idecisos que não sabem o que
querem..
Eu:- Será?
Victor: - ↑Com certeza.. olha o Lucas da manhã.. é uma mulher..mas tem
PERSONALIDADE. Vê se alguem brinca com a cara dele. Ele vai em
cima..enfrenta. Agora olha os que não se impoem... todos zoam..
Aqui podemos observar que para se construir como homem, dentro de um modelo
de masculinidade hegemônica, Victor deprecia a masculinidade de Lucas. Assim, a identidade
sexual de Lucas é construída como subordinada.
A entrevista com Felipe foi planejada no final do mês de junho e aconteceu no início
de agosto. Ele chegou à escola no horário combinado. Apesar de uniformizado, apresentava
um grande cuidado com a maneira de se vestir e portar. O seu jeito sério e ao mesmo tempo
atencioso chamava a atenção:
Devemos ressaltar que o ato de coçar ou pegar a região peniana foi uma constante
naquela tarde. Principalmente durante a narrativa na hora que ele queria falar sobre ser
homem. Este fato, pode mostrar a estreita relação entre a masculinidade hegemônica, raça,
classe social e valorização do falo. Para se firmar e reforçar sua posição como homem, o
narrador precisou mostrar que estavam presentes naquela conversa: ele e o falo. É relevante
observar a partir da fala de Felipe que as identidades subordinadas são construídas por
estereótipos, ou seja, que não se portam como as expectativas.
Ao proferir estas narrativas, Victor e Felipe se avaliam, refletem e se posicionam a
todo tempo como homens. Os jovens procuram agir e narraram fatos e situações que se
esperam de um homem . Um fato importante, pois, evidencia como as pessoas procuram se
construírem dentro de modelo legitimado socialmente. É relevante destacar que o discurso da
masculinidade hegemônica é tão forte que o próprio Victor, que se assume enquanto
homossexual, busca elementos para se enquadrar.
O pequeno trecho autobiográfico da historia de vida de Victor e Felipe, narrado por
eles, mostra, segundo Linde apud, Moita Lopes (2002), como uma proposição de verdade “é
homem” é seguida por uma série de razões que buscam afirmar essas verdades. Todas as
razões apresentadas pelos rapazes são destacadas nas características legitimadas pela
ideologia do senso comum. Aqui os narradores podem apresentar sua identidade de gênero e
se construir como homem dentro do discurso de masculinidade aceita e legitimada pelo grupo
social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão que esteve implícita ao longo deste estudo foi como que dois estudantes
constroem e apresentam suas masculinidades no contexto escolar. As narrativas nos permitem
perceber a força do discurso da masculinidade hegemônica, no qual os jovens adolescentes,
apesar de um se autodeclarar homossexual e o outro heterossexual, procuram se enquadrar de
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Press, 2003.
THORNBORROW,J. COATES, J. (2005) The Sociolinguistics of narrative: Identity,
performance, culture. In: THORNBORROW,J. COATES, J. The Sociolinguistics of
narrative. Amsterdam: John Bejamins.
WORTHAM, S. (2001) Narratives in Action. New York: Teacrs College Press.
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INTRODUÇÃO
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assumir o lugar antes de maioria masculina, evidentemente esse processo traz em si as marcas
dessas mudanças. As características atribuídas às mulheres começam a substituir e a
influenciar o magistério de tal modo que se apaga, quase que totalmente, a percepção de que a
prática do exercício do magistério é também um espaço de participação dos homens.
O registro das instituições de ensino que se encarregam de instruir, educar os
meninos nos primeiros séculos da existência do Brasil tem, a grande maioria delas, a marca de
uma instituição religiosa e estas, por sua própria natureza são exercidas por sujeitos do sexo
masculino. É de se reconhecer, portanto, que a tarefa de instruir os filhos da nação estivesse a
cargo de homens, de padres, sacerdotes com conhecimentos sobre crianças. Responsáveis pela
tarefa de instruir e de consolidar uma filosofia de vida combinada com os valores religiosos,
estes senhores representavam os modelos de virtudes a serem seguidos, guias espirituais,
conhecedores das matérias das técnicas de ensino e viver a docência como um sacerdócio
(LOURO, 1997).
Várias obras retratam a figura do homem professor, algumas delas, como é o caso de
Memórias de um Sargento de Milícias (ALMEIDA, 2004, p. 53-54), obra publicada em
meados do século XIX, aponta as características de um professor que “baixinho, magrinho, de
carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava de óculos, tinha pretensões de
latinista, e dava bolos nos discípulos por dá cá aquela palha”. A ele não podia escapar nada e
ao que lhe fugia do seu domínio, utilizava-se da palmatória, para assegurar seu poder de
dominação e seu reconhecimento como autoridade para o ensino. Se a palmatória não fosse
utilizada entrava em cena beliscões, reguadas, agressões morais ou qualquer outra forma de
castigo que resguardasse o poder de exercer o respeito e o medo sobre os alunos.
Em outro momento Almeida (2004, p. 54) descreve uma situação na qual as crianças
ao cantarem uma ladainha de número a fazem sob os olhares atentos do mestre:
o menor erro que algum dos discípulos cometia não lhe escapava no meio de todo o
barulho; fazia parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido,
e cascava-lhe pelos menos seis puxados bolos. Era o regente da orquestra ensinando
a marcar o compasso.
Almeida (idem), portanto, não faz outra coisa a não ser retratar em sua obra a figura
do mestre, do professor, cujo ideal social está associado ao sujeito homem, senhor da força,
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Tentei encarar o professor e um frio esquisito me correu da cabeça aos pés. O que eu
via era uma criatura incrível, de cara amarrada, intratável e feroz.
O Vavá veio sentar-se ao meu lado, como se tivesse medo de ficar sozinho no
banco, por trás do meu. O velho João Ricardo ergueu-se subitamente, agarrou-o pela
orelha e levou-o de novo ao banco.
O movimento foi tão brutal que o Pedrinho, que estava perto se espantou, e, com o
cotovelo, derramou o tinteiro. O Adão riu. O professor vibrou-lhe a régua na cabeça
(CORRÊA, p. 29).
Sobre as práticas dos professores, Corrêa (idem) diz que o uso da palmatória era tão
comum que podia faltar o mobiliário, material escolar, um profissional mais preparado, só não
podia faltar a palmatória.
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Dona Nenén, a professora da minha classe, foi quem primeiro me entrou no coração.
Vinte e quatro anos, pouco mais ou menos, leve, magrinha, pequenina, e olhos
pardos e grandes. Um rosto bonito e tranquilo e um riso tranquilo e bonito
clareando-lhe o rosto. Eu nunca tinha visto moça mais linda. E tão forte impressão
ela me causava com a sua beleza, que eu tirava constantemente os olhos dos livros
para ficar minutos esquecidos a olhá-la (CORRA, 1983, p. 78)
Homem velho, bigode branco, óculos escuros, pigarro de quem sofre de asma.
Nunca lhe vi um sorriso no rosto. Vivia sempre zangado, com o ar de quem está a
ralhar com o mundo, cara amarrada, rugas na testa. Para as criancinhas do meu
tamanho, representava o papel de lobisomem. Tínhamos-lhe um medo louco (Idem,
p. 19).
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através de concurso o que geralmente exige a formação adequada. Tanto o professor quanto a
professora tem, cada um, mais de vinte anos de experiência.
Estando professor e professora a preferência por faixas etárias de crianças maiores é
um dado que aos dois são comuns, todavia, não é muito diferente para o professor já que
estudos têm apontado uma preferência dos homens pelas crianças maiores. A professora diz
“não tenho jeito de brincar e de estar com aquelas brincadeiras”, assim sua preferência é
também pelas crianças maiores. A preferência por crianças menores não é, via de regra, uma
exigência baseada no atributo do sexo ou do gênero. Acata-se de forma natural a aproximação
da mulher com as crianças e ao homem o distanciamento, mais ainda com crianças menores.
Neste espaço atravessado pelas questões de gênero e com predominância do sexo
feminino, são evidentes características que evidenciam implicações nas práticas pedagógicas.
As opiniões a respeito dos papéis que a sociedade atribui ao homem e a mulher refletem no
cotidiano escolar. Como o homem participa deste processo se a ele lhe são atribuídos
estereótipos que se contrapõem às mulheres? Arruda e Ferreira (2012) dizem:
Aos homens estão associados valores e atributos que os fazem diferentes e muito
mais do que isso, diferentes na dimensão de atributos considerados impróprios para
a maioria das situações que enfrenta no trabalho escolar. Se as mulheres são meigas,
carinhosas, os homens parecem ser identificados por características que vão de
encontro a estas, ou seja, são duros, impacientes, não apresentam jeito para cuidar de
crianças. (pág. 5)
Na sala eu procuro ser pai, professor, psicólogo, de tudo eu procuro fazer para que
os conflitos que aconteçam na sala eles não levem tudo que aconteceu naquele
momento se o professor usar um pouco de inteligência, e nós somos inteligentes, ele
não deixa nada ir para casa. (depoimento do professor - grifos nossos)para casa, eu
procuro adoçá-los de uma forma que a raiva da criança não guarda mágoa, não
guarda rancor, para ela
O que seria então adoçar a prática? Enquanto o professor nos falava desse jeito de
relacionar-se com os alunos, a professora se intitulava grossa, seu jeito de ser com os alunos
era mais rígido do que o dele. Essas informações já apontavam para a necessidade de não
tomar as práticas pedagógicas com base nos estereótipos comumente atribuídos às pessoas de
sexos diferentes.
Na conversa com o professor ele nos falava de um segredo, de um modo de trabalhar
que lhe era muito próprio, algo que dizia não dividir com ninguém. Mas esta forma é
perceptível quando percebemos que a responsabilidade da sala e a autoridade de professor ele
toma para si como uma forma de fazer-se professor, razão porque diz que, em relação aos
colegas da escola
tem colegas que não sabem ter domínio, ter um segredo, começa, assim, faltar
paciência com os alunos, bate de frente com os alunos, bate de frente com os pais
dos alunos, ai acha que a gente que, no meu caso tem uns que ficam bajulando
porque quer descobrir o segredo, mas eu não digo, eu digo, eu não sei, vocês façam
o papel de vocês ai, isso ai é uma rotina que todo dia professor tem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa nos fez perceber que não podemos atribuir ao professor ou
a professora representações de suas práticas baseadas em aspectos biológicos e sexuais.
Tomando por referencia o conceito de gênero trazido por Louro (2000, p. 77), que diz “o que
nos interessa não é propriamente a diferença sexual, mas a forma como essa diferença é
representada ou valorizada, aquilo que se diz ou que se pensa sobre a diferença”.
Acrescentamos que a construção social destas diferenças tem determinado práticas tanto de
discriminação quanto de superação do quadro de desigualdades entre as pessoas, sejam elas
de qualquer sexo.
As práticas docentes no magistério infantil não devem ser representadas como
territórios exclusivos das mulheres. A presença dos homens insere a necessidade de
aprofundarmos os olhares para os sujeitos que as tornam efetivas. A própria presença deles na
escola já denota um lugar de gêneros, masculino e feminino. As mudanças ocorridas nas
últimas décadas em vários campos da sociedade, principalmente nos modelos de relações
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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Parafraseando título de texto de autoria de Sócrates Nolasco publicado em 1997.
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que a não conformidade com o padrão comportamental de gênero inviabiliza a interação deste
sujeito por reconhecer-se como transgressor das expectativas em si depositadas.
“É uma história muito engraçada até, porque eu tenho duas irmãs, e minha mãe e
meu pai tem 3 filhos né, eu e minhas duas irmãs, e meu pai não queria ter tantos
filhos assim, ele queria ter só um homem, garoto, um filho só e ele sempre quis ter
um filho chamado Vanderlei, porque aquela coisa clichê, que tinha um jogador
chamado Vanderlei, ele gostava desse jogador, que chamava Vanderlei, e como o
primeiro filho deles foi uma menina literalmente não pensou em outro nome e
colocou Vanderleia, porque ele queria ter o Vanderlei, Vanderlei, e o Vanderlei não
veio, tá então vai Vanderleia, e ele tentou de novo, aí veio outra menina, e aí, acho
que não tinha outra variação de Vanderlei, eles colocaram Vanessa e aí depois de um
tempo, 6 anos depois, aí veio eu, e ele colocou Vania, ficou todo feliz e aí eles
pararam de ter filho, senão eles iam continuar infinitamente até ter um garoto, ah
deixa eu ver... Assim eu sou filho caçula, então eles gostavam, gostam muito de
mim, mas é, ah eu não sei o que falar. ”
“Vai ser menino ou menina? ” Eis uma das perguntas mais proferidas durante uma
gestação e assim que possível obter uma resposta, inicia-se a construção do gênero da nova
pessoa que virá ao mundo: a escolha da cor de roupas e acessórios a serem comprados (rosa
para meninas e azul para meninos), brinquedos e as inúmeras falas e brincadeiras a partir de
então serão, praticamente todas, relativas a gênero. A pessoa passa a ter um ‘lugar’ para
ocupar e inúmeros padrões comportamentais a se encaixar que incluem o que fazer e o que
não fazer para ser aceito nos diversos grupos dos quais fará parte.
No caso do sujeito desta pesquisa, percebe-se um grande desejo por um menino, uma
grande valorização de um homem e uma desvalorização das duas meninas que já faziam parte
da família, como mostra Beauvoir: “Ele é o sujeito, ele é o absoluto. Ela é o outro” (1987). E
ainda, não um menino qualquer, mas um inspirado em um jogador de futebol... explicitando-
se assim, já, uma expectativa quanto ao comportamento e preferencias deste menino que a
cada gestação poderia estar a caminho. Ou seja, desde antes do nascimento já havia um lugar
determinado, uma expectativa de que a pessoa que poderia chegar, ocupasse um determinado
lugar e desempenhasse um determinado papel.
Após o nascimento, a expectativa, bem como as cobranças para que se faça
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exatamente o que se espera e não se faça o que não se espera apenas aumenta. Esse ‘lugar’
determinado inclui comportamentos relacionados a posição ocupada pela família e
principalmente a questões de gênero. O jeito de andar, brincar, falar, reagir a situações
diversas... tudo permeado por muitas cobranças. Ao longo do tempo a pessoa vai
internalizando os comportamentos desejados e repetindo-os, ou não...
“Ele sempre meio que esperou muito tempo pra ter um filho, sabe, meu pai, e
quando veio o filho dele parece que ele me criou como se fosse um bonequinho,
sabe, vou fazer tudo isso quando você nascer, aí quando eu nasci eu não quis nada
do que ele queria e isso foi frustrante talvez pra ele, eu entendo, mas isso acabou
sendo mais frustrante ainda pra mim porque eu me senti, me sinto muito reprimido
lá em casa, e aí ele queria que eu fizesse futebol, e eu não queria entrar na escolinha
de futebol e eu não queria entrar na escolinha de futebol, ele queria que eu fizesse
luta, porque ele fez luta, e eu não queria entrar na luta, ele queria que eu ajudasse ele
nas coisas ‘de homem’ que ele fazia em casa, que ele trabalha de pedreiro, as vezes
trabalhava, hoje em dia nem tanto, e aí eu era muito pequeno e eu não queria, sabe,
ficar segurando balde de terra, levando carrinho de areia. Eu queria ter um cachorro
e um gato, sabe, e ele não deixava, e aí acabava tendo bichinhos de estimação, por
exemplo galinha ou pato, porque o objetivo de ter aquele animal lá em casa não era
pra eu ter um pet ou qualquer coisa parecida, era pra crescer, botar ovo e depois
matar quando eu estivesse na escola, coisa que eles fizeram muito e foram outras
coisas que me deixaram magoado porque eu criava o bichinho de estimação e 9, mas
uma eu cuidei desde pequeno, essa uma, sabe, não era uma galinha, era um membro
da família e meu pai não entendia essas coisas, ele não me respeitava nesse sentido,
e minha mãe não queria matar, sabe, ela falava: ‘Não, João, não mata, porque...’ -
pra você ter noção eu dava banho na minha galinha – ‘...o Vanderlei cuida dela e é o
bichinho de estimação dele’” e meu pai não me respeitava nisso e matava, e ele não
entendia porque, e ele fazia isso, faz isso com tudo que eu gosto e ele não
entende.”minha mãe não ia matar, sabe, tipo, se tinha 10 galinhas no galinheiro e eu
não cuidava de
Percebe-se claramente que além deste pai ter esta postura em seu cotidiano, também tem a
visão analisada por Nolasco sobre o comportamento de meninos e meninas ser inato:
Tanto o menino quanto a menina crescem acreditando que mulher e homem são o
que são por natureza, já nasce sabendo cuidar dos filhos. Por outro lado, os homens
estão destituídos naturalmente dessas prerrogativas. Um homem de verdade se
constitui no distanciamento dessa cena de cuidados e contatos físicos com as
crianças. (NOLASCO, 1997)
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instituições que ensinam como ser menino, menina e mais: feminina e masculino. Ou seja;
não se nasce pronto, homem ou mulher, sujeitos se constroem, apesar de chegar um ‘mundo
pronto’ com papéis e lugares definidos. (BEAUVOIR, 1987)
“Eu tenho um jardim, hoje em dia ele é minúsculo, porque antigamente ele era
enorme, e meu pai foi cimentando tudo, sabe, sem, sem se importar... e ele tem
muito isso de em reunião de família ou com amigos ele virar e falar assim: “não,
porque tudo que eu construí é pros meus filhos, porque tudo que eu tenho vai pra
minha família, porque tudo que a gente tem é nosso” blá blá blá, e quando ele decidi
fazer alguma coisa lá em casa, como cimentar meu jardim ele não pergunta, sabe, e
aí a gente briga e ele diz que a casa é dele, que ele construiu com o trabalho dele, ele
quem paga e que por isso a gente não tem que se meter em nada, e assim ele faz isso
com tudo, por exemplo, quando ele fez isso eu tive que ir me alocando, aí ele foi
cimentando, cimentando e agora é minúsculo o jardim, e ele até hoje briga comigo
mesmo assim, aí uma vez ele perguntou “Vanderlei porque você está bravo
comigo?” Ai eu disse: “Porque você se importa com as plantas que eu cuido, sendo
que elas são minhas e você deixar elas ali independente de você gostar ou não, aí ele
falou “a questão não é eu gostar ou não, eu não ligo de você plantar, eu só não gosto
que você fique cuidando, porque ficar cuidando das plantas é coisa de menininhas,
você ficar sentado cortando galinho, tirando mato, fica adubando, planta e deixar ela
ali, a planta você não precisa ficar cuidando dela como se fosse um menininha” aí
nessas horas eu não consigo falar nada, aí eu fico com raiva, aí eu vou e me tranco
no meu quarto pra tentar ser feliz.”
Mas afinal, o que faz uma menina e um menino? Como funciona o processo de
construção de gênero? O primeiro erro é tratar questões de gênero como algo inato, em que
cada gênero possui diferenças que são da sua natureza e, a partir dessas, cria-se o abismo em
ser mulher e em ser homem; nessa classificação dicotômica a mulher, inquestionavelmente é
o gênero fraco, o segundo sexo, inferior ao homem e, assim se justifica e naturaliza tanto a
sua desvalorização quanto de comportamentos a ela associados. O que nos leva a concordar
com a afirmação de Louro quando esclarece que: “A tarefa mais urgente talvez seja
exatamente essa: desconfiar do que é tomado como ‘natural’ (1997, p. 63). Pois se é natural o
homem ser mais forte, viril e agressivo, natural é lhe atribuir educação e modos que
desenvolvam sua masculinidade (hegemônica) e tais características, incentivadas até nas
brincadeiras agressivas como as “lutinhas”, brinquedos de armas, carros, explosões, que criam
meninos e os ensinam a ser mais agitados e agressivos, enquanto às meninas o “normal” são
bonecas, casinhas, e jogos de panelinhas, que criam um modo pacífico e tranquilo de ser e se
comportar, o que contribui para lhes ensinar a serem boas mães, cuidar de uma casa, fazer
comida, enfim ‘a ser mulher’. Já quando analisados adolescentes, a ora do recreio se
transforma num curioso objeto de estudos, onde se percebe a relação de gênero e sexualidade
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Não se cria um espaço para refletir sobre qual é a responsabilidade da escola nessa
conversa: no que a nossa própria atitude como educadoras, como educadores, as
relações entre as crianças na sala de aula, no pátio de recreio, no que tudo isso
contribui para a formação desses modelos de feminilidade e de masculinidade
diversificados. É claro que isso está o tempo todo em construção. Está em
construção para nós, adultos, quanto mais para as crianças. Não vem pronto de casa,
ao contrário, está sendo elaborado na escola também. (CARVALHO, 2003, p. 190)
Não há mais como a escola silenciar a si e a outras neste aspecto, negando que em seu
interior relações e representações de gênero são construídas, o que se percebe é que “a
sexualidade está na escola porque ela faz parte dos sujeitos, ela não é algo que possa ser
desligado ou algo do qual alguém possa se ‘despir’” (LOURO, 1997, p. 81). É urgente que
assuma a sua responsabilidade e traga para o debate com intencionalidade estas questões, pois
como afirma Carvalho (2003, p. 192) “está posta diante de nós a tarefa de trazer a discussão
de gênero – e fundamentalmente uma discussão sobre as masculinidades – para o centro do
debate educacional, tornando-a visível”. Concorda-se com a autora, quando esta destaca ser
uma tarefa que apresenta dificuldades, afinal no campo educacional nem mesmo se discute
estas questões, o que dirá abordar o tema de feminilidade e masculinidades, o que ainda
representa tabu em nossa cultura, pois são discursos considerados “de mulherzinha”, por isso
a urgência em se desconstruir padrões de gênero e abrir discussão num espaço escolar é
importantíssimo.
“Na 2ª série tinha a professora geral e partes e no final a gente ilustrava, ela pegava
uma xerox e colocava no nosso caderno e a gente ilustrava a borda. Aí tinha uma
fábula qualquer, eu não lembro direito, acho que era A rosa e alguma coisa, e aí cada
verso falava sobre, ou sobre a rosa, ou sobre o outro vegetal e ia intercalando, na
hora de ilustrar eu fiz um ramo, uma roseira em volta da minha folha e em cada
linha que falava sobre a rosa, eu desenhava uma rosa na roseira, aí a professora dava
o visto no caderno e quando ela viu meu caderno ela deu parabéns, disse que gostou
muito, daí fez um bilhete pra minha mãe, mandou mostrar pra minha mãe, mostrou
pra turma, eu fiquei todo feliz, daí eu cheguei em casa e fui mostrar pra minha mãe,
ela brigou comigo e disse que não era pra eu fazer flor no meu caderno e que isso
não era coisa de menino, que não era pra mostrar pro meu pai, que se não ele ia
brigar, ia me botar de castigo, aí ele chegou no meio do assunto, aí eu não contei,
porque ela falou que era pra eu não contar, mas provavelmente ela contou porque
tem essa coisa né de marido e mulher não guardar segredo, aí ela falou, ele ficou
chateado, bravo, depois queria ver meu caderno, aí acabou que eu não mostrei, essas
coisinhas sabe? Acabou que me deixou muito triste e aí com o tempo eu fui parando,
por exemplo, depois disso eu não mostrava mais as minhas coisas que a professora
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dava parabéns, e, é... ele sempre meio que esperou muito tempo pra ter um filho,
sabe, meu pai, e quando veio o filho dele parece que ele me criou como se fosse um
bonequinho, sabe, vou fazer tudo isso quando você nascer, aí quando eu nasci eu
não quis nada do que ele queria e isso foi frustrante talvez pra ele, eu entendo, mas
isso acabou sendo mais frustrante ainda pra mim porque eu me sentiu, me sinto
muito reprimido lá em casa.”ela tirava um dia da semana pra dar literatura, e aí a
aula, era sempre a mesma aula, ela pegava o livro, lia com a gente algumas
A não aceitação, por outro lado implica em sanções, cobranças, exclusões... enfim,
marginalização contínua das pessoas que se negam ou não conseguem dar as respostas
exigidas, sobretudo uma tentativa extrema de silenciamento acompanhada pelo continuo
esforço de enquadramento, ainda que forçado...
“Então, hoje em dia eu não convivo muito com a minha família. Por quê? Porque,
meu pai e minha mãe eles até brigam, porque eu me isolo no meu quarto, desde
sempre, eu acho até, e eu chego em casa e fico literalmente trancado no meu quarto
e eu não saio de lá, lá é o meu ponto de conforto na casa, eu durmo lá, acordo lá, eu
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faço tudo lá, eu almoço, janto, estudo, faço as coisas que eu gosto, tipo eu toco
violão, vejo anime, leio, desenho, falo com os meus amigos dentro do meu quarto,
tudo no quarto e eu não convivo, não converso com os meus pais do meu dia a dia e
assim, começou isso, desde muito tempo, desde que eu era pequeno, e as coisas que
iam acontecendo, meus pais esquecem, ou talvez eles lembrem, ou não perceberam
o quanto foi difícil, e meu pai brigava muito comigo, e minha mãe brigava
razoavelmente ela se sentia pressionada, porque meu pai queria que ela brigasse, e aí
ela brigava por se sentir pressionada, sabe, e essas coisinhas foram, foram tirando...
não digo carinho, mas hoje se você perguntar o que eu sinto, pela minha mãe eu não
sei, mas meu pai eu sinto mais respeito, pela pessoa que ele foi, pelas dificuldades
que ele passou, e tal, mas eu não consigo falar assim, ah eu amo meu pai
incondicionalmente e eu não consigo ficar sem ele anos, sabe, eu consigo sair e
viver minha vida 20 anos sem falar com ele, porque eu já não falo com ele
normalmente e, porque disso, porque quando eu era criança ele sempre fazia coisas,
pequenas mas que me marcavam negativamente.”
Dar voz a vozes tradicionalmente silenciadas não é algo fácil... qualquer mínimo
desajuste sofre grandes sanções e cobranças, estar do lado de quem é silenciado também tem
um preço; é sair da zona de conforto e questionar o ‘natural’, o ‘certo’, assim, nos
empenhamos mais uma vez em trazer a tona uma voz continuamente silenciada, de um sujeito
que ri, que chora, que sofre, mas que é feliz e vive, sobretudo vive nesta zona de conflitos em
ser e tentar ser o que se espera dele ou não, tentar viver sendo quem considera que é....
“Se eu tivesse um filho não faria, eu acho que por mais que você crie expectativas de
coisas que ele vai gostar ou não gostar quando ele crescer você tem que conhecer
ele, não é como uma folha em branco que você vai pintando do jeito que você quer,
sabe, e ele aprendeu a fazer isso, ele não me conhece, minha família não sabe nada
sobre mim, se você sentar com um amigo meu e fizer 3 perguntas eles vão conseguir
responder, agora se você fizer isso com meus pais eles não vão saber responder, eles
não vão mesmo, ou então vão responder uma coisa que eles acham que sabem, e
hoje em dia eu espero sair de casa, sabe, espero sair de lá, eu não me vejo
continuando lá, porque, assim, aquilo não é minha casa, é a casa do meu pai, eu
sempre falo isso, aquele quarto não é meu, é o quarto do meu pai, as minhas roupas
não são minhas, elas são quase emprestadas, e quando eu sair de casa eu falei com a
minha mãe que não vou levar nada, somente o que eu comprei com o meu dinheiro,
ou que eu tenha ganhado de outras pessoas, e antigamente, pra você ter uma noção,
quando eu era pequeno, eu tinha 12, talvez menos, eu era tão infantil, eu me sentia
tão mal, tão mal em casa, eu acordava de madrugada, arrumava minha mochila,
colocava meus lápis, biscoito água sal e me arrumava pra sair de casa porque eu
queria ir embora, porque não queria mais ficar lá, abria o portão e ficava na calçada
e voltava porque eu ficava com medo porque sabia que não ia conseguir me virar
sozinho, aí acabava voltando e chorando, aí dormia, aí no outro dia fazia a mesma
coisa, aí não conseguia e voltava e chorava. Num círculo de amizades eu sempre fui
muito cabeça, cabeça num sentido de ser muito pai com os amigos, porque eu fui
obrigado a amadurecer muito rápido, porque eu nunca pude ser criança, nunca pude
ter aquela coisa de ter medo de escuro, meu pai brigava comigo, eu não podia chorar
a noite com medo do escuro.”
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
essas divisões sociais, então, certamente, encontramos justificativas não apenas para
observar, mas especialmente, para tentar interferir na continuidade dessas
desigualdades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Contexto, 2006.
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social. Trad. Valadares, Alexandre Arbex. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 1987.
CARVALHO, Marília Pinto de. Sucesso e fracasso escolar: uma questão de gênero.
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LOURO, Guacira Lopes. Corpo, gênero e sexualidade. Rio de Janeiro: Vozes, 2010
______. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis:
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NOLASCO, Sócrates de Um “homem de verdade” in. CALDAS, Dario. Homens
comportamento, sexualidade, mudança. São Paulo, 1997
ORTNER, Sherry B. A mulher, a cultura, a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SCOTT, Joan Wallach. Gênero:uma categoria útil de análise histórica. Educação &
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Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995, pp. 71-99.Revisão de Tomaz Tadeu da
Silva a partir do original inglês (SCOTT, J. W.. Gender and the Politics of History. New
York: Columbia University Press, 1988. PP. 28-50.), de artigo originalmente publicado em:
Educação & Realidade, vol. 15, nº 2, jul./dez. 1990. Tradução da versão francesa (Les
Cahiersdu Grif, nº 37/38. Paris: Editions Tierce, 1988.) por Guacira Lopes Louro.
WENETZ, Ileana e STIGGER, Marco Paulo. A construção do gênero no espaço escolar.
Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 01, p. 59-80, janeiro/abril de 2006.
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INTRODUÇÃO
GÊNERO E SEXUALIDADE
pois de acordo com Louro (2000) aos homens é incumbida a tarefa social de ser viris e
afastar-se de características ditas “femininas”, pois os homens que se afastam da forma de
masculinidade hegemônica são considerados diferentes e sofrem muitas vezes represálias
sociais, entre elas a discriminação e subordinação. Atualmente vemos uma transformação das
relações sociais, onde a passos curtos obtemos transformações nas relações societárias entre
os diversos atores sociais, transformações essas fruto de uma intensa problematização acerca
da do papel dominador do macho.
Saffioti (1987) denomina esse afastar-se de características femininas como “castração
do homem”, na medida em que um homem demonstra quaisquer indícios de sensibilidade, o
mesmo pode estar fadado a ser categorizado como homossexual, não-homem, etc. Esse fato se
deve ao lugar social ocupado pelo ser masculino e pela necessidade de naturalização desse
lugar, como provedor da família, detentor da coragem e poder. O homem, portanto, só poderá
ser considerado macho, na medida em que castra-se e ou distancia-se de características ditas
“femininas”, ou seja, só é homem quando for capaz de inibir, disfarçar e sufocar seus
sentimentos.
Dessa forma, naturaliza-se um funcionamento social que engloba muitas esferas da
vida, indo além do social, psicológico, chegando até a instância orgânica, afetando inúmeros
quesitos na vida de sujeitos sociais.
257
O estudo entende masculinidade como um conceito advindo da metade do século XX como ramificação da
teoria dos papéis sexuais, uma construção das Ciências Sociais acerca da ideia de lugar social e diferenças entre
homens e mulheres (SEIXAS, 2012:45).
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258
De acordo com Borrillo (2010) a homofobia, ou seja, a intolerância à homossexuais surgiu na era cristão, pode
ser considerada uma prática que visa inferiorizar e desumanizar o indivíduo homossexual, semelhante À
xenofobia, racismo e antissemitismo. Aponta o autor que a mesma aponta para conflitos na temática da
sexualidade e gênero, criando fronteiras entre assuntos que deveriam estar articulados entre si.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
259
No estudo fala-se em masculinidade hegemônica no sentido da sociedade patriarcal, o (s) significa pensar em
“masculinidades” como várias formas de ser homem e problematizar o modelo hegemônico.
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Diante do diálogo teórico entre os autores citados, pode-se verificar o quanto a ideia
de masculinidade hegemônica traz consigo uma série de impactos na saúde do homem, no
tangente ao alcoolismo e outros problemas. O impacto das questões simbólicas vinculadas às
questões da sexualidade na vida de homens são visíveis dentro das perspectivas teóricas, pois
o campo simbólico atua criando discursos hegemônicos e dispositivos de sexualidade
extremamente rígidos, ficando o homem restrito à posição de macho dominador.
Essa rigidez de ideias afeta diretamente as relações que o homem estabelece entre si
mesmos e com os demais atores sociais envoltos nessa dinâmica, pois ao homem é incumbida
a tarefa árdua de ser o provedor e todo poderoso, devendo o mesmo adaptar-se a duras custas,
tornando-se expectador e reprodutor de uma lógica que deve ser sustentada e reproduzida para
manutenção do status quo. Submissão e humilhação do homem que se afasta dessa norma e a
excessiva e árdua tarefa de se moldar, eis exemplos que ilustram a herança da sociedade
patriarcal que perpetuamos.
Conhecer o universo do homem no tangente ao alcoolismo e sexualidade traz consigo
uma reflexão acerca da importância de se pensar políticas públicas de saúde que respeitem as
idiossincrasias do homem, visto que esse também sofre com as ideias hegemônicas
perpetuadas acerca do ser homem, macho e provedor. O homem carece de cuidados, sendo
necessário que estes últimos sejam adequados à realidade e contexto em que vivemos, uma
realidade que, apesar de aparentemente “flexível” e “informatizada”, ainda assim perpetua e
segrega o ser masculino.
O homem também sofre, e como indaga Saffitoti (1987) “quantos homens tiveram que
engolir lágrimas diante da tristeza...?”; afinal a quem serve a perpetuação de ideias machistas,
que trazem inúmeros problemas tanto de saúde mental quanto física à realidade de tantos
homens? O alcoolismo e problemas sexuais são efeitos dessas ideias rígidas? Essas são
questões passíveis de análise e difícil conclusão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Trata-se de um artigo teórico que visa contribuir para a reflexão sobre o tema do
gênero masculino, suas relações com a violência no campo acadêmico.
Para embasar a discussão foram pesquisados e analisados artigos científicos, políticas
públicas sobre a temática e dados de mortalidade por causas externas e de morbidade por
agressões no Brasil e suas capitais colecionado no Mapa da Violência 2014. A população
residente usada no cálculo das taxas foi estimada pelo IBGE e encontra-se disponibilizada na
home page do próprio IBGE.
O estudo busca na revisão literária a aproximação entre as políticas, as informações
estatísticas e o pensamento de vários autores para instigar a discussão no meio acadêmico
para que possamos encontrar através do amplo debate explicar as relações entre
masculinidade, vulnerabilidade e violência.
até mesmo de fonte de economia paralela à principal. Ao contrário, repudiava-se este tipo de
procedimento e tudo o que se desviava do objetivo da colheita cafeeira. Comprava-se, então,
de outrem e, com isso, aumentavam-se os gastos, encareciam-se os custos, gerando uma
dependência cada vez maior do campo em relação à cidade.
Na visão de Holanda (1995), este processo de mudança nos rumos do país, iniciado
no século XIX, de um regime arcaico para uma nova ordem social, mais distante dos tempos
da colônia, continua em curso no século XX. E não é impossível afirmarmos que persiste
ainda no nosso século, de forma gradual e contínua, alterando sempre a configuração
nacional, no que diz respeito não só a classes sociais, mas também à economia, à paisagem, à
política, à cultura, enfim, em todas as esferas, estamos ainda em busca de nossa identidade, de
nossas raízes.
Quanto à família, a sua estrutura sofreu profundas transformações com o advento do
semi-patriarcalismo. Como o próprio nome sugere, no patriarcalismo, o núcleo familiar era
representado por um patriarca, caracterizado como autoritário, rígido, severo, ao qual todos
deviam obediência. Com a reestruturação social e o declínio deste modelo de família, os
hábitos, conceitos e valores, por sua vez, também são alterados.
A figura feminina, por sua vez, já não era tão nula assim, ou, pelo menos, algumas
mulheres não se restringiam a tarefas pré-estabelecidas dentro da sociedade, como acontecia
anteriormente quando se seguia a tendência de caracterizá-las como o sexo frágil, num
ambiente dominado pelo homem:
Da mulher-esposa, quando vivo ou ativo o marido, não se queria ouvir a voz na sala,
entre conversas de homem, a não ser pedindo vestido novo, cantando modinha,
rezando pelos homens; quase nunca aconselhando ou sugerindo o que quer que fosse
de menos doméstico, de menos gracioso, de menos gentil; quase nunca metendo-se
em assuntos de homem. (FREYRE, 2004, p. 224)
Apesar dessa evolução, a principal função social feminina continua sendo a de ventre
procriador, de mãe. Esta costumava ser “a aliada do menino contra o pai excessivo na
disciplina e às vezes terrivelmente duro na autoridade. Sua consoladora. Sua enfermeira. Sua
primeira namorada. Quem lhe fazia certas vontades. Quem cantava modinhas para ele
dormir”. (FREYRE, 2004, p. 230)
A mãe, neste sentido, tem um papel de protetora na educação do filho, o de um ser
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conciliador. No entanto, ela ainda não está em condições de prepará-lo para os passos que
deveria dar em sua vida. Ela está exposta a bem menos restrições, mas não chega a ser
socialmente atuante, nem formadora de opiniões ou regras.
Então, de certa forma, isto contribuiu muito para a precocidade da iniciação sexual
masculina, a promiscuidade, a pederastia, a contração de doenças sexualmente transmissíveis,
entre outros sobressaltos, já que “a influência de mulher que faltou sobre o filho menino ou
adolescente foi o da mãe que compreendesse o mundo para o qual ele caminhava às cegas e
sem um esclarecimento”. (FREYRE, 2004, p. 230)
Era mais do que comum o avanço da sífilis e da gonorreia, moléstias que os meninos
em geral ostentavam como verdadeiros prêmios, troféus para suas primeiras aventuras antes
mesmo da puberdade, em que não raras vezes contavam com a experiência de negras do
engenho ou até com a participação de animais nos atos sexuais. No nordeste brasileiro do
passado registra-se a exploração de escravas por seus senhores, frequentemente com a
aprovação das senhoras.
O regime patriarcal, aristocrático, escravocrata e elitista é característico de uma
época marcante para a formação de nossa história. O engenho é um dos símbolos mais
expressivos desta primazia rural. Durante o seu apogeu, representava a concentração político-
econômica no Brasil.
Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica. Tudo
se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho
constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava a si
mesmo. [...] Hoje mesmo, em certas regiões, particularmente no Nordeste, apontam-
se, segundo o sr. Gilberto Freyre, ‘as cômodas, bancos, armários, que são obra de
engenho, revelando-o no não sei quê de rústico de sua consistência e no seu ar
distintamente heráldico’. (HOLANDA, 1995, p. 80)
A formação desta estrutura colonialista, que perdurou por muitos anos após a
proclamação da independência brasileira, e também a sua decadência, são questões que
devem ser fundamentalmente consideradas para um entendimento adequado de como se
construiu a imagem da mulher como “sexo frágil”.
Pesquisas recentes revelam que o homem figura nos dois polos da violência: têm
matado e morrido, em um cenário no qual ocorre, não raras vezes, a banalização da própria
vida. Tratando-se, por exemplo, dos dados elencados pelo Mapa da Violência 2014, é
notório o perfil de vulnerabilidade associado ao panorama de mortes violentas no Brasil.
Ao longo dos diversos mapas que vêm sendo elaborados desde 1998, emerge uma
constante: a elevada proporção de mortes masculinas nos diversos capítulos da
violência letal do País, principalmente quando a causa são os homicídios. Assim, por
exemplo, nos últimos dados disponíveis, os de 2012, pertenciam ao sexo masculino:
91,6% das vítimas de homicídio na população total e ainda mais entre os jovens:
93,3%. (WAISELFISZ, 2014, p. 57)
Este estudo expõe muitos pontos de vista sobre este fenômeno. Evidencia, inclusive,
que se trata de um quadro registrado no país de forma geral. Além disso, ao se estabelecer um
paralelo entre homens e mulheres, o recorte de jovens do sexo masculino prevalece sobre os
demais perfis.
Quando relacionamos esses números com as respectivas bases populacionais, vemos
o significativo crescimento das taxas ao longo do período, crescimento mais drástico
para o sexo masculino, e mais ainda quando o foco são os jovens.
Efetivamente:
• Se no total das mulheres as taxas passam de 2,3 para 4,8 homicídios por 100 mil,
crescimento de 111%, entre os homens a taxa passa de 21,2 para 54,3, o que
representa um aumento de 156%.
• Em 2012, a taxa de 54,3 homicídios masculinos era 11 vezes superior à feminina,
de 4,8.
• Entre os jovens, essas diferenças são mais drásticas ainda: a taxa masculina cresce
199% - a feminina 113,0% - e resulta 14 vezes superior à feminina. (WAISELFISZ,
2014, p. 57)
Outros estudos, nos últimos anos, demonstram que houve um aumento no interesse
da inclusão dos homens nas agendas de pesquisa, porém, isso se deu na saúde com a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem que está alinhada com a Política Nacional
de Atenção Básica – porta de entrada do Sistema Único de Saúde - com as estratégias de
humanização, e em consonância com os princípios do SUS, fortalecendo ações e serviços em
redes e cuidados da saúde, em 2009.
O próprio Ministério da Saúde reconhece que, por mais que tenhamos internalizado
um pensamento de fortaleza no ser masculino, o mesmo é mais vulnerável às doenças e
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morrem mais precocemente que as mulheres, de acordo com Nardi et. all. (2007); Courtenay,
(2007); IDB (2006) Laurenti et. all. (2005); Luck et. all. (2000).
O Ministério da Saúde vem cumprir seu papel ao formular a Política que deve
nortear as ações de atenção integral à saúde do homem, visando estimular o
autocuidado e, sobretudo, o reconhecimento de que a saúde é um direito social
básico e de cidadania de todos os homens brasileiros. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2015)
Outro ponto importante, conforme Figueiredo, 2005; Pinheiro et. all. (2002), diz
respeito à maior vulnerabilidade e às altas taxas de morbimortalidade: os homens não buscam,
como as mulheres, os serviços de atenção básica. Preconiza ainda o ministério em sua
cartilha que “Muitos agravos poderiam ser evitados caso os homens realizassem, com
regularidade, as medidas de prevenção primária.” Tal resistência masculina à atenção primária
é responsável pelo aumento na sobrecarga financeira da sociedade e no “sofrimento físico e
emocional do paciente e de sua família, na luta pela conservação da saúde e da qualidade de
vida dessas pessoas”.
Segundo Gomes, 2003; Keijzer, 2003; Schraiber et. all. (2000) as causas da baixa
adesão por parte do público masculino a tratamento são explicadas por barreiras
socioculturais e institucionais. Estereótipos de gênero que são passados culturalmente através
dos séculos por nossa sociedade patriarcal fortalecedora da ideia de que o ser masculino é
forte e doença e cuidado é sinal de fraqueza, levando-o assim a renegar a frágil condição
humana e biológica, não se precavendo mesmo quando exposto diretamente ao risco de morte,
seja por trabalho fisicamente forçado (construção civil, estradas, policial, prostituição viril,
etc.), seja por envolvimento em situação de abuso de álcool e outras drogas, ou ainda
promiscuidades.
Em relação à agenda política da saúde, é indubitável o avanço desde 2009. Embora
seja recente tal marco, é preciso buscar o reconhecimento atual da importância de envolver os
homens nas intervenções de prevenção e promoção de saúde sexual e sexualidade para além
de seu papel instrumental, emerge um problema crítico de como promover universalmente
serviços em saúde, de modo atender o público masculino, uma vez que a masculinidade
promove ruptura com os padrões culturalmente dominantes.
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É importante observar sobre essa agenda o recorte que ela selecionou sobre a
população masculina, abrangendo a faixa etária de 25 a 59 anos. Mesmo não sendo uma
restrição essa população alvo, e sim uma estratégia metodológica; mesmo esse grupo etário
correspondendo a “41,3 % da população masculina ou a 20% do total da população do
Brasil”; mesmo ele correspondendo à “parcela preponderante da força produtiva e exercendo
um significativo papel sociocultural e político no Brasil”; mesmo com tudo isso, não é a
população mais atingida pela violência, que segundo (MOORE, 2015) comentando a análise
do Mapa da Violência 2014:
O Mapa da Violência (WAISELFIZS, 2014), documento produzido a partir da análise dos
atestados de óbito em âmbito nacional, faz o levantamento de mortes por acidente de
trânsito, homicídio e suicídio. Na sua última edição, o documento apresentou um avanço
alarmante da violência no país, com incremento de 148,5% nas taxas de homicídio desde os
anos 1980, de 62% nas taxas de suicídio e de 38,7% nas de acidente de transporte. Estes
dados apontam para um total de 556 mil cidadãos brasileiros mortos na última década, o
que supera o número de mortos em qualquer conflito armado existente no período. O foco
principal do documento é a morte de jovens de 15 a 29 anos, faixa etária que concentra a
grande maioria das vítimas. No recorte por sexo, os dados demonstram a gravidade do
problema, com 91,6% das vítimas sendo do sexo masculino, 93,3% se considerada apenas a
população jovem, sendo que em 2012 a taxa masculina é de 54,3 homicídios, 11 vezes
superior à a feminina (de 4,8). No caso do suicídio, mantém-se a maior vulnerabilidade
masculina, embora não tão acentuada, com a taxa masculina sendo quatro vezes superior à
feminina.
Como mostra o diagnóstico, os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de
15 a 29 anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino,
moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do
SIM/Datasus do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 52.198 mortos por
homicídios em 2011 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais
71,44% negros (pretos e pardos) e 93,03% do sexo masculino. Por essa razão, os
homicídios de jovens representam uma questão nacional de saúde pública, além de grave
violação aos direitos humanos, refletindo-se no sofrimento silencioso e insuperável de
milhares de mães, pais, irmãos e comunidades. A violência impede que parte significativa
dos jovens brasileiros usufrua dos avanços sociais e econômicos alcançados na última
década e revela um inesgotável potencial de talentos perdidos para o desenvolvimento do
país. (p.09)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que ainda há muito a se debater sobre as políticas públicas de gênero. A
admissão da perspectiva do homem como um sujeito e como categoria de gênero no âmbito
da agenda pública não tem sido um processo fácil. Há que se reconhecer que, grosso modo, as
experiências ainda são incipientes. O que torna ainda mais necessário o debate e a avaliação
crítica das experiências existentes no sentido de reforçar a construção de tais políticas.
É imprescindível discutir a problemática de gênero para além dos estigmas culturais,
das vicissitudes, das questões de profilaxia, já que mais comumente a vulnerabilidade
masculina é apresentada como aversão a práticas preventivas envolvendo saúde.
Como indicam os dados de violência, de empregabilidade, de insalubridade e
periculosidade, entre inúmeros outros fatores, há que se considerar certo desfavorecimento
sobre o gênero masculino sociologicamente, sem desprezar as outras perspectivas que se
correlacionam, como a vulnerabilidade da mulher, dos homossexuais, transexuais e
transgêneros.
Acredita-se que quanto mais amplo o debate sobre o gênero, mais se estará
aproximando da efetiva garantia dos Direitos Humanos e da construção da cidadania como
processo de inclusão e equidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Na Grécia antiga, a mulher ocupava as mesmas funções que o escravo, basicamente
compostas por trabalhos manuais, a extração de minerais, a agricultura ou fiar, tecer,
manipular a alimentação da família, a maioria ligados a subsistência do homem. O estar fora
de casa onde se realizavam atividades tidas como nobre era próprio somente aos homens
gregos. As atividades eram a filosofia, a política e as artes. Desse modo, estava limitado o
horizonte intelectual da mulher grega, excluída do mundo do pensamento, tão valorizado pela
sociedade da Grécia. Para não ficarmos de todo decepcionados/as com essa constatação,
destacamos um único registro histórico sobre um espaço dedicado a educação intelectual da
mulher grega, fala-se da escola de Safo, poetisa nascida no ano de 625 a.C. Ela é conhecida
por fragmentos de seus poemas que cantam os deuses e o amor e são por esses fragmentos que
ela figura entre os grandes nomes da literatura grega antiga.
Em tempos modernos, sobretudo nos séculos XVII e XVIII, um número cada vez
maior de mulheres realizavam trabalhos domésticos e na indústria de confecções, contratadas
por intermediários. Por outro lado, sobre a formação profissional delas, não há registros de
frequência de alunas em universidades até o limiar do século XIX. Nesse mesmo século,
haviam mudanças profundas, motivadas pela consolidação do sistema capitalista, tanto do
sistema de produção quanto das questões trabalhistas que abarcarão várias outras
problemáticas ligadas com a mão de obra masculina e feminina, dentre outras transformações
da pós-modernidade. (ALVES; PITANGUY, p.14-19, 33,1982). Embora tenha havido muitos
avanços na emancipação da mulher no século XX e já nesse século, ainda persiste mesmo que
subjacente, em vários aspectos, a dominação masculina com o aplauso de algumas vozes
femininas alienadas.
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Em 1994 o grupo era uma iniciativa que não tinha nome; em 1998, o projeto foi registrado na Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal do Ceará como Escola Alternativa; em 1999 como Projeto Educacional
Coração de Estudante; e em 2004 passa a ser Programa de Educação em Células Cooperativas. Conhecido
nacionalmente como PRECE – um movimento de estudantes, com a colaboração da classe de professores em
geral - secundaristas e universitários.
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sexos e que no passado a mulher era muito estigmatizada e sem espaço ou voz na sociedade
do saber, mas hoje, nos tempos modernos muita coisa havia mudado, apesar da dominação
masculina ainda velada, vivemos em um momento de liberdade e respeito as diferenças. Eu
passei por essas coisas e nunca havia percebido, percebi isso após um pouco de leitura acerca
das questões de gênero. De algum modo, nós mulheres sofremos algum tipo de dominação
masculina em nossa relação familiar e social, porém, penso que em minhas experiências, pode
ter ocorrido de modo simbólico, despropositadamente, por parte dos homens que trabalharam
comigo nesse movimento. (BOURDIEU, p.13, 2014).
Vimos de um contexto tradicional, solapado pela força da alienação que todas nós
carregamos, oriundas de um processo histórico que nos marcou, de modo extraordinário, por
séculos e séculos. Dessa forma percebo que é comum nos homens, mesmo os educados e
conhecedores da problemática do gênero, gostar de chegar em casa e nos ter à espera,
sorridente com uma comidinha feita e quando isso não ocorre, as coisas parecem mais pesadas
e cinzentas no ambiente familiar. Isso é mais um fato tido como natural, próprio do que ficou
designado “naturalmente” para a mulher; ter filhos, fazer as atividades domésticas, e essas,
como disse (ARENDT apund MENEGAT et all, p. 148, 2009) não existem pois “o poder só é
efetivado quando a palavra e o ato não se divorciam” e é com as palavras e os atos que nos
tornamos visíveis na esfera pública, no mundo humano”. Ela quis dizer que o trabalho
feminino a “portas adentro” não expressa essa unidade do discurso e do ato, não se tornando
visível, portanto não existindo.
Quando eu casei, logo depois de dois anos, iniciamos o trabalho social, todas as coisas
já começavam muito caras para mim, por exemplo, retornar aos fins de semana de Fortaleza a
minha cidade natal para trabalhar na creche da Associação Comunitária de Pequenos
Agricultores Rurais de Capivara e Cipó – ACOMPARCC se tornava uma perigosa aventura
por causa da minha barriga de oito meses e isso também era fator de incômodo para mim e
para meus familiares que não concordavam com nossa postura. Contudo apesar da minha
condição de mulher recém casada, em fase de constituir minha família e de ter a oportunidade
de estudar e fazer uma faculdade, algo negado as mulheres daquele contexto, logo me
identifiquei com os estudantes pioneiros e sonhadores daquele torrão seco pela falta de chuva,
o que me fez apoiar o meu marido Manoel naquela ousada empreitada que era a criação
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de tudo aquilo que materialmente cooperavam para que todos os participantes desse
empreendimento social lograssem o êxito pessoal e social, dando mostra de que quando o
poder público não vem cumprindo o seu papel na construção de uma educação de qualidade
para os povos brasileiros, dentro de suas diversas culturas, seja do campo, do mar, da serra ou
de áreas urbanas, respondendo pela grande diversidade cultural existente em nosso país, a
sociedade civil se levanta para fazer acontecer porque somente ela sabe o que quer e como
deseja que as coisas aconteçam. (GOHN, p.8, 2005).
na matemática, o Francisco Gonçalves na Biologia, talvez existam outras ajudas, porém essas
foram as que lembrei. Estudávamos em duplas, as vezes, juntos para ouvirmos um dos sete
dando uma aula, ou outras vezes participávamos de aulas de professores convidados pelo
Andrade. Eu dava minhas aulas no PRECE sempre aos fins de semana, às vezes, no sábado,
outras vezes no domingo, porque na semana, eu estava em Fortaleza. Certa vez, ao facilitar os
estudos de redação, vi que o Beto tinha uma letra muito ilegível, então, pensei numa saída
para ajudá-lo e a única que vi, naquele momento, foi pedir para que ele fizesse todas as
redações em folha de caderno de caligrafia e deu certo, ele melhorou muito e passou no
vestibular sem grandes problemas com sua produção textual. Ainda guardo algumas dessas
produções deles. Nossa moradia em Fortaleza era um pequeno apartamento de 42 metros
quadrados. Além das minhas três amigas que moravam comigo ainda vinham os sete
primeiros estudantes do PRECE para fazerem suas provas da EJA. Eles dormiam em
colchonetes na sala e toda vez que eu precisava ir ao único banheiro, pois havia apenas um, eu
tinha que passar entre os colchonetes espalhados pela sala. Eram, principalmente, o Noberto,
o Francisco, o Beto e o Toinho, esse permaneceu três meses estudando para o vestibular, e por
isso ele ficava o fim de semana em nosso AP enquanto nós viajávamos para Pentecoste. Na
hora do almoço, como nossa mesa era pequena, todos sentavam pelo chão com seus pratos nas
mãos. Enfim, era um verdadeiro calor humano por todos os lados de nossa vida, no carro, no
apartamento, no campo de futebol no interior e até na praia. Eu recomecei os meus estudos
para prestar vestibular pela primeira vez em 1997; nessa época, eu estava muito otimista e
achava que passaria logo de primeira, mas não passei. Fiquei revoltada com Deus, foi mais
um momento difícil. Depois que superei a decepção da reprovação, recomecei os estudos que
eram sempre diários, rotineiros, eu sempre usava os fins de semana, pois trabalhar no PRECE
sempre significou sacrificar sábados ou domingos, dependendo das particularidades de cada
projeto, de cada facilitador, etc. Nesse movimentar e desejo de entrar na universidade eu
estava ansiosa para fazer vestibular novamente e foi assim que em 1998, fiz e não passei, mas
a reação foi melhor. Nesse ano, tínhamos voltado para o apartamento e, mesmo eu tendo uma
pessoa para trabalhar em meu lugar nos serviços domésticos, os filhos sempre buscam
primeiramente a mãe, pois é da natureza da criança mesmo tendo uma babá querida e
especialmente eu que era uma mãe presente fisicamente, embora minha cabeça estivesse nos
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho foi importante para mostrar quais papéis cabia a mim desempenhar no
grupo dos sete e como se articulavam esses papéis em relação ao gênero. A mim foi muito
difícil falar desse tema por ter sido a primeira vez que me atento a essa leitura. Percebi que a
construção foi muito superficial, mas pretendo explorar de modo mais aprofundado em breve
na minha tese, ampliando as discussões acerca da minha trajetória no PRECE. Mesmo assim,
levanto alguns papéis identificados como o de apoiar, como companheira do líder principal do
PRECE a todas as ações encabeçadas por ele, nesses vinte e um anos de história do
movimento. Outro papel foi o de professora desses estudantes nos processos educativos em
todas as horas, na disciplina por mim ministrada que era a de literatura e redação na
preparação dos estudantes para as provas de educação de jovens e adultos para a conclusão do
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Este artigo constitui os resultados de uma pesquisa empírica que tem por objetivo
analisar as ações do Centro das Mulheres de Vitória de Santo Antão-CMV, junto aos jovens
da comunidade de Piritúba a fim de compreender as contribuições que o centro tem
desenvolvido num modelo educativo voltado para a construção da cidadania, a participação e
o empoderamento político das pessoas na localidade onde moram. O interesse inicial surgiu
por conhecer que o Movimento Feminista e suas preocupações com as questões de gênero e
relações de poder tem sido um dos elementos sociais mais presentes nos contextos de
resistência popular administrados por algumas ONsG.
Contextualizado como um movimento de confronto as questões neo-liberais, esses
grupos feministas atuam de modo a combater também alguns aspectos ilusórios da
globalização e da inclusão perversa ali contida. A globalização como um fenômeno mundial e
com desdobramentos em todos os campos sociais, trás no seu bojo a ideia de acesso,
liberdade e de que toda pessoa independente da sua localização territorial tem o privilégio de
está integrada aos acontecimentos, fatos, e oportunidades mundiais através do modelo de
comunicação atual. Contudo, é preciso cautela para analisar a realidade dessa condição
quando se trata do local. Um cenário diferente a essas ideias confronta no quotidiano todos,
ou quase todos, os indivíduos que percebem na crise do desemprego, no aumento da
concentração de renda, na luta pelo poder e na aceleração das desigualdades sociais, que a
globalização precisa ser percebida sobre vários anglos.
Mediante as inúmeras críticas à globalização e suas contradições profundas outros
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Universidade Federal do Paraná-UFPR, 2005. pg. 24.
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resolução de problemas coletivos, educação para uma leitura crítica sobre o mundo.
Na Educação não-formal seus objetivos são construídos no processo interativo e tem
como base os princípios de igualdade e justiça social. Neste panorama de comparações fica
destacado que o conceito de educação não-formal tenta balizar as reflexões em torno das
práticas educativas voltadas para o Desenvolvimento Humano e Local, trabalho esse
executado por uma organização de mulheres focada na cidadania, questões que foram
apontadas anteriormente, mas que tem inquietado muitos pesquisadores voltados para pensar
as políticas de desenvolvimento de forma contextualizada aos seus aspectos históricos,
principalmente abordando as questões de gênero que perpassam todos os espaços educativos,
demonstrando a persistência de concepções do masculino e do feminino baseadas em relações
de poder , que hoje afetam diretamente a cidadania das mulheres.
Segundo Scott270 gênero pode ser entendido como relações de poder que perpassam os
papéis sexuais de homens e mulheres. É um ponto a partir do qual é possível compreender as
estruturas de poder em que se organizam os sistemas políticos de várias sociedades. Gênero
nessa concepção circunscreve não só o sistema político, mas que na forma de discurso
perpassa também o econômico, o jurídico e o educativo. É a forma principal de representação
do poder na maioria das sociedades ocidentais. Os sistemas políticos de diferentes sociedades
legitimam e concentram á figura masculina nos espaços de liderança e comando das nações.
Esse processo faz sentido na medida em que é compreendido como meio de consolidação do
poder e de controle da dinâmica social.
Scott271, ao levantar essa perspectiva sobre gênero enquanto identidade em torno da
qual se constitui os mecanismos de poder e controle social do gênero masculino em
detrimento do feminino, abre a possibilidade para questionar a transformação dessas
identidades com relação á realidade atual e o discurso educativo, seja ele, nas suas expressões
formais adotadas pelo Estado, ou informais adquiridos no cotidiano, ou por instituições como
ONGs especificamente as de base feminista que tem trabalhado em favor do desenvolvimento
através de ferramentas educativas.
270
SCOTT, Juan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. 3a edição, S.O.S. Corpo, Recife, Abril, pg.
07, 1996.
271
SCOTT, Juan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. 3a edição, S.O.S. Corpo, Recife, Abril, pg.
08, 1996.
800
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O Centro das Mulheres de Vitória de Santo Antão CMV, é uma associação feminista
localizada na zona da Mata Sul do Estado de Pernambuco. As atividades se iniciaram em
1988, com a criação do departamento Margarida Alves que funcionava dentro do Sindicato
dos trabalhadores rurais, com o objetivo de tratar das questões ligadas saúde da mulher e a
violência de Gênero. Em função da grande demanda de mulheres que trabalhavam nos mais
de 40 engenhos da região e da mobilização do centro.
A pesquisa qualitativa foi utilizada como orientação metodológica para á construção
da pesquisa. Para Minayio (2009), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de
significados, crenças, valores e atitudes das pessoas como parte da realidade social. É a
perspectiva de pesquisa que valoriza a linguagem e os diferentes sentidos que as pessoas
atribuem as suas experiências cotidianas. A amostra foi composta de 09 jovens e como
instrumento de coleta de dados foram realizadas entrevistas com homens e mulheres, que
passaram pela associação e receberam cursos de formação política sobre relações de gênero,
cidadania, geração de renda, sobre formação de lideranças comunitárias e órgãos de
representação para reivindicação de melhorias de serviços públicos.. Um gravador está sendo
utilizado como meio de registrar as narrativas dos entrevistados a fim de captar através das
suas falas os sentidos que possibilitaram estabelecer a relação entre os trabalhos do CMV e o
Desenvolvimento Local observado a partir do empoderamento político e cidadão.
Pensar em D. L. significa elaborar uma estratégia articulada à própria característica
local, na mobilização da coletividade. A formação política como trabalho educativo se
apresenta como elemento importante para sensibilizar as pessoas aumentando o
empoderamento político e a participação nas decisões locais.
“Já fiz vários cursos pelo centro, sou filho de agricultor, e quando tinha meus 15, 16
anos o centro foi no meu bairro perguntando se eu tinha interesse no curso de
formação, eu fiz e gostei já fiz eu acho que mais de 10 cursos pelo centro, e comecei
um trabalho aqui na comunidade com os jovens daqui, para dar palestras sobre
saúde, direitos, não é muito fácil não, mas agora estou estudando na Escola
agrotécnica e eu e meus amigos estamos pensando em montar uma cooperativa de
mel, o CERTA também nos apoia, vamos ver sic”Leandro 21 anos
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“eu gosto de estudar então quando me chamam eu sempre participo. O que ficou pra
mim mais embaraçado foi quando fui falar na comunidade de sexo e
homossexualidade, e direitos da mulher, tem coisas que é mais complicada de falar.
Mas hoje é mais fácil falar sobre política ,num grupo tem sempre algumas pessoas
interessadas. Conseguimos numa reunião da associação que organizamos fazer um
ofício e levar na prefeitura pra colocar orelhão no bairro e conseguimos Não é fácil
reunir os jovens da minha comunidade pra falar de política que falta as coisas aqui
no bairro e ninguém faz nada” Marisa 20anos
Nesse sentido fica observado na atitude de alguns jovens um interesse por questões
ligadas às políticas públicas e o fornecimento de serviços de comunicação que se mostravam
precários dificultando o acesso da comunidade local, resultando por fim na elaboração de um
documento de reivindicação encaminhado aos órgãos responsáveis como meio de solucionar o
problema.
“Uma das coisas que percebi desde a fundação quando conseguimos fazer uma
grande articulação, com o Centro das Mulheres do Cabo, A associação de mulheres
de Carpina, é que o crescimento do centro depende das articulações que
conseguimos fazer, por que uma grande mobilização dá visibilidade e força ao
nosso trabalho, mostra a importância para a sociedade , assim conseguimos ter mais
respeito até pelos políticos . Agora o que tem sido sempre preocupante pra nós é a
questão do financiamento paras as capacitações, é sempre muito difícil encontrar um
apoio permanente.sic”. Socorro 55 anos sócia fundadora
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
que os trabalhos de grupos organizados como ferramenta para o D.L. precisam de um suporte
permanente do poder público para que suas ações possam ter continuidade e com isso gerar
mais resultados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CRECHE PÚBLICA: LUTA DAS MULHERES QUE NÃO PODE SER ESQUECIDA
INTRODUÇÃO
A luta por creches no Brasil teve seu apogeu com o Movimento de luta por creche
que levantou uma das primeiras bandeiras do movimento feminista retomada em 1975, com
essa bandeira em defesa dos direitos das mulheres visava-se reconhecer uma necessidade
social. As mulheres trabalhadoras eram o alvo das organizações feministas em suas
reivindicações por creche, que promoviam a organização social dessas mulheres a partir dos
moradores dos bairros, convocando as mulheres trabalhadoras a manifestarem suas
necessidades de creche para o Estado, que insistia em não ver.
Essa luta ganhou espaço e se concretizou com “as novas políticas sociais do Estado
globalizado que priorizam processos de inclusão social de setores e camadas tidas como
‘vulneráveis ou excluídas’ de condições socioeconômicas ou direitos culturais” Gohn (2010,
p. 20), Dentre essas camadas de excluídos estavam às mulheres que ao longo dos anos foram
usurpadas em seus direitos, especialmente no que diz respeito à política de creche como
auxílio no cuidado de seus filhos e filhas. Posteriormente, essa conquista se ampliou e se
firmou ainda mais com a Creche sendo reconhecida como Política Publica de Educação por
meio da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº9.394/96.
Esse reconhecimento garantiu direitos educacionais às crianças e deixou em segundo
plano uma luta árdua das mulheres que não pode ser esquecida. Desse modo, procuramos
regatar essa bandeira de luta, reafirmando o empenho das mulheres antes da efetivação dessa
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política publica e depois, para que a creche não seja apenas utilizada como bandeira política
para angariar votos, ou que seja lembrada somente como um direito educacional das crianças,
mas que represente realmente a conquista de direitos das mulheres, reconhecendo seu
engajamento e luta para a efetivação dessa Política Pública, sendo esse um dever moral para
o reconhecimento e efetivação das creches no Brasil.
O movimento feminista no Brasil foi aos poucos e às “duras penas” conquistando seu
espaço. Em 1975 com o Ano Internacional da Mulher decretado pela ONU tomou novo
fôlego, momento em que as mulheres reivindicavam liberdade e autonomia sobre seus corpos
na medida em que surgia a pílula anticoncepcional. Segundo Caldas (1997, p.437).
O movimento de mulheres sempre buscou fazer com que o Estado reconhecesse as
suas especificidades na elaboração de políticas públicas que viessem ao encontro de
suas necessidades, por exemplo: creche, auxílio maternidade, licença maternidade,
serviços de saúde, reconhecimento de sua dupla jornada de trabalho, entre outros.
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diferentes setores e segmentos, “abrindo novos campos como é o caso da luta por creches, da
luta contra a violência à mulher, dos programas e práticas de saúde da mulher” (BRANDÃO e
BINGEMER. 1994 p.108).Essas novas vertentes de luta deram aos movimentos sociais novas
características, levando-os a se reorganizar e assumir uma nova racionalização e método de
atuação.
Bruschini (1990, p.15) ressalta a importância dos estudos de gênero especialmente no
que diz respeito aos papéis das mulheres trabalhadoras com sua participação mais efetiva no
mundo do trabalho, fortalecendo nossa convicção de que as mulheres contribuem socialmente
para o desenvolvimento do país e sua luta nos movimentos de mulheres são necessárias para o
seu fortalecimento.
É nesse contexto de luta por direitos que as mulheres inseridas nos diversos
movimentos sociais como associação de pais e mestres; clube de mães; associações de
bairros; pastorais da igreja passam a se reconhecer enquanto sujeitos políticos capazes de
interferir nos rumos da história.
A história das mulheres, sua luta por direitos e cidadania é fator crucial para o
reconhecimento do sujeito feminino. Muitas de suas conquistas e participação social é
ocultada pela história oficial que por vezes insiste em deixar no esquecimento, impondo um
silêncio que amordaça e “a impossibilidade de falar de si mesma acaba por abolir o seu
próprio ser, ou ao menos o que se pode saber dele” (PERROT 2005, p.10). É preciso
romper com a mordaça da exclusão social que silenciou muitas mulheres e as manteve cativas
dentro dos lares. Reconhecer essa luta é um dever de todos.
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O ano de 1975 é emblemático para a retomada da luta do feminismo porque foi o Ano
Internacional da Mulher decretado pela ONU. Nesse processo veio a público através da mídia
temas como o divórcio, aborto e mercado de trabalho para as mulheres, o que facilitou a
reabilitação do movimento feminista na cena brasileira (TORRES, 2005).
Em 1979 ocorre o Primeiro Congresso de Mulheres Paulistas no qual são tratados
assuntos diversos relacionados aos interesses das mulheres fazendo surgir oficialmente o
MLC - Movimento de Luta por Creche. Essa organização, segundo Costa (1995), contribuiu
para o fazer-se classe, para a construção coletiva, a luta autônoma e as mobilizações dos
trabalhadores. Homens e mulheres da região industrial se constituíram em espaços educativos
e formadores da compreensão social, demonstrando a relevância da iniciativa popular mesmo
frente às dificuldades impostas na construção das políticas públicas.
A criação do MLC272 no Brasil se dá incialmente na cidade de São Paulo onde a
indústria necessitava da mão de obra feminina e, ao se inserir no mercado de trabalho, as
mulheres mães não tinham onde deixar seus filhos. É assim que também elas passam a se
organizar para reivindicar melhorias na condição de vida, e através das pequenas associações
e organizações passam a pressionar o poder público para que o mesmo possa prover suas
necessidades básicas.
Nesse período a creche não era vista como direito e sim como uma forma de
assistência às mães trabalhadoras para que elas não abandonassem seus filhos, para eles não
ficarem sozinhos em casa e viessem a sofrer acidentes e danos irreparáveis,
As primeiras creches municipais foram criadas pela Prefeitura, que cuidou ainda de
272
O Movimento de Luta por Creches se gestou na luta contra a ditadura militar dos anos de 1970 junto aos
movimentos populares urbanos intensificando a reivindicação de creches como direito das trabalhadoras e dever
do Estado essa luta teve seu ponto central de organização na cidade de São Paulo em 1979, como resolução do 1º
Congresso da Mulher Paulista. O MLC conseguiu integrar feministas de diversas tendências, grupos de mulheres
associados ou não à Igreja Católica, aos partidos políticos legais ou clandestinos, grupos independentes de
moradores que reivindicavam o direito à creche nos bairros, sendo este movimento um importante ponto de
articulação para o movimento feminista no Brasil.
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garantir parte de sua manutenção, mas foram assumidas por entidade particulares
para seu gerenciamento. [...] implementava-se assim uma assessoria técnico
pedagógica ao lado da assessoria técnico-administrativa às creches. Por essas razões
históricas, quando em 1978, a Prefeitura de São Paulo solicitou da Cobes o
atendimento das reivindicações populares, o corpo técnico deste órgão promoveu
uma ampla discussão sobre os aspectos técnicos e políticos desta intervenção. E o
documento “Creche-Programação Básica – 1980” foi uma tentativa de mudança da
visão assistencialista, e das diretrizes de atuação (GAYOTO, 1992, p. 25).
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Com a criação do Comitê da Mulher Trabalhadora a luta pela creche também foi
encampada pelos movimentos sociais e populares como um processo coletivo de
reivindicação das demandas de todas as mulheres que não tem com quem deixar seus filhos
quando vão trabalhar. Em Manaus essa luta se fez mais visível a partir da organização do
Comitê da Mulher Universitária que, segundo Caldas (1997, p. 441), “nasceu dentro dos
muros da Universidade Federal do Amazonas no dia 08 de março de 1980”. Mais tarde,
devido a divergências de concepções esse comitê se fragmentou, no entanto, a luta em defesa
dos direitos das mulheres não foi esquecida, apenas tomou novos rumos com a criação de
outras entidades de mulheres, como a Comissão de Mulheres Trabalhadoras Metalúrgicas,
uma espécie de coordenadoria organizada dentro do Sindicato dos Trabalhadores
Metalúrgicos, que representa a voz das mulheres que encamparam as suas demandas dentro
do próprio sindicato.
Essa organização conforme Torres (2005, p.184) tem seu ponto alto “no Encontro da
Mulher Operária de Manaus273 organizado pelas mulheres trabalhadoras da indústria”. A
Comissão das Mulheres Trabalhadoras Metalúrgicas e remanescente do Comitê da Mulher
Trabalhadora que nasceu do anseio das operárias em criar uma forma ou um organismo que
lutasse pela causa das mulheres junto às empresas pelo direito a creche para seus filhos,
ampliação da licença maternidade, equiparação salarial e melhores condições de trabalho.
Elas “colocaram-se à frente das marchas de enfrentamento com a polícia que procurava
desfazer as manifestações por melhorias salariais” (MASSARO e PESSOA, 1995, p.27).
Aos poucos as mulheres foram obtendo conquistas relativas à creche no âmbito da
Convenção Coletiva. E essa bandeira de luta não se restringia somente ao movimento
feminista das mulheres metalúrgicas, mas se ampliava e ganhava adeptos de outras categorias
de mulheres dos diversos segmentos sociais. Na década de 70 os movimentos de luta por
creche se intensificam ainda mais ampliando sua zona de atuação, chegando a mais lugares
como São Paulo, Minas Gerais e Belo Horizonte, ganhando mais visibilidade. As mulheres
tiveram, enfim, sua luta reconhecida com a Constituição de 1988 Art.208 cap. III da
273
O 1º Encontro da Mulher Operária de Manaus foi realizado no dia 07 de março de 1985 e organizado por
Antônia Nascimento Priantes, Cely Aquino, Rosenilda Oliveira da Silva e Izabel Alegria Ramos Feijó, com o
intuito de organização das mulheres no âmbito fabril. (TORRES 2005, p. 184).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A luta das mulheres pela creche ainda está ocorrendo em todo o Brasil, quer nas
grandes capitais como nas pequenas cidades, são mulheres operárias, donas de casa,
intelectuais, trabalhadoras ou políticas que vão tomando consciência de seu papel social
enquanto mulheres, sujeitos de direitos, se empoderando e empunhando as bandeiras de luta
por direitos iguais. Se os direitos não se igualam, há que se buscar meios para mantê-los em
“pé de igualdade” e por isso a luta se amplia.
As conquistas aconteceram e esperamos que continuem, pois mesmo hoje sendo
reconhecida como uma política pública pela Constituição Federal de 1988 e ratificada como
política educacional na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a creche pública ainda se
mostra como um vir a ser para a grande maioria da população que dela necessita.
As conquistas dos movimentos sociais e comunitários foram visíveis, saíram dos
espaços privados e passaram a atuar mais intensamente nos espaços públicos, tratando temas
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Solange P. da Rocha
INTRODUÇÃO
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É aí que surgem as críticas ao feminismo tradicional, este que propunha uma defesa das
mulheres brancas, de classe média e intelectualizadas. Lélia Gonzales (1935-1994) entra
como importante ativista e intelectual negra neste momento. O Movimento de Mulheres
Negras vai surgir então no Brasil no ano de 1980 (CAVALHO; ROCHA, 2013, p. 5
apud BAIRROS, 1995).
Se no Movimento feminista, questões importantes eram colocadas de lado,
estabelecendo uma unidade identitária, sem levar a luta antiracial e demais questões
que não atendiam aos apelos de lutas da categoria de mulheres negras, no MNU-
Movimento Negro Unificado3, a luta pelo fim do patriarcado, com séculos de opressão sobre
as mulheres negras, assim como outras questões de gênero eram colocados em segundo
plano, e muitas vezes práticas machistas eram vistas dentro do movimento MNU
(SANTOS, 2014, p.
173-174). No artigo intitulado Gênero, História das mulheres e História Social, Louise A.
Tilly (1994) demonstrará as disparidades e peculiaridades que cercam as mulheres,
devendo ser primordiais para construção não só estudos voltados para as mesmas, mas
trazidos no seio dos movimentos sociais:
Ainda que definidas pelo sexo, as mulheres são algo mais do que categoria
biológica; elas existem socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino de
diferentes idades, de diferentes situações familiares, pertencentes a diferentes
classes sociais, nações e comunidades; suas vidas são modeladas por diferentes
regras sociais e costumes, em um meio no qual se configuram crenças e opiniões
decorrentes de estruturas de poder (TILLY, 1994, p. 31).
Antes de tudo, a motivação que levou a pesquisa histórica presente, trajetória, luta e
protagonismo das mulheres negras na Paraíba, se deu pelo sentimento de pertencer a este
grupo social. O reconhecimento da identidade afrodescendente, da necessidade e importância
das reivindicações que o feminismo negro traz, pelo fim do patriarcado e da discriminação
racial ensejaram-me a atuar neste campo de luta social que compete a todas mulheres e
negras inseridas neste contexto. Apesar deste sentimento de pertencimento, se faz necessário
um olhar crítico sobre a Bamidelê. No que concerne aos termos de uma pesquisa,
percebe-se que, desde os anos de 1980, as mulheres dos movimentos sociais negros
desenvolvem trabalhos voltados para a temática das disparidades étnicas. “O
surgimento do movimento de mulheres negras no final de 1980 marcou uma nova fase de
ativismo político que começou a superar as lutas por justiça racial e de gênero no Brasil”
(CALDWELL, 2014, p. 93). É possível observar que as organizações não governamentais,
fundadas de 1980 para 1990, de mulheres negras, estão localizadas no Sul e Sudeste,
verificando-se que o Nordeste não apresentou atuações institucionais durante este período
(CALDWELL, 2014, p. 96).
Nesse sentido, com este estudo, pretendemos analisar a atuação e participação do
Comitê Impulsor Paraibano da Marcha das Mulheres Negras 2015, evento que ocorrerá no
dia 18 de novembro de 2015, em Brasília. Buscaremos, assim, evidenciar a construção do I
Encontro Paraibano de Mulheres Negras, realizado em João Pessoa/PB, entendendo as
articulações e ações políticas e ideológicas ocorridas no Encontro alusivo a data de
celebração das Mulheres Afro-americanas e caribenhas, a divulgação e ampliação da Marcha
Nacional das Mulheres Negras, tema principal que motivou o Encontro além de evidenciar as
estratégias realizadas no Encontro.
Através de um estudo etnográfico referente ao evento foi possível observar estas
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ações: A Marcha Nacional das Mulheres Negras foi o tema principal do pioneiro Encontro
Estadual de Mulheres Negras. Importantes lideranças negras feministas presentes como Vera
Regina Paula Baroni, Coordenadora da ANMB - Articulação Nacional de Mulheres Negras
Brasileiras, Advogada (UNICAP) com especialidade em Direitos Humanos (UFPB) e Saúde
Coletiva (UFBA) Coordenadora Geral da UIALA MUKAJI- Sociedade das Mulheres
Negras de Pernambuco e integrante da Coordenação Executiva Colegiada da Rede das
Mulheres de Terreiro de Pernambuco, que trouxe a no primeiro dia do Encontro a História e
trajetória do feminismo negro no Brasil, além da origem e articulações no construção da
Marcha Nacional das Mulheres Negras, evento idealizado em 2013, pela também
coordenadora da ANMB e militante negra Raimunda Nilma de Melo Bentes. Em resumida
explanação, vera Baroni explicou detalhes importantes como a meta inicial e questionada de
colocar nas ruas 100 mil mulheres negras e alguns objetos sugestionados pela ANMB que
posteriormente foram revisados: entender as demandas gerais, isto é, nacionais que envolvem
a população negra brasileira, em especial, as mulheres negras mas visando os desafios locais,
específicos de cada estado. Assim, a ampliação da Marcha com as articulações de todos os
estados foram gradualmente visibilizando-a e logo sua data foi alterada, explicou Vera
Baroni, devido a necessidade de maior ampliação de fortalecimento dos Comitês estaduais. A
data inicial da Marcha, 13 de maio foi alterada para 18 de novembro (Semana da Consciência
Negra) pelo Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras em reuniões no
início do ano de 2015, em Brasília, nos dias 10 e 11 de janeiro.
Além de um breve histórico sobre a luta e protagonismo do feminismo negro nacional,
Vera relembrou o caso de violência ocorrido no bairro Cabula, Salvador, que culminou no
assassinato de 12 jovens negros, mortos por policiais militares do estado. Com a absorção de
todos os policiais envolvidos nas mortes, evidenciando do descaso e a impunidade brasileira
com assuntos que envolvem racismo e opressão da polícia militar.
O Encontro buscou enfatizar os objetivos da Marcha. Amplamente discutidos e apresentados
de maneiras: lúdicas, reflexivas por meio de oficinas teóricas e práticas, palestras e
apresentações culturais. Além da importância em si como o primeiro Encontro a nível
estadual e regional, o evento também foi um canalizador de divulgação e chamada para a
Marcha nacional, sempre enaltecendo a importância da participação das negras paraibanas e
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residentes no estado: Paraíba Rumo à Marcha. As oficinas teóricas foram elaboradas para
contemplar todos os grupos e enfrentamentos diários e que as mulheres negras estão inseridas
e enfrentam. Saúde da Mulher negra; Intolerância Religiosa; A Mulher negra no Mercado de
Trabalho; Mulher negra e Educação- Aplicação da lei 10.639/2003 foram os temas levantados
no Encontro. Além das oficinas teóricas que objetivavam o empoderamento, e formação
política, realizadas no segundo dia do Encontro, 01 de agosto, no posterior e último dia foram
oferecidas oficinas práticas visando trabalhar a autoestima, a estética e identidade negra como
a Oficina de Maquiagem Negra, Danças Afros, Tranças nagô e Turbantes.
Além da participação da Vera Beroni como representação Nacional da Marcha das
Mulheres Negras, a profa. Dra. Ivonildes Fonseca, diretora da Bamidelê e do Comitê
Impulsor da Marcha das Mulheres Negras facilitou o Encontro apresentando todos os objetos
e desafios que serão apresentados junto a Brasília durante a realização da Marcha. Entre os
principais estão a violência doméstica nos núcleos familiares, quando se observa que a
maioria das vítimas são mulheres negras; os inúmeros casos de racismo nos hospitais
públicos e privados, quando as mulheres negras são destinadas a sentirem mais dores que
mulheres brancas nos partos e não recebem tratamento e atenção dignos; os inúmeros casos
na Paraíba de racismo ambiental e intolerância religiosa com a invasões de terreiros situados
em Cabedelo, Campina Grande e João Pessoa e a importância de resgatar e respeitar a
Cultura afro-indígena presente na Jurema Sagrada que tem como berço Alhandra, localizada
na Paraíba; o Genocídio da População Negra Pobre no estado da Paraíba, com destaque para
a cidade de Santa Rita que se encontra no ranking do Mapa da Violência.
Priscila Estevão, integrante da Bamidelê e coordenadora da FOJUNE-PB falou contra
o extermínio da juventude negra - João Pessoa / Paraíba. Priscila explicou a importância de
denunciar o alvo principal do extermínio através da Marcha que terá grande repercussão e
notoriedade. O genocídio não seria uma questão apenas social, mas sim racial no Brasil. Do
total de 56.337 homicídios ocorridos no Brasil em 2012, 57,6% tiveram com vítimas jovens
com idade entre 15 a 29 anos. Destes, 93,3% eram homens e 77%, negros. Todas as mães,
irmãs, tias, primas, companheiras e amigas negras sofrem com o genocídio e naturalização
dessas mortes ocorridas nas periferias e espaços majoritariamente ocupados por negros e
negras.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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INTRODUÇÃO
Tomando como ponto de partida que problemas sociais e pesquisas sociológicas são
retroalimentados, justifica-se a existência dos diversos paradigmas nos estudos dos
movimentos sociais e como eles têm se superado e se renovado. A pergunta “De onde vêm os
movimentos sociais e como eles são formados?” pode ser preenchida com um amplo leque de
perspectivas teóricas. Assim, há o paradigma da Mobilização de Recursos – com a perspectiva
de construção de estratégias -, o paradigma da Mobilização Política – com a perspectiva de
estruturas de oportunidades políticas -, e o paradigma dos Novos Movimentos Sociais – com a
perspectiva de construção de identidades274. Dentre esses paradigmas, percebe-se a oscilação
da categoria movimentos sociais entre processos de determinação econômica e a
fundamentação da cultura na constituição de sujeitos históricos.
Às teorias dos Novos Movimentos Sociais, associam-se os nomes de Alain Touraine,
Jurgen Habermas, Alberto Melucci, Claus Offe, Manuel Castells. Embora não constituam
uma escola de pensamento, todos estes autores se apresentam como
Segundo Gohn (1997), como características gerais das teorias dos Novos Movimentos
274
Para Inglehart (1971), esses movimentos se diferenciam pela ênfase nas demandas “pós-materialistas”, no
sentido em que, organizados por jovens, mulheres, estudantes, de classe média, demandavam não apenas
melhores condições de vida ou redistribuição de recursos, mas afirmação e reconhecimento dos seus diferentes
modos de vida (ALONSO, 2009, p.50).
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Sociais, tem-se o enfoque nos estudos de cultura, ideologia, lutas sociais cotidianas,
solidariedade e processos de formação de identidade. Para estes autores, os movimentos
sociais são capazes de institucionalizar práticas sociais e modificar a linguagem cultural de
sua época, na medida em que representam e lutam por transformações culturais. Tanto para
Melucci (1987) quanto para Touraine (1987), os movimentos sociais não devem ser
considerados como simples respostas a uma determinada crise. Como “profetas do presente”,
eles revelam, antes de tudo, conflitos sociais. Nessa mesma linha, seguem os teóricos
contemporâneos Manuel Castells e Axel Honneth. Para ambos, o conflito está na base dos
movimentos sociais, é sua mola propulsora. Como aponta Gohn (2011), esses novos
movimentos sociais se apresentam assim como agentes de novos conflitos e renovação das
lutas sociais coletivas.
Dentro dos estudos dos movimentos sociais, Castells e Honneth se destacam pelo
enfoque da dimensão individual, da ação social moldada pelas experiências corporais e
afetivas. Diferentemente das teorias utilitaristas (Mobilização de Recursos e Mobilização
Política), ambos contribuem para a discussão dos movimentos sociais contemporâneos ao
demonstrarem a importância das experiências individuais para a mobilização social dentro de
uma sociedade injusta e não democrática. Sobre os movimentos sociais na
contemporaneidade, Gohn salienta que
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feminista”, seja como “movimento de mulheres”, ao refletir sobre a temática da mulher dentro
dos movimentos sociais, o que se tem é que a mulher não possui visibilidade. Sobre a
diferenciação entre “movimento feminista” e “movimento de mulheres”, Gohn ressalta que
Apesar de protagonistas nas demandas, segundo Jelin (1987, p.11 apud PAOLI, 1990,
p.107), os estudos sobre movimentos sociais praticamente não identificam o gênero de seus
participantes nem se questionam sobre o caráter que este imprime à participação, às práticas
coletivas e aos sentidos da ação. Tratam da temática como se o movimento fosse assexuado.
Neste sentido, ao refletir sobre o gênero em uma teoria da ação coletiva, sobre a perspectiva
de gênero dentro dos movimentos urbanos contemporâneos, considero necessário pensar a
partir de dois pontos: gênero como categoria relacional e transversal (Scott, 1990; Lauretis,
1994) e a problemática da igualdade e da diferença, ou ainda do reconhecimento ou
redistribuição, nos movimentos sociais (Santos, 1999; Fraser, 2007; Honneth, 2007; Pierucci,
1999).
Enquanto categoria transversal e relacional, trabalhar as relações sociais de gênero
como construções de significantes e significados implica que
No que tange à constituição da ação e dos sujeitos, o gênero se apresenta assim como
“um elemento constitutivo das relações sociais baseado em diferenças entre os sexos”, mas
principalmente “um modo básico de significar as relações de poder”. Por isso a importância
de problematizar o reconhecimento (ou sua denegação) do gênero nos movimentos sociais.
Em referência às críticas pós-estruturalistas às categorias fundantes, ao trabalhar gênero como
categoria transversal e relacional, como aponta Scott (1990, p.4), considero que assim como o
termo “mulheres” não existe em si, classe, raça, idade, nacionalidade, também não existem
em si e a associação “classe, raça e gênero sugere uma paridade entre os termos que na
realidade não existe”, existem, na verdade, através da formulação de discursos que os
operacionalizam.
Quanto ao debate igualdade / diferença, Boaventura de Sousa Santos (1999) questiona
quando é interessante insistir na igualdade e quando interessa insistir na diferença para os
movimentos sociais. Seu já clássico aforisma "as pessoas e os grupos sociais têm o direito a
ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza" coaduna com a perspectiva de Scott sobre o debate. Para ela, no que concerne
aos movimentos feministas.
existem momentos em que faz sentido para as mães pedir consideração por seu
papel social, e contextos nos quais a maternidade é irrelevante na conduta das
mulheres; mas ao defender que ser mulher é ser mãe encobrimos as diferenças que
tornam possível essa eleição. Existem momentos nos quais faz sentido pedir uma
revaloração de status do que tem sido socialmente construído como 'trabalho de
mulher' (...) e contextos nos quais faz muito mais sentido preparar as mulheres para
que ingressem em trabalhos 'não tradicionais' (SCOTT, 1999, p.221).
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sempre fora uma característica da direita política, que, historicamente, sempre se negara a
aceitar o princípio da igualdade entre as pessoas. O racismo, por exemplo, está centrado no
princípio da diferença, na recusa de aceitação étnico-cultural do outro. O problema é que a
esquerda, ao reivindicar o direito à diferença, cai numa cilada no sentido que tenta desassociar
diferença de desigualdade. Ao mergulhar na lógica diferencialista, acaba-se incorrendo em
alguma forma de discriminação. Ao lutar por “igualdade na diferença”, sem atentar para as
distinções de valor, a esquerda acaba produzindo uma luta estabelecida mais no discurso do
que na realidade, enquanto a direita a exerce de forma concreta. Para ele, a tentativa da
desconstrução igualdade/diferença acaba por exigir “um trabalho intelectual muito sofisticado
e cheio de sutilezas, que torna dificílimo de ser apreendido pela militância” em face da
inconciliável luta pela igualdade junto com a defesa da diferença. (PIERUCCI, 1999, p.49).
Para Fraser (2007), esse debate não se sustenta, na medida em que ao lutar por políticas de
ações afirmativas, por exemplo, os movimentos sociais acabam por reivindicar o
reconhecimento da diferença, mas, o mais importante, exigem do Estado as possibilidades de
acesso à igualdade.
Ainda dentro deste debate, Paoli (1990, p.108) interroga se a luta por reconhecer o
gênero nos movimentos sociais se configura numa luta comum por um objetivo geral, pela
cidadania baseada na igualdade, ou se pelo direito de sustentar a diferença que encena.
Segundo Macedo (2002), o contexto urbano articula uma pluralidade de lógicas e contrastes
que atingem de forma diferenciada os diversos segmentos sociais, variando com o recorte de
classe, racial, de orientação sexual, de orientação religiosa, de gênero, etc. Pensar nesse
contexto as múltiplas formas de opressão que aproximam e diferenciam os sujeitos requer,
portanto, uma combinação de arranjos que expliquem sua existência. Em termos de
semelhanças e diferenças, tem-se, por exemplo, que homens e mulheres, na luta pela
ocupação de determinado espaço urbano, podem partilhar da mesma situação de despossessão
de moradia e estarem unidos na mesma causa. No entanto, eles vivenciam de formas distintas
em seu cotidiano a luta política devido aos fatores diferenciais daquilo que, dentre outros
autores, Lauretis (1994) vai chamar de experiência de gênero. Por experiência de gênero, ela
toma como sendo
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processo pelo qual a subjetividade é construída para todos os seres sociais. Procurei
definir experiência mais exatamente como um complexo de efeitos, hábitos,
disposições, associações e percepções significantes que resultam da interação
semiótica do eu com o mundo exterior (nas palavras de C.S. Peirce). A constelação
ou configuração de efeitos de significados que denomino experiência se altera e é
continuamente reformada, para cada sujeito, através de seu contínuo engajamento na
realidade social, uma realidade que inclui – e, para as mulheres, de forma capital –
as relações sociais de gênero (LAURETIS, 1994, p.228).
Dessa forma, pensar nas mulheres como protagonistas dos movimentos urbanos
contemporâneos, seja em termos de lutas por moradia ou em termos de lutas por
reconhecimento, seja em termos de movimento feminista ou movimento de mulheres, seja
através de reivindicações igualitaristas ou diferencialistas, requer refletir sobre a ausência da
perspectiva de gênero nos estudos sobre esses movimentos, assim como sobre a invisibilidade
das mulheres como atrizes centrais desses movimentos sociais, não obstante sua presença
majoritária. Acredito que, como salienta Pinto (1992, p.149), destas questões vêm à tona as
possibilidades de pensar “a mulher, quando visível, emergindo como novo sujeito político e
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo, 76: 49-86, 2009.
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem Ética? In: Souza, J. e Mattos, P. (orgs.) Teoria crítica
no século XXI. São Paulo, Annablume, 2007.
GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais – paradigmas clássicos e
contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997.
HONNETH, A. Reconhecimento ou Redistribuição? A Mudança de perspectivas na ordem
moral da sociedade.” P. 79-93. in Souza, J. e Mattos, P. (orgs.)Teoria crítica no século
XXI. São Paulo, Annablume, 2007.
LAURETIS, Teresa de. "A tecnologia do gênero". In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de.
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
MACEDO, M. S. Relações de gênero no contexto urbano: um olhar sobre as mulheres. In:
GT Gênero/Plataforma de contrapartes Novib/ SOS Corpo para ONGs. Recife, 2002.
MELUCCI, A. Um Objetivo para os Movimentos Sociais? Lua Nova – São Paulo. Junho,
1987.
PAOLI, Maria Celia Pinheiro Machado. As Ciências Sociais, os Movimentos Sociais e a
Questão do Gênero. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, v. 31, p. 107-121, 1990.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999.
PINTO, Céli Regina Jardim. Movimentos sociais: espaços privilegiados da mulher enquanto
sujeito político. In: COSTA, Albertina de Oliveira e BRUSCHINI, Cristina (org.). Uma
questão de gênero. São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos,
1992, p. 127-150.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Construção Multicultural da Igualdade e da
Diferença. Oficina do CES, nº 135, Coimbra, Portugal, 1999.
SCOTT, Joan W. "Gênero: uma categoria útil de análise histórica". Educação e Realidade,
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INTRODUÇÃO
Não há lembranças que reaparecem sem que de alguma forma seja possível
relacioná-la a um grupo (...). No primeiro plano da memória de um grupo se
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destacam as lembranças dos eventos e das experiências que dizem respeito à maioria
de seus membros e que resultam de sua própria vida ou de suas relações com grupos
mais próximos, os que estiveram mais frequentemente em contato com ele. As
relacionadas a um número muito pequeno e às vezes a um único de seus membros,
embora estejam compreendidas em sua memória (já que, pelo menos em parte,
ocorreram em seus limites), passam para o segundo plano (Idem, p. 51).
O histórico da luta pela terra no Engenho Geraldo é refletido nas memórias dela, sob
os anseios básicos, tais como: ter onde morar; ter com quem construir relações de amizades;
ter um meio de sustentar sua família. Esta gama de reivindicações, são a priori simples, mas
abrem-se do seu interior para sua relação social com uma força que causa encanto. Temos
assim, um terreno fértil ao historiador, que sensibilizado pelas relações que os indivíduos
constroem nos diversos meios - em espaços e tempos distintos, tem em mãos um campo de
trabalho infinito para o estudo das relações socioculturais dentro desta história.
Este texto se caracteriza como uma contribuição à percepção das relações e
sociabilidades de Josefa Ermina Cobé, mais conhecida por “Nêm Cobé” – nome pelo qual
iremos nos apropriar nesta narrativa. Nêm Cobé, que em sua história de vida se constrói como
liderança na comunidade rural Engenho Geraldo275 de Alagoa Nova-PB, adquire em suas
relações sociais, desejos e anseios primordiais de busca pela liberdade, que a seu ver, está
relacionada a obtenção de um pedaço de terra para os/as trabalhadores/as de sua comunidade.
Falar dela é perceber que em suas práticas subjetivas foram construídos modelos de
educação popular276, que se fortaleceram nas suas sociabilidades dentro da luta social do
Engenho Geraldo, tornando-a deste modo, uma personagem relevante para os que
participaram do movimento de reforma agrária ocorrido entre o período de 1975 e 1984277 em
tal ambiente. Assim, ela se encontra em um contexto de movimento social, luta pela terra e de
mobilização dos trabalhadores/as do campo, que viviam em condições injustas de divisão
275
O Engenho Geraldo foi uma propriedade de 2.500 hectares aproximados pertencentes à família Tavares De
Mello Cavalcante, no município de Alagoa Nova-PB que em 1984 passou a ser espaço de reforma agrária
promovida pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Nestas terras, 555 famílias
foram beneficiadas com lotes proporcionais à sua renda e proporção familiar. (Dados obtidos na Gerência
Regional do INCRA, localizada em João Pessoa-PB em: 15 de maio de 2014).
276
Ver: GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de
projetos sociais. São Paulo; Cortez, 2010. p. 22-29.
277
O reconte temporal deste trabalho define-se entre os anos de 1975, ano da morte de Pedro Tavares de Melo
Cavalcante, último herdeiro direto dos “senhores do Engenho Geraldo” e 1984, ano da obtenção da posse
definitiva da terra pelos/as trabalhadores/as.
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social, onde eram obrigados/as a pagar arrendamentos aos “donos da terra” em condições
desumanas de trabalho. Sendo esta uma das responsáveis pela mobilização dos/as
camponeses/as apresenta-se neste artigo como uma das protagonistas deste acontecimento
histórico.
Buscamos perceber que nas práticas desenvolvidas junto ao movimento, Nêm Cobé
cria mecanismos de formação de uma consciência coletiva de pertencimento à terra e à
comunidade dentre os que participaram do movimento, para assim, sensibilizar todos/as da
reforma agrária naquela comunidade. Ela ainda se destacou por incentivar a participação das
mulheres no Engenho Geraldo, buscando nelas a força da mobilização para o engajamento de
todas as famílias de posseiros que ali moravam.
Sobre sua história de vida, a entendemos como parte de uma escrita de si278, construída
a partir de suas ações dentro do movimento e em sua própria vivência no mundo. Foucault
(2014) quando pontua a natureza textual das ações humanas, que são entendidas a partir de
uma relação de significantes e significados, nos ajuda a perceber a construção que Nêm faz
em sua vida. Pois, muito do quem entendemos dela hoje, faz parte de uma construção que ela
construiu durante sua trajetória.
Deste modo, utilizamos a metodologia da história oral a partir dos estudos
desenvolvidos por Alberti (2005), em interface com a autobiografia Souza (2008), para poder
a partir dos atos de memória dos idosos, Bosi (2009), discutirmos acerca da história dos
movimentos e sua luta pela terra, no contexto ditatorial e suas repercussões no município.
278
Entendemos escritas de si como um conceito defendido por Michel Foucault e seus comentadores, onde se
articula que as produções feitas pelos sujeitos históricos são elaboradas de maneira a possibilitar a construção de
um “corpo” para os sujeitos. Ver: FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa:
Passagens. 1992. p. 05.
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sensibilizar com os sofrimentos dos seus companheiros que estavam preocupados com a
eminente morte de Pedro Tavares de Mello Cavalcante, último herdeiro direto da propriedade
Engenho Geraldo e a possível vinda de seus sobrinhos, para reivindicarem direitos à herança,
fato que perpassaria o despejo dos moradores da comunidade.
Esta década, marcada por angústias dos que conviviam nesta comunidade, também era
um momento de incertezas, pois existia o medo da perda do lote de terra, - já que boa parte
dos/as trabalhadores/as eram posseiros279. Da perseguição política/ideológica de um regime
ditatorial que se instaurava no Brasil naquele momento, da justiça local, que os
caracterizavam como medrosos/as agricultores/as que não podiam e nem sabiam reivindicar
direitos junto às autoridades competentes. Estas nuvens de medos que pairavam sobre as
cabeças dos que viviam na comunidade foi o principal motivo apontado por Nêm Cobé para
sua entrada no movimento:
Se torna importante lembrar que Nêm Cobé não nasceu e não morava no Engenho
Geraldo, ela migrou, ainda em sua infância da cidade de Soledade no Cariri paraibano280, com
12 anos de idade para o Brejo281, passando a residir em outra comunidade rural nas
proximidades do Engenho Geraldo. Em suas memórias percebemos que traços desta infância
são colocados como base para a sua formação de luta, algo que Bosi (2009) afirma ao narrar
que a não plenitude dos relatos dos velhos também nos traz muitas informações sobre sua
279
Posseiros e meeiros eram agricultores/as que trabalhavam nas terras de um “senhor de engenho”. Em troca
disto, a produção agropecuária deveria ser dividida com o dono da terra. Ou dias de trabalho deveriam ser
destinados para pagar o aluguel da terra.
280
Microrregião geográfica paraibana, o Cariri paraibano é formado por 29 municípios, abrigando uma
população de mais 160 mil pessoas. O clima é tipicamente semiárido. Disponível em
<https://www.flickr.com/photos/egbertoaraujo/collections/72157621392241019/>. Acesso em: 30 de julho de
2014.
281
Microrregião geográfica paraibana, O Brejo é pertencente à Mesorregião do Agreste Paraibano. Sua
população foi estimada em 2012 pelo IBGE em 115.923 habitantes e está dividida em oito municípios.
Disponível em<http://pt.wikipedia.org/wiki/Microrregi%C3%A3o_do_Brejo_Paraibano>. Acesso em: 30 de
Julho de 2014.
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vivência de juventude:
Há dimensões de aculturação que sem os velhos, a educação dos adultos não alcança
plenitude: o rever do que se perdeu de histórias, tradições, o reviver dos que já
partiram e participam então de nossas conversas e esperanças; enfim, o poder que os
velhos têm de tornar presentes na família os que se ausentaram, pois deles ainda
ficou alguma coisa em nosso habito de sorrir de andar e de agir (Idem, p.74).
A escrita de si que si inicia neste momento de sua vida e que amadurece pelos
ensinamentos passados pelo seu pai sobre a importância da luta por direitos, ganha cada vez
mais força quando a jovem vai crescendo. Os ensinamentos da JAC (Juventude Agrária
Católica) e os próprios engajamentos nos movimentos sociais vão sendo marcas construídas
na vida de Nêm Cobé, mesmo antes da entrada na luta do Engenho Geraldo.
Escritas de si que esta líder aprimora e edifica a partir da imagem que projeta para o
povo da comunidade e que constantemente alimentaram pela forma como se relacionaram nas
atividades da luta pela terra. Inscrições que não são necessariamente efetuadas pelo ato
laboral de escrever, mas sim, inscrições sociais, marcas de convivências que são cultivadas a
cada momento de suas vidas. Rago (2013), ao refletir sobre mulheres que de forma singular
lutaram contra as repressões sexistas e políticas da década de 1970, traz em seus escritos a
aventura de contar-se destas, que lutaram por direitos e afirmações em sua época, pensando
suas lutas como maneiras de se inscrever no mundo.
De maneira semelhante, pensamos que a liderança de Nêm no Engenho Geraldo
articulou sua vida de modo a projetar imagens que são perpetuadas dentro do contexto de
vivências com a comunidade. A cada atitude na luta, a cada ação feita em conjunto e,
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sobretudo, a cada fala que proferia, ela estava se lançando para o mundo e construindo uma
imagem para si. Cercada de um sentimento de luta que foi se fortalecendo em suas vivências
através do conhecimento que ganhava em sua comunidade e o respeito dos muitos/as que lhe
convidavam para ser madrinha de seus filhos/as.
Ainda sobre as formas de escrita de si, pensamos de maneira semelhante ao que disse
Paulilo (2004), pois as memórias edificadas por Nêm Cobé trazem um contexto de valores
intrínsecos em sua fala, fato bem comum às lideranças que se projetavam no protagonismo
social camponês neste momento histórico. Em seus relatos, palavras como: luta,
companheiros/as, latifundiários, Lei 4.504282 são corriqueiros, sendo perceptível que os
valores e sentimentos voltados para o social foram alimentados em sua construção subjetiva
na primeira infância.
Com seu discurso de fácil entendimento e amigável para com todos/as da comunidade
ela começa através dos encontros religiosos, a alimentar nas pessoas uma consciência de
classe que se sustentava na sua experiência de vida que a nosso ver era, sobretudo, uma
experiência transmitida aos outros moradores e moradoras do Geraldo através de seu
conhecimento adquirido pelas leituras que tivera.
Percebemos que o debate que coloca Nêm na história, torna-se pertinente, pois vemos
que “basta pensar que entre as décadas de 1970 e 1980 as ações trabalhistas no país são
trabalhadores lutando pela liberdade, lutando por melhores condições de trabalho, lutando
para que o direito a uma alforria seja respeitado” (VASCONCELOS, 2005, p. 09).
282
Lei federal aprovada em 30 de novembro de 1964, estabelece e regula os direitos e obrigações concernentes
aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e Promoção da Política Agrícola. Ver:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm>. Acesso em: 07 de Outubro de 2014.
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Nêm Cobé diz, que suas experiências foram partilhadas com os demais
companheiros/as da luta, nos dez anos que a enfrentaram. Iniciando-se com a morte Pedro
Tavares de Melo Cavalcante em 1975 e tendo seu termino em 1984 - quando há a entrega
definitiva da posse das terras aos/as trabalhadores/as rurais do Engenho Geraldo:
A gente sabia que a coisa era bem maior do que nós, por trás tinha o povo da igreja
da JAC (Juventude Agrária Católica) e muita gente grande apoiando nosso
movimento. Tinha padres, bispos que já faziam isso em outros lugares e estavam
dispostos a ajudar. Eles já contavam para gente aquelas histórias que tinha
acontecido em outro lugar, e assim a gente foi aprendendo, eles deram a gente para
estudar o livrinho dos direitos humanos, aí com esse livrinho aprendemos também
muita coisa, como era que acontecia as coisas e como podíamos lutar (sic) (NÊM
COBÉ, 2011).
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movimentos sociais da época ou até mesmo através de mobilizações criadas por elas para
lutar por mais direitos civis. Assim, quando Nêm Cobé articula suas falas ela estava
reinvidicando também seus direitos de mulher, ela abre-se a um contexto bem maior que a
acompanhava nas suas mobilizações.
A época dos acontecimentos do Engenho Geraldo fora também um momento em que
as mulheres no contexto social brasileiro reivindicavam direitos e afirmavam-se em
movimentos sociais organizados, embora Nêm Cobé, naquele momento não tivesse
consciência do papel do feminismo nas lutas sociais, ela estava sim promovendo bandeiras de
luta que reivindicavam maior representatividade feminina nos espaços públicos:
Através da nossa luta, os homens também participavam, mais na maioria das vezes
quem entrava primeiro eram as mulheres aqui no Engenho Geraldo. Elas
participavam das novenas depois ouvia as reuniões na novena e chegavam em casa
contava ao marido. Olhe: tinha eu, Elza Vilar, Lourdes Paulino, aí vem Socorro
Barbosa, Toninha, ajuda de Teresa Braga (advogada), Hozana Japiaçu, Nelzinha,
Agmar Ferreira, era mulher que só, viu! (NÊM COBÉ, 2014).
A invisibilidade que faz parte da história das mulheres, ou dos lugares reservados a
elas historicamente. Sabendo que, em sociedades patriarcais como a nossa o lugar
das mulheres ao longo dos séculos oficialmente, tem sido os espaços do privado-
espaço doméstico da casa, da cozinha, do quarto, etc., espaço guardado pela
invisibilidade e o silêncio (ROSA, 2013, p.45).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vemos em Nêm Cobé – a mulher, que como tantas outras, tomou para si um ideal de
luta por causas sociais. Sua luta que se baseia sobretudo por uma busca por valores
identitários de pertencimento à terra é também permeada pela própria construção de sua
feminilidade, eis a líder camponesa que buscou em uma sociedade machista se afirmar como
liderança para assim promover conquistas para a comunidade que viverá.
A prática de uma sensibilização do seu povo que também pode ser vista como uma
forma de educação para a liberdade, foi construída por Nêm Cobé na comunidade Engenho
Geraldo nos anos da luta em prol do direito à terra. Mas uma coisa deve ser analisada neste
momento: suas ações e lutas não se restringiram àquele tempo, pelo contrário, atingiu
ambições e demandas que até hoje são vivas na memória coletiva da comunidade.
Sobre suas práticas, também defendemos que ela constrói uma educação que não
tivera como objetivo instruir sobre sílabas ou números, mas sim, evidenciar o sentimento de
luta coletiva. Uma práxis que não teve como objetivo a criação de uma cátedra, mas sim a
consolidação de um respeito coletivo que a comunidade alimentou sobre a figura de Nêm
Cobé.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ENTREVISTAS
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INTRODUÇÃO
¹ Este artigo é parte do trabalho de dissertação da autora que se intitula O Movimento Estudantil em Campina
Grande –PB: Entre Sonhos, Frustrações e Lutas(década de 60), defendido junto ao Programa de Pós Graduação
em História da Universidade Federal de Campina Grande-PB.
²
É aluna especial do Doutorado em Educação pela UFPB. Possui mestrado em História pelo Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande (2014). Graduada em História pela
Universidade Federal de Campina Grande-PB (2011). Especialista em História do Brasil e da Paraíba pela
Faculdade Integrada de Patos- FIP(2013). Especialista em Fundamentos da Educação: Práticas Pedagógicas
Interdisciplinares pela Universidade Estadual da Paraíba (2014). Desenvolveu pesquisa acerca do Movimento
Estudantil de Campina Grande na década de sessenta e sua relação com as lutas sociais no contexto da Ditadura
Militar na Paraíba.
³ Este artigo é parte do trabalho de dissertação da autora que se intitula O Movimento Estudantil em Campina
Grande –PB: Entre Sonhos, Frustrações e Lutas(década de 60), defendido junto ao Programa de Pós Graduação
em História da Universidade Federal de Campina Grande-PB.
284
POERNER, Arthur José. O Poder Jovem: História da participação política dos estudantes brasileiros-
Rio de Janeiro: 1968. Civilização Brasileira (p.209)
285
Domingo, 21 de abril de 1963. CEPLAR vai levar Cultura Popular à Campina Grande. P. 05
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Para discutir com o Prefeito Severino Cabral as bases [...] a ser firmado entre com a
Prefeitura de Campina Grande a CEPLAR reuniu seu Conselho Deliberativo ante-
ontem a noite. Acompanhado do Governador Pedro Gondim e do Prof. José
Severino, Secretário da Educação de Campina Grande, o Prefeito Severino Cabral
compareceu a Sede da CEPLAR [...] Dos entendimentos mantidos ficou acertado
que a Equipe Técnica da CEPLAR continuará a tarefa de formação do pessoal de
Campina Grande que orientará o movimento de cultura popular naquele município
sob a supervisão técnica da CEPLAR. Segundo informações prestadas pelo Sr. José
Lustosa, Diretor da CEPLAR, será realizado de 24 a 29 do corrente, em Campina,
um curso para Formação e aperfeiçoamento da Equipe daquele município, ficando a
cargo da Organização que dirige assistência técnica, supervisão e orientação técnica.
(A UNIÃO, 21 DE ABRIL DE 1963).
Em seu depoimento, a senhora Salete nos informa como ocorreu o seu envolvimento
com o Movimento CEPLAR em Campina Grande-PB, ainda no período anterior ao Golpe
Militar na Paraíba.
Eu comecei a militância quando ainda era do Curso Ginasial no Colégio Alfredo
Dantas [...]. O padre Antônio Nóbrega era o grande articulador político daqueles
movimentos chamados de Vanguarda, de esquerda de Campina Grande [...]. Nessa
época eu comecei a militância, em janeiro de 1963 para o começo de fevereiro de
1963 e o assunto no Brasil era o “milagre” do método Paulo Freire que alfabetizava
em quarenta horas e isso interessou muitos políticos, isso interessou profundamente
ao Prefeito de Campina Grande Severino Cabral que era muito grande, muito alto e
o povo chamava “pé de chumbo”. Aí seu Cabral “endoideceu” e falou que “se fosse
esse negócio para fazer voto, alfabetizar em quarenta horas, então vamos alfabetizar
o pessoal de Campina Grande”.
286
Para maiores esclarecimentos ver: 8º Sessão de Depoimentos de perseguidos pela Ditadura Militar, realizada
em 31.03.2011. Auditório da Central de Aulas/ UFPB. Coordenação: Rosa Maria Godoy Silveira. Expositora:
Maria Salete Van der Poel. FERREIRA, Lúcia de Fátima Guerra e FERREIRA, Carmélio Reynaldo (Orgs).
Projeto: Compartilhando Memórias: Repressão e Resistência na Paraíba. Vol. 8- Maria Salete Van der Poel
João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. 12 v.
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[...]
Eu fui para fazer um curso com Paulo Freire e da Equipe dele lá no SEC (Serviço de
Extensão Cultural) que era ligada a Universidade de Pernambuco, sendo o SEC
coordenado por Paulo Freire, mas eu não fui na Equipe do Severino Cabral, eu já fui
para esse Encontro como militante da AP (Ação Popular), eu fui como uma tarefa da
AP de assistir o Programa, me infiltrar e trazer o Projeto para Campina Grande para
que o projeto não caísse somente nas mãos dos políticos. Lá foi um curso de uma
semana e tinha universitários do Brasil todo. Foi um curso maravilhoso, uma parte
dada pelo próprio Freire, outra parte encantadora dada por Joamar Muniz de Brito e
a parte de Metodologia da Linguagem foi dada por Aurenice e por Adosina, que
carinhosamente nós a chamávamos de Dosa, que faleceu ano passado. (informação
verbal).
Na fala da depoente Maria Salete, compreendemos que houve interesse por parte do Prefeito
de Campina Grande, o senhor Severino Cabral, em trazer para a cidade o projeto de
Alfabetização de Jovens, uma vez que isso acarretaria votos no período eleitoral. Dessa
forma, há uma tentativa de apropriação do movimento de educação popular pelas oligarquias
locais, no sentido de tornar esse Projeto algo lucrativo e que servisse aos próprios
interesses da elite campinense.
Dando continuidade ao seu depoimento, a senhora Salete evidencia ainda que, ao voltar
à Campina Grande depois do Curso de Formação dado pela Equipe de professor Paulo Freire
na Universidade de Pernambuco, ela juntamente com Ofélia Amorim287 e outros estudantes
começaram a se engajar, em Campina Grande, na Campanha de Educação Popular da
Paraíba, a partir de Março de 1963. Segundo nossa depoente, foi feito uma “experiência
287
Foi advogada que defendeu os camponeses que faziam parte das Ligas Camponesas de Sapé, na
Paraíba. A dissertação de Mestrado XAVIER, Wilson José Félix. As práticas educativas da Liga
Camponesa de Sapé: memórias de uma luta no interior da Paraíba (1958-1964). 234f. Universidade Federal
da Paraíba, João Pessoa, 2010 aborda, logo no inicio de sua escrita, sobre a atuação de Ofélia Amorim.
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piloto” nessa cidade, num bairro chamado “Casa da Pedra” (atual bairro Centenário),
havendo um considerável desenvolvimento deste Projeto, pois com o Golpe Militar em 1964,
a CEPLAR já contava com cinquenta e cinco núcleos.
Nesse sentido constatamos que, mesmo com o Golpe Militar, os estudantes continuavam
atuando na Alfabetização de Jovens e Adultos em Campina Grande, aumentando-se o
número de núcleos nesta cidade e nas cidades circunvizinhas. A matéria nos informa, ainda,
que a Campanha de Alfabetização tinha por objetivo mobilizar a população campinense
para a reivindicação dos problemas relacionados à educação, organizando-se vários núcleos
de Alfabetização na cidade, sendo que as primeiras experiências estavam sendo feitas,
principalmente, nos bairros Monte Santo, Catolé e José Pinheiro por se tratarem de
bairros carentes da cidade em que a falta de infraestrutura, saneamento básico e educação
eram notórios.
288
Campina Grande, Quarta-feira, 1 de abril de 1964. Objetivo da “CEPLAR” é dinamizar Plano
Educacional na cidade: Cultura Popular. In: Diário da Borborema, p.08
289
A Senhora Léa Amorim não participou do Movimento Estudantil de Campina Grande, pois segundo ela
“estudava pela manhã e noivava à noite”, dedicando o resto de seu tempo livre ao preparo de seu enxoval. Vale
salientar que mesmo não tendo participação direta também na CEPLAR, ela nos falou que sua família fora
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nos afirmou que, no caso de sua irmã Salete Vander Poel, esta buscou dar continuidade a
Campanha de Alfabetização da seguinte maneira:
A sala de nossa casa era cedida para as reuniões e discussões acerca dos
projetos de Alfabetização, mas ninguém poderia saber, pois tínhamos medo da
repressão. Lá em casa havíamos separado uma sala para aulas e, nesse ambiente,
eram realizadas as reuniões escondidas de nossa mãe quando ela ia para a Igreja.
Nesses encontros eram feitas leituras no plano teórico sobre Marx, Lênin, os
Marxistas de uma maneira geral, onde se discutiam realmente o que os estudantes
desejavam que fosse a mudança na sociedade290. (informação verbal).
O depoimento de Léa Amorim nos informa que uma maneira dos estudantes continuarem
suas discussões sobre a CEPLAR, com o Golpe Militar na Paraíba era se reunirem na
residência da Professora Salete, onde as aulas de alfabetização eram realizadas. Nesse
momento inicial do surgimento da Ditadura Militar na Paraíba o medo se fazia presente,
havendo a necessidade desses estudantes buscarem novas maneiras de dar continuidade
as suas lutas.
É interessante ressaltar que o interesse das classes dominantes que apoiaram o Golpe
Militar estava relacionado a um caráter ditatorial que, em Campina Grande, passou a ser
combatido, principalmente pelos estudantes que buscavam mudanças na estrutura
impactada pelas ideias dessa Campanha, haja vista que sua irmã Maria Salete Van der Poel lutava pela causa
popular, pela alfabetização de jovens nos bairros mais carentes de Campina Grande. Mesmo não participando
das reuniões, Léa Amorim nos contou que era “cumplice” de sua irmã, ao mentir para a mãe afirmando que
aqueles estudantes em sua residência eram alunos de Salete que estavam se dedicando ao Vestibular. Segundo
Léa, sua mãe tinha receios do envolvimento de Salete em movimentos sociais, pois naquela época quem fosse
contrário ao Governo era tachado de comunista. Daí sua afirmação de que os “estudantes sabiam, eles
planejavam, mas não era uma coisa aberta, pois se encontravam na Livraria Pedrosa que era o local onde se
recebia livros de Engel, Marx, entre outros”. Mesmo não tendo participação direta nesse movimento como sua
irmã Salete, consideramos que Léa Amorim foi sim uma militante, haja vista que, nesse contexto, o seu apoio foi
fundamental para que as aulas e discussões acerca da Campanha de Alfabetização de Jovens e Adultos pudessem
ter continuidade. Não foi possível, ao longo de nossa pesquisa, uma entrevista com a senhora Salete Van der
Poel, devido ao momento delicado, relacionado à sua saúde, pelo qual estava passando.
290
Entrevista concedida à autora ela Professora Leonília Maria de Amorim, também conhecida no meio
Acadêmico como Léa Amorim. Campina Grande, 26 de março de 2013.
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Na Paraíba, com o golpe militar que coincidiu com o Governo de Pedro Gondim292, a
CEPLAR foi invadida e materiais foram apreendidos, conforme esclarece o seguinte
Inquérito Policial Militar - IPM293 (1964, p.28):
291
CITTADINO, Monique. Poder Local e Ditadura Militar: O Governo João Agripino- Paraíba (1965-
1975). Bauru, SP: Edusc, 2006. p.116. É interessante ressaltar que Gomes (2010) em seu texto apresenta
um debate acerca do termo Populismo, ao evidenciar que “as primeiras formulações sobre o populismo
surgiram no contexto da democratização de 1945, como uma imagem desmerecedora e negativa do
adversário político em que ele deveria ser combatido no decorrer da própria luta política, surgindo
posteriormente como uma categoria explicativa de âmbito acadêmico” (GOMES, 2010, p. 8-9). Ainda de
acordo com a autora, ao discutir o termo Populista em sua obra, ela nos informa que o populismo “se trata de
um conceito com um dos mais altos graus de compartilhamento, plasticidade e solidificação, não apenas no
espaço acadêmico da história e das ciências sociais, como transcendendo este espaço e marcando o que
poderia ser chamado uma cultura política nacional” (GOMES, 2010, p. 20). Ainda de acordo com essa autora
ao evidenciar a relação do golpe militar com a questão populista, ela nos afirma que “as causas do golpe
deixariam raízes no esgotamento da experiência populista, uma vez que passa a possuir uma clara
periodização, pois tem inicio em 1930 quando eclode o movimento militar liderado por Vargas e se conclui
em 1964 quando do movimento militar que depõe João Goulart” (GOMES, 2010,p. 27). Ver mais em:
GOMES, Angela de Castro. O Populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um
conceito. In: O Populismo e sua história: debate e crítica/ Organização: Jorge Ferreira, -2ª ed. – Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
292
De acordo com Cittadino (1998) Pedro Gondim “durante o período inicial dessa segunda fase de sua
administração (1961-1965) permanece fiel aos princípios populistas através dos quais foi eleito”. Ver mais
em: CITTADINO, Monique. Populismo e Golpe de Estado na Paraíba- Monique Cittadino- João Pessoa:
EditoraUniversitária/Ideia. 1998; p.115. Paulo Geovanni (2009) também concorda com Cittadino ao afirmar
que “essa postura que o Governo de Gondim, de procurar manter-se como árbitro entre as classes em
conflito era um reflexo da composição populista que o elegeu”. Para maiores esclarecimentos ver:
NUNES, Paulo Geovanni Antonino. Os Movimentos Sociais, o Governo Pedro Gondim e o Golpe Civil-
militar na Paraíba. ANPUH- XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA- Fortaleza, 2009, p.06.
Discordando das visões apresentadas por Monique Cittadino e Paulo Geovanni acerca da posição do Governo
Pedro Gondim, caracterizado como Populista, é necessário analisarmos a conjuntura social na qual ele estava
inserido, pois Gondim era um homem que pertencia à camada dominante da Paraíba, sendo ligadas às políticas
tradicionais do Nordeste Paraibano. No entanto, apesar de seu governo ser caracterizado como Populista, há
controvérsias quanto a isso, haja vista que mesmo incorporando algumas práticas populistas ao seu Plano de
Governo, Gondim poderá ter feito isso pela questão da mobilização social, pelas circunstâncias do momento
que a Paraíba estava vivenciando e não por convicções.
293
Pesquisando a documentação do DOPS (Delegacia de Ordem política e Social) na Universidade Federal
da Paraíba-UFPB, em João Pessoa, encontramos diversos IPMs- Inquérito Policial Militar sobre os mais
diversos personagens que constituíram a Paraíba na década de sessenta. Deparam-nos com um cenário de
luta e de resistência contra a ditadura militar instaurada naquele período, mas também um cenário propício
ás diversas formas de reivindicações sociais. Nesse contexto, vale lembrar que a documentação encontrada
revela como a polícia política esteva articulada no sentido de vigiar e punir os estudantes que eram contrários à
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Aos três dias do mês de abril de mil novecentos e sessenta e quatro, nesta cidade
de João Pessoa, em cumprimento de ordem expressa ao Senhor Coronel
Comandante da Guarnição de apreender todo e qualquer documento ou publicação
de caráter subversivo ou propaganda do regime comunista, nos dirigimos à Praça
D. Adauto, onde está sediada a Campanha de educação Popular (CEPLAR), segundo
fomos informados, e aí, depois de ter sido verificado que não havia ninguém no
recinto, presente as testemunhas 2º Sargento JOSÉ VASCONCELOS NETO e 3º
Sargento ROMILDO DOMINGUES DE MELO, abaixo assinadas, e, entrando na
casa supra declarada, procedemos a mais minuciosa busca, examinando todas as
salas quartos e lugares, fazendo abrir portas, gavetas, armários, etc, encontrando o
seguinte material: 1 (um) cartaz utilizado para solução do teste; 11(onze) provas
de inscrição de professores para as Escolas CEPLAR, contendo também uma
entrevista [...].
Vários foram os documentos apreendidos na CEPLAR por ordem do Comandante da
Guarnição de João Pessoa. Vale lembrar que os assuntos relacionados a esses
documentos versavam sobre a conscientização dos estudantes na sociedade acerca de
suas lutas reivindicatórias, chamando atenção para o contexto social no qual estavam
inseridos. Sendo assim, em nossas pesquisas relacionadas à CEPLAR encontramos modelos
de lições que eram utilizadas pelos estudantes campinenses nas salas de aulas. Vejamos o
que o Inquérito Policial
Nessa época, grande parte dos alunos alfabetizados pelos estudantes que faziam parte da
CEPLAR era oriunda das classes populares de Campina Grande, sendo temas como
“habitação, saúde, alimentação, educação, trabalho” alvos de debates porque provocava
inquietação aos estudantes naquele contexto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ditadura militar na Paraíba. Nesse caso, estamos nos referindo ao 1º IPM 1426 VOL. 1.118, p.28.
294
Ver mais em 1º IPM 1426 VOL1.118 (p. 52).
849
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Entrevista
Documentos
Arquivo e Bibliotecas
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A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é um organismo de Igreja, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Foi criada em Goiânia, em julho de 1975, por um grupo de bispos, padres e leigos, com o
objetivo central de "interligar, assessorar e dinamizar os que trabalham em função dos homens sem-terra e dos
trabalhadores rurais". Sua proposta é promover as práticas alternativas dos trabalhadores contra a dominação
econômica dos grandes projetos agrícolas e energéticos, e da massificação cultural, as várias formas de
organização dos trabalhadores para conquistar a terra, melhorar a produção ou salário e participar ativamente nas
decisões políticas, a informação e a formação de trabalhadores e agentes de pastoral, recuperando a memória
histórica de suas lutas, o apoio aos trabalhadores rurais na luta pela terra e por uma reforma agrária ampla, a
solidariedade com os povos da América Latina e do Caribe.
A CPT se organiza em 20 regionais que articulam as equipes locais de acompanhamento aos lavradores. A
Diretoria Nacional é constituída por 5 representantes das grandes regiões, pelo Presidente e o Vice-Presidente
eleitos em Assembléia. O Secretariado Executivo funciona em Goiânia, com a missão de documentar as lutas
dos lavradores e assessorar as regionais em seu trabalho,pastoral.
Para informar e formar lavradores e agentes de pastoral, o Secretariado Nacional produz o Boletim da CPT e a
Sinopse (Eclesial Econômica e Política). Sobre temas específicos, publica os "Cadernos CPT".
Formada pela CEDIC, a partir de doações, a Coleção contém documentos sobre ação da Pastoral da Terra não só
no que se refere a trabalhadores rurais, como também à sociedade como um todo.
http://www.pucsp.br/cedic/colecoes/pastoral_da_terra.html Acesso agosto de 2015.
296
Padre Tonneto. Padre que coordenou a CPT na região da Guajarina de 1960 ate sua morte em 2000.
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- Excerto da entrevista com Irmã Rosa Figueiredo- CPT/Guajarina, 2015.
O movimento surgiu como uma demanda regional quando as mulheres se organizavam para terem direitos à
sindicalização. A CPT foi uma boa parceira
O movimento surgiu como uma demanda regional quando as mulheres se organizavam para terem direitos à
sindicalização. A CPT foi uma boa parceira nisso. Era preciso se organizar e conscientizar as mulheres do seu
papel nos seus espaços.
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os Movimentos Sociais são empreendimentos coletivos para estabelecer uma nova ordem de
vida, eles surgem de uma inquietação social conseqüência de situações de insatisfação e do
desejo de novas formas e oportunidades de vida, isso também era o desejo das mulheres
naquele momento: participar do movimento social, como seus maridos, e também ter acesso a
bens e serviços que melhorassem as suas condições de vida e trabalho.
O Movimento possui caráter sócio-político e cultural numa conjuntura específica de
relações de força que caracterizam distintas formas de organizar e expressar suas demandas,
de acordo com Gohn (2004). As ações do MMTCCB propiciam um processo de inserção em
espaços coletivos não institucionalizados, gerando transformações na vida pessoal e das
localidades em que moram as mulheres nele inseridas. As ações decorrentes dessa
organização balizam interesses, identidades e projetos de grupos específicos, da geração de
trabalho e renda à formação político-social, como podemos ver abaixo:
A mulher pobre trabalha muito, mas não possui dinheiro. Ela é explorada pelos
opressores e muitas vezes em sua própria casa. Outras vezes é explorada como
empregada por outra mulher, a patroa.
É, mulher sofre mais do o homem, porque é obrigada pela necessidade trabalhar na
olaria, em casa, na roça, fazendo paneiro, caeira... Para ajudar o marido e não ver os
filhos com fome.
A mulher tem muito saber e muito valor. È importante quando o homem sabe
reconhecer isso e então cuida de sua mulher com carinho. Eu acho muito bonito
quando a mulher é unida com seu marido. Mas tem muitas mulheres oprimidas,
desvalorizada pelo próprio marido, e não tem liberdade nem pra sair de casa, de
participar da Comunidade e do estudo.
O sistema capitalista e neoliberal desvaloriza a mulher de vários modos e quer que
ela se cale e não lute por nada. Eles, os capitalistas, não querem que a mulher pare
pra pensar nos seus direitos porque têm medo que elas descubram que são
exploradas e assim se organizem pra lutar. E tem mulher que obedece direitinho ao
SISTEMA e “se enterra” na casa, na olaria, na roça. Mas um dia nós mulheres
vamos conseguir o que queremos. Vamos ocupar o nosso lugar na família e na
sociedade.
Uma esperança de mudança é a participação em nosso Movimento e em outras
organizações. È juntar com as companheiras e os companheiros para enxergar mais
longe, se organizar e lutar pela vida. É ter consciência de seu saber e de seu valor. É
ter coragem de sacudir as cinzas do fogão, do nosso corpo e entra de cheio no
Movimento para transforma a sociedade298
298
Antologia do circulo de Cultura- CPT/Guajarina. Circulo de Cultura da Comunidade do Cravo, Timboteua
Cravo e Dona.
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ação política, questionando o seu status subordinado em razão do sexo na família, dentro da
igreja e no interior dos sindicatos de esquerda em que participavam. Na origem a participação
das mulheres ocorreu tanto pelo estímulo como pela vontade e necessidade de participação em
um movimento específico da categoria, como observado na narrativa:
Nasceu quando nós mulheres percebemos nossa marginalização na sociedade, na
família, no sindicato e sentimos quando era necessário buscar outra luta.299
Para Cappelin coloca que a questão de gênero perpassa por subjetividades, englobam
o social e o cultural produzindo identidades do homem e da mulher, onde homens e mulheres
se localizam em suas funções desde tenra idade. Portanto, seus espaços são diferenciados.
Temos em Scortt (1995) dentro de suas analises o seguinte conceito:
O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações
de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à
mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue
necessariamente um sentido único. Como elemento constitutivo das relações sociais
Depoimento de Antonina Borges retirado da Cartilha do Circulo de cultura CPT- O POVO TEM QUE
299
Como esclareceu Fremont (1980 apud MENESES e GAMA, 2012) o espaço vivido
possui um caráter particular a cada pessoa, está também ligado ao imaginário, e ao espaço
social. Ele é construído por uma série de acontecimentos, onde homens e mulheres estão
posicionados de maneiras diferentes. Logo, ainda segundo este autor, no mesmo plano, o
espaço vivido das mulheres distingue-se dos homens, pois o espaço é constituído por encaixes
de Células fechadas e solitárias umas das outras, porém cuidadosamente distinta: a cidade, a
casa, o quarto etc. as mulheres vivem em espaço muito restritos quase secretos entre a casa e
poucos espaços públicos.
E nesse espaço vivido é que se encontram algumas mulheres do campo que como
relata o autor, possivelmente estão localizadas em um espaço menor, no foro íntimo, na casa,
quintal, na lavoura. Não obstante ela assume uma série de tarefas que lhes são ensinadas
desde muito jovens. Mesmo dentro desse contexto, algumas mulheres se destacaram com sua
forma de lidar com essas diferenças, nesse caso podemos destacar as mulheres que lideram o
Movimento de Mulheres Transformadoras, como mulheres que lutaram mesmo em suas
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Movimento de Mulheres Transformadoras do Campo e da cidade representou
acima de tudo um desejo de mudança das condições de milhares de trabalhadoras rurais da
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Microrregião de Tomé-Açu (Região Guajarina). Assim, ficou como uma semente plantada
para o futuro. Representa o desejo de muitas mulheres que querem ver uma sociedade mais
justa, para ambos os gêneros. O processo de luta ainda continua, pois em muitos espaços a
violência contra as mulheres rurais ocorre com frequência. Deste modo, é necessário o plantar
para colher os frutos de uma sociedade em que haja todas as possibilidades de um pleno
desenvolvimento humano, baseado no respeito e na tolerância entre os diversos setores da
sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ação afirmativa. São Paulo: Boitempo, 2000.
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Linhares; PINTANGUY, Jacqueline. (Orgs.). O progresso das mulheres no Brasil 2003-2010. Rio de
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GOHN, M. da G. (Org). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos
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MENEZES, Elisangela Ferreira e GAMA, Andrea Nogueira, A busca pela visibilidade: A Marcha
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SILIPRANDI, E. Mulheres e Agroecologia: a construção de novos sujeitos políticos na
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Desenvolvimento Sustentável, Brasília, 2009.
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Ciência: um ensaio de análise sobre a presença feminina no CNPQ. In: VIII Seminário
Internacional Fazendo Gênero: corpo, violência e poder. Florianópolis: Mulher, 2008
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INTRODUÇÃO
300
Eis algumas partes da Lei 2.556 para entendermos como era feito o sorteio. “[...] No primeiro anno da
execução desta Lei o referido alistamento comprehenderá todos os cidadãos idoneos desde a idade de 19 annos
até a de 30 annos incompletos, que pela legislação actualmente em vigor estão sujeitos ao recrutamento. § 1º O
alistamento será feito em cada parochia por uma Junta composta: Do Juiz de Paz do primeiro anno como
presidente, da autoridade policial mais graduada, e do Parocho. O escrivão de paz servirá de secretario. Si a
parochia tiver mais de um districto, o Juiz de Paz, e a autoridade policial serão os do districto, em que a Matriz
fôr situada. §2º A Junta não poderá funccionar sem a presença de todos os seus membros. Na falta ou
impedimento de qualquer delles, servirá o 1º dos seus substitutos, que estiver desimpedido. § 3º As sessões da
Junta serão publicas, e os seus trabalhos se concluirão dentro do prazo estabelecido no regulamento, destinando-
se quinze dias pelo menos para as reclamações, que os interessados ou qualquer cidadão poderão apresentar. §
4º Concluidos os trabalhos do alistamento, serão, com as reclamações que apparecerem, registrados em acta
assignada pela Junta, extrahindo-se duas cópias, uma para ser publicada na parochia por editaes, e nas gazetas,
onde as houver, e outra para ser remettida ao Juiz de Direito da comarca; onde houver mais de um, ao da 1ª vara.
§ 5º Os alistamentos feitos pelas Juntas parochiaes serão apurados nas cabeças de comarca por uma Junta de
revisão, que tambem decidirá as respectivas reclamações. § 6º A Junta revisora será composta do Juiz de Direito
como presidente, do Delegado de Policia, e do presidente da Camara Municipal. O Promotor Publico assistirá ás
operações da revisão, reclamando contra as omissões havidas nos alistamentos, interpondo os recursos
competentes contra as inclusões e exclusões illegaes, e promovendo todos os termos do processo. Servirá de
secretario da Junta um dos escrivães que o Juiz de Direito designar. São applicaveis á Junta revisora as
disposições dos §§ 2º e 3º deste artigo. § 7º A Junta de revisão reunir-se-ha no dia marcado no regulamento, e
funccionará pelo modo, que neste fôr estabelecido.[...]”.Consultar a Lei 2.556 no site:
www2.camara.leg.br/.../lei/.../lei-2556-26-setembro-1874-589567-public...(último acesso: 22/julho/2015, às
10:00. (Grifos nossos)
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referida lei, o que resultou, de forma quase generalizada, em atos de violência nas províncias,
sobretudo nas províncias do Norte. No Ceará, por exemplo, as tentativas de execução da
legislação 2.556 causaram uma “onda de terror”, principalmente entre as mulheres que, “não
dispostas a perderem seus homens, reagiram com furor à sua prática, pois diziam que o sorteio
era injusto, intuindo que se tratava de um recrutamento para outra guerra no Paraguai”.
O objetivo deste texto é o de mostrar como as mulheres cearenses reagiram, de maneira
violenta, à “Lei do Sorteio Militar de 1874”. Para tanto, usamos como fontes principais: as
notícias de Jornais locais e também de outras províncias, bem como Ofícios e Relatórios de
Presidentes de Províncias da época, com o intuito de recompor o importante papel feminino
nas resistências às ordens do governo. Essas mulheres não eram sediciosas, como afirmavam
as autoridades do Ceará, mas opositoras a uma “decisão legal” que se mostrava inaceitável
dentro dos padrões culturais vividos por elas até aquele momento.
301Para saber mais sobre a oposição a “lei de sorteio” em Minas Gerais ver: Fábio Faria Mendes. Segundo este
autor, “durante todo o mês de agosto, pelo menos 78 localidades de Minas seriam atacadas por multidões que,
segundo os informes das atas de instalação das juntas, variavam entre 30 e 500 pessoas. Nessas ocasiões, os
alistamentos seriam rasgados ou queimados[...]. Em setembro, outras 30 paróquias rebelaram-se da mesma
forma. Entre outubro de 1875 e abril de 1876, pelo menos mais 19 localidades seguiram a mesma rebeldia”
(MENDES, 2010. p. 143.).
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atos de intimidação com armas, palavras e gestos direcionados aos membros das juntas e
outros agentes comprometidos com a feitura das listas de alistamento, então confeccionadas
depois do sorteio.
Segundo as colunas “Chronica Política”, “CORRESPONDENCIAS” e “FACTOS
DIVERSOS” do periódico A Reforma, no Norte, as províncias mais rebeldes foram
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará.
Em “Ouricuri, Pernambuco, os inspetores para o mais novo sistema de recrutamento
foram maltratados por um grupo de mulheres, e mais se fariam se encontrassem resistências e
que os homens se encarregaram de rasgar as listas”. Na freguesia pernambucana de
Leopoldina, “dizem que uma senhora distincta penetrou na igreja com diferentes pessoas e
rasgou todos os papeis relativos aos alistamentos, dando nessa ocasião uma morte em um
individuo de nome José Vieira [...]”. “No Recife, chegavam notícias desagradáveis do interior
com relação ao arrolamento a que está procedendo para o sorteio” (Biblioteca Nacional/BN/RJ.
Jornal A Reforma. 10 de setembro de 1875. [FACTOS DIVERSOS]).
Mas, o presidente de Pernambuco, apesar de reconhecer que houve algumas desordens
no momento dos alistamentos, negou a gravidade dos fatos. Ele relatou que,
[...] em 1875 apenas houve algumas e raras manifestações contra a nova lei, que não
tiveram importância e nenhuma influencia exerceram sobre o socego público.
Foram, pois, desmentidos pelos factos os boatos que por momentos circularam e
annunciavam graves desordens por occasião de reunirem-se as juntas de alistamento.
(Falla com que o Exm. Commendador João Pedro Carvalho de Moraes abriu a
sessão da Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco em 1ª de março de
1876. Pernambuco: Typographia de M. Figueiroa de Farias e Filhos, 1876.p. 27)
os sedicciosos que vendo o desembarque dos soldados, dispersaram” (BN/RJ. Jornal A Reforma.
Op.cit. 28 de agosto de 1875. [FACTOS DIVERSOS. /Enthusiasmos pela Conscripção]).
Em diversas paróquias baianas, incluindo a de Salvador, houve “tantas disordens por
causa da atividade da nova lei do recrutamento” que: “durante os dias 2,3 e 4 do mês de julho
último (1875), nesta cidade, pozeram em desvario parte da população, sentindo-se seriamente
alterada a ordem pública, e das aggressões e luctas que se deram em diversas localidades por
occasião da reunião das juntas parocheais de alistamento”. Mas, o presidente garantiu que,
apesar disso, “a tranquilidade pública estava sendo mantida na província” (Relatório do chefe
de polícia da Bahia João Bernardo de Magalhães. Documentos annexos ao Relatório com que o Exm.
Sr. Presidente da Província da Bahia Dr. Luiz Antonio da Silva Nunes, abriu a Assembléia Legislativa
Provincial da Bahia em 1° de maio de 1876. Bahia: Typographia Correio da Bahia, 1876.p. 3)
No Ceará, as tentativas de aplicação da lei do “sorteio militar” na província também
causaram tumultos, agressões e mortes.
Durante o ano de 1875, o jornal A Reforma manteve-se tão bem informado sobre as
oposições à “lei do sorteio” na província cearense que previu: “o alistamento proposto pela
nova lei da conscrição e recrutamento tem provocado reclamações e queixas tais que é para
recear um levantamento do povo” (BN/RJ. Jornal A Reforma. Op.cit. 16 de julho de 1875
[CORRESPONDENCIA. Ceará, 28 de junho de 1875]).
Em algumas localidades do Ceará, as multidões agiram rápido. No momento de
“afixação dos edis de convocação da população nas portas das igrejas matrizes [que
explicavam a lei 2.556]”, portanto, antes das tentativas de confeccionar as listas, os “rebeldes
se pozerao em ação”. Em Acarape e Baturité, por exemplo, “as queixas sobre a execução da
lei do sorteio se fizerao desde maio de 1875”. Em Saboeiro, “a rebeldia foi vista no início de
julho desse ano”, conforme oficiou o presidente da província ao ministro da guerra:
No início do mês de agosto de 1875, o senador cearense Tomaz Pompeu falou, numa sessão
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[...] Não [era] uma ou outra localidade influenciada por inimigos da tranquilidade
publica, por indivíduos dominados pelas paixões más; [eram] muitas localidades em
diferentes províncias, e ao mesmo tempo.
No Ceará as juntas de qualificação não poderam funcionar em Limoeiro, Conceição
(Baturité), Quixadá e Acarape, tendo sido dispersos por grandes multidões de
homens e mulheres que alem de rasgarem os livros e mais papeis, teem ameaçado as
autoridades.
Na Parayba teem si dado movimentos dessa ordem, acrescendo que a população,
varonil de certa idade, para evitar a conscripção, tem recorrido aos casamentos,
acontecendo casarem-se muitos rapazes de 11 a 20 annos[...]
(BN/ RJ. Jornal Diário do Rio de Janeiro, op.cit.5 de agosto de 1875.p.2)302
Mas, ao que tudo indica, a “pólvora” para a explosão das multidões cearenses havia
sido a disseminação, por meio da imprensa do Ceará, de novas “notícias de guerra no
Paraguai”. As tentativas de execução da lei 2.556 intensificaram as memórias recentes dos
sacrifícios pessoais, outrora exigidos na “Guerra do Paraguai (1864-1870)” (SOUZA, 2012).
As viúvas, mães, filhas e irmãs cearenses ainda choravam as mortes de seus parentes
nesse conflito, também sofrendo com as perdas financeiras ocasionadas por ele. Além disso, o
preconceito, o descaso e a indiferença das autoridades do Império em relação às mulheres
“requentes da guerra”, faziam-se presentes no momento em que elas suplicavam a pensão dos
parentes mortos em combate (SOUZA, 2012.op.cit) . Não é surpreendente, portanto, que as
mulheres tenham sido as protagonistas mais visíveis nas oposições contra a “lei do sorteio”.
Vamos aos relatos.
No início dos trabalhos das juntas, na paróquia de Conceição, em Baturité, “um grupo
numeroso de pessoas, em sua maioria mulheres, invadiu a igreja e tomou os papeis das mãos
dos membros das juntas e dilaceraram, atrapalhando o trabalho de alistamento como mandava
a lei” (Biblioteca Pública Meneses Pimentel/BPMP/CE. Jornal A Constituição. 8 de agosto de 1875.
p.3).
Em algumas edições do jornal Cearense, o título metafórico “Continua a
302Durante a “guerra do Paraguai”, uma das táticas utilizadas pela população masculina para escapar do
recrutamento foi o casamento precoce. Essa prática, apesar de não ser exclusividade desse conflito, foi
demasiadamente utilizada durante sua vigência. Contudo, pelo menos para os homens menos afortunados, essa
medida quase não surtiu o efeito desejado. Muitos indivíduos casados acabaram sendo “laçados para o conflito
do Paraguai”. Mas, o que interessa na fala do Senador Pompeu é que muitas pessoas acreditavam que o
recrutamento realizado naquele momento era para outra peleja, daí a repetição da estratégia dos casamentos
precoces. Cf: SOUZA, 2012.op.cit.
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Tempestade”, usado nas notícias sobre a oposição à lei na província, indicava o clima
violento:
Continua a Tempestade.
Em vários pontos tem havido manifestações populares. Em Quixadá na ocasião em
que a junta qualificadora tratava de dar começo , a egreja foi invadida por homens e
mulheres que arrebatando os papeis e livros romperam-nos com furor. Nota-se que
nesses pronunciamentos tem tomado maior parte as mulheres. Estas, ao menos,
estarão isentas dos colletes longuinhos, que conquistaram a Parayba, acando com a
raça de quebra-kilo.
(BPMP/CE. Jornal Cearense. 12 de agosto de 1875. p. 2. [Noticiário. Grifos
nossos])303
Dias depois, foi a vez de Limoeiro do Norte rebelar-se. Anunciou-se que “uma
multidão de homens, mulheres e mininos em numero superior a 1.000 pessoas, anularam o
trabalho da junta de alistamento arrebatando os papeis, innutilizando” (BPMP/CE. Jornal
Cearense. Op. Cit. 22 de agosto de 1875.p. 2. [Noticiário]). Em Quixeramobim, onde se dizia que
“os trabalhos das juntas haviam sido adiados sem motivos aparentes”, o povo pronunciou-se
contra a lei, sendo que “um grupamento de homens e mulheres innutilizou os papeis,
quebrando cadeiras, mesas e tinteiros etc, retirando-se depois na santa paz” (BPMP/CE.Jornal
Cearense. Op.cit. 26 de agosto de 1875.p. 3.).
Ainda no mês de agosto de 1875, o jornal Cearense noticiou que o presidente da
província, Esmerino Gomes Parente, havia considerado crime de Sedição as ações das
multidões femininas contra a lei do sorteio:
Mulheres sedicciosas
Informa-nos que o sr. Esmerino Gomes Parente [presidente do Ceará] mandara
proceder, por crime de sedicção, contra as valentes Amazonas do Quixadá, que
fizeram correr da matriz daquela freguesia a junta de alistamento do exército. Em
nossa terra parecer ser facto virgem processar-se mulheres por crime de sedicção.
Há de ser cousa curiosa. No annaes da história ficará registrado este facto.
(BPMP/CE.Jornal Cearense. Op. Cit. 22 de agosto de 1875.p. 2. [Noticiário])
O crime de Sedição, então prescrito no Título IV, Seção III do Código Criminal, era
um delito grave “contra a segurança interna e pública tranquilidade do Império prevendo
303 Segundo Hamilton de Matos Monteiro, um dos castigos mais comentados na época da revoltas dos Quebra-
Quilos foi o colete de couro, inventado pelo capitão Longuinho. “O tórax e os braços do prisioneiro eram
envolvidos em couro cru molhado; ao secar, o couro comprimia o peito da pessoa a ponto de provocar vômitos
de sangue. Os que não morreram assim torturados ficaram doentes para sempre, com lesões no coração e nos
pulmões.” (MONTEIRO, 1995.p.29)
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pena, aos cabeças, de prisão com trabalho por três a doze anos”. Vejamos o que dizia o Art.
111 desse código:
O crime de sedição, como se pode ver, implica intenção política. Mas, o presidente
Gomes Parente afirmava que “a oposição era oriunda da ignorância das rebeldes”. Para ele, as
mulheres dificilmente pensariam por si sós ou entenderiam as ações do governo. Talvez, essa
autoridade esperasse que diante da “estupidez dessas turbas e da boataria que corria nas
localidades, o (s) líder (es) viesse(m) a ser delatado(s)”.
“Impedir o sorteio militar é crime”- reafirmava Gomes Parente. Diante disso, “o Juiz
de Paz da vila de Tamboril/CE” deve ter tido muitos problemas com as autoridades da
província, pois:
[...] Sua esposa encontrava-se a frente de um grupo de valentes amazonas que
impediu a reunião das juntas rasgando e queimando as listas sendo necessário o
envio de um destacamento de vinte praças do 15º e um alferes do mesmo batalhão
para chamar às mulheres a ordem. (BPMP/CE. Jornal Cearense. Op.cit. 09 de
setembro de 1875.p.2).
Ainda sobre esse ocorrido em Tamboril, o jornal A Reforma comentou que “o escrivão
quis repeli-las, mas as mulheres rebeldes o espancaram e foram logo socorridas por mais de
100 homens que correram ao lugar”. (BN/RJ. Jornal A Reforma. Op.cit. 25 de setembro de 1875.
[CORRESPONDENCIA]).
Na vila de Cachoeira, atual cidade de Solonópole/CE, deram-se distúrbios por ocasião
do funcionamento das juntas, sendo “a igreja invadida por grupo de mulheres que innutilizou
os papeis” (BPMP/CE. Jornal Cearense. Op.cit.10 de outubro de 1875.p. 4). Nesse ínterim, na
localidade de Milagres, os “effeitos da lei do sorteio” levaram a “invasão da matriz por um
grupo armado que dispersou a junta e depois destruiu os papeis não encontrando os
desordeiros a menor opposição”. “Os membros das juntas e seus assessores não reagiam à
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fúria das numerosas multidões vociferantes, por receios da falta de segurança nas vilas e
disctritos” (BPMP/CE. Jornal Cearense. Op.cit 14 de outubro de 1875.p. 2).
Mas, a ausência de agressão corporal entre os membros das juntas e a multidão, como
havia acontecido em Milagres, não se tornou frequente na província. À medida que “se
tentava fazer valer a lei, os ímpetos da população recrutavel aumentavao” e, por
consequência, a “violencia fisica foi crescendo nos levantes” (APEC/CE: Fundo: Governo da
Província do Ceará ao Ministério da Guerra. Livro nº 150. op.cit. 27 de outubro de 1875.).
Na vila de União, atual cidade de Jaguaruana/CE, também houve choque entre “um
grupo de mulheres” e os membros das juntas do qual nem o vigário escapou da violência:
Continua a Tempestade
Na villa da União havia também desordens por ocasião de se proceder ao
alistamento para o exercito e armada, um grupo de mulheres invadiu a matriz,
acometeram a junta, dispersou-a e acabando por incendiar todos os papeis. Houve
lucta do qual saiu ferido, segundo dizem do Aracaty, o Rvd. Vigário João Paulo
Barbosa. Do Aracaty seguio para aquella villa, o coronel Guilherme Azevedo.
(BPMP/CE. Jornal Cearense. Op.cit. 2 de setembro de 1875.p.2.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retórica da imprensa? Pode ser, também! Porém, foi fato que a tentativa aplicação da
“Lei do sorteio” mobilizou uma parcela da população cearense que ainda estava no processo
de cicatrização das “feridas abertas” no conflito do Paraguai. Assim, essas pessoas,
destacando-se as mulheres, tiveram a certeza de que a lei 2.556 havia sido feita para novas
necessidades de guerra. (BPMP/CE. Jornal Cearense. Op.cit. 2 de setembro de 1875.p. 1.).
Mas, vale ressaltar que, no Ceará não havia conformidade entre a população masculina
em relação à nova lei do recrutamento militar feita por meio de um sorteio. Ao contrário, a
relativa invisibilidade dos homens em algumas manifestações opositoras, deveu-se a
prudência, afinal eles eram os principais alvos da nova “tributação de sangue (recrutamento)”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEATTIE, Peter M. Tributo de Sangue: Exército, Honra, Raça e Nação no Brasil (1864-
1945). (tradução Fábio Joly). São Paulo: EDUSP, 2009.
CASTRO, Celso. IZECKSONH, Vitor. KRAY, Hendrich (orgs.). Nova História Militar
Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004 (coletânea de textos).
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INTRODUÇÃO
A temática do Racismo Ambiental é um tema novo e atual para o Brasil, e que está no
bojo das lutas travadas pelos movimentos sociais que lutam por Justiça Ambiental. Na atual
conjuntura em que passa o Brasil e o mundo, essa discursão começa a ganhar espaço dentro
de algumas linhas de pesquisas que trabalham com as questões socioambientais, decorrentes
do efeito da globalização e das políticas econômicas, adotada pelo mercado mundial, onde
vulnerabiliza uma diversidade de grupos étnicos, raciais, tradicionais e de populações urbanas
e rurais pobres nos quatros cantos do planeta terra. Esse termo nasce nos EUA, no ano de 82 e
está relacionada à luta do movimento negro americano por direitos civis, onde denunciam a
imposição desproporcional – intencional ou não – de rejeitos perigosos às comunidades de
cor. (ACSELRAD, 2004).
Esta discussão em torno da injustiça ambiental e do racismo ambiental se insere no
bojo das lutas por justiça ambiental no cenário acadêmico brasileiro, após a visita de
representantes de algumas redes do Movimento de Justiça Ambiental dos EUA, que estiveram
no Brasil em 1998, difundindo sua experiência e estabelecendo relações com organizações
locais dispostas a formar alianças na resistência aos processos de ‘exportação da injustiça
ambiental’ (ACSELRAD, 2009).
Na Faculdade de Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira –
FACED/UFC, esse trabalho foi apresentado como parte de um conjunto de pesquisas
desenvolvido no Eixo Sociopoética, Cultura e Relações Étnicorraciais, da linha Movimentos
Sociais, Educação Popular e Escola, onde discutimos conceitos atuais como; raça, racismo,
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análise crítica do problema para que juntos possam construir os percursos da investigação.
Portanto, seu objetivo é resolução de um problema coletivo, no qual o pesquisador/a e
participantes da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou
participativo, estudando e refletindo uma perspectiva de superação dos problemas
identificados.
A pesquisa participante é um processo sistemático que terá como objetivo reconhecer
a situação existente dentro da comunidade do Cumbe, com relação a luta das mulheres
pescadoras quilombolas do mangue, e o porquê de sua existência, onde a construção do
conhecimento se fará com a intervenção e opinião das pessoas envolvidas nesta
pesquisa/realidade. A riqueza desta pesquisa está na disponibilidade da construção coletiva
das estratégias necessárias para solucionar e entender as causas e efeitos do problema
investigado (QUEIROZ, 2007)
É nesse contexto que a ação política das mulheres emerge em meio a diferentes
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No caso do Cumbe, vale ressaltar, que são elas, em maioria, as mulheres pescadoras
quilombolas do mangue, que saem de casa para os espaços políticos defenderem seus
territórios comunitários, modos de vidas, costumes, saberes e modo de fazer, mas para tanto,
muitas vezes precisam da permissão dos maridos, da família e da comunidade, para não serem
acusadas do abandono de suas casas e de seus filhos. Elas apontam essa situação com
preocupação, pois, além da tríplice jornada de trabalho, muitas delas não são valorizadas, o
que contribui para a não participação das mulheres nos espaços de lutas.
Desta forma, observa-se que a ordem capitalista e patriarcal se expressa na divisão
sexual do trabalho, que inferioriza grupos humanos, neste caso as mulheres. Portanto, na
sociedade na qual vivemos destina-se “aos homens a esfera produtiva, na qual está às funções
de forte valor social, e, às mulheres, a esfera reprodutiva, na qual são realizados os trabalhos
domésticos e de cuidado” (MALERBA, 2010, p. 18).
Com base nas desigualdades sociais entre homens e mulheres estabelecidas pela
sociedade patriarcal e machista, são diversas as formas de discriminações, que situam uns
superiores a outros, resultando em muitas negações de direitos, inclusive na subalternização
de formas de ser, como no caso das mulheres pescadoras quilombolas do mangue do Cumbe,
em que lutam para afirmar que a pesca é também uma atividade realizada por mulheres.
Percebemos assim, o grande desafio que recaem sobre elas, diante das críticas quando
rompem com o pensamento posto e passam a exercer atividades políticas que extrapolam o
espaço da casa, intervindo e transformando sua realidade.
caminho, “arrodeio” pra poder ir. Por isso que eu fico preocupada, se chegar um dia
a acabar, “priorizar” todos esses caminhos a gente vai pra onde, a gente vai passar
pela onde? A maioria do pessoal do Cumbe vive do marisco, e se acabar o marisco,
o que será do Cumbe? Nada! (Lidianne Silva Costa, depoimento concedido em
25/01/2014).
Quando fala desenvolvimento, assim... como eu, que sou pescadora, que vivo da
pesca esses desenvolver às vezes me assusta, por que esse desenvolvimento às vezes
não traz o que a gente espera. Às vezes nos atrapalha essa forma de desenvolvimento
que a gente vê hoje. É uma forma que dificulta o nosso espaço mais natural. Esse
desenvolvimento tem um desrespeito muito grande com a forma do
desenvolvimento que você tem. Eles veem de uma forma agressiva, a meu ver. Eu
vejo um desenvolvimento muito desigual... melhora uns e dificulta a vida de outros.
No caso, a gente como pescadora, atrapalha muito essa forma de desenvolvimento.
De uma forma natural que a gente vive, de recursos naturais, de uma forma de
preservar. Nos prejudica esse desenvolver. É, rigoroso demais, exige demais do
nosso espaço, é agressivo demais (Cleomar Ribeiro da Rocha, depoimento
concedido em 25/01/2014).
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ele age para violar os direitos dos povos étnicorraciais e das comunidades tradicionais,
expressa uma realidade que está presente em todas as regiões do país quando nos deparamos
com situações de invasão de projetos econômicos que expropriam grupos sociais dos seus
territórios e de suas formas de viver.
A disputa pelos bens não comerciais, presentes nos territórios, importantíssimos para
manutenção e reprodução socioambiental dos diversos grupos sociais, depende
necessariamente da garantia de políticas públicas que assegure o direito dos mesmos e
avançarmos na regularização fundiária dos territórios étnicos, raciais e tradicionais, para só
assim criamos áreas livre das ameaças econômicas.
O combate a práticas que reforçam o racismo ambiental e a exclusão social são alguns
dos desafios postos para os movimentos que atuam na defesa dos direitos humanos. Destacar
a importância da luta das mulheres pescadoras quilombolas do mangue do Cumbe pela
afirmação da sua identidade, defesa do território tradicional e dos seus meios de vida, vai
contra todo um pensamento hegemônico que diz que o lugar da mulher é cuidando da casa e
da família, e não nos espaços políticos cobrando políticas públicas justas e diferenciadas.
A luta das mulheres pescadoras quilombolas do mangue do Cumbe, contra as
violações de direitos e por direitos na zona costeira, litoral leste do Ceará é uma luta
permanente, pela garantia do território quilombola e pela emancipação dos direitos das
mulheres do campo.
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A partir desse conceito, podemos apontar a existência, conforme nos diz a autora,
de conflitos socioambientais em consequência da dinâmica de invasão da Zona Costeira do
Ceará, principalmente quando fazemos menção à instalação dos empreendimentos da
carcinicultura, que repercute no modo de vida das comunidades tradicionais de pescadores/as
quilombolas do mangue, que habita territórios encravados em áreas de manguezais e
apicum304, como é o caso da Comunidade Quilombola do Cumbe.
A partir desta discussão entende-se que a degradação, poluição e privatização dos
ambientes litorâneos como manguezais e campo de dunas, é um dos exemplos claro da
invasão dos espaços tradicionais de uso coletivo publico. A verdade é que essas atividades
econômicas consideram apenas a questão do lucro, desconsiderando o modo de vida das
comunidades, os significados e usos que estas dão ao território tradicional. Portanto, podemos
inferir que os conflitos ambientais são aqueles em que modos de vida tradicionais estão
ameaçados por atividades de cunho econômico que se apropria dos bens não comerciais
existentes no território e que para ambas as partes têm usos e significados diferentes, ou seja,
privatiza ou degrada um meio natural de uso coletivo em detrimento ao interesse individual
ou de mercado (HERCULANO, 2006).
Neste sentido, demonstra a necessidade de aprofundarmos esta temática e articulá-la
com os processos locais de resistências, afirmação do seu modo de vida e contra os
304
Apicum palavra de origem tupi-guarani que significa terra inundada pela maré.
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- assegura que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma
parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações
econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais, assim
como da ausência ou omissão de tais políticas;
- asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do
país;
- asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos
ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais,
bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos,
programas e projetos que lhes dizem respeito;
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Observa-se que, nos quatro pontos que regem a carta de princípios e práticas da Rede
Brasileira de Justiça Ambiental, há uma crítica ao Estado brasileiro e ao modelo de
desenvolvimento adotado pelo Brasil e imposto aos grupos sociais ou de classe. Como
também, reafirma que são os grupos étnicos e raciais os que mais sofrem os impactos
negativos dos projetos de desenvolvimento econômico. Conclui-se que, podemos afirmar a
existência de racismo ambiental no território brasileiro, no caso do Cumbe, a partir da
experiência de luta das mulheres pescadoras quilombolas do mangue do Cumbe, frente à luta
contra as políticas econômicas adotadas pelos governos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACSELRAD, Henri. Meio Ambiente e Justiça: estratégias argumentativas e ação coletiva. In:
ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA, J. A. (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004, p. 23-40. Disponível em:
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ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A; BEZERRA, Gustavo das Neves. O
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FAUSTINO, Cristiane e NOGUEIRA, Sheila (Org.). Anais do 1º Encontro da Articulação
de Mulheres Pescadoras do Ceará. Na pesca e na luta, mulheres construindo direitos.
Fortaleza: Instituto Terramar, 2010.
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INTRODUÇÃO
A cultura é todo processo humano que se constrói na prática social; à ela é delegado o
mérito da interpretação do mundo, da vida, dos sujeitos, do quotidiano, mas também, dos
domínios da transformação da produção do conhecimento. Fundamentalmente, a cultura ajuda
a projetar o modo de ser e estar no mundo, o percurso coletivo, os acordos sociais, a partir dos
quais a sociedade procura tornar-se coesa.
No caso dos sujeitos, à cultura é conferido papel principal na consolidação do sujeito
civilizado, autônomo, consciente; ajuda na construção de individualidades ao articular
dialeticamente as dimensões sociais que definem o processo histórico da passagem dos
sujeitos à condição de sujeitos sociais.
Nesse sentido, há crescente interesse pela cultura, seja nas esferas da vida cotidiana,
política ou acadêmica. A centralidade do tema tem uma dimensão epistemológica que vem
sendo denominada “virada cultural”, referindo-se ao poder instituidor de que são dotados os
discursos circulantes no circuito da cultura (VEIGA-NETO, 2003). Revela o interesse por
tudo o que acontece nas vidas dos sujeitos e atribui especial interesse a relação cultura-
educação.
A relação cultura-educação nos remete à educação e à sala de aula. No sentido
freireano, a educação liberta pela conscientização, é trabalho igualitário e dialógico, portanto,
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(...) pela formação integral do sujeito educando, compreendendo que o sujeito deve
aprender a pensar por si-mesmo, e através do saber que constrói-com-outros para
saber-para-si torna-se uma pessoa mais livre e autônoma, tanto mais a sua liberdade
o impele aos seus outros. Tanto mais ele se torna livre por ser coparticipante e
autônomo por reconhecer-se inevitavelmente corresponsável pela criação de seu
próprio mundo de vida: sua sociedade (BRANDÃO, 2014, p.65).
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classes sociais poderiam apresentar mentes e maneiras cultivadas, e por isso somente alguns
apresentavam elevado padrão de cultura ou civilização, consolidando um significado classista
ao conceito de cultura.
Nos séculos seguintes, principalmente no XVIII, quando do Iluminismo europeu, o
conceito passa a vincular-se ao de civilização. Gradativamente consolida-se o terceiro
significado de cultura, com caráter classista, que evidenciava que somente as classes
privilegiadas da sociedade europeia, atingiriam o nível de refinamento que as caracterizaria
como cultas e civilizadas.
O conceito iluminista de cultura passou a referir-se ao aprimoramento racional e
moral, tendo a civilização europeia capitalista como modelo para definir superioridade e
inferioridade social, cultural, econômica e política. Esse conceito de cultura foi pautado numa
epistemologia monocultural elitista que respondia as solicitações das elites, cujo significado
reforçava as modalidades de imposições que sustentavam as relações de dominação e
subordinação, divisão social das classes e a reprodução do ideário que cindiu a sociedade em
indivíduos cultos e incultos ou civilizados e não civilizados.
Esse movimento fez com que a cultura passasse a ser pensada como única e universal,
cujo acesso se dava via artes, ao bem apreciar música, literatura, cinema, teatro, pintura,
escultura, filosofia. Entendia-se como cultura um conjunto de tudo aquilo que a humanidade
havia produzido de melhor, fosse a termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos,
literários, e outros, que o sujeito culto deveria conhecer. A epistemologia monocultural e
elitista gerou os homens do pensamento, das letras, das artes e das ciências, e esses ganharam,
em consequência, uma autoridade que superava o domínio próprio da atividade com que cada
um tinha alcançado reputação, pois as circunstâncias converteram-nos, genericamente, em
figuras importantes da vida coletiva. Inclusive, aqueles se tornaram representantes do saber,
participavam do tecer do destino comum promoveram os avanços civilizacionais, ao
divulgarem novas doutrinas - social, política, pedagógica, entre outras.
A cultura foi gradativamente sendo entendida em termos de maneiras de estar no
mundo, produzir e apreciar obras de arte e literatura, pensar e organizar sistemas religiosos e
filosóficos, e produzir conhecimento, nada mais propício do que sua união com a educação.
Nesse sentido, o ser um sujeito culto passou a traduzir um status elevado, a ser tomado como
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modelo a ser atingido, o que fortaleceu a ideia que a educação seria o caminho natural para a
“elevação cultural” de um povo (VEIGA-NETO, 2002).
Essa ideia sugere a crença em um processo harmônico de desenvolvimento da
humanidade, constituído por etapas claramente definidas, pelas quais todas as sociedades,
inevitavelmente, deveriam passar (ELIOT, 1968). Muito raramente se questionou esse
entendimento de cultura, por isso, ainda hoje encontramos vestígios desse entendimento no
campo da educação.
Ao buscar a equivalência de uma educação que seguisse os rumos das sociedades
europeias, no caso as únicas a atingirem o grau mais elevado de desenvolvimento, o processo
mostra sua face elitista. Em outras palavras, houve o “rebatimento de tudo e de todos a um
Mesmo (...)” em termos culturais, isso significa que se buscava formar uma identidade única,
ao mesmo tempo em que havia a rejeição de toda e qualquer diferença (VEIGA-NETO, 2002,
p.10).
Somente no século XX a monocultura elitista foi colocada em questão pela filosofia,
antropologia, linguística e parte da sociologia. Buscou-se o reconhecimento da
impossibilidade da homogeneização cultural. Gradativamente, firmava-se o entendimento que
a cultura não era apenas um conjunto de produtos acabados e finalizados que podem ou
devem ser transmitidos ou recebidos pelos outros sujeitos. Referendava-se que ela era relação
social, política, produtora de identidades e diferenças. Cultura passou a ser prática de
significação.
Passou-se a compreender a existências de “culturas”, todas legítimas, apesar de
“alguns grupos sociais estarem em posição de impor seus significados sobre outros (...),
donde se concluiu que cultura é um processo que ocorre [...] num contexto de relações sociais
de negociação, de conflito e poder” (SILVA, 2003, p. 17).
Apesar de isso ser esperado numa sociedade cindida em classes, quem teve e continua
tendo mais condições de impor os seus significados como válidos, manifesta essa imposição
(poder), o que não quer dizer que haja passividade, o processo sempre implica resistência,
possibilidade de subversão, transgressão, como afirmam Apple e Buras (2008).
Ao longo do século XX, os domínios do que costumamos designar como cultura se
expandiu e diversificou, tornou-se o grande elemento revitalizador do pensamento nas
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sujeitos, quer seja por meio da educação, ou via promoção e subvenção das artes, das letras e
das demais manifestações culturais (LLOSA, 2013).
Essa ideia foi construída com a colaboração de vários autores que transitam no campo
da Antropologia e da Sociologia, a saber: Tylor (1871), Keesing (1974), Bakhtin (2006),
Laraia (1997), Brandão (2002), Mello (1986), Hall (1997), Arendt (1991), Lakatos (1979),
Horton e Hunt (1980), Geertz (1989; 2008), e Llosa (2013).
Na construção do percurso interdisciplinar do conceito, temos Tylor (1871) que foi o
primeiro a formular o conceito de cultura do ponto de vista antropológico: cultura é o todo
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra
capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. Ele foi o
primeiro a enfatizar a importância do aprendizado da cultura, em oposição à ideia de
aquisição inata, na definição dos sujeitos culturais.
Argumentando teoricamente sobre a forma como o conceito era analisado, Keesing
(1974) definiu três tipos de teorias: 1) sistema cognitivo ou de conhecimento que consiste de
tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para conviver dentro da sociedade; e 2)
sistemas estruturais que definem a cultura como um sistema simbólico, um sistema de
símbolos e significados partilhados pelos sujeitos que compreendem as regras sobre relações e
modos de comportamento; 3) sistema adaptativo ou responsável por padrões de
comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas
ao seu modo de vida socialmente estipulado (tecnologias, modo de organização econômica,
padrões de agrupamento social, organização política, crenças, práticas religiosas, etc.).
Tylor (1871) e Kessing (1974) coligam suas ideias no entendimento que a cultura é
uma lente através da qual o sujeito aprende, significa e adapta-se ao mundo. A esse processo
Geertz (2008, p. 14) soma a ideia que a cultura é essencialmente semiótica. Para o autor
cultura é:
[...] modo de vida global de um povo; [...] legado social que o indivíduo adquire do
seu grupo; [...] uma forma de pensar, sentir e acreditar; [...] uma abstração do
comportamento; [...] uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela
qual o grupo de pessoa se comporta realmente; [...] um celeiro de aprendizagem em
comum; [...] um conjunto de orientações padronizadas para os problemas
recorrentes; [...] comportamento aprendido; [...] um mecanismo para regulamentação
normativa do comportamento; [...] um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao
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Dizer que a cultura é semiótica significa afirmar que ela é contexto onde os símbolos
podem ser traçados de uma forma inteligível e com densidade, e que esses símbolos são
regidos por ordens discursivas descritas de forma inteligível num meio social. Também
significa que ela é contextualizada, temporalizada, e que guia comportamentos.
Costa (2000, p. 32) explica que as “sociedades e culturas em que vivemos, são
dirigidas por poderosas ordens discursivas que regem o que deve ser dito e o que deve ser
calado e os próprios sujeitos não estão isentos desses efeitos”. Desse modo, criam-se relações
discursivas de saber-poder, o que faz da cultura um grande espaço de discussões. Hall (1997,
p. 20) complementa:
que atravessam a nossa existência. Isso influi na gênese da cultura, a qual vai surgir apenas
para responder uma necessidade a ser satisfeita na vida societária, e a linguagem monovalente
será à base dessa comunicação (HORTON; HUNT, 1980).
Dialeticamente, os sujeitos “(...) são capazes de agir, a reação, além de ser uma
resposta, é sempre uma nova ação com poder próprio de atingir e afetar outros” (ARENDT,
1991, p. 203-204). Lakatos (1979) em concordância com Arendt (1991) completa a ideia ao
assumir que os sujeitos nunca são simples agentes de cultura, mas também, ao mesmo tempo,
produtos e produtores do mesmo processo.
Numa proposta interdisciplinar, a cultura é roteiro simbólico que configura um
movimento promotor de individualização dos sujeitos perpassado por contradições. A cultura
“existe tanto fora de nós, em qualquer dia de nosso cotidiano, quanto dentro de nós, seres
obrigados a aprender, desde crianças e pela vida afora, a compreender as suas várias
gramáticas e a falar as suas várias linguagens” (BRANDÃO, 2002, p. 16-17).
Como foi exposto, sem a cultura o conjunto social não progride e nem se mantém
coeso. Contudo, já é possível compreender que no atual contexto da globalização e
mundialização do capitalismo e dos mercados, ocorrem mudanças importantes no âmbito da
cultura. Atualmente, ela encontra-se cindida e destituída dos valores humanistas.
Na sociedade capitalista, a cultura dominante é a cultura da classe dominante, é a do
consumo imediato, o único valor existente é o fixado pelo mercado, isso implica no
enaltecimento de uma cultura global, cujos indicadores aproximam e igualam diferentes
tradições, línguas, crenças, criando uma cultura de massas. Essa cultura de massas empobrece
a força motriz da vida cultural implicando, ao mesmo tempo, no empobrecimento do humano.
Na maioria dos casos, o sujeito se torna fútil, privado de lucidez e livre-arbítrio, com
individualismo extremo, o que o faz “reagir à cultura dominante de maneira condicionada e
gregária, como cães de Pavlov à campainha que anuncia a comida” (LLOSA, 2013, p. 22 e
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Núcleo de Base Salete Strozake, “Estudo, trabalho, luta permanente, marco de Salete
na via está presente!”; Núcleo de Base Josué de Castro, “Josué de Castro, semeador
de ideias, lutou com coragem contra a fome e a miséria!”; Núcleo de Base Sepé
Tiarajú, “Índio brasileiro, na luta por justiça somos companheiros!”; Núcleo de Base
Paulo Freire, “Dos campos as sementes, dos povos a paixão, Paulo Freire é exemplo,
educador dessa nação!”; Núcleo de Base Rosa Luxemburgo, “Somos a semente que
Rosa semeou, lutamos pelo mundo com o qual ela sonhou!”; Núcleo de Base Keno,
“Keno Guerreiro lutou com o coração, lutou com a consciência, contra a
transgenização!” e Núcleo de Base Cora Coralina, “Cora Coralina vive em cada um
de nós, a Via Campesina eleva sua voz!” (SOBRINHA, 2012, p. 67-68).
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banheiro feminino e um masculino, mais o pátio da faculdade, onde ocorria uma série de
atividades como alimentação, debates, votações, exposições, festas, e as cirandas.
Aos núcleos se somavam ainda várias equipes de apoio, como: equipe de mística,
equipe de animação e cultura, equipe de comunicação, equipe da ciranda infantil, equipe de
infraestrutura, equipe de finanças, equipe da memória coletiva, equipe de esportes, equipe de
disciplina, equipe de saúde e equipe de formatura. Os núcleos de base e as equipes de apoio
tinham uma coordenação rotativa, como uma forma de garantir a todos os estudantes os
aprendizados necessários à tomada de decisões e na formulação de acordos na convivência
coletiva.
Dentre as atividades do grupo estavam àquelas relacionadas ao lazer, ao aspecto
econômico, coletivo e individual, e ainda à espiritualidade na forma de místicas (CODINA,
1996). A realização das místicas se faz foco central nesse relato, pois foi à atividade que mais
se destacou no contexto da universidade, por serem particularmente diferentes das atividades
acadêmicas, e por revelarem um momento profundamente cultural que marcou a memória de
muitos estudantes e professores.
As místicas eram realizadas todos os dias antes do início das aulas por 30 min, de
segunda a sábado, no saguão principal da FE/UFG. Aconteciam conforme relato de Sobrinha
(2012, p. 68):
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mundo acadêmico, casamentos, nascimentos, e até mortes (eles tiveram casamentos, perdas e
nascimentos durante o curso), dentre outras.
Reportamo-nos à sensibilidade de Sobrinha (2012, p. 68) quando a autora relata que
havia intensa criatividade durante a realização das místicas ao longo do curso, tendo estas se
tornado, também, “(...) espaços formativos e de renovação das concepções, dos sentimentos,
das emoções e da construção de sentidos que alimentavam e fortaleciam os estudantes”.
Conforme o entendimento de cultura até aqui formulado, as místicas traduziam
roteiros simbólicos da cultura campesina, e como tal despertaram muitas disputas de poder na
instituição, umas contra as místicas, outras a favor das mesmas, por entendê-las como
manifestação cultural.
Por várias vezes as místicas não foram compreendidas, quer seja por parte do corpo
docente, ou pela administração e funcionários da FE/UFG. Alguns relataram que as místicas
eram percebidas como um rito desnecessário, às vezes, até esquisitas. Entretanto, se não se
estivesse mergulhado nos roteiros simbólicos do grupo, dificilmente se entenderia
determinadas místicas como, por exemplo, as cantorias, acompanhadas por instrumentos;
eram altas, alegres e vibrantes, o que dificilmente acontece no rol de uma faculdade; em
outros momentos a mística tratava a questão da morte – houve a morte de um colega durante o
curso, como uma forma de percebê-la como parte do ciclo da vida; em outro momento,
quando uma professora do curso ficou gravemente doente, a mística realizada falava das
forças transformadoras da natureza, do como ela dá vida e tudo regenera. Especialmente no
dia dessa mística, as flores, sementes e objetos utilizados, o canto e os escritos foram levados
pelo grupo que preparou a mística à professora adoentada, como uma forma de entregar-lhe a
força resgatada pelo grupo na mística.
Por esses aspectos e muitos outros, as místicas foram proibidas durante certo tempo,
mas voltaram a acontecer após luta do grupo por seu grande valor simbólico para os
estudantes da Pedagogia da Terra. Confirmando a afirmação de Chauí (2006, p. 138):
“Esperança e motivação para seguir em frente (...)” (estudante 1); “Mística não é
teatro, ela é atitude, força, sentimento (...) é força crítica precisa, é a representação
do mistério e o porquê da luta e das coisas extraordinárias que nos motivam a viver e
lutar” (estudante 32). “A mística no nosso entendimento é toda essa espiritualidade
que aproxima a nossa utopia, o nosso sonho para nossa realidade é representação de
um projeto político” (estudante 13). Conforme relatos dos estudantes, “a mística fala
do que o povo não explica, só sente”. “É mistério que cada um pode sentir de modo
diferente” (estudante 31) (SOBRINHA, 2012, p.68).
em que exige considerar a vontade de aprender dos sujeitos em parceria com trabalho
educativo emancipador de consciências (FREIRE, 1997; SOBRINHA, 2012).
A negação das místicas, que eram realizadas em 30 minutos durante as manhãs,
deflagrou uma questão importante: a formação ainda procura impor e controlar o conjunto de
práticas significantes dos grupos. Afortunadamente, nas salas de aula era realizado a
problematização sobre o assunto – místicas e sua negação, o que tornou as aulas espaços
ecológicos de cruzamento de culturas e saberes dos alunos (PÉREZ GÓMEZ, 1998).
Como mostra o percurso teórico empreendido, os princípios que originam e que o
qualificam a cultura campesina, no caso da Pedagogia da Terra, representava os roteiros
simbólicos construídos pelo grupo no sentido da libertação sociocultural. Como em sala não
se negou a relevância vital, social e política da prática cultural do grupo, houve a superação da
consciência associada à sujeição histórica dos sujeitos, e isso os ajudou na luta contra o
modelo imposto pelo ensino superior hegemônico.
A sala de aula tornou-se um ethos cultural, lugar de viver a liberdade, que implica,
segundo Freire (1997), na conscientização dos sujeitos de seus condicionamentos sociais, isso
abre caminho a sua intervenção no mundo porque reforma e sistematiza uma base
gnosiológica que sustente valores éticos e políticos. Nas discussões empreendidas, os alunos
se assumiam como sujeitos de direitos, cidadãos com direito de expressão.
A experiência mostrou que a valorização da cultura campesina em sala de aula,
promoveram análises e interações das influências plurais que a cultura exerce sobre o
processo ensino-aprendizagem. Foi possível perceber que o sentido e a consistência do que os
alunos aprendiam na vida acadêmica, se qualificava no cruzamento sempre vivo, fluído e
complexo de suas experiências culturais.
Na dinâmica da sala de aula houve a discussão de valores hegemônicos e contra
hegemônicos, debateu-se sobre as pressões do cotidiano da cultura institucional, presente nos
papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos próprios da instituição educativa, mas essas
também tiveram que ser trabalhadas, algumas rotinas foram adquiridas com muita resistência
por parte de alguns alunos (exigência de trabalhos, notas, frequência, horários, etc.), sua
aceitação e entendimento também se deu no mesmo influxo de diferenças culturais.
Gradativamente, a dinâmica da sala de aula buscou romper com a tendência
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[...] o homem faz ao mundo que não fez. A cultura como resultado de seu
trabalho. Do seu esforço criador e recriador. [...] Descobriria que tanto é
cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos do povo, como
cultura também é a obra de um grande escultor, de um grande pintor, de um
grande músico, ou de um pensador. Que cultura é a poesia dos poetas
letrados de seu país, como também a poesia de seu cancioneiro popular. Que
cultura é toda criação humana.
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também manifesta a sabedoria dos povos do campo (...). O curso ocorreu no período de 2997-
2011, e recebe destaque sua proposta de educação para além do capital, (...) além de ser
necessário cultivar a sabedoria camponesa” (SOBRINHA, 2012, p.56).
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INTRODUÇÃO
Atualmente as discussões sobre gênero nos ambientes sociais ganham espaço. São
notórias as discussões veiculadas pelos meios de comunicação como internet, informativos,
representações dramatúrgicas e outras que demonstram as diversas formas de discriminações
assim como oportunizam discussões que possibilitam amenizações de preconceitos e
discriminações em relação às mulheres.
Historicamente, verificamos alterações nos modos de ser feminino que, devido às
reivindicações dos movimentos sociais, mais especificamente do Movimento Feminista,
tivemos conquistas como direito à educação, ao voto, publicação de leis contra a violência e
demais que denotam as possibilidades de contradições aos preconceitos e discriminações
direcionadas a elas.
Desse modo, esse artigo parte da discussão em andamento relacionada ao
desenvolvimento de uma dissertação de mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Pará, que tem como objeto de análise as relações de
308
Discente vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará, orientada
pela Prof. Drª Gilcilene Dias da Costa – UFPA. E-mail: esa@ufpa.br
309
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS), linha de
pesquisa Filosofia da Diferença e Educação, 2008. Professora Adjunto III da Universidade Federal do Pará /
Campus Universitário do Tocantins/Cametá. Líder do Grupo de Pesquisa PHILIA - Filosofia, Linguagem e
Alteridade na Educação (UFPA/CUNTINS). E-mail: costagilcilene@gmail.com
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curso. Por meio da tabela abaixo, podemos visualizar um panorama geral no período de 2005-
2015 relacionado ao quantitativo de discente nesses cursos:
Cursos Eng. Civil Eng. Elétrica Eng. Mecânica
Ingressantes 351 345 324
Mulheres Ingressantes 147 72 79
Concluintes 138 97 97
Mulheres Concluintes 68 28 32
Fonte: Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas – SIGAA/UFPA.
No que concerne ao corpo docente, atualmente o campus conta com 52 profissionais,
sendo 14 mulheres, cuja titulação é: 01 graduada; 08 mestres e 05 doutoras. Apesar dessa
oferta generalizante a ambos os sexos, consideramos que ainda trata-se de um ambiente
predominantemente masculino, desde os processos de aquisição dos conhecimentos até a
atuação profissional, demandando a necessidade de se investigar em torno da presença das
mulheres nesses cursos, enfatizando os estereótipos de gênero que mobilizaram as suas
constituições identitárias como engenheiras e como os mesmos refletem em suas atividades
práticas e a sua inserção, ou não, na empresa.
TEORIZAÇÕES SOBRE SEXUALIDADE E GÊNERO
Discutir sexualidade e gênero nos remete para diversos contextos históricos que os
conceituavam de diferentes formas. Durante muito tempo, pairou a divisão binária de sexo,
classificado por fatores biológicos que determinavam como homens e mulheres deveriam agir
nos ambientes sociais.
Essa binarização era considerada natural, já que as funções de homens e mulheres
eram postas para serem apenas exercidas, praticadas pelos sujeitos. Segundo Tânia Navarro
Swain (2000) isso contribuiu para que não tivéssemos discussões em torno das pluralidades e
multiplicidades do ser humano que implicavam nas formas de viver a sua sexualidade,
contribuindo para a manutenção de estereótipos e os efeitos negativos que os mesmos
abarcam.
No entanto, de acordo com Louro (2007) a sexualidade não se restringe apenas ao
corpo, mas envolve fantasias, linguagens, comportamentos, representações que estão
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relacionadas com desejos e prazeres, não sendo compreendida apenas pelo viés biológico,
mas sim por meio de demais mecanismos que constituem os modos de viver as sexualidades.
Isso referenda a discussão em torno do entendimento de que a sexualidade, ainda
segundo a autora acima, é uma construção histórica, e Weeks (2001) concorda com essa
historicidade, afirmando que não há a sua pré-definição, sua fixidez ou imutalidade da
sexualidade, mas sim está inserida na cultura e por isso, possui flexibilidade, instabilidade,
pluralidade e multiplicidade.
Foucault (2011) afirma que a sexualidade é um dispositivo histórico, por isso, não é
naturalmente dada e possui uma série de elementos como os discursos, leis, arquiteturas e
demais recursos que contribuem para a constituição sexual dos indivíduos. Sendo assim por
meio dos aparatos sociais, há a promoção, regulação, negação e etc da sexualidade dos
sujeitos, que contribuem para a determinação dos modos de ser masculino e feminino. Desse
modo, o corpo desnaturaliza-se e torna-se um espaço de poder que influencia e é influenciado
pelas suas micro-relações entre os sujeitos por meio dos discursos que contribuem para a
produção dos modos de subjetivação.
Nesse sentido, entendendo a sexualidade como um constructo histórico, gênero
também é compreendido como uma construção social de acordo com as teorizações de Louro
(1997) e Scott (1995). Dessa maneira, apresenta-se como uma categoria de análise, não de
acordo com os aspectos biológicos, mas sim construído historicamente através das diferenças
existentes entre os sujeitos e que está permeado por relações de poder.
Nesse contexto, evade-se de quaisquer padrões essencialistas e divisões de papéis,
pois ao compreendermos que há relações de poder nas relações de gênero, podemos dizer que
elas podem ser modificadas, alteradas de acordo com o contexto e ambiente em que os
sujeitos estejam inseridos. Sendo assim, segundo Scott (1995) gênero apresenta-se como um
constructo histórico, político e relacional que envolve as constituições dos modos de
subjetivações e seus modos de viver suas masculinidades e feminilidades.
Não se pode conceber em mulher sem se relacionar aos homens, e vice-versa, por
isso, gênero é relacional por estar inserido em contextos “recheados” por sujeitos e pela
diversidade. Nesse sentido, não podemos delimitar a discussão de gênero às mulheres, mas
sim envolver homens a fim de que tenhamos discussões mais significativas em torno das
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formas que os sujeitos vivem suas masculinidades e feminilidades e, além disso, discutirmos
em torno das desconstruções de “papéis”, estereótipos, padrões, estabelecidos e que
cotidianamente são re-criados e reinventados a fim de serem mantidos nos meios sociais, já
que é nele que se constroem e se reproduzem as relações (desiguais) entre os sujeitos.
A proposição de desconstrução das dicotomias – problematizando a constituição de
cada polo, demonstrando que cada um na verdade supõe e contém o outro,
evidenciando que cada polo não é uno, mas plural, mostrando que cada polo é,
internamente, fraturado e dividido – pode se constituir numa estratégia subversiva e
fértil para o pensamento. (LOURO, 1997, p 31)
Essa “estratégia subversiva e fértil” para o pensamento nos remete para a visão de
compreendermos que não há neutralidade nos processos de constituição das identidades e,
assim, percebemos o caráter não natural, a fim de analisarmos as relações como construções e
por isso, passíveis de serem questionadas, analisadas, reformuladas e reconstruídas.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o processo de constituição de homens e
mulheres não é linear, harmônico, não está finalizado, e denota a sua incompletude a cada
momento, pelo fato de que está envolvido em relações que influenciam e são influenciadas
pelos sujeitos.
Judith Butler (2014) afirma ainda os diversos aspectos que influenciam na
constituição dos modos de subjetivação dos sujeitos, enfatizando que não existem padrões
únicos, inflexíveis e estáveis, ressaltando que:
Se alguém é uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; o termo
não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da ‘pessoa’
transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem
sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos
históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais,
classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas.
(p. 20)
Assim enfatizamos que a pluralidade em torno dos estudos sobre gênero relacionados
a outras categorias de análise é relevante para reconhecermos as diferenças entre os
indivíduos, a fim de que sejam postos em questão e assim melhor evidenciem a diversidade, a
multiplicidade e a pluralidade entre os sujeitos.
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Sabemos que as discussões sobre as mulheres ganham ênfase por meio do Movimento
Feminista. No Brasil e em demais países, segundo Louro (1997), o Movimento é
caracterizado pelas reivindicações em torno do Sufrágio, ou seja, direito ao voto. Desse modo,
a Primeira Onda do Movimento Feminista almeja o alcance da igualdade de direitos entre
homens e mulheres.
A segunda onda do Movimento direciona-se para aspectos acadêmicos relacionados à
produção de conhecimento. São discutidos assuntos em torno dos processos de escolarização,
profissionalização, agressões físicas etc que proporcionam estudos e produções acadêmicas
que contribuem para a intelectualização do Movimento.
Nesse sentido, a mulher já não é vista como um ser submisso, mas sim é posta em
questão, evidenciando a relevância que a mesma possui para a constituição da sociedade. Isso
porque, durante muito tempo, manteve-se o padrão dominante de que a mesma deveria ser
formada para exercer atividades do lar, atuando como boas mães e esposas.
Beauvoir (2009) trata sobre a superioridade masculina, demonstrando as relações
desiguais entre homens e mulheres nos ambientes sociais, em que eles determinam os locais
femininos, são considerados como autoridades supremas, e elas vivenciam essas situações de
submissão nos ambientes familiares, nas igrejas, instituições educativas e outras.
Confrontando-se tais situações, faz-se evidente que a do homem é infinitamente
preferível, isto é, ele tem muito mais possibilidades concretas de projetar sua
liberdade no mundo; disso resulta necessariamente que as realizações masculinas
são de longe mais importantes que as das mulheres; a estas é quase proibido fazer
alguma coisa. (BEAUVOIR, 2009, 813-814)
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elas ocupam ambientes considerados masculinos, como na área das ciências exatas, e neles,
ainda causam estranhamento, por estarem em áreas que, historicamente, são caracterizados
masculinizantes, em que as relações de gênero não são contempladas como relevantes para as
constituições dos modos de subjetivações dos sujeitos, conforme discutem Cabral e Oliveira
(2011):
Gênero é uma categoria não contemplada nesses indicadores, justamente porque a
ciência pretensamente neutra não tolera um sujeito do conhecimento situado social e
historicamente. Sendo androcêntrica, valorizará categorias historicamente
relacionadas a quem por mais tempo esteve no poder, ou seja, os homens.
(CABRAL e OLIVEIRA, 2011, p. 04)
Enfatizando que a ciência valoriza o que é historicamente tido como verdade. Assim,
mesmo com as mudanças sociais, onde há uma série de avanços em relação às mulheres, a sua
inserção em alguns ambientes é ignorada devido à hegemonia masculina. Desse modo,
podemos dizer que aquelas que avançam para áreas “masculinas” são consideradas como
“estranhas”, havendo a necessidade de que as mesmas atuem com dedicação, esforço, a fim de
sejam visualizadas nesses ambientes que reforçam o seu não-pertencimento nos mesmos.
Tebet (2008) denomina essas mulheres como “transgressoras”, enfatizando que:
Nesta direção, parece que para as ‘transgressoras’ há uma necessidade maior de
tentar demonstrar legitimidade no campo e isto não se faz admitindo a ajuda de
outrem, enquanto que os alunos não precisam ‘provar’ que são bons, exatamente
porque a engenharia já e considerada como um campo deles”. (TEBET, 2008, p. 03).
atuações profissionais, haja vista que é notória a participação das mulheres no quantitativo da
população economicamente ativa, mas ainda persistem preconceitos e discriminações ligadas
ao gênero em diversos ambientes de trabalho, fazendo com que as mulheres tenham que se
sobressair em suas funções, não apenas pelo fato de que possuem capacidade para isso, mas
sim para mostrar aos demais sujeitos que ela é merece ser reconhecida, conforme Teixeira
(2011) enfatiza:
Sendo assim, a mulher, ao se inserir no mercado de trabalho, vive uma situação
extremamente paradoxal e desgastante no sentido em que, no ambiente de trabalho,
precisa adotar uma postura profissional, o que quase sempre significa ‘ocultar’ sua
identidade feminina para incorporar posturas características do homem profissional,
a fim de comprovar a todo instante que merece o cargo, ao mesmo tempo em que é
obrigada a se submeter às representações gerenciais e mesmo dos colegas de
trabalho, que remetem às imagens da mulher/mãe ou dona de casa. (TEIXEIRA,
2001, p. 348.)
Isso nos remete a uma afirmação de Navarro (2000) em que é preciso que a mulher
liberte-se das amarras de ser mulher, ou seja, que os aprendizados vinculados à submissão,
inferioridade, as padrões consideráveis desejáveis a serem adquiridos pelas mulheres sejam
questionados, denunciados, para que a mesma consiga, efetivamente, viver sua liberdade e
alcançar suas realizações pessoais, profissionais, sociais, políticas e culturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão sobre as relações de gênero nos cursos de engenharia é emergente, pois
denota a questão que atualmente cada vez mais aumenta o quantitativo de mulheres em cursos
historicamente considerados masculinos, onde os modos de constituição das subjetividades
devem ser analisados e investigados, haja vista que apresentam relações de poder, por isso,
não ocorrem de maneira natural.
É importante ressaltar que a presença de padrões fixos e imutáveis é evidente, no
entanto, torna-se necessário que os mesmos sejam questionados, a fim de que as mulheres
percebam que devem agir de maneira a intervir nos processos ligados à sua formação
acadêmica e profissional, com o intuito de que haja a amenização dos preconceitos e
discriminações existentes nos ambientes de ensino.
Além disso, podemos dizer que os documentos oficiais, os dispositivos, mecanismos e
demais artefatos existentes nos ambientes educativos devem ser considerados constructos
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sociais e por isso, são carregados por relações de poder que influenciam na manutenção dos
padrões existentes nos ambientes de formação.
Pelo exposto, enfatizamos que se trata de um estudo que tenciona a discussão em torno
da desnaturalização dos ambientes de formação educativa e profissional nas questões de
gênero, com o intuito de que as mulheres possam constituir suas subjetividades de acordo
com suas escolhas e seus objetivos, não se pautando em padrões históricos que contribuem
com sua invisibilização e dominação, mas sim almejando atuar no ambiente social de acordo
com sua singularidade, subjetividade, seja nos ambientes educacionais, como nos sociais,
políticos, religiosos, culturais e outros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1960.
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310
Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará, Bolsista CNPQ.
311
Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.
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profissionais, com destaque para a docência. No entanto, tomamos o contato com as letras,
como ponto de partida por entender que a maior aproximação com a leitura e a escrita dessas
mulheres e a possibilidade de comunicar-se e principalmente de absorverem tendências
femininas, isso tudo em âmbito nacional.
O sociólogo Renato Ortiz abaliza que muitas das mudanças ocorridas no Brasil nesse
período fazem parte do projeto de modernização do país. Especificamente sobre a
acessibilidade aos bens culturais e, para esse estudo, em especial o mercado de livros, revistas
e jornais, Ortiz (1988, p.121) diz que a conjuntura cultural brasileira está marcada pela
ampliação e volume do que ele chama de “mercado de bens culturais.” Para ele, na metade do
século XX “[...] ocorre uma formidável expansão, em nível de produção, de distribuição e de
consumo da cultura; é nessa fase que se consolidam os grandes conglomerados que controlam
os meios de comunicação e da cultura popular de massa”.
Os impressos são vistos como valiosa possibilidade de diálogo com vidas cotidianas
passadas, pois eles pintam parte dos debates comuns de uma sociedade.
Assim como se observa o aumento das mulheres no espaço escolar, igualmente se
ver o crescimento, nada tímido, de produções voltadas para esse público. A imprensa
feminina, comercial ou feminista, exerceu um proeminente papel na formação moral das
mulheres letradas. Diante dessa constatação posso intuir que as revistas femininas atuaram
como turbinas nos processos de manutenção e alteração do comportamento feminino
brasileiro.
A revista carioca Jornal das Moças312, destinada apenas ao público feminino e por
tanto, portadora de uma pedagogia feminina, seguramente desejada e compartilhada não
apenas pelas moças cariocas.
Fundada em maio de 1914, a revista tinha periodicidade semanal, permanecendo suas
atividades até dezembro de 1961. Embora publicada no Rio de Janeiro, o Jornal das Moças
era distribuído para várias regiões do Brasil. O periódico possuía uma média de paginas
volumosa e buscava discutir vários aspectos do mundo feminino. Para fins didáticos usarei a
312
Um enorme acervo dos exemplares do impresso Jornal das Moças encontra-se disponível para acesso e
download na página da hemeroteca Digital Brasileira, sob domínio da Biblioteca Nacional Digital. O exemplar
vão desde o primeiro, em 1914 até o último em 1961.
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1 – honrada por dever e não por calculo. É uma triste verdade que nem todas as
honradas se casam, mas não é também menos verdade que as maculadas só por
excepção se matrimoniam.
2 – coquette com o homem a quem amou, mas não com dois ao mesmo tempo, como
as vezes acontece, pois acabará por não apanhar nenhum.
3 – Usar de maior limpesa e asseio possíveis. Aos homens agrada tanto a mulher
asseiada como desagrada a que se descuida com a sua hygiene. Venus, em nudez, a
sahir das brancas espumas das aguas, é mil vezes mais bella do que uma senhorita,
cheia de enfeites e de oleos.
2 – É de bem que procure agradar o homem, pois para isso nasceu, mas sem que
tente deslumbral-o, afêctando dotes e qualidades que não possue. Com cadeiras
313
Jornal das Moças, Ano I, número I. Rio de janeiro, 1914.
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O texto passa claramente a opinião de que mulher nascera com a função social de
conceber matrimônio. Todavia, para ter sucesso no seu desempenho, lhe compete ter atributos
pré e pós-nupcial. Agradar o homem está presente em todos. Acima de tudo, comungando
314
Jornal das Moças, Ano I, número I. Rio de janeiro, 1914.
315
Jornal das Moças, Ano I, número I. Rio de janeiro, 1914.
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com os preceitos católicos, a mulher deve ter como virtude sua honra.
As moças deveriam sim paquerar, entretanto apenas um por vez. Alerta ainda que o
número de pretendentes com o passar do tempo diminuía, não sendo aconselhável despachá-
los. O texto ainda destrói o sonho de almejar o príncipe encantado dos contos literários e,
rapidamente prescreve os atributos que um bom pretendente deveria possuir como trabalhar
para sustentar o lar e ser forte, esse segundo atribuo referindo-se à virilidade masculina.
Enaltece o “homem sério” e despreza o “philosopho”.
Mesmo após casar-se, a saga feminina não acabava. Há uma veemência ao abordar a
questão da limpeza pessoal, cabe salientar que nesse período o Brasil ainda vivenciava
projetos de higienização, inclusive com intervenção médica. Aconselha as mulheres casadas a
acordem antes dos maridos para que eles as vissem sempre arrumadas.
Chama-me a atenção o quanto a aparência ganha destaque, porém, tendo como
medida a descrição, o “bom gosto” e a simplicidade, não devendo nunca apresentar-se com
“cadeiras postiças e seios de algodão”. Honesta, prendada, bonita, limpa e até certa medida
sedutora, compunha o leque de atributos que mulher deveria aprender.
A supracitada coluna não apresenta autoria, essa omissão merece ser analisada. Em
consonância com Foucault (2001, p.274) entendemos que o escritor, quando escreve, ele o faz
a partir da individualização de ideias, antes universal ou homogêneo. Dessa forma, em sua
função, o autor exprime “algumas características do modo de existência, de circulação e de
funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade”.
A Revista JM chega aos anos 50 com todo vigor. Embora passados quatro décadas
do objetivo inicial, já apresentado anteriormente, continua latente. Eclética nos assuntos o
semanário consolida o seu trabalho, expressa pelo volume anúncios e propagandas de serviços
e produtos mais variáveis, todos ligados ao universo feminino.
A beleza feminina, e os inúmeros produtos para esse fim estão em demasia no JM,
imprimem e evidenciam o desenvolvimento industrial e comercial brasileiro e joga luz sobre
as mulheres, identificando-as como consumidoras em potencial. Alude uma mulher prática,
moderna e essencialmente urbana. Que trafega pelas ruas, praias, cafés e outros espaços da
cidade. Sem ainda deixar de reforçar o modelo de mulher assentada no lar.
A seguir apresentamos uma, entre inúmeras, propagandas comerciais de sabonetes,
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retirada do JM.
intimidade envolvida por essa necessidade de externizar um estilo de vida onde a mulher seria
a coluna estruturante.
A dona de casa idealizada deveria manter uma organização do cotidiano do lar e dos
afazeres domésticos, cozinheira de “mão cheia, educadora dos filhos, e não obstante
possuidora de uma aparência impecável. Talvez por essa razão o JM tivesse algumas colunas
permanentes voltadas para esses fins.
Encontramos várias matérias relacionadas à decoração do lar, embora três sessões me
chamem atenção: Evangelho das Mães; Vamos Preparar os Quitutes e o suplemento de maior
destaque, Jornal da Mulher – Figurinos e Bordados.
As capas da revista, quase sempre coloridas, aludem à figura feminina enquanto ser
elegante e bem vestida, valorizando o corpo feminino sem com isso pôr-lhes a mostra.
Algumas vezes apresentando modelos nada condizentes com o clima brasileiro.
São várias as capas da revista que anunciam a existência de moldes no suplemento,
sendo este um dos principais atrativos da revista, a moda. Este vinha como suplemento da
revista intitulado por “Jornal da Mulher”, com dicas sobre moda baseada nas tendências
nacionais mais também na francesa, italiana e norte-americana.
Há desenhos de mulheres com diferentes looks, acompanhado de uma série de passo-
a-passo com as noções de corte e costura. Para além do aprendizado da costura, ou atualização
do mundo da moda, se percebe uma preocupação pedagógica com as questões
comportamentais das leitoras. Identifica-se discursos que orientam as mulheres a terem
comportamentos discretos não apenas nos espaços públicos mais também no privado, e essa
descrição partia também das indumentárias utilizadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A revista carioca era destinada ao público feminino e por tanto, portadora de uma
pedagogia feminina, seguramente desejada e compartilhada por mulheres de vários lugares do
Brasil. A aparência feminina ganha destaque tendo como medida a descrição, o “bom gosto” e
a simplicidade. Honesta, prendada, bonita, limpa e até certa medida sedutora, compunha o
leque de atributos que a mulher deveria aprender. A forma de vestirem-se, as regras de
etiqueta e os inúmeros comerciais de produtos de beleza têm amplo espaço no folhetim.
REFERÊNCIAS BIBLIORÁFICAS
ÁRIES, Philippe; DUBY, Georges: História Vida Privada: da Primeira Guerra aos nossos
dias . v.5. São Paulo: Companhia de bolso, 2009.
CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Senac, 2008.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2003.
RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: A utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985.
______________. Os Prazeres da Noite. Rio de Janeiro/RJ: Paz e Terra, 1991.
FOUCAULT, M. O que é um autor? In: Ditos e Escritos - Estética: literatura e pintura,
música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001b.
____________. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1997.
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988
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INTRODUÇÃO
316
Trabalho apresentado no V Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais, realizada entre os dias 26 a 28 de
novembro de 2015, Fortaleza/CE.
317
Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Ciências Educacionais, graduanda em Museologia pela
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, E-mail: merelafite@hotmail.com
318
Bacharela em Ciências Contábeis pela Faculdade Visconde de Cairu, Graduada em Matemática pela
Faculdade de Ciências Educacionais, graduanda em Museologia pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia, E-mail: lafitevieira@hotmail.com
319
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e Desenvolvimento
(CAHL/PPGCS/UFRB), E-mail: zelivaldofalcao@hotmail.com
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final da gestação. Aquelas que ainda permaneciam na escola fazia isso de forma irregular,
inconstante, faltando muitas vezes, semanas seguidas ou até meses. Ainda assim, a educação
sexual continuava sendo um tabu naquele contexto.
Estabeleço como critério de seleção dos entrevistados na pesquisa jovens que tenham
entre 18 anos aos 24 anos de idade. A coleta de dados contou também com a observação
participante, a parir da ida a campo, permitindo assim, o convívio com os sujeitos desta
pesquisa, presenciando ou participando de situações que possibilitaram um maior
entendimento do tema aqui proposto. Essa atitude estreitou os laços entre o pesquisador e os
(as) pesquisados (as), utilizando-se de técnicas privilegiadas entre as conversas informais e
sempre que possível introduzindo assuntos relevantes à pesquisa como: sexo, paquera, ficar,
namorar, ser mãe, ser pai e gravidez nas conversas, atitudes estas que possibilitou um maior
engajamento dos jovens.
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dimensões que são construídas cultural, social, histórica e afetivamente. Eles não devem ser
estudados de forma isolada ou fragmentada, o correto é analisá-los de forma que estejam
integrados em uma rede de valores inseridos na sociedade.
Sendo assim, o estudo apresentado neste trabalho surgiu da necessidade de se pensar,
“como é ser mãe e como é ser pai na adolescência” e suas implicações no contexto escolar a
partir dos seguintes questionamentos: Quais as implicações na maternidade, paternidade e
gravidez na adolescência? Qual o papel da escola no acolhimento, na compreensão e na
discussão do tema? De que forma o jovem vê a família diante deste acontecimento? A
discussão da sexualidade talvez seja um dos tópicos mais importantes e ao mesmo tempo mais
difíceis, tanto para o jovem como para seus pais e também para a sociedade como um todo,
pois, diante deste diálogo um campo minado de conflitos e divergência se instaura, obrigando
todo o público envolvido a calcular toda e qualquer atitude adotada.
320
FOUCAULT, 1982, p. 15.
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alunas grávidas e/ou alunos que eram ou iam ser pais, foi constatada uma crença de que a
maternidade e a paternidade precoce contribuem para o abandono temporário ou definitivo
da trajetória escolar destes sujeitos, reforçando assim a evasão, configurando-se em um
problema social.
No final dos anos 1980, uma forma de não compromisso codificado foi agregada à
classificação das formas de engajamento, um novo modo de encontro ou de entrada na relação
intitulada ficar, difundiu-se na juventude: neste tipo de conhecimento que se estabelece
geralmente em um lugar público (festa, baladas, boate, bar), a atração dos indivíduos suscita
um contato corporal imediato (beijos, carícias, até mesmo a relação sexual), sem vinculo entre
os parceiros, que, em geral, se separam sem a perspectiva de se reverem. Já para Heilborn
(2006) o namoro assumiu:
O namoro atual não perdeu o papel de compromisso, por outro lado a prática de
relações sexuais tornou-se uma questão inevitável para a maioria dos jovens. O
namoro perdeu sua característica preparatória, abrindo espaço para uma etapa de
experimentação afetiva e sexual. Uma nova espécie de relacionamento foi criada no
final dos anos 1980 intitulado de ficar, essa relação geralmente se estabelece em
lugares públicos, propiciando um contato corporal imediato sem laços futuros322.
321
HEILBORN, 2006, p. 36.
322
HEILBORN, op. cit.
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Neste sentido, torna-se relevante a discussão dos fatores que envolvem o aprendizado
da sexualidade e de que forma estes aspectos influenciam os jovens a obterem determinado
conhecimento deste assunto. Por outro lado, as constantes transformações na vida
sociocultural nos últimos anos têm proporcionado à adoção de novos comportamentos,
hábitos e atitudes como o aumento de mulheres no mercado de trabalho, o advento da pílula
anticoncepcional e outros métodos contraceptivos, a liberdade de ser mãe ou não,
323
LOYOLA, 1999, p. 32.
324
ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA; 2004, p. 29.
325
HEILBORN, op. cit, p. 35.
926
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colégio não possuir muros nem espaço físico próprio que delimite seu espaço em meio à
comunidade local, esses fatores contribuem para a maior fiscalização tanto por parte dos
professores, da direção escolar como dos moradores da localidade, que assumem um papel de
fiscal da moralidade.
Brandão (2006) aponta que os jovens têm um conhecimento sobre os métodos
contraceptivos e uma meia consciência sobre os atos e mesmo agindo por impulso, praticando
o ato sexual sem pensar, conseguem refletir sobre a gravidez. Neste aspecto, a reflexão levou
a jovem à decisão em não abortar, e segundo ela assumindo com o pai, a responsabilidade
pelo ato praticado.
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vez mais cedo, se faz necessário entender a representações da gravidez na adolescência, como
também o papel da maternidade e paternidade juvenil. Sendo assim podemos refletir sobre o
papel da escola como também o papel do professor. De acordo com Paulo Freire (2008).
Escola é [...] o lugar onde se faz amigos não se trata só de prédios, salas, quadros,
programas, horários conceitos [...] O diretor é gente, o coordenador é gente, o
professor é gente, o aluno é gente, Cada funcionário é gente. Nada de “ilha cercada
de gente por todos os lados”. Ora, é lógico [...] numa escola assim vai ser fácil
estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educar-se e ser feliz326.
No mesmo texto Paulo Freire diz “nada de ilhas cercada de gente”, refletindo um
isolamento, como a escola não discutir sexualidade, esse isolamento pode ser compreendido
no sentido em que a escola não aborda determinados temas, caracterizando assim um
isolamento direcionado para educação sexual juvenil.
A partir de uma maior liberação sexual as novas gerações começam a ver o desejo de
uma nova forma, o plano afetivo começa a se remodelar, a maneira de ver o corpo em
conformidade com os contornos corporais, como diria Foucault (1988) “a sexualidade passa a
ser vivida de múltiplas formas” o corpo passa a ser percebido de maneira diferenciada,
havendo a manipulação de métodos contraceptivos, da camisinha, desta forma, fazer sexo vai
além da reprodução, estando no plano do prazer e do desejo. Como também é expresso na
agenda das mulheres feministas.
[...] O feminismo lutava pela possibilidade de se fazer sexo pelo prazer, apesar de ao
mesmo tempo, contribuir para a efetivação das políticas demográficas antinatalistas,
que visavam o controle do crescimento demográfico e não o prazer. A busca pelo
prazer ficou subsumida na política de controle da natalidade em países como o
Brasil, que utilizou métodos contraceptivos radicais para diminuir a população.
Entretanto, é possível dizer que este paradoxo não comprometeu o teor do discurso
feminista pela busca do prazer e pela autonomia sexual das mulheres, pois ele
implicava produção de saberes327.
Assim a juventude passa a viver os prazeres sexuais com maior autonomia do corpo,
se os discursos dos grupos minoritários é por sexualidade mais aflorada, o discurso do
controle da natalidade e da sexualidade, vai estar embasado no poder público e na família.
Como por exemplo, no discurso do planejamento familiar, quando ocorre a gravidez
326
FREIRE, 2008,
327
SCAVONE, 2009, p.469
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
328
BRANDÃO, 2006, p.73.
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percebi que a falta de orientação sexual reproduz uma lógica que assegura a maternidade
como um papel feminino, sendo por isso aceita pelos pais, ainda que as filhas estejam em fase
de formação. Mais uma vez, a naturalização do fato surge como um fator que sobrecarregará
as meninas mães fundamentalmente. Atribuindo a estas de forma indireta e precoce o papel da
maternidade, de manutenção da comunidade, ou seja, estás sendo mães logo cedo,
provavelmente criara laços que a manterão aprisionadas nesta realidade, e que possivelmente
reproduzi-ra a mesma ou semelhante realidade para suas filhas e filhos, fazendo girar o
moinho da vida na localidade.
Os membros da comunidade não interpretam a gravidez precoce como um problema
para a juventude local, esse acontecimento alimente a existência e permanência desses jovens
pais e dessas jovens mães.
A educação sexual não é um tema de interesse na escola desta comunidade, o que não
vem a ser diferente de outras escolas em outras regiões do país, mas também não é um
assunto que seja tratado em casa, exceto em relação a métodos contraceptivos e doenças
sexualmente transmissíveis, ainda que pareça contraditório. De acordo com a fala das minhas
entrevistadas, a maternidade é um mecanismo de renovação das famílias e do sentido à vida
naquela comunidade. E, ainda que alguns professores e a direção da escola atribuam à
gravidez precoce a causa do abandono escolar, nada é feito no âmbito escolar para interferir
na realidade local.
Percebi que a gravidez precoce não provoca uma desarmonia naquela comunidade,
uma vez que o destino daquelas jovens como membros daquele grupo talvez seja a renovação
das famílias através da gestação de um novo ser. Um caminho tão seguro que não se
problematiza em casa e na escola sobre o tempo certo para isso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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329
Professora na Educação Básica na rede pública do Pará, com Mestrado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Pará (PPGED/UFPA). Linha de Pesquisa Educação: Currículo, Epistemologia e
História. Membro do Grupo de Pesquisa PHILIA – Filosofia, Linguagem e Alteridade na Educação (UFPA/CUNTINS).
329
Doutora em educação pela UFRGS. Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) vinculada aos Programas
PPGED/UFPA, PPGEDUC/UFPA, PPEB/UFPA. Coordenadora do Grupo de Pesquisa PHILIA – Filosofia, Linguagem e
Alteridade na Educação.
933
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do próprio gesto explicativo adotado por parte da epistemologia sobre sexualidade, colocando
em suspeição se a visibilidade que lhe é atribuída não tem se constituído em um “efeito de
liberação do poder repressivo” e em uma promoção da invisibilização destas diferentes
vivências por operar por dentro de um sistema, cuja captura e produção da abjeção tem sido
enquadrada sob a categoria homossexualidade.
A emergência discursiva da produção da identidade homossexual, funciona,
historicamente, como uma economia discursiva da política de enunciados sobre o sexo como
categoria depurada rigorosamente, (re-) inscrita no vocabulário autorizado, de modo que após
incessante e longo uso, ganhou estabilidade, tornando-se a categoria de inteligibilidade ou
lugar da sexualidade “não-hegemônica”.
Importante falarmos em produção da sexualidade dita periférica. Butler (2008, p. 96)
nos auxilia a compreender tal produção, ao ressaltar que “a regulação produz o objeto que
vem regular; a regulação regulou antecipadamente aquilo que ela vai ver maliciosamente
apenas como o objeto de regulação. Para exercer e elaborar seu próprio poder, um regime
regulador vai gerar o próprio objeto que ele busca controlar”.
Trata-se de uma injunção ao silêncio e de uma reinscrição da diferença sexual a partir
da lógica polarizada homo-hetero e das formulações daí decorrentes. Tributária de uma
epistemologia fundada em díades, a formulação binária e interdependente homo-heterossexual
foi naturalizada, reinscrevendo “incessantemente uma hierarquia que privilegia e reitera a
ordem heterossexual, desprezando e subordinando sujeitos homo-orientados” (MISKOLCI,
2009, p. 332). Com isso, ocorre a “polarização entre normatividades identitárias”, de modo
que ao serem afirmadas “como conceito-lugar seguro para a afirmação identitária dos sujeitos
ficariam confinadas [a hetero e a própria homossexualidade] à construção imaginária de nossa
história e práticas sociais” (LIZARDO DE ASSIS, 2007, p. 149).
Nisto consiste a crítica do movimento queer, pois “tomar a identidade como um ponto
de organização política para a liberação seria sujeitar-se no momento em que se clama por se
livrar da sujeição” (BUTLER, 2008, p. 102). Consideramos que este é um ponto de
convergência entre a teorização queer e os escritos foucaultianos: a afirmação de que a
regulação e o controle operam como princípios formadores de identidade, tornando-a visível e
“inteligível”. Assim, a diferença torna-se ‘dizível’, pronunciável, a partir dessa
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não se deve fazer a divisão binária entre o que se diz e o que não se diz; é preciso
tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os que
podem e os que não podem falar , que tipo de discurso é autorizado ou que forma de
discrição é exigida a uns e outros. Não existe um só, mas muitos silêncios e são
parte integrante das estratégias que apoiam e atravessam discursos.
Esse é o jogo ao qual nos referimos: incitação - silenciamento, em que ora proliferam
discursos sobre o tema, ora silenciam-se as vozes do múltiplo por meio de enquadramentos,
constituindo um paradoxo em que muitas vezes a visibilidade da diferença tem implicado em
silenciamento e exclusão. Trata-se de um processo insidioso, a partir do qual, segundo Bruni
(2006, p. 35), podemos perceber como resultado “o silêncio dos sujeitos, silêncio que é o
primeiro e o mais forte componente da situação de exclusão, a marca mais forte da
impossibilidade de se considerar sujeito aquele a quem a fala é de antemão desfigurada ou
negada”. E assim sua palavra sofre uma exclusão ritual que a desqualifica, aproximando-a da
dos desarrazoados, cuja palavra é “mentirosa”, patologizada e confinada ao silêncio.
Silêncio que repercute nos diferentes campos de pesquisa. Jorge Larrosa (2010, p.
171) nos faz uma provocação ao dizer que “sempre pode ser interessante pensar um pouco por
que um campo proíbe ou ignora. São as proibições e as omissões que melhor podem dar conta
da estrutura de um campo, das regras que o constitui, sua gramática profunda”. Uma
gramática que pode implicar em processo de homogeneização, constituindo a
homossexualidade como fenômeno fixo, trans-histórico e universal (LOURO, 2001).
Com a construção de polarizações se institui o apagamento das diferentes diferenças.
É nesse contexto que consideramos a experiência trans como insurgente ao normativo e ao
próprio abjeto por desafiar os processos regulatórios que a constrange à invisibilização, à
singularização e à fixação de sua vivência de forma universal impingida pelo dispositivo da
transexualidade, conforme problematiza Berenice Bento (2006).
Consideramos que o processo transexualizador carrega o legado do colonialismo e seu
hábito etnocêntrico de construir o Outro como objeto de opressão que requer apoio,
instituindo uma relação de paternalismo benevolente (BRAIDOTTI, 2002), na medida em que
as formulações das ciências psi, do saber médico e do jurídico lançam sobre as pessoas
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330
Lima (2013, p. 38) utiliza essa denominação “para abarcar os vários modos de vida que
transitam, resistem ou subvertem o binarismo identitário fruto da heteronormatividade. [...] O
uso de tal termo surge do incômodo com os rótulos que aprisionam os modos de ser,
produzindo verdades e gerando estratégias de poder e de controle”.
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- “A parrhesia é a liberdade de linguagem, o dar a liberdade de falar, o falar francamente, a coragem de verdade. [...]
supõe coragem, porque se trata quase sempre de uma verdade que pode ferir o outro e que assume o risco de uma reação
negativa da parte dele” (GROS, 2004, p. 11).
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52). Acima de tudo, nosso desejo é produzir ferramentas para que, diante do imponderável,
frente ao poder daqueles que atravancam nosso caminho, sermos passarinhos332.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
332
Metáfora utilizada por Veiga-Neto (2009) em O currículo e seus três adversários: os
funcionários da verdade, os técnicos do desejo e o fascismo, em referência ao Poeminha do
Contra, de Mário Quintana. “Todos esses que aí estão/ Atravancando meu caminho,/ Eles
passarão.../ Eu passarinho!”
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INTRODUÇÃO
sujeito estão sendo tratadas nessas políticas. Sampaio e Germano (2014) afirmam que
“embora essas políticas sejam importantes para assegurar os direitos da população LGBT,
envolvem o risco de contribuir para a naturalização de uma identidade gay, fundamentada na
irredutibilidade da anatomia e no determinismo biológico”. Os autores argumentam ainda que
uma política LGBT constituída a partir de uma concepção de identidade fixa, na tentativa de
assegurar os direitos de uma população “excluída”, termina por criar outras zonas de
exclusão, por isso é tão importante entender a subjetividade a partir de noções que privilegiem
as identificações, sempre transitórias e fluídas, reduzindo assim o risco de se criar novas
prisões identitárias.
Desta forma, o objetivo deste artigo é discutir acerca da construção de uma política
para as “minorias” sexuais à luz da teoria queer e compreender até que ponto uma política
LGBT configura-se como de caráter inclusivo ou excludente. Neste mesmo documento,
analisaremos a política LGBT da UFPE, destacando trechos que amparam o entendimento
acerca de uma política identitária.
O artigo está organizado em quatro partes. Após esta introdução, na segunda parte,
apresenta-se uma discussão teórica acerca da construção de uma política (pós)identitária e em
seguida uma discussão acerca da teoria queer apresentando as principais críticas feitas as
políticas que defendem a ideia de identidade fixa. Na terceira parte, numa perspectiva
discursiva crítica, examinaremos a política LGBT da UFPE à luz da teoria queer, propondo
uma politização da diferença. E, por fim, apresentam-se as considerações finais destacando os
principais pontos desenvolvidos neste artigo.
Quanto aos movimentos de liberação gays e lésbicos, uma vez que seu objetivo é a
obtenção da igualdade de direitos e que se utilizam, para isso, de concepções fixas
de identidade sexual, contribuem para a normalização e a integração dos gays e das
lésbicas na cultura heterossexual dominante, favorecendo políticas familiares, tais
como a reivindicação do direito ao casamento, à adoção e à transmissão do
patrimônio.
Nesse sentido, a autora afirma que o que importa não é a “diferença sexual”, mas as
multidões queer. Essa compreensão de multidão queer se opõe àquela de “diferença sexual”
como explorada em algumas ondas do feminismo, e sugere uma compreensão a partir de uma
multiplicidade de diferenças. Preciado (2011) defende a ideia da multidão queer como forma
de reforçar a impossibilidade de categorizar o sujeito em tipos previamente definidos;
qualquer rótulo aqui será insuficiente, já que as possibilidades são infinitas.
Nesse espaço de reconhecimento das diferenças, Fraser (2006) distingue duas
grandes abordagens para a injustiça marcada pela redistribuição-reconhecimento333. São os
remédios afirmativos e transformativos. Esses primeiros estão associados ao que a autora
chama de “multiculturalismo mainstream”. Esse “multiculturalismo propõe compensar o
desrespeito por meio da revalorização das identidades grupais injustamente desvalorizadas ao
mesmo tempo em que deixa intactos os conteúdos dessas identidades e as diferenciações
grupais subjacentes a elas” (FRASER, 2006, p. 237). Por sua vez, os remédios
transformativos estão associados à desconstrução, desestabilizando as identidades e
diferenciações grupais existentes.
Para ilustrar melhor o entendimento dessas abordagens, a autora destaca numa
perspectiva da sexualidade, que os remédios afirmativos para a homofobia e o heterossexismo
são associados com uma política de identidade gay, que visa a revalorizar a identidade sexual.
Por outro lado, os remédios transformativos estão associados à política queer, que se propõe a
333
É um termo usado pela autora para marcar um dilema a partir dos termos genéricos redistribuição e
reconhecimento. O primeiro está relacionado aos remédios para a injustiça econômica e sugere alguma espécie
de reestruturação político-econômica. O reconhecimento, por sua vez, está associado aos remédios para a
injustiça cultural e sugere mudanças de ordem cultural ou simbólica. “Pessoas sujeitas à injustiça cultural e à
injustiça econômica necessitam de reconhecimento e redistribuição. Necessitam de ambos para reivindicar e
negar sua especificidade”. (FRASER, 2006).
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A Teoria Queer emergiu ainda na década de 80 fazendo uma crítica aos estudos
sociológicos de minorias sociais e à política identitária de movimentos sociais. Miskolci
(2009) afirma que “o diálogo entre a Teoria Queer e a Sociologia foi marcado pelo
estranhamento, mas também pela afinidade de compreender a sexualidade como construção
social e histórica”. Mas foi em 1991, numa conferência em Santa Cruz, Califórnia, que Teresa
de Lauretis empregou o termo queer fazendo uma crítica aos estudos gays e lésbicos
tradicionais que são orientados pelo binarismo heterossexual/homossexual. O termo queer
pode ser traduzido por estranho, esquisito, excêntrico ou até mesmo ridículo. A palavra tem,
na língua inglesa, um conteúdo pejorativo e é utilizado para ofender aqueles que se desviam
das normas de sexo e gênero. Louro (2001) afirma que as condições que possibilitam a
emergência do movimento queer ultrapassam questões pontuais da política e da teorização
gay e lésbica e devem ser abrangidas numa perspectiva mais ampla do pós-estruturalismo.
Cabe ressaltar também que o termo queer tem fortes influências dos estudos
feministas. Nesse sentido, Miskolci (2011) considera que a tentativa de separar, ao menos no
Brasil, a teoria queer dos feminismos como se fosse uma superação ou um descarte do que já
havia sido feito, é preocupante. O autor destaca que a Teoria Queer nasce de uma vertente do
feminismo que buscou incorporar as questões de sexualidade com questões de gênero. A
sexualidade aqui é compreendida apenas como um dispositivo para se observar as questões de
identidade de gênero.
Louro (2001) argumenta que a teoria queer nos permite pensar a multiplicidade e a
fluidez das identidades sexuais e de gênero estabelecendo sua crítica da heteronormatividade
compulsória da sociedade, da normalização e da estabilidade propostas pela política de
identidade do movimento homossexual dominante. Nesse sentido, a teoria queer surge para
desconstruir qualquer classificação fixa de identidade, defendendo a fluidez e a diferença
como marcas das subjetividades, propondo, como foi dito, compreender a sexualidade a partir
de uma multiplicidade de identificações. Nesse sentido, os sujeitos queer apropriam-se e
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politizam suas diferenças, utilizando o termo para unir e dar visibilidade a diferentes formas
de viver e experimentar a sexualidade (SAMPAIO E GERMANO, 2014).
Essa teoria nos permite ainda romper com binarismos e (re)pensar a sexualidade e os
gêneros de uma forma plural fugindo da lógica heteronormativa, que coloca uma forma de
sexualidade como natural, ou até mesmo “normal”. Desta forma, Louro (2001, p. 549) afirma
que:
Preciado (2011) afirma que uma política da multidão queer não repousa sobre uma
naturalização da identidade nem sobre uma definição pelas práticas
(heterossexual/homossexual), mas sobre uma multiplicidade de corpos que resistem aos
regimes que os constroem como “normais” ou “anormais”. De acordo com Preciado (2011)
“não existe diferença sexual, mas uma multidão de diferenças, uma transversalidade de
relações de poder, uma diversidade de potências de vida”.
Desta forma, percebe-se um risco de se incorrer na criação de novas categorias fixas,
implícito nas políticas LGBT, pois estas políticas podem não contemplar essa multiplicidade
de corpos defendidos pela política queer.
fixa, o que acabam excluindo outras “minorias” sexuais também marginalizadas. Com relação
à política da UFPE, por exemplo, não há uma definição clara dos indivíduos que devem ser
resguardados pelas ações, o que acaba gerando múltiplas interpretações na efetivação dessas
ações dentro do espaço acadêmico. Desta forma, surgem algumas questões, tais como: a
política LGBT da UFPE contempla essa multiplicidade de corpos? E até que ponto é coerente
delimitar esses indivíduos assistidos pela política, levando em consideração que a política
queer se propõe exatamente a impossibilidade de definir?
A própria sigla LGBT passou por algumas mudanças ao longo do tempo na tentativa
de agregar os múltiplos fatores envolvidos, como por exemplo, foi retirado o S, da antiga sigla
GLS, e adicionada o B e o T. E já se pensam na inclusão de duas novas letras (o T e o I) para
representar os transexuais e intersexuais respectivamente (SAMPAIO E GERMANO, 2014).
A sigla do ponto de vista da teoria queer é um rótulo que mais aprisiona que liberta. Do ponto
de vista político, no entanto, a definição de uma base, de uma posição de onde se fala, é
altamente importante para legitimação da ação dos sujeitos.
Conforme podemos observar a seguir, o próprio texto da política LGBT da UFPE em
um dos seus projetos vai além da sigla LGBT que intitula sua política,
Projeto “VAI TER TRANS NA UFPE, SIM!” - Visando minimizar os efeitos das
desigualdades sociais e regionais, reduzir as taxas de retenção e evasão escolar das
pessoas travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais, bem como, promover a
inclusão social pela educação, garante a prioridade no acesso a bolsa de manutenção
dessa população
gênero. Diante dessas observações podemos considerar que essa política é orientada numa
política pós-identitária em sua natureza, mesmo havendo alguns equívocos na redação de seu
texto, como a limitação da sigla LGBT.
Numa perspectiva queer, essas limitações reforçam como essas políticas de
identidades sexuais são muitas vezes percebidas numa lógica binária
(heterossexual/homossexual), (homem/mulher), que consideram uma noção de identidade fixa
onde se conformam numa naturalização da identidade, ou até mesmo numa sexualidade
encarada como “normal”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Nas primeiras incursões etnográficas na “Pop-ismo” em 2012, o objetivo era mera
observação e descrição dos trânsitos corporais e da dinâmica da festa. Percebi depois que
existiam certos rituais de permanência e engajamento durante o transcorrer da noite. Depois
de algumas incursões, curti335 o perfil dessa festa no Facebook. E em poucos dias, comecei a
receber cutucadas336, curtidas em fotos e solicitações de amizade. Ao aceitá-las e com o
desenrolar das conversas que foram sendo realizadas, foram se tornando claros os objetivos
dos recém-incluídos como “amigos”: eles queriam paquerar, buscar parceiros amorosos e até
sexuais. Um dos usuários confessou ter buscado o meu “face”337 logo ao ter me visto na
‘“Pop-ismo”’. Conclui nesse primeiro momento que “Pop-ismo” e Facebook mantinham uma
relação íntima, de dependência, pois a existência da festa em si como também a continuidade
ou surgimento de novos contatos entre as pessoas tinham ora o Facebook como ponto de
partida ou a própria festa.
Desses jovens que iam solicitando amizade cuja maioria frequentava a “Pop-ismo”, fui
334
Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – NATAL.
E-mail: farcosousa@yahoo.com.br. Bolsista Demanda Social/Capes.
335
Curtir e compartilhar são recursos disponibilizados na plataforma do Facebook que se relacionam a
postagens e publicações que são visualizadas tanto no Facebook quanto na rede como um todo, e que, na
linguagem “faceana”, clica-se curtir referente a algo que gostou e compartilhar para que outros – amigos ou não
– fiquem sabendo daquilo que você gostou de ver, ler, ouvir (SAMPAIO, 2014, p.13).
336
“O botão cutucar é muito polissêmico. Até os criadores dizem que ele não tem uma finalidade específica. As
cutucadas podem significar um olá, um pedido de amizade indiscreto, caso não conheça o usuário, e pode ser um
recurso de iniciar uma paquera ou investida sexual” (SAMPAIO, 2014, p.13).
337
Forma abreviada comumente observada no cotidiano dos colaboradores da pesquisa para denominar seus
perfis ou página na plataforma do Facebook.
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A paquera é considerada como uma interação orientada por regras e valores tanto no
aspecto microespacial dos envolvimentos quanto do macroespacial de regulações mais amplas
que afetam e normatizam as sociabilidades homoeróticas. Por essa razão a performance-
paquera é ritual ao se vincular a ação racional que busca resultados específicos nos termos de
Schechner (2012).
Para Erving Goffman (2009), a performance é uma atividade de emitir impressões
relacionadas aos papéis sociais preestabelecidos adequados conforme uma plateia
determinada. Ela é de teor cerimonial por rejuvenescer e reafirmar valores morais da
sociedade. Na sua teoria os rituais são eficazes por tornarem os indivíduos “participantes
autorreguladores em encontros sociais” (GOFFMAN, 2011, P. 49). Assim, os rituais e as
performances estão vinculados à ordenação equilibrada das interações sociais em contextos
específicos.
As considerações de Goffman sobre a performance e os rituais se relacionam a
qualquer interação ou quando dois indivíduos se encontram na presença um do outro. Na
interação social, os indivíduos devem expressar uma definição da situação mesmo diante da
possibilidade de inúmeras rupturas (GOFFMAN, 2009, p.233). Para tanto eles empregam
durante suas performances a “fachada”: um equipamento expressivo padronizado intencional
ou não que objetiva delinear uma imagem do eu socialmente aprovável (id, 2011, p.14).
Sendo a fachada algo sagrado, os indivíduos expressamente utilizam rituais para mantê-la
(ibid, p.26). Por isso que o autor enfatiza dois tipos básicos de preservação da fachada: o
‘processo de evitação’ e o processo corretivo. O primeiro é caracterizado por evitar contatos
em que há previsões de que as ameaças à fachada ocorram. E o segundo processo se
caracteriza pelo fato de os participantes por não conseguirem evitar a ocorrência de um evento
incompatível com os juízos de valor social a serem mantidos tentam corrigir os efeitos da
ameaça confirmada (GOFFMAN, 2011, P. 23-5).
Sendo a performance uma atividade cerimonial, Goffman(2011) distingue dois
componentes básicos: a deferência e o porte. Na deferência é comunicada uma apreciação
para um indivíduo ou para algo do qual ele “é considerado um símbolo, extensão ou agente”
(p. 59). É um ritual interpessoal geralmente expresso por pequenas saudações, elogios e
desculpas onde o indivíduo se vê preocupado com as implicações simbólicas de seus atos na
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Termo criado por Wagner (1993) que identifica um conjunto de disposições – discursos, valores e práticas-
que naturaliza, sanciona e legitima a heterossexualidade como a única possibilidade de expressão dos sujeitos
(JUNQUEIRA, 2012, P.66). A heteronormatividade é sustentada pela heterossexualidade obrigatória conforme
Louro (2012). E, além disso, reforçada pela efeminofobia no caso das relações amorosas e sexuais entre homens.
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sociais, as vivências e os sentidos das práticas são avaliados e julgados conforme os padrões
de conduta heterossexual que os corpos devem performatizar. É no seio desse dispositivo que
as práticas e significados eróticos da paquera masculina são ordenados e por isso a grande
preocupação dos corpos em se conformarem numa “performance máscula” – constituída pelos
“machos superiores” – ao contrário de se apresentarem numa “performance rasgada”339. Esses
dois modelos performáticos são utilizados tanto como roteiros de encenação quanto de
classificação dos corpos em “tudo, um luxo, macho mesmo...” ou “bichinha, cansada,
passivona,...” (Juliano - setembro/2013) nos permitiram concluir: os rituais performáticos da
paquera homoerótica masculina são um continuum. Os corpos transitam durante a festa e são
constantemente avaliados e classificados tendo como referência esses dois polos: a
“performance máscula” – valorizada, triunfada, sem trejeitos – e a “performance rasgada”,
com trejeitos, afeminada, desvalorizada socialmente.
A execução performática nos processos de paquera é de teor estético, ou seja, avaliada
por um “indicador de níveis de masculinidade e de feminilidade” (BENTO, 2006, p. 163), por
isso a estética funcionaria como um pré-discursivo através do qual os corpos seriam
classificados como abjetos ou “glamourizados”.
Outro marcador social da paquera nas festas observadas são os códigos sociais
contextualmente distintos e temporalmente sustentados. Cada contexto é atravessado por
normas que afetam as performances de paquera. Os rituais de paquera num bar, em locais de
trabalho e numa festa como a “Pop-ismo” são diferenciados. Os frequentadores regulares de
cada contexto conhecem esses códigos que diferem também na extensão temporal do evento,
festa ou estabelecimento social.
OS “POPS” A
“Pop-ismo” iniciou em 2011 como uma festa particular realizada mensalmente entre amigos
em motéis da cidade de Sobral-CE. Hoje é totalmente pública e ocorre quase sempre numa
das maiores casas de show da cidade – Coqueiros clube. A música e um estilo de se vestir
“pop” que identificam a grande maioria dos frequentadores constituem elementos fundantes
339
Termo êmico que encerra homens muito afeminados ou trejeitados e que não se preocupam em esconder
publicamente seus trejeitos e até podem utilizar sua condição “rasgada” como, por exemplo, para divertir
conhecidos ou amigos em dado contexto social.
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dessa festa. Esses jovens que se autodenominam “pops” é que sustentam financeiramente essa
festa. Os “pops” como os
outros frequentadores parecem transitar também entre os pólos “performance máscula” e
“performance rasgada”. Ao se autoclassificarem e a avaliarem suas performances com
referência a esses polos eles reforçam a heteronormatividade. Embora que os “pops”
confessam muitas vezes “dar uma de boy” para conseguir “linha”340. Ou seja, encenam a
“performance máscula” para serem paquerados e “pegar alguém na noite”(Alex- junho/2013).
Alex relata ainda que malha muito porque “todo mundo gosta de gente malhada hoje em dia”.
Neste sentido, a “performance pop” poderia ser considerada uma determinada fissura nesse
continuum da paquera homoerótica: gostam de se “rasgar” com as músicas pop- atributo de
afeminamento, mas possuem corpos malhados – atributo relacionado à masculinidade.
Entretanto a fala de Alex é elucidativa, o corpo malhado é utilizado para manter a
“performance máscula”, numa encenação que reitera os polos performáticos cuja valorização
é tributária ao polo másculo, macho ou masculino.
OS RITUAIS DA PAQUERA
Na “Pop-ismo” os rituais não objetivam salvaguardar o anonimato dos interesses entre
os corpos, pois se subtende que todos que aí estão buscam engajamentos amorosos. Os rituais
objetivam, além de um processo de seleção cuidadoso, principalmente no inicio das festas,
também assegurar a glorificação ou “glamourização” dos corpos, a não-abjeção ou
subalternização frente aos outros e inclusive também alimentar narcisismos: “queima o filme
ficar com esses viadinhos pão com ovo....”(Roberto- dezembro/2013). Roberto avalia ser
extremamente negativo ficar com os indivíduos “afeminados” e que não “tem cultura”. Para
ele, ficar se “rasgando”, ou seja, dançando em frente do telão significa não possuir cultura.
Outros colaboradores compartilharam da mesma opinião de Roberto: “ficar com bicha
rasgada é o fim”. Por isso que eles disseram ser muito cautelosos ao selecionarem seus
“ficas”. Nesse sentido a ritualização buscar evitar: os possíveis “foras”, os “ficares” com os
“rasgados” ou “afeminados” e também manter ou demonstrar maior status corporal na
situação em que os que se consideram “glamourizados” e julgam outros corpos abjetos.
340
Termo êmico utilizado entre os jovens para se referir tanto ao processo de busca por parceiros amorosos ou
sexuais quanto à prática sexual propriamente dita.
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usados porque geralmente funcionam. Conforme os relatos, quando esses elogios vem de
surpresa e por pessoas inesperadas podem causar incômodo e até repulsa, se for articulado
com o corpo do aproximador que não interessa ao receptor. Já vindo de um aproximador que
durante algum período já teve alguma troca de olhares, os elogios podem até substituir as
palavras e fomentar a ação do receptor. Muitos dizem elogiar já esperando como reação de
outros uma maior aproximação e investida. Como se elogiar já fosse a ação suficiente do
aproximador, cabendo agora a parte do receptor que deve iniciar o beijo ou toques que
autorizem o “fica” ou até a pegação.
Na fase da paquera focada, existem os rituais de evitação utilizados para o outro “se
mancar”: “não olhar para o outro”, “não perguntar quase nada”, “responder com poucas
palavras”, “manter o corpo pouco distante do outro” e “não corresponder aos toques que o
outro” (Cláudio- dezembro/2012) aplica durante as perguntas e pequenas brincadeiras. Esses
rituais executados de forma isolada ou em conjunto são geralmente deduzidos pelos
frequentadores como permissão para terminar o estado de fala ou a interação focada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A paquera é um ato essencialmente seletivo, calculista e avaliativo. Esse tripé seleção,
cálculo e avaliação são atravessados por vetores como a heteronormatividade, os padrões
estéticos corporais e os códigos sociotemporais. Transitando entre dois pólos performáticos –
“másculo” e “rasgado” – os frequentadores da “Pop-ismo” reforçam a heteronorma e
promovem na medida do possível fissuras na unidade sexo-gênero-performance-desejo
constituinte desses pólos. Os “pops” malham para construção da “performance máscula”,
centralmente como fase preparatória em interações com os “outsiders”, mas a deixam de lado
quando se juntam aos seus pares em “performances rasgadas” de dança em frente aos telões
de videoclipes e/ou em processos afetivos.
Nas fases da paquera – preparatória, desfocada e focada – os rituais constituintes
buscam uma eficácia: definir a situação mútua de paquera para ambos indivíduos. Na
desfocada a grande marca é a utilização da desatenção civil como ritual de seleção dos
pretensos alvos de paquera. E a fase focada ou de encontro é caracterizada em seu inicio pelos
rituais de deferência principalmente os de apresentação a partir de elogios ou perguntas sobre
o status conjugal do indivíduo. O cupido é a figura emblemática dessa fase. O encontro
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INTRODUÇÃO
não existe um corpo ideal; a perfeição corporal é encontrada quando se consegue aceitar
medidas que proporcionam conforto sem nos aprisionar, sem nos limitar ou restringir nossos
hábitos e atitudes, medidas que nos asseguram a sensação de prazer e satisfação com a própria
aparência.
Atualmente, o maior equívoco de perfeição corporal é associar beleza a um corpo
bem delineado, visto que essas alterações são ocasionadas por cirurgias plásticas cujos
resultados quase sempre são a aquisição de seios aumentados e glúteos proeminentes, ou por
longos períodos de malhação combinados com uma dieta limitada, ou ainda juntando tudo:
dieta, cirurgia e malhação.
O discurso de moda, da indústria de cosméticos e de cirurgias plástica, do mercado
de beleza, em geral, estão, frequentemente, reforçando a ideia de que a mulher precisa ser
magra e que não lhe é permitido envelhecer, engordar ou ter um corpo flácido, uma vez que já
existe no mercado inúmeras possibilidades para a reestruturação do corpo, e não usar esses
recursos é deixar de cuidar-se, de enaltecer a própria aparência, de valorizar-se enquanto
pessoa, enquanto mulher.
Todas as pessoas concordam que beleza é algo particularmente relativo, mas muitas
vezes essas pessoas se deixam influenciar por ditames que estabelecem padrões, e isso as
tornam prisioneiras de um ideal quase inatingível.
Ao longo dos séculos tem sido assim, as modificações dos padrões de beleza do corpo
feminino confirmam a influência da cultura de cada época para a formação de um modelo
ideal de mulher.
Durante a antiguidade clássica os padrões de beleza eram outros, na Grécia, havia
grande preocupação com a saúde do corpo, pois os gregos contemplavam o equilíbrio das
formas, assim como a proporcionalidade. Eles mantinham essas formas com exercícios,
massagens e banhos aromáticos, contudo não estabeleciam um padrão, um ideal de perfeição.
Os antigos egípcios priorizavam a juventude e o corpo magro, pois a silhueta fina
dava a impressão de alongamento do corpo. Os romanos praticavam exercícios e tentavam
manter a boa forma, hábito herdado da cultura grega.
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DIALOGISMO
Após essa breve recapitulação dos padrões de beleza feminina ao longo dos tempos,
é importante explicar como faremos o diálogo entre imagens que tratam do mesmo assunto,
porém sob perspectivas diferentes.
O conceito de dialogismo bakhtiniano surge na obra “Marxismo e Filosofia da
linguagem” como forma de oposição às duas correntes de estudo da linguagem na época: o
subjetivismo idealista, que considera o ato de fala como individual, e o objetivismo abstrato,
que privilegia a língua enquanto sistema de signo abstrato e autônomo. Diante dessas duas
correntes opostas entre si, Bakhtin (1992, p. 109) relata que a verdade não é encontrada
diretamente no meio, entre a tese e a antítese, ela “manifesta uma idêntica recusa tanto da tese
como da antítese e constitui uma síntese dialética”. De acordo com o autor, não há enunciação
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pura, o que há de fato é uma interação entre o que já foi enunciado e o que está sendo
enunciado. Nessa perspectiva, não basta compreender uma enunciação, tampouco afirmar que
ela é um ato subjetivo. É preciso compreender que qualquer enunciação mantém um diálogo
com outras enunciações, de outros enunciadores. Dessa maneira, “a enunciação enquanto tal é
um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação
imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto de condições de vida de uma
determinada comunidade linguística” (BAKHTIN, ibid., p. 121). O dialogismo é, portanto, o
princípio constitutivo da linguagem em uso, a condição para dar sentido ao discurso
Segundo Barros (1994, p. 2-4), “o dialogismo decorre da interação verbal que se
estabelece entre enunciador e enunciatário no espaço do texto”. Nesse aspecto, o termo
representa a interação entre o “eu” e o “tu” no texto, donde as constantes referências ao papel
do “outro” durante a construção do sentido afirmam que nenhuma palavra é nossa, porquanto
traz em si a perspectiva de outra voz. O dialogismo pode ser considerado também como o
“diálogo entre os vários textos da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define”.
Esse conceito de dialogismo é o mais difundido e explorado por Bakhtin.
A linguagem é, indiscutivelmente, dialógica, pois as relações dialógicas do discurso
formam uma condição para que se possa constituir o sentido. O homem e a linguagem são,
portanto, partes de um mesmo processo dialético e é a partir da palavra (polissêmica,
polifônica e dialógica) que o sujeito se constitui e é constituído.
Barros (1994, p. 3) afirma que “a persuasão e a interpretação envolvem sistemas de
valores, do enunciador e do enunciatário, que, como afirma Bakhtin, participam da construção
dialógica do sentido”. Nas imagens exploradas neste artigo essa concepção é extremamente
utilizada, pelo seu caráter crítico e questionador. Devemos entender as referidas imagens
como um mecanismo de denúncia, de exposição de fatos e de crítica, mas devemos também
levar em consideração nossos valores e os valores do enunciador para tentarmos construir o
sentido dialógico do assunto de forma que prevaleça a racionalidade.
De acordo com algumas reflexões de Bakhtin sobre o pensamento, a consciência
individual é construída a partir da interação, por isso o universo cultural também terá grande
influência para essa construção, pois, dialogicamente, através da elaboração de textos e
fazendo-se ouvir em diferentes contextos semióticos, a comunicação certamente
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O CORPUS E A ANÁLISE
propriamente um ‘felizes para sempre’, essa é a reflexão que a fotógrafa deixa transparecer.
Na quarta imagem, Oscar de la Renta recria um vestido de princesa para ser usado por uma
‘princesa moderna’, uma jovem alta, magra e de cintura fina. No universo da alta costura os
moldes são feitos basicamente para mulheres magras, fortalecendo a concepção do padrão de
beleza ideal.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dessa pequena amostra, pode-se perceber que o mundo moderno compactua
com um padrão de beleza no qual prevalece a predileção por corpos magros. A novidade é a
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nova compreensão de perfeição, que exige, além de um corpo esbelto, pernas malhadas,
glúteos trabalhados, seios grandes e rijos, sem espaço para gordurinhas ou medidas mais
volumosas. A reflexão que se pode fazer a essa perseguição pelo belo, é que o corpo pode ser
surpreendido por problemas reais e reagir a eles de forma específica, o que poderá afastar a
mulher do padrão de belo, seja pela falta de tempo para cuidar si mesma, por um vício, por
uma doença ou por qualquer outra coisa que a impossibilite de tentar alcançar seu ideal de
perfeição. Mesmo quando se alcança essa meta, não há nenhuma garantia de que o corpo ideal
seja a resolução de problemas com a aparência, pois outros problemas poderão aparecer, já
que se exige um grande esforço e muita disciplina para manter-se magra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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relacional, como um território permeado pelas práticas sociais e simbólicas e pelos conflitos
entre os sujeitos da pesquisa. Há muitos modos e locais de entender e prostituição. Quando
pensei este locus como campo de pesquisa foi devido aos limites de preservação demarcados
e revelados pela ritualidade da prática da prostituição Travesti. Este território aparece aqui
como um lugar que privilegiei para observar, entrevistar e conversar com as travestis nas
noites quentes de Sobral.
Na clandestinidade da noite pareceu-me interessante observar quais as dimensões da
prática da prostituição travesti feminina de Rua, ou seja, da esquina da ordem protagonizada
como teatro da vida pelas travestis. E como se instaura as relações de interesses
sexuais/financeiros entre as jovens travestis que e seus clientes. Pode-se, aqui, tomar por
empréstimo o conceito de Wacquat (2002) de bas-fonds ou de lugares suspeitos cercados por
uma área sufurosa. Nesta lógica conceitual a esquina da Ordem torna-se um poço de perdição
social e moral. Significa um tipo de aviltamento do local, é um território maldito e mal visto.
Um território onde se propaga a desonra moral e corporal com os efeitos das marcas distintas
dos sujeitos e das tribos.
Ao reconhecer que tal espaço tem implicações diretas nas atividades de prostituição
travesti e nas representações de tais atividades, cumpre-se desde já apontar ao leitor outro
conceito similar ao de bas-fonds, o conceito de espaço profano que adquire uma significação
na análise de Arrais (2004:11) como aquele espaço não cristalizado, ou seja, este espaço
aparece como parte constitutiva da dinâmica das relações sociais entre as pessoas que por sua
vez, constroem e reconstroem os lugares em múltiplos interesses e vontades.
O campo de observação foi construído a partir das práticas e as trocas elaboradas em
um espaço público (esquina de uma rua) pelas jovens travestis que reinventam uma
expressividade demostrando códigos não cristalizados do “ser” prostituta e do “ser” travesti.
Trata-se de um universo social qualificado por uma trama específica de relações corporais,
afetivas, sexuais, profanas, econômicas e culturais que singulariza a questão das
representações coletivas da experiência de trabalho e da cartografia simbólica desse espaço
social.
Geralmente, quando adentramos no campo de pesquisa à emoção aflora de várias
formas. Na acepção lata o fazer o contato com o “outro” é tudo que parece mais complexo e
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consolidação dessa prática no cotidiano da cidade de Sobral-CE. Desta forma foi realizada
uma revisão teórica com a tentativa de elucidar discussões sobre o objeto de estudo.
Assim, possibilitou-nos elaborar uma análise a partir da compreensão de que a prática
da prostituição é aqui interpretada como um produto de uma relação direta com a experiência
cotidiana dos indivíduos que atuam nesse contexto social específico. Daí a escolha do objeto
ser um pequeno grupo (06) de travestis de camadas pobres da cidade, que durante um
determinado tempo, já vivenciavam na rua a condição de prostitutas.
No decorrer da pesquisa, foi realizada uma descrição densa do processo de
reconhecimento do espaço e das suas particularidades: cotidiano/atividades, focalizando uma
experiência de pesquisa interpretativa sobre os aspectos relevantes do cenário e dos
personagens envolvidos. Busquei estes sujeitos na esquina da Ordem como meio de
identificação e seleção de jovens travestis que partilham das experiências comuns de fazer os
programas/trabalhos e dividir o espaço ou território. Estar com as meninas quis dizer observá-
las conversar com elas para compreender algumas práticas de sua identidade e corporeidade.
De fato pesquisar a vivência a partir das práticas e dos discursos dos sujeitos,
significou operacionalizar as questões de gênero, inclusive, no elucidar os apontamentos
relacionados às possibilidades no universo da sexualidade humana. Pois para Mirian Grossi
(1992, p.34):
Apesar da diversidade destas experiências alguns pontos parecem recorrentes na
maior parte dos trabalhos: a angústia decorrente do contato com o “outro”, a
problemática da “sedução” mútua no trabalho de campo, a preocupação com o “mito
do antropólogo assexuado” que parece mais presente no relato das antropólogas, as
complexas relações de poder que se estabelecem entre “nativos” e pesquisador, a
dimensão política do trabalho do antropólogo em contato com grupos
“marginalizados”, e as ambiguidades dilacerantes com as quais os pesquisadores se
defrontam no momento de “escrever sobre os outros”.
O único ponto fraco dessa pesquisa é que ela foi realizada no campo de trabalho das
travestis. Este fato colocou-me de frente para meu dilema real, como a necessidade de
conversar ou dialogar no momento da abordagem dos clientes, no tempo de trabalho e
realização das trocas e diálogos. Nesse momento de conflito fui buscando negociar o meu
lugar de pesquisadora, de mulher, de negra, militante orgânica.
Nesse momento falei de minhas escolhas sexuais, do meu mundo, da ética de minha
militância e do imenso universo das escolhas humanas. Daí percebi, que eu tinha conquistado
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Para realização da pesquisa recorreu-se a observação das práticas, das conversas e das
trocas simbólicas. As conversas foram realizadas no início da noite 20h00minhs e
prosseguiam até de Madrugada (02h00min horas). Muitas vezes estes diálogos foram
entrecortados com a chegada ou aparição dos sujeitos sociais (homens/clientes ou fregueses)
das travestis. O discurso narrativo foi compreendido através da análise de discurso que
auxiliou na interpretação das histórias de vida de cada sujeito.
Em alguns dias os procedimentos da observação da atividade da paquera ou do
programa foram bem interessantes. Eram 22.15m da noite de um terça feira de julho, o
homem freguês se desloca pela Avenida em seu automóvel, quando percebe que eu estou
observado, passa cumprimenta as meninas, conversa, mas não acerta logo o programa. Eu
sigo as sequências de movimentos desse cliente no processo da paquera. Percebo os gestos
que parece ser modelares da paquera na rua.
O cliente passa e segue em direção ao quarteirão. Eu continuo no posto de observação
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e converso com uma colega de trabalho que reside nas redondezas. O cliente reaparece e
dirige em direção do grupo. São três meninas travestis. Ele para diante delas e faz um sinal.
Vem um homem observa e depois ele se retira sem sair de dentro do carro. No terceiro
momento este cliente resolve voltar. Faz a negociação do programa e leva uma das meninas
para concretizar a experiência sexual.
O registro dos movimentos de aproximação de cliente e travesti é um fato recorrente,
que tomo nesta análise como uma troca das mais complexas e inquietantes. Eu observo que o
toque do corpo pelo cliente não acontece na rua, isto é muito raro de ocorrer, por vezes um
leve beijo ou toque nos cabelos, enquanto faz a cortejo.
A observação do campo de pesquisa possibilitou a compreensão da dificuldade de
adentrar nas questões relativas à sexualidade na dinâmica da prostituição, bem como por tratar
de vida sexual de cada pessoa, requerendo um longo período de tempo. Nesse sentido
percebe-se que a observação realizada na Esquina da Ordem possibilita a compreensão dos
dilemas e das dificuldades de abordar as questões relativas à vida, ao corpo, ao trabalho e à
sexualidade no processo real da prostituição travesti na cidade de Sobral, bem como por tratar
de assuntos íntimos342 das travesti, requerendo um longo período de tempo. Além desta
questão, houve limitações na minha aproximação ao objeto investigado, ou seja, entrevistas
que não foram possíveis realizá-las.
Em alguns momentos da observação, a esquina estava vazia. Nesse contexto são
revelados certos procedimentos de retiradas das meninas para outros programas ou por
motivos de saúde. Também devido a defensiva pelo território da prostituição. Essa defensiva
na prática é bem cruel. O território é defendido da invasão ou aproximação de pessoas nas
imediações que queiram fazer o mesmo tipo de programa ou trabalho. A possibilidade de
briga é bem evidente quando outra menina quer ultrapassar o limite demarcado pelas travestis.
Os procedimentos de defesas do território são bem claros, nada de sutilezas. Elas me
revelaram, por exemplo, quando alguém quer se fazer de besta apanha até sangrar. No mês de
junho pela manhã foi encontrada próximo ao Centro de Convenções, uma travesti que se
prostituía na rua com sinais de espancamento, muito ferida. Ela foi levada pelo SAMU para o
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Luís F. D. Duarte utiliza esse conceito no seu estudo O Império dos Sentidos tratando de aspectos
relacionados à sexualidade no indivíduo.
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hospital. Dias depois contaram-me os seus colegas que a briga foi fruto de disputa (richa) pelo
território de trabalho.
As conversas que tive com uma das meninas foi bem marcante. A travesti foi visitar-
me e pedir ajuda. Toda vez que ela terminava de fazer “os programas” da noite, na manhã
seguinte passava lá em casa. Era esse o seu caminho, morava ali pelas redondezas do Bairro
Alto da Expectativa. Contava com 20 anos de idade. Estava muito magra, maquiagem
borrada, mal vestida. E no primeiro dia que apareceu lá em casa, chamou na porta e pediu ao
meu companheiro dinheiro/ajuda. Como ele lhe ajudou voltou outras vezes.
À medida que fui oferecendo ajuda (comida e às vezes contribuição em dinheiro) ela
fez outros contatos se aproximou de mim. Veio visitar ocasionalmente e relatou sua vida,
antes de se fixar como garota de programa na cidade de Sobral:
Eu já sofri muito na vida. Eu comecei esta vida logo cedo. Tia é tão ruim ser assim,
a gente sofre muito. Eu já fui até queimada quando estava trabalhando em
Fortaleza (levanta-se da cadeira e mostra as marcas da pele da coxa toda
deformada pelas queimaduras de 3º grau). Eu agora estou deixando o vício, estou
limpa, mas é bem difícil, os rapazes daqui bate na gente, às vezes não paga os
programas. Juro tia eu não estou usando mais a pedra. O dinheiro é para eu
comprar as minhas coisas. Eu hoje estou muito cansada é muita pressão. A gente é
muito mal vista. Todos mexem com a gente. A senhora é diferente deixou eu entrar
em sua casa, é bom conversar com a senhora. (entrevista com Carmem, em 13 de
maio de 2014).
Essa vida de dor que descobri na fala e no corpo de Carmem pôde ser registrada nas
outras vidas das meninas da ordem. A vulnerabilidade da vida de trabalho na rua é revelada na
cumplicidade entre a pesquisadora e as meninas: “Muitos dos bofes querem fazer o babado
sem preservativo, eu cobro mais, mas o meu risco é muito e a vida do outro também é um
risco (riso)”. É importante lembrar que o sofrimento aqui vem recheado com a pulsão de
destruição e preservação. A vida na esquina transforma-se em uma roleta russa a partir da
coexistência entre o medo de adquirir o HIV e a agressividade de ser uma portadora em plena
atividade sexual. Esse fato é um segredo quase tangível para os seus clientes.
A experiência no campo de pesquisa apontou-me para o fenômeno da percepção
articulada “do outro” no mundo. Essa percepção ocorreu devido ao meu interesse de
compreender uma experiência humana que envolvesse relações de sexualidade, corpo e
gênero. Nesse processo de significação do objeto pesquisado desvelei o meu campo subjetivo
e compreendi que, “Perceber é envolver de um só golpe todo o futuro de experiências em um
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presente que a rigor nunca o garante, é crer em um mundo. É essa abertura a um mundo que
torna essa verdade perceptiva.” (PONTY, 2015, p:398)
De acordo com as observações de campo constatou-se que a presença das travestis na
Esquina da Ordem em Sobral acontece em horário noturno. É durante a noite que pude
observar alguns aspectos da “inteligibilidade de gênero” que demarcam a vivência cotidiana
da prostituição travesti na cidade de Sobral. Pois, é fundamentalmente no tempo noturno ou
no tempo de trabalho noturno em que se pode observar pesquisar e compreender a
prostituição das jovens travestis em seus aspectos concretos e simbólicos.
O que chamo de tempo noturno, neste artigo, é aquele tempo revestido de sentidos
múltiplos. É o tempo organizado na produção das atividades dos corpos. O tempo dos
acontecimentos estranhos e esquisitos daqueles que vivem na sombra da ordem. O tempo da
abjeção que é assim definida, como “coextensiva à ordem social e simbólica tanto no nível
individual como do coletivo” (KRISTEVA, 1982, p. 68). É exatamente o tempo do disfarce,
da montagem dos sujeitos que se transformam. É o tempo da regra quebrada, da subversão da
ordem, do despertar e do brilho do ser abjeto mostrar-se incluído no mundo. Pois o abjeto é
entendido como:
O abjeto tem apenas uma qualidade do objeto – a de ser oposto ao eu. Se o objeto,
através de sua oposição, coloca-me dentro da frágil textura de um desejo por
significado que é abjeto, ao contrário, o objeto alijado, é radicalmente excluído e me
lança ao lugar que o significado entra em colapso. (KRISTEVA, 1982, p.1).
possuidor de um corpo duplo: o que tem dentro e o que está fora dos indivíduos, ou o que é
excluído e o que pertence a inclusão.
Nos estudos Queer, os gêneros são inteligíveis porque as normas que dão significados
ao corpo são reelaboradas e construídas no universo da performance. Para Butler (2011,
p.187) a noção de abjeção:
Designa uma condição degradada ou excluída dentro dos termos da sociabilidade
humana. De fato, o que é rejeitado ou repudiado dentro dos termos psicanalíticos é
precisamente o que não pode regressar ao campo do social sem que represente uma
ameaça de psicose, ou seja, da própria dissolução do sujeito. Quero propor que
determinadas zonas abjetas dentro da sociabilidade também apresentem ameaças,
constituíndo zonas indubitáveis que o sujeito fantasia como ameaçadora à própria
integridade, com a possibilidade de uma dissolução psicótica (ou morrer do que
fazer ou ser isto).
Na fala dessa jovem travesti, aparece uma conotação da sua identidade. Ela refere-se
ao híbrido de gênero, as diferenças, a mistura ou aos trânsitos de gênero que a torna diferente.
É bom ressaltar que a diferenças é um conceito essencial para entender a travestilidade e
outras identidades de gênero. Na análise de Pelúcio (2011, p:125), em seu estudo realizado
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sobre as subjetividades travestis da cidade de Campinas, ela afirma que a diferença pode
aparecer como ferramenta analítica que fornece elementos, no sentido de articular o nível
micro e macrossocial. Esta autora ainda afirma que devemos trabalhar a diferença:
De maneira que possamos por em causa os processos que marcam certos indivíduos
e grupos como desigualdade, os sujeitos se constituem subjetivamente. E procurar
ver nas potencialidades das diferenças de se converterem em lugares de produção de
identidades que resistem à normatização. Por isso me interesso aqui pelos trânsitos.
Pelas experimentações que resultam muitas vezes em incompreensões, expressas,
nas dificuldades dessas e desses jovens em acharem um termo, um enfrentamento
das normas que procuram negar as possibilidades ontológicas desses sujeitos.
(PELÚCIO, 2011, p: 125).
“A existência corporal que crepita dentro de mim sem minha cumplicidade é apenas
o esboço de uma verdadeira presença no mundo. Pode-se dizer que o corpo é a
forma escondida do ser próprio, ou reciprocamente, que a existência pessoal é a
retomada e a manifestação de um dado ser na situação” (PONTY, 2015, p:228).
Quando uma cultura tem como projeto único o bem estar imediato, o sentido não
tem tempo para nascer na alma dos sujeitos que habitam essa sociedade.
Inversamente, quando uma cultura propõe como único povir uma sociedade perfeita
que existirá num outro tempo e num outro lugar, sempre, alhures, ela sacrifica o
prazer de viver em prol do êxtase por vir.
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Notar-se-á que essa pesquisa sobre a prostituição travesti abre uma porta para uma
relevante discussão de gênero através das experiências das práticas do corpo como elemento
constituinte e constituído de práticas, olhares e performances. A partir da literatura da
Antropologia do Corpo, da Antropologia das Relações de Gênero e de outros olhares, neste
trabalho de pesquisa buscou-se alimentar o debate e compreender as experiências sociais,
corporais, afetivas e sexuais dos indivíduos na cotidianidade.
Nesse sentido, esta pesquisa visa contribuir, através das análises empíricas e teóricas
atravessadas pela multidisciplinaridade do conhecimento com os Estudos Queer, Gênero,
prostituição, travestilidade e do corpo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar. O pântano e o Riacho: a formação do espaço público do
Recife do século XIX. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/USP. 2004.
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INTRODUÇÃO
Durante esses 8 meses foi horrível, eu não tava na casa da minha família, tudo é
diferente. Lá você tem que lavar suas roupas, fazer sua comida, fazer tudo. Lá onde
eu tava também eles costumavam fazer umas brincadeiras e aí sumia dinheiro,
celular, outros materiais pessoais. Foi quando me decidi saí dessa casa e fui procurar
outra, após três meses voltei para minha casa. (RAFAEL, 24 ANOS, AJUDANTE
DE PRODUÇÃO).
344
De acordo como prof. Leandro Colling apesar da comunidade LGBT, ser reconhecida como: Gays, lésbicas,
bissexuais e travestis, ele acrescenta mais dois “TT”, representando os transexuais e os transgêneros.
345
Pseudônimo, nome real: Rafael.
346
Entrevista realizada em 10 de novembro de 2013.
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Rafinha esclareceu que tentou esconder ao máximo sua orientação sexual e para
disfarçar namorava com mulheres, porém era algo forçado. Ainda com relação sua família
ressaltou que a convivência tornou-se harmoniosa no sentido da aceitação de um Rafinha
assumido como homossexual. No trabalho, esclareceu não ter recebido “nenhum” tipo de
discriminação, ressaltou que o respeito e a amizade devem está acima tudo.
Com relação a sociedade acredita que haja ainda muito preconceito, no entanto,
lembra que isso não está restrito somente ao homossexualismo, pois o negro, pobre, a mulher
também se enquadram dentro desse mesmo conceito pré- estabelecido. É evidente que a
supremacia masculina tenta imergir essas categorias olhadas como submissas, como prova de
um poder historicamente manifestado pela classe masculina.
Com relação ao seu corpo explicou que não mudaria, pois tem medo, pode se
arrepender futuramente. Se caracteriza com vestimentas masculinas. Ainda assim poderia usar
uma saia, um salto, mas somente por diversão e também para sentir a sensação que as
mulheres sentem. Acrescenta que no seu rosto, gosta de usar uma base e um brilho nos lábios.
A nossa segunda entrevista foi com a Mirela (gay),347 de vinte e três anos, mora com
os pais. Sua orientação sexual foi revelada aos dezenove anos para a família e para a
sociedade. Assim como Rafinha, Mirela, também foi expulsa de casa e passado seis meses,
por pedido de sua mãe voltou para casa. No entanto havia uma condição que foi imposta,
onde Mirela não poderia ser vista com homem nenhum e principalmente levar para casa.
Indagado sobre sua afetividade esclareceu está se relacionando com alguém, não é
namoro fixo, apenas fica com ele de vez em quando. Contou que já coabitou com um homem
durante três meses, teve outro relacionamento nessa mesma condição com durabilidade de
seis meses. Com relação ao lazer gosta de curtição na companhia seja de homo ou hetero.
348
E finalmente a terceira e última entrevistada Renata (travesti) , de trinta e quatro
anos. Diferente dos demais entrevistados Renata sentiu necessidade de mudanças no corpo,
uma forte identificação com o sexo feminino, levando a ingerir hormônios para
desenvolvimento dos seios, tratamento no cabelo, vestimentas femininas, maquiagem.
Ressalta que é comum ser confundida com mulher, inclusive em muitos lugares é vista
347
Pseudônimo, nome real: Oclécio. Entrevista realizada em 04 de dezembro de 2013.
348
Pseudônimo, nome real: Benedito.
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As maiorias das pessoas me têm como mulher e não como travesti, eu me passo
como mulher em qualquer lugar, às vezes é até chato para namorar que a pessoa vem
achando que é mulher e na hora H não é, e tem gente que não gosta, mas quando a
gente gosta de uma pessoa que já sabe que a gente é travesti, é muito melhor.
(RENATA, 34 ANOS, AJUDANTE DE PRODUÇÃO) 349.
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Ao adentrar nessa temática com o pressuposto de que pelo histórico que possui é
algo gritante dentro de uma sociedade tão preconceituosa como a nossa. Como ponto de
partida não poderíamos deixar de nos fundamentar na teoria que mais nos levou a
compreender o que é o homossexualidade, bem como toda a comunidade LGBTTT.
349
Entrevista realizada em 18 de novembro de 2013.
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Refiro-me a Teoria Queer, surgida nos anos 90, tendo como aporte teórico os
estudos de Focault350, Derrida351 e Judith Butler. Ambos trabalharam a questão da
desconstrução, não como algo a ser destruído, mas como aquilo que deve ser analisado e visto
sob novo olhar, sob uma nova ótica. De acordo com Derrida (1967, aput LOURO 2001, p.
08):
350
Para este os queer incorporaram a analítica do poder, daí em suas obras o poder não ser algo que se possui ou
se delimita, mas que se exerce ou ao qual se é submetido em uma situação permanentemente dinâmica em
termos históricos e culturais. Obra: História da Sexualidade I: A vontade do saber (1976).
351
Com a obra gramatologia (1967).
997
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Importante também lembrar que os estudos Queer também tiveram uma relação com
a AIDS, onde a partir de sua política emergiu uma crítica que estava em oposição ao
movimento gay e lésbico, uma vez que este procurava se adequar aos padrões normativos. E
nessa mesma época (anos 90) no Brasil ocorreu um diálogo com o Estado na criação de um
programa assistencial de AIDS. Segundo Miskolci:
352
O termo sidadanização utiliza criticamente a relação entre SIDA (sigla em espanhol da AIDS) e processo de
construção da cidadania dentro de um modelo dirigido biopoliticamente. Para a análise de Pelúcio consulte o
capítulo “Prevenção e SIDAdanização” de seu livro Abjeção de Desejo: Uma etnografia travesti sobre o modelo
preventivo de AIDS (2009, p.105-134).
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marcado por um falso dilema entre estar dentro ou fora, pois de uma maneira ou outra se
mantém enredado em certas relações de poder353. E no Brasil o texto que foi um grande
impulso para as discussões do Queer foi o de Guacira Lopes Louro publicado em 2001, na
Revista Estudos Feministas, o artigo Teoria Queer: uma política pós - identitária para a
educação.
Epistemologicamente essa pesquisa procurou sob as verdades defendidas por essa
teoria uma aproximação, ou seja, apesar dos nossos sujeitos sociais não terem conhecimento
de que estão inseridos dentro de uma discussão profunda em defesa de suas orientações
sexuais, é notório as coincidências encontradas, desde a não aceitação pela família, sociedade
fazendo com que por muito tempo estes se mantivessem trancados literalmente no armário,
além, é claro, das tentativas de enveredarem-se por outros caminhos, uma insistência de
adequação ao padrão socialmente aceito.
No panorama de vida das três entrevistas, além das histórias repetidas, a forma de
tratamento dada a muitos sujeitos sociais quando declararam para suas famílias ter uma opção
sexual diferente. No caso do Rafinha e da Mirela que foram expulsos de casa. Isso nos faz
refletir, mais uma vez, que nem todas as famílias foram preparadas para este tipo de realidade,
para elas a heterossexualidade é o único padrão a ser seguido, o que de fato quando Butler
(2002, p.64) fala na performatividade, ela está se referindo justamente a isso: “De uma forma
resumida e incompleta, podemos dizer que a teoria da performatividade tenta entender como a
repetição das normas, muitas vezes feita de forma ritualizada, cria sujeitos que são o resultado
destas repetições.” Já a segunda entrevistada Renata nos deixou claro que a sua família apesar
de estranhar a mudança, não chegou a expulsá-la de casa, no entanto sentiu bastante
preconceito da sociedade de um modo geral, principalmente no trabalho. Em suma, Goffman
(1988) declara que:
353
O capítulo central da obra foi publicado em português no dossiê Sexualidades Disparatadas da revista
cadernos pagu. Consulte Sedgwick (2007).
999
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de conhecer histórias belíssimas, sem dúvidas, foi única. Cada sujeito
social com suas trajetórias por vezes semelhantes, porém marcadas por momentos críticos
considerando as condições de enfrentamento para aceitação familiar, social, como um ser
humano normal.
A Teoria Queer muito contribuiu como principal reflexão do verdadeiro papel junto
ao público alvo pesquisado. Incontestavelmente a desnaturalização, como consequência, de
uma condição nova, ou seja, assumir o estranho, o ridículo, o excêntrico numa perspectiva
que merece ainda ser bastante aprofundada, como diria o prof. Colling (2010) “a teoria vem
para pensar na possibilidade entre os trânsitos”, em outras palavras, toda a comunidade
LGBTTT, sente-se contemplada por fazer parte de uma teoria que trabalha na perspectiva da
aceitabilidade da comunidade via sociedade.
A descontrução também foi outro termo que ganhou vida nessa pesquisa, pois o
binarismo (homem/mulher) não é a única condição existente. Outras possibilidades insurgem
demonstrando que no século XXI ainda há muito trabalho a ser feito.
As suas histórias contadas, representaram um sentimento de abertura da mesmice da
heteronormatividade354 e mergulhar em um contexto presente, mas muito teoricamente
fincado apenas nas discussões, sem um devido aprofundamento. E o campo de pesquisa foi
desse modo satisfatório, foi o limiar de todas as discussões realizadas em sala de aula, como
um momento de êxtase.
354
Por heteronormatividade, entende-se a reprodução de práticas e códigos heterossexuais, sustentada pelo
casamento monogâmico, amor romântico, fidelidade conjugal, constituição de família (esquema pai-mãe-
filho(a)(s)). Vê em (FOSTER, 2001, p. 19).
1000
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Embora o corpo físico seja o habitat da sexualidade e demarcador das fronteiras
daquilo que é sexualmente possível, a sexualidade é mais do que simplesmente matéria
corporal e está amalgamada a nossas crenças, ideologias e imaginação (Weeks, 2001, p. 38).
Machos e fêmeas biológicos são igualmente submetidos a processos de sociabilização sexual
no qual representações culturalmente específicas de masculinidade e feminilidade são
modeladas no transcurso da vida.
Neste artigo, tal corpo físico-psíquico ou sexualizado foi percebido de maneira
mais complexa em sua singularidade, isto é, o enfoque teórico limitou-se às questões
referentes às mulheres, afinal, do corpo e da sexualidade feminina dependem muitas coisas
importantes para o Estado e a ciência, a saber, a reprodução da espécie humana e o avanço de
determinadas patologias sexualmente transmissíveis.
Considerando ainda que a dimensão material e psíquica do corpo da mulher foi
marcada como que por uma espécie de tatuagem físico-simbólica, julgou-se pertinente o recuo
“no tempo à procura do regime de verdade, do modelo de razão que nos construiu dessa
maneira, que deu certo sentido a nossos corpos sexualizados” (Colling, 2004, p. 51). Com
essas questões em mente é que se pode dizer que o binômio corpo e sexualidade, cerne de
uma preocupação individual e foco de uma discussão claramente crítica e científica, merece
uma investigação teórica multidisciplinar pautada em autores de áreas afins de conhecimento,
a saber, história, sociologia e filosofia.
355
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará, mestrado e doutorado em
Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é professora da Universidade Federal do Ceará no
departamento de Ciências Sociais.
1002
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No Brasil, entre os séculos XVI e XVIII “num cenário em que ciência e culpa se
misturavam, o corpo feminino era visto, tanto por pregadores da Igreja católica quanto por
médicos, como um palco nebuloso e obscuro no qual Deus e o Diabo se digladiavam” (Priori,
2006, p. 78). Neste período, todo o conhecimento científico subjacente ao corpo feminino
dizia respeito ao órgão identificado pelo termo madre (útero). Os médicos eram obcecados em
entender o funcionamento anatômico da madre, mas o olhar extremamente funcionalista
dirigia-se tão somente ao seu caráter reprodutivo.
Tal conhecimento limitado da anatomia feminina reproduziu um imaginário
repleto de simplificações obscuras: o corpo era compreendido como uma espécie de
receptáculo de um depósito sagrado que precisava ser fertilizado para frutificar. Certamente
não é exagero sublinhar que o saber científico construído sobre pilastras da filosofia e
medicina ocidental da antiguidade relegou o corpo feminino a uma posição de inferioridade
em relação ao corpo masculino: “as mulheres só diferiam dos homens por serem machos
menos perfeitos, [...] situados hierarquicamente mais abaixo” (Bozon, 2004, p. 36).
Esta carência de avanço científico inscrevia o discurso médico no dogmatismo do
discurso religioso da igreja, “dentro do qual doença e cura estavam relacionadas ao maior ou
menor número de pecados cometidos pelo doente” (Priori, 2006, p. 80). Deste modo,
metrópole e colônia naufragavam em obscurantismo científico. Não por menos, Priori afirma
que a falta de conhecimento anatômico e fisiológico amalgamado às fantasias sobre o corpo
feminino abriram “espaço para que a ciência médica construísse um saber masculino e um
discurso de desconfiança em relação à mulher. A misoginia do período a empurrava para um
território onde o controle [de seu corpo] era exercido pelo médico, pai ou marido” (Priori,
2006, p. 84).
Assim, coube primariamente às instâncias eclesiásticas instigar e disseminar uma
verdadeira explosão discursiva em torno do sexo por meio de alguns documentos básicos de
educação feminina como, por exemplo, o estatuto elaborado pelo bispo Azeredo Coutinho,
publicado em 1798, cujo objetivo era proteger às meninas “dos defeitos ordinários do seu
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educação sexual era informal e alicerçada, sobretudo, nos usos e costumes ditados pela Igreja
e naqueles que se estabeleciam como populares, no regime imperial e republicano ela passou
a ser normatizada pela moral médica e documentada em teses, livros e manuais defendidos
publicamente (Ribeiro, 2004, p. 17-18).
Vale ressaltar que a construção do saber científico em torno do corpo e da
sexualidade feminina no Brasil ocorreu num momento de intensas transformações sócio-
econômicas. A necessidade de sobrevivência estimulou muitas mulheres pobres a procurar as
fábricas e, sobretudo, outras modalidades de trabalho de baixa remuneração no âmbito da
economia informal: vendas ambulantes nas ruas e negócios de fundo de quintal (Wissenback,
1988, p. 12). Neste cenário no qual a economia informal era subterfúgio seguro misturavam-
se negras quitandeiras e mulheres caipiras nas ruas a vender gêneros alimentícios. Aquelas
provenientes das classes média ou alta, por sua vez, lutavam por maiores direitos: exigiam a
participação na vida pública e ingresso nas profissões masculinas. Enfim, por um motivo ou
outro, mulheres pobres e ricas não estavam confinadas somente ao ambiente privado do lar.
Mas ao passo que a mulher timidamente se sobressaia ao adentrar no espaço da
vida pública, seu direito de desfrutar experiências privadas era constantemente desrespeitado.
As mulheres pobres e carentes testemunhavam a invasão e destruição dos casebres, cortiços,
barracos e mucambos nos quais moravam. Não houve qualquer “hesitação nem sequer em
bombardear a matriz da cidade de Canudos, com a população civil de mulheres e crianças que
haviam se refugiado no seu interior” (Sevcenko, 1998, p. 30).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, “edificou-se uma nova civilização, não mais voltada para refrear o desejo, mas,
ao contrário, para levá-lo à sua exacerbação extrema, despojando-o de qualquer conotação
negativa” (Lipovetsky, 2005, p. 29-31). A revolução clitoriana e a orgasmoterapia são
produtos da promoção dos valores hedonistas propagados pelo processo de personalização
que culminou na liberação sexual e revolução completa da moral sexual tradicional.
Pode-se, então, afirmar que a ordem científica moderna aposta na transformação
de todas as práticas corporais, sobretudo sexuais, em experiências visando à busca dos
prazeres ilimitados. Enfim, fazendo minhas as palavras de Sant’anna: “o poder que investe no
controle e na estimulação constantes do corpo torna o próprio prazer uma ordem sem exceção.
Entretanto, os fantasmas do par ‘controle-estimulação’ não poderiam deixar de ser,
justamente, a ameaça do descontrole e o pavor diante da desestimulação” (Sant’anna, 2005).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
356
Como pesquisadora de gênero compreendo que esse termo foi produzido por grupos religiosos
fundamentalistas com o intuito de despolitizar os estudos na área. Embora esse não seja o foco desta pesquisa,
considero relevante um alerta para produzirmos ações que resistam a esse tipo de discurso.
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quadro referencial da Pesquisa Ação Participativa ao considerar que “nem todas as vozes que
falam em um grupo carregam a mesma legitimidade, segurança e poder para se fazer ouvir e
acolher” (COSTA, 2002, p. 92). Por isso, com base na literatura dos Estudos Culturais,
consideramos que o poder e o saber circulam em todas as relações interpessoais e grupais, não
estão fixos em um único ponto, o que nos possibilitou compreender as significações dos
discursos ao longo da existência e experiência dos sujeitos da pesquisa.
Neste viés, as identidades de gênero não são naturais, são construções humanas que
envolvem valores, sentimentos e desejos. Os resultados deste artigo apontaram um
movimento de opiniões e definições de gênero, corpo e sexualidade durante as reuniões em
grupos, em diferentes localidades e contextos. Manter o grupo em constante discussão e
conflito de ideias foi um recurso que se mostrou interessante para repensar os paradigmas e
práticas hegemônicas sobre a construção das identidades destes sujeitos.
Na sequência, apresentamos a relação entre gênero, corpo e sexualidade permeada por
relações de poder. No segundo momento explicitamos o desenvolvimento da pesquisa e os
procedimentos das reuniões em grupos com os/as docentes nos diferentes espaços e tempo.
Por fim selecionamos algumas falas dos professores e das professoras para evidenciar o
movimento da pesquisa e tecermos algumas considerações.
Gênero, corpo e sexualidade são compreendidos aqui como categorias que apresentam
potencialidades em comum. Ancoradas em relações sociais, históricas, políticas, econômicas
e culturais essas categorias problematizam as relações de poder, de privilégios, hierarquias e
desigualdades mantidas por discursos naturais, biológicos, universais e essencialistas com o
intuito de desconstruí-los para evidenciar a produção histórica das identidades sociais de
homens e mulheres, em suas diversas e diferentes formas de se relacionar, sentir e ser.
A ideia do reconhecimento das diferenças passa pela necessidade da compreensão da
produção dos discursos. A compreensão desta premissa – o discurso – se ancora em pesquisas
foucaultianas, fonte de discussões também dos Estudos Culturais.
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Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é,
os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e
instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras e falsas, os meios
pelos quais cada um deles é sancionado; as técnicas e procedimentos valorizados na
aquisição da verdade; o status daqueles que estão encarregados de dizer o que conta
como verdadeiro (FOUCAULT, 1980, p. 131).
Para o autor a produção da verdade está relacionada ao conceito de poder que deve ser
entendido como tática e não como privilégio que alguém possui ou do qual se "apropria". O
poder se apresenta como uma rede de relações conflituosas que fabrica corpos dóceis e reduz
as ações políticas contestatórias dos indivíduos, visto que é função do “poder disciplinar”
manter as práticas individuais e grupais sob controle social e aumentar sua utilidade
econômica.
Contudo, é importante lembrar que as identidades de homens e mulheres, por
exemplo, não são construídas somente por meio de estruturas de repressão, na medida em que
a capilarização e a circulação do poder permitem a eles e elas se “inventarem” por meio de
práticas, gestos, modos de ser e de agir não hegemônicos. Nesse sentido, são os efeitos do
poder circulante que produzem verdades legítimas e não legitimadas socialmente.
Para Alfredo Veiga-Neto (1995), a filosofia foucaultiana constitui-se um método de
indagação das relações humanas enquanto definidas por “verdades”, ou seja, de reflexão sobre
o pensado considerado verdadeiro, absoluto e imutável. Esta filosofia não se ocupa em chegar
a uma verdade, mas a uma prática de “pensar sobre o próprio pensamento”. Não afirma a
inexistência de verdades, mas desconfia delas, uma vez que podem e devem ser revistas e/ou
reformuladas para responder às necessidades históricas, sociais e culturais dos indivíduos e
grupos. A “verdade” pode ser compreendida como uma representação, como maneiras
singulares de ver o mundo, algumas das quais são consideradas legítimas, mais que outras,
mediante as relações de poder que se estabelecem entre os indivíduos nos grupos sociais.
Para Louro (1997), o conceito foucaultiano de poder lhe é útil para compreender o
conjunto de práticas e saberes produzido para o controle de homens e mulheres, entre estes, os
que definem lugares sociais diferenciados para gênero. Isso fica claro, por exemplo, nos
papéis atribuídos ao casamento, à procriação e à normalização de condutas de meninos e
meninas.
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conversamos com mais de 70 sujeitos que atuam diretamente nas escolas e têm interesse em
compreender mais sobre as questões de gênero e sexualidade.
Em uma tentativa de construir um quadro geral sobre as concepções dos professores e
das professoras sobre as temáticas na educação escolar, reunimos nesse texto as formações
discursivas que mais reverberaram no decorrer dos cursos. Problematizar as concepções de
gênero, corpo e sexualidade por docentes, tornou-se um dos princípios norteadores de nossa
pesquisa que se evidenciou na busca pela (des)instalação de certezas absolutizadas e
cristalizadas dos/as docentes do significado desses conceitos (FRANÇA, 2009).
Veiga Neto (1995), inspirado nos estudos foucaultianos, assinala que os discursos são
definidos como produtos das relações de poder que produzem e consolidam a hegemonia
cultural de determinados grupos sociais em detrimento de outros. Assim, do ponto de vista
científico, conhecer não significa descobrir algo que já existe, mas sim descrevê-lo, relatá-lo e
nomeá-lo por meio de uma posição temporal e espacial sempre provisória.
Tomando como parâmetro estudos de Marisa Vorraber Costa (2002), situamos nossas
experiências como uma pesquisa-ação participativa. De acordo com a autora, essa modalidade
de pesquisa dialoga também com a vertente dos Estudos Culturais, na medida em que
favorece a afirmação das identidades. É seu pressuposto que as narrativas sobre o “eu” e o
“outro” podem vir a se constituir formas de resistência e de contestação à narrativa
socialmente legitimada e hegemônica. Isso significa problematizar as vozes silenciadas como
o fazem vários estudos situados nesta corrente.
No intuito de contribuir com a formação de professores e de professoras maiores
reflexões acerca de gênero, corpo e sexualidade em sala de aula em suas dimensões de
reconhecimento e valorização, organizamos cursos de extensão em parceria com os Núcleo
Regional de Educação de Maringá (NRE). Em 2008 os dados foram coletados durante os
meses de março a junho de 2008 em uma escola pública da cidade de Sarandi, por meio de um
curso-convite e oito encontros coletivos aos sábados, das 8h às 12 h, correspondentes às
discussões de gênero e diversidade na escola, totalizando 32 horas/aula. Nesta pesquisa
trabalhamos com 12 docentes de 5ª e 6ª séries, - 8 professoras e 4 professores. Essa
configuração foi replicada nas demais cidades em outras etapas e modalidades educacionais,
com grupos maiores de docentes.
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Todos os nomes dos/as docentes são fictícios atendendo aos termos éticos da pesquisa.
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Com base nessas colocações, dois docentes se perguntaram sobre o que pode ser
considerado errado e certo na escola se cada época e lugar possuem culturas diferentes. O
professor Marcos se perguntou: “O que a sociedade coloca como correto. O que é correto? É
possível duas mães ou dois pais?”. O professor João lembra que atitudes e comportamentos
têm significados diferentes conforme o tempo e o espaço ao expressar que “um dado material
em uma época tem significados diferentes de hoje, (...) pegar na mão, por exemplo, há alguns
anos atrás nem era possível e hoje vemos o tanto que mudou, a gente vê isso na rua, isso
mostra a diferença”.
Ao lembrar do caráter provisório dos conceitos, os/as docentes abriram caminho para a
problematização de seus próprios conceitos, ou seja, interrogar-se sobre a lógica interna de
sua verdade, sua naturalidade, sua legitimidade histórica. Estamos nos referindo, aqui, ao
processo de (des)construção sugerido por Louro (1997; p. 32).
mulher”. Professor José – “Autoritarismo religioso”; Professora Joana– “Os casamentos:: não
eram as mulheres que escolhiam, eram as famílias que definiam o parceiro pra casar”.
Professor Marcos – “Fidelidade feminina e não masculina”.
Nesta direção, foram apresentados alguns aspectos referentes à história das mulheres,
com o objetivo de possibilitar ao grupo o conhecimento de fatos importantes sobre a trajetória
de mulheres, uma história que não foi contada pelo discurso hegemônico. Esta estratégia não
teve o intuito de traçar uma história, cujo fim é o alcance de um mundo melhor, no qual as
mulheres, por meio de muitas “batalhas”, alcançariam inúmeras conquistas. Buscamos, em
contrapartida, focalizar alguns aspectos referentes à trajetória das mulheres que, naquele
momento, serviriam para a percepção de que toda história é narrada de acordo com as
relações de poder entre grupos sociais, estabelecida como legítima em determinado momento
histórico.
Ao proceder de tal forma, acreditamos na possibilidade de criar condições para fazê-
los/las compartilhar suas impressões e problematizar os significados atribuídos ao gênero, ao
corpo e a sexualidade. O relato do professor João sugeriu que a abordagem adotada pela
pesquisa atingiu o objetivo de resgatar, historicamente, o caminho de construção das
identidades de gênero. “Quando você falou em Idade Média, a primeira coisa que vem na
cabeça eram as questões das fotografias, não eram nem fotografias, eram imagens, não era
esse nosso padrão hoje né, era mais arredondado358, não era [...]”.
Essas verbalizações causaram risos e tumulto por parte do restante dos sujeitos como
demonstram os comentários a seguir: Professor Marcos – “As roupas da época não
valorizavam as curvas, eram muitas roupas, muito babadinho”; Professora Marta – “As
mulheres eram chamadas de ‘potranca’”; Professora Joana – “A gordura era sinônimo de
saúde”; Professor Marcos – “Meu pai falava que, se as mulheres tivessem ancas largas, seriam
boas ‘parideiras’ [...]”.
Assinalamos que a mulher da Idade Média era considerada perversa, por natureza, a
ponto de qualquer traição levá-la à condenação, enquanto a ocorrência do mesmo fato com o
homem era considerado natural. Foram suscitados comentários sobre a permanência desta
visão tantos séculos depois. Duas professoras chamaram a atenção para o fato de que a
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Refere-se aos corpos de mulheres nesse período histórico.
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identidade da mulher não mudou tão radicalmente quanto se poderia esperar. Professora
Marta – “Mas, hoje não mudou muito”; Professora Maria – “Hoje a mulher que trai é biscate”.
Tais considerações, segundo Louro (2007), têm levado a sociedade a atribuir maior
valor às características consideradas masculinas. Desde o início do século XX, a afirmação do
caráter social desses aspectos tornou-se fundamental para a luta e o desenvolvimento da teoria
feminista, e um indicador das possibilidades de mudanças nas relações de gênero.
Para a compreensão do processo histórico de naturalização do conceito de gênero,
questionamos o grupo sobre o caráter de verdade e falsidade do processo de formação a que
os sujeitos são submetidos: É possível dizer que um processo formativo é melhor ou não que
outro? A estas questões, os sujeitos responderam: Professora Cleide – “Eu acho que as coisas
vão se aprimorando, melhorando, mas é difícil, por exemplo, tem coisas de agora que não
seriam corretas naquela época”. Professora Mirtes – “Isso depende muito do contexto! Até
hoje não existe melhor educação [...] No Brasil mesmo, há uma diversidade muito grande”. O
grupo expressou por meio dessas respostas percepção da relatividade dos conceitos de “certo”
e “errado”, “verdadeiro” e “falso” de acordo com o momento histórico vivido.
Destacamos, novamente, os conceitos de gênero, corpo e sexualidade como construções
sociais que identificam os sujeitos como homens ou mulheres em suas variadas formas de ser, agir e
pensar, apontando que ambos podem ser masculinos/as e femininos/as ao mesmo tempo, com corpos e
modos de relacionar diversos e diferentes com o intuito de desconstruir os padrões hegemônicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TERRITORIALIDADES
Para iniciarmos este artigo, cremos ser válido demarcarmos algumas das
territorialidades próprias à nossa pesquisa. Primeiro, o que estamos chamando de educação
midiática. Não estamos tratando aqui de pensar, por exemplo, a inserção de um aparelho
televisor dentro de uma sala de aula tradicional, ou seja, pensar os aparelhos midiáticos
enquanto recursos didáticos. Estamos tentando elucidar o caráter formativo da mídia; ela em
si enquanto um aparelho de ensino; produtora de subjetividades, formadora, educadora, por
fim.
Um segundo ponto importante a ser esclarecido é que, para nós, processos
educacionais remetem, necessariamente, a um processo de subjetivação. Por tanto, formação
e produção de subjetividades são aqui a mesma coisa.
O terceiro ponto remete às fontes estudadas nesta pesquisa.
Existe no mercado, atualmente, uma grande quantidade de títulos de revistas que são
classificados enquanto revistas femininas por se tratarem de publicações que visam dissertar a
respeito de temáticas circunscritas ao universo cultural feminino, tais como, moda, beleza,
saúde da mulher, sexo, relacionamentos, maternidade, família, comportamento etc.. Cláudia,
Marie Claire, Elle e Gloss são alguns exemplos desse tipo de publicação.
tipo de temática que aborda: são revistas que se dedicam a assuntos que envolvem o
embelezamento e os cuidados com o corpo como, por exemplo, dietas, fitness, estética
corporal, cirurgias plásticas, procedimentos de medicina estética etc.. É nesse grupo que se
situam, por exemplo, Nova, Woman’s Health, Plástica & Beleza, Corpo a Corpo e Boa
Forma.
Vejamos, por exemplo, os dados obtidos nos sites das respectivas editoras temos: 51%
do público leitor de Corpo a Corpo encontra-se na faixa etária entre 20 e 39 anos; 89% são
mulheres e 51% são da classe econômica B. Já Boa Forma, 58% de seu público encontra-se
nessa faixa etária entre 20 e 39 anos; 83% são mulheres e 52% encontram-se também na faixa
econômica B.
Uma forma interessante de obtermos um olhar mais abrangente sobre essas duas
publicações é analisar como as próprias editoras resumem suas publicações. No site da editora
Abril, encontramos a seguinte descrição de Boa Forma:
Por sua vez, a editora Escala assim descreve e define Corpo a Corpo:
Corpo a Corpo é a mais completa revista de beleza do País, pois valoriza a essência
de cada mulher. Em suas páginas, a leitora encontrará informações para ter uma
silhueta definida e um visual mais bonito e saudável, com dicas de moda, cabelo,
maquiagem e cuidados com a pele. Uma revista atual, feita para a mulher que sabe o
quanto a aparência é fundamental na vida moderna.
Corpo a Corpo é a única revista que trata da beleza – [sic] como um todo – [sic]
da mulher brasileira.
Em suas páginas, a leitora encontra todas as informações que necessita para manter
uma alimentação saudável e balanceada; escolher uma atividade física que lhe
transmita prazer e resulte num corpo definido e bem torneado; ter acesso às últimas
novidades e tecnologias que lhe ajudarão a conquistar uma pele mais hidratada,
protegida e, consequentemente, mais jovem e resplandecente - bem como um cabelo
sedoso, brilhante e com o corte e a cor da moda.
Corpo a Corpo é a revista que acredita que a beleza natural de cada mulher deve ser
valorizada e realçada, para elevar a sua auto-estima e seu bem-estar. Afinal, quem
não fica mais bonita e exala felicidade quando se sente feliz consigo mesma?
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Vale ressaltar que ainda que seja comum se subdividir a obra de Foucault nesses
momentos, não é correto afirmar que eles se opõem, se negam ou mesmo que a genealogia
seria um momento de superação em relação à arqueologia. Mas, independente dessas
dificuldades de sistematizações, buscaremos trabalhar com algumas de suas ferramentas
conceituais, reconhecendo em sua filosofia um campo fértil onde podemos encontrar
elementos para pensar a problemática por nós proposta.
Na busca de uma orientação geral deste trabalho, passamos agora a discorrer sobre a
divisão mais comum da obra foucaultiana, reconhecendo, portanto, a arqueologia como
momento inicial da pesquisa de Foucault. Neste período, segundo Machado (1979),
Já no período genealógico, Foucault abrange uma dimensão que, se até então não
estava completamente ausente, pelo menos fora pouco explorada: o poder. Suas análises
centraram-se nos mecanismos, efeitos, relações e dispositivos de poder. Segundo Machado
(Ibid., Idem), a arqueologia buscava estabelecer a constituição dos saberes, respondendo,
assim, ao como de seu aparecimento e de suas transformações. Já a genealogia, centralizando-
se sobre os percalços do poder, tinha como ponto de partida a questão do porquê desse
aparecimento e dessas transformações. Complementa o autor:
(…) é essa análise do porquê dos saberes, que pretende explicar sua existência e
suas transformações situando-os como peça de relações de poder ou incluindo-os
em um dispositivo político é o que Foucault irá chamar de genealogia (Ibid. Idem).
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moderna. Ademais, nossa caixa de ferramentas será composta de algumas noções que se têm
mostrado centrais para operacionalização e análise da nossa pesquisa: prática discursiva;
regime de visibilidade-dizibilidade; processos de subjetivação e regime de verdade.
Para Foucault (1995), os discursos devem ser tratados enquanto práticas discursivas,
ou seja, práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Os discursos – em sua
materialidade constituidora da realidade – são sempre uma produção social, cultural e
histórica assim como os objetos que informam.
Entendemos, portanto, a subjetividade feminina, o corpo feminino como uma produção
discursiva e que noções como a do corpo belo, corpo magro, malhado e saudável são
igualmente produções sociais, culturais e históricas uma vez que envoltas em discursos. É
através do discurso – no caso específico desta pesquisa, o midiático – que a subjetividade
feminina, o corpo feminino e a percepção que a mulher moderna tem do seu próprio corpo são
produzidos. Em seções como a Contato Direto da revista Corpo a Corpo encontramos falas
de leitoras que servem como elementos para pensarmos essa relação entre o discurso
midiático e a produção dos corpos femininos:
“Nos dias de hoje, nós mulheres temos que dividir nosso tempo com trabalho,
marido, filhos, amigos, família, sobrando pouco tempo para nós mesmas. Nesses
dois anos em que leio a Corpo a Corpo, sempre tento seguir as dicas e posso dizer
que já obtive grandes resultados… Adoro a revista que abrange todos os temas que
uma mulher moderna precisa saber” (CORPO A CORPO, mar. 2009).
As falas das mulheres nesses depoimentos nos mostram claramente como a mídia, ou
melhor, como os discursos midiáticos investidos de saberes e poderes fazem circular regimes
de verdade subjetivando-as e as produzindo enquanto mulheres modernas, elucidando aí o
caráter normativo-prescritivo – ou educacional – da mídia: ela cria normas – cria ideais,
desejos e necessidades – ao mesmo tempo em que prescreve – através de dicas, imperativos e
receitas – como alcançar tais objetivos.
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objetivos são atender aos anseios e dúvidas das mulheres contemporâneas no que se refere a
seu corpo.
sete mandamentos). Ou seja, cria-lhe uma necessidade e condiciona seu comportamento para
atingi-lo.
Ao ver sua imagem refletida no espelho, você gosta do conjunto. Mas é claro que,
como toda mulher, está sempre em busca de um retoque aqui, outro ali. É por isso
que passar por uma cirurgia para aumentar o tamanho dos seios está entre os seus
projetos. Junte-se ao time: o implante mamário é a segunda cirurgia estética mais
realizada no Brasil e só fica atrás da lipoaspiração. “O procedimento ganhou
popularidade porque a técnica evoluiu muito, o que garante menos risco e um
resultado extremamente natural”, diz Alan Landecker, cirurgião plástico de São
Paulo e autor do livro Cirurgia Plástica – Manual do Paciente (BBD Editora). Se
você está realmente decidida, saiba que vai precisar bancar a repórter
investigativa: converse com as amigas que já turbinaram o visual e, claro, escolha
um bom cirurgião plástico (…) (Lublinski, 2008, p.108).
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Mas não é apenas a ciência quem é convocada pela mídia como recurso de validação
do que é dito. As próprias leitoras entram nessa trama como agentes do investimento. As
seções de cartas e e-mails enviados às revistas são um dos recursos mais poderosos de
legitimação dos conteúdos publicados:
Adorei a matéria “Seu cabelo com final feliz”. Eu tenho fios finos e a técnica que
vocês ensinaram para dar volume é sensacional.
A solução mostrada na reportagem para acabar com o estilo lambido de quem tem
cabelo liso e ralo funciona mesmo. Além disso, achei bem fácil fazer (BILTOVENI;
RIBEIRO, 2009, p. 13)
Quanto ao uso de cosméticos, vale chamar atenção que a mídia além de dizer o que
caracteriza um cosmético como bom ou ruim, ela ensina como lidar com esses produtos,
como utilizá-los, que marcas comprar, que tonalidades preferir, etc.. Ou seja, ela ensina o que
e como usar:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÉSAR, Karine. 1, 2, 3 adeus barriga. Corpo a Corpo: São Paulo, ano 21, n.238, p. 148, out.
2008.
ESCALA. MdiaKit: Disponível em:
<http://www.escala.com.br/midiakit/detalhe.asp?revista=2>. Acesso em: 28 de setembro de
2009.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Editora, 1995.
LUBLINSKI, Débora. Turbinada? Sim, naturalmente… . Boa Forma. São Paulo, ano 23, n. 9,
p. 108, set. 2008.
MACHADO, Roberto. Por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica
do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. 13ª.ed.
NEVES, Kátia. Acerte no alvo!. Corpo a Corpo: São Paulo, ano 21, n. 238, p. 94, out. 2008.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & A Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. 2ª ed.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto de nossa tese de Doutorado, que está em andamento, e faz
parte do Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação da
professora Maria Arisnete Câmara de Morais.
A pesquisa tem como objeto de estudo a escritora paraibana Julieta Pordeus Gadelha e
como objetivo analisar sua prática educativa, através das obras publicadas Crônicas para
mamãe ler (1965) e Antes que ninguém conte (1986).
Partimos da compreensão de que a prática educativa não diz respeito somente a prática
pedagógica, é um conceito mais amplo, por isso, se constitui como um fenômeno social. Para
Libâneo (1994, p. 16) “A educação - ou seja, a prática educativa – é um fenômeno social e
universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de todas as
sociedades”.
O desejo de escrever sobre Julieta Pordeus é antigo e nos acompanha desde a vida
acadêmica quando cursávamos a graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de
Campina Grande, no período compreendido de 2004 a 2008. Se por um sem número de
359
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
campus I, Natal – RN. E-mail: paula1bb@hotmail.com
360
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
campus I, Natal – RN; Coordenadora do Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero/CNPq. E-
mail: arisnete@terra.com.br
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motivos, esse desejo foi adiado, agora se concretiza por meio desta tese de doutoramento.
Esse desejo, entretanto, percorreu uma trajetória que leva ao objeto de estudo do
presente trabalho. Por isso, relatar como e por que escrevemos sobre Julieta Pordeus, faz parte
de uma tentativa de tornar melhor a compreensão do texto para o leitor.
O primeiro contato com a escritora se deu na infância quando estudávamos no Colégio
Nossa Senhora Auxiliadora, uma instituição filantrópica da rede privada de ensino, dirigida
pelas irmãs da Congregação de Santa Teresa de Jesus do Crato – Ceará.
Naquela época, década de 1990, a partir da terceira série do Primeiro Grau,
começamos a estudar sobre a História do município, nas aulas de Estudos Sociais. De acordo
com a legislação brasileira vigente, o parecer n. 853/71, afirmava que o objetivo do
componente curricular Estudos Sociais era “a integração espaço-temporal e social do
educando em âmbitos gradativamente mais amplos” (BRASIL, 1971, p. 179).
Assim, as instituições de ensino atendiam a essa proposta curricular e a uma definição
metodológica baseada em círculos concêntricos “que partiam do mais próximo como a família
e o bairro e se estendiam até o país e o mundo” (SANTOS & SILVA, 1999).
Nesse componente curricular, estudamos sobre a historiografia e composição do
município de Sousa, localizado no Sertão da Paraíba, local em que morávamos. Eram essas
aulas, que nos proporcionavam o conhecimento sobre a história de Sousa, os costumes, os
primeiros habitantes, os acontecimentos religiosos e de cunho político, os monumentos hoje
tombados pelo patrimônio histórico.
Foram a partir desses estudos que tivemos contato com a obra Antes que Ninguém
Conte de 1986, da escritora sousense Julieta Pordeus Gadelha. Essa obra era adotada como
referência no colégio para o estudo do município.
A partir de então, passamos a admirar o trabalho da escritora, nos debruçando cada vez
mais, em suas obras, em suas publicações. Acreditamos que o fato de ser uma mulher, a
autora de um livro que traz a história como escrita, é um fator relevante, pois, na própria
história, a visibilidade de autoras desse tipo de gênero textual, história de um lugar, é muito
pouca.
Para Almeida, (1998, p. 45), “a História, como disciplina antiga e elitista, sempre foi
escrita por homens”. A título de exemplo, podemos citar os clássicos autores Nelson Piletti
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(1990) e Claudino Piletti (1990), Gianpaolo Dorigo (1982), Claudio Vicentino (1984), que
discutem sobre História Geral e História do Brasil.
Por esse e tantos outros motivos o desejo de analisar Julieta Pordeus Gadelha que
através de suas obras, provocou uma valorização sobre a historiografia do município de
Sousa, nos acompanha.
Esse desejo vem também, de nossa condição de ser mulher, que mesmo vivendo no
século XXI, ainda sofre as amarras do preconceito do gênero, do “sexo frágil”, de ser
professora e de querer fazer a diferença entre as mulheres ainda submissas, mesmo que seja
dentro das nossas aulas e nas pesquisas científicas.
METODOLOGIA
Os caminhos metodológicos da presente pesquisa indicam que a prática educativa da
escritora Julieta Pordeus pressupõe a utilização do enfoque metodológico da História Cultural.
História Cultural que, na concepção de Peter Burke, a partir da década de 1970, amplia
os horizontes da pesquisa historiográfica ao incluir novos objetos de estudo, novas fontes de
pesquisa e maneiras de analisar essas fontes. Esse novo paradigma de pesquisa abriu
possibilidades para o uso de conceitos como práticas, representações e culturas que foram
utilizados nessa pesquisa.
Ao analisarmos a prática educativa da escritora Julieta Gadelha, percebemos uma
heterogeneidade de significados, composto por crenças, valores, conceitos, preconceitos,
visão crítica, posicionamento, cultura e aspectos sociais que fazem parte de um jogo de
práticas e representações elencados nos seus modos de ser e fazer educação. De acordo com
Libâneo, (1994, p. 17)
A prática educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também
o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que
os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-los em função de necessidades
econômicas, sociais e políticas da coletividade.
Julieta Pordeus Gadelha é filha legítima do casal Felinto da Costa Gadelha e Noemi
Pordeus Gadelha. Seu pai era tabelião do município de Sousa – PB, exercendo, também, a
função de prefeito nos anos de 1939 a 1942. Da união desse casal, nasceram onze filhos que
seguiram profissões diferentes, entre elas, médicos, professores, advogados e um frei.
Na obra Crônicas para mamãe ler, Julieta Pordeus apresenta insígnias que demonstram a
classe social a que pertenceu. Alguns objetos que ela descreve como sendo de seu cotidiano
demonstram características específicas da classe dominante, tais como o telefone, a máquina
de escrever e um aparelho utilizado nas minas para encontrar botijas.
Em Sousa havia uma equipe fabulosa dêsses homens(caçadores de botijas),
contando-se entre êles, dois tios meus: Pedro Gadelha e Murilo Pordeus. Para
facilitar o seu trabalho e dispensar os sonhos e as aparições que muitas vêzes, eram
considerados suspeitos, êles conseguiram um aparelho dêsses usados em minas para
localizar metais. O aparelho indicava, infalivelmente, a existência de ouro em certos
locais. [...]
Desde criança, Julieta Pordeus Gadelha estudou no Colégio São José, uma instituição
de ensino que educava as elites sousenses. O Colégio São José foi fundado em 1939 e teve
como diretor, o próprio fundador deste educandário, professor Virgílio Pinto de Aragão –
professor Senhorzinho, tio de Julieta.
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Para a abertura do Colégio São José - Escola Normal no município de Sousa houve
uma preparação, uma vez que, os cursos normais estavam em voga como locais, por
excelência de formação de professores, sobretudo de mulheres professoras. Além disso, eram
instituições educacionais que representavam a instrução da elite, por isso, seus enormes
espaços, fachadas e janelas aludiam a uma classe social que lá estudava.
Na foto acima, podemos perceber a arquitetura que lembra uma enorme casa, com
portas e janelas grandes denotando a ideia de espaço reservado para atividades educativas de
cunho religioso católico, já que a Escola Normal São José foi fundada por iniciativa de
vigários locais. Além disso, estava localizada em local estratégico para uma educação
religiosa, ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário.
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Em seu livro Antes que ninguém conte, Julieta Gadelha relata que o sobrado da Casa
da Caridade foi uma doação do Padre José Antônio Marques Guimarães transformando-se em
“orfanato erigido pelo benemérito Padre Ibiapina”. O orfanato funcionou durante muitos anos
até que as freiras foram cedendo lugar para a abertura da Escola Normal. (GADELHA, 1986,
p. 69).
São muitas as histórias contadas por Julieta Gadelha sobre o que precedeu a abertura
da Escola Normal São José, entre estas, a forma de gerenciamento das beatas e o destino das
meninas órfãs. Aos poucos, as últimas beatas que dirigiam o local, foram cedendo lugar dos
quartos às salas de aula, transformando-se, em 1939, em Colégio São José – Escola Normal.
[...] Foram abertos amplos salões de aula, de acordo com as normas de higiene
escolar; construíram-se parques para educação física e áreas abertas para recreio e
iniciação de clubes agrícolas escolares; dotou-se, enfim, o Estabelecimento de
mobiliário novo e de material pedagógico á altura da moderna concepção do ensino.
(Ibid, 1986, p. 69)
Não sabemos se Julieta Gadelha, atuou como docente dos Colégios Normal São José e
Nossa Senhora Auxiliadora. Em entrevista com Dona Mirtes Arruda Fontes, estudante da
primeira turma do Colégio São José, fomos informadas que Julieta havia lecionado no
referido colégio. Porém, não encontramos nenhuma fonte que comprovasse sua atuação
docente na instituição.
Por isso, partimos para outras situações em que Julieta teve sua prática educativa
concretizada. Foi na escrita que Julieta Pordeus Gadelha demonstrou sua prática educativa,
através de homenagens a Sousa, contando e rememorando aspectos de um passado que ainda
vem à tona, através dos costumes, das festas tradicionais, dos patrimônios históricos. São as
representações de sua prática educativa, através das obras.
Com acesso a educação e sempre cercada de pessoas que faziam parte da cultura
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É perceptível em suas memórias, o apreço e admiração que tinha pelo seu tio, o
professor Virgílio Pinto, talvez seu maior incentivador:
A mania de boa leitura, dos clássicos portugueses, a simpatia por Camilo Castelo
Branco, nunca o transformou numa pessoa sisuda, circunspecta ou antipática, quanto
mais conhecimento, mais se estendia a ânsia de passar para os outros o valor do
conhecimento. (GADELHA, 2000, p. 02)
Em contato com a cultura letrada sousense, Julieta Pordeus Gadelha entra para o grupo
de intelectuais escritores, publicando na Revista Letras do Sertão. A referida revista foi
fundada em 1951, também pelo seu tio. Considerada um “órgão de divulgação literária”
(MATOS, 2004, p. 12)
No caso de Julieta Pordeus, a mesma publicava crônicas, que às vezes eram lidas nas
rádios, sobre assuntos diversos. Sua publicação inicial acontece na primeira fase de circulação
da Revista, de número 6, que ocorreu entre novembro de 1951 a julho de 1961 com a crônica
intitulada Igual Desdita.
Muitas foram as crônicas publicadas pela escritora Julieta Pordeus Gadelha que
trouxeram aspectos curiosos e interessantes que compunham o perfil social do município de
Sousa. Diversas foram as publicações em que relata aspectos de sua vida pessoal: quando vai
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Em outras crônicas, emite opinião sobre questões polêmicas da época como a política,
a religião, as festas tradicionais do município de Sousa, pessoas ilustres.
O referido livro de Julieta nos fez mergulhar nas memórias do passado sousense,
época da nossa infância, quando víamos um cenário rodeado de histórias que eram
representadas por vários lugares, por várias famílias, por pessoas que se tornaram imortais.
Desde criança, nas aulas do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, aprendemos a ter apego e
valorização pela cidade de Sousa.
O livro nos trouxe de volta ao passado quando aprendíamos, entre outros aspectos,
sobre o Milagre Eucarístico, símbolo de uma cidade marcada pela religião católica. Julieta
Pordeus discorre a respeito do chamado Milagre Eucarítico, um acontecimento marcante do
município, ocorrido no dia 25 de março de 1814. Na crônica intitulada Cavalheiros do
Santíssimo, Julieta enfatiza a forte religiosidade presente no município:
Sousa é uma cidade Eucarística, todos o dizem. No entanto, estava como que
paralisada, adormecida diante do fato que a enaltece. Um fato que para os católicos
sousenses deveria expressar, não somente a alcunha de filhos da terra eucarística,
mas uma completa gratidão dos que foram agraciados pelo milagre. Se Deus se
permitiu ao sacrilégio, foi para mostrar ao povo de Sousa que a Eucaristia é o centro,
a essência da nossa religião. O milagre significa o chamado de Deus para a
Eucaristia.
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O milagre Eucarístico é conhecido por todo sousense, pois, por fazer parte da história
do município, é sempre estudado e lembrado pelas instituições escolares. Além disso, existe a
Praça do Milagre Eucarístico, um monumento arquitetônico que representa o lugar do
acontecimento.
Em 1986, Julieta Pordeus, publica o livro Antes que ninguém conte, de gênero
memorialista. No referido livro, a autora aborda traços da historiografia do município de
Sousa, com aspectos novos e curiosos que vão desde a origem do nome aos principais
costumes vividos pelos habitantes do século XIX.
A obra Antes que ninguém conte de Julieta Pordeus nos trouxe uma vasta compreensão
sobre a constituição historiográfica do município, mas o que me chamava atenção mesmo era
o fato de ser uma mulher, a fonte de tantas informações, uma vez que, os livros didáticos,
tidos como referências para as aulas de História, eram, em sua maioria, de autores masculinos.
Além das obras publicadas que tanto enfatizam o cotidiano do município, a construção
do hino e da bandeira a faz ficar com o nome cravado entre as contribuições que deixa para os
sousenses.
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Ainda havia a ausência do respeito pela pessoa humana, os seus direitos eram
desacatados para se satisfazerem às exigências individuais, vivendo a classe média e
dos pobres à mercê das discriminações dos “chefes”. (GADELHA, 1986, p. 58).
A prática educativa, portanto, parte de um conjunto de fatores sociais mais amplos que
a condicionam, influenciam e direcionam fazendo com que os conhecimentos e as
experiências de cada indivíduo se tornem meios para a transformação de uma localidade.
As maneiras de se fazer educação estão imbricadas nos gestos, nos costumes, nos
papeis sociais, nos códigos culturais, de tal forma que constatamos que nada escapa a
educação.
É só olhar em volta... se ninguém, nem nada, escapa à educação, então há uma
dimensão educativa instalada na sociedade. A escola é instituição que educa e
instrui, mas cada sociedade cria, e cada uma a seu tempo, maneiras de educar
homens e mulheres, crianças, jovens e adultos. (LOPES, 1994, p. 21)
Por isso, trazer à tona Julieta Pordeus Gadelha e sua prática educativa se configura, em
reviver um contexto social sousense esquecido. Percebemos a relevância da autora, sua
importância para o município de Sousa através de todas as contribuições realizadas no sentido
da construção de uma identidade que abrange a trajetória histórica do município.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Ao reconhecer a importância de estimular discussões que trate da sexualidade nos
âmbitos de formação educacional e social, disseminando respeito pelas diversidades e
posturas que imprima maturidade e tolerância para tratar as diferenças, tal temática se faz
fundamental no repertório do discente, considerando que este, muitas vezes necessita de uma
orientação norteadora sobre as transformações biológicas de seu corpo, para que assim possa
compreender a construção identitária que irá desenvolver ao longo da vida. Logo, faz-se
necessário que os educadores estejam preparados para tal discussão.
Nesse perspectiva, o presente trabalho tem como proposta fazer uma análise no curso
de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará (UECE), a respeito da reformulação
curricular realizada no ano de 2008, objetivando verificar se o curso possui disciplinas que
abordem a temática da sexualidade. Ao mesmo tempo, também pretende-se perceber se os
profissionais que estão sendo formados pela instituição possuem aporte necessário para
amparar suas práticas, haja vista a sua influência nos sistemas de ensino e formação de
pessoas.
361
Pedagoga pela Universidade Estadual do Ceará –UECE. E-mail: scarlettoharacc@gmail.com
362
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará – 7° semestre - Bolsista PROMAC, Monitoria
– UECE. E-mail: lohsantos02@gmail.com
363
Professora do Programa de Pós Graduação em Educação na Universidade Estadual do Ceará –PPGE (UECE).
E-mail: lia_fialho@yahoo.com.br
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PERCURSO METODOLÓGICO
Para o alcance de tal escopo, utilizou-se como metodologia uma análise documental,
que de acordo com Santos (2000) “é realizada em fontes como relatórios, atas, projetos de lei,
ofícios, discursos, documentos informativos arquivados [...]”, da matriz curricular do Curso
de Pedagogia, bem como do seu Projeto Político Pedagógico (PPP), com o intuito de conhecer
o perfil de formação do curso, bem como identificar se há uma oferta de disciplinas
relacionadas à temática. No tocante a metodologia escolhida, Ludke e André (1986) afirmam
que esta constitui uma técnica importante na pesquisa qualitativa, “seja complementando
informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou
problema”. Diante disso, para enriquecimento do estudo, fizemos um estudo bibliográfico
com referencial teórico-metodológico de alguns autores.
Nessa perspectiva, esclarecemos que o referencial teórico no qual se embasa a
construção do nosso objeto, fundamenta-se na literatura voltada para as discussões da
Educação para a Sexualidade no âmbito da formação docente (BONFIM, 2009; FIGUEIRÓ,
2006; NUNES, 1997), dentre outros autores que possuem um diálogo convergente com esta
pesquisa.
Nesse estudo, tomamos como premissa, que a sexualidade como todo fenômeno do
campo social, suscita a construção de um processo representacional dos sujeitos. E, dessa
forma, consideramos que as representações quanto à sexualidade expressas nesta pesquisa
podem contribuir para debates sobre a formação de educadores que lidam com o tema em seu
cotidiano de trabalho.
O CURSO DE PEDAGOGIA DA UECE
Comungamos com Nunes (1987, p.23) que “[...] a sexualidade é sempre uma área de
saber e de investigação essencialmente polêmica, visto envolver-se com elementos de ordem
religiosa e ética de diferentes conotações e universos sociais ou subjetivos”. Logo, as
polêmicas geradas em torno da temática da sexualidade, como o desconforto em falar sobre o
assunto, são baseadas geralmente em conceitos religiosos, crenças, tabus, preconceitos; que,
muitas vezes, dificultam a ação dos professores na escola diante das manifestações da
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Nesse sentido, também percebemos que a função social dos sistemas de ensino está
para além dos conceitos já preestabelecidos como verdade, não podendo ser isentos de
questionamentos e críticas, considerando a multiplicidade de pensamentos e condutas
encontradas na sala de aula. É nessa perspectiva que uma formação docente atualizada e
preparada para lidar com as dinstinções pode proporcionar uma práxis mais reflexiva e
transparente para lidar com as diversidades.
É fundamental que o trabalho docente esteja pautado em estudos sobre a sexualidade,
considerando a necessidade de problematizar, questionar, dialogar e compreender os
elementos culturais, sociais e históricos que constituem esse aspecto da vida. Salientamos a
importância da formação inicial e continuada em torno da temática.
Concordamos com Braga (2009) quando nos fala que é necessário além de discussões
na graduação, que o pedagogo “participe de cursos, debates, grupos de estudos entre outras
atividades de capacitação, possibilitando assim uma troca de experiências entre o grupo
profissional” (p.133).
Compreendemos como algo necessário que os cursos de formação de professores
incluam em seus currículos a discussão sobre a sexualidade, bem como sejam propostos
cursos de formação continuada focando a educação sexual. Não podemos negar aos
estudantes informações e respostas às suas perguntas, pois a escola é um lócus privilegiado de
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, constatou-se que das quarenta e duas disciplinas obrigatórias que a UECE
oferta em seu currículo nenhuma trabalha com a temática de sexualidade ou como isso poderá
ser abordado na escola, o que não dá um suporte teórico ao graduando, fazendo com que este
mostre despreparo para lidar com o tema em sala de aula, e consequentemente, subsidiar os
alunos a esse respeito.
Ademais, entendemos a educação sexual como um desafio a ser alçado pelos
professores que trabalham diariamente com crianças de qualquer faixa etária. No entanto,
esperamos que esta temática seja abordada em sua complexa constituição, como elemento
inerente e à vida, logo, como algo imprescindível para a formação integral da criança.
Diante disso, defendemos a importância da inserção dos conteúdos sobre sexualidade
nos currículos de cursos de formação para que este profissional possa atuar de forma efetiva e
completa no espaço escolar. Além da família, a escola é uma instituição onde há a
necessidade de um trabalho educativo sobre sexualidade, mas, para que isso aconteça é
preciso que haja uma formação e conhecimento entre os educadores sobre a temática.
Não é por acaso que a abordagem da sexualidade humana nas escolas secundárias e
nas universidades ainda é um tópico pouco debatido. Não existe orientação, de modo
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAGA, Eliane Rose Maio. Sexualidade Infantil: uma investigação acerca da concepção das
educadoras de uma creche universitária sobre educação sexual. 2002. 195f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – UNESP, Assis.
__________________. A importância da formação de professores (as) na questão de gênero.
In: Educação no século XXI: Múltiplos desafios/ Sandra Regina Cassol Carbello, Sueli
Ribeiro Comar (organizadoras). Maringá: Eduem, 2009.
BRASIL. LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/ Lei nº. 9394, de
20/12/1996. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996
BONFIM, C. R de S. Educação Sexual e Formação de Professores de Ciências Biológicas:
contradições, limites e possibilidades. 2009. 272 f. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade
de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
CAMARGO, Ana Maria Faccioli de; RIBEIRO, Cláudia. Sexualidade (s) e Infância (s): A
sexualidade como um tema transversal. São Paulo: Editora da Universidade de Campinas,
1999.
COSTA, Adriano Henrique, JOCA, Alexandre Martins, LOIOLA, Luis Palhano. Desatando
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nós: fundamentos para a práxis educativa sobre gênero e diversidade sexual. In:______.
Educação escolarizada e diversidade sexual: problemas, conflitos e expectativas. Edições
UFC, 2009, p. 100.
LOURO, Guacira Lopes. Sexualidade: lições da escola. In.: MEYER, Dagmar Estermann
(Org.). Saúde e Sexualidade na escola. Porto Alegre: Mediação, (Cadernos Educação Básica
4), 1998, p. 85-96.
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INTRODUÇÃO
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Segundo Carvalho, Andrade e Menezes (2009), a sexualidade pode ser definida como
expressão de desejos e prazeres, envolvendo predisposições, preferências, experiências físicas
e de comportamento, orientadas a pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo ou de ambos os
sexos.
Embora inerente ao ser humano, a sexualidade muitas vezes é negada e silenciada em
diversos espaços da sociedade, não sendo diferente na escola, local onde muitas vezes
educadores, técnicos, pais, gestores etc. preferem não enxergar ou ouvir suas manifestações
no cotidiano escolar. Por outro lado, quando algumas vezes esses atores se veem impelidos a
admitir sua presença, que é natural, o posicionamento adotado é de repreensão ou mesmo de
repressão.
Contudo, apesar do posicionamento repressor de alguns educadores e técnicos, o tema
da sexualidade está na “ordem do dia” nas salas de aula e demais ambientes da escola.
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Os PCN também sugerem que o trabalho deve ser realizado em torno de três blocos ou
eixos norteadores: “corpo: matriz da sexualidade”, “prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis/Aids” e “relações de gênero” (BRASIL, 1998).
A partir dessa orientação, destacamos que há um avanço em relação às abordagens
propostas nas décadas anteriores, que eram unicamente focadas nas questões biológicas.
Assim, com o intuito de verificar se as orientações prescritas nos PCN de fato se efetivaram
nas salas de aula, um dos autores do presente texto realizou em 2001 uma pesquisa sobre a
abordagem da temática no ensino fundamental e mais de uma década depois da mesma
realizou nova pesquisa para ver os avanços e/ou retrocessos em relação aos resultados que
naquele momento foram encontrados. Trataremos sobre isso no próximo tópico.
Em 2001, em pesquisa realizada por um dos autores (SILVA; SILVA, 2001) com o
objetivo de investigar as formas de abordagens do tema Educação Sexual em duas escolas
privadas situadas em Olinda, Pernambuco. Foram aplicados questionários com questões
fechadas e abertas a estudantes e docentes. A amostra consistiu de sessenta e um alunos(as)
com idades entre os 11 e os 17 anos de duas turmas do 8º ano (37 da Escola A e 24 da Escola
B) e de duas professoras, cada uma responsável pela disciplina Ciências nas respectivas
escolas.
Os dados levantados nessa primeira investigação evidenciaram que a maioria dos
sujeitos (igualmente alunos e alunas) detinha algum conhecimento sobre a vivência da
sexualidade (embora ainda repleto de dúvidas, equívocos etc.), dentre eles a relação sexual e a
prevenção de gravidez, sendo o primeiro assunto de maior interesse dos rapazes (que
revelaram maior preocupação com sua performance sexual) e o segundo de interesse das
garotas (por receio de ficarem grávidas). A questão da diversidade sexual não foi contemplada
em nenhum momento.
Os conhecimentos dos(as) estudantes eram obtidos por meio de conversas com os(as)
colegas de faixa etária aproximada a sua; embora as alunas tenham revelado que também
procuravam informações e conselhos com a mãe ou madrasta e que buscavam informações
científicas sobre o tema (adquiridas na escola, por exemplo), enquanto poucos alunos do sexo
masculino tenham assinalado conversar sobre sexo com o pai ou padrasto (embora a maioria
tenham registrado que as famílias, em sua maioria , falava abertamente sobre sexo). Alguns
dos rapazes também indicaram uma maior valorização das informações adquiridas pela
experiência (dos colegas ou suas).
Em relação aos tópicos de menor interesse entre os(as) estudantes, os alunos
apontaram a prostituição e as alunas o orgasmo (provavelmente indício de uma sexualidade
feminina reprimida e voltada para a satisfação do outro e não de si) e as DST.
Quanto ao trabalho desenvolvido nas escolas, a maioria dos(as) estudantes
consideravam que a temática deveria ser discutida na sala de aula, embora os mais tímidos
tenham indicado que não gostavam da discussão do tema na escola.
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[...] uma das causas da resistência à adoção de propostas educacionais que abordem
a sexualidade segundo princípios do respeito à diversidade e da equidade é o
conflito entre os valores políticos e éticos inerentes a essas propostas e muitos dos
valores religiosos e morais, profundamente arraigados [...].
A outra professora, por sua vez, dizia que o trabalho era realizado em grupos de
discussão, inclusive indicando a importância de seguir as orientações dos PCN, ou seja, uma
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dezenove estudantes, embora a docente afirme que o mesmo é realizado durante as aulas de
Ciências ou quando aparece algum questionamento da turma.
Apesar dessa última colocação, as respostas da professora deixam evidentes que na
prática da sala de aula a temática só é abordada quando são estudados aparelho reprodutor
masculino e feminino (anatomia e fisiologia) e a prevenção de DSTS/AIDS. Ou seja, o foco
novamente recai especialmente sobre os aspectos biológicos, com um trabalho
predominantemente informativo através de aulas expositivas.
A docente reconhece a importância também de discutir outros temas, como sexo na
adolescência, prevenção da gravidez e a diversidade sexual, contudo não registra ter
trabalhado esses temas na escola. Inclusive, o último é apresentado como objeto de interesse
apenas por dois alunos do sexo masculino. Os demais, tanto garotas quanto garotos, não
consideram o tema importante, sendo que os últimos parecem mais resistentes ao discuti-lo,
talvez como estratégia do que Kimmel (1997) identifica como um esforço dos homens para
manter uma fachada varonil e afastar qualquer suspeita a sua virilidade.
Os temas que mais interessam aos rapazes são a relação sexual (posições,
desempenho) e a virgindade. Para as garotas os temas mais interessantes são prevenção da
gravidez e virgindade, o que aproxima esses resultados dos encontrados na pesquisa realizada
em 2001. Embora no presente a prevenção da gravidez seja também um dos temas mais
citados pelos alunos e as alunas também desejem discutir a relação sexual.
Tais dados nos parecem um avanço, pois revelam que os cuidados com a
anticoncepção no presente é mais partilhado por garotas e garotos, como também trazem
indício de uma sexualidade feminina mais ativa.
Quanto à busca de conhecimentos ou de esclarecimentos de dúvidas sobre a
sexualidade por parte dos(as) estudantes, os rapazes dizem buscar informações principalmente
com os colegas e a família, embora a internet e os vídeos pornôs sejam também muito citados.
Quanto às moças, a família é a principal fonte de informação e lugar de explicitação de
dúvidas, embora o namorado e as amigas sejam igualmente citados. A escola é pouco citada
pelos(as) estudantes, talvez pela ausência de um trabalho mais sistematizado sobre o tema.
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historiográficas, memória que também foi evidenciada em outras fontes como: diário de
classe, plano de trabalho, livros e fotografias.
Analisar as práticas da professora em evidência nos permitiu compreender aspectos da
história da educação da cidade de Bananeiras marcada pelos colégios existentes e as práticas
escolares, com características de uma cultura escolar da época, impregnada pelas questões de
gênero que definiam espaços e atitudes “adequadas” a homens e mulheres daquele contexto.
Além do mais, possibilitou conhecermos e ressignificarmos à história do Colégio Agrícola
Vidal de Negreiros, a partir do recorte temporal utilizado no presente trabalho.
Na organização deste estudo, o texto encontra-se sistematizado em dois momentos. No
primeiro, aborda-se o campo teórico utilizado e as fontes historiográficas que serviram de
subsídios para o desenvolvimento desse trabalho. No segundo momento registra-se a memória
da Educadora, enfatizando suas práticas docentes.
Destarte, com esse trabalho, objetivamos contribuir com os estudos que estão sendo
desenvolvidos no campo da História da Educação, acerca das práticas docentes de educadoras
paraibanas, registrando suas histórias a partir de suas memórias e, contribuindo, ao mesmo
tempo, para a escrita da história da educação local. Pensamos que a educadora do Curso de
Economia Rural Doméstica do CAVN, deu contribuição significativa através do seu trabalho
para a educação local, além disso, “contar as histórias das educadoras é insistir no
rompimento de um silêncio histórico que perdurou tempo demais” (MACHADO, SILVA,
NUNES, 2012, p. 08).
quando ela ainda se encontrava no ventre materno. Sua mãe, então, veio dar à luz na cidade de
Bananeiras, acolhida por quatros tias que lá residiam. Dado todo o processo de parto, Liana
ficou sob os cuidados das quatro tias que acolheram sua mãe.
As lembranças da sua infância são proferidas com lucidez pela educadora. Ela relata
que tinha sim convívio com outras crianças, que gostava muito de brincar de boneca, toca-
toca, academia, ioiô, de jogar pedrinhas, costurar roupas de bonecas, e, de cozinhar. Pelas
palavras da educadora observamos que as brincadeiras vivenciadas por ela, eram típicas de
brincadeiras de meninas, e não é de se estranhar, pois a cidade de Bananeiras também via na
mulher um ser pertencente ao âmbito privado. Nesse caso, brincadeiras teriam que envolver o
ambiente doméstico e familiar, reproduzir os papéis de uma sociedade na qual viam no
homem a figura principal da família e, em contrapartida, viam na mulher um ser que não deve
se afastar das lides domésticas. Nesse sentido, essas representações:
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pouco, e às vezes nem vinha nada, perdia tudo, fiquei assim por muito tempo até
ser admitida lá como funcionária. Era muito difícil a entrada ali, eu só consegui
porque a coordenadora era mocinha (clementina) na época, e como eu tinha esse
vínculo, assim de muita amizade, e era família e tudo, ela viu que eu precisava e
que eu tinha jeito pra parte de culinária, ai me levou pra lá [...] (LIANA
BARBOSA DA MATA, 05/03/2013).
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Figura 28: Foto de Liana Barbosa da Mata e suas alunas nas aulas de Arte Culinária
Fonte: Acervo particular do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros s/d.
O curso funcionava de segunda a sexta, mas o horário das aulas da Disciplina de Arte
Culinária era só pela manhã, e, atendia a um público numeroso como nos relata à
entrevistada. Todo o material para a prática das aulas era disponibilizado pelo Colégio
Agrícola, advindo de verbas federais.
A respeito do planejamento, se ela fazia ou não, a mesma relata que planejava sim
suas aulas, com as técnicas oferecidas à sua prática na época, como o Plano de Trabalho feito
pela Orientadora Clementina Coutinho e o livro Curso de Economia Doméstica, que davam
suporte as aulas de Arte e Culinária. Assim a respeito do planejamento e do procedimento das
aulas, relata que:
Eu fazia planejamento. Dava uma receita, passava para a aluna, copiava e depois
fazia a demonstração. A gente usava o livro ou qualquer receita boa que a gente
arranjava, que já conhecia, eu preferia fazer as que eu já conhecia, porque a gente
não tinha acesso a toda qualidade de material, não tinha, só tinha o que já tivesse
no almoxarifado, manteiga, ovos, farinha de trigo, coisas mais comuns. Todas
faziam as receitas, todas deixavam a cozinha limpa, não deixava nada sujo. Tinha
também uma frequência, fazia um caderninho e colocava a frequência delas
(LIANA BARBOSA DA MATA, 10/04/2013).
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fatores podiam ser uns dos motivos que explicam todas aquelas repetições de aulas.
Observamos que Liana pouco seguia os pressupostos do livro, tal qual estava exposto
nele, mas tentava nas rotinas de suas aulas discutir a organização do material, o lugar onde
ficavam guardados os mantimentos, a arrumação da cozinha ao término das aulas, e as
receitas eram estudadas antes de serem preparadas. Enfatizamos aqui, que a educadora não
fez o magistério, por esse motivo não tinha uma formação docente de como proceder
metodologicamente em uma sala de aula, justificando assim, sua falta de planejamento
sistematizado.
Com o tempo, o curso foi perdendo seu espaço decorrente de vários fatores. A
Disciplina Arte Culinária, por exemplo, foi sendo extinta aos poucos por falta de material
para as aulas práticas. Com a falta de verbas, a aposentadoria da maioria das educadoras, e
principalmente a falta de interesse da instituição em dar continuidade ao Curso, ele foi sendo
extinto aos poucos. O que restou foram umas alunas que trabalharam na Técnica de Couro
com Liana e que deram certa continuidade ao Curso, mas não dentro da instituição, e sim em
um anexo cedido pela Prefeitura de Bananeiras na cidade.
Liana deu entrada na aposentadoria em 1981, com deferimento em 1983. Após isso,
não exerceu mais nenhuma função trabalhista, ficando reservada em sua residência. A
educadora teve grande importância na educação local daquele município, e, foi significativa
sua contribuição para o curso de Economia Doméstica do Colégio Agrícola Vidal de
Negreiros em Bananeiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Beltrão [et al] Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 1990.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-
estruturalista – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
MACHADO, Charliton José dos Santos; SILVA, Fabiana Sena da; NUNES, Maria Lúcia da
Silva. Maria José Mamede Galvão: tessituras de memórias. João Pessoa: Editora da UFPB,
2012.
PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira. As novas abordagens no campo da história da
Educação Brasileira. In: PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira; XAVIER, Libânia;
TAMBARA, Elomar;. (Orgs.). História da Educação no Brasil: matrizes interpretativas,
abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. Vitória: EDUFES,
2011.
REIS, José Carlos. Escola dos Annales: a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra,
2000.
WERLE, Flávia Obino Corrêa; ESQUISANI, Rosimar Serena. Cursos de formação de
1069
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Fontes orais
Liana Barbosa da Mata. Entrevista concedida a Wanderléia Farias Santos. Bananeiras - PB,
09 de novembro de 2012.
_____________________. Entrevista concedida a Wanderléia Farias Santos. Bananeiras - PB,
20 de fevereiro de 2013.
____________________. Entrevista concedida a Wanderléia Farias Santos. Bananeiras - PB,
05 de março de 2013.
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INTRODUÇÃO
365
Mestranda 2014 da UFPA, bolsista CAPES; integrante do grupo de pesquisa PHILIA – Filosofia, Linguagem
e Alteridade na Educação –UFPA.
366
Doutora em educação pela UFRGS. Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) vinculada aos
Programas PPGED/UFPA, PPGEDUC/UFPA, PPEB/UFPA. Coordenadora do Grupo de Pesquisa PHILIA –
Filosofia, Linguagem e Alteridade na Educação.
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Sobre o termo, e dialogando com Souza (2007, p.2), pensamos com base em uma
visão teórica e historiográfica dos Estudos Culturais, não como área de conhecimento
fechada, hierarquizada e com princípios fixos, mas como um campo aberto às continuidades,
às descontinuidades, à concentração e à dispersão. Esse grande jogo interpretativo instiga a
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Um caminho de dispersão que pode ser feito da matéria dos sonhos, da escolha de ir
e vir, do nosso corpo e espírito. Esse movimento dos entre-lugares, sobretudo intersticial,
está relacionado com a diferença, diferença que buscaremos ler por novas lentes teóricas
capazes de repensar os caminhos de um currículo e uma educação atentas às questões das
diferenças de gênero e sexualidade como um dos recortes de suas tramas e produções.
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currículo na perspectiva da diferença. O que leva a pensar, a partir de Bhabha (2013, p. 20),
os entre-lugares como um, “[...] terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação –
singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de
colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade”.
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As questões que ora nos instigam são: De que modo o conceito de entre-lugares,
desenvolvido por autores dos Estudos Culturais, permeia a produção de diferenças de
gênero/sexualidade no Curso de Pedagogia? Que entre-lugares a diferença ocupa nos jogos de
poder-saber que configuram seu processo de (in)visibilização no campo curricular? Por meio
de quais desdobramentos ou ressonâncias é possível pensar um currículo na perspectiva da
diferença?
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Embora tendamos sempre a classificar como “diferente” aquilo que é exterior a nós,
nossa própria constituição também é composta pelo outro que, ao mesmo tempo, é
interno e externo a nós. No entanto, esse [nosso] outro muitas vezes nos causa
estranheza e perplexidade diante da ‘norma’, e, então fazemos questão de ocultá-lo,
reprimi-lo sob o risco de vivermos “marcados” pela sombra da “diferença”.
(COSTA, 2002, p. 42).
O estudo da Diferença, para Costa (2002, p. 44), demonstra que “atualmente as
discussões e polêmicas em torno da diferença estão muito mais evidenciadas em diversos
campos de estudo e acredita-se que uma das coisas a fazer é ousar esbarrar nos limites e
fronteiras desse terreno, movidos pelo sonho de inventar e produzir outras escritas” abertas à
perspectiva de pensar “uma política e uma poética da diferença” que ultrapasse os cânones do
conhecimento e as fronteiras da benevolência social por meio da “subversão de certas práticas
historicamente naturalizadas no cotidiano de nossas atividades sociais, educativas, culturais,
profissionais”. Diante disto, consideramos que o currículo é marcado por diferenças de
gênero/sexualidade, pois a diferença está presente em todos os aspectos da vida, uma vez que
é parte constitutiva da cultura.
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certamente são concepções diferentes entre as quais esses sujeitos se movimentam e que
forjam seus entre-lugares no curso da formação.
As entrevistas com os discentes poderão nos mostrar o quanto a pós-modernidade
circula pelos porões367 dos nossos pensamentos no campo do conhecimento, em especial na
academia, subjetivando esses sujeitos a produzir conhecimento e a debater os entre-lugares da
diferença no contexto contemporâneo. As entrevistas foram realizadas por meio de conversas
livres ou diálogos, com base nos estudos pós-críticos, objetivando analisar as teias discursivas
produtoras dos entre-lugares da diferença de gênero/sexualidade no currículo do Curso de
Pedagogia da UFPA-Belém.
Foucault (2004, p. 180) enfaticamente assinala que:
A crítica consiste em desentocar o pensamento e em ensaiar a mudança; mostrar que
as coisas não são tão evidentes quanto se crê; fazer de forma que isso que se aceita
como vigente em si não o seja mais em si. Fazer a crítica é tornar difíceis os gestos
fáceis demais. Nessas condições, a crítica – e a crítica radical – é absolutamente
indispensável para qualquer transformação.
367
Veiga-Neto (2013).
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Além de tudo que já dissemos até aqui, podemos mais uma vez explicitar que esse
não é um assunto tão simples assim. Afinal, as diversidades, no geral, não são tomadas como
algo harmonioso, tomam a forma de conflito, lutos, lutas. Há uma espécie de resistência ao
diferente.
[...] um eu que pensa igual, acredita nos mesmos deuses, vive de modo “estável” e,
de repente, percebe que existe um outro que não compartilha das mesmas crenças.
Esse contato com que se mostra de modo distinto do padrão ocorre, em geral, de
modo turbulento: perturba e ameaça a desintegrar a identidade “estável” da
sociedade do eu. (MELLO E KRONBAUER, 2008, p.36).
Os debates tecidos sobre a problemática da Diferença de gênero/sexualidade de forma
autônoma vêm ganhando uma maior proporção em fóruns, seminários, grupos de pesquisa e
apontam que não se trata de uma questão simples. Em verdade, a perspectiva pós-crítica em
educação, recebe influências da chamada “virada linguística, e ou ontológica”, da “filosofia
da diferença” que desde algum período obteve espaço em debates e pesquisas, em especial na
pós-graduação stricto sensu, com a influência do pós-modernismo, do pós-estruturalismo, da
teoria Queer, em especial nesta pesquisa, dos Estudos Culturais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Esse trabalho foi realizado mediante uma pesquisa qualitativa (NEVES, 1996), que
objetivou tomar conhecimento das compreensões de docentes da Educação Básica pública
municipal de Fortaleza-Ce acerca da temática gênero e diversidade sexual na escola.
Enfatiza-se o modo que o fazer pedagógico fundamentado na diversidade é interpretado e
trabalhado em sala de aula. A investigação apoia-se no estudo de caso de 03 (três) professores
da Escola Municipal Professor Francisco Maurício de Mattos Dourado. Ambos os sujeitos
foram selecionados aleatoriamente.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
A atual Constituição Federal Brasileira foi promulgada em 1988. De acordo com esse
documento, é assegurado a todos, o direito à educação formal. Conforme explicitado em seu
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artigo 6°, devem ser garantidas pelo Estado, as condições necessárias para o acesso e a
permanência do indivíduo no ambiente educacional. Entretanto, pesquisas recentes mostram
que grupos específicos tem se afastado de maneira alarmante dos bancos escolares.
Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBTs) compõem outro grupo
populacional que tem seu direito fundamental à educação violado com, igualmente,
altas taxas de evasão escolar. (...) pesquisas qualitativas sinalizam a recorrência com
que a exclusão escolar aparece nas trajetórias de vidas das pessoas GLBT e são
sempre associados ao ódio e violência perpetrados contra essa população dentro do
ambiente escolar. As pessoas que não se submetem aos padrões de feminilidade,
masculinidade e orientações sexuais encarados como normais, a partir da ótica dos
padrões sociais dominantes, são reiteradamente expostas, no ambiente escolar, a
violação de direitos, agressões físicas e verbais e discriminação de todo tipo. Suas
diferenças convertem-se em reais desigualdades (ARANTES, 2015, p. 02).
bullyng dos colegas. Já havia se tornado comum ouvir os outros alunos o chamar de
“mulherzinha”, “gayzinho” ou algo relacionado. Certa vez, o garoto relatou para a professora
que se sentia incomodado com aquela situação e sugeriu que a mesma conversasse com os
colegas. A professora apenas se pronunciou da seguinte maneira para a turma: “Gente, vamos
parar de apelidar o Átila, senão todos irão ficar sem recreio”. Como já era esperado, o
menino continuou sofrendo bullyng frequentemente. Em outra situação, um aluno da turma
disse: “Átila para com essas tuas “frescuras”, anda direito, fala direito! Faz é vergonha.”
Dessa vez, a professora estava presente. Mas também não discutiu aquela cena. Só falou que
cada pessoa é diferente umas das outras, sem mencionar em nenhum momento, a diversidade
sexual e/ou de gênero.
Esse relato de experiência nos permite evidenciar o quão grave pode ser, quando o
educador ignora manifestações de preconceito. Se o professor não discute, nem problematiza
essas situações, ele deixa transparecer que consente e permite que tais atitudes voltem a
ocorrer. Portanto, a forma como o docente lida com esses acontecimentos, que inclusive, são
graves e merecem mais atenção pelos sistemas de ensino, colabora para moldar a identidade
dos estudantes.
O processo de ocultamento de determinados sujeitos pode ser flagrantemente
ilustrado pelo silenciamento da escola em relação aos/às homossexuais. [...] De certa
forma, o silenciamento parece ter por fim “eliminar” esses sujeitos, ou, pelo menos,
evitar que os alunos e as alunas “normais” os/as conheçam e possam desejá-los/as. A
negação e a ausência aparecem, nesse caso, como uma espécie da garantia da
“norma”. (LOURO, 2001, p. 89).
A escola não deve omitir o seu papel na formação moral dos futuros cidadãos. É
evidente que a sexualidade está, e sempre esteve presente no âmbito educacional, mas nunca
foi encarada como deveria. Ela é mascarada ou simplesmente ignorada pelos envolvidos que
visam padronizar os comportamentos considerados “normais” e acabam deixando excluídos
os que não se enquadram nesse perfil. O seguinte relato de D3 nos permite refletir tais
colocações:
“Uma vez eu vi um menino de uns 12 anos sendo agredido verbalmente pelos
outros. Isso foi em outra escola que eu trabalhei. Eu ia passando e tinha uma roda
de garotos e outro no meio dela. E os de fora ficavam gritando palavras como
“bambi”; “filhinho da mamãe”, “veadinho” só porque esse menino tinha um jeito
mais afeminado, entende? E eu só cheguei lá, disse para eles pararem com aquilo e
pronto. Não conversei nem nada, coisa que eu deveria ter feito. Isso deve ter
continuado acontecendo, não sei ao certo porque eu saí dessa escola logo depois
disso.”
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Tratar a diversidade sexual é de fato, muito delicado. Mas essa não é tarefa somente
de uma disciplina ou de um professor, é de todos os educadores que em meio a sua prática,
tornem viáveis discussões que muitas vezes, partem do próprio interesse ou conflito entre os
alunos.
O profissional que se responsabiliza por esse trabalho pode ser um professor de
qualquer matéria ou educador com outra função na escola. O importante é que seja
alguém que tenha bom contato com os alunos e, portanto, um interlocutor confiável
e significativo para acolher as expectativas, opiniões e dúvidas, além de ser capaz de
conduzir debates sem impor suas opiniões. [...] Importa é que tenha interesse e
disponibilidade para esse trabalho, assim como flexibilidade e disposição pessoal
para conhecer e questionar seus próprios valores, respeitando a diversidade dos
valores atribuídos à sexualidade na sociedade atual. (PARÂMETROS
CURICULARES NACIONAIS, 1997, p. 331-332).
A escola precisa reservar no currículo, um espaço para discutir gênero e sexualidade
na perspectiva do respeito mediante temas transversais (CEPESC, 2009). É indispensável a
atuação dos espaços escolares para cessar o preconceito, pois, conforme o relato de duas
educadoras, a escola não vem sendo capaz de contribuir para reduzir ações preconceituosas no
que tange às diferentes orientações sexuais:
“Eu mesma não falo sobre isso. Imagine quantos professores pelo Brasil inteiro se
comportam igual a mim... Isso é muito grave. A gente precisa fazer alguma coisa,
disso eu sei, mas eu não sei como fazer, porque eu acho que os meus horários em
sala já são muito curtos.” –D1
“As escolas ainda estão muito longe de conseguir trabalhar com direitos e deveres
do jeito que precisamos. É por isso que a gente vive num mundo desse jeito, com
pessoas tão intolerantes umas com as outras. Se a escola se preocupasse mais com
essas questões, certamente não ia acabar com o preconceito e discriminação, mas
eu tenho a plena certeza que iria diminuir muito.” –D3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho teve como escopo compreender como a temática referente à
diversidade sexual e gêneros encontram-se abordadas no âmbito da Educação Básica,
ressaltando o entendimento dos professores acerca das potencialidades das suas práticas
docentes no tocante à formação do educando. A partir das entrevistas desenvolvidas, apurou-
se que há reconhecimento da diversidade sexual e de gêneros tanto pelos professores quanto
pelos educandos. No entanto, embora sejam recorrentes as situações de discriminação em
decorrência da intolerância às diferenças no ambiente escolar, os professores geralmente
optam pelo silêncio, posicionamento que fortalece o preconceito. A começar, alguns
educadores afirmam não julgar necessário discutir gênero e/ou sexualidade em sala de aula,
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pois, na concepção dos mesmos, esse é um assunto em que os alunos já vivenciam em suas
práticas sociais cotidianas e não necessita de aprofundamento na escola. Por outro lado,
quando o educador se empenha em conduzir tais questionamentos para a sala de aula, depara-
se com a dificuldade de reservar tempo para debate, uma vez que a carga horária do currículo
formal já se encontra preenchida por conteúdos de disciplinas consideradas de “maior
importância”.
Evidencia-se que os educadores, mesmo estando cientes que suas posturas refletem
diretamente na formação dos alunos, continuam fazendo “vista grossa” quando se deparam
diante de episódios de discriminação pelo fato do aluno não seguir o padrão sexual
considerado “normal” socialmente. Conforme discutido, um professor que presencia uma
situação de bullyng e não investe em discussões construtivas referentes ao ato, colabora para
que essa atitude continue a acontecer e dissemina a ideia de que aquela é uma postura correta,
deixando de lado assim, a formação em valores humanos. São situações como essas que
colaboram para a evasão de um grupo específico (gays, lésbicas, homossexuais, etc.) dos
bancos escolares. A partir desse estudo de caso, podemos inferir que as escolas ainda estão
muito distantes de abordar a formação moral e em direitos humanos nos seus currículos,
sempre preenchido por conteúdos prontos e pré-estabelecidos. Nesse âmbito, se faz necessário
um olhar mais atento acerca de tais abordagens pelos sistemas de ensino para que se possa
fazer acontecer na prática, a educação que tanto se discute e é proposta pelas leis que regem o
ensino formal: a educação de qualidade para todos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Fábio. Gênero e diversidade sexual nas escolas: Uma questão de direitos
humanos. Carta Capital. Jul. 2015. Disponível em: <https//:
cartacapital.com.br/sociedadegêneroediversidadesexual-nas-escolas-uma-questão-de-direitos-
humanos-6727html>. Acesso em: 15. Ago. 2015.
BENEVIDES. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos,
2000.
BRAGON, Rayder. Falar de diversidade é visto como ensinar a ser gay, diz docente. Uol
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INTRODUÇÃO
Os Estudos Culturais tem sido um campo bastante profícuo que tem nos permitido
adentrar em um território de possibilidades, principalmente quando nos propomos as
abordagens das práticas educacionais e políticas culturais que envolvam o debate e a
promoção da equidade de gênero e da diversidade sexual no universo da sala de aula,
território de investigação cada vez mais explorado, visto as necessidades e urgências de
atuação no mundo contemporâneo, a crítica política e cultural como ponto fulcral do debate
sobre o que almejamos para a comunidade global. Sim, porque as culturas se configuram
“como processos que tanto separam quanto unem” (FROW e MORRIS, 2006, p. 317), capaz
de “questionar as noções totalizadoras da cultura que pressupõe que, ao final dos processos
culturais, está a conquista de toda uma ‘sociedade’ ou ‘comunidade’ coerente” (idem, p. 317),
que também seja capaz de aniquilar as desigualdades de gênero, étnico-racial e sexual e outras
formas correlatas de preconceito, discriminação e opressão.
368
Professora da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG, Centro de Formação de Professores/CFP,
Campus de Cajazeiras; membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígena e de Gênero/NEABIG/UFCG/;
e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Informação, Educação e Relações Etnicorraciais/NEPIERE/
/UFPB.
369
Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da
Paraíba/UFPB e membro colaboradora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígena e de Gênero/NEABIG
da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG.
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Podemos dizer que tais questões, pensando na nossa realidade educacional, não
podem de modo algum ficar fora do debate, sobremaneira quando nos referimos aos cursos de
formação de professores/as que, ao nosso entendimento apresentam-se como lugar oportuno
para travarmos tais discussões do ponto de vista teórico e prático, visto que a teoria precisa
fazer sentido na prática dos sujeitos, ser uma pedagogia da práxis que envolva a vida e as
relações humanas. É preciso vencer as amarras das teorias engessadas que em “nosso modelo
teórico praticamente não nos permiti pensar o plural de sistemas interrelacionados”
(CERTEAU, 1995, p. 191) e, desatar o nó da política universalista que não contempla a
diversidade, a diferença e as políticas plurais.
Doutro modo, não podemos esquecer que as resistências são muitas, mas a vontade
de enfrentar tal desafio em um terreno de disputadas tem sido ainda mais latente, abandonar o
debate ou fazer de conta que as relações desiguais de poder entre os gênero não existem é
parte de uma visão ingênua sobre o que historicamente, socialmente e culturalmente temos
presenciado ao longo da vida, seja estampada nas mídias locais, nacionais e internacionais,
seja na casa do vizinho, nas nossas próprias casas, quando não no espaço profissional, na vida
política e nos mais diversos campos de existência e atuação entre mulheres e homens. Na
verdade, este é um campo de batalha onde a guerra travada é pela igualdade – de acesso,
modos de ser, estar, agir, outros –, pela equidade de gênero e respeito as diferenças.
Atuar na educação superior traz-nos a possibilidade de entender melhor os anseios
sociais e culturais que nos circundam e sua emersão a partir de realidades múltiplas. Isto
possibilita construir novas discussões em sala de aula que conduzam ao desenvolver de
práticas educacionais e políticas culturais inclusivas, que gerem o fomentar de novas ideias
sobre temas ainda considerados polêmicos mas não menos desafiante, que provoca uma
tomada de posição frente a realidades em que estamos inseridos(as) socioculturalmente.
Tomar uma posição de sujeito no mundo revela o quanto somos interpelados por outros
sujeitos em uma relação intersubjetiva constante e dinâmica.
Nas relações de gênero, a dominação masculina ainda tem sido bastante presente, o
campo fértil para essa dominação é preparado desde a infância até a fase adulta, quando pai
e/ou mãe estabelecem para suas crianças o que podem e o que não podem, identificando,
classificando e hierarquizando os gêneros, isto é, o que é permitido para meninas e meninos
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no contexto da vida privada. Da mesma forma, no exercício do seu trabalho, muitas mulheres
para serem reconhecidas parecem ‘masculinizarem-se’, trajam roupas mais masculinas que
femininas, empostam mais a voz do que o habitual, adotam trejeitos mais rígidos. Isto
significa também dizer, que um homem não pode adotar uma postura mais suave, ter uma
atitude mais acolhedora, e menos ainda, nascer com um timbre vocal menos encorpado e
grave, sentar com pernas cruzadas, e tantos outros exemplos que poderíamos aqui citar de
ambos os lados.
Onde estes estereótipos estão nos levando? E de onde advém? Não seriam fruto de
uma visão fortemente marcada pela cultura androcêntrica, onde a representação de ser
humano é masculina e qualquer elemento que fuja ao padrão masculino estabelecido são os
outros, diferentes e considerados supostamente “inferiores”? (WOODWARD, 2012;
HALL,2012).
Estes estereótipos ainda estão firmemente arraigados em nosso cotidiano,
pensamento, palavras e atitudes. Mas, o mais estarrecedor é que as coisas que são ditas,
apreendidas no mundo da vida privada ganham espaço na esfera pública, isto faz com que as
fronteiras entre o público e o privado comecem a se confundir, pois a dominação masculina
vai tomando corpo ainda na criança, passando pela adolescência, atravessando a juventude e
enraizando-se na fase adulta dos indivíduos, sejam homens ou mulheres. Certamente, esta
reflexão incomoda há muitas pessoas, mas, o fato é que, este exercício reflexivo ao qual nos
permitimos preexiste a nós e, embora já tenha sido amplamente visitado, precisa manter-se
vivo e forte, haja visto que muitas barreiras de insurgência de gênero permanecem fincadas
socialmente.
Como estamos incluídos, como homem ou mulher, no próprio objeto que nos
esforçamos por apreender, incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de
percepção e de apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina; arriscamo-
nos, pois, a recorrer, para pensar a dominação masculina, a modos de pensamento
que são eles próprios produto da dominação. Não podemos esperar sair deste círculo
se não encontramos uma estratégia prática para efetivar uma objetivação do sujeito
da objetivação científica. (BOURDIEU, 2011, p. 13).
LINHAS METODOLÓGICAS
Neste sentido, este artigo tem como objetivo refletir sobre a necessidade de discutir
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30 a 39 anos 03 0
Total 18 11
Tabela 1 - Categoria Idade, Sexo e Curso/Graduação
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02 17/20 Pedag.
Medo/Fobia/ Pavor/ 02 20/23 Geog.
02 18/23 Geog.
21/22 Geog. 2
Sexo Femi. 07 17 Letras 02
Preconceito 19/31 Pedag.03
Hist.01
Sexo Masc. 04 19 Pedag.01
22/26 Letras02
20/34 Geog.02
Sexo Femi. 03 21 Pedag.01
Distúrbio de Raiva/ Agressividade/Violência Sexo Masc. 01 20 Quím.01
Importa mencionar que a subcategoria que mais teve respostas foi a Preconceito. Isto
nos demonstra que nossos/as alunos/as compreende a homofobia como um ato de preconceito.
Segundo Junqueira (2009, p. 13)
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05 Geog. 03
Letras 02
Contrários/as 04 Geog. 01
Hist. 01
Letras 02
Indecisos/as 02 Geog. 02
06 Geog. 04
Pedag. 02
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, os resultados estão aportados em análises e reflexões sobre as questões que
envolvem o debate e a promoção da equidade de gênero e da diversidade sexual, buscando
caminhos para tratar mais aberta e avidamente tais temáticas no campo da educação,
compreendendo-os como condição imprescindível para educadores/as deste século XXI. Para
Foucault (1989) falar de sexo é uma questão também política. Isto nos remete ao início deste
artigo, quando dissemos que as bases da construção do mesmo também estão pautadas nas
aulas ministradas no Campus, a partir das disciplinas citadas. Nestas, foi possível quanto
necessitamos formar para uma perspectiva humana de igualdade uma pedagogia da práxis que
faça sentido para os sujeitos.
Assim,
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Esse artigo tem como objetivo discutir um pouco sobre a educação sexista nas escolas,
a partir do sistema patriarcal, onde nessa sociedade são destinados papeis sociais
diferenciados para ambos os sexos e muitas vezes essas funções são naturalizadas. No
primeiro momento iremos discorrer sobre Gênero e Diversidade na Escola, conceituando
gênero segundo a autora Saffioti, onde sabemos que gênero é algo socialmente construído, e
que a criança pode escolher ser menino ou menina, e desenvolver atividades pelas quais mais
se identifica independente do seu sexo. Considerando o papel da escola e da família, como
instituição que tem o poder de transformação desses sujeitos e muitas vezes, a primeira
instituição tem contribuído bastante para a produção e reprodução de uma educação sexista,
uma vez que dentro desses espaços, são inúmeros desafios que a criança tende a enfrentar
quando seu padrão de comportamento não esta dentro da heteronormativo. Logo em seguida,
iremos destacar sobre o sistema patriarcal, onde podemos considerar como base e fundamento
para uma educação sexista, homofóbica, conservadora e racista que tem contribuído para
negação de direitos e produtor de violação e violência. E por ultimo será enfatizado a respeito
da educação sexista no espaço escolar, onde neste espaço são manifestadas relações humanas
desrespeitosas frente às diferenças e diversidades humanas, e esta educação sexista são
manifestas nas brincadeiras, nos espaços, nos livros didáticos, no julgamento de valores,
370 Graduada em Pedagogia e docente da Rede de Ensino Municipal em Mossoró, especialista em educação e
graduanda em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN.
(marcia_rejanefasso2013@hotmail.com.br).
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SISTEMA PATRIARCADO
A relação de gênero está bastante coadunada ao sistema patriarcal, porém sabemos que
a discursão do patriarcado é bastante recente com relação à questão de gênero, uma vez que o
patriarcado transgredi a igualdade entre gênero, partindo dessa feita com atitudes produtora e
reprodutora de violação de direitos e violência. É fato que muitas mulheres são vitimas de
violência, seja física, verbal, sexual, psicológica, violência financeira, e a violência de gênero,
onde esta ultima tem sido bastante frequente nos espaços escolares, são condutas que tendem
a causar sofrimento físico, psicológico ou sexual, inclusive danos materiais e esta violência
acontece tanto no âmbito privado como no espaço publico.
De acordo com Engels, o desmoronamento do direito materno foi à grande derrota do
sexo feminino em todo o mundo, a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em
escrava da luxúria do homem em simples instrumento de reprodução.
Vale salientar que o patriarcado se configura com o processo histórico do capitalismo,
sendo o homem, historicamente falando, “o provedor do lar” este era merecedor de obediência
e controle sobre o corpo da mulher. E é fato que o patriarcado se configura de diversas
maneiras, inclusive com expressões de dominação e opressão sobre as mulheres, onde por
muitas vezes ouvimos relatos de culpabilizar a mãe pelo “mau comportamento do filho”,
quando “a criança vem suja” para escola e quando não fazem as tarefas de casa, é como a
responsabilidade da educação da criança fosse só papel da mãe, omitindo assim a
responsabilidade do pai.
meio dos gestos, da linguagem, dos livros, dos espaços arquitetônicos, que de certa forma,
acaba por distanciar os meninos das meninas, reforçando as diferenças e desfavorecendo a
igualdade de gênero.
Diante da experiência vivenciada no contexto escolar, podemos perceber o quanto a
escola é reprodutora e produtora de uma educação sexista, tendo em vista que, os próprios
educadores, conscientes ou não, estão a reproduzir essa relação de preconceito entre o que é
ser menino e menina, uma vez que, as crianças de 0 á 5 anos ainda não fazem distinção do que
é o ser menino e menina, o que mostra cada vez mais a contradição existente em naturalizar as
desigualdades entre as meninas e meninos.
Tal atitude faz com que a própria escola produza certa rivalidade entres os sexos, onde
podemos perceber quando a escola cria espaços e também brincadeiras diferenciadas para
ambos. Uma vez havendo essa distinção do que pode ser atividade de menino e de menina,
esse espaço escolar está reprimindo e controlando aqueles sujeitos que possui identidade de
gênero oposto ao que a sociedade heteronormativo impõe.
Para Guacira Louro (1997) “A escola delimita espaço. (...) ela afirma o que cada um
pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui”. (P. 61).
No entanto, esse espaço tem contribuído para segregar sujeitos envolvidos nesse
processo educacional, onde muitas vezes limita as crianças de expressar os seus anseios e sua
necessidade, pois meramente contribui para seguir determinados padrões estabelecidos.
Nessa perspectiva, destaca Cisne:
Assim, desde a infância, meninos e meninas recebem uma educação sexista, ou seja,
aquela que não apenas diferencia os gêneros, mas educa homens e mulheres de
forma desigual. Para isso, o sistema patriarcal conta com algumas instituições na
difusão da sua ideologia, das quais destacamos a família, a igreja e a escola.
Meninas são educadas para lavar, cozinhar, passar, cuidar dos filhos(as) e do
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maridos e serem submissas, passivas e tímidas. Meninos são educados para serem
fortes, valentes, decididos e provedores. (apud QUEIROZ, RUSSO, GURGEL,
2012, P. 160).
As meninas não podem jogar futebol, que é taxada como “macheira”, o menino não
pode usar a cor rosa, pois é “menininha”, “é coisa de menino ser valente”, “sente com as
pernas fechadas, você já está uma mocinha”. É como a liberdade fosse privilégios do sexo
masculino e as meninas tende a serem mais reservadas. São situações como essa que são
colocadas no nosso cotidiano escolar, situações meramente machista, homofóbica e sexista e
que sabemos que por trás dessas situações, tem um sistema patriarcal envolvente e
impregnado nas pessoas que tendem a se reproduzir.
Todos os fatos anteriormente discutidos tendem a inibir a liberdade do menino e da
menina a irem à busca dos seus desejos, privando-os de seguir as suas escolhas. Porém
sabemos que existem educadores com práticas que rompa com as determinações impostas
pela sociedade, que transgride as ações estabelecidas, reagem a essa pratica sexista e busca
legitimar uma educação não sexista, comprometida com o outro, que respeita as diferenças e
que busca romper com qualquer tipo de atitude que venha a comprometer e ferir a integridade
humana. Portanto,
Destarte, acreditamos no poder que a educação tem na construção dos sujeitos e que
essas mudanças venham contemplar a dignidade de todas as pessoas independente da sua
sexualidade. Conforme relata o caderno da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade (SECAD):
Essa exclusão citada parte de que, quando os sujeitos fogem dos padrões e regras
estabelecidos socialmente, de certa forma, irão se sentirem excluídos e porque não dizer que
são excluídos, não por sua vontade e não por não aceitarem a si próprios, mas porque a
sociedade não aceita a diferença e muito menos respeita os sujeitos, mas oprimem. Por muitas
vezes ouvir chingamentos e cochichos nos corredores dos espaços escolares, com relação à
pessoa gay, dizendo que não são “sérias”, “sem futuro”, "essa menina é uma sapatão pura”,
“ajeite esse andado menino”. Relatos totalmente homofóbicos, sexistas, discriminatórios e
excludentes que tendem a levar os sujeitos agredidos a se evadirem do espaço que poderia ser
de acolher e torna um espaço opressor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Debater sobre gênero no espaço escolar nos levar a refletir cotidianamente a respeito da
atuação profissional enquanto professora das Series Iniciais, tendo em vista o quanto podemos
levar os (as) discentes a refletirem sobre a formação que os (as) mesmos (as) estão tendo a
respeito de gênero, uma vez esses sujeitos inseridos numa sociedade homofóbica, sexista, racista e
conservadora, precisa de uma educação que venha a romper com o preconceito de gênero,
desnaturalizando todas as formas de opressão sofrida pela mulher, enquanto explorada e oprimida
nessa sociedade.
Portanto, precisamos lutar cotidianamente contra o patriarcado, e são nesses espaços onde
tem se produzido e reproduzido diferentes formas de opressão e exploração contra as pessoas e
em especial as mulheres que são vitimas desse sistema dominador e opressor, rompendo com isso,
a hierarquia que existe entre o homem e a mulher. Sabemos o quanto é desafiador lutar contra
essa Educação Sexista na escola, pois sabemos que inúmeras categorias se opõem ao debate sobre
a questão de gênero, usando argumentos religiosos, com essência meramente sexista, homofóbica
e conservadora.
É importante que esse debate possa ser ampliado no espaço escolar e em especial na grade
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curricular do curso de formação, para que os futuros educadores possam está preparado para
debater esse tema, com mais profundidade e principalmente que venha contribuir para uma
educação que respeite a diversidade humana, garantindo o direito à educação de qualidade que é
assegurado na constituição.
Destarte, essa analise que foi feita é para que possamos compreender que a educação
sexista precisa ser rompida, pois são formas de segregar sujeitos assim como aumentar cada
vez mais violência contra a mulher. A escola precisa ser espaço que possibilite construção de
relações igualitárias, que venha respeitar e garantir direitos básicos a todos (as) cidadãos (ãs),
independente da classe social, gênero e etnia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CISNE, Mirla. Gênero e patriarcado: uma relação necessária para o feminismo. In:
QUEIROZ, Fernanda. RUSSO, Gláucia. e GURGEL, Telma. (Orgs.) Políticas Sociais,
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MARINHO, Z. (orgs). Educação, saberes e práticas no oeste potiguar. Fortaleza, UFC,
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HENRIQUES, Ricardo. Et al. (Orgs.). Cadernos SECAD 4: GENERO E DIVERSIDDAE
SEXUAL NA ESCOLA: Reconhecer diferenças e superar preconceitos. Brasília/ DF: MEC,
2007. Disponível em: http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_cad4_gen_div_prec.pdf
LAIZO, Denise. Você sabe qual é a origem da opressão da mulher? Blog Feminismo sem
Demagogia Original, Disponível em:
https://feminismosemdemagogia.wordpress.com/2013/06/29/voce-sabe-a-origem-da-
opressao-da-mulher-dica-de-leitura-a-origem-da-familia-da-propriedade-privada-e-do-estado/.
Acessado 13 de outubro 2015.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero Sexualidade e Educação: Uma perspectiva pós-
estruturalista-Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. Edição 6°.
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INTRODUÇÃO
Sou professora efetiva nas redes estadual e municipal de São Paulo da disciplina de
Educação Física, em regime de acumulação de cargos públicos. No cotidiano do trabalho,
tenho observado e inquieta-me muito o quanto os discursos e práticas pedagógicas dos
docentes parecem convergir para um léxico comum na expectativa de que os/as alunos/as
vivenciem masculinidades e feminilidades a partir de modelos heteronormativos. Também
tenho observado na minha atuação docente que os/as alunos/as das diversas faixas etárias e
tipos de ensino recusam-se a vivenciar, nas aulas práticas, manifestações corporais tidas como
masculinas e/ou femininas pela sociedade. Nas práticas esportivas, espera-se que os meninos
pratiquem futebol e mais ainda que sejam “bons” jogadores, caso contrário serão hostilizados
ou simplesmente deixados de lado, da mesma forma que as meninas tendem a preferir
atividades “menos” agressivas e de menor contato físico; ou seja, essas práticas e concepções
parecem estar enraizadas nas práticas pedagógicas influenciadas pela subjetividade de cada
docente no tocante às representações de gênero e sexualidade.
Diante de tais observações no e do cotidiano das escolas, venho tentando desconstruir
essas “verdades” impostas pelas relações sociais ao adotar, em minhas práticas pedagógicas e
discursos, a importância de problematizar as questões do corpo, do gênero, da sexualidade na
educação escolar, especialmente com alunos/as dos anos iniciais.
Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho. Graduada em Educação Física. Licenciada em
371
Pedagogia. Professora nas redes de ensino estadual e municipal de São Paulo. Integrante o grupo de pesquisa em
Educação Infantil e Formação de Professores (GRUPEIFORP) da Universidade Nove de Julho.
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Menina (9 anos) – Dá pra um menino fazer uma cirurgia e ficar com as “partes de
baixo” igual mulher?
Menino (9 anos) – Por que os meninos tem as partes íntimas diferentes?
Menina (10 anos) –Homem menstrua?
Menino (9 anos) – A gente pode falar coisa pesada? Coisa que não deve?
Menina (9 anos) – Como é sexo? Por que as pessoas fazem sexo?
Assim que finalizamos a leitura do livro, pedimos para que as crianças observassem os
materiais escolares – mochila, caderno, agenda, lápis, caneta, estojo, etc. – disponíveis na sala
de aula. Problematizamos com eles/as a forte presença das cores azul e cor de rosa,
instigando-os/as a observar se predominava a cor rosa nos objetos das meninas e a cor azul
nos objetos dos meninos. Indagamos sobre o que ocorreria se as cores pertencentes a eles e a
elas fossem invertidas e os comentários foram os seguintes:
Menino (9 anos) – Ah! A gente ia zuar, mulherzinha! Rosinha! Gay! Viado!
Bichinha!
Menina (9 anos) – Cor azul é cor mais masculina!
Menina (9 anos) – Aqui na sala tem um menino que brinca com a gente, mas os
outros meninos zoam ele de bichinha, viado!
A exemplo do desenho acima, outros registros tanto produzidos pelas meninas quanto
pelos meninos indicaram a ideia de ser menina associada a:
a) Disciplina, gestualidade (“menina é comportada, o jeito de andar, de se vestir”);
Este registro foi feito por uma menina que disse que: “ser menino é ser livre para
tudo!”, ao questionar a aluna sobre esta afirmação, ela nos disse: “ah, a gente por ser menina
não pode fazer quase nada do que a gente quer... eu acho que os meninos podem tudo e nós
não podemos nada! nem jogar bola a professora de Educação Física deixa!”.
No segundo encontro, que ocorreu em 3 de setembro de 2014, problematizamos com as
crianças questões relacionadas aos seguintes temas: corpo (aspectos biológicos), construção
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social do corpo, sexualidade. Nesta intervenção, a professora fez a leitura do livro Entre
explosões e cortes na barriga, as curiosidades de Rafael/Entre sementes e cegonhas: as
curiosidades de Gabriela (XAVIER FILHA, 2009b), com o objetivo mais específico de
discutir a respeito de curiosidades apresentadas pelas crianças sobre gravidez.
As crianças, na medida em que liam o livro, questionavam:
-Como engravida?
- O que é espermatozoide?
- Por que mulher menstrua?
No segundo momento, dialogamos sobre as expressões usadas para os órgãos sexuais
do corpo humano, a fim de que elas pudessem identificar as variações de linguagem:
nomenclaturas populares e científicas e também possibilitar às crianças conhecer as mudanças
corporais que ocorrem na puberdade em meninos e meninas.
Neste encontro com as crianças surgiram muitas indagações, mas o que nos despertou
a atenção e serviu de parâmetro para definir o tema do encontro seguinte foram as perguntas
sobre orientação sexual e identidade de gênero:
– Prô... existem corpo metade mulher metade homem?
– Travestis são homens ou mulheres?
– Conheço uma menina que gosta de se vestir de homem!
– Como é sexo entre homens? E entre mulheres? Dá pra eles engravidarem?
– Minha avó tem uma namorada e ela é minha madrinha !
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Então, sugerimos que as crianças se subdividissem em grupos e com base nessa reportagem
produzissem desenhos, a exemplo do documentário, invertendo os papéis das identidades de
gêneros atribuídas aos personagens dos desenhos infantis. Dos trabalhos das crianças
surgiram:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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e a todas e que cria mecanismos cada vez mais perversos para discriminar e normalizar as
pessoas, sejam elas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Os processos de identificação relacionados à raça/etnia, classe, gênero, sexualidade,
geração, dentre outros marcadores identitários são produtos de lutas sociais travadas
historicamente, a partir de disputas de sentidos e significados, que buscam transformar as
relações sociais, culturais e institucionais a partir de um movimento de ressignificação. Dentre
estas instâncias, a escola se coloca como uma das principais protagonistas na emergência de
mudanças, em que dinâmicas sociais mais inclusivas, democráticas e participativas precisam
fazer parte de seu cotidiano, ou seja, há uma busca por uma escola que seja interculturalmente
orientada.
A perspectiva intercultural está pautada no reconhecimento do direito à diferença
entre os sujeitos e na promoção de uma relação dialógica e igualitária entre grupos
socioculturais distintos (CANDAU, 2012a; CANDAU, 2012b; WALSH, 2009). Ao
pensarmos em uma educação intercultural, a questão das diferenças no contexto mais amplo
da Educação deve fazer parte dos processos pedagógicos que constituem os espaços escolares
diariamente, perpassando ações, estratégias, planejamentos e, consequentemente, fazendo
parte dos currículos das diferentes disciplinas.
Apresentamos, neste trabalho, uma discussão sobre a inserção de questões de gênero
e sexualidade como conteúdos de um currículo intercultural em ação nas aulas de Educação
Física, objetivando refletir sobre o sexismo e a heteronormatividade tão presentes no contexto
das práticas corporais e esportivas escolares. Nos apoiamos na noção de gênero
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Judith Butler, ao falar do gênero, se apropria do termo performativo, do filósofo Jacques DERRIDA (1991),
para afirmar o poder e a força da linguagem na produção discursiva intencional. Neste contexto, os processos de
identificação do gênero (assim como o sexo e a sexualidade) são construídos, com repetições constantes, através
dos discursos proferidos.
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feminilidade hegemônica pelas práticas corporais e esportivas. Santos & Canen (2015), a
partir de uma pesquisa que problematizou preceitos da multi/interculturalidade373 com as
questões de gênero na Educação Física escolar, afirmam justamente a perspectiva supracitada,
buscando a construção de relações mais igualitárias entre os diferentes sujeitos, neste caso
reconhecendo as construções culturais que dicotomizam masculino e feminino nos espaços de
aula.
Segundo as autoras:
373
Cabe colocar que os termos multiculturalismo e interculturalidade, em algumas teorizações, apresentam o
mesmo significado (CANDAU, 2012a; CANDAU, 2012b), o que, possivelmente, as autoras ao se utilizarem da
palavra multi/interculturalidade estavam pautadas.
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Candau (2012b) vai apontar ações que julga fundamentais para a promoção de uma
educação intercultural na perspectiva critica e emancipatória que são: desconstruir, articular,
resgatar e promover. Esta proposta orientou a construção de um currículo intercultural e a
ação de estratégias na Educação Física, que narramos, a partir do próximo item,
problematizando como os temas gênero e sexualidade foram inseridos nos conteúdos da
disciplina.
374
A coeducação na Educação Física escolar diz respeito a promoção da igualdade e valorização entre masculino
e feminino, discussão sobre os diferentes sentidos atribuídos ao masculino e ao feminino, assim como a
percepção da existência de diferentes masculinidades e feminilidades no âmbito das aulas (CORSINO & AUAD,
2012).
375
Ver: <http://efen2.blogspot.com.br/2015/06/planejamento-didatico-organizando-as.html>. Acesso em: <18 de
Outubro de 2015>
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WNBA é a Liga profissional feminina de Basquetebol dos EUA. Ver: <http://www.wnba.com/>. Acesso em:
<18 de Outubro de 2015>.
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pratica esportiva ao longo da história. Essa luta travada pelas mulheres, segundo a autora, é
política e percorreu o século XX, seguindo até os dias atuais, sendo um dos grandes desafios
da Educação Física brasileira oferecer experiências esportivas igualmente acessíveis a homens
e mulheres. Nas palavras da autora: “Uma pedagogia do corpo atenta às dimensões de gênero
deve, portanto, produzir discursos e práticas que eduquem o corpo – seus gestos e
movimentos – tornando-o apto aos esportes” (p. 45).
A segunda aula problematizou as práticas corporais e sua dicotomia
masculino/feminino. Utilizamos, para discussão, um vídeo377 de uma reportagem que
apresentava jovens rapazes inseridos em aulas de balé, mostrando as barreiras, preconceitos,
mas também deslocamentos de sentidos em relação a práticas que, performaticamente, são
construídas como estritamente masculinas ou femininas. Ao complementar a aula, utilizamos
imagens de meninas e mulheres inseridas em espaços de prática do futebol, indo desde a
Educação Física escolar, passando pelas escolinhas de base, até de jogadoras profissionais
mais reconhecidas pela mídia. Alunos e alunas, em suas falas durante a aula, destacaram
pessoas que conheciam, dentro de seu convívio pessoal, como meninos que estavam inseridos
em diferentes modalidades de dança e meninas que jogavam futebol em escolinhas e clubes,
fato que parecia ser mais usual do que pensávamos.
Ressignificações nas práticas corporais e esportivas quanto ao gênero foram
perceptíveis nas respostas dadas por alunos e alunas em relação à aula, o que nos faz
concordar com Butler (2015), quando a filósofa afirma que:
O gênero não deve ser construído como uma identidade estável ou um locus de ação
do qual decorrem vários atos; em vez disso, o gênero é uma identidade tenuemente
constituída no tempo, instituído num espaço externo por meio de uma repetição
estilizada de atos. O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser
entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual os gestos,
movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a ilusão de um eu
permanente marcado pelo gênero (p. 242).
377
Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=TdVFe2Pzd4s>. Acesso em: <18 de Outubro de 2015>.
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todos os trabalhos apresentaram discussões muito ricas sobre os temas, apresentando dados
estatísticos, entrevistas com atletas e praticantes, vídeos específicos dos temas, dentre outros
recursos que fizeram da atividade um “evento” dentro de duas aulas de Educação Física, já
que abrimos à comunidade escolar para que todas/os interessadas/os pudessem assistir as
apresentações.
Entretanto, resistências se fizeram presentes em dois momentos da atividade,
protagonizadas por rapazes: na apresentação do grupo que escolheu o tema “Voleibol e as
questões de gênero (e sexualidade)”, uma imagem dos jogadores de vôlei de praia da
Alemanha, Rechermann e Brink, campeões olímpicos nos jogos de Londres em 2012,
beijando-se na boca em uma campanha contra a homofobia378 foi apresentada, gerando revolta
em um aluno da turma, integrante de outro grupo, que assistia a apresentação e se exaltou,
retirando-se da sala até o término da apresentação do grupo. A outra situação, ocorreu na
apresentação do grupo que abordou as “Torcidas Queer no Futebol”, em que na hora da
apresentação, um outro rapaz externalizou verbalmente que o futebol não era lugar de gays.
As duas situações tiveram intervenções da professora e do professor presentes, embora os dois
alunos mostrassem-se irredutíveis em relação às suas concepções sobre o assunto.
Recorremos novamente a Louro (2000) para discutir esta questão, pois, de acordo com a
autora, a homofobia, culturalmente, se faz muito presente nos sujeitos masculinos, que
acabam colocando-se extremamente radicais com qualquer situação em que coloque a prova
uma representação hegemônica de masculinidade. Fato constatado nas atitudes dos dois
estudantes nos relatos apresentados.
Nas aulas práticas do trimestre, utilizamos o voleibol como estratégia, que conduzimos
através de aulas mistas e coeducativas. Utilizamos exercícios de fundamentos, jogos pré-
desportivos e o jogo, propriamente dito de voleibol, que ocorriam sempre com meninos e
meninas juntos em quadra, sempre numa busca por igualdade e não hierarquização nas
relações de poder entre os gêneros nas aulas. Esta estratégia foi, de uma maneira geral, a que
menos precisou de intervenções, pois a prática mista, pelo menos do voleibol, parecia ser bem
natural para meninos e meninas. Coelho (2009) afirma que o voleibol no Brasil se constituiu
378
Ver: <http://blogs.lancenet.com.br/foradecampo/campeoes-do-volei-de-praia-se-beijam-em-campanha-contra-
homofobia/>. Acesso em: <18 de Outubro de 2015>.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GÊNERO E SEXUALIDADE:
PLANOS NACIONAL, ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO
Figura 1 – Protesto contra a chamada “ideologia de gênero”, em abril de 2014. Fonte: Blog
Carmadélio. Disponível em: http://blog.comshalom.org/carmadelio/40633-votacao-de-6-de-
maio-podera-retirar-definitivamente-ideologia-de-genero-plano-nacional-da-educacao.
Acesso em 04 de outubro de 2015.
O ponto central destes comentários está no alerta de que a “ordem” estabelecida sobre
os discursos de gênero e sexualidade na educação estaria sendo supostamente abalada por
uma “doutrina” entendida como destrutiva e, portanto, danosa à formação de crianças e
adolescentes. De acordo com este ponto de vista conservador, a pretensão de inserir tais temas
como estratégia em Planos de Educação teria efeitos nocivos sobre a organização de
currículos e contextos escolares e, portanto, tal pretensão deveria ser completamente
desconsiderada pelas políticas educacionais.
Essa tentativa de incluir no PNE a discussão em torno dos problemas gerados pela
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero foi impulsionada por polític@s,
educador@s e pesquisador@s ligad@s aos estudos de gênero, sexualidade e educação, mas
379
As metas e estratégias do Plano Nacional de Educação estão disponíveis no site Observatório do PNE
(http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/3-ensino-medio/estrategias), acessado em 04 de outubro de
2015.
380
Instituto que se coloca como função primeira a “defesa dos valores da Civilização Cristã”, conforme
disponível no site www.ipco.org.br; acessado em 04 de outubro de 2015.
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não teve a repercussão esperada. Na época de aprovação do texto base do PNE (que aconteceu
em maio de 2014), o argumento religioso se sobressaiu, atingindo grande destaque na
cobertura midiática e apoio popular, tendo em vista a ampla variedade de canais televisivos,
instituições religiosas, rádios e sites que os grupos conservadores possuem para divulgar suas
premissas, enquanto os estudos de gênero e sexualidade se restringem muitas vezes aos
corredores acadêmicos381.
Em 2015, ocorreram diversas tentativas de inserir emendas nos textos dos Planos
Estaduais e Municipais de Educação das capitais brasileiras, que abordassem questões
relativas à discriminação por gênero ou orientação sexual. No entanto, em vários Estados e
Municípios foram vetadas as referências tanto a gênero, quanto a orientação e diversidade
sexual (BRITO; REIS, 2015).
Um dos argumentos usados nos discursos religiosos para incidir no debate entre
educação, gênero e sexualidade é o de que tais temáticas seriam de responsabilidade da
família, esta que deve “educar”, cabendo à escola o papel de “ensinar”. Referindo-se à
retórica de que “cabe à família educar e cabe à escola ensinar”, a estudiosa Furlani (2015)
afirma que isso não passa de
Segundo Furlani (2015), é de extrema importância a inclusão dos debates sobre gênero
na educação, mas negar essa relevância e minar qualquer ação que insira essa temática no
campo escolar parece ser a tarefa dos grupos religiosos envolvidos nas decisões políticas do
Brasil. Diante desse embate político, é evidente o recrudescimento através de vetos e rejeições
das políticas educacionais quando o assunto é gênero e sexualidade. Como efeito, a disputa se
tornou um desafio estimulador de maior produção de materiais e discursos diversos sobre o
381
Ainda que hoje em dia se perceba maior circulação e visibilidade de premissas e resultados dos estudos
acadêmicos em redes sociais da web, tais meios possibilitam tanto os discursos progressistas quanto os discursos
conservadores. Carecemos ainda de pesquisas que mostrem a força e o impacto da circulação discursiva
(referente a gênero-sexualidade-educação) por meio das redes sociais da web.
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tema.
Numa tentativa de problematizar as resistências às questões de gênero e sexualidade
em Planos de Educação, e num breve exercício de situar esse fato que constitui a história do
nosso tempo presente (FOUCAULT, 2008), discutimos a seguir alguns significados atribuídos
a gênero e sexualidade em suas relações com o terreno educacional.
A TRÍADE GÊNERO-SEXUALIDADE-EDUCAÇÃO
Especialmente nos últimos dez anos, inúmeros estudos têm sido desenvolvidos na
intenção de investigar “livros didáticos, paradidáticos, currículos e normas com referência à
discriminação de negros e negras, de índios e índias; à distinta valorização de atividades
profissionais, artísticas, etc.” (LOURO, 2005, p.89). Tais estudos encontram ressonância nas
discussões envolvendo a tríade gênero-sexualidade-educação, que vem granjeando cada vez
mais espaço como “ordem do dia” na área educacional em nosso país.
Nesse sentido, acompanhando a explosão discursiva propagada pela mídia sobre as
polêmicas causadas pela inserção de materiais educativos que abordem gênero e sexualidade,
assim como as reivindicações de diversos grupos engajados nas lutas por direitos das
mulheres, lésbicas, gays, travestis e transexuais, o universo acadêmico vem consolidando essa
temática como legítima na maior parte dos eventos científicos (encontros, seminários,
congressos, reuniões) ligados à área da educação.
Assim, ganham força a discussão e os estudos sobre formação de identidades a partir
do currículo e de diversos aparatos pedagógicos. Colocando foco nessa problemática, algumas
pesquisas –– Altmann (2001; 2005), Dulac (2009), Furlani (2005; 2009), Louro (1999, 2003,
2008), entre outras –– identificam dois universos distintos estereotipados, normalmente com
associações e características de um mundo público masculino e um mundo doméstico
feminino, incidindo em idealizações da família, representação de um sujeito branco,
heterossexual, de classe média urbana e cristão.
Com base nessas investigações, adotamos como premissa para abordar a conexão entre
gênero, sexualidade e educação, a ideia de que os discursos que operam na educação são
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“generificados”, isto é, produzem sentidos sobre homens e mulheres, sobre como devemos ser
e que tipo de sujeitos (sempre enfatizando o gênero masculino para se referir à humanidade)
querem formar.
Mas o que significa dizer que os discursos educacionais são generificados? Para tratar
disso, partimos da afirmação de Scott (1995, p.7) de que gênero é “uma maneira de indicar as
‘construções sociais’ – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos
homens e às mulheres”. A ênfase na ideia de construção social atribui à educação um papel
central para a categoria gênero, já que é também e principalmente por discursos e práticas
pedagógicas que aprendemos os lugares apropriados para nós de acordo com o gênero ao qual
nos identificaram quando nascemos. Assim, na mesma medida em que os discursos
educacionais são generificados, gênero é também uma construção educacional, num
movimento imanente de retroalimentação.
Entendido isso, voltamos nosso olhar para o discurso pedagógico vigente, e para as
resistências frente à ínfima possibilidade de sua reinvenção, por ser ele tão marcado pelas
intenções de formar um sujeito coerente com as demandas do mundo moderno382. Nesse
sentido, a formação de homens e mulheres “civilizad@s” por meio do aprendizado de
códigos, regras e condutas é desenvolvido para que atuemos em um mundo de extrema
racionalização das relações e da vida.
Sabe-se que a escola não possui exclusividade na produção a que a autora se refere; no
entanto, considerando sua centralidade nesses processos, faz-se necessário atentar para a
duração e a intensidade das condições que nos são impostas no decorrer de nossas trajetórias
escolares. Seja pela obrigatoriedade legal da escolarização a partir dos quatro anos de idade,
seja pelas próprias demandas de mercado, seja ainda por outras formas de organização
382
Referimo-nos aqui a mundo moderno a partir das grandes preocupações das ciências humanas acerca da
Modernidade, tais como: metanarrativas históricas; consciência unitária, homogênea e centrada do sujeito; ideia
de emancipação e utopias (MOREIRA, 1997), entre outras.
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sociocultural das sociedades ocidentais, o fato é que somos continuamente expostos às marcas
que a escola imprime em nossos corpos. Sendo assim, “é preciso reconhecer [...] que suas
proposições, suas imposições e proibições fazem sentido, têm ‘efeitos de verdade’, constituem
parte significativa das histórias pessoais” (LOURO, 2003, p.21). E os “efeitos de verdade”
que a escola e seus currículos produzem incidem diretamente na constituição de uma série de
identidades para os sujeitos: raça, etnia, classe, nacionalidade, gênero, sexualidade, entre
outras, já que “homens e mulheres são, ao mesmo tempo, muitas ‘coisas’” (LOURO, 2005,
p.86).
Acontece que essa pluralidade identitária se constitui com base numa concepção
binária de sujeitos que parece se colocar primeiro e que de certa forma lhe dá corpo: trata-se
da dicotomia homem/mulher que, situada nas intricadas tramas histórico-culturais das
relações sociais de poder (muitas vezes fundamentadas em teorias biológicas), transforma as
diferenças naturais em objetos de dominação de uns sobre outros. É nesse sentido que
concordamos com Scott (1995, p.88), quando esta autora afirma que gênero
e masculino, com a supremacia deste em relação àquele. Atentemos aqui para a matriz
heterossexual que sustenta a concepção binária, e que pode ser também denominada de
norma, já que é amplamente foco de convencimento e afirmação por várias instituições
sociais. Sobre isso, Louro (2005, p.90) afirma:
Operar dentro dessa matriz pode acarretar problemas de duas ordens: de um lado,
pode dificultar a percepção de sujeitos e de grupos que não se “enquadram” na
polaridade aí suposta (impedindo, consequentemente, o reconhecimento daqueles e
daquelas que estão construindo formas distintas, novas ou transgressivas de
identidade feminina e masculina); por outro lado, pode permitir que se atribua aos
sujeitos que não obedecem a essa lógica dicotômica o caráter de desviantes,
problemáticos ou patológicos.
É dentro dessa lógica que muitos currículos e práticas educativas, de maneira sutil e
gradativa, imprimem gestos, condutas e significados ligados a questões de gênero e
sexualidade. Por intermédio de variadas estratégias é que a linguagem demarca sentidos.
“Através da linguagem é construída a identidade generificada” (SCOTT, 1995, p.82).
Assim, a linguagem de normas, procedimentos, estratégias e metodologias de ensino e
aprendizagem, de processos avaliativos e materiais didáticos de uma maneira geral procura
delimitar verdades sobre os corpos infantis e adolescentes, e nessas verdades fixam noções
apresentadas e tratadas como estáveis sobre identidades de gênero e sexualidade. Com relação
a isso, Britzman (2003, p.87) diz que, no contexto da educação, “supõe-se que o corpo normal
personifica um significado estável, mesmo quando se admite que aquele significado passe por
pequenos ajustes”.
Essa suposta estabilidade dos corpos com relação à sexualidade constitui uma matriz
tão cara ao pensamento educacional vigente que pensar fora desses enquadramentos consiste
num grande desafio. É na esteira disso que também podemos situar a adesão de muitos
profissionais do campo educacional aos movimentos de resistência impulsionados por certos
grupos conservadores que rejeitam a inclusão de preocupações com gênero e sexualidade em
Planos de Educação.
Tal rejeição está embasada numa concepção essencialista de mundo (usando
argumentos ora religiosos ora biologicistas), que vê o homem e a mulher na combinação
harmoniosa entre sexo, gênero e orientação sexual; isto é: supõe-se que se uma pessoa nasceu
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sob a égide do sexo masculino, deverá ter sua identidade de gênero associada ao masculino e
sua orientação sexual consequentemente deverá ser heterossexual. Segundo Weeks (2003,
p.71), “esta é a suposição por trás da tradição essencialista [...] Ela sustenta frases tais como
‘biologia é destino’. Supõe que o corpo expressa alguma verdade fundamental”.
Em consequência de noções simplificadoras e preconceituosas como essas, os planos
curriculares nacionais e os currículos escolares de modo geral tendem a ignorar a diversidade
existente. Assim, “a ampla diversidade de arranjos familiares e sociais; a pluralidade de
atividades exercidas pelos sujeitos; o cruzamento das fronteiras sexuais, de gênero, étnicas; as
trocas; as solidariedades e os conflitos são comumente ignorados ou negados” (LOURO,
2005, p.87).
“A ideia de que há um destino sexual pré-determinado, baseado na morfologia do
corpo” (WEEKS, 2003, p.71) e o binarismo homem-mulher que é subjacente a esta concepção
essencialista talvez nos ajudem a situar e entender as resistências de alguns grupos diante da
proposta de inclusão de questões sobre gênero e sexualidade em Planos Nacional, Estaduais e
Municipais de Educação. Tais resistências lutam por manter o silenciamento de identidades de
gênero que não correspondam às imagens estereotipadas, tais como gays, lésbicas, bissexuais,
e mais ainda: o silenciamento de identidades de gênero que transgridem o sistema binário
feminino-masculino, tais como travestis, transgêneros, assexuados e transexuais mulheres e
homens.
Como se vê, as justificativas para a visibilidade ou invisibilidade das identidades de
gênero e sexuais, debate que é suscitado quando o assunto é inclusão da temática gênero-
sexualidade no currículo brasileiro, são permeadas por relações de poder-saber. O que pode
ser dito em relação a gênero e sexualidade nas escolas? O que podem o Plano Nacional e
Planos Estaduais e Municipais quando o assunto é debater gênero e sexualidade na escola?
Tais questões possibilitam a reflexão em torno dos discursos que atravessam o embate
político vigente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada com abordagem de investigação qualitativa, registrando as
expressões e opiniões sobre gênero e sexualidade dos cursistas, bem como os preconceitos
explicitados no contexto do Curso de Extensão “Gênero e Sexualidade em Debate”, com
carga horária de 30 horas, no período de abril a julho de 2011, cujas aulas foram ministradas
pela Profª Dra. Anita Leocádia Pereira dos Santos, no Centro de Ciências Agrárias
CCA/UFPB, no município de Areia/PB como parte das atividades do Projeto de Extensão
“Gênero e Sexualidade em Debate, pela Construção da Paz” (PROEXT/MEC/2010).
As inscrições foram abertas para todos os alunos de graduação do CCA, para
mulheres envolvidas em movimentos sociais, associações e para educadoras no município de
Areia. Houve um total de 117 pessoas inscritas, sendo 26 do sexo masculino e 91 foram do
sexo feminino. Para este trabalho, foi feita uma delimitação, sendo analisados apenas os dados
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Uma minoria, dos alunos 17% e das alunas 13%, manifestou que entendiam as
expressões do senso comum trabalhadas como uma forma de preconceito e discriminação
naturalizados, mesmo antes do curso de extensão de Gênero e Sexualidade e declararam que o
curso veio a fortalecer e tornar legítima suas concepções, já que não sabiam expor com
propriedade seu entendimento sobre o significado dessas expressões.
Comprova-se, pois, que esses preconceitos não são apenas fortes e influentes porque
coagem os indivíduos que vitimizam, mas também porque são eficazes pelo processo de
internalização de diferenças ditas como desqualificantes, como no caso do homem que chora,
por exemplo. (CAETANO, 2008).
Assim, percebe-se na cultura do senso comum a correspondência aos estereótipos
socialmente criados, como “o homem não pode ser fraco”, por ser este um atributo próprio da
mulher. Segundo Carvalho, Andrade e Junqueira (2009), o estereótipo funciona como um
dispositivo de visão e de classificação das pessoas, sendo uma representação simplificadora
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ago. 2006. Seção 1, p. 1-2.
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GÊNERO NA ESCOLA
INTRODUÇÃO
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EEM Governador Adauto Bezerra. Professora de Sociologia.
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escolar. Nesse percurso, o projeto foi indicando as trilhas a serem percorridas durante o ano
letivo de 2015. Eis aqui algumas das ações previstas; página do Facebook; campanha; seleção
junto aos estudantes para produção de logomarca; ampliação de membros; reuniões de
trabalho/formação e divulgação dos resultados; reuniões de trabalho/formação e divulgação
dos resultados; palestra, oficinas, roda de conversa; organização de uma coletânea de textos
sobre gênero; participação em atividades pedagógicas internas e externas; etc.
Introduzir uma reflexão sobre gênero na escola é relacioná-la diretamente com a ideia de
que as relações de gênero estão presentes no cotidiano escolar. Seguindo o raciocínio, eis as
ideias de Silvia Camurça e Taciana Gouveia: “(...) as relações de gênero são relações de poder
que se constroem, constantemente, ao longo da história e no nosso dia a dia, entre mulheres e
homens, mulheres e mulheres, homens e homens”. (2004, pg.35).
Uma perspectiva relevante apresentada e seguida na elaboração do projeto do Núcleo de
Gênero consiste em uma exposição teórica que orientou as dúvidas no processo. Grossi (s/d)
surge como uma orientadora e nos guia rumo ao entendimento necessário para a caminhada
do projeto pedagógico. Especificamente é preciso situar a tentativa de diferenciar sexo,
gênero, identidade de gênero e sexualidade.
“De uma forma simplificada, diria que sexo é uma categoria que ilustra a diferença
biológica entre homens e mulheres; que gênero é um conceito que remete à
construção cultural coletiva dos atributos de masculinidade e feminilidade (que
nomeamos de papéis sexuais); que identidade de gênero é uma categoria pertinente
para pensar o lugar do indivíduo no interior de uma cultura determinada e que
sexualidade é um conceito contemporâneo para se referir ao campo das práticas e
sentimentos ligados à atividade sexual dos indivíduos.” (Grossi, s/d).
Na continuidade do debate sobre a categoria gênero via Grossi (s/d) surgem interrogações
e questionamentos de como garantir que as diferenças e semelhanças entre as categorias
apresentadas possam ser compreendidas pelos estudantes e relacionadas com suas
experiências de vida na escola e fora dela.
O quadro referencial resultante da experiência relatada é que se torna indispensável no
âmbito escolar o debate sobre gênero. Urge desenvolver ações que contribuam para a
construção do conhecimento, espaços de diálogos entre estudantes, discussões capazes de
estimular e esclarecer dúvidas e curiosidades. E qual a responsabilidade da escola diante da
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Portanto, a reflexão de temáticas como gênero, sexualidade e violência assume cada vez
mais um caráter indispensável no campo educacional.
PISTAS METODOLÓGICAS
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
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Gênero. A identidade coletiva inicia sua jornada de militância ao adquirir sua logomarca
desenhada à mão por um jovem estudante em seu trabalho criador e voluntário. As formações
estão chegando através de caras conhecidas e desconhecidas, agentes internos e externos. As
perguntas surgem de todos os lados: o que é esse núcleo de gênero mesmo? A semente está
sendo germinada devagar e de forma delicada para não assustar aos desavisado que naquela
escola vive um pensamento reflexivo e foi batizado de Núcleo de Estudos de Gênero.
O Núcleo de Gênero busca uma aproximação com a base que vai garantir sua
sustentabilidade: os estudantes. A tarefa é árdua e permeada de obstáculos que surgem todos
os dias. A fórmula de garantir a existência e vida longa a um projeto de tal proposição na
escola não existe, o que se busca é a afirmação de possibilidades de ações que venham somar
junto a tudo que já existe na escola de experiências.
O relato até o presente momento é acompanhado por dúvidas e incertezas: até quando
vamos conseguir garantir a vida ao núcleo de gênero se constitui em pergunta sem resposta.
Os desafios se avolumam diante da proposta de debater gênero e de todos os outros
compromissos assumidos no cotidiano escolar
Vale ressaltar que a escola pública vive, vibra e pulsa envolvida em suas contradições e
diferenças. Muitos desafios estão por vir, mas diante do contexto social de transmissão de
conhecimentos versus elaboração de conhecimentos a escola se apresenta enquanto promotora
de diálogos diversos.
Ressalta-se, mais uma vez, a necessidade de inserir a escola no eixo temático Educação
para a Igualdade de Gênero, uma vez que o cotidiano escolar configura-se em espaço fecundo
de debate, construção, desconstrução, significação e ressignificação de conhecimento, dentro
de uma perspectiva dialética, em prol de uma Educação voltada para a formação do exercício
da cidadania, respeito aos direitos humanos e do protagonismo juvenil.
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INTRODUÇÃO
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MÉTODOLOGIA
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Entendemos que a educação é o elo que promove a interação e integração dos seres
humanos, no alcance das necessidades básicas universais, tanto do ponto de vista material
como imaterial, tendo como princípio a ética de vida, para dessa maneira se alcançar a
autonomia (SPOSATI, 1999).
Dados apontados, pelos Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE (2003) também pontuam que o nível de escolaridade das mulheres é
determinante para prevenir a gravidez não planejada e não desejada, para efetuar um
planejamento familiar adequado e para assegurar as condições de controle das doenças, tais
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como verminoses e diarreia, que no país ainda são responsáveis pelo elevado número de
óbitos de crianças, principalmente nos primeiros anos de vida. É inegável essa importância,
em uma cultura na qual os homens, em sua grande maioria, se colocam à margem.
Vianna & Unbehaum (2004) chamam a atenção para o fato de que as políticas
educacionais não têm concorrido para modificar as desigualdades de gênero. O relatório da
UNICEF (2003) referenda essas constatações, apontando que: Apesar dos milhares de
projetos bem-sucedidos em países de todo o mundo, a igualdade de gênero na educação – no
acesso à escola, sucesso no aprendizado e conclusão dos cursos – é cada vez mais ilusória, e
as meninas continuam em desvantagem em relação aos benefícios que a educação
proporciona. (p. 01).
Por outro lado, para uma melhor caracterização das políticas públicas educacionais no
Brasil torna-se importante contextualizar o processo socioeconômico, político e ideológico em
que o país se inscreve, já que a educação faz parte das políticas sociais, nesse contexto
estrutura-se o neoliberalismo, estruturado com base na privatização acelerada e da ausência do
Estado de maneira ampla, apenas balizando políticas sócias compensatórias.
Assim, evidencia-se a fragmentação das políticas públicas voltadas para a população,
uma vez que são ações sociais destinadas a atenuar apenas o mínimo, diante do modelo
neoliberal de omissão do Estado.
DADOS E RESULTADOS
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valorizada por estudar, quando só se estuda não tem que ter preocupação, de ir para casa fazer
as coisas, pois o ensino vem em primeiro lugar”.
No contexto das entrevistas, pudemos perceber com base na análise de conteúdo
temático, foi possível identificar quatro grandes temas destacados das falas das mulheres no
que se refere à cidadania: percepção sobre ser mulher, ser mulher na escola, liberdade e
cidadania e expectativas para o futuro.
O tema percepção de ser mulher aparece quando elas são unânimes ao afirmar que ser
mulher é algo bom ou ótimo, entretanto, reconhecem a existência de fortes diferenças entre
elas e os homens, na medida em que eles seriam menos discriminados e teriam maior
participação social, maior participação no mercado de trabalho, do que elas na sociedade.
Embora, elas também pontuam avanços significativos. Reconhecem que a
discriminação e a exclusão são oriundas da sua condição de mulher, e acreditam que
mudanças estão ocorrendo no sentido da construção da cidadania. É importante ressaltar que
as mulheres apresentam concepções novas de cidadania, como vai ser possível constatar
através do núcleo central da representação, porém, admitem a necessidade de mudanças de
atitudes e comportamentos para que isso seja efetivado no cotidiano.
O tema ser mulher na escola surge quando as mulheres afirmam que no espaço escolar
são menos discriminadas e excluídas pelos colegas, principalmente pelo corpo docente, mas
apontam que os livros didáticos ainda reproduzem tais exclusões. Elas dizem que nos livros
ainda é frequente as mulheres serem apresentadas em condições inferiores, quando aparecem,
uma vez que a predominância é da figura do homem.
As mulheres dessa pesquisa, apontam que os livros didáticos ainda reproduzem
exclusões e discriminações. Elas dizem que nos livros ainda é frequente as mulheres
aparecerem em condições inferiores, quando aparecem, uma vez que a predominância é da
figura masculina.
Isso mostra, de acordo com Rosemberg (2001), que a educação escolar vai preparando
e reforçando as diferenças entre as mulheres e os homens, através dos processos de
discriminações, tais como estes apontados acima, reproduzindo desta maneira a exclusão, seja
no discurso, no currículo, nos livros didáticos etc.
No que se refere especificamente aos livros didáticos, 54% das participantes da
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pesquisa (61) apontam que não percebem a presença de mulheres nos livros utilizados na
escola, enquanto 34% (39 participantes) acham que elas estão presentes sim e 12% (14 delas)
não responderam à pergunta.
Já com relação à valorização da figura da mulher nos livros didáticos, 57 participantes
(50%) acham que os livros adotados na escola não valorizam as mulheres, ao passo que 47
(41%) consideram que os livros as valorizam e 10 (9%) não responderam à questão. A visão
discriminatória aparece no seguinte depoimento: “Não. Porque os livros ilustram os homens
trabalhando e as mulheres não”.
Assim, em função da educação que receberam e recebem no contexto familiar, social e
escolar desde criança, os valores internalizados inconscientemente, promovem que as próprias
mulheres se discriminam por si mesmas, quando apontam que “nem tudo a mulher pode
realizar”.
Em vários depoimentos as mulheres expressam claramente a existência, no ambiente
escolar, de comportamentos característicos da cultura androcêntrica e machista: “os homens
são melhores em matemática, e nós em português”; “alguns são machistas”; “quando a mulher
é bonita, o professor dá em cima” etc.
É importante ressaltar, entretanto, que as próprias mulheres reproduzem em suas falas
antigos estereótipos no que se refere a um suposto, ‘dom natural' das mulheres para as
matérias ligadas ao português, enquanto os rapazes seriam mais fortes em matemática. Tais
ideias reforçam o papel da mulher como dotada de características ligadas à comunicação com
o outro, doce e meiga, enquanto o racional científico e prático seria limitado ao masculino.
Assim, a matemática sempre esteve associada à construção, invenção, criatividade,
razão porque, em nossa sociedade, sempre esteve vinculada ao universo masculino, da dureza,
Eu gosto de português porque no dia-a-dia preciso falar bem, me comunicar bem. Já o
homem trabalha mais em conta, com números. (Nikita, 20 anos). São duas matérias difíceis,
mas os meninos gostam da matemática por mexer com números, mexe muito com raciocínio
(pode ser) e português também é mais difícil por conta das regras, mas as mulheres prestam
mais atenção do que os homens. (Fernanda B., 20 anos).
Na prática, percebeu Carvalho (2001) que o comportamento disperso, levado e agitado
dos meninos era sempre considerado como coisas da masculinidade, sem uma crítica mais
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contundente, e de certa maneira até enaltecido, pois ocorria uma adesão ambígua e não
submissa à instituição escolar e suas regras – desafio, bom humor e autonomia. E em nenhum
momento esse comportamento foi relacionado a problemas com a aprendizagem.
Segundo as mulheres pesquisadas, apesar de todas as mudanças verificadas no
universo feminino, ainda existe, em torno da mulher, a ideia de que ela é frágil, meiga e dócil.
Nas respostas do questionário, 73 mulheres (62%) afirmam que ainda existe a concepção de
fragilidade em relação à mulher.
No que se refere à questão de liberdade e cidadania, os resultados apontam para um
modelo patriarcal, que promove múltiplas exclusões, atuando na ordem da subjetividade e da
objetividade. Percebem-se dificuldades como, por exemplo, o fato de elas terem a chave da
casa, mas serem obrigadas a voltar no horário estabelecido, enquanto o irmão pode chegar à
hora que quiser, o que torna nítida a desigualdade no tratamento. As desigualdades de gênero
são reproduzidas tanto na família e na sociedade quanto, em parte, nas escolas, promovendo
situações de discriminação e de papéis estereotipados, que afastam as mulheres da plena
possibilidade de vivência da cidadania, como mostram as respostas das 114 entrevistadas,
revelando condições de exclusão de ordem material e também de ordem simbólica.
Com relação ao terceiro aspecto temático – liberdade e cidadania –, embora as
respostas ao questionário e os depoimentos apontem algumas conquistas, as mulheres
convivem ainda com várias restrições à sua liberdade, evidenciando que elas apresentam
condições precárias para se contrapor à ordem patriarcal no contexto da sociedade. Apesar das
mudanças de atitudes e comportamentos ocorridas no mundo moderno, os conceitos
conservadores do patriarcado ainda imperam no imaginário social, mantendo os homens
vários privilégios diante do universo feminino, notadamente nas camadas populares.
Por fim, aparecem as expectativas para o futuro. É importante observar que, embora
apontem mudanças e novos processos na escola, ao falar do futuro, as mulheres reconhecem
que mesmo estudando não terão melhores condições de trabalho. Em sua grande maioria,
assumem que o trabalho doméstico é o futuro que lhes é reservado, uma vez que se
consideram ainda discriminadas no mercado de trabalho e no contexto social em geral. Dessa
forma, observou-se que, mesmo com maior escolaridade, as mulheres entrevistadas não
percebem uma vinculação da educação com um aumento de sua participação na sociedade.
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Na categoria temática expectativas para o futuro, constatamos que, apesar dos limites e
das dificuldades com as quais as mulheres ainda se deparam em seu cotidiano, diante do
patriarcado e do machismo, algumas transformações significativas vêm ocorrendo. Entre as
coisas que elas desejam para o seu futuro, em primeiro lugar aparece independência
financeira, seguida por estudar e ter uma profissão, embora depois ainda surjam casar, ter
filhos e ser feliz, mas já não colocados como o objetivo maior de suas vidas.
Há, portanto, uma distância entre a representação social da cidadania dessas mulheres
e as expectativas que elas têm em relação a si mesmas. Elas conhecem os elementos que
constituem a cidadania e a necessidade de possuí-los para uma vida digna. Contudo, ao
destacar os estereótipos e discriminações sofridas, mesmo admitindo que não gostem de tal
situação, terminam por justificá-la como uma questão de cultura, sem vislumbrar mudanças.
Por outro lado, o ensino público reproduz a ideologia da classe dominante,
percebendo-se falta de qualidade e competência para promover o pleno desenvolvimento
humano, bem como para criar bases para o aprofundamento dos estudos, apresentando-se
apenas como reprodutor do conhecimento, sem perspectivas críticas, criativas e
transformadoras. Soma-se a isso a falta de uma maior habilidade diante de um mercado de
trabalho cada vez mais restrito, precário, tecnológico e contraditoriamente mais exigente em
relação à mão-de-obra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos ser a educação a base central para a promoção e a aquisição dos direitos
humanos e das transformações, possibilitando a ruptura com o patriarcado e o androcêntrismo
peculiar a nossa cultura, a partir da democratização do contexto político-social, econômico e
ideológico, criando possibilidades de integração dos seres humanos em ações mais
participativas. É também a educação que pode promover a conquista da autonomia pelas
mulheres, as mudanças que se fazem necessárias para o alcance da cidadania feminina ativa,
permitindo que cada uma exerça a capacidade de ser protagonista de sua própria história.
Percebemos, assim, diante do exposto como os valores androcêntricos e patriarcais
passados ou impostas às mulheres em geral, tendem ainda hoje a evidenciar concepções de
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho, vinculado ao Projeto de Pesquisa História da Leitura e da Escrita
no Rio Grande do Norte /Conselho Nacional de Desenvolvimento científico e Tecnológico
(CNPq), desenvolvido no Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero,
objetiva analisar a história da Associação de Professores do Rio Grande do Norte e desta
maneira contribuir para a historiografia da educação no Brasil e, em especial, no Rio Grande
do Norte. Pretendemos concentrarmos nos anos de 1920-1989, que respectivamente, refere-se
à criação da APRN (Associação dos Professores do Rio Grande do Norte), e sua desativação
em 1989 (DUARTE, 1985).
Este trabalho contém uma investigação realizada nos acervos do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte, no acervo da Biblioteca Central
Zila Mamede da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/BCZM-UFRN, na Biblioteca
Setorial do Centro de Ciências Sociais Aplicadas/CCSA-UFRN e no acervo do Grupo de
Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero. Nesses acervos encontramos livros que
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Graduanda do Curso de Pedagogia da UFRN; Bolsista de Iniciação Cientifica do Grupo de Pesquisa História
da Educação, Literatura e Gênero da UFRN.
² Graduanda do Curso de Pedagogia da UFRN; Bolsista de Iniciação Cientifica da Grupo de Pesquisa História da
Educação, Literatura e Gênero UFRN.
³ Professora Doutora do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação- UFRN; Coordena o Grupo de
Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero da UFRN.
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falavam da história da APRN, jornais com manchetes a respeito dos professores que atuaram
na Associação dos professores, monografias e dissertações referentes ao objeto de pesquisa.
Analisadas a partir dos pressupostos da História Cultural, as fontes permitiram refletir
sobre os acontecimentos educacionais a partir de determinada realidade social construída
(CHARTIER, 1990), (MORAIS, 2002; 2003; 2006; 2011), (DUARTE, 1985).
Para preencher seus objetivos e fins, a entidade se manterá: pela criação de um órgão
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A sede dessa instituição foi instituída na Avenida Rio Branco no bairro da Cidade
Alta, em Natal, Rio Grande do Norte. Ate os dias presentes, continua no mesmo local, mas
com o nome de Sindicato dos Trabalhadores em Educação Publica do rio Grande do Norte,
pelo fato de ano de 1989, após a Constituição Federal de 1988, a Associação de Professores
tornar-se um sindicato.
DIRETORIAS DA APRN
Foi acordado que a Associação dos Professores do Rio Grande do Norte seria dirigida
por um Conselho Diretor, composto por um presidente, dois secretários, um orador, um
tesoureiro e um bibliotecário, todos eleitos em Assembleia Geral. Durante o período de 1920
a 1989, vinte diretorias estiveram à frente dessa instituição.
A primeira diretoria da APRN foi eleita em 1920, após a formulação do primeiro
estatuto, e estendeu-se até o ano de 1933.
GARGOS PROFESSORES ELEITOS
Presidente Anfilíquio Câmara
Vide-Presidente Gonzaga Galvão
1º Secretário Júlia Alves Barbosa
2º Secretário Oscar Wanderley
Orador Luís Soares
Tesoureiro Francisco Ivo
Bibliotecário Braz Caldas
O primeiro Estatuto da Associação dos professores do Rio Grande do Norte foi criado
juntamente com a formação da primeira diretoria. Sob a direção do Professor Anfilóquilo
Câmara e a presença de vários outros sócios, em uma sessão específica para formulação do
primeiro Estatuto da APRN, foi posto em discussão cada capítulo, depois de prolongada
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inicio de 1937, a APRN também cria a Revista do Ensino, mas sua circulação só se deu a
partir de dezembro do mesmo ano. A referida revista destinava-se a tratar de assuntos
pedagógicos e do ensino em geral.
Ainda em 1937, a quarta diretoria da Associação dos Professores do Rio Grande do
Norte elegia seus novos membros, que permaneceriam entre os anos de 1938 e 1939.
GARGOS PROFESSORES ELEITOS
Presidente Antônio Gomes da Rocha Fagundes
Vide-Presidente Manoel Varela de Albuquerque
1º Secretário Luís Correia Soares de Araújo
2º Secretário Lindalva Alves Taveira
Orador Clementino Câmara
Tesoureiro Honório Farias
Bibliotecário Clidenor de Farias
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Essa diretoria fez com que ressurgisse a revista Pedagogium, que há alguns anos
estava desativada. Em julho de 1949 é aprovada a lei municipal que permitia a construção de
um mausoléu, no Cemitério Público do Alecrim, zona leste de Natal, para o sepultamento de
associados, tudo isso graças pedidos de professores da APRN.
A oitava diretoria toma posse em janeiro de 1952 e permanece até 1953.
GARGOS PROFESSORES ELEITOS
Presidente Joaquim de Farias Coutinho
1º Secretário Geraldo Magela Cruz
2º Secretário Margarida Saboia de Lima e Silva
Orador Francisco Rodrigues Alves
Tesoureiro Paulo Vieira Nobre
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A décima quarta diretoria da APRN ocorreu entre os anos de 1964 a 1965, com a
eleição dos dirigentes em outubro de 1963, e a posse em janeiro de 1964.
GARGOS PROFESSORES ELEITOS
Presidente Geraldo Magela Cruz
Vide-Presidente Francisca Nolasto Fernandes
1º Secretário Saly da Costa Mamede
2º Secretário René Correia da Silva
Orador Hilton Gouveia
Tesoureiro Valdomiro Carvalho Dantas
Bibliotecário Maria das Neves Ferreira Pinto
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A décima sétima diretoria esteve à frente da APRN no período de 1972 a 1973, e pela
primeira vez uma mulher esteve sob direção da Associação dos Professores.
GARGOS PROFESSORES ELEITOS
Presidente Almira Melo do Amaral
Vide-Presidente Geraldo Magela da Cruz
1º Secretário Nancy Gomes dos Santos
2º Secretário Inês Gomes da Silva
Orador Acrísio de Meneses Freire
Tesoureiro Francisca Maciel
Bibliotecário Rosa da Silva
Essa diretoria foi responsável por construir a Casa do Professor, obra considerada o
marco da Associação dos Professores do Rio Grande do Norte.
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Nesse período foi criado o Lar do Professor Aposentado, que tinha por finalidade
acolher professores sócios aposentados.
A última diretoria, que de acordo com DUARTE (1985), dirigiu a Associação dos
Professores entre os anos de 1980 a 1982.
GARGOS PROFESSORES ELEITOS
Presidente Manoel Barsosa de Lucena
Vide-Presidente Geraldo Pereira Pinto
1º Secretário Sara Lordão Gurgel Pimenta
2º Secretário Antonio Balbino de Araújo
Orador Maria Gomes de Oliveira
Tesoureiro Vilma Francisca da Fonseca Tinôco
Bibliotecário Iêda Trigueiro
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Essa diretoria através de alguns projetos buscou a integração estadual das Associações
de Professores dos municípios que ainda não faziam parte constituinte da APRN, esse
acontecido marca o início da desativação da entidade e sua sindicalização.
Em 1989 encerra-se a dita história da Associação dos Professores do Rio Grande do
Norte. Nos anos posteriores, após Constituição de 1988 que permitia a sindicalização de
entidades associadas, cria-se o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio
Grande do Norte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Associação dos Professores do Rio Grande do Norte desempenhou papel
significativo para o professorado Norte rio-grandense. Infelizmente, algumas diretorias foram
impossibilitadas de fazer analise, já que os registros das mesmas foram perdidos. Mesmo
assim, podermos perceber que a defesa aos profissionais da educação marcou a história da
entidade, além de permitir a instrução de gerações no estado do Rio Grande do Norte. Na
atualidade essa instituição deu lugar ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do
Rio Grande do Norte que assim como no passado, é uma instituição que batalha pelas causas
dos educadores.
REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUARTE, Jose Horaldo Teixeira. História da Associação dos Professores do Rio Grande do
Norte. Natal: Companhia Editora do Rio Grande do Norte, 1985.200p.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1990.
MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Leituras de mulheres no século XIX. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Isabel Gondim, uma nobre figura de mulher. Natal:
Terceirize Editora e Gráfica, 2003. 154 p. (Série Educação e Educadores do Rio Grande do
Norte – Vol. I).
MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Chicuta Nolasco Fernandes, intelectual de mérito.
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Natal: Editorial A República, 2006. 174 p. (Série Educação e Educadores do Rio Grande do
Norte – Vol. II).
MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. História da leitura e da escrita no Rio Grande do
Norte: presença de professoras (1910-1940). 2011-2013. Projeto PVE2127-2011 vinculado
ao CNPq, Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2011.
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Valnei Evangelista Santos | evaevangelista2014@hotmail.com
Profa. Maria José de Oliveira Santos
385
Graduanda em Letras com Língua e Literaturas Brasileiras, componente do Projeto de Iniciação Científica
financiado pela UNEB/FAPESB cujo projeto-base se denomina REPRESENTAÇÕES CITADINAS: TEXTOS
LITERÁRIOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS ALAGOINHENSES NOS SÉCULOS XIX E XX –
IMPRESSÕES DE ESCRITORAS E ESCRITORES e o sub-projeto é IMPACTOS CITADINOS DAS
ESCITORAS ATRAVÉS DE SUAS FICÇÕES PUBLICADAS EM PERIÓDICOS DOS SÉCULOS XIX E XX.
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Mas, conseguiu escrever contos, poemas e cordéis. Luzia Senna afirma não saber se é
teoricamente escritora, só sabe que escreve. Não foi à toa que as mulheres assimilaram a não
possibilidade de serem escritoras, visto que não foi este o papel que lhe foi destinado. A
cultura patriarcal não as via como produtoras e sim como reprodutoras e isso se estendia com
toda força para a Literatura.
Observar a escrita de Luzia Senna é perceber que as diferenças baseadas no sexo e
vivenciadas pela sociedade estão culturalmente enraizadas e policiam o fazer, o prazer e o
saber lírico. Visto que a sociedade brasileira se constitui através de hierarquias e à mulher foi
negado o direito de estar em um papel de destaque, de fala, cabendo socialmente ao homem o
lugar do discurso do poder.
Na escrita de Luzia Senna, identificamos indícios do patriarcado como quando afirma
que o sonho de toda jovem é casar-se no conto “Uma amiga, Regina”:
Para se casar toda jovem deve pensar em felicidade e felicidade existe onde existe
amor, foi pensando em ser feliz que não fiz minha escolha apenas por ter conhecido
um rapaz da cidade. .
Podemos ler suas raízes a partir desse trecho. Daí a importância da Literatura por ser
também espelho de uma época e nos permitir entrar em contato com os processos históricos e
culturais que constituem as sociedades onde vivemos. Através da escrita de Luzia,
percebemos explicitamente a valorização da figura masculina por meio dos seus desejos, da
sua criação. Este estudo pode ser tomado como uma espécie de denúncia ao tratamento
desigual para com as mulheres, como representação de poder existente entre as relações de
gênero. O trabalho com as palavras elaborado pela escritora, mesmo tentando firmar seu lugar
sugere a superioridade dos homens que a rodeiam: avô, pai, irmão e maridos.
Na escrita de Luzia Senna percebemos como o pai, a figura patriarca, não podia ser
questionado tampouco desobedecido, e suas ordens eram relembradas através de castigos
físicos:
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Depois da ordem de meu pai aquele que, por atrevimento, ficasse na cama por mais
alguns minutos se dava mal, por que não demorava e ele voltava com uma corda
dobrada pronta para ensinar como deveria ser cumprida uma ordem. (2009, p. 45).
Como todos os homens daquele tempo eram rígidos não aceitavam opiniões em suas
decisões, seu João Theofilo não admitia voltar atrás suas palavras. (2009, p.65- 66).
No entanto, é difícil achar a raiz do problema, uma vez que a mulher e seus anseios,
indagações, lutas, conquistas e percas não foram produtos, nem produtos de produções
literárias que refletissem sua complexidade, pois eram os homens que escreviam sobre as
mulheres, sobre nós. Ainda atualmente, as relações de poder são centradas na figura do
homem, mas há um luta por parte das mulheres ativistas em prol da igualdade de direitos em
todas as áreas. Tais discursos patriarcais são tão repetidos até pelas mulheres, uma vez que se
tornaram comuns e naturais através de sua perpetuação. É através da escrita que podemos
colocar o pensamento do passado em contato com o presente, difundir ideologias, rever
normas, etc.
A escrita tem sempre uma intencionalidade, uma vez que os interesses a serem
ressaltados e defendidos giram em torno do patriarcado e é entendível que se negue o lugar de
fala às mulheres, reduzindo seus papeis. A escrita assume um lugar no discurso, sendo assim
um lugar de poder. E se quem fala é o homem, este não poderá desvelar e representar uma
mulher de forma diferente, pois ao longo dos anos a escrita vem sendo utilizada também para
promover e manter privilégios e exclusões. E é também através dela que a mulher foi
historicamente silenciada e busca incessantemente ocupar seu lugar ao lado do homem.
O temor e respeito à figura paterna são traços do patriarcado e seu lugar de poder nas
famílias. A exaltação do homem através da atribuição de características como inteligência,
força, sabedoria, como se fossem inerentes a esse sexo remete ao pensamento habilmente
disseminado. Seu esforço e trabalho sempre são reconhecidos e dignos de méritos e nos
contos “As travessuras”, Luzia Senna admira a figura do tio e mais adiante no conto “Os Dois
Irmãos” a qualidade do avô:
Tio Geraldino foi caipira inteligente, aplicava injeção. Fazia pequenas cirurgias
como drenagens de obsessos etc. meu tio não cursou faculdade, mas, para mim,
grande ortopedista e cirurgião que cursou doutorado em meio a caatinga,
exercitando o dom que Deus lhe confiou. (2011, p. 30).
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Meu avô, José Lucio, era um homem inteligente, homem sábio. (2011, p. 77).
Meu noivado foi motivo de muita alegria, porque os meus sonhos começaram a
ganhar mais esperança de um dia poder morar na cidade. Por estas e outras razões eu
me sentia uma menina feliz. (2009, p. 54).
Eu pensava que quando ficasse noiva tudo ia melhorar, mas depois do noivado tudo
ficou pior. (2009, p. 55).
A ideia de realização da mulher está vinculada ao fato de ser mãe, formar uma família
e sua felicidade relaciona-se a este fato. Percebemos o conservadorismo da família em tais
passagens, pois o ideal de boa mulher defende que para sê-la deve ser prendada, casar-se e
cuidar do marido, submeter-se ao homem, o líder da família e sua maior referência de
inteligência, força e obediência. Cabe-lhe então, o lugar de mãe e esposa:
Como o lugar da mulher era o de doméstica, sua criação era voltada para o lar e seu
comportamento deveria ser adequado, pois se sua pretensão era o casamento nada poderia dar
margens para que questionassem sua conduta, sob a pena de ficar “mulher falada” e não poder
casar. A castidade e a pureza eram fatores imprescindíveis para o casamento. Luzia afirma o
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Por meio de as muitas estradas por onde passou a escritora não só sugere biográfica e
memorialísticamente sua história, como desvela discursos predominantes no Brasil nos
séculos XIX e XX, sendo assim possível compreender os discursos latentes na sociedade
contemporânea. Ainda hoje, embora com os avanços, o lugar de fala recai preponderante
sobre o homem, mas as lutas em busca da equidade são intensas. A mulher ainda é vista com
olhares conservadores e preconceituosos e o discurso da submissão é vivenciado a cada dia
por cada uma. Importantes passos foram e continuam sendo dados, por um grupo de
militantes que não admitem a estereotipia de um modelo de mulher e seu silêncio.
Se existem características que diferem a escrita de autoria das mulheres da dos homens
não há relevância, pois o que importa é a possibilidade de reconhecer a importância da escrita
das mulheres que foram impedidas durante muito tempo de serem publicadas. Escritoras dos
séculos XIX e XX costumavam usar pseudônimos ou se limitavam a escrever sobre economia
doméstica e religião, mas, já existiam as diferentes que transgrediram essa rota demarcada.386
Sobre a conquista da escrita da mulher afirma Rita Terezinha Schmidt (2000) que a
emergência do outro da cultura, as mulheres escritoras silenciadas pelas práticas narrativas da
cultura patriarca, sinaliza um novo conceito narrativo em que novos saberes, para além de
limites seculares impostos pela tradição, atualizam um novo sujeito engajado na
reconceptualização de si e do mundo, o mundo das mulheres.
Através da Literatura, Luzia Senna descentraliza esse poder com audácia, mesmo que
seus escritos sejam carregados de traços patriarcais e é por meio deles que podemos nos ler
386
Maria Feijó de Souza Neves, alagoinhense, utilizou-se, no início da vida de escritora de pseudônimo como
Gladys e Moreninha Bamba. Depois, passa a assinar seu nome de batismo. Ao lado de Maria Feijó citamos outra
escritora baiana Amélia Rodrigues. As duas transgrediram, porque escreveram livros de poemas em uma época
proibida, mas os respingos patriarcais permanecem, embora com a continuação dos tempos seus textos se
tornassem mais pessoais. Maria Feijó escreve sobre Alagoinhas, também sobre sentimentos pessoais, angústias,
ansiedades.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa forma, Luzia Senna contribui para esta pesquisa de forma significante, pois por
meio de suas linhas escritas nos reportamos a discursos, realidades, conceitos, hierarquias e
principalmente como o ser mulher se dá através de contextos e conceitos históricos sobre ela.
Sua conquista configura-se em um ganho social, pois mostra o poder da mulher e do ser
humano de forma geral de vencer os obstáculos, transpor limites e atingir o antes considerado
impossível.
Quando as primeiras escritoras brasileiras começaram a publicar em meados do século
XVIII, enormes eram os obstáculos. A educação da elite feminina da época, por exemplo,
resumia-se mais em uma preparação mundana que em educação propriamente dita. Bastavam
aulas de catecismos, costurar, arte de agradar e como se compor bem e fazer reverências.
Mesmo ao longo do século XIX, apesar das mudanças ocorridas nos costumes e
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Ivia. Interfaces. Ensaios críticos sobre escritoras. Ilhéus: Editus, 200?.
CRUZ, Maria de Fátima Berenice. Leitura literária na escola. Desafios e perspectivas de um
leitor. Salavador: Eduneb, 2012,
SCHMITED, R. T. Em busca da história não contada: ou o que acontece quando o objeto
começa a falar? In: INDURSKY, Freda e CAMPOS, Maria do Carmo. (Orgs.). Discurso,
memória, identidade. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2000.
SENNA, L. V. A estrada por onde passei. São Paulo: Scortecci, 2011.
SOARES, Mirian Kelly de Santana Santos. Vestígios patriarcais na escrita literária de Luzia
das Virgens Senna: a estrada por onde passei. Monografia de Trabalho de Conclusão de
Curso. UNEB/CAMPUS II, 2011.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi elaborado a partir de um projeto de pesquisa, construído no
decorrer da disciplina Escola e Currículo, que integra a grade curricular do curso de
Pedagogia, da Universidade Luterana do Brasil, campus Guaíba/RS, no primeiro semestre, do
ano de 2015. A proposta inicial da referida disciplina foi elaborar um projeto de pesquisa que
tivesse como foco o currículo escolar. Após a construção do projeto de pesquisa iniciou-se a
etapa seguinte que consistia em ir a campo e coletar dados, ou seja, visitar uma escola pública,
conhecer sua realidade e sua organização. A problematização que conduziu este estudo foi:
“De que forma é tratada e discutida a Sexualidade nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
O mesmo foi escrito com base em referenciais teóricos sobre Currículo, Gênero e
Sexualidade, tendo como foco alunos de uma turma de 5° ano, com idades entre 10 e 12 anos,
de uma escola pública da rede Estadual de ensino, na cidade de Guaíba/RS.
O título, “Interessante!”, é um excerto da resposta de um aluno, do sexo masculino,
que retrata de forma explícita o momento de descobertas e dúvidas sobre a sexualidade, que
os pré-adolescentes, independente de sua classe social, vivem nesse momento de suas vidas.
Cumpre ressaltar que primeiramente foi feita uma análise do que os teóricos escrevem
sobre currículo, gênero e sexualidade, tendo como foco principal suas ideias de como esse
assunto é, e como deveria ser tratado dentro da instituição escolar. De acordo com Louro
387
Acadêmica do Curso de Pedagogia ULBRA Guaíba/RS.
388
Professora da disciplina Escola e Currículo, Curso de Pedagogia ULBRA Guaíba/RS.
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(2001, p.88):
Currículo, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos,
processos de avaliação constituem-se em espaços da construção das “diferenças” de
gênero, de sexualidade, de etnia, de classe. Por meio de mecanismos frequentemente
imperceptíveis e “naturalizados”, a linguagem institui e demarca lugares (não apenas
pelo ocultamento do gênero feminino ou da sexualidade homossexual, mas, também
pelas diferenciadas adjetivações que são atribuídas aos sujeitos, pelo uso ou rejeição
do diminutivo, pela escolha dos verbos, pelas associações e pelas analogias feitas em
relação a determinadas qualidades, atributos ou comportamentos). O currículo “fala”
de alguns sujeitos e ignora outros; conta histórias e saberes que, embora parciais, se
pretendem universais; as ciências, as artes e as teorias trazem a voz daqueles que se
auto atribuem a capacidade de eleger as perguntas e construir as respostas que,
supostamente, são de interesse de toda a sociedade.
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suas opiniões para seus filhos, gerando uma ideia de "o certo e o errado". "o bonito e o feio",
"normal e anormal". Mas o que precisaria mesmo seria de esclarecimento sobre sexualidade,
pois muitas vezes esse padrão imposto de maneira arcaica e preconceituosa, oprime possíveis
vontades das crianças, seja em sua opção sexual ou até mesmo de identidade de gênero.
O dia-a-dia é muito cansativo e corrido, os pais trabalham muito, na maioria das vezes,
e não têm muito tempo para sentar e conversar com seus filhos sobre sexualidade, sobre essa
fase de descobertas. Mesmo quando sobra tempo não o fazem, pois acham seus filhos
"pequenos demais" para falar sobre sexualidade. Nas escolas o assunto é abordado de uma
forma básica, resumida e completamente teórica e às vezes o tema nem pode ser abordado,
por represália dos próprios pais somado a um currículo atrasado sobre o tema. Com essa falta
de informação, excesso de preconceitos e mal-estar sobre o tema, acabamos gerando jovens
imaturos, com pouco conhecimento e, na maioria das vezes, reproduzindo os pensamentos -
de seus pais, avós e outras gerações da família.
Durante as análises dos dados obtidos durante a pesquisa, constatamos que a grande
maioria dos alunos afirma não conversar com os pais sobre relacionamentos, sexualidade e
sexo. De uma turma de 18 alunos, apenas 4 disseram conversar sobre tudo com seus pais.
Quando esses alunos foram questionados sobre casais homossexuais, as respostas foram, em
maioria, com tom de preconceito, retratando, possivelmente a posição demonstrada pelas
famílias. Respostas como: "Eu não acho bonito, mas se eles se gostam tudo bem", "Eu acho
errado", "Eu não gosto disso", "Eu não gosto de homem com homem". Dentre as respostas, a
que mais se destacou foi a de um menino de 10 anos e que dá título ao artigo: “Interessante”.
Expressando certa surpresa por estar falando sobre o assunto e principalmente por estar
tratando sobre esta temática, no ambiente escolar. Sobre a abordagem de temas que envolvam
gênero, sexualidade na escola, Louro (2001) acrescenta:
Uma especial vigilância é dedicada, no espaço escolar, para os processos de
constituição do gênero e da sexualidade. O modo como socialmente vivemos nossa
masculinidade ou feminilidade, ou seja, nossa identidade de gênero, e “a forma
cultural pela qual vivemos nossos desejos e prazeres corporais” (Weeks, apud, 1996,
p. 76), ou seja, nossa identidade sexual, são alvos fundamentais na normalização
empreendida pela instituição escolar. O processo de ocultamento de determinados
sujeitos pode ser flagrantemente ilustrado pelo silenciamento da escola em relação
aos/às homossexuais. No entanto, a pretensa invisibilidade dos/as homossexuais no
espaço institucional pode se constituir, contraditoriamente, numa das mais terríveis
evidências da implicação da escola no processo de construção das diferenças. De
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certa forma, o silenciamento parece ter por fim “eliminar” esses sujeitos, ou pelo
menos, evitar que os alunos e as alunas “normais” os/as conheçam e possam deseja-
los/as. A negação e a ausência aparecem, nesse caso, como uma espécie de garantia
da norma”. (LOURO, 2001, p.89)
Através das perguntas também podemos perceber que os meninos se retraem mais do
que as meninas quando o assunto é relacionamento heterossexuais ou homossexuais e que
seus pensamentos são bem diferentes. As meninas tendem a encarar diferentes tipos de
relacionamentos com mais naturalidade.
A sexualidade está estampada diariamente na vida dos sujeitos, pois ela não se
constitui apenas na parte biológica, mas também aspectos históricos e culturais criam valores,
atitudes e normas. A escola agrega valores aos seus alunos e junto com os educadores e com o
apoio da família espera-se abordar que a sexualidade deve agir em prol deles e não contra
eles, a sexualidade deve ser abordada de maneira espontânea e natural. A escola não pode só
ditar o que é certo e errado, deve também ouvir esses jovens, saber o que eles pensam,
responder seus questionamentos de vida – que e normal nessa época “pre-adolescência”.
Conforme afirmou Louro:
Quem tem primazia nesse processo? Que instâncias e espaços sociais têm o poder de
decidir e inscrever em nossos corpos as marcas e as normas que devem ser seguidas?
Qualquer resposta cabal e definitiva a tal questão será ingênua e inadequada. A
construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens
e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é empreendida de modo explícito
ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um
processo minucioso, sutil, sempre inacabado. Família, escola, igreja, instituições
legais e médicas mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse processo
constitutivo. Por muito tempo, suas orientações ensinamentos pareceram absolutos,
quase soberanos. Mas como esquecer, especialmente, na contemporaneidade a
sedução e o impacto da mídia, das novelas e da publicidade, das revistas e da
internet, dos sites de relacionamentos e dos blogs? (LOURO, 2008).
A diferença é sempre constituída a partir de um dado lugar que se torna como centro e
como referência para o indivíduo. Consideramos a escola como um dos principais lugares a
serem vistos como referência e suporte para o desenvolvimento do sujeito. Pois além do aluno
passar cinco horas, no mínimo, do seu dia dentro do ambiente escolar, é também o ambiente o
qual o mesmo está frequentando – ou deveria – desde os 6 anos de idade (ou menos). Nele o
jovem vive, muitas vezes, suas primeiras experiências, lembranças que se perpetuarão pelo
resto da sua vida, por exemplo, como aprender a trabalhar em grupo, a interagir com seus
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diferentes, relações de “afeto” com pessoas fora do contexto familiar, etc. abrangendo
processos sociais, políticos, econômicos e culturais. É importante observar como o meio
escolar tem lidado com estas questões, e se tem possibilitado a compreensão da identidade de
cada indivíduo, abordando com naturalidade as diferenças.
É essencial que a escola e o currículo escolar direcionem o foco para este processo,
pois na fase de descoberta da sexualidade e de se descobrir, surgem as dúvidas, as incertezas,
os medos e a vergonha. Desta forma se faz necessário o diálogo, o trabalho conjunto
envolvendo escola e famílias buscando principalmente o exercício da tolerância e do respeito.
Com essa pesquisa, podemos perceber a ausência de diálogo e compreensão, e os
efeitos que esse "vazio" causa na formação dos meninos e das meninas; restringindo os
espaços de discussão da sexualidade.
"SE ELES GOSTAM, TÊM QUE FICAR JUNTOS" - UM OLHAR NÃO TÃO
FRÁGIL
1997).
A escola, como formadora principal de pessoas, deve desde os anos iniciais intervir
em atitudes, discursos e agressões, seja ela de qualquer punho preconceituoso e/ou opressor.
Deve ser o primeiro contato, formal, das crianças com “diferente” e mostrar que esse não é
menos ou mais que ela e sim igual que ela deve respeito, assim como deve ser respeitada. As
instituições de ensino, tem a obrigação de promover o discurso e as práticas diversidade. A
crucialidade do debate de gêneros e sexualidade no ensino fundamental, é uma questão de
sociedade como um todo, inclusão e corte de preconceito, não apenas sexual ou de gênero,
mas de etnia, crença, nacionalidade.
A sexualidade é bem mais que o exposto aos olhos da sociedade. Vai além das regras
impostas por uma classe dominante. Homens e mulheres são muitas outras coisas,
independente da sua opção sexual, raça, crença, e é primordial que haja respeito a todos. A
inclusão do referido tema no currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental é um grande
passo para uma reforma na sociedade com uma visão renovada e sem restrições, sem padrões
- seja de beleza, sexual, familiar -, uma sociedade sem preconceitos de nenhuma forma.
Para finalizar é importante destacar que que este trabalho retrata os estudos, as
reflexões e as discussões iniciais construídas por uma aluna do 1º semestre, do curso de
Pedagogia, as leituras sobre gênero, currículo e sexualidade possibilitaram um outro olhar
sobre as práticas escolares e as relações sociais. A pesquisa configurou-se como uma
ferramenta válida e produtiva para a construção de novas aprendizagens, constituindo um
espaço importante para a trocas de conhecimento e aprimoramento acadêmico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
¹ Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) –Bolsista de Iniciação Científica –
IC/FUNCAP
² Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) –Bolsista de Monitoria Acadêmica
PROMAC/UECE
³ Professora adjunta do Programa de Pós Graduação da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
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METODOLOGIA
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gênero? 2-A seu ver, há necessidade de maiores investimentos para que sejam discutidas as
questões da diversidade de gênero e orientação sexual dentro da escola? 3- Você já presenciou
alguma situação de discriminação, homofobia ou machismo dentro da escola?
Realizamos um levantamento bibliográfico com fundamentação em artigos
científicos e documentos públicos concernentes aos direitos humanos e educação. O lócus da
pesquisa foi uma escola de Ensino Médio da Rede Estadual de ensino da cidade de Fortaleza-
CE localizada no Bairro Parangaba. Inicialmente consultamos a diretora da instituição, que
por questões éticas optamos por não identificá-la. Posteriormente, apresentamos o objetivo da
pesquisa, e mediante a autorização da diretora realizamos as entrevistas com três jovens
alunos, um do terceiro ano do Ensino Médio de 17 anos de idade que aqui o identificaremos
por jovem (A), outro do segundo ano do Ensino Médio de 16 anos de idade que
identificaremos como jovem (B) e uma jovem estudante do terceiro ano do Ensino Médio de
18 anos de idade que chamaremos Jovem (C).
Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas, textualizadas e validadas, conforme
proposto pela metodologia de pesquisa em história oral temática. Ambas as narrativas, depois
de textualizadas fundamentam e apoiam esse estudo, na medida em que, realizando a análise
do material coletado, são esses discursos os responsáveis por encaminhar as discussões que
sucedem. O local selecionado para realizar as entrevistas foi a coordenação pedagógica,
gentilmente cedida pela instituição.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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pouco versado nas famílias dos jovens e adolescentes e no ambiente escolar muitas vezes, a
sexualidade é associada apenas ao ato sexual em si, passando a ser abordada na escola sem
maiores esclarecimentos, conforme explicitado pelos cadernos SECAD/MEC, 2007. As
políticas educacionais sobre sexualidade muito se restringem à reprodução humana e à saúde
sexual, embora estes sejam importantes, o estudo da sexualidade na escola deve ser ampliado
e levado a uma visão humanista através da diversidade e dos direitos humanos. A escola é um
lugar de socialização, onde as interações estabelecidas nestes espaços devem ser pautadas
pelo respeito às diversidades existentes, sendo uma Educação em Direitos Humanos.
A educação em direitos humanos, no currículo da educação básica, deve ser um dos
eixos norteadores de todo o currículo, não devendo ser tratado como uma disciplina,
pois é de responsabilidade de todas as áreas de conhecimento, por estar inserida na
parte diversificada do currículo. Trata-se muito mais de colocar os direitos humanos a
serviço da educação, como roteiro para ação educativa que produza conhecimento,
que conduza à emancipação das pessoas, a criticidade e que repudie todas as formas
de violência. (Orientações Curriculares para Educação em Direitos Humanos, Gênero
e Diversidade Sexual. p.5).
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sempre tem aquela pessoa que não aceita e usa aqueles termos linguísticos populares
“veado e não sei o quê” já vi brigas já. Aqui na escola tem um travesti no começo
para aceitarem ele aqui foi muito complicado, depois no meio do ano que ele
começou a conversar com as pessoas e eu via que era muito difícil pra ele. Para as
pessoas aceitarem a opção dele.”
Há uma forte incidência dos jovens transexuais, homossexuais dentre outros que, por
não se enquadrarem nas orientações sexuais consideradas “normais” socialmente, desistem da
escolarização (ARANTES, 2015). Esse fato decorre principalmente da falta de aceitação e até
conhecimento dos outros alunos e da equipe escolar no geral, o que ocasiona o progressivo
afastamento desses jovens do direito à Educação.
A Lei n 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), em seu Artigo
26, inciso 9 nos apresenta a prevenção de violência e da preocupação com a elaboração de
materiais de ensino que sejam utilizados de modo a colaborar com a prevenção da violência.
Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de
violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais,
nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei n
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do adolescente), observada a
produção e distribuição de material didático adequado. (Incluído pela Lei n 13.010, de
2014).
“A gente poderia focar no público mais jovem, sendo que ainda existe o receio de que as
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pessoas mais jovens não despertam tanto ainda a sexualidade, mas acredito que o pensamento
deve começar a partir da nossa própria casa sendo que a escola estaria mostrando para as
pessoas aquilo que realmente é cotidiano, mas em relação aos investimentos ainda está em
falta.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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como espaço de socialização e não se limita ao ensino específico das disciplinas. É necessário
ultrapassar barreiras e tabus que permeiam as famílias, comunidade e sociedade, denotando o
valor da escola como um lócus de transformações e não somente reprodução de ideais e
concepções.
Através dos discursos proferidos pelos alunos do Ensino Médio, verificamos que a
instituição de ensino necessita de ações direcionadas ao combate às discriminações de gênero,
pois, evidenciamos que no cotidiano escolar foram presenciados momentos de desrespeito às
diferenças, principalmente entre jovens homossexuais e transexuais. Também percebemos que
os jovens possuem grande potencial reflexivo e uma visão de mundo crítica e reflexiva. A
equipe escolar, e principalmente os docentes necessitam se atentar ao trato e ações no que
concerne à diversidade de gênero, para que assim, possamos ver na prática, uma interação
social positiva de respeito e combate às práticas discriminativas de homofobia, machismo,
dentre outros males que assolam a sociedade brasileira.
Os resultados evidenciaram ainda, que apesar de a escola não possuir ações de
combate a todas as formas de discriminação, a diversidade de gêneros encontrada na
sociedade e de a temática ser pouco abordada nas aulas por conta da limitação em se deter aos
conteúdos curriculares, os alunos demonstraram conhecimento e preocupação em discutir a
temática, ensejando assim, que medidas sejam tomadas na escola, como sugerido por uma das
entrevistadas. A escola deve estar atenta para as diferentes manifestações dos seus discentes,
sejam estas coletivas ou individuais, pois, para que sejam elaboradas e efetivadas orientações
pautadas nos direitos humanos, é de grande valia se trabalhar com o contato direto com os
alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Fábio. Gênero e diversidade sexual nas escolas: Uma questão de direitos
humanos. Carta Capital. Jul. 2015. Disponível em: <https//:
cartacapital.com.br/sociedadegêneroediversidadesexual-nas-escolas-uma-questão-de-direitos-
humanos-6727html>. Acesso em: 15. Ago. 2015.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Ministério de Educação/Câmara
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INTRODUÇÃO
Ao observar a educação nos dias atuais notamos um crescimento gradativo com
relação às décadas passadas. Libâneo (1998, p.18) afirma que “as transformações
contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento da educação como um
fenômeno plurifacetado” alcançando diversas faces seja no trabalho, na rua, na família, na
mídia, na escola, pois em todos esses aspectos ocorre a transmissão de saberes.
Entende-se por educação a “capacidade de humanizar o homem e torná-lo emancipado
para exercer com cidadania seus direitos e deveres” (ORTEGA & SANTIAGO; 2009, p.1),
desse modo, é visto a necessidade de independência do ser humano diante da educação “O
homem deve ser o sujeito de sua própria educação” (FREIRE; 1979, p. 35).
De acordo com (FARIA, 2006, p.58) podemos perceber que “é importante criar um
ambiente de ensino e aprendizagem instigante, que proporcione oportunidades para que seus
alunos pesquisem e participem na comunidade, com autonomia.” Pensamos que esta ação
pode ser realizada na educação formal, mas também em qualquer projeto informal que se
destine a intervir na educação das pessoas.
Tendo em vista os dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos),
considerando que estes têm apontado pioras no desempenho dos estudantes brasileiros com
389
Graduando no Curso Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais e Matemática da Universidade
Federal do Cariri. Bolsista do Programa Institucional de Extensão. E-mail: gusstavomendess@gmail.com
390
Graduanda no Curso Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais da Universidade Federal do Cariri,
Bolsista no Programa PIBIC/CNPq. E-mail: cinthiaolive19@gmail.com
391
Professora da Universidade Federal do Cariri. E-mail: iracema.pinho@ufca.edu.br
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faixa etária entre 15 a 17 com relação à leitura. Visamos neste trabalho favorecer a utilização
das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) entre as relações humanas
nos processos educativos. Observamos que a leitura tem se constituído como uma importante
ação humana ao longo do tempo para a educação e exercício de cidadania, pois liberta e
possibilita o empoderamento das pessoas nos mais variados assuntos, sendo também uma
possibilidade de construção da identidade entre os gêneros.
A problemática deste trabalho gira em torno da utilização das TDIC para favorecer
uma proposta de ensino e a aprendizagem para fins de leitura. Ancoramos nosso projeto,
tendo como base a teoria cognitivista e construtivista sobre o processo de aquisição do
conhecimento, e mais especificamente, o conceito de aprendizagem significativa (AUSUBEL,
1963).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
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É uma ferramenta educacional desenvolvida por Alberto J. Cañas, distribuída pela IHMC - Institute for
Human Machine Cognition da University of West Florida para organização de conhecimentos, objetivando
viabilizar colaboração entre estudantes e professores. Fonte: http://www.ihmc.us
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Fonte: Própria
Para além do planejamento das ações, todo o processo foi baseando em estudos entre
os estudantes na universidade, antes de ir à escola. Passada a fase de estudos em grupo, dos
textos pré-selecionados, a interpretação, e posteriormente, a escrita acadêmica foi fomentada
junto aos bolsistas, respeitando a relação entre os gêneros.
Os momentos de realização da atividade na escola entre os estudantes de graduação e
ensino médio, fazendo uso dos computadores no laboratório de informática, sempre foram de
muitas discussões e construções individuais e colaborativas de mapas conceituais, conforme
podemos observar na figura 2.
Fonte: Própria
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Durante as discussões pudemos perceber o quanto cada fase do livro mexia com algum
tipo de valor interpessoal dos envolvidos na atividade de leitura para a realização dos mapas
conceituais. Nas apresentações dos mapas por parte de cada participante, podíamos observar
as competências que cada estudante desenvolveu para a cartografia cognitiva. Conceber
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mapas conceituais é uma atividade que nos possibilita denominar de cartógrafo ou cartógrafa
os criadores dos mapas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados que apresentamos neste artigo através dos mapas conceituais produzidos,
demonstram que é possível utilizar a tecnologia para favorecer a aprendizagem
colaborativamente entre os gêneros masculino e feminino, com o objetivo de contribuir com a
formação de professores.
Podemos afirmar que o uso de maneira criativa e autônoma das TDIC por parte dos
professores e estudantes, juntamente com um bom planejamento e acompanhamento por parte
do professor, tende a contribuir com a formação de professores mais críticos e conscientes dos
seus papeis na autoformação, e consequentemente, na formação da comunidade para questões
que envolvem a relação de gênero no século XXI. Esta temática não se encerra, está aberta
para muitas reflexões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Realizar um levantamento bibliográfico não é uma tarefa fácil e conta com um grau de
conhecimento teórico e metodológico dinâmico, além de um processo de sistematização
próprio. O que nos propomos fazer parte da nossa preocupação com o controle de trabalhos
relacionados às nossas pesquisas. A ideia central desse estudo tem a função de mapear
trabalhos com informações produzidas e publicadas acerca da temática Mulher e Educação;
Educação de Mulheres. A temática da pesquisa que estudamos e desenvolvemos atualmente
está inserida como campo de estudo na linha de História da Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.
Nesse sentido, foi feito um levantamento bibliográfico sobre as produções já existente
sobre a citada temática ao longo dos anos de estudos da ANPEd e da SBHE. O intuito desse
393
Mestranda em História da Educação, vinculada ao programa de pós-graduação em educação da UFPB;
graduada em pedagogia pela UFPB e membro do grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação da Paraíba
– HISTEDBR – PB.
394
Graduada em História pela UEPB e aluna especial da linha de História da Educação no programa de pós-
graduação em educação da UFPB.
395
Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal da Paraíba; aluna Bolsista do Programa de Iniciação
Científica (PIBIC) e membro do grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação da Paraíba – HISTEDBR –
PB.
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justifica pelo interesse em estudar a história das mulheres, que ultimamente vem recebendo
um destaque maior.
A realização desta pesquisa irá contribuir com a ampliação da compreensão existente
do estágio atual da pesquisa em educação no que diz respeito à expansão realizada por alunos
da pós-graduação de diversos setores educacionais, tanto acadêmicos quanto políticos e
sociais. É importante ressaltar que estas discussões além de impulsionarem novas ações para o
incentivo a pesquisa, indicam também os desafios e as possibilidades com as quais os
educand@s e professor@s precisam lidar cotidianamente nas salas de aula ao levar em conta
as dificuldades presentes na realidade de cada um dos sujeitos envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem. Segundo Gondra (2005), “Mapear fontes é, portanto, preparar o terreno
para uma crítica empírica vigorosa que constitua novos problemas, novos objetos e novas
abordagens”.
Diante do que foi exposto, entende-se que, para o campo da Pesquisa em Educação,
bem como para os estudos acerca da temática, há definitiva relevância social e científica, ao
ampliar a visibilidade do papel do pesquisador, que justifica a realização da pesquisa referida
por esta proposta. Relevância esta que vem suscitando o interesse dos pesquisadores em tratar
de mapeamentos.
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METODOLOGIA
Neste estudo, os dados foram coletados a partir de dois acervos, os quais estão
disponíveis na internet. Para reconhecimento dos trabalhos, procurar nos anais do site da
ANPED e nos anais do site da SBHE. Nesta seção apresentaremos o mapeamento da situação
dos trabalhos, em termos da oferta existente, bem como apresentaremos os resultados das
análises. O intuito desse trabalho é conhecer a demanda de pesquisas relacionadas a área de
história da educação, fazendo um balanço das produções que foram desenvolvidas em vários
estados do Brasil. Escolher um método para ser usado neste trabalho, não foi uma das tarefas
mais difíceis, pois resolvi seguir as regras da pesquisa bibliográfica e o método qualitativo. É
fundamental a sistematização das fontes históricas e bibliográficas para explicitar as
contribuições dos artigos e pôsteres.
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No Error! Reference source not found. descrito acima está o número de todos os
trabalhos a cada ano encontrados para o mapeamento desta pesquisa. Para fins desse estado de
conhecimento nota-se um número maior de trabalhos no ano de 2008 talvez por maior
divulgação dos agentes responsáveis pela organização do CBHE, já que foi o maior número
de trabalhos encontrados na página da SBHE.
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Diante do Error! Reference source not found. pode-se observar que o trabalho
propõe uma investigação empírica nos sites da internet destes três acervos bibliográficos.
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dos homens comuns, preocupando-se com suas práticas culturais, suas experiências da
mudança social.
A nova história cultural nasce da crítica ao historicismo e pela elevação da dimensão
cultural da História. Essa mudança decorre de novas forças sociais, que configuram diferentes
lutas e atingem vários campos do saber, reabrindo as discussões teórico-metodológicas sobre
a história. Esse processo tem como marco o alargamento do conceito de fontes, o qual
possibilita incorporação de novos objetos e sujeitos, no processo histórico, que durante muito
tempo ficaram ocultados ou desconsiderados da historiografia. Surge na década de 1980 uma
interna distinção sobre o campo da cultura, com fortes críticas à história tradicional ou história
cultural clássica, ampliando os estudos e as escritas sobre várias abordagens da história
cultural. “A história cultural tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1988. p. 16-17). Podemos dizer que esse movimento se
estabelece em uma configuração sobre pensar a historiografia acerca da cultura popular, sem
excluir as expressões de cultura das elites. No campo da história da educação, não importam
apenas os movimentos educacionais ou grandes pensadores, mas voltam-se os olhares para
novos objetos de pesquisas e novas maneiras de abordá-los. “A nova história cultural, desde o
seu surgimento, deslocou sua atenção para a história dos homens e mulheres comuns,
preocupando-se com suas práticas culturais, suas experiências na mudança social” (SANTOS,
2009, p. 25).
Ao analisar o dados e observar o processo do procedimento metodológico deste trabalho,
algumas observações devem ser feitas, como por exemplo o maior número de produções de trabalhos
encontrados nesta pesquisa. Portanto afirma-se que os Congressos Brasileiros de História da educação
apresentam mais trabalhos do que as outras fontes analisadas.
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Grupos de Trabalho foram selecionados pelo Comitê Científico, com parecer dos pareceristas
ad hoc de cada GT. Os pôsteres foram selecionados por pareceristas ad hoc indicados por
cada Grupo de Trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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METODOLOGIA
O trabalho foi desenvolvido mediante uma abordagem qualitativa, com o intuito de
identificar como os professores situam-se à respeito das exibições e conflitos de gêneros na
escola pública, bem como apresentar vivências em sala de aula que constatem as atitudes e
posicionamentos compartilhados no escopo da pesquisa. Realizamos ainda, um estudo de caso
afim de contextualizar a prática executada pelos docentes tomando como referência as ações
externas que também influenciam nas posturas identificadas em decorrência da temática de
gênero, sexualidade e educação.
Desenvolvemos entrevistas semiestruturadas com base em perguntas norteadoras,
conforme exposto a seguir: “Você presencia conflitos de gênero e sexualidade na sala de
aula? Se sim, exemplifique.”, “Que postura você defende diante dessas discussões?” “Você
tem, ou já teve alguma formação voltada para trabalhar esse assunto na escola?”.
A pesquisa foi realizada, conforme já explicitado, numa instituição pública em
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa emergiu resultados heterogênios, sujeitos a interpretações variadas,
principalmente no que concerne ao posicionamente que as docentes mostraram executar em
sala de aula a respeito das diversidades situadas no âmbito em que atuam. O seu entendimento
sobre as problemáticas cujo tema aborda gênero e sexualidade na escola revelaram
inconsistências e permanências, tanto referente ao questionamento sobre os conflitos
presenciados que envolvem os alunos(as), quanto na verificação da presença, ou falta, de
formações específicas que abordem tais temas.
Sabe-se, no entanto, que os processos formativos na escola envolvem princípios e
normas institucionalizadas, desenvolvidas com a finalidade de nortear a trajetória educativa
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Essa percepção esclarece, até certo ponto, um dos argumentos que explicitam porque
as diferentes identidades apresentam seus próprios paradigmas e dificuldades de aceitação,
visto que composta por grupos e indivíduos subjetivos, dotados de complexidade, encontra-se
sujeita a graus, maiores e menores, de cobranças, pressões ideológicas e até mesmo
contraditoriedades. Ao questionar as professoras sobre os conflitos existentes na escola
supracitada, relacionado às diferenças de gêneros e identidades sexuais dos alunos,
especificamente nas turmas que lecionam, foram obtidos os seguintes testemunhos:
Os conflitos já vem do que eles trazem de casa, os conceitos já estabelecidos, tipo
“tia, o meu pai não gosta que eu dance”, os meninos né, “o meu pai não gosta que
eu jogue futebol porque eu sou menina”. (Rubi)
O conflito quando eles não querem , por exemplo, fazer um trabalho só com as
meninas, ai eu digo que ambos tem que fazer juntos, mas alguns acham que se ficar
perto das meninas irão ficar afeminados. (Diamante)
Já presenciei conflitos na escola, e foi em relação a essa questão do
homesexualismo, a gente se depara com crianças com essa problemática, é
complicado na idade deles, fazerem eles entenderem que existem os gêneros
femininos e masculinos, mas que em algumas situações algumas pessoas tem
personalidades que acabam se desviando dessa questão do natural né, de ficar com
o homem ou a mulher. (Pérola)
Geralmente, quando os meninos estão jogando futsal, eles não gostam que entre
meninas. E aqui na escola tem meninas que jogam muito bem e gostam de jogar
futsal, então assim, isso pra mim já confltiou em algumas aulas. (Esmeralda)
Nota-se que nos dois primeiros e último depoimento os conflitos mais frequentes
percebidos pelas docentes, refere-se ao preconceito reproduzido pelos alunos do sexo
masculino em detrimento do feminino. Historicamente a figura feminina, durante décadas,
exerceu função secundária na sociedade, sendo limitada a cuidar da família e das atividades
domésticas, não podendo desempenhar os mesmos encargos sociais que os homens. No
Brasil, o modelo de família patriarcal era tido como referência nacional, caracterizando um
cânone tradicional de organização genealogica, onde a mulher foi constituida como ser dotado
de feminilidade, ou seja, estereotipada por ser emocional, subjetiva, pacífica, impotente,
frágil, doméstica e recatada. (ANDRADE, 2005).
Para Narvaz e Koller (2006, p. 2): “na medida em que a família e as relações entre os
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norteadores, contendo elementos que podem ser aplicados na práxis educativa, como
estratégias de conscientização à multiplicidade de orientações presentes na vida
escolar/quotidiana do discente, conforme exposto a seguir:
“Futebol é um esporte pra meninos”, não, eu sempre procuro colocar pra eles que
a grande maioria são os meninos que jogam, mas que não há problema algum em
uma menina jogar também” sempre tem exemplos do sexo oposto que desempenha
alguma atividade tão bem como aquele que é dito pra aquilo, assim como existem
grandes profissionais, bons cozinheiros, costureiros, pessoas que entendem de
moda, que nem são mulheres. Não existe isso determinado, depende do talento de
cada um e do que ele gosta de fazer. “o meu pai não gosta que eu jogue futebol
porque eu sou menina”, então a gente vai trabalhando em cima das temáticas
trazidas por eles, pra que a gente tenha uma aplitude dessa visão de mundo, dos
conceitos, do que eu posso construir daqui pra frente e modificar, tanto na minha
vida, como na construção da minha própria família, que são os futuros pais, os
futuros educadores, então a gente vai trabalhando desde da pré adolescência que
existem outras possibilidades. Inclusive no caso da homosexualidade, que a gente
deve respeitar, compreender. A gente precisa trabalhar com as diferenças, como
esporte, religião, tudo que não pode não ser preferência minha, mas é do outro.
(Rubi)
Quando os meninos estão jogando futsal, eles não gostam que entre meninas. maa
eu coloco pra eles, que eles podem incluir, eles devem incluí-las, porque inclusive,
nós temos até pessoas, meninas, moças jogando futebol, até profissionalmente. Nós
temos a jogadora Martha, que é uma jogadora e joga até melhor do que muitos
homens. (Esmeralda)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho objetivou analisar o posicionamento de algumas docentes atuantes em uma
instituição pública, especificamente na educação básica, frente as manifestações e conflitos de
gênero/sexualidade provocados por alunos presentes no âmbito observado, afim de
compreender como a postura e o comportamento adotado pelas mesmas, no que sucede o
assunto, interfere na prática pedagógica aplicada na sala de aula, e por consequência, no
aprendizado e significado que o aluno constitui sobre o fato nos espaços de interação social.
Tal propósito foi alcançado através das entrevistas constatando que as professoras se
deparam constantemente com discussões e demonstrações de intolerência e desrespeito por
parte dos alunos, em especial, reproduções machistas, que inferiorizam e excluem o sexo
feminino nas atividades e brincadeiras.
Percebeu-se ainda, que algumas educadoras limitam-se à explicações pouco
congruentes quanto as questões de cunho e orientação sexual, transmitindo falta de
sensibilidade e aporte teórico para ministrar uma aula conscientadora, que imprima condutas
de respeito e apoio aos diversos formatos de construção indentitária. Ao mesmo tempo,
também foram encontrados discursos racionais e cuidadosos de incentivo à participação e
valorização do feminino em tarefas que socialmente são ditas como exclusivas do sexo
masculino.
Nessa perspectiva, o estudo não se dá por encerrado, mas ao contrário, aponta para a
necessidade de ampliar argumentos, pesquisas e debates que trabalhem as temáticas
ressaltadas acima em formações de professores que atuam na escola pública, especialmente na
educação básica, com o intento de originar profissionais mais preparados para enfrentar o
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preconceito dentro e fora das paredes escolares, estimulando assim, ações democráticas e
efetivamente construtivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista seqüência: Estudos Jurídicos e
Políticos, v. 26, n. 50, 2005, p. 71-102. Disponível em:
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NARVAZ, Martha Giudice, KOLLER, Silvia Helena. Famílias e patriarcado: da prescrição
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THOMPSON, Paul. A voz do passado: Introdução à história oral. São Paulo: Paz e Terra,
1998.
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INTRODUÇÃO
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Tomo a infância como um objeto cultural fabricado pelos discursos, pela mídia, pelo
consumo e pelas condições estruturais da pós-modernidade, configurando certas
identidades infantis e formas de ser criança. (MOMO, 2007, p. 117).
Na esteira disso, temos entendido que os desenhos animados acabam por constituir
identidades de gênero nas crianças, configurando modos de ser menina e menino, tendo em
vista que este artefato cultural se apresenta para a criança enquanto um modelo, um padrão a
ser seguido, explicitamente percebido pelas características dos personagens e suas ações.
É possível, assim, analisar quais as contribuições que o desenho animado pode
oferecer para a discussão em torno das identidades de gênero no cenário pedagógico, na
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escola de Educação Infantil. Segundo Fischer (2000), analisar os produtos da mídia nessa
perspectiva acaba implicando uma “descrição das formas de o poder se manifestar e se
exercer”.
Tendo como cenário a escola pública de ensino, entendida como lócus de produção
de conhecimento, estamos nesse momento da pesquisa junto às crianças, ouvindo-as, o que
tem nos levado a apontamentos preliminares que fortalecem nosso pressuposto inicial de que
os discursos veiculados em desenhos animados, ao anunciar modos considerados corretos de
ser menina e de ser menino, vão permitindo que as crianças se identifiquem com tais modos,
passando a agir também em função deles.
Através das narrativas, linguagem e textos, são apresentados discursos que capturam
o sujeito porque, eles não apenas descrevem ou falam sobre determinadas coisas,
mas, ao fazer isso, eles instituem coisas e inventam sua identidade (COSTA, 2000).
Gênero aponta para a noção de que, ao longo da vida, através das mais diversas
instituições e práticas sociais, nos constituímos como homens e mulheres, num
processo que não é linear, progressivo ou harmônico e que também nunca estará
finalizado ou completo.
Segundo Louro (1997, p. 24-25), o conceito de gênero precisa ser entendido como
constituinte da identidade dos sujeitos. Compreendendo assim que os sujeitos têm identidades
plurais, múltiplas, identidades que se transformam, que não são fixas ou permanentes, que
podem, até mesmo, ser contraditórias. Ao afirmar, portanto, que o gênero institui a identidade
do sujeito (assim como a etnia, a classe, ou a nacionalidade, por exemplo) pretende-se referir
a algo que transcende o mero desempenho de papéis, a ideia de perceber o gênero fazendo
parte do sujeito, constituindo-o.
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expressão as falas e os gestos dos personagens dos desenhos quanto aos modos de ser menino
e ser menina.
De modo geral, os meninos demonstram inclinação pelos super-heróis, personagens
dotados de força, virilidade, jovialidade e sabedoria. Para as meninas, são destinadas as
“mocinhas” das histórias, modelos de fragilidade, sutileza e amabilidade.
A desconstrução desses modelos, propondo uma visão ampla e critica sobre os papéis
sociais, são preocupações abarcadas pela educação na atualidade, na medida em que tais
discursos emergem nas falas e ações infantis em diferentes momentos da rotina escolar.
Aliadas a esses papéis, somam-se os objetos vinculados a tais personagens, que também
agregam valor simbólico, principalmente os brinquedos e vestimentas, incitando a aquisição
desses bens e conseqüentemente alimentando o consumismo.
Deste resultado preliminar, pôde-se concluir que, a despeito das conquistas sociais
granjeadas no campo das discussões sobre gênero e sexualidade, os desenhos animados
seguem atravessados por discursos preconceituosos de gênero, que conformam modos de ser
menina e ser menino.
Assim, nossos primeiros achados sinalizam para uma investigação que possibilita
uma leitura crítica da mídia com as crianças por meio dos desenhos animados, tendo como
foco as identidades de gênero presentes nos artefatos culturais mencionados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Marisa V. (Org.). ESTUDOS CULTURAIS EM EDUCAÇÃO: mídia, arquitetura,
brinquedo, biologia, literatura, cinema. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000. p. 13-
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BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e maquinarias. Rio de Janeiro. DP&A, 2002ª.
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FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia, Estratégias de linguagem e produção de sujeitos. In:
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desejo da referida pesquisa de Mestrado, quanto a hipótese de que as práticas curriculares das
pré-escolas de Patos desenvolviam mecanismos de produção de gênero (masculino e
feminino) e de intervenção dispostos a corrigir e normalizar os corpos desviantes que
atravessam a lógica linear entre sexo e gênero, esmeradas na vigilância e na valoração de
papeis fixos de gênero específico, ancorado na ideia da suposta existência de um sexo
“verdadeiro”. O tabu sustentava o temor de que papeis sociais masculino e feminino fossem
perturbados.
As minúcias do funcionamento desse processo arrebataram a curiosidade do
pesquisador, intrigando-lhe inicialmente o constante interesse escolar em coibir inúmeras
situações em que as crianças pequenas praticavam subversão dos papeis dicotômicos de
gênero. Ao observa-las, passou-se a notar a gravidade daqueles “delitos”, cenas
desconcertantes para muitos colegas professores que se mostravam contrariados por aqueles
corpos. Havia um receio profundo e um incômodo gerado por uma estranheza sempre que a
barreira clichê performática dos gêneros era questionada. Isso pôde ser observado
especialmente através do cuidado na escolha dos brinquedos, como se estes representassem
“próteses identitárias” inquestionáveis, e sua desqualificação fosse sintomática de uma
“anormalidade” indesejada, a ser corrigida.
O que se delineava nas reações das professoras era o entendimento do que seja
normal e anormal. Que ao perscrutar a identidade de gênero e a sexualidade humana,
promoviam intervenções compulsórias coibindo as tais “transgressões” para que os
comportamentos e escolhas das crianças correspondessem às expectativas de masculinidades
e feminilidades “normais”. Havia um “cerco” em torno da performance de gênero das
crianças, intencionado em afastar a ameaça de uma indesejada distorção na orientação sexual.
O desejo e o afeto, não poderiam destoar da lógica reprodutiva pênis-vagina, dada pela
natureza com suposto uso exclusivo. Orientação sexual e identidade de gênero apareciam
como coisas idênticas com ligação casuística automática.
A partir do estranhamento com aquilo tudo, buscou-se pensar mais que aquelas
flagrantes dos comportamentos desviantes, e foi-se percebendo a silenciosa, mas não menos
poderosa, pulverização de aparatos pedagógicos, sutilezas gestuais e de atos que investiam,
ora explicitamente, ora dissimuladamente, naqueles corpos infantis. Perscrutando com maior
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perícia, cada vez mais intrigado com a meticulosidade daquelas ações, pôde-se ir
identificando o engendramento cada vez mais especializado de subjetivação: havia ali
“pequenas astúcias dotadas de um grande poder de difusão, arranjos sutis, de aparência
inocente, mas profundamente suspeitos” (FOUCAULT, 2014, p.136). Uma articulação entre
saberes pedagógicos, disciplina e vigilância, conectando uma coerência que uma vez explícita
pelo corpo, dado biologicamente, deveria se manter inquestionável. O corpo expressava uma
suposta “verdade natural” e o gênero, seu devoto, não poderia desautorizá-lo.
Estava presente naquele contexto uma docilidade típica da ação pedagógica na
Educação Infantil que, de forma idílica, muitas vezes prolixa, falava da sexualidade das
crianças, desfilava pela linguagem, pelos brinquedos, pelos contos infantis, pelo espaço da
creche com a melhor das intenções, mostrava-se meiga até pela maneira afável de dizer não,
conduzindo com ternura o lugar de cada gênero. Esses sistemas intercambiáveis me remetiam,
não de forma instantânea, mas lentamente, ao que Foucault (2014, p.133) descreve como
sendo “uma coação calculada que percorre cada parte do corpo, assenhoreia-se dele, dobra o
conjunto, torna-o perpetuamente disponível, e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos
hábitos”.
Essa docilização do corpo intercambiada com a minúcia da vigilância em torno de
fazer cumprir a verdade do corpo possuía um vigor que articulava uma racionalidade
mantenedora de práticas que pareciam tanto necessárias quanto naturais. Eram bem vistas
tanto pelos professores, quanto pelos pais; possuíam legitimidade e um apelo reiterado ao
entendimento essencialista e monolítico de gênero. A partir do que estava delineado, foi-se
elaborando o entendimento de que havia uma porção da expressão hegemonicamente
heteronormativa e sexista que era retirada da cultura escolarizada. Essa estrutura aparecia
cada vez mais presente à medida que o pesquisador se dedicava a leituras das produções de
Louro (1999), Silva (2002), Foucault (2014), Scott (1995) e Butler (2015).
Aos poucos, foi-se elaborando o entendimento de que a vigilância permanente, as
prescrições, o controle e o disciplinamento pulverizado e especializado controlava e possuía
um caráter extremamente negativo. Impressionava toda uma articulação de artifícios
destinados a eliminar, fazer desaparecer a incoerência entre corpo-gênero-sexualidade, agindo
na montagem de um sujeito unificado, coerente, homogêneo. Acompanhando com mais
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Em primeiro lugar, dizer que a disciplina fabrica os corpos dóceis não significa dizer
que ela fabrica corpos obedientes. Falar em corpos dóceis é falar em corpos
maleáveis e moldáveis; mas não se trata, aí, de uma modelagem imposta, feita a
força. Ao contrário, o que é notável no poder disciplinar é aquele que “atua” no nível
do corpo e dos saberes, do que resultam formas particulares tanto de estar no mundo
– no eixo corporal – quanto de cada um conhecer o mundo – o eixo dos saberes.
(Veiga-Neto, 2007, p. 71)
Em “vigiar e Punir”, Foucault (2014) usa uma ilustração em que pretende provocar o
leitor a pensar a encenação do corpo submetido. A figura ilustra as amarras utilizadas para
impor uma regra, corrigir distorções. O nó em torno da árvore corrige as distorções e os
desvios não desejados, simulando a ação normativa do poder disciplinar.
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30. N. Andry. A ortopedia ou arte de prevenir e corrigir, nas crianças, as deformidades do corpo, p. 1749.
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Remetemos-nos aqui ao modelo de homem hegemônico do humanismo europeu, branco, cristão, urbano e
heterossexual, sob o qual a pedagogia moderna teve amplos efeitos. Como sabemos, o homem moderno é o
homem escolarizado.
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inteiramente novo para o pesquisador, pois possuía recordações dos tempos que vivenciou a
escola como aluno e que, ao mesmo tempo, essa conjuntura não estava posta de forma tão
lógica. Ele desconfiava que estivesse diante de um corpo semântico de enorme complexidade
do qual apenas havia começado a puxar os fios. Foi quando começou a buscar leituras nos
estudos contemporâneos de gênero e passou a suspeitar que a cultura hegemônica
heteronormativa e genereficada atuava poderosamente na construção educacional de
operadores didáticos, de papeis, identidades, posturas e sentimentos, ensinados nas práticas
pedagógicas, sem, no entanto, se fazerem perceber enquanto construídas. Daí em diante,
passou a se movimentar tentando abrir caminho para realizar esse estudo que ora
apresentamos.
É preciso ressaltar que o estudo trata da análise de como se constrói um conjunto de
práticas reguladoras em um espaço restrito, mas sem a pretensão de apontar um caminho
salvacionista seguro, sob o qual se possa conduzir algum tipo de libertação. Não é intuito
compreender ou eleger um teórico paráclito, nem muito menos ministrar nenhuma panaceia.
Contudo, o estudo possui uma dimensão política que não abre mão de denunciar a montagem
de certas estruturas arbitrárias praticadas com valor de verdade, expondo-as a possibilidades
de contestação.
Ao longo desse processo, traçaremos nossas trajetórias inspirando-se em diferentes
textos, inventando modos de pesquisar a partir do nosso objeto de estudo e do problema de
pesquisa que formulamos. “Fazer as articulações de saberes e as bricolagens metodológicas é
fundamental nas pesquisas pós-críticas” (PARAÍSO, 2014, p.35). O que significa que o
estudo não se subsidia unilateralmente numa teoria mestra, nem num método no sentido
rígido do termo, mas que se recorrerá a diferentes arranjos intelectuais que oferecem
considerações profícuas a nosso objeto. Utilizando, dessa forma, a potência de diferentes
conceitos e ferramentas para oferecermos compreensões diferentes sobre ele. Porém, também
é importante que se diga que essas bricolagens estarão apoiadas nos deslocamentos realizados
no âmbito das teorias pós-críticas.
Procedimentalmente a fim de conduzirmos e multiplicarmos as possibilidade de
entendimentos a respeito do nosso tema, trabalharemos a revelia da fixidez metodológica que
persegue obstinadamente um único caminho confiável. A orientação com a qual nos
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REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
Autêntica, 1999.
MEYER, Dagmar Estermann. PARAISO, Marlucy Alves (orgs). Metodologias de pesquisas
pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2014.
PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. Belo
Horizonte: Mazza, 2014.
ROSE, Nikolas. Como se deve fazer a história do eu?. Educação e realidade , Porto Alegre,
v.26,n.1,p33-58,jun./jul.2001.
SCOTT, Joan . Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto
Alegre, v. 20, n. 2, jul./dez. 1995
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte-MG: Autêntica, 2002.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
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INTRODUÇÃO
397
(Des)contruir neste contexto está diretamente relacionado a ideia de desnaturalizar o que parece natural (um
dos objetos de estudo da disciplina de Sociologia), mas que na verdade faz parte da segunda natureza, que está
ligada a conjuntura das relações sociais.
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Ciente de que toda mudança exige esforço, mas se houver uma consciência na
comunidade da pluralidade que engloba as relações de gênero e o poder que esta exerce, a
possibilidade da contribuição na construção de cidadãos mais conscientes é mais provável.
Deste modo, este estudo embasa-se em uma experiência vivenciada com estudantes de uma
turma do terceiro ano do ensino médio de uma escola da rede pública estadual no ano de
2014, em específico, com o estudo de gênero nas aulas da disciplina de Sociologia utilizando
como recurso didático a música Mulheres (1995), de autoria de Toninho Geraes e interpretada
por Martinho da Vila e a opção de trabalhar com uma pequena amostragem deu-se pelo fato
da possibilidade de estudar o conteúdo em profundidade, explorando todos os
questionamentos levantados durante a tempestade de ideias que o estudo de gênero provoca.
Trabalhar com música no enfoque do estudo de gênero surgiu da perspectiva de
apresentar a temática de forma lúdica, afastando qualquer possibilidade de agressividade
diante da disparidade que existe diante das diferenças de gênero entrelaçadas na sociedade.
Para composição deste trabalho, metodologicamente, optou-se pelo campo da
abordagem qualitativa; tomando como base a pesquisa documental conforme Godoy398(1995)
declarou que a partir da pesquisa documental pode-se propor a exploração de novos enfoques
ou releitura do que já foi abordado. E ainda, optou-se em trabalhar também com a análise de
conteúdo, pois "ela parte do pressuposto de que, por trás do discurso aparente, simbólico e
polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar (GODOY, 1995, p.23)" havendo a
necessidade de novas interpretações dos dados pesquisados.
A análise de conteúdo é composta por três fases: pré-análise, exploração do material e
tratamento dos resultados. A pré-analise é a fase organizacional em que a pesquisa
documental e fundamentação teórica fazem parte do processo; a exploração do material é o
momento da prática da análise em si, a vivência no campo de pesquisa, é o cumprimento do
398
Arilda Schmidt Godoy no período em que escreveu o artigo Pesquisa Qualitativa – tipos fundamentais para a
Revista de Administração de Empresas, em 1995, pertencia ao Departamento de Educação da UNESP, Rio
Claro.
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que foi previsto na pré-análise; e por fim, a última fase refere-se ao tratamento dos resultados,
momento em que se busca a interpretação do material pesquisado.
É nesse ínterim que este artigo toma corpus, dividindo-se em três partes embasadas nas
fases fundamentais da análise de conteúdos, acrescido das considerações finais.
PRÉ-ANÁLISE
ARCABOUÇO TEÓRICO
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O corpus teórico deste artigo embasa-se no estudo de gênero desenvolvido por Saffioti
(1987), que enfatiza que
A identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da
atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes
categorias de sexo. A sociedade delimita, com basta precisão, os campos em que
pode399 operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode
atuar o homem (SAFFIOTI, 1987, p. 08).
399
Grifos da autora.
400
Em 2000, 189 países, dentre os quais o Brasil, firmaram compromisso a serem alcançados até 2015, tendo
como um dos objetivos à qualidade de vida. Com isto, a ONU instituiu os anos entre 2005 a 2014 como a
Década da Educação, citando entre outras metas, a equidade social e de gênero (BRASIL, 2013).
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EXPLORAÇÃO DO MATERIAL
Por se tratar de um estudo empírico tendo como base a letra de uma música, o apoio em
Weber (1995) serviu como pilar para estruturar o campus em que possibilitasse a imaginação
sociológica do corpo discente.
Segundo Weber,
o fenômeno da racionalização do material sonoro não se desenvolve de modo
unívoco. Ele comporta "infiltrações" não propriamente racionais, que no entanto, ao
inserirem-se em um "sistema" racional, acabam por ser absorvidos por sua lógica,
nem que seja como antídoto a ela (WEBER, 1995, p. 43).
É nas infiltrações da letra da música Mulheres em que este estudo pretende adentrar, de
modo a despertar o estranhamento dos(das) estudantes ao que lhe parece óbvio e
desnaturalizar a cultura enraizada das relações de gêneros antagônicas.
Neste ínterim, a proposta é de utilizar a música Mulheres como recurso para a quebra de
paradigma existente na sociedade, implícito ou explícito, do poderio masculino, tendo como
representação de poder o falo401, assim,
torna-se bem claro o processo de construção social da inferioridade. O processo
correlato é o da construção social da superioridade. Da mesma forma como não há
ricos sem pobres, não há superiores sem inferiores. Logo, a construção social da
supremacia masculina exige a construção social da subordinação feminina. Mulher
401
Falo é o poder do macho representado pelo pênis. Logo, falo = pênis.
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A música Mulheres (1995) traça bem esta visão deturpada que sobressai no papel do
homem na sociedade e o senso comum apropria-se sobremaneira da ideia do trono reservado
para o exercício do poder masculinizado “e o processo socializador se deu com tamanha
eficiência que a mulher promulgou-se complemento do homem (QUINTAS, 2005, p. 53)”.
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tratamento dos resultados é proposto uma nova visão a respeito da música, que não mais seja
do homem-macho, provocando a imaginação sociológica dos(as) estudantes.
O segundo momento foi marcado pela quebra de paradigma presente na letra da música
Mulheres (1995), antes de prosseguir com as outras duas questões do questionário semi-
estruturado indagou-se a possibilidade da pessoa ideal que o músico procurava ser outro
homem – esta foi a terceira pergunta – em que a resposta era sim ou não: 78,6% disseram que
sim; 17,9% opinaram que não e 3,6% abstiveram a resposta. O resultado aponta a
possibilidade de uma sociedade mais igualitária no que tange as relações de gênero a partir de
uma perspectiva sociológica. A desnaturalização da segunda natureza, que é a social, permite
um novo olhar, de modo a romper o que parece inatingível.
A quarta e última pergunta tratou em questionar em que trecho da música o/a
aluno/aluna tomou como base para a resposta anterior. Entretanto, é importante ressaltar que
tal evidência não atribui a intenção do compositor ao escrever a letra da música. O que se
pretende neste artigo é esgotar as possibilidades de ressignificar o que parece natural a partir
da imaginação sociológica trazendo um novo sentido as relações sociais – qual seja, as
relações de gênero.
Dos que concordaram com a possibilidade de ser um homem o tipo ideal a quem o
músico se referia 86,4% relacionaram o trecho “mas nenhuma delas me fez tão feliz como
você me faz” enfatizando que “nenhuma delas” elimina a ideia de ser uma mulher quem ele
procura, já que subentende que não há mulher que faça ele feliz. Concordando com a análise
feita pelos(as) discentes ainda pode-se enfatizar o pronome de tratamento pessoal você, que
tanto pode ser uma mulher ou um homem, complementado pelo pronome indefinido
nenhuma, que pela sua classificação pronominal já esclarece a indefinição do sujeito.
Os 13,6% que também acreditaram na possibilidade que poderia ser um homem a quem
o músico procurava fizeram uma análise mais acurada, além de citar o trecho anterior,
mencionado pela maioria, atentou-se a outros detalhes: A estrofe “procurei em todas as
mulheres a felicidade, mas eu não encontrei e fiquei na saudade”, compreende-se que ele
buscou a felicidade em uma mulher, mas não encontrou, logo, sua felicidade está em outro
homem. E ainda diz que “você não é mentira, você é verdade. É tudo o que um dia eu sonhei
pra mim”, ou seja, as mulheres a quem ele procurou representaram uma mentira, pois a
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verdade estava representada no pronome você – que possivelmente era outro homem.
A satisfação na mudança de postura dos(as) estudantes que compuseram este campo de
pesquisa ficaram evidentes no olhar e na euforia que tomou conta na sala de aula, sobretudo,
nos que acreditaram na possibilidade de não ser uma mulher o tipo ideal procurado. Para
encerrar a discussão a respeito do estudo de gênero contextualizado na música Mulheres
(1995) considerou-se ainda destacar outro trecho que não fora citado por nenhum discente –
você é o sol da minha vida, a minha vontade – no qual o sol, que é a sua vida, é um
substantivo masculino e complementa ainda dizendo que é a sua vontade em que depois
encerra dizendo que “é tudo o que um dia eu sonhei pra mim”.
A ruptura na concepção de virilidade masculina presente na música fez com que os(as)
estudantes (re)construíssem as atribuições presentes nos papéis sociais, na questão da
identidade pessoal delineando para o estudo de gênero. A aceitabilidade para o novo olhar,
para a imaginação sociológica fez com que depoimentos espontâneos aflorassem na sala de
aula, como por exemplo, ouviu-se de um aluno: meu pai diz que essa música é dele, vou dizer
que ele não diga mais isso (rsrsrsrs).
A disseminação do estudo de gênero deve fazer parte do currículo escolar, pois é com
depoimento como este citado anteriormente que se percebe a concretização do ensino escolar
adentrando nos lares, levando uma nova perspectiva de visão de mundo – o que antes
apresentava a virilidade do homem na letra da música, agora traz a percepção da pluralidade
da identidade de gênero inserido nas relações de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há uma necessidade de dar mais ênfase aos trabalhos voltados ao estudo das relações de gênero
dentro do âmbito escolar e delineando pela matriz do material de estudo, o currículo que pode
apropriar o estudo de gênero está na disciplina de Sociologia, haja vista que as orientações curriculares
destacam seu caráter de desnaturalizar e estranhar os fenômenos sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SAFFIOTI, Helleieth I.B. O Poder do Macho. 3. ed. São Paulo: Moderna, 1987.
WEBER, Max. Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1995.
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INTRODUÇÃO
402
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.
Bolsista Capes.
403
Psicóloga pela Universidade de Fortaleza.
404
Professor adjunto da Universidade Federal do Ceará.
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vista do homem e sua prevalência. A autora ainda coloca que devido a isso, ainda hoje, muitas
mulheres têm opiniões machistas sobre pornografia de revanche, inclusive as próprias vítimas.
A relação de domínio entre homem e mulher foi justificada inicialmente por um dado
biológico e não por um momento histórico.
Neste trabalho, é ressaltado que a educação é vista como uma das principais formas de
preparar o indivíduo para conviver harmoniosamente em sociedade, ou seja, são
manifestações realizadas como processo de formação humana. É colocado também o conceito
de cibercultura e de como a internet vem regendo o comportamento de tais indivíduos ao se
comunicarem.
Explicitamos a relevância da pornografia de vingança neste meio e discutimos causas
e consequências do uso desenfreado da internet pelos jovens e suas implicações no contexto
social em que se inserem.
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objetivos. Usualmente se define a educação não-formal por uma ausência, em comparação ao que há
na escola, algo que seria não-intencional, não planejado, não estruturado.
As redes educativas trazem grandes contribuições, são meios poderosos para a socialização de
conhecimentos e eficientes na troca de informações e de estabelecimento de contato entre professor-
aluno e aluno-aluno, ainda que não sejam tão exploradas no âmbito educativo.
comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos
computadores.” (LÉVY, 1999, p. 92). Ele possibilitou a criação de novas plataformas de
computadores cada vez menores e mais adaptadas às habilidades humanas, mas que requerem
novas redes para suportar uma infraestrutura capaz de armazenar dados, tornár-los presentes
em tempo real e capaz de elaborar mundos virtuais (IZZO, 2010).
Com as diversas formas de se comunicar tornou-se comum dentro do ciberespaço
atividades criminosas, o papel do educador nesse sentido é explorar no dia a dia as situações
que ocorreram e que ainda ocorrem na Internet, na tentativa alertar os adolescentes dos
perigos virtuais. As práticas educativas digitais podem e devem mostrar exemplos sobre o que
deve ou não se fazer na web.
A educação é uma forma de preparar os indivíduos e a sociedade para dominar
recursos científicos e tecnológicos que auxiliam no uso das possibilidades existentes para o
bem-estar do homem.
É importante garantir aos alunos-cidadãos a formação e a aquisição de novas
habilidades, atitudes e valores para que possam viver e conviver em uma sociedade em
permanente processo de transformação. Esse processo permitiu uma nova terminologia, a
sociedade da informação, cuja preocupação é com o amplo uso das tecnologias digitais
interativas em educação. O uso de tecnologias em educação exige uma nova postura com
relação a abordagens pedagógicas, significa que essa mudança necessita de desafios, planejar
e implantar propostas dinâmicas de aprendizagem em que possam exercer e desenvolver
concepções sócio-históricas da educação, compreendendo os aspectos cognitivos, ético,
político, científico, cultural, lúdico e estético em toda a sua plenitude e, assim, garantir a
formação de pessoas para o exercício da cidadania e do trabalho com liberdade e criatividade.
(KENSKY, 2007)
PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
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relação com o outro. Cada ser humano é a história de suas relações sociais, perpassadas por
antagonismos e contradições de gênero, classe, raça/etnia.
No que se refere ao gênero, durante muito tempo essa discussão pesa sobre as
mulheres e houve um longo percurso de elaboração deste conceito. Segundo Charlot (2009)
tanto os homens quanto as mulheres são dotados/as de razão e inteligência. A diferença é
que, nos meios sociais, exalta-se a tal da “sensibilidade feminina” – a noção biologizante
de que as mulheres seriam dominadas por seus hormônios, o que explicaria o seu suposto
descontrole, impulsividade e emotividade. Nada mais dominador e masculinista do que
encerrar as mulheres na tal onipotência da TPM.
Diversos discursos tendem a abordar as mulheres como idênticas entre si e
opostas entre os homens, devendo-se superar essas diferenças para se alcançar a igualdade de
sexos. Dentro da visão iluminista para alcançar igualdade, entre homens e mulheres não pode
haver diferenças.
O termo “pornografia de vingança” é usado para definir exatamente a situação em
que essa exposição acontece. Vários casais filmam e fotografam momentos de intimidade
sexual, mas quando há algum desentendimento ou quebra de relacionamento uma das partes
usa esse material íntimo para uma vingança, que na maioria das vezes é feita compartilhando
o material na internet, onde ele se espalha rapidamente, principalmente com a ajuda do
WhatsApp.
É importante ressaltar que quando o responsável pela divulgação de fotos íntimas
for um adolescente ou menor de idade, os pais ou responsáveis legais poderão responder
judicialmente pelo ato do menor.
Uma vez que as fotos estão disponibilizadas na web milhares de pessoas tem
acesso ao material. Essa exposição traz diversas consequências, as vítimas muitas vezes
precisam se isolar para que não sejam apontadas e humilhadas, pois ainda temos o infeliz
conceito de que o sexo degrada a imagem feminina e glorifica a masculina. A sexualidade
feminina é ainda submissa em relação ao homem. Charlot (2009), tece a hipótese de que, em
um mundo onde os valores são masculinos, a forma pela qual as mulheres aprendem a lidar
com tais situações traz-lhe benefícios nas interações sociais. Para elas, que já aprenderam a
suportar tanta coisa, é mais fácil ser tolerante a condições que para os homens soariam
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extremamente incômodas.
A sociedade ainda convive com a cultura machista, a mulher que expressa seus
desejos e vontades ainda é vista como uma mulher que não merece respeito. É por esse
motivo que muitos homens utilizam desse ato para vingar-se de algumas mulheres, porque
sabem que elas serão humilhadas e rejeitas pela sociedade e aos poucos se darão conta de que
ela é vítima. Segundo Charlot (2009), as mulheres, sofrem mais opressões na sociedade em
função do sexo que os homens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto no trabalho, é possível perceber um crescimento no número
de casos de pornografia de vingança nos dias de hoje devido principalmente à disseminação
da internet. No entanto, o mesmo não pode ser percebido em relação a bibliografias a respeito
do tema.
Segundo Gomes (2014) no Brasil, ainda são raros os estudos sobre o tema e a
problematização da pornografia de vingança como mecanismo opressor e violência de gênero.
A grande maioria dos estudos no país restringe-se à área de Direito e ao estudo da
criminalização do tema, o que não deve ser considerado negativo, mas pode ser considerado
insuficiente.
A autora coloca ainda que não basta apenas criminalizar aquele que publica o
material, é preciso mais informação acerca do assunto, principalmente, entre os jovens e as
crianças, a percepção de que a sexualidade – e de modo especial a feminina – não deve ser
combatida e regrada de modo diferenciado.
A liberdade sexual da mulher não merece ser vista como algo vergonhoso que leve ao
suicídio, como ainda acontece, infelizmente em alguns casos. Deve-se trabalhar de modo
geral, na cultura de cada país e na educação de nossas crianças e adolescentes a ideia de
igualdade de fato, através de atitudes e pensamentos, no cotidiano familiar, escolar e virtual,
de que o direito de liberdade entre os gêneros precisa ser praticado por todos, sem hipocrisias
por parte de nenhuma instituição educadora, a fim de fomentar discussões sobre o tema e
promover uma cultura de paz entre a sociedade de maneira geral.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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Assim, compreende-se que falar de gênero não se limita a falar em diferenças entre
homens e mulheres, mas a uma discussão mais ampla, uma vez que o sexo é uma
distinção do aspecto físico. É necessário voltar o olhar para toda a diversidade e
subjetividade que envolve as relações entre humanos. Portanto, acredita-se que para
discutir gênero é necessário entender que não se trata de uma questão biológica,
determinada apenas por diferenças sexuais, mas entender que a questão entre
homens e mulheres. É preciso entender como esses papéis se manifestam e se fixam
em uma sociedade. “Gênero” é um conceito social novo, mas essas relações de
gênero são tão antigas quanto a existência da espécie humana. (2012,p.51)
Várias foram as respostas dadas pelos professores de uma escola particular ao serem
indagados sobre o que entendiam sobre “gênero” – assim mesmo, sem qualquer conexão com
a sexualidade ou com alguma área do saber ou da ciência. Percebemos, logo no primeiro
momento, o quanto esse tema causa um desconforto em quem tenta dar-lhe uma acepção,
quando desvinculado de um contexto definido.
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Exemplo do que acabamos de afirmar acima, é que, uma das entrevistadas perguntou
se ela deveria falar de gênero textual. Além disso, praticamente todas as entrevistadas – todas
eram professoras do sexo feminino – demonstraram claramente o seu receio de trabalhar,
dentro da sala de aula, o tema “gênero” sob a perspectiva da sexualidade ou identidade de
gênero. Exemplo disso, temos no trecho de uma das entrevistas. (...) Quando nós vamos falar
de família que tem alguma estrutura diferente, aí, a gente já aborda de um jeito mais delicado,
exatamente para não... não... não deixar nenhum traço de discriminação, né...
Percebemos, claramente, no trecho acima, o quanto o tema “gênero”, abordado sob um
enfoque sexual, causa um receio por parte do professor em dar uma explicação que não cause
uma certa “discriminação”. Mas esse receio em se falar de gênero sexual não advém de
apenas um motivo, mas de vários, como podemos observar na fala a seguir:“Bom, aqui, no
colégio, a gente é instruído a abordar esse tema se ele surgir dos alunos... certo.
Como ficou constatado no trecho acima, a professora em questão apenas segue a
orientação da escola, que é a de abordar gênero sexual apenas quando partir dos alunos. Ou
seja, a filosofia da escola impede que o professor aborde outro gênero que não seja o feminino
ou masculino, fato esse que foi observado na entrevista com outra professora, como podemos
observar no trecho abaixo.
Quer dizer, cabe ao professor apenas a tarefa de tirar alguma dúvida que, porventura,
possa surgir em relação ao tema, haja vista a escola orientá-lo a não levar o assunto para ser
debatido em sala com os alunos. E a mesma professora completa, afirmando que, se os alunos
se “derem por satisfeitos” ela não vai mais além nas sua explicações, como se observa no
trecho seguinte.
o amadurecimento de cada um vai querer saber mais ou não de acordo com... esse
amadurecimento, né?!”
“Eu acho que vem muito do pensamento da família, o que é que a família vai pensar,
né?! Porque, assim... a gente tem contato com o aluno, mas a gente não tem contato
com o pensamento da família. Então, um... um assunto desse abordado em sala de
aula mais profundamente, possa ser que algumas famílias... é... cheguem a... a... ter
receios... né... ou por indicação, né... que ... achando que a criança pode desenvolver
aquilo ali... né... e... mas... é... é mais... a... a insegurança é mais por isso: é como a
família vai reagir em receber um assunto desses em casa.”
Uma das entrevistadas ressaltou a falta de preparo por parte dos professores em
relação à abordagem do tema dentro da sala de aula, e também em função do pensamento que
norteia, em relação ao assunto, a nossa sociedade. “(...) Tanto há uma falta de preparo, né,
como a sociedade tem um peso maior, porque existem muitos tabus, ainda muitas questões
que a gente não sabe como lidar (...)”
E essa falta de preparo parece ser bem mais comum do que imaginamos, como bem
admitiu uma outra entrevistada, a qual revelou não saber bem como diferenciar as várias
terminações e distinções que formam o grupo da homossexualidade. Isso se constata em duas
entrevistas, que seguem abaixo.
(...) Acredito ser o que caracteriza as diferenças de identidade, por que a pessoa tem
o poder de escolher se quer ser do gênero masculino ou feminino e acredito que é
algo que tem que ser respeitado, tem que ser considerado digno, pois se há leis que
priorizam, que atendem e tornam essas pessoas cidadãos, não se deve julgar e sim
conviver bem, tratar com dignidade, sem preconceito, sem diferenças, pois não cabe
a nós julgarmos, mas acolhermos a todos . Por isso acredito que se tem que
trabalhar na escola com muito respeito, ensinando o aluno a não ser apenas
tolerante, mas sim respeitar, compartilhar sabendo viver com a diversidade por que
nós temos pluralidade de gêneros e buscar tentar fazer uma sociedade melhor pra
todos.
(...) Então, a gente trabalha... só que hoje existe tanta nomenclatura diferenciada pra
essas coisas, que a gente, às vezes, não sabe nem quais são. Eu, pra te ser sincera...
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tem diferenças de nomes que são usados para determinados gêneros, né... que eu
nem conheço. Achei até uma pesquisa que, às vezes, a gente tem que fazer pra
esclarecer melhor os alunos da gente. (...)
(...) Não digo que nem buscadas pelo ser humano, não, porque tem coisas que a
gente não busca, né? – elas acontecem, mas são... são desvios psicológicos ou
desvios que... que... as pessoas podem controlar, ou às vezes não controlam; às
vezes, fazem daquela forma porque querem, realmente; e outras pessoas, não – as
coisas acontecem porque eles não têm controle daquela situação... né?! (...)
“Trabalho muito através de textos reflexivos, através de imagens no data show que
contam e mostram casos de vivências, tentando trazer uma predição do que eles
sabem sobre esses assuntos como sexualidade e homossexualismo, para mostrar as
crianças que a gente tem que saber conviver, tratar bem, respeitar, saber ter
convivência digna para que a sociedade deixe de ser tão preconceituosa e violenta,
por que é escolha de cada um.
Com isso, percebemos que suas práticas em sala de aula para abordar a temática
“gênero”, são trabalhados através de projetos com atividades desenvolvidas ao longo do
semestre que trabalham os valores morais e éticos, dentre eles: o respeito a diversidade.
Também utilizam textos reflexivos, imagens, conversas sobre o assunto e também exemplos
reais que acontecem dentro da sala de aula o que acreditamos ser muito importante pois parte
de uma realidade próxima a eles levando a um questionamento mais próximo do real e
fazendo com que as crianças possam refletir sobre suas ações.
Enfim, “gênero”, quando discutido dentro de um contexto social, atrelado às possíveis
figuras do homem e da mulher na sociedade ou relacionado com a identidade sexual do
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indivíduo, tende a ser um tema polêmico, pois envolve aspectos morais, culturais e religiosos
etc., algo muito longe de um consenso.
Se, para a sociedade, o tema “gênero” é, ainda, meio obscuro, polêmico e controverso,
tratá-lo na sala de aula torna-se uma missão muito mais difícil, pois esbarra em várias
dificuldades, sejam elas de caráter didático – por parte do professor -, morais, culturais, ou
religiosas. Em virtude de uma maior compreensão do tema “gênero” no ambiente escolar, é
que nos propusemos a realizar uma série de entrevistas com professores, tanto do ensino
privado quanto do público.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SOUSA, Eugênia Suely Belém de. Perseguições que humilham: assédio moral e violência
de gênero – Fortaleza: EdUECE;EDMETA,2012.
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INTRODUÇÃO
como vêm à atuação destes professores caso já tenham trabalhado com algum homem durante
sua carreira. Bem como saber se já presenciaram algum tipo de discriminação de gênero por
parte da própria escola, da comunidade em geral e/ou principalmente de pais de crianças que
teriam seus filhos sobre cuidados de profissionais do gênero masculino.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Segundo Gonçalves (2009, p. 21 apud Arruda, 2002), "a teoria das representações
sociais, segundo a perspectiva da Psicologia Social, surge na França com a publicação da obra
La Psychanalyse, son image, son public, obra de Serge Moscovici, em 1961[...]", que inicia
esse processo de elaboração teórica retomando o conceito de representação coletiva proposto
por Durkheim, e pode ser entendida como um conjunto de ideias que pairam no imaginário
dos indivíduos de determinado grupo como uma forma de interpretar e pensar a realidade
cotidiana. Ou seja, é um conhecimento prático, que dá sentido aos eventos de nossa vida
social e individual, e ajuda na construção da realidade a nossa volta.
Segundo Moscovici representação social seria:
[...] um sistema de valores, ideias e práticas com uma dupla função: primeiramente,
estabelecer uma ordem que habilitará os indivíduos a orientarem-se em seu mundo
material e social e dominarem-no; e, em segundo lugar, possibilitar a realização da
comunicação entre os membros de uma comunidade pelo fornecimento de um
código para o “intercâmbio” social e de um código para nomearem e classificarem,
sem ambiguidades, os diversos aspectos de seu mundo e de sua história individual e
em grupo. (1973, p. 17).
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Desse modo, paira a ideia de que a professora é a "tia" gentil, habilidosa e paciente
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Até os anos 1930, o quadro docente no Brasil era constituído em sua maioria por
homens e direcionado apenas para os filhos homens de uma classe econômica mais
favorecida, conforme relata Louro:
Em nosso país, como em vários outros, esse espaço foi, a princípio, marcadamente
masculino. De um lado e de outro das carteiras circulavam meninos e homens: a
escola foi, inicialmente, conduzida pelos mestres jesuítas e dirigida à formação dos
meninos brancos da elite. Aos poucos a instituição viu-se obrigada a acolher outros
grupos sociais: os meninos de outras origens e etnias e as meninas. (1997, p. 77).
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Outro fator que teria contribuído para o ingresso das mulheres no magistério seria,
como destaca Nóvoa (1991), a saída dos homens desse mercado de trabalho devido as
condições de trabalho e os baixos salários. Assim, o autor comenta que os homens passaram a
procurar por profissões com uma maior remuneração salarial.
Gonçalves (2009, p. 42 apud Bruschini e Amado, 1998) elenca como sendo outro fator
histórico, econômico e social que "influenciou na saída dos homens e na entrada das mulheres
na área da educação diz respeito às representações sociais relativas à manutenção financeira
do lar." Antes das mulheres atuarem no mercado de trabalho os homens eram vistos como os
provedores do lar, e a mulher ao ingressar numa profissão "aceitava com maior facilidade um
salário menor, por considerar que se tratava apenas de uma complementação com as despesas
domésticas".
É evidente que o magistério ser constituído hoje largamente por mulheres, a ponto de
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formar representações sociais de que tal profissão é melhor executada por mulheres em
detrimento dos homens, e o abandono, e/ou o não interesse dos homens pela profissão têm
motivos históricos e sociais muito mais profundos dos que os elencados acima, e de fato
merecem estudos minuciosos. Entretanto não é a intenção aqui fazer ou trazer tal investigação
em seus por menores, e sim ilustrar de modo geral alguns dos motivos levantados por autores
que já desenvolvem pesquisas na área, sobre a feminização do magistério, para uma previa
compreensão do que se tenta abordar neste trabalho.
Dados do MEC com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica de
2007 revelam números mais precisos sobre a presença masculina e feminina em todos os
níveis da Educação Básica segundo o sexo, comprovando a disparidade entre homens e
mulheres nas series iniciais, se compondo números mais equiparados a partir do ensino médio
como mostra gráfico abaixo:
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De fato o homem é minoria na carreira docente, segundo dados levantados até aqui. E
como argumentado, aqueles que atuam nos níveis infantis da educação diretamente com as
crianças sofrem algum tipo de preconceito e discriminação de gênero como já demonstrado
por autores como Assis (2000), Sarat e Campos (2008), Gonçalves (2009), e Vianna apud
Mandelli (2010), devido às inúmeras representações desenvolvidas acerca dos papeis de
gênero de homens e mulheres na docência. Muitos dos pais podem ter medo em deixar seus
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filhos, principalmente meninas, nos cuidados de homens para banhá-los (as) e trocá-los (as),
por exemplo. A escola pode dificultar o acesso desses professores justamente por receberem
alegações dos pais para que seus filhos não tenham seus cuidados íntimos realizados por
homens, dentre inúmeras outras coisas possíveis para esta situação. Entretanto, o que pensam
as mulheres professoras que já tiveram, ou não, um convívio mais próximo com um
profissional do sexo masculino nas instituições de ensino em que atuam ou que já atuaram?
CONSIDERAÇÕES EM ANDAMENTO
Não pretendeu-se com este artigo fazer apologia de nenhum tipo acerca da
importância, ou necessidade de se ter a presença de homens dentro do magistério, nem tão
pouco gerar ou reproduzir discursos de preconceito sobre a presença majoritária de mulheres
principalmente no que tange a educação infantil. Esse trabalho teve por objetivo fazer um
breve levantamento de fatores históricos e sociais que permitiram o ingresso, em sua maioria,
de mulheres nessa área de atuação. Assim, tentou-se compreender em certa medida as
representações que se formaram ao longo da história da educação no Brasil sobre os homens
professores que optam por atuar com crianças, e também as representações do papel da
mulher como educadora vinculada ao discurso de se adequar melhor ao cargo por
"naturalmente" em seu papel maternal ser gentil, habilidosa, paciente e virtuosa com as
crianças.
Por se caracterizar como um trabalho de pesquisa em andamento, entende-se que as
discussões apontadas aqui não se esgotarão, permitindo sempre um aprofundamento da
temática e de estudos que melhor tentem compreender esta realidade, com o intuito em suma
de desmitificar essas representações nas quais propagam discursos normativos sobre o papel
que cada sujeito deve desempenhar socialmente, gerando ações preconceituosas sobre os que
parecem fugir a essas regras padronativas.
Deste modo como continuidade para o trabalho aqui apresentado, serão desenvolvidas
pesquisas e entrevistas com professoras de educação infantil dos municípios de Naviraí, no
interior do estado de Mato Grosso do Sul, e de Mamanguape, interior do estado da Paraíba.
Predente-se assim traçar um paralelo entre os discursos destas profissionais de regiões
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distintas do país, para que possam ser identificadas suas representações sobre a presença e
atuação de profissionais do gênero masculino nesta mesma área de atuação. Buscando
verificar se há difusão de representações preconceituosas por partes destas professoras, ou se
estas vêm que uma boa atuação em sala independe de questões de gênero, sendo necessários
assim o empenho e o comprometimento de cada um como profissional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Saudades, só portugueses
conseguem senti-las bem, porque
têm essa palavra para dizer que as
têm.
(Fernando Pessoa)
INTRODUÇÃO
No verso do poeta português a palavra Saudade ganha na língua mátria o caráter de
distinção. Existente apenas na língua portuguesa, “Saudade” é o termo utilizado para
expressar os sentimentos de distância, perda, ausência. Em geral, associada a relações que
envolvem sentimentos, como apego e afeto, a palavra Saudade adjunta ao Amor, têm o seu
lugar garantido nas mais variadas expressões culturais da Língua Portuguesa.
Como se uma dependesse da outra, “Saudade” e “Amor” ganharam na produção
literária o seu maior reduto. Em Opera do Malandro (1977), Chico Buarque de Holanda,
escreve uma das maiores expressões do que seria esse sentimento chamado Saudade.
Intitulada por “Pedaço de Mim” o poeta faz menção ao sentimento como uma parte
constituinte do corpo e, não necessariamente um sentimento bom. Nas palavras do poeta a
saudade seria: “o pior tormento. É pior do que o esquecimento. É pior do que se entrevar”.
Mais a frente Chico Buarque coloca a Saudade como expressão da dor de uma perda “[...] a
saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.407
405
Professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará.
406
Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará, Bolsista CNPQ.
407
Chico Buarque de Holanda. Pedaço de mim. Álbum Ópera do malandro, Rio de Janeiro, 1977.
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Visto dessa forma, se trás a palavra Saudade tal como nas expressões literárias. Um
exercício da memória para manter vivas lembranças de momentos e pessoas queridas, a
Saudade se reveste de Memória e esta “[...] se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na
imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e as
relações das coisas,” memória como incondicional e a história como sua concernente, a
primeira “[...] é um absoluto, a história só conhece o relativo” (NORA, 1993, p.9).
Em meados da década de 1960, um trecho da Rua Nelson Alencar, localizada no
centro da cidade do Crato, passou a ser chamada por muitos homens e mulheres por “Rua da
Saudade”. Acontece que chegou uma juíza a cidade, a senhora Auri Moura Costa408, que
implacavelmente determinou a retirada das casas de tolerância do centro da cidade. Foi
preciso uma mulher com magistrado para por fim aquela corriola de prazeres e pecados bem
no coração da cidade, que o Jornal A Ação já vinha denunciando desde a década de 1950.
Entender a constituição histórica e espacial de uma cidade não é tarefa fácil, ainda
mais quando se busca fazê-lo atrelado a discussão de educação, prostituição e memória a
partir da construção de um estudo de gênero.
Como demonstra Mary Del Priori (1997, p. 260), se pode identificar no século XVIII
a distinção entre a vida pública e a vida privada nas sociedades ocidentais. “[...] Nesse século,
fundamental em tantos aspectos, assistiu-se a uma clivagem na vida social que, nos meios
burgueses da época, é representada pela autonomia de uma vida privada e familiar, distinta da
vida pública”. Ver-se a arquitetura da família como um núcleo social privado e importante
instrumento de controle dos instintos onde a honra e valores sociais deveriam ser cultivados.
Porém, fora desses núcleos tais valores tornavam-se muitas vezes relativos. Exemplo disso é a
forma como a prostituição foi encarada em vários momentos históricos.
Michael Foucault (1988), na apresentação de História da Sexualidade 1 – Vontade de
Saber, apresenta o trabalho dizendo:
A questão que gostaria de colocar não é por que somos reprimidos mas, por que
dizemos, com tanta paixão, tanto rancor contra nosso passado mais próximo, contra
nosso presente e contra nós mesmos, que somos reprimidos? Através de que
hipérbole conseguimos chegar a afirmar que o sexo é negado, a mostrar
ostensivamente que o escondemos, a dizer que o calamos [...] (FOUCAULT, 1988,
408
Elegidas por alguns como a primeira juíza do Brasil, nomeada em 1939 para a comarca de Várzea Alegre, no
cariri cearense. Havendo ela, na década de 1960, designada a trabalhar na comarca do Crato.
1299
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p. 14).
Como acrescenta Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis, “[...] de uma cidade, não
aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas
perguntas”. Dessa forma incide sobre a História um alargamento das possibilidades de
pesquisa, fazendo com que o campo, as fontes e sujeitos tenham seus lugares repensados na
produção historiográfica, possibilitando a caracterização de uma cidade que não se limita a
sua estrutura material.
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Sobre a cidade é constituída relações sociais, entre sujeitos e grupos, ganhando uma
dinamicidade e contínua renovação a partir de uma relação simbólica com o espaço. Vista
dessa forma a Cidade apresenta-se como ambiente de comunhão e disputa social, que carrega
em si significações e memórias.
Uma cidade é sempre um palco de representações, de vivências variadas. Um palco
de derrotas, de afirmações, de esperanças, de solidariedades, de violências, onde as tramas
humanas se entrelaçam e se desvelam numa continuidade relâmpago. Toda essa complexidade
é caráter paradoxal do urbano, no seu rápido processo de construção e desconstrução de
sonhos, projetos, planejamentos, execuções, imposições e insubordinações, tornando a cidade
um objeto privilegiado de pesquisas dos mais variados conhecimentos científicos. Objeto este
que impõe suas formas de leituras e interpretações por ser a cidade uma produtora de
linguagens, pronto para ser decodificado.
Dentro desse processo, a prostituição, ou melhor, as zonas de prostituição constituem
um cenário da cidade caracterizado por jogos de poder, processos de higienização e
moralização da cidade onde a mulher, prostituta ou não, se apresenta como o alvo desse
processo de disciplinamento genuinamente masculino.
No Crato nas décadas de 1950 a 1970 se percebia o entusiasmo em proporcionar espaços
modernos, apresentados como próprios das cidades progressistas, civilizadas.
A prostituição cratense vista a partir do processo de urbanização, ou constituição de
sub-mundos, possibilita identificar a distinção de condutas morais femininas desejáveis e
outras nem tanto, a partir do lugar que as mulheres ocupavam.
Muito mais que um fenômeno, pretendo analisar a prostituição alocada por um
espaço ocupado na cidade de Crato. Tem-se como referencia os trabalhos desenvolvidos pela
historiadora Margareth Rago409 que analisa as teias do poder moral sobre a sexualidade
feminina que distingue essas práticas entre licitas e ilícitas.
A colocação dos cabarés no centro da cidade causava uma linha imaginaria, criando
fronteiras entre as mulheres virtuosas e as mulheres pecadoras que não deviam de modo
409
As obras de maior destaque são: Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar 1890-1930, publicada em
1985 e Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo 1890-1930, publicado
em 1991.
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algum ter suas vidas cruzadas. Entrevistando senhoras casadas, percebi que elas se eximiam
de ter qualquer contato com o universo da prostituição, como se fugissem de uma praga
perniciosa, sem com isso terem desconhecimento do que havia lá, no outro lado da fronteira,
nas casas de prostituição.
A representação do perímetro entre a cidade apresentável e as alamedas do pecado
se materializava no limite da Rua Nelson Alencar, no trecho ainda hoje corriqueiramente
chamado por Rua Saudade410. A senhora Cecília411, casada desde 1954, define com
propriedade esse limiar:
O Cabaré de Glorinha ficava ali na Nelson Alencar e os homens ricos iam tudo pra
lá era sucesso, eu passava por ali perto, ia por perto pra encurtar o caminho. Naquela
Nelson Alencar ali tinha a Maria Augusta, mais na frente, um chamado Chico Roxo,
e no Manezinho que era assim esse povinho tudo baixo. Tinha o pequizeiro também
que tinha muitas mulheres, era onde tinha as mulheres pobres. Agora Glorinha, é
porque já morreu muita gente, mais era famosa ela, é uma pessoa que era famosa
mesmo.
410
A atribuição do nome Saudade a um trecho da rua será objeto de analise no capítulo seguinte.
411
A descrição da depoente encontra-se nos anexos, página 61.
412
Glorinha foi à proprietária do cabaré mais famoso da região do Cariri. Sua existência merece destaque nesse
estudo. No último capítulo farei uma micro-biografia de sua trajetória.
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Vicente alerta inclusive a ausência de instituições de ensino para todos. Aponta, como uma
consequencia direta e alerta para o “[...] vulto assustador de casos, o da prostituição de
menores, quer através da permanência das mesmas em cabarés e boites ou em casa de
recurso”413.
O escrito é uma reflexão sobre a omissão do Estado e a desatualização do código
penal vigente. Demonstra o alinhamento local com as questões nacionais e interroga o Estado
dizendo: “Qual a solução atual que o Estado nos apresenta, aqui ou em qualquer parte do
Brasil para solucionar de tão alto interesse para a nação?”.
De forma geniosa o redator demonstra que o Estado criminaliza mais o mesmo
tempo se corrompe pela prostituição. Ele apresenta que no “Código de Menores, no Art. 130,
diz que não é permitida a freqüência de menores de 21 anos aos café-concertos, music-halls,
cabarés, bares noturnos ou Congêneres.” Continua expondo com o Art. 229 do Código Penal
brasileiro, o qual “estipula [...] que se constitui crime contra os costumes manter, por conta
própria ou de terceiros, casa de prostituição ou lugar destinado a encontro para fim libidinoso,
haja ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.”414
Embora a Constituição considerasse crime e inclusive estabelecesse penas que ia
desde multas a reclusão, ele mesmo, o Estado, não apenas tolerava como fiscalizava e
arrecadava com as práticas de prostituição. Embora não fale de nomes, aliás, até o momento
não identifiquei nenhuma matéria de denuncia que fizesse menção aos nomes dos
proprietários, o escritor é categórico ao dizer:
A nossa cidade está repleta, em todos os seus bairros, de casas de prostituição,
cabarés, boites e casas de recurso e, até hoje, que se constate nos Cartórios da
Comarca, jamais houve qualquer processo contra os que as mantém, desrespeitando
dois Códigos e desafiando as autoridades a quem incube reprimir a prática de crimes
dessa natureza.415
Percebe-se que a prostituição vista como problema moral, assim como no discurso
católico416, encontra na pobreza e na maculação da carne feminina a determinação para a
prostituição feminina. Compartilhando dessa ideia Cavalcante fala:
413
Jornal A Ação, pág. 4. Crato, 01 de outubro de 1966.
414
Jornal A Ação, pág. 4. Crato, 01 de outubro de 1966.
415
op. cit.
416
Além da alegoria construída em torno da figura bíblica de Madalena, nos escritos de São Tomás de Aquino a
prostituição foi vista como um mal necessário da humanidade.
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No dia 24 do mesmo mês, ou seja, duas semanas depois desta publicação, encontro
outro artigo redigido por Vicente da Frota Cavalcante, intitulado por “Menores Habitam no
Baixo Meretricio”, mais uma vez se faz uma reflexão sobre a Constituição Brasileira e a
omissão frente a presença de mulheres menores de idade nas zonas de prostituição.
A obra literária Hilda Furação, escrita por Roberto Drummond em 1991 e adaptada
para minissérie pela Rede Globo de Comunicação em 1999, demonstra a estranheza social
quando uma moça da classe alta mineira esbarra com o cabaré nos anos 1960.
A trama gira em torno de uma bela moça, Hilda Müller, de família abastarda e
desejada por muitos. No dia do seu casamento Hilda resolve fugir e vai parar na zona de
prostituição mineira, o Maravilhoso Hotel. O que gostaria de ilustrar aqui é o escândalo
ocasionado por este fato, fazendo com que a imprensa montasse guarita na frente do
Maravilhoso Hotel e as mais variadas camadas da sociedade mineira especulassem os motivos
que justificassem o destino de Hilda.
Por toda a trama, são várias as passagens que buscam desvelar as reais razões pela
qual Hilda ingressou no prostíbulo. Certamente, o reboliço acontece por não haver
aparentemente um motivo real para tal destino, em sintonia com o pensamento expresso pelo
cratense Vicente da Frota Cavalcante, exposto no J.A. de 1966, Hilda Müller não havia sido
copulada, rejeitada pelo seu pretendente ou ainda ficara desafortunada financeiramente.
A senhora Cecília418 em sua entrevista, ilustra esse destino dado as moças de
situações diferentes da protagonizada pelo personagem fictício de Hilda Furação. Cecília me
explica que quando uma moça era maculada, o fato era ufanado por toda cidade. Expõe uma
experiência bem próxima da família, com uma irmã de criação do seu pai.
Explica que a sua avó, após ter ficado viúva casou-se com um senhor de nome Lúcio
que por sua vez também era viúvo e tinha três filhos de nomes Cordeiro, Marines e Santa. A
417
op. cit.
418
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Senhora Cecília me narra que o seu pai, José Candeia, tinha outra irmã, esta de vinculo
sanguínea, chamada Ângela.
Já adultas, as moças se preparavam para o matrimônio, nessa época ela, a narradora,
era muito novinha mais recorda que Angela e Marines noivaram na mesma época: “[...] elas
noivaram, tia Ângela noivou com Chico Aniceto que é irmão do Antônio, dos Irmãos
Aniceto, e Marines noivou com Zé Bernardo, um bicho que era do meio do mundo que
ninguém sabia de onde era.” Descrevendo como foi à festa ela continua:
Teve o casamento. Dindinha minha avó era muito criadeira, fazia gosto as latadas
não tinham luz, as latadas era maior que isso, latada é um negócio de palha que
cobre e coloca os candeeiros no meio pra clarear e fazer festa. Chamavam os
sanfoneiros e tocava até amanhecer, não tinha uma briga, sei que dindinha fez e as
meninas noivaram e casaram tudo num dia só. Eu era meio pequena mais lembro
muito bem, minha mãe era testemunha. Quando chegou os noivos ai começou
aquela latada, isso era umas duas horas, o casamento era na igreja, iam de cavalo
emprestado, num sei com quem e as noivam iam de banda, mulher num andava
escanchada não.
Com riqueza de detalhes, a senhora Cecília narra memórias de sua Infância, quando
ainda residia na zona rural da cidade do Crato. Continuando ela coloca que logo após o
casamento Marines engravidou do seu marido Zé Bernardo, como ela não tinha mais mãe sua
irmã Santa, ainda solteira, foi morar com ela. Já residindo na casa de sua irmã Marines, Santa
comunicou à família que o esposo de sua irmã, Zé Bernardo, havia “mexido” com ela. “Ai
minha filha, vixe Maria, Dindinha minha avó era muito revoltada porque ele fez isso com a
mocinha, ele se aproveitou dela porque ela era uma pessoa ingênua, nova, atrofiada, criada
sem mãe.”
Apesar de, por toda a fala, a imagem da Santa ser narrada como a vítima, inclusive
ocasionando a revolta de parte dos familiares, a sua integração ao seio familiar não foi mais
permitido. Na sequência, a informante diz que o Zé Bernardo desapareceu e que Santa,
embora tenha voltado para casa, logo seguiu o caminho do meretrício: “depois ela voltou pra
casa da madrasta que era minha avó, mais ai já não se adaptava mais, o povo ficava com mal
olhado, é muito humilhante o povo chamava logo de rapariga, ela se desertou e de lá o chão se
abriu, desapareceu.”
A passagem exemplifica o quanto a vida sexual feminina era controlada pela
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Rua Nelson Alencar, situada no centro da cidade, é bastante extensa. Em umas das
suas extremidades, no trecho superior da imagem, localizavam-se os prostíbulos, no
cruzamento com as Ruas Almirante Alexandrino e a Mons. Esmeraldo. Na sua continuação
está a Praça Cristos Reis e mais a frente um prédio bastante oponente pertencente à Diocese
do Crato, o Colégio Diocesano420. A via encontra no seu término o Cemitério Municipal
Nossa Senhora da Piedade.
Ironicamente vida e morte marcam a Rua Nelson Alencar, constituindo
inevitavelmente este como um lugar de memória. Como coloca Nora “[...] a razão
fundamental de ser um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o tempo do
esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte materializar para prender o
máximo de sentidos num mínimo de sinais (1993, p. 22).
Na busca de não deixar morrer os áuricos dias da juventude, aquele trecho da via
batizado por “Rua da Saudade”, como se quisessem imprimir sobre a memória da cidade uma
saudosa e doce lembrança do reduto da boemia cratense.
É nesse entroncamento de vias que me vejo como um sujeito oculto dessa história, ou
ainda fruto da metamorfose de resignificação da memória aventada por Pierre Nora e
sinalizado por mim na introdução deste estudo através do poema de Cecília Meireles.
Talvez para se sentirem vivos, muitos desses senhores e senhoras se fazem presentes
na internet a partir nas redes sociais. Para expressar o sentimento de saudade que ecoa
visivelmente nas falas e nos textos tecidos pro estes sujeitos, apresento um trecho do poema
419
Jornal A Ação, pág. 7. Crato, 22 de maio de 1971.
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de José Flávio, médico de renome na cidade, Ele se lembra da Rua da Saudade da seguinte
forma:
Havia um certo estigma premonitório no nome da ruazinha, lê-se nos olhos baços de
“Marreco”. Templo de boêmios, de bêbados, de putas e poetas, conheceu mais que
ninguém a alma desta cidade. Conviveu com suas pulsões mais profundas, com
aquela argamassa de ambições, desejos, frustrações, desigualdades que cimenta
todas nossas relações humanas. Assistiu a toda uma geração de cratenses desnudos
de todos véus das convenções sociais. Fragilidades, fraquezas, perversões, defeitos
expostos como uma carniça fervilhante. (J Fávio de, 2012).
Com bastante nostalgia a Rua da Saudade é descrita pelo médico. Figurada pela
“alegoria do prazer”, os jovens senhores boêmios do Crato parecem não cansar-se de
rememorar os tempos áureos da mocidade. Talvez por isso ainda hoje resistam ao tempo,
como militantes da memória, firmemente sentados nos bancos da Praça Siqueira Campos,
referenciada hoje como a praça dos velhos, nas páginas da internet ou nas rádios locais.
Quem sabe seja essa também a razão para tantos eventos embalados pela nostalgia.
“Carnaval da Saudade”, “São João da Saudade”, “Amigos da Praça” e por ai vai. A proposta
desse último capítulo caminhará nessa linha, entender a gênese da memória nostálgica da
boemia cratense, em especial das zonas de prostituição, a partir dos homens.
Ou ainda tentar fazer uma aproximação entre a “Cartografia do Pecado” e a
“Alegoria do Prazer”, entre o discurso glorioso do Boêmio e o pesar moral da fala feminina
sobre as eras da mocidade.
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INTRODUÇÃO
Uma das primeiras perguntas que nos fazemos quando começamos a estudar a
atuação feminina nas profissões ou áreas consideradas de domínio masculinas é: por que esses
ambientes ainda são tão hostis para as mulheres? Apesar de terem conquistado lugar em
profissões ditas “masculinas”, ainda hoje, em pleno Século XXI, esses espaços não são
amigáveis para elas. E quando pensamos quais são esses ambientes, imaginamos oficinas
mecânicas, treinamento das forças armadas, direção de caminhões e inúmeras outras
profissões difíceis de encontrarmos mulheres atuando. E é possível constatar que isso ocorre
também na carreira docente, onde também existe um ambiente hostil para as mulheres,
principalmente considerando-se as docentes que atuam em cursos como Engenharia
Mecânica, Física, Ciência da Computação e Matemática, considerados mais masculinos.
De que forma o habitus421, predominantemente masculino do campus422, exige
adaptação da apresentação do corpo em grupos minoritários femininos? Quais são os
mecanismos da vida acadêmica que influenciam no modo como as docentes se comportam e
expressam a feminilidade?
Na perspectiva de responder à essa questão, este artigo apresenta reflexões sobre o
comportamento e a feminilidade na Academia. Para isso, tomou como referência as narrativas
biográficas de sete professoras universitárias que atuam/atuaram como docentes em cursos
421
O conceito será visto de forma mais detalhada nas páginas a seguir.
422
O conceito de campus para este estudo será utilizado a partir da obra Homo Academicus (BOURDIEU,
2013).
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das chamadas ciências “duras”: Engenharia Mecânica e Física, em uma Instituição Federal de
Ensino Superior (IFES), no nordeste brasileiro.
Os diálogos foram registrados por meio de gravação em áudio, transcritos na íntegra e,
posteriormente, categorizados. A partir das entrevistas narrativas, utilizadas como “uma
possibilidade de pesquisa ressignificada no campo de pesquisa pós-estruturalista”
(ANDRADE, 2012, p. 173), foram construídas as biografias docentes. “As narrativas não
constituem o passado em si, mas sim, aquilo que os/as informantes continuamente
(re)constroem desse passado, como sujeitos dos discursos que lhes permitem significar suas
trajetórias” (ANDRADE, 2012, p. 176). A partir das biografias, as falas das docentes foram
codificadas utilizando-se as letras do alfabeto (Professora A, B, C etc.), para que suas
identidades não fossem reveladas.
Os cursos pesquisados foram escolhidos por representarem de forma contundente a
ausência de mulheres em seus quadros docentes. Os cursos de Engenharia Mecânica e Física,
criados em 1966 e em 1972 respectivamente, em toda a sua história tiveram em seu corpo
docente apenas quatro mulheres cada um, destas uma pediu transferência para o Curso de
Matemática, três se aposentaram desde o início dos anos 2000, e as outras quatro ainda estão
em atividade, duas em cada um dos cursos.
Todas as docentes que atuam, ou já atuaram, nos Cursos de Engenharia Mecânica e de
Física compõem o número de entrevistadas. Em relação ao perfil dessas docentes, duas são
mestras, três são doutoras, e quatro, pós-doutoras. Têm entre 38 e 63 anos, a maioria é casada
(4), duas são divorciadas (2) e uma é solteira (1).
O artigo apresenta, ainda, um arcabouço teórico que envolve a temática, destacando
gênero, corpo e feminilidade, entre outros conceitos, e alguns achados de pesquisa a partir do
diálogo com os autores Bourdieu e Le Breton, entre outros. Os dados foram coletados no
intervalo entre outubro de 2014 e junho de 2015.
A Organização das Nações Unidas (ONU), visando dar suporte à autonomia das
mulheres, buscou o apoio de 189 países, que se comprometeram em reconhecer a igualdade
como um componente essencial para o “empoderamento” das mulheres (PNUD, 2013). Essas
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423
Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, Beijing, 1995.
424
Ao longo da década de 1970, as feministas conheceram as contribuições de Money e Stoller, e o termo
“gênero” apareceu na literatura feminista de forma irregular, inconsistente, como objeto de debates, mas logo
se tornou o conceito organizativo central do feminismo, devido à utilidade para seu projeto teórico e político
de mudança cultural (CARVALHO; RABAY, 2015).
425
Disponível em: <https://www.aip.org/>
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Seguimos o diálogo com a obra de Bourdieu, que define o conceito de campus, a partir
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As docentes entrevistadas neste estudo reconhecem que são subjugadas a esse poder e
pouco fazem ou buscam fazer para mudar essa situação, pois preferem ocupar as posições
“destinadas” a elas por esse poder e não concorrem com os homens. Essa situação pode ser
observada em vários depoimentos. Quando indagada sobre se ser mulher atuando na área de
Física atrapalha ou não, a professora respondeu:
Dizer que não atrapalha ser mulher é realmente não querer ver o que acontece. Não
têm obstáculos óbvios, é uma coisa mais sutil. [...] Eu queria que tivesse realmente
mais mulheres... Eu acho que é uma coisa muito saudável e é importante dar
exemplo para as meninas. Eu acho que as razões pelas quais tem mais homens do
que mulheres não são genéticas, são realmente culturais (Professora E, 50 anos,
Física).
Meu esposo era do mesmo departamento. Esse negócio de ter ficado esperando
para fazer os cursos [de pós-graduação] era por isso. O que acontecia é que eu
pedia uma verba para determinado projeto, aí não tinha verba, uma semana depois
ele pedia e saía. Mesmo ele pedindo depois a verba era liberada. (...) essas coisas
dificultaram. Mas eu não achava que era porque eu era mulher, era uma
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É uma área muito competitiva, eles brigam entre eles mesmos, eu fico observando,
porque como mulher a gente não entra nessas brigas. Eu pelo menos não tenho
vontade de entrar numa briga e de sair mostrando que eu sou melhor que os outros.
Eu procuro fazer meu trabalho com amor, com prazer, que é o que eu gosto de
fazer. [...] É um negócio muito machista, é muito acirrada a competição, e, no meu
caso, como eu também sou uma concorrente, o jeito mais fácil de acabar com essa
concorrência é por esse lado, depreciando porque eu sou mulher. Então eles usam
todas essas armas, para todos os lados. Eu sou vulnerável nesse aspecto.
(Professora G, 63 anos, Física). (grifos nossos)
A situação das mulheres, de forma geral, e especificamente das docentes ouvidas neste
estudo, está quase sempre atrelada a esse poder, e as entrevistadas relatam que estão perdendo
as forças e a esperança de lutar contra essa hegemonia no campus acadêmico. Esses
sentimentos corroboram a afirmativa de Bourdieu (2013) de que o poder universitário consiste
“na capacidade de agir sobre as esperanças [...] delimitando, sobretudo o universo dos
possíveis concorrentes" (BOURDIEU, 2013, p.123). No tópico seguinte, continuaremos
dialogando com os autores, focando na questão de gênero e dos papéis que homens e
mulheres exercem nos espaços públicos e do trabalho.
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‘experiência dóxica426’. Essa experiência que apreende o mundo social e suas arbitrárias
divisões, a começar pela divisão socialmente construída entre os sexos, como naturais”
(BOURDIEU, 2011, p.17) e é isso que as torna evidentes e com reconhecida legitimação.
Inferimos que esse comportamento seja mais forte e aconteça com mais frequência
nos espaços onde a predominância masculina é hegemônica, e as mulheres são minorias,
como nos cursos das “ciências duras”, foco deste estudo. Nesse sentido, a visão androcêntrica
é imposta como se fosse neutra, uma vez que é legitimada como tal e exerce a força da ordem
masculina sem precisar de justificativa. “A ordem social funciona como uma imensa máquina
simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão
social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois
sexos” (BOURDIEU, 2011, p.18). E mesmo as mulheres que estão nesse ambiente já
consolidado e naturalizado como masculino parecem se adaptar a essa “normalidade”. Isso
pode ser observado na fala da Professora A, ao considerar que não existem mais mulheres no
Curso de Engenharia Mecânica, talvez, por ser um ambiente só de homens e eles darem
preferência aos homens também.
A Professora E tem uma visão mais crítica sobre esse assunto e, ao ser questionada
sobre o fato de nunca ter ocupado um cargo de gestão, responde:
Dizer que eu nunca ocupei um cargo de gestão porque eu não gosto... não é
exatamente isso também. Eu acho que nunca... fui considerada [...]
[...] Acontece que a minha situação é um pouquinho especial, porque meu marido
trabalha comigo, então somos um casal, e mesmo quando o assunto diz respeito a
mim tem gente que liga para ele. E como eu não sou uma pessoa muito agressiva, eu
não vou atrás, aí eu só faço observar (Professora E, 50 anos, Física).
426
Adjetivo referente à crença. Dicionário da Língua Portuguesa, com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto:
Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-07-17 01:21:08]. Disponível em:
<http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/dóxica>. Acesso em: 05 jul.2015.
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início. Mas tinha sempre um professor que chamava outros alunos para me ver
dando aula, e isso me deixava sem jeito, até trancar a porta e ficar em uma sala
super quente. Hoje minhas roupas se resumem a roupas bem masculinas.
(Professora D, 38 anos, Engenharia Mecânica). (grifos nossos)
O ambiente, que deveria ser um local confortável para a mulher exercer sua
profissão, é desconfortável, porquanto a presença da mulher não passa despercebida, e isso
faz com que seu comportamento, seus gestos e suas palavras sejam medidos e vigiados. Como
observa Rabay (2008, p. 202), “conquistar um espaço e tornar-se um membro respeitado no
interior do grupo demanda do/a novato/a ou estranho/a, no caso a mulher, a exibição de
grande acúmulo”. Assim como as mulheres políticas observadas por Rabay (2008), as
acadêmicas também têm que ter suas qualidades valorizadas pelo grupo a que pertence, pois
“o capital político, enquanto capital simbólico”, assim como o capital acadêmico, “depende
do reconhecimento dos próprios pares” (BOURDIEU, 2004b, p. 191).
Esse depoimento pode ser analisado à luz do que diz Bourdieu (2011) acerca da
diferença biológica entre os sexos, “isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, [...] e
pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os
gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho” (BOURDIEU, 2011, p.20). Neste
ensaio, observamos também que as próprias mulheres se rendem à “naturalização” do
ambiente e adotam valores masculinos para facilitar sua aceitação. Assim, reforçam o campus
como um lugar masculino.
A Professora C também trabalhou em outra universidade onde havia uma engenheira
agrícola, que era vista com outro tipo de preconceito até mesmo pelas outras mulheres, por se
assemelhar aos homens em seu comportamento. A Professora C considera que ela não era
mulher.
Quando questionada sobre o porquê dessa visão, ela respondeu:
Ela parecia um trabalhador rural. O estilo, do tipo que vai para o boteco com
aluno, tudo muito rock in rol, caveira e tal. É claro que tinha a idade, ela tinha 29
anos e estava terminando o doutorado. É outra geração...”. E C se defende dessa
postura completando “Eu fiquei um pouco assustada com aquilo porque eu sempre
fui muito feminina, sempre gostei muito da feminilidade (Professora C, 48 anos,
Engenharia Mecânica).
Bourdieu (2011, p.34) entende que as regularidades da ordem física e social impõem
e inculcam as medidas que excluem as mulheres das áreas mais nobres [...] em geral, tirando
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partido, no sentido dos pressupostos fundamentais e das diferenças biológicas que parecem
estar na base das diferenças sociais.
Ao perguntarmos à Professora C se o fato de se considerar muito feminina dava-lhe
outro referencial em relação à Engenharia Mecânica, ela respondeu com uma análise do
comportamento feminino nessa área:
Na verdade, eu nunca deixei de entrar de salto em sala, de batom, maquiada, eu me
importo com isso. E não é muito comum [nessa área], as mulheres são muito
masculinizadas, eu não sei o que acontece com as mulheres ali [na universidade]
(Professora C, 48 anos, Engenharia Mecânica).
Eu acho muito difícil lidar lá fora [fora da Academia], mais do que aqui dentro.
Aqui eu uso as minhas proteções, a roupa para mim é uma proteção, é uma
armadura, no resto eu exagero, saltão, cabelo e tal, mas a roupa meio que se
encapsula, para a gente não ter problema, porque o aluno chega muito perto da
gente (Professora C, 48 anos, Engenharia Mecânica).
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Então, o fato de ser mulher, para mim, em especial, não me trouxe nenhum
problema em sala de aula. Agora, tem uma coisa, eu também sempre me vesti
adequadamente (...) geralmente era jeans, uma blusinha básica, um sapatinho...
mais próximo dos meus alunos. Na verdade eu parecia mais uma aluna,
resguardados os traços da idade. (Professora A, 60 anos, Engenharia Mecânica).
(grifos nossos)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Academia. Como conclui Lima (2013, p. 813), “ser mulher em uma área da ciência cujo
território é de grande maioria de homens gera formas acumulativas de discriminação que
provocam a segregação delas [...] e conferem maior reconhecimento ao trabalho do sexo
masculino”.
O estudo evidenciou que essas docentes procuram não expressar sua feminilidade no
ambiente de trabalho utilizando vestimentas que não chamem à atenção ou que podem
escondê-las no ambiente. Esse tipo de comportamento não colabora para o enfrentamento
dessa situação, pois, como observa Fernandez (1994), a vestimenta faz com que nos tornemos
autores da nossa corporeidade e nos permite sentir o prazer do domínio que isso implica.
Quando se esconderem ou tentam passar despercebidas, elas agem como coadjuvantes da
própria representatividade como participantes desse ambiente ou, como diz Bourdieu (2004),
reforçam o habitus masculino do campo dizendo, através da vestimenta e de outros signos,
que ali não é lugar de mulher. As professoras se travestem para ser aceitas no campo, mas o
ato lhes nega, reforçando o espaço como masculino.
Quase todas as docentes se apresentam com poucos atrativos femininos, o que
demostra uma falta de preocupação com a vaidade, e até as que não se masculinizam nas
vestimentas deixam de lado a feminilidade. Os resultados apontaram que, para atuar nessas
áreas que são consideradas mais masculinas, essas mulheres docentes são consideradas mais
masculinas, abandonam ou camuflam sua feminilidade, e esse fato acontece, muitas vezes,
contra sua vontade, mas atrelado à necessidade de se sentirem “aceitas”.
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APRESENTAÇÃO
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bastante complexas e, muitas vezes, ambíguas, “de liberdade e disciplina, sofrimento e prazer,
devoção e aventura, transcendência e conhecimento, sociabilidade e crime, moralidade e
violência, comércio e guerra” (SIMÕES, 2008, p. 13). As concepções e práticas relacionadas
a “drogas” são produtos históricos e culturais, “que remetem a modos particulares de
compreensão, experimentação e engajamento no mundo, sujeitos a regularidades e padrões,
mas também a variações e mudanças”. (Idem)
Brasiliano (2005) enfatiza, ainda, que desde a metade do século XVIII muitos
autores já consideravam o alcoolismo como doença. De acordo com Toscano Jr (2001, apud
BRASILIANO, 2005) e Bento (2003, apud BRASILIANO, 2005) a toxicomania apenas foi
definida pelo campo médico no final do século XIX. É imprescindível apontar que se, por um
lado, as drogas não são uma invenção da nossa sociedade, por outro lado, o aumento do
consumo inadequado e consequente instalação da dependência química são, certamente,
característicos de nossa época. (LARANJEIRA & SURJAN, 2001, apud BRASILIANO,
2005)
Uma infinidade de dados aponta para a gravidade do problema. Nos Estados Unidos,
por exemplo, estima-se que 18% da população desenvolverão transtornos psíquicos e
comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas em algum momento da vida. No
caso do Brasil, indicadores epidemiológicos fornecem dados sobre o comportamento da
população ao uso de drogas psicotrópicas. Assim, um trabalho recente realizado no Brasil
indica que o consumo de álcool per capita aumentou 74.5% entre 1970 e 1996, sendo que
tendência semelhante tem sido observada em relação às drogas em geral. (BRASILIANO,
2005)
Um dado interessante, possível a partir do Levantamento Nacional sobre o Uso de
Álcool, Tabaco e outras Drogas entre universitários pertencentes a Universidades de 27
capitais brasileiras, constatou que 86,2% (12.673) dos entrevistados afirmaram já terem feito
uso de bebidas alcoólicas em algum momento da vida. (BRASIL, 2013)
Dentre eles, a proporção entre homem e mulher foi igual de 1 para 1. Nota-se,
contudo, quanto à frequência e à quantidade, que os homens beberam mais vezes e
em maior quantidade que as mulheres. Os dados também apontaram um consumo
mais frequente de álcool entre os universitários que na população em geral.
(BRASIL, 2013, p. 68-69)
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Como é improvável que esses quadros não ocorressem, é possível inferir que a
noção ou mesmo a crença de que o uso problemático de substâncias fosse um padrão
de comportamento quase exclusivamente masculino, tenha tido efeitos negativos no
estudo das relações entre as influências do gênero e a questão das substâncias
psicoativas. (BRASILIANO, 2005, p. 02)
Blume (1986) aponta que, nesse contexto, não é incoerente, entretanto, que o estudo
sistemático da dependência química feminina tenha menos de um século e a busca por
abordagens que atendam às especificidades e/ou necessidades das mulheres, uma história de
somente 40 e poucos anos. Mesmo nestes anos, então, o preconceito histórico que sempre
acompanhou o uso de bebidas alcoólicas e outras drogas em mulheres, juntamente à menor
prevalência dessa problemática entre elas, dificultou o reconhecimento da dependência como
um problema significativo para as mulheres. (BRASILIANO, 2005)
427
Das 28 mulheres cadastradas no CAPS ad e que estão frequentando a instituição para tratamento de
dependência química, entrevistamos 12 delas, considerando que foi esse número de mulheres usuárias que
aceitou participar da pesquisa.
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É sabido que, apesar do consumo de drogas por mulheres vir aumentando nos
últimos anos, dados levantados por diferentes instituições de pesquisa sobre drogas
demonstram o predomínio do sexo masculino no uso e dependência da maioria das
substâncias psicoativas, com exceção para os benzodiazepínicos, estimulantes e orexígenos
(medicamentos utilizados para estimular o apetite), onde as mulheres superam o consumo dos
homens. É nesse sentido que no CAPS ad a maioria dos usuários que procuram e frequentam
a instituição para tratamento são homens. Nas oficinas terapêuticas, por exemplo, é comum a
participação de 15 usuários homens sem frequência de nenhuma mulher, ou, no máximo,
ocorre participação de uma, duas, três mulheres nas oficinas.
Apesar dos tranquilizantes e sedativos terem sido destaques nas décadas de 70 e 80,
atualmente drogas ilícitas, como cannabis sativa, cocaína e alucinógenos, estão se tornando
mais comuns entre as mulheres com menos de 30 anos de idade. Essa realidade é possível
pelo amplo acesso que as mulheres têm hoje em conseguir tais drogas, diferentemente de
décadas atrás (EDWARDS; MARSHALL; COOK, 1997). No CAPS ad, entre as mulheres
entrevistadas, verificamos a grande incidência do uso de crack, cannabis sativa e bebidas
alcoólicas. Porém, o crack e o álcool foram apontados como as drogas mais prejudiciais às
mulheres, com destaque para o crack, que afeta, significadamente, a situação financeira delas
e da família.
Roig (1999) lembra que existem diferenças inegáveis entre as mulheres e os homens,
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como tamanho corporal, as diferenças endocrinológicas, ciclo menstrual etc., que são fatores
condicionantes no uso e efeito das substâncias psicoativas. Para Hochgraf (2001), os motivos
que levam as mulheres a iniciarem o uso de drogas diferem das dos homens. Como por
exemplo, elas começam a beber a partir da ocorrência de eventos significativos, enquanto que
os homens não apontam um fator desencadeante que poderia ser especial. No caso do uso da
cocaína, as mulheres se referem à depressão, sentimentos de isolamento social, pressões
profissionais e familiares etc., como motivos para o início do uso. Os homens justificam o uso
pelos efeitos da intoxicação propriamente dita, ou seja: o prazer sentido pelo uso da droga.
Mulheres apontam mais problemas emocionais e/ou intrapsíquicos, como depressão, baixa
autoestima, irritabilidade e dificuldade em prever os próprios sentimentos e os homens
referem-se, frequentemente, a problemas externos, como dificuldades profissionais,
financeiras, criminais e direção perigosa no trânsito. (HOCHGRAF, 2001)
No caso das usuárias entrevistadas, a maioria delas iniciou o uso de drogas para
“acompanhar” seus namorados/companheiros/maridos, visto que muitas delas foram
apresentadas às drogas ilícitas pelos mesmos, por desilusões amorosas, depressão e baixa
autoestima. Para Aquino (1997), por exemplo, pesquisas indicam que as mulheres são
apresentadas às drogas ilícitas, geralmente, pelos seus parceiros sexuais e que estes também
são os fornecedores da substância psicoativa, assim como o padrão de consumo delas e os
problemas decorrentes do uso são fortemente influenciados por eles. Verificamos, então, que
companheiros/maridos de duas entrevistadas estão presos por tráfico de drogas.
Há indicações de que pessoas de ambos os sexos manifestam intolerância em relação
à dependência química feminina. Nesse sentido, mulheres que apresentam problemas com
dependência química é objeto de julgamento por parte da sociedade. Assim, o estigma social
sofrido é bastante expressivo, sendo corriqueiramente julgadas como promíscuas, amorais,
incapazes de cuidar da família e dos filhos. São “mal vistas”, percebidas como renunciantes
dos papéis de esposa e mãe, e como entregues à promiscuidade sexual. (EDWARDS et al.,
2005; GITLOW & PEYSER, 1991, apud SILVA, 2012)
Essas percepções errôneas transparecem nas atitudes, inclusive, de alguns
profissionais de saúde, que veem tais mulheres como pessoas com desvio de personalidade.
Um relatório sobre atitudes dos médicos em relação a mulheres dependentes de bebidas
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alcoólicas observa que o médico acredita que a mulher com alcoolismo é mais doente do que
o homem com o mesmo diagnóstico. (EDWARDS et al., 2005; GITLOW & PEYSER, 1991,
apud SILVA, 2012)
Para Hochgraf e Brasiliano (2004), apenas no século XIX a toxicomania foi definida
e os estudos realizados desde então enfatizavam o uso de drogas apenas pelos homens. Para
esses autores, uma explicação aceitável para esse fenômeno é o preconceito. Como falado
anteriormente, estereótipos de maior agressividade, tendência ao isolamento, falhas no
cumprimento do papel familiar são mais “normalmente” associados às mulheres do que aos
homens dependentes químicos.
Na fala das mulheres entrevistadas, por causa do preconceito e do estigma sofridos,
percebemos que a maioria delas faz uso das drogas às escondidas, inclusive as que são
dependentes de bebidas alcóolicas, e por isso o sentimento de culpa foi bastante presente.
Diante dessa realidade, apontaram muitos conflitos com a família, assim como o abandono
por parte do namorado/companheiro/marido acontece em muitos casos. É nesse sentido que,
no CAPS ad, nas reuniões de família, esposas e/ou companheiras dos homens, assim como
seus familiares, estavam presentes, mas no caso da família ou companheiro/marido da mulher
usuária do serviço a presença dos mesmos era rara.
Também foi percebido uma taxa altíssima de desistência do tratamento por parte das
mulheres em relação aos homens usuários do serviço. Questionando essa realidade junto às
mulheres entrevistadas, foi colocado que se sentem inibidas em falar nas oficinas devido à
maioria dos participantes serem do sexo masculino. Elas acreditam que a formação de grupos
apenas com a presença de mulheres poderia diminuir as taxas de desistência do tratamento,
assim como as recaídas. Indicaram que assuntos considerados “femininos” seriam mais bem
aceitos nas oficinas terapêuticas, como baixa autoestima, violência doméstica e abuso sexual,
relações interpessoais, vida amorosa, preocupação com a família etc. Elas acreditam que a
exclusão dos usuários homens nessas discussões seria algo positivo no tratamento delas, pois
se sentiriam mais à vontade para falar e refletir sobre suas questões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÂO
descrever os serviços de saúde prestados nas unidades de saúde da família. Para alcançarmos
tais objetivos aplicamos questionários junto a 150 usuárias nas quatro cidades e entrevistamos
as gestores/as públicos/as responsáveis pelas áreas técnicas de saúde da mulher e de atenção
básica, além de cinco coordenadores das equipes da saúde da família em cada cidade
pesquisada.
Diante das informações coletadas na pesquisa, para a construção deste artigo, vamos
considerar os aspectos relacionados à educação em saúde desenvolvidos nas Unidades de
Saúde da Família do município de Cajazeiras, pois percebemos, durante a análise dos dados,
que muitas das problemáticas detectadas poderiam ter resultados diferenciados no que
concerne à saúde das mulheres usuárias, caso as mesmas tivessem informações e orientações
como preconiza a PNAISM.
Estrela de Cartaxo, João Bosco Braga Barreto, José Leite Rolim, Maria José de Jesus, e São
José. Uma peculiaridade que podemos trazer sobre o município de Cajazeiras é que ele não
possui distrito sanitário, como acontece com as outras três cidades pesquisadas, sendo
dividido apenas em zona urbana (norte e sul) e rural para pensar e executar as ações de saúde
da cidade.
Quanto à equipe que presta os serviços nas Unidades de Saúde da Família,
encontramos: enfermeiro/a, médico/a, técnico em enfermagem, dentista, auxiliar de dentista,
vigilante, auxiliar de serviços gerais, técnico administrativo, que exerce, também, a função de
recepcionista, e agentes comunitários de saúde. Assim, afirmamos que as unidades de saúde
do município de Cajazeiras seguem a orientação do Ministério da Saúde, por meio da Política
Nacional de Atenção Básica.
Também dispõe de programas destinados à atenção básica no município, ofertados nas
unidades de saúde, como o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica – PMAq; Núcleo de Apoio a Saúde da Família – NASF; Programa Mais
Médicos, entre outros, que, segundo a Política Nacional de Atenção Básica, “desempenham
um papel central na garantia à população de acesso a uma atenção à saúde de qualidade”
(BRASIL, 2012, p. 09).
Dentre os municípios pesquisados, Cajazeiras foi a cidade que demonstrou menos
recursos técnicos e humanos para efetivar as prerrogativas previstas em lei para a efetivação
da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Nesta cidade encontramos
ausência ou insuficiência de equipamentos e de profissionais para as demandas vinculadas à
média e alta complexidade, especialmente no que diz respeito à oferta de exames de imagem
(ultrasonografia e mamografia), considerados os mais confiáveis para detecção do câncer de
mama. Inexistiam aparelhos de mamografia e ultrassonografia próprios da secretaria de saúde,
havendo apenas um serviço conveniado para realização desses exames.
O processo de referência e contra-referência de solicitação de exames e marcação de
consultas especializadas não estava informatizado, sendo efetivado através de
encaminhamentos manuais realizados por funcionários das Unidades de Saúde da Família ou
pelas próprias usuárias. O Programa Mais Médicos possibilitou a ampliação do
funcionamento de maior número de USFs, posto que conseguiu fixar profissionais de
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Nos nossos dias, a saúde está pautada em vários aspectos da vida, seja no trabalho, no
espaço doméstico, nos momentos de lazer, e, especial nos meios de comunicação, nas redes
sociais, que nos trazem um modelo de saúde pautado em um corpo sarado, e que vivamos
mais e melhor.
Mas, mesmo diante destas informações e o acesso a elas, é imprescindível que
discutamos a relação estabelecida entre as políticas e programas de saúde, com uma
abordagem mais pedagógica e norteadora das ações, como por exemplo, nas unidades de
saúde da atenção básica. Esse é o principal objetivo deste artigo, ao trazer os dados levantados
na pesquisa na cidade de Cajazeiras-PB.
Para tanto, antes que problematizemos estes dados é relevante registrar quem são as
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150 usuárias das unidades de saúde que participaram de nossa pesquisa, a partir de
informações sobre idade, cor da pele, escolaridade e trabalho, trazendo um perfil mínimo
destas mulheres.
No que diz respeito à idade, as usuárias estão distribuídas em grupos etários, a saber:
de 18 a 29 anos, de 30 a 40 anos, de 41 a 50 anos, de 51 a 60 anos, de 61 a 70 anos e de 70
anos ou mais. Mesmo não sendo nossa finalidade fazer o recorte geracional, o grupo de 18 a
29 anos,432 ou seja, o grupo das jovens mulheres, consta de 34,7% do total de pesquisadas,
seguidas do grupo etário de 30 a 40 anos, com 23,3% das usuárias. Vale salientar que apenas
estes dois grupos correspondem a 58% das mulheres pesquisadas. Isto nos revela que as
usuárias das unidades de saúde da cidade de Cajazeiras – PB são eminentemente jovens ou
estão no início da vida adulta.
Ao analisar os dados referentes à cor da pele, percebemos que 32% das mulheres se
identificaram enquanto brancas, sendo este o maior grupo, seguido de morena com 29,3%,
pardas 27,3%, e 6% se disseram negras. Nenhuma mulher se declarou indígena. Mas, o que
nos chama a atenção é que se juntarmos os dados referentes a morenas, pardas e negras,
teríamos um total de 62,6% de pessoas não brancas, sem contar com as 5,3% que se definiram
na categoria outras. É importante registrar que durante a aplicação do questionário junto às
usuárias era comum que elas nos solicitassem dizer qual a cor da pele das mesmas. Não
vamos problematizar aqui as questões referentes à auto definição das usuárias, porém, vale
salientar que a PNAISM aponta que o recorte racial/étnico é relevante à análise dos
indicadores de saúde, bem como para o planejamento e execução de ações.
Quanto aos aspectos da escolaridade, 86,7% das usuárias declararam saber ler,
seguidas de 11,3% que apenas sabem assinar seus nomes, e 2% que não sabem ler. Das que
disseram saber ler, o maior índice está nas que concluíram o ensino médio ou nível técnico,
com 22,3%, e, logo após, com 17,7% as que não concluíram esta modalidade de ensino. O
segundo nível, que também pontua significativamente, diz respeito ao Fundamental II, em que
16,2% das usuárias concluíram esta fase, seguidas de 15,4% que não terminaram.
Um fator que nos chama a atenção é que, no universo de mulheres pesquisadas, o
432
Segundo o Estatuto da Juventude, são considerados jovens, pessoas de 15 a 29 anos de idade. (2013, Art. 1°,
parágrafo 2°)
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percentual de usuárias que concluíram o ensino superior é igual ao número de mulheres que
possuem pós-graduação concluída, ou seja: 3,1%. Outra informação importante para ressaltar
é sobre o número de mulheres que continuam seus estudos, que são 16,9% das pesquisadas. O
nível de escolaridade que mais figura neste caso é o superior, e os cursos com maior
ocorrência são: Pedagogia, História, Direito e Enfermagem.
No que se refere aos aspectos do trabalho e renda, constatamos que 52,7% das usuárias
dizem não trabalhar, enquanto 47,3% trabalham. Das mulheres que trabalham, 35,2% não
possuem vínculo empregatício formal, ou seja, sem carteira assinada e sem seus devidos
direitos trabalhistas resguardados. Sobre as mulheres que não trabalham, verificamos que
72,2% estão desempregadas ou não trabalham por desejo próprio; 16,5% nunca trabalharam
ou se dedicam apenas ao trabalho em sua própria residência. Temos ainda as que são
aposentadas, que correspondem a 8,9%, e as que são pensionistas, 2,5%.
Foi a partir da ótica destas mulheres que analisamos as ações de educação em saúde
desenvolvidas nas USFs do município de Cajazeiras-PB voltadas para temáticas concernentes
à saúde sexual e reprodutiva.
Assim temos que apenas 2,9% das pesquisadas afirmaram ter recebido alguma
orientação da/na unidade de saúde da família sobre menarca, bem como 3,0% das usuárias
declararam ter recebido alguma orientação sobre o início da vida sexual nas USFs. Das
usuárias pesquisadas, 67,3% disseram não ter recebido informações sobre métodos
contraceptivos, 46% informaram não ter tido orientações sobre prevenção do câncer de mama,
44% afirmaram que não receberam informações sobre a prevenção do câncer do colo do
útero.
No que se refere a prevenção de DSTs-HIV/AIDS, 50,8% afirmaram ter recebido
alguma orientação por meio de palestras e panfletos, mas nos cabe considerar que as outras
49,2% não receberam qualquer informação, e são quase metade destas mulheres. Este dado
pode ter uma relação direta para que 54,7% das usuárias não se previnam em suas relações
sexuais e 44% nunca tenham feito testes para HIV/AIDS.
Um outro aspecto que nos surpreende é que quando indagamos sobre a escolha do tipo
de parto, 36,8% das mulheres disseram que optaram pelo tipo de parto ao qual se submeteram,
contra 63,2% que responderam não escolher, ficando na responsabilidade dos/as profissionais
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Visualizamos, na cidades de Cajazeiras-PB, o grande déficit que há junto às mulheres
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_______ Política Nacional de Atenção a Saúde Integral da Mulher, 2004. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf, acessado em
10/10/2015;
_______ Sistema Único de Saúde, Lei 8.080, de 19 de Dezembro de 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm, acessado em 15/10/2015;
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INTRODUÇÃO
O artigo proposto tem como objetivo analisar se as mulheres atendidas nas Unidades
de Saúde da Família (USF) tiveram efetivados os direitos referentes à saúde sexual previstos
na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher (PNAISM).
Trata-se de artigo que apresenta parte dos resultados obtidos na pesquisa financiada
pelo MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA, edital nº 32/2012, intitulada “Mulheres Paraibanas Saúde
Sexual e Reprodutiva”, realizada em quatro cidades do Estado da Paraíba: Cajazeiras, Patos,
Campina Grande e João Pessoa. Para este artigo, foram evidenciadas as análises referentes à
cidade de Campina Grande/PB, com recorte específico para as reflexões voltadas ao campo da
saúde sexual. Apesar de sabermos das articulações entre a sexualidade e a reprodução
humana, a perspectiva que adotamos considera que a vivência da sexualidade não
necessariamente está implicada com a reprodução humana. Daí, tomamos como recorte para
este artigo tão somente os aspectos concernentes à saúde sexual sem articulá-la com as
questões inerentes à reprodução.
A PNAISM foi lançada no ano de 2004, incorporando o enfoque de gênero, a
433
Mestrando em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
434
Mestranda em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
435
Professora da Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
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com clima semi-árido, tendo predominância de cultivo de cana-de-açúcar, algodão, sisal. Esta
cidade destaca-se por ser um polo de produção tecnológica no país.
A pesquisa foi desenvolvida em 18 Unidades de Saúde da Família (USF) e se pautou em
um estudo descritivo-analítico com amostra de 150 mulheres, as quais responderam a um
questionário estruturado. Para a escolha das unidades de saúde da família pesquisadas,
utilizamos como base de dados à lista de Unidades de Saúde da Família disponível no
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (http://cnes.datasus.gov.br//, acessado em
19/05/2014). Assim, fixamos 25% do total da quantidade de USFs, tomando como critério a
escolha aleatória, obedecendo à inclusão de unidades em todos os distritos sanitários
existentes no município, e a conveniência operacional da pesquisa. O critério para seleção das
usuárias foi idade superior ou igual a 18 anos e o interesse em participar da pesquisa. A
análise dos dados foi processada através do programa para análise estatística Excel.
Para garantir a legitimidade das informações coletadas, apresentamos às usuárias o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido para referendar suas participações na pesquisa, após
aprovação da mesma pelo Comitê de Ética da UEPB com o protocolo 33787114.0.0000.5187.
A saúde sexual está atrelada aos cuidados com os corpos de homens e mulheres
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referentes às suas sexualidades, de maneira que ambos possam ter uma vida sexual segura e
satisfatória, valorizando a vida pessoal de cada um/a.
No contexto dos resultados da pesquisa em foco neste relatório, das 150 mulheres
pesquisadas, 97,3% afirmaram ter iniciado sua vida sexual enquanto 2,7% disseram não ter
iniciado.
Ao indagarmos se elas haviam tido informações sobre a menstruação antes de
entrarem na menarca, 56,7% disseram que não tinham a mínima noção do que seria, já que
não havia diálogo entre elas e suas mães e/ou outro familiar, menos ainda nas USFs. Porém,
43,3% mulheres afirmaram que tiveram informação e destas, 61,5% tiveram informação em
conversas com suas mães, outras 20,0% disseram que só souberam o que seria a menstruação
em conversas com amigas, e 18,8% tiveram informação na escola.
Tabela 01: Informações sobre menstruação antes da menarca
Quando você menstruou, tinha informações sobre a
Frequência Percentual
menstruação?
Sim 65 43,3%
Não 85 56,7%
Total 150 100,0%
Mais da metade das mulheres não obtiveram informações sobre menstruação, ficando
nítido o silenciamento em relação à sexualidade da mulher. Desde criança a menina é
controlada a não abrir as pernas, não colocar a mão em sua vagina, não sentir desejos, não
conhecer seu corpo a partir do toque. Diferentemente do homem que é permitido e
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Cabe ainda demarcar o que está previsto na Política Nacional de Atenção Básica, no
Art. VII, que prevê o desenvolvimento de ações educativas que possam interferir no processo
de saúde-doença da população, no desenvolvimento da autonomia, individual e coletiva, e na
busca por qualidade de vida dos usuários (BRASIL, 2012).
No que se refere ao recebimento de informações sobre sexo antes da primeira relação
sexual, o percentual de mulheres que não receberam estas orientações apresentou quase a
mesma quantidade dos números citados em relação às informações sobre menstruação: 53,3%
não obtiveram informação e 46,7% afirmaram que tiveram informação antes do primeiro ato
sexual. Das que tiveram informações acerca de como ocorre a relação sexual, 22 mulheres
mantiveram diálogos com a mãe, 31 com amigas, 25 nas escolas e apenas 4 afirmaram terem
recebido alguma informação nas USFs.
Mais uma vez ressaltamos a ausência de um trabalho das equipes de saúde das USFs
pesquisadas direcionado às mulheres como forma de promoção e prevenção de saúde, para
que possam ter qualidade de vida, portanto, maiores cuidados com seus corpos.
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pesquisadas acerca do que sejam DSTs; ii) receio em informar a estranhos particularidades a
respeito de sua saúde sexual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados obtidos na pesquisa em questão, fica nítido que inexiste, ou é
insuficiente, o trabalho de educação em saúde nas USFs, com as usuárias, relacionado a temas
vinculados à saúde sexual. Reflexões em torno da menstruação, da primeira relação sexual e
da prevenção de DSTs e HIV/AIDS foram pouco relevantes.
Mesmo tendo sido indicado pela metade da amostra à obtenção de informações sobre
DSTs e HIV/AIDS nas atividades educativas desenvolvidas pelas USFs, percebemos que o
nível de informações das usuárias ainda é muito tênue, tendo em vista que algumas mulheres
estão reproduzindo discursos de formas de contágio de doenças sexualmente transmissíveis
cientificamente já descartados. Portanto, a PNAISM vem sendo descumprida no que se refere
a não haver processos educativos efetivos nas USFs.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
No último século crescentes e significativas mudanças sociais ocorreram sobretudo no
que tange ao papel da mulher – sua inserção no mercado de trabalho, as relações sociais e de
gênero, o exercício da sexualidade e a própria questão da reprodução. Muitas mulheres
passaram a reduzir o número de sua prole ou mesmo a adiar a experiência da maternidade,
pois que outros interesses não circunscritos ao âmbito doméstico emergiram, tais como a
formação acadêmica prolongada e uma maior dedicação à carreira em busca de uma melhor
inserção profissional e consequente equilíbrio financeiro. Neste contexto, a escolha da
maternidade – a efetivação dessa proposta, o momento para sua realização ou mesmo o seu
adiamento, é marcada pelas relações raciais/étnicas, de classe e de gênero e, como tal varia
amplamente do ponto de vista do contexto histórico, dos diversos países e culturas. Contudo,
a maternidade permanece ancorada à identidade feminina, embora haja toda uma gama de
possibilidades de escolha propiciadas pelos métodos contraceptivos e mais recentemente, os
conceptivos.
Sob este aspecto, muitas mulheres, homens e casais que por diversas razões não
conseguem gerar um filho, acabam por procurar tratamento contra a infertilidade, uma vez
que o projeto de constituição de uma família passa a pertencer ao casal, numa clara evidência
da permanência de valores referentes ao gênero. Nesse cenário, destaca-se a grande oferta de
tecnologias médicas de reprodução oferecidas às mulheres, homens e casais, possibilitando
(mesmo que a duras penas) que estas pessoas vivenciem e concretizem o sonho do filho
biológico.
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436
Planejamento familiar – Portal Brasil. Disponível em www.brasil.gov.br/saude/2011/09/planejamento-
familiar. Acesso em 10/08/2015.
437
BARBOSA, Rosana Machin. Relações de gênero, infertilidade e novas tecnologias reprodutivas. Revista de
Estudos Feministas, Florianópolis, v.1, p.212-228, 2000.
437
A esterilização feminina é um procedimento médico que por meio de alterações anatômicas ou funcionais em
qualquer parte do sistema reprodutivo feminino impossibilita a fertilização. A laqueadura tubária, que envolve o
bloqueio (pela oclusão com ligaduras) das trompas de Falópio é a técnica mais comumente usada de
esterilização.
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XIX e tornou-se significativo nos países do sul, sobretudo o Brasil, no século subsequente,
especialmente a partir da década de 1950. Neste contexto houve grande disseminação de
medidas contraceptivas, utilizadas largamente de forma indiscriminada, como a utilização de
anticoncepcionais orais e a esterilização feminina através da laqueadura tubária438. Nos
últimos 30 anos, no Brasil, houve um aumento ainda maior da laqueadura tubária, a ponto de
torná-la hoje, a prática contraceptiva mais utilizada. Atualmente, a Pesquisa Nacional de
Demografia e Saude (PNDS) evidenciou a continuidade da alta prevalência dessa prática,
embora tenha apresentado uma queda no decorrer de 10 anos (em 1996, 40,0 % das mulheres
com vida sexual ativa haviam realizado a cirurgia contra 29,0% das mulheres em 2006),
dados que ainda mantém o Brasil como um dos países com as maiores taxas de esterilização
do mundo439.
Molina enfatiza que, no contexto brasileiro, a ausência de claras políticas
populacionais e a falta de uma política de planejamento familiar deram espaço para que
Organizações não governamentais (ONGs), associando-se muitas vezes, a governos estaduais
e municipais não só realizassem, mas, principalmente, treinassem e oferecessem material
cirúrgico inclusive laparoscópios – para laqueaduras em todo o país, em uma clara uma
postura controlista, pois acreditavam estar ajudando a resolver, com tal prática, problemas
socioeconômicos. Para o autor, a alta incidência de laqueadura tubária no Brasil pode ser
explicada por alguns fatores relativos ao próprio sistema de saúde, como a baixa qualidade
dos serviços oferecidos nas unidades de saúde; a alta incidência de cesarianas; a dificuldade
de acesso aos serviços de planejamento familiar; a falta de opções contraceptivas, incluindo a
masculina; as políticas de saúde equivocadas – como a não implantação de programas de
planejamento familiar, a falta de investimento na aquisição ou produção de métodos não
permanentes; e a não legalização do aborto.440 Acresce-se a estes, a falta de informação e o
desconhecimento por significativa parcela da população dos efeitos colaterais oriundos da
439
Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS/2006. Disponível em: bvsms.
saúde. gov.br/bvs/pnds/atividade _ sexual.php. Acesso em 29/07/2015.
440
MOLINA, Aurelio. Laqueadura Tubária: situação nacional, internacional e efeitos colaterais. In: GIFFIN,
Karen; COSTA, Sarah Hawker (Org.). Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.
P.134.
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441
A Portaria nº 144, de novembro de 1997, do Ministério da Saúde, dentro da legislação sobre planejamento
familiar regulamentou a realização da esterilização cirúrgica voluntária nos serviços públicos para mulheres ou
homens com plena capacidade civil e que tenham mais de 25 anos de idade, ou que tenham, pelo menos, dois
filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico.
BRASIL. Ministério da Saude. Portaria nº 144, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre Planejamento
Familiar. Brasília, 1997. Disponível em: http://sna.saude.gov.br/legisla/legisla/planf/sasp14497plantf.doc.
Acesso em 27/07/2015.
442
Molina, Aurelio. Op.cit. P.135.
443
A expressão “Reprodução assistida” descreve um variado conjunto de técnicas biomédicas destinadas ao
tratamento para situações de esterilidade, entre as pessoas que não podem ter filhos pela via natural, seja por
impossibilidade clínica ou mesmo por opção sexual. A Fertilização in vitro é um processo utilizado em que a
fecundação ocorre fora do corpo feminino, pois os gametas são colocados em placa de laboratório para formar
embriões, que serão posteriormente introduzidos no corpo da mulher.
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444
SCAVONE, Lucila. Dar a vida e cuidar da vida: Feminismo e Ciências Sociais. São Paulo: UNESP, 2004. P.
65, 84-85.
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Observamos, nos casos elencados, que todas as mulheres haviam sido laqueadas muito
jovens, com cerca de 20-25 anos, no período de maior fertilidade da vida reprodutiva e a
busca pela reversão do procedimento ou mesmo, para a fertilização in vitro ocorreu na fase do
declínio do potencial reprodutivo. Vários estudos evidenciam que a idade é a variável mais
correlacionada com a prevalência da laqueadura tubária e o consequente arrependimento, pois
quanto menor a idade em que a mulher se submete à laqueadura, maiores são as
possibilidades de arrependimento445.
Também chama a atenção a questão da conjugalidade, pois todas as mulheres desse
estudo afirmaram que a principal motivação para a procura da reprodução assistida foi um
novo relacionamento, e o desejo de terem filhos dos dois (seu e do atual cônjuge). Todas as
mulheres possuem a sua prole, de dois filhos, enquanto o seu atual companheiro não possui
filhos (exceto Getúlio). Isso nos faz levantar a questão da motivação da maternidade estar
encoberta por um desejo da mulher de agradar ao seu companheiro, remetendo-nos aos
tradicionais valores de gênero presentes na nossa sociedade, em que a construção de uma
família legitimaria o relacionamento conjugal, cabendo à mulher a função de dar filhos ao
companheiro.
A maior parte dos casais está há cerca de um ano aguardando os procedimentos de
445
CUNHA, Antônio Carlos Rodrigues da; WANDERLEY, Miriam da Silva; GARRAFA, Volney. Fatores
associados ao futuro reprodutivo de mulheres desejosas de gestação após ligadura tubária. Rev. Bras. de
Ginecologia e Obstetrícia, Rio de Janeiro, v.29, nº5, jan./mai. 2007, p.230-234.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante a Política sobre o Planejamento Familiar no país constata-se na prática
alguns entraves à acessibilidade e às informações acerca dos métodos contraceptivos e
conceptivos, impactando na escolha das mulheres e casais quanto ao aspecto reprodutivo.
Além disso, é importante ressaltar que a laqueadura tubária é um método de contraconcepção
definitivo, uma vez que o sucesso da cirurgia de reversão da laqueadura é variável e quando
as trompas reconstituídas cirurgicamente não recuperam a sua função, a alternativa para se
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obter uma gestação é a reprodução assistida (fertilização in vitro), como vimos nos casos
trazidos por este trabalho. Entretanto, o alto custo desse procedimento acaba por torná-lo
inviável e limita essa opção de “tratamento” para a maioria das mulheres em nosso meio e
traz à tona novamente a discussão sobre os direitos reprodutivos. Embora a técnica de
fertilização in vitro tenha sido inicialmente indicada para os casos de infertilidade por fatores
obstrutivos femininos, vê-se, na prática, o baixo êxito obtido por essas técnicas no sentido de
obtenção de um recém-nascido nestas situações. Nos casos elencados, nenhum deles foi
coroado de êxito no sentido de uma gestação e seu produto.
As questões reprodutivas, apesar do aumento das ofertas contraceptivas e conceptivas,
e a sexualidade são permeadas pelas relações de gênero marcadas pela desigualdade, uma vez
que a reprodução permanece como “coisa de mulher” no tocante a responsabilização feminina
por esta esfera. É primordial a ação dos profissionais de saúde no sentido de orientar as
mulheres, homens e casais sobre o caráter irreversível da laqueadura tubária ao ser utilizada
como método contraceptivo. Acreditamos, indubitavelmente, que a ampliação do debate sobre
as tecnologias reprodutivas contraceptivas e conceptivas – sua utilização consciente e suas
implicações – podem contribuir efetivamente para a construção de um novo marco na vida e
na cidadania femininas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Maria Betânia. Direitos Sexuais e Reprodutivos: desafios para as políticas de saúde.
Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, vol. 19 suppl. 2, 2003. Pp.465-469.
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reprodutivas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.1, 2000. P.212-228.
BRASIL. Ministério da Saude. Portaria nº144, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre
Planejamento Familiar: Brasília, 1997. Disponível em:
http://sna.saude.gov.br/legisla/planf/sasp14497planf.doc.
BERQUÓ, Elza. Ainda sobre a questão da esterilização feminina no Brasil. In: GIFFIN,
Karen; COSTA, Sarah Hawker (Org.). Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1999. Pp.113-126.
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INTRODUÇÃO
Para que possamos compreender a relevância da participação política feminina no
amazonas se faz necessário realizarmos um resgate histórico sobre o surgimento do
movimento feminista e sua contribuição na luta pela inserção de mulheres no parlamento
brasileiro. Essa luta que se inicia no âmbito desses movimentos ao longo das décadas passou a
ser uma das principais bandeiras de luta das feministas do nosso Estado. É através do
histórico de luta desses movimentos que propomos através do presente estudo uma reflexão
acerca da participação feminina na política partidária. Nele, buscaremos abordar as principais
bandeiras de lutas do movimento, suas conquistas e obstáculos até então enfrentados por nós
mulheres que lutamos arduamente pela igualdade de gênero junto ao parlamento brasileiro.
Pois entendemos que só se teremos um país justo se houver representatividade igualitária
entre homem e mulher nas instâncias de poder político.
446
O trabalho faz parte da dissertação de mestrado da referida autora, tendo como orientadora a Profa. Dra.
Iraildes Caldas Torres, Doutora em Ciências Sociais/ Antropologia Social- Professora associada na Universidade
Federal do Amazonas.
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de Educação (FACED) por ter a maior parte de mulheres casadas e com filhos. Um problema
antigo que até então não se tem visto solução em nosso município e aí é aquele velho
problema: “Onde deixar os nossos filhos?” Então o comitê surgiu através dessa inquietação
sofrida pela maioria das mulheres estudantes da época. Infelizmente suas atividades não
ganharam forças já que a maioria das participantes não tinha um conhecimento sobre o tema.
Sobre a luta por creches na Universidade Selda Vale docente e uma das participantes do
Comitê da Mulher Universitária nos relatou que “ As pessoas perceberam que não tinham
conhecimento pelo assunto. Manaus naquela época era uma cidade isolada e nós tinhamos
uma falta de informação muito grande. Viu-se que era necessário primeiro nos informarmos”
. Conforme relatos da docente esses e outros temas discutidos pelo movimento ficaram apenas
em termos de reflexão.
O Comitê era formado por docentes e estudantes principalmente dos cursos de humanas
e teve como membros as professoras Dra. Jucelem Ramos, Marlene Pardo, Selda Vale e a ex
vereadora Lúcia Antony. O comitê participou pouco de atividades externas a Universidade,
mas em 1980, através de um encontro realizado com as mulheres operárias do distrito
industrial de Manaus, que suas atividades ganharam grandes proporções. Nessa época, não só
a cidade de Manaus, mas todos os estados brasileiros, principalmente os que possuíam polos
industriais, passaram por mobilizações vindas de diferentes movimentos inclusive dos
feministas que se uniram contra o projeto de esterilização de mulheres através de vacinas
contraceptivas447.
O comitê da mulher universitária se posicionou contra ao projeto que se utilizava de
mulheres amazonenses como cobaias, principalmente as operárias do distrito industrial já que
eram as mais vulneráveis ao sistema de exploração capitalista instalado no estado. Em 1981
no II Encontro da Mulher Trabalhadora o evento também contou com a participação das
trabalhadoras domésticas. Esse encontro foi organizado pelo Comitê, pela Pastoral Operária e
por outras associações de Manaus. Logo mais tarde o grupo se desestruturou, finalizando
assim, suas atividades.
447
Elaborado em 1974 por Henry Kissinger o “memorando 200” tinha como objetivo a esterilização de
mulheres em idade fértil como medidas de redução significativa da população excessiva no mundo. No
Amazonas essa campanha contava com o financiamento de empresas Norte Americanas. O objetivo era evitar
que as mulheres operárias em idade fértil engravidassem.
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Conforme relato da profa. Selda Vale o grupo se desestruturou por ser um grupo
formado por pessoas ainda muito conservadoras e preconceituosas. Manaus naquela época
ainda era uma cidade “ultra moralista”, tendo as discussões entorno da mulher como tema
proibido.
Em 1982 Lúcia Antony que também participou do Comitê da Mulher Universitária
fundou a União de Mulheres de Manaus que foi uma entidade criada para organizar as
mulheres em seus locais de moradia. Nessa época o país vivenciava o fim de uma ditadura
militar e os bairros principalmente os localizados na periferia da cidade de Manaus não
possuíam associações de moradores. Conforme relatos de Lúcia Antony a UMM fomentou
uma luta de forma geral entre as mulheres em seus locais de moradia, pois as décadas de
1970/80 a cidade ficou marcada pelos constantes problemas com as invasões.448
Linhares (1990) nos diz que o movimento feminista na década de 1980 se diversificou,
passou a atuar em diferentes espaços como grupo de reflexão, grupos e núcleos de estudos
dentro e fora das Universidades, nos departamentos femininos, em sindicatos, partidos
políticos, grupos de autoajuda contra à violência nas organizações não-governamentais e nos
movimentos de mulheres nos bairros.
O trabalho realizado com as mulheres em seus locais de moradia também serviu para
emponderá-las politicamente, pois algumas a partir de então, começaram a refletir a
importância de se ter uma representante nos espaços de poder político. A força do movimento
feminista foi crescendo e a luta pela presença de mulheres em cargos de representatividade
política foi se tornando uma necessidade. A partir de então, os candidatos passam a “criar
departamentos femininos dentro das estruturas partidárias”. A eleição de partidos políticos de
esquerda em algumas cidades fez com que as feministas repensassem na sua posição ante o
Estado já que naquele momento via-se a possibilidade do avanço das políticas feministas.
(COSTA,2009).
A UMM atuou até 1985 com uma comissão provisória, sendo oficializada a partir de
então. Em 1995 a União de Mulheres de Manaus se transformou em União Brasileira de
448
As invasões hoje conhecida como ocupações de terra , eram constantes na cidade de Manaus. Famílias do
interior do estado do Amazonas e de algumas cidades do nordeste vinham em busca de melhores condições de
vida tão divulgada pela mídia como forma de favorecer o capital com a chegada da indústria no Amazonas.
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449
A União Brasileira de Mulheres foi criada em 1988 na Bahia após um congresso organizado por mulheres de
todo o País. É uma entidade sem fins lucrativos, apartidária e luta pelos direitos da mulher e estar presente em
21 estados brasileiros.
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NO PARLAMENTO
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no senado brasileiro. Eunice entrou para a política por intermédio de seu esposo Darci
Michiles que também vinha de uma família de políticos da região de Maués. Eunice também
se tornou uma das deputadas constituintes a representar o Amazonas na elaboração da nova
Carta magna que entraria em vigor em 1988.
Para Avelar (1987) O ingresso da mulher na política via familiar apesar de se
apresentar como um fato novo, ainda é muito comum por se tornar um meio mais viável as
mulheres que tem sua aceitação dentro do partido e por herdar as bases eleitorais da família.
Nas eleições de 1986 muitas mulheres elegeram-se em função do prestígio de seus
maridos ou pais (TABAK,1989). Muitas inclusive sem nenhuma experiência política, outras
através de prestígio conquistado pelo trabalho social desenvolvido em suas cidades quando
seus respectivos maridos eram gestores, outras através de sua experiência junto aos
movimentos sociais e aquelas que já tinham experiência parlamentar. Mas essa pluralidade
entre as parlamentares não apagou o brilho e a significância das 26 mulheres eleitas.
Nas eleições para a Assembleia Constituinte o Amazonas também esteve bem
representado já que três mulheres foram eleitas. Foram elas: Beth Azize, Eunice Michiles e
Sadier HAuache.
Beth Azize uma das figuras emblemática da política amazonense foi Juíza de Direito
por quase 10 anos no interior do Estado do Amazonas. Como Jornalista e militante chegou a
ter uma coluna diária em um dos jornais de maior circulação da cidade de Manaus. Com o
tempo sua militância foi lhe dando popularidade e então resolveu ingressar na vida pública.
Em plena Ditadura Militar sua militância inicia-se na Faculdade de Direito, tornando-se a
primeira mulher presidente do diretório acadêmico.
Em 1976 Beth Azize candidata-se a vereadora pelo MDB e em 1978 inicia sua
campanha para se eleger a deputada estadual do qual foi eleita. Cumpriu seu mandato por 08
anos de 1979 a 1987, pelo já então Partido Movimento Democrático Brasileiro o PMDB, mas
por divergências políticas internas ao partido, Beth Azize já em 1986 filia-se ao Movimento
Democrático Brasileiro (PDB). Em 1983 foi eleita Presidente da Assembleia Legislativa se
tornando a primeira mulher a presidir uma Assembleia Legislativa no Brasil. Foi também a
primeira mulher a assumir o Governo do Estado do Amazonas como presidente da
Assembleia quando o Governador se ausentava.
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Em sua passagem pelo Parlamento brasileiro Beth Azize participou de várias comissões.
Porém, por ter sido uma Juíza de Direito, sempre teve prioridade pra ser da comissão de
Constituição e Justiça. Também participou da subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e
Servidores Públicos, da Comissão da Ordem Social e Comissão de Sistematização.
Após sua participação na ANC Beth Azize foi reeleita a deputada federal pelo PDT no
ano de 1991 à 1995. Sua atuação junto a ANC teve o reconhecimento da população
amazonense que lhe confiou mais um mandato parlamentar.
A segunda deputada constituinte representante do Estado do Amazonas e participante
desse estudo foi a ex–senadora Eunice Michiles (PFL) , pertencente a base de apoio ao
governo. Eunice Michiles ficou conhecida nacionalmente em 1979 quando assumiu uma vaga
no Senado Brasileiro após a morte do Senador João Bosco Ramos de Lima, já mencionado
anteriormente. No Senado participou de várias comissões, seminários, conferências e
congressos, foi Presidente do Movimento da Mulher Democrática Social – MMDS e Líder do
Movimento das Mulheres Pró-Paulo Maluf. Como Senadora recebeu várias condecorações e
homenagens. Eunice foi Senadora até 1987 quando resolveu se candidatar a Deputada
Federal.
Enquanto Deputada Constituinte uma de suas bandeiras de luta foi em defesa do
planejamento familiar, exigindo do governo que disponibilizasse os mecanismos necessários
as mulheres para que as mesmas pudessem ter o direito de escolha sobre ser ou não mãe.
Também participou de comissões e subcomissões da família, do menor, do idoso, comissão de
saúde, previdência e assistência social. Eunice pertencia a bancada de apoio ao governo e da
bancada evangélica. Também participou da comissão de Defesa do Consumidor e do Meio
Ambiente (COLETÂNIA MULHERES CONSTITUINTES, 2011).
A terceira mulher a se eleger deputada constituinte pelo Amazonas foi a Jornalista e
empresária Sadier Hauache que entrou para a política em 1982 e apesar da grande votação não
conseguiu a tão sonhada cadeira no Senado. Durante a sua campanha, sofreu acusações de
estar se elegendo às custas do poder do dinheiro. Em entrevista à um Jornal local Sadier
Hauache revida as acusações e afirma : “não gastei muito, apenas o necessário pra se fazer
uma boa campanha” (A Crítica em 19/11/1986 ,p.06).
Sadier Hauache enquanto parlamentar fez parte da Subcomissão de Defesa do Estado,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A busca pela emancipação e do empoderamento feminino através do direito de votar e
ser votada veio transformar radicalmente a realidade vivida pelas mulheres brasileiras que
durante muito tempo ficaram excluídas dos centros de decisão. Algumas desbravadoras
através de seu protagonismo foram capazes de mostrar que o lugar da mulher não mais se
resumia entre os afazeres domésticos, ser boa esposa e boa mãe, mas também está presente
nas diferentes instâncias de poder político.
Atualmente a mulher vem obtendo um maior reconhecimento em alguns campos de
atuação profissional, seu acesso a educação, por exemplo, aumentou consideravelmente,
entretanto pouco vem se avançando quanto a participação política das mulheres no
parlamento. Essa batalha ainda com o avanço das leis de ações afirmativas que favorecem a
mulher e sua participação política, ainda está longe do fim. Mas a luta do movimento
feminista brasileiro por maior participação de mulheres nas instâncias de poder político vem
fortalecendo as poucas mulheres que dividem espaços ainda que em desvantagem com os
homens.
Em Manaus, os movimentos de mulheres vêm buscando combater a prática da
discriminação contra a participação feminina no parlamento brasileiro, mas infelizmente a
realidade nos mostra que o percentual de mulheres nessas instâncias de poder político ainda é
bem baixo. O movimento feminista no Amazonas ao longo dessas ultimas três décadas vem
contribuindo com discussões entorno do aumento da participação feminina no parlamento,
mas infelizmente não tem conseguido eleger de forma satisfatória um número de mulheres
que possam representar e lutar pelas causas feministas no Amazonas. Algumas mulheres que
fazem parte do movimento até já se candidataram, mas as barreiras encontradas nos partidos
políticos demonstram que ainda é latente a aceitação de mulheres apenas para preenchimento
de vagas e que não há interesse por parte dos partidos em investir nas campanhas das
mulheres com pequenas exceções as que entram por intermédio de seus maridos e familiares.
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É com base nessa assimetria de gênero na política que entendemos o quanto é relevante
a luta feminista pelo aumento da participação feminina no parlamento. No Amazonas, apesar
dos avanços, ainda presenciamos um número de mulheres bem inferior em comparação aos
homens nessas instâncias de poder. Para o feminismo só é possível vislumbrar uma igualdade
social quando a mulher obtiver os mesmos direitos que os homens, inclusive nos cargos de
representação de poder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVELAR, Lúcia. Participação Política da Mulher: o conservadorismo político feminino. In.
Eleonora Menicucci de Oliveira ( Org.). Mulheres da domesticidade à cidadania. Brasil:
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos /
Norberto Bobbio, organizado por Michelangelo Bovero, tradução Daniela Beccaccia Versiani.
14° reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
COLETÂNEA MULHERES CONSTITUINTES: discursos destacados. Brasília, 2011.
COSTA, Ana Alice Alcântara. O movimento feminista no Brasil: dinâmica de uma
intervenção política. In: Hildete Pereira de Melo, Adriana Piscitelli, Sônia Wedner Maluf,
Vera Lucia Puga (org) – Brasília: Ministério da Educação: Unesco,2009.
JORNAL A CRÍTICA. Eleições /86. Sadie Hauache e a defesa da mulher. Manaus, p.06.
1986.
LINHARES, L. La Lucha por la democracia calificada. In: Transiciones: mujeres em los
processos democráticos. Ediciones de las Mujeres, 1990.
LOBO, E,S. Mulheres e feminismo e novas práticas sociais, Porto Alegre, 1987.
TABAK, Fanny. A nova ordem legal- mulheres na Constituição. Rio de Janeiro – Pontífica
Universidade Católica, 1989.
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INTRODUÇÃO
Este artigo nos possibilitará uma reflexão sobre a atuação política das mulheres,
sobretudo as cearenses em contextos partidários, analisando quais os motivos que faz com que
a mulher não tenha a mesma igualdade que os homens. Será mostrado um retrato da presença
das mulheres na câmara dos Deputados Estaduais, Federais e Senado do Estado do Ceará,
bem como uma visão geral do Brasil.
A Submissão das mulheres em relação aos homens tem vestígios históricos, culturais e
sociais, desde as civilizações mais antigas. Iremos fazer um breve relato sobre esse aspecto,
mostrando qual a posição que as mulheres ocupavam em diferentes épocas e tradições
diversas, com foco principal na política.
A conquista ao voto é o marco de uma grande conquista para o movimento feminista
que a partir de então se consolida. No entanto, como aprofundaremos adiante foi através de
muita luta que isso ocorreu. Além de que isso não garantiu as mulheres que as mesmas
ocupassem cargos políticos, pois existem outros fatores que precisam ainda serem superados.
Ainda iremos discorrer sobre as dificuldades e empecilhos que faz com que haja uma
participação tão reduzida no que tange a diferenciação entre homens e mulheres em espaços
de tomadas de decisão, principalmente na política. Mostrando algumas medidas que o
governo poderia adotar para que esse cenário mudasse.
Analisaremos a política de cotas a partir de sua implantação e os motivos que faz com
que a mesma se torne tão ineficaz no Brasil, sendo que em outros países ela é aplicada de
forma razoável, mesmo que não tenha mudado de imediato a situação já fez uma notável
450
Graduanda do 6º período do curso de Letras – Português da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do
Sertão Central - FECLESC. Email: anielepc@gmail.com
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diferença.
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES
Para uma maior compreensão da participação das mulheres na política, iremos fazer
uma breve contextualização histórica de como a diferença de gênero deste de tempos mais
remotos procura determinar um papel para a mulher, em que esta sempre deve ser submissa,
inferior e responsável pelos trabalhos domésticos, devendo servir, cuidar e zelar do marido,
dos filhos e da casa, não cabendo a mulher o “fora de casa”.
A bíblia é a primeira a conter traços de machismo. Na Grécia a mulher ocupa a mesma
posição dos escravos, esta situação não é diferente na cidade Romana em que ela era excluída
de diversos direitos, havia uma intensa dominação do sexo masculino em relação ao feminino.
A idade Média é marcada por uma leve mudança, pois as mulheres começaram a ter alguns
direitos, na política podiam participar das assembléias com direito a voto, mas é válido
ressaltar algo importante, apenas as mulheres burguesas tinham acesso a esses direitos. No
período renascentista, houve retrocesso na posição da mulher, no feudalismo foi um pouco
maior seu espaço de atuação política, diferente de quando se cria os Estados Novos em que a
mulher é totalmente afastada das decisões públicas.
As revoluções não trouxeram a igualdade feminina, apesar das mulheres terem
participado de forma ativa ao lado do homem, neste processo em que se “busca igualdade,
liberdade e fraternidade”, tema da revolução francesa. Porém ao conquistar os direitos o
homem torna a mulher novamente sua submissa. Diante desse contexto de opressão contra o
sexo feminino, surgem diversas mobilização e lutas organizadas, através do movimento
feminista que busca a conquista de igualdade entre homens e mulheres.
O movimento de feministas atuou em diversificadas áreas, como direitos trabalhistas,
exclusão da participação em decisões públicas, direito ao voto, etc. Segundo Alves e
Pintanguy:
Através de uma luta constante por seus direitos, as mulheres trabalhadoras
romperam o silêncio e projetaram suas reivindicações na esfera pública. O avanço
das lutas operárias congrega homens e mulheres nas organizações sindicais. Com
eles as mulheres participaram das greves e, como eles, foram vítimas da repressão.
(2007. p.41)
O século XIX foi marcado por duas grandes lutas: por melhores condições de trabalho
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e direito ao voto. Iremos nos aprofundar a segunda luta, o direito a cidadania. Esse
movimento foi chamado de Sufrágio Universal, que buscava a garantia de que todos
pudessem votar e ser votado, no entanto, todos faz referência apenas aos homens já que não
incluía a participação do voto paras as mulheres.
A luta sufragista feminina, pode ser considera o primeiro grande marco da onda do
movimento feminista, as mulheres buscam através de uma mobilização mundial alcançar um
direito já dado aos homens, mas que foi negado a mulher, por ainda predominar uma visão
com diversos comentários machistas e patriarcais, em que visa a exclusão e subordinação,
impedindo que as mesmas ocupem lugares denominados como sendo pertencentes ao sexo
masculinos. Como a política, cargos de destaque, em que se tomam importantes decisões e
poder, entre outros.
O Brasil foi o quinquagéssimo país a conceder o direito de votos às mulheres, mesmo
com que diversas restrições, pois apenas mulheres casadas com autorização podiam votar ou
mulheres viúvas com renda própria. Em 1934, a Assembleia Nacional das constituintes
reafirma o direito ao voto feminino, sendo garantido o direito ao voto para todas as mulheres,
mais vale outra ressalva todas que tivesse algum tipo de função remunerada em cargos
públicos. Finalmente em 1946, foi instaurada a obrigatoriedade plena do voto feminino.
Porém, mesmo com a consolidação do direito ao voto a igualdade na política é ainda
muito desigual quando se compara homens e mulheres. A conquista de votar e ser votado,
ainda não garantiu a sua concretização de fato, tendo em vista a ausência das mulheres no
poder tanto legislativo quanto executivo. A citação a seguir caracteriza bem isso:
Embora a luta pela igualdade de direitos, fosse materializadas no ato de votar e ser
votada, não criou práticas de participação com direito à representação política,
no mesmo nível da participação masculina. As razões para explicar essa
desigualdade são encontradas nos argumentos que denunciam a domesticidade
feminina e a presença massiva das mulheres nas tarefas domésticas, nos espaços
privados do lar (ÁLVARES, p.4)
papel da mulher na sociedade como as várias formas em que ela direta ou indiretamente esteja
envolvida.
Apesar dos grandes avanços e das inúmeras conquistas feministas ao longo da história
da sociedade precisamos ter a consciência de que o processo de autonomia ainda não se
concretizou por completo. Como bem cita Simone Beauvoir (1970): “A mulher sempre foi,
senão escrava do homem ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em
igualdade de condição esteja evoluindo, a mulher arca com um pesado handical.” (p. 15)
mostrando um avanço significativo, por dois anos eleitorais consecutivos uma mulher está à
frente de um governo. É importante ter essa representação de mulheres uma vez que “Chegam
à política com um corpo marcado de histórias. Nessa medida tendem a levar para a vida
pública olhares e vivências de gestão discriminada e desigualdade” (SOARES, 2013, p.345)
As mulheres compõem 52% da população e 51% do eleitorado, no entanto ainda é
pouca a presença feminina nas Assembleias Legislativas dos estados e na Câmara Federal. É
importante ressaltar é claro que houve algumas mudanças, mas mesmo assim a diferença
ainda é muito grande. Em pesquisa realizada em agosto de 2010, pela Fundação Perseu
Abramo e Sesc, foi mostrado o resultado de eleições recentes na Assembleia Legislativa e
Câmara Federal. Na primeira, no ano de 2002 a porcentagem de candidatas foi de 14,76 e de
eleitas foram 12,5; No ano de 2006, foi 14,09 para 11,06 e no ano de 2010 foram candidatas
21,28 e eleitas 12,9. Já na Câmara Federal, no ano de 2002 a porcentagem de candidatas foi
de 11,41 e de eleitas foram 8,2; no ano de 2006, foi 12,71 para 8,8 e no ano de 2010 foram
candidatas 21,17 e eleitas 8,8.
De acordo, com os dados da pesquisa acima inferimos que a candidatura de mulheres a
cargos políticos vem crescendo, mas ao mesmo tempo podemos constatar que as eleições não
aumentaram o numero de mulheres eleitas, pois se manteve quase o mesmo nos três anos
analisados. Em relação a presença feminina há também uma diferença entre a Assembleia
Legislativa e Câmara Federal, uma vez que na ultima tem menos representação que a
primeira.
Para termos uma visão mais geral de como é a distribuição política no Brasil, cito as
palavras de LOPES:
A atual bancada feminina na Câmara Federal representa apenas 8,77% do total da
Casa. São somente 45 deputadas. Já no Senado elas ocupam doze das 81 cadeiras.
Nesse ranking, o Brasil ocupa o 142º lugar, ficando atrás de países como
Afeganistão, Iraque, Timor Leste, Moçambique e Angola. (2013. P.397)
(PROS), diante da ausência do atual governador Camilo Santana, que passou algumas
semanas fora, o Ceará foi então governado mesmo por uma mulher, mesmo que de maneira
breve e provisória.
A primeira mulher eleita para o cargo de Deputada Estadual foi a Tabeliã Maria Zélia
Mota, nos anos de 1975 a 1978, durante esse período algumas vezes ela esteve à frente da
mesa diretora da casa de legislação. No período do ano de 1975 a 2010, foram eleitas apenas
26 mulheres na Assembleia Legislativa. Um estudo mais detalhado compreenderá o ano de
1990 a 2014. A primeira Deputada eleita no ano de 1990, Maria Dias participava do conselho
Cearense de direito da mulher, foi deputada por dois mandatos consecutivos e ainda
desempenhou a função de vice-líder do governo. Do ano 2000-2010, foram eleitas um total de
19 deputadas, um numero bem maior em relação à década de 90.
Um fato que é importante destacar é que 13 dessas mulheres que foram eleitas no
período de 1990- 2014 têm algum membro da família, seja pai, irmão, marido, envolvido na
política, esse dado é preocupante no sentido de que por trás das eleições estejam envolvidos
outros interesses e que as mulheres sejam usadas mais uma vez para servir aos homens,
mantendo o poder patriarcal, mesmo que de forma indireta, fazendo com que os interesses
deles venham a reger o governo dessas mulheres.
A presença das mulheres na assembleia legislativa é relativamente baixo em todo o
país. No Ceará nas ultimas eleições de 46 Deputados Estaduais eleitos apenas 7 são mulheres.
No âmbito Federal e no Senado percebemos o quanto esse número é ainda mais
reduzido, em julho de 2010, segundo pesquisa da IPU apenas 8,8% são de deputadas e 14%
de Senadoras. No Ceará isso é ainda mais alarmante apenas 3 mulheres foram eleitas para
exercer o cargo de Deputada Federal e 2 para o posto de Senadora.
Os motivos para a ausência das mulheres na política são diversos, seja pela divulgação
do discurso que política não é coisa de mulher, que elas não entendem. Como também por
elas serem responsáveis por 91% do trabalho doméstico, pelo cuidado com o idoso e com os
filhos. Além de terem uma educação voltada para o ensino de que existem coisas específicas
para elas, até mesmo algumas profissões são ditas como mais adequadas para mulheres.
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é desempenhado com sucesso. Sabemos que apenas a política de cotas não vai resolver o
problema mais é um passo. E vamos aos poucos também tentando mudar os vestígios
históricos, culturais e sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de analisarmos a situação atual da mulher na política, bem como a trajetória da
sua luta em busca de direitos iguais. Percebemos o quanto esse percurso que visa uma maior
atuação das mulheres como sujeitos políticos em ação, ainda necessita de que seja
reivindicada a criação de políticas públicas que possam ser capazes de transformar
verdadeiramente a política do nosso país.
Concluímos desta forma que o movimento feminino necessita eleger mulheres que
carreguem essa bandeira, e venha a ser dentro do espaço político agente de transformação. É
de fundamental importância que se criem leis que garantam às mulheres aquilo que a
conquista do sufrágio não possibilitou que as mesmas votem e sejam votadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
públicos e privado: uma década de mudanças na opinião pública. in: SOARES, Vera.
Percepções e atitudes: ser mulher e participação política. Edições Sesc SP. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2013.
__________ .Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privado: uma década de
mudanças na opinião pública. in: LOPES, Iriny. O caminho da invisibilidade ao
empoderamento feminino. . Edições Sesc SP. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2013.
__________ .Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privado: uma década de
mudanças na opinião pública. in: MORIÉRE, Laisy. A desconstrução de papéis como fator
propulsor da participação política das mulheres. Edições Sesc SP. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2013.
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INTRODUÇÃO
No Brasil, o golpe militar em 1964 não foi um fato isolado, pois em vários países da
América Latina, ditaduras militares foram instauradas nas décadas de 1960 e 1970. Países
como Chile, Argentina, Uruguai e o Brasil fizeram parte de uma generalização de regimes
opressores, em um contexto pós Segunda Guerra Mundial e de Guerra Fria, que dividia dois
grandes blocos econômicos: Estados Unidos e União Soviética.
As ditaduras militares, na América Latina, faziam parte do plano de segurança
nacional norte-americano para contenção do comunismo, objetivando impedir que países sul-
americanos fossem governados por presidentes de esquerda, alguns apoiados pelo bloco
socialista da União Soviética. De acordo com Merlino (2010), os golpes militares receberam
apoio e financiamento dos Estados Unidos, o que ajudou a consolidar a instauração desses
regimes.
Nesse contexto de repressão, várias organizações de esquerda mobilizaram-se,
algumas já existiam e estavam organizadas antes do golpe militar no Brasil, outras se
formaram nesse período, para tentar combater o regime repressor. Esses movimentos eram
clandestinos, porque o governo ditatorial começou a cassação de direitos individuais e
coletivos com o decreto do primeiro Ato Institucional (AI-1), em 09 de abril de 1964. Foi
nesse momento de luta contra repressão, da defesa dos direitos sociais e luta de classes que
muitas mulheres passaram a integrar as organizações de esquerda.
Este artigo pretende desmistificar a ideia de que a participação feminina na luta contra
a ditadura militar foi secundária e aconteceu por influência de seus companheiros, várias
451
Graduanda em História na Universidade Estadual do Ceará – UECE.
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mulheres fizeram parte desses movimentos, porque similar aos homens, acreditavam em um
país mais justo e lutaram para que isso pudesse acontecer. De acordo com Bastos (2007), as
mulheres, da geração de 1968, iniciaram a militância política por opção, isso aconteceu tanto
na Universidade como na Igreja. Ainda, de acordo com a autora: “O elemento novo trazido
pela militância feminina era o fato de as mulheres romperem também com o padrão da moça
bem-comportada, virgem, futura mãe de família” (2007, p.21). Esse rompimento com o
padrão imposto à conduta feminina foi perceptível na própria atuação das mulheres dentro das
organizações, já que, a partir de 1968, a repressão se tornou mais forte, com o decreto do AI-
5452, e muitas mulheres militantes foram presas, torturadas e mortas pelo regime. A ruptura
desse padrão que condicionava e, ainda hoje, condiciona as ações femininas, significou a
ocupação de um espaço que antes era colocado como pertencente ao homem.
Segundo Kotchergenko: “podemos dizer que algumas mulheres, ao atuarem como
militantes, saíram dos seus espaços privados, relegados a elas pela sociedade, e ingressaram
no espaço público, marcando presença significativa” [...] (2011, p.284). Esse rompimento
incomodou não apenas militares, que subestimavam a participação das mulheres, mas
também, alguns militantes. Isso aconteceu, porque as organizações de esquerda, durante a
ditadura militar, eram, ainda, espaços fundamentalmente masculinos. De acordo com Helena
Frota, [...] “se a gente analisar hoje, os quadros do DCE grande parte era os homens, eram
homens, as funções eram, secretárias eram mulheres, as funções mais femininas, que na
divisão sexual do trabalho se coloca para as mulheres” [...].453
A partir da fala de Helena Frota, pode-se perceber que a participação feminina era
encarada por muitos militantes como algo secundário, e que os valores construídos sócio
históricos e culturais, que dividem os papéis sociais do homem e da mulher, estavam
presentes dentro das próprias organizações de esquerda:
452
Em dezembro de 1968, foi editado o Ato Institucional nº 05 [...] O AI-5 fechou o Congresso Nacional por
tempo indeterminado; cassou mandatos de deputados, senadores, prefeitos e governadores; decretou o estado de
sítio; suspendeu o habeas corpus para crimes políticos; cassou direitos políticos dos opositores do regime;
proibiu a realização de qualquer tipo de reunião [...] O AI-5 significou, para muitos, um “golpe dentro do golpe”,
um endurecimento do regime que estabeleceu leis especiais para o exercício do poder fora dos marcos do Estado
de direito. (ARAUJO; SILVA; SANTOS, 2013, p.19-20).
453
FROTA, Helena. (Militante da Ação Popular no Ceará). Entrevista concedida em 02 de julho de 2015.
Entrevistadora: Sarah Pinho da Silva.
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Diante disso, percebe-se que a militância feminina tentava combater, não apenas o
regime repressor, mas, muitas vezes, o embate era travado dentro das próprias organizações as
quais pertenciam. As divisões de tarefas e os cargos de chefia são alguns exemplos das
diferenças que havia entre homens e mulheres militantes dentro das organizações de esquerda.
Helena Frota reforça essa distinção que existia, no qual cargos específicos, tidos como
femininos, eram desempenhados pelas militantes, enquanto, os homens exerciam cargos de
chefia e eram maioria tanto no movimento estudantil, quanto nas organizações clandestinas.
O artigo ora apresentado comunica a pesquisa, em andamento, sobre a participação
feminina nas organizações de esquerda no Ceará durante o período de Ditadura Militar (1964-
85). Tem por base a análise das entrevistas com ex-militantes, buscando compreender as
relações de gênero dentro das organizações de esquerda, os papéis sociais e a conjuntura da
época. A análise que está sendo feita consiste nas experiências individuais dessas mulheres
para buscar perceber como era a atuação feminina dentro dessas organizações.
A análise das entrevistas concedidas até o momento, revelam que a divisão dos papéis
sociais, dentro das próprias organizações, ajudava a ratificar o papel submisso, no qual a
mulher era colocada. Nos quais valores e condutas ditavam e, ainda, ditam o comportamento
feminino, assim como o masculino, contudo, a mulher era e é colocada, muitas vezes, em uma
posição de inferioridade em relação ao homem.
No período da ditadura, a questão de gênero, ainda, não era pauta das discussões da
esquerda, essa categoria começava a ganhar força com os movimentos feministas francês e
estadunidense, mas era visto de forma muito superficial no Brasil. A partir de meados de
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Brasil Mulher circulou entre 1975-1980, era organizado pela Sociedade Brasil Mulher (teve 16 edições
regulares e quatro edições extras). Nós Mulheres circulou entre 1976-1978, era organizado pela Associação de
Mulheres (teve oito edições).
455
A categoria gênero é empregada de acordo com PEDRO e WOLFF: [...] “ É com pressuposto de que gênero é
um primeiro modo de dar significado às relações de poder e um elemento constitutivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos” [...] (2011, p.22).
456
“Usamos o plural admitindo que o feminismo ocidental dos anos 1960-80, que seria entendido como
feminismo de Segunda Onda, não foi um movimento homogêneo ou centralizado, mas sim um fenômeno
heterogêneo e plural, melhor representado pelo termo ‘feminismos’”. (MELLO, 2011, p.73).
457
CAVALCANTE, Ruth. (Militante da Ação Popular no Ceará). Entrevista concedida em 30 de abril de 2015.
Entrevistadora: Sarah Pinho da Silva.
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lado pautas que envolviam a questão da mulher e o debate de gênero. Porém, as discussões de
gênero, no Brasil particularmente no Ceará, só se aprofundaram com o movimento conhecido
como: Segunda Onda do Feminismo458.
Os feminismos confrontaram as posturas adotas por muitas organizações de esquerda,
posturas que condicionavam a atuação feminina dentro desses movimentos. De acordo com
Daciane Barreto: [...] “A expectativa da mulher na luta é aquela que realmente vai servir ao
partido, vai servir as diretrizes do partido, mas também aquela, que também, tem aquela a
particularidade da subserviência, que é a conformada, aquela que é a paciente, que sabe
perdoar” [...]459.
Daciane ressalta os estereótipos que havia em relação à postura feminina, o que era
esperado da conduta das mulheres militantes, que mesmo participando de organizações
clandestinas, perseguidas pela ditadura, deveriam ser compreensivas, pacientes e capazes de
perdoar. Era esperado dessas mulheres um posicionamento de fragilidade, que ela fosse
delicada e sensível. Características próprias da mulher, de acordo com a divisão dos papéis
sociais, que reforçavam condutas de submissão e subserviência. Portanto, quando o
movimento feminista, de Segunda Onda, começou a ser debatido e colocado por muitas
mulheres, diversas organizações de esquerda sentiram que esse debate poderia afetar a
continuidade da luta:
Apesar dos discursos que reforçavam a importância das lutas específicas e gerais
seguirem juntas, e das várias iniciativas de aproximação com as camadas populares
e trabalhadoras, o feminismo continuou sendo entendido como um movimento
exclusivo da classe média e intelectualizada, que dividiria a luta principal [...]
(SILVA, 2011, p.178).
Conforme a autora, uma das principais críticas ao feminismo era a divisão que ele
causaria a luta mais geral, a dispersão que isso poderia causar dentro das organizações, pois, à
primeira vista, o movimento poderia contribuir na luta contra a ditadura, mas depois poderia
458
De acordo com a professora Joana Pedro: [...] “o feminismo chamado de ‘Segunda Onda’ surgiu depois da
Segunda Guerra Mundial e deu prioridade às lutas pelo direito ao corpo, ao prazer e contra o patriarcado. Nesse
momento uma das palavras de ordem era: ‘o privado é político’”. (2006, p. 269).
prejudicar o objetivo central, que era a luta de classes e contra a repressão. As especificidades
da luta feminista poderiam ameaçar o projeto político que havia nessas organizações.
Contudo, de acordo com Gonçalves [...] “a luta de classes não conduzirá à emancipação
humana sem destruir, concomitantemente, a opressão feminina” [...] (GONÇALVES apud
SAFFIOTI, 2013, p.24). De acordo com a autora só a instauração do socialismo não resolveria
os problemas que envolviam questões específicas da mulher. Assim, as discussões e a luta
pela emancipação feminina deveriam andar ao lado da luta de classes, pois, dessa forma, se
conseguiria alcançar o objetivo da construção de uma sociedade mais justa.
Com a ditadura militar e suas perseguições, torturas e assassinatos, as várias
organizações preferiram adotar posturas mais rígidas para tentar suportar a repressão, com
isso, as pautas de gênero não foram inclusas como questões relevantes nesse período:
[...] pelo fato de ser ditadura, os partidos, eles eram muito autoritários, é, por
exemplo, como aquele período era um período perigoso, então, você não tinha muito
como questionar, ou você aceitava, ou você saia do partido, então, depois é que a
gente começou a ver que a estrutura ela é muito autoritária, a estrutura de todos os
partidos, e aí a gente vai ver, que o homem tem o papel político [...] (FROTA,
Helena. Entrevista, 02 de jul. 2015).
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Só saía de casa arrumada e pintada, com as coisas menores que eu tinha, as roupinha
mais simples possível (sic), mas eu me cuidava, porque isso era um valor pra mim. E
eu não ia deixar de ser uma coisa, que eu sempre fui, pra poder entrar numa rigidez
dessa, mas existia esse desconhecimento da necessidade do sujeito individual, era
basicamente só o sujeito coletivo, que era bom, que deu essa noção a gente do
coletivo, mas foi causa de muito sofrimento [...] (CAVALCANTE, Ruth. Entrevista.
30 de abr, 2015).
Por mais que algumas características femininas tenham sido construídas socialmente,
esses valores passaram a fazer parte do processo de identidade e do se reconhecer, enquanto,
sujeita. Na fala de Ruth Cavalcante, fica claro sua vaidade e que gostava de se arrumar. Ter
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que abrir mão disso, por causa do partido, era como abrir mão de ser quem ela era. Esse
enrijecimento das organizações acabava por interferir nas identidades individuais, a partir do
momento em que era cobrada mudança na postura dos militantes, especificamente, na postura
feminina. Colling (2004) comenta que algumas mulheres para serem aceitas e não ser
discriminadas pelos militantes assumiam a militância dentro das organizações de esquerda
negando a sua condição de mulher.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Maria e WOLFF, Cristina Scheibe; VEIGA, Ana Maria. (Org). Resistências, Gênero e
Feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Santa Catarina, Mulheres, 2011.
MELLO, S. C. A questão do trabalho doméstico: recortes do Brasil e da Argentina. In:
PEDRO, Joana Maria e WOLFF, Cristina Scheibe; VEIGA, Ana Maria. (Org). Resistências,
Gênero e Feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Santa Catarina, Mulheres, 2011.
MERLINO, Tatiana; OJEDA, Igor. Luta, Substantivo Feminino. São Paulo, Caros Amigos,
2010.
PEDRO, Joana Maria e WOLFF, Cristina Scheibe; VEIGA, Ana Maria. Resistências,
Gênero e Feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Santa Catarina, Mulheres, 2011.
________ Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos (1970-1978). Revista
Brasileira de História, São Paulo, vol. 26, núm. 52, dez.2006, p. 249-272.
_______ Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. História, São
Paulo, v.24, N.1, P.77-98, 2005.
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a
ética na História Oral. Revista Projeto História, São Paulo, n.15, p. 13-33, abr.1997.
RAGO, Margareth. Feminizar é preciso: por uma cultura filógina. Revista do Seade, São
Paulo, v.15. n.03, 2001.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade.
São Paulo, Expressão Popular, 2013.
SILVA, G. M. Mulheres operárias na Argentina e no Brasil: uma análise de jornais da década
de 1970. In: PEDRO, Joana Maria e WOLFF, Cristina Scheibe; VEIGA, Ana Maria. (Org).
Resistências, Gênero e Feminismos contra as ditaduras no Cone Sul. Santa Catarina,
Mulheres, 2011.
THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História
Oral e as memórias. Revista Projeto História, São Paulo, n.15, p.51-71, abr.1997.
VENSON, Anamaria Marcon; PEDRO, Joana Maria. Memórias como fonte de pesquisa em
História e Antropologia. Revista História Oral, v.15, n.2, p. 125-139, jul-dez.2012
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UM HISTÓRICO
460
Mestranda em História pela UFPB. E-mail: dayanesobreira26@gmail.com.
461
Mestrando em História pela UFPB. E-mail: jadsonpv@gmail.com
462
Mestranda em História pela UFPB. E-mail: tatianneecs@gmail.com
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discussão, descortinando essa postura misógina da esquerda brasileira”. Foi a partir das
críticas à estrutura da esquerda, portanto, que se abriram possibilidades de atuação política
feminista.
Ocupar lugares outros que não o da esfera privada representava uma ameaça ao poder
de dominação masculina. Nesse sentido, a participação feminina na militância alterava lógicas
e causava temores. Ao mesmo tempo, possibilitava às mulheres a fuga da instância biopolítica
promovendo projeções e instaurando conflitos nos âmbitos do público e do privado. “Ah,
aprendemos a fazer política”, diz Albertina Costa (apud ROSA, 2013).
Nessa lógica, o pessoal parecia não ser político, como nos diz Soares (1983), os afetos,
os sentimentos e os desejos eram camuflados em prol de uma teleologia, da revolução
socialista: “revolucionário não ama e não tem sexualidade”. Na clandestinidade, a militância
“obrigou a chorar baixinho, de saudade e de dor” (p. 11). Despontando em contraponto a isso,
o feminismo foi trabalhado conexo à subjetividade das mulheres.
Falando da experiência da prisão e da tortura, que antecedeu seu exílio, Eleonora
Menicucci, idealizadora do Grupo Feminista Maria Mulher fundado na cidade de João Pessoa
no ano de 1979, anteviu a ligação de sentimentos comuns através do feminismo:
O exílio, iniciador dos ventos feministas e não podendo ser tomado como homogêneo,
foi palco das mais diferentes articulações políticas e desestabilizações cotidianas advindas de
uma experiência nova longe da pátria e dos seus. Segundo Rosa (2013, p. 137), “representou
um espaço de liberdade que desestabilizou a fixidez das identidades, oferecendo
possibilidades de alteração de rotas”. Foi portanto, um espaço de reflexão a partir da cultura
do outro, de novos afetos e encontros. Reflexões que reverberavam em uma postura com
relação a si e ao mundo. A garantia da própria sobrevivência nesses espaços e o contato com
reflexões e diálogos feministas já em desenvolvimento na França desde antes do maio de
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1968, imprimiu marcas profundas nas subjetividades dessas mulheres e na construção de sua
condição feminina.
Para o exílio migraram ex-presas políticas, ex-guerrilheiras, mulheres que seguiram
seus companheiros e que puderam questionar o sentido de suas vidas, de suas práticas,
alterando a partir disso, relações tradicionais entre os sexos. Novas rotas foram criadas,
muitas seguiram nos estudos, mudaram o telos de suas existências, elaboraram histórias
outras. Contudo, como nos diz Rachel Soihet (2010), não foi fácil para essas mulheres –
formadas numa perspectiva marxista – atentar para o reconhecimento de suas especificidades.
Foram necessárias reflexões mais sistemáticas materializadas por grupos como o Grupo
Latinoamericano de Mulheres e o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris. Essas reflexões
propiciaram “encontros que aumentavam a potência de agir de muitas mulheres que passaram
ou participaram ativamente das reuniões” (ROSA, 2013, p. 138), permitindo assim, aberturas
políticas, intelectuais e existenciais profundas (ABREU, 2010).
Esses grupos formados na década de 1970 e compostos majoritariamente por mulheres
exiladas, trabalhavam com oficinas de autoconsciência que permitiram discussões e reflexões
sobre questões femininas. Essas oficinas eram baseadas na horizontalidade, o que foi
responsável por criar laços de integração bastante profícuos. Realizadas nas casas das
mulheres, suscitaram modos livres de existência (ROSA, 2013) na medida em que se
pautavam na discussão de experiências pessoais e coletivas. Pela especificidade da
experiência do exílio, promoveram também vários encontros que integravam essas
subjetividades nômades na Europa.
O Grupo Latinoamericano de Mulheres em Paris foi fundado por Yolanda Cerquinho
da Silva Prado, em 1972. Escrevendo sobre sua trajetória, a historiadora Susel Oliveira da
Rosa nos diz que Danda Prado como é mais conhecida, arriscou-se em meio a capturas
biopolíticas, forjando uma identidade-devir, processo, corpo, coragem. Mantendo contato com
Simone de Beavouir, que já havia sido hospedada em sua casa no Brasil por meio de seu pai
Caio Prado Júnior, teve contato na França com o conhecimento humanista produzido e
também com o feminismo. O grupo manteve uma constância e publicou o boletim Nosotras,
sendo responsável por criar novos espaços-tempo. Publicado entre os anos de 1974 e 1976,
teve circulação inclusive no Brasil. De circulação incerta, dependia de contribuições das
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leitoras para sua manutenção e funcionamento. Da vida doméstica à sexualidade, eram muitos
os temas postos em pauta, promovendo deslocamentos de si e das capturas patriarcais e
misóginas.
De um feminismo preocupado com a luta de classes, o Círculo de Mulheres Brasileiras
em Paris se ligou a grupos e partidos políticos como o MR-8 e o PCB. Organizando-se em
assembleias e subgrupos, de acordo com Pedro e Wolff (2007, p. 66) “uma das maiores
empreitadas do Círculo era a denúncia à tortura e ao desrespeito aos direitos humanos dos
presos políticos do Brasil. Essa era a estratégia adotada pelos militantes de esquerda exilados
para sensibilizar os europeus com relação a seus países e à sua própria situação de
estrangeiros”.
Denunciando, portanto, a ditadura, abriu espaços dentro da própria esquerda a se
pensar suas práticas, seus princípios. Também editou um jornal, o Agora é que são elas.
Tendo a leitura da opressão social como latente, esse grupo afirmava que “não haveria
socialismo sem libertação da mulher e não haveria libertação da mulher sem socialismo”.
Assim, essa dupla militância possibilitou um olhar para si e a reverberação dessas ideias no
Brasil.
No movimento de volta, essas mulheres aguçaram a percepção de que careciam de
lócus diferenciado dentro dos espaços de luta antiditadura. Questionando a divisão entre os
sexos, somaram forças para a conscientização de trabalhadoras, abrindo reflexões que
suscitaram a observação da dimensão feminina nesse limiar. Surgiram os jornais feministas, a
saber: Nós Mulheres, Brasil Mulher e Mulherio, que também fizeram uso dessa chave de
análise teórica das relações sociais. A apropriação de conceitos como o de classe foi segundo
Rago (2003, p. 05):
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Uma das sócio-fundadoras e atual coordenadora do Cunhã Coletivo Feminista. Foi integrante do Grupo
Raízes e também do Coletivo Lilás. Entrevista realizada no dia 15 de agosto de 2014.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Maíra Luísa Gonçalves de. Feminismo no exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras
em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. 2010. Dissertação (Mestrado em
Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas.
ARRUDA, Ângela Maria Silva. Feminismo(s) no Rio de Janeiro nos anos 60 e 90. Labrys –
Revista de Estudos Feministas, Brasília/Montreal/Paris, n. 20, 2012. Disponível em:
<http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/labrys20/brasil/angelaok.htm>. Acesso: 16 jul.
2014.
ALBUQUERQUE, Sandra M. Craveiro. Feminismo: o fim do exílio da cidadania feminina.
466
Sobre a história e memória do feminismo em Campina Grande ver o trabalho de conclusão de curso: “Mulher
bonita é a que luta”: Nas tessituras do feminismo em Campina Grande-PB (1982-1992), referenciado no fim
deste trabalho.
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______. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2013.
ROSA, Susel Oliveira da. Mulheres, ditaduras e memórias: “não imagine que precise ser
triste para ser militante”. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2013.
SOIHET, Rachel. Mulheres Brasileiras no Exílio e Consciência de Gênero. In: Gênero,
feminismos e ditaduras no Cone Sul. Joana Maria Pedro; Cristina Scheibe Wolff (Orgs.).
Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010.
SOBREIRA, Dayane Nascimento. “Mulher bonita é a que luta”: Nas tessituras do
feminismo em Campina Grande (1982-1992). 2014. Monografia (Graduação em História) –
Departamento de História, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande.
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INTRODUÇÃO
Buscamos refletir sobre os entrelaçamentos das trajetórias biográficas, acadêmicas e
profissionais com a categoria gênero nos pesquisadores desse campo de estudos. Em outras
palavras, buscamos entender como esses três âmbitos da vida se entrecruzam e como a
categoria gênero reflete na vida dos sujeitos que pesquisam temáticas no campo de estudos de
gênero.
Em que momento os questionamentos acerca das relações de gênero surgem na vida
desses sujeitos? A partir de que experiências acadêmicas a categoria analítica gênero emerge
para eles? Como as leituras sobre gênero promovem, por sua vez, (re)descobertas de si
mesmo? Estudar gênero tem reflexos na vida desses sujeitos? De que forma? Como as
relações interpessoais são (re)significadas? Que conflitos emergem nessas relações a partir
das leituras de gênero e feministas? Essas são as perguntas de partida que norteiam o trabalho
bibliográfico e de campo. Para buscar respondê-las, nos utilizamos de entrevistas
467
Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1994). Doutor em Sociologia pela
Universidade Federal do Ceará (2004). É professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia daUFC.
Realizou estágio pós-doutoral na Université de Strasbourg, France.
E-mail: cristianspaiva@gmail.com
468
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará –UFC. Mestra em Sociologia pelo mesmo
Programa. Assistente social pela Universidade Estadual do Ceará –UECE. Professora do curso de serviço social
da Faculdade Cearense – FaC.
E-mail: Francis.emmanuelle.v@gmail.com
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Qual o homem que, ao estudar gênero, nunca foi inquirido: você é gay? Seria possível
uma pesquisadora de gênero ser blindada de situações de violência de gênero? Seria possível
que um pesquisador de gênero praticasse a dominação masculina? Como ser praticante/adepto
de religião x e pesquisador de gênero ao mesmo tempo? Como ser casada(o) e estudioso das
relações de gênero? É difícil pensar em pesquisadores de gênero que possam ter atitudes
racistas, homofóbicas, etnocêntricas, que possam ser religiosos. Contudo, será que temos essa
blindagem? Aquele que está imerso no campo arrisca costumeiramente ser incoerente. E que
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coerência é essa cobrada dos pesquisadores de gênero? São questões que permeiam o
cotidiano dos pesquisadores de gênero. Ademais, é partindo dessas questões cotidianas que
nos propomos a entender como se dão esses reflexos das leituras de gênero em quem pesquisa
temáticas na área.
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Queer é um termo inglês comumente utilizado para referir-se a gays e lésbicas de forma pejorativa. O
movimento homossexual passou a utilizar essa nomenclatura para ressignificá-la. (Butler, 2001)
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nossa cultura deveria adquirir uma série de características morais, tais como querer ser mãe,
desejar casar, realizar o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos. Sendo homem, são
demarcadas também roupas e características morais que remetam ao masculino, tais como a
virilidade, a racionalidade, o provimento do lar, comportar-se como caçador na procura das
mulheres. E3 relatou: “Meu pai controlava as minhas roupas. Haviam roupas permitidas e não
permitidas.”.
Em nossa cultura o corpo sexuado determinaria o gênero da pessoa: tendo pênis,
naturalmente o homem “é homem”. Tendo vagina, naturalmente a mulher “é mulher”. Parece
auto-evidente. Seria uma lógica consequente: sexo pressupõe gênero que, por sua vez,
pressupõe o desejo que seria sempre heterossexual. Seria, então, natural que pessoas com
pênis fossem homens e que tivessem atração sexual por mulheres. De outro modo, seria
natural que pessoas com vagina fossem mulheres e que, consequentemente, tivessem desejo
por homens.
Os três interlocutores deste trabalho subvertem essa ordem. E1 não se enquadra nos
padrões de masculino vigentes e tem desejo por outros homens. E2, apesar de ter desejo
heterossexual por homens, subverte a lógica “da mulher” por não desejar casar ou mesmo
morar junto com o companheiro com o qual tem um relacionamento de aproximadamente 10
anos. E3 subverte a lógica heteronormativa também, pois além de performatizar uma drag
queer, em seu cotidiano usa brincos, pinta as unhas, mistura elementos que remetem ao
masculino e ao feminino.
Os processos de generificação se expressam na vida desses sujeitos. “Quando eu era
criança e adolescente, a cobrança era maior: “não segura a pasta assim, porque é coisa de
menina! Você gosta de gatos? Mas é coisa de menina! Ainda não tem uma namoradinha?
Você pega as meninas da faculdade, né?”, afirmou o primeiro entrevistado. Portanto, além da
interpelação médica, temos interpelações familiares, escolares e no âmbito do Estado.
Ser gay é ser popular. Todos na escola te conhecem. Eu subia as escadas e os
meninos pegavam na minha bunda. Quando eu virava para trás ninguém se acusava
e eu só ouvia risinhos. E3
Eu via os meninos e eu não sabia ter aquele comportamento. Eu não falava como os
meninos, também não falava como as meninas. Se eu tentasse falar como as
meninas, tanto as meninas me recriminavam, quanto os meninos. Eu não me sentia
em lugar nenhum, afirmou o terceiro entrevistado.
Os homens são formados a partir de uma tripla negação: não são um bebê (ou a
própria mãe), não são uma menina (ou mulher) e não são um homossexual (Badinter, 1993).
No caso de E3, a relação conflituosa com o pai faz com que ele negue a própria versão do
masculino que simboliza o pai, é sua anti-referência.
470
Entendido aqui como as diferenças anatômicas entre os corpos do homem e da mulher. (Weeks, 2001)
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espaços subalternos em relação ao outro: as mulheres, por exemplo, são cobradas a ter
determinadas posturas quanto ao cuidado com filhos, maridos e o trabalho doméstico. Uma
tensão se instaura: entre o campo do privado (das relações pessoais) e do campo de estudos de
gênero que, por sua vez, também cobra determinadas posturas dos agentes incluídos nesses
campos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O campo dos estudos de gênero, como natural de todos os campos, tem seu habitus, ou
seja, modos ou tendências de fazer algo em virtude do campo (BOURDIEU, 2007) expresso a
partir de posições ideológicas que são defendidas nesse meio, tais como: descriminalização do
aborto, vida sexualmente livre, corpo como uso político, tendência à defesa dos direitos
homoafetivos, autodeterminação nos relacionamentos amorosos, combate a formas de
discriminação de gênero por parte das igrejas, entre outros. De forma que parece não ser
possível que pesquisadores da área possam ter posicionamentos ideológicos diferentes, de
modo que, quando se expressam contrariamente a eles, são malquistos pela comunidade de
gênero.
Algumas questões ficam em aberto: seria possível um relacionamento que não se
baseasse na lógica heteronormativa? O conhecimento seria tão libertador a ponto de nos
libertar de uma educação normatizadora que vem desde a mais tenra infância? A libertação se
dá mesmo até mesmo no plano do inconsciente?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONETTI, Alinne; FLEISCHER, Soraya (orgs.). Entre saias justas e jogos de cintura.
Florianópolis: Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 10ª ed. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2007.
LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. Ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Disponível em:
<http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/6393/mod_resource/content/1/G%C3%AAnero-
Joan%20Scott.pdf>. Acesso em: 22/06/2012.
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DE ONDE SE FALA
conferencistas, todos homens, que foram convidados para o debate da Universidade Popular.
Catharina Moura nasceu na Parahyba do Norte, em 20 de dezembro de 1882, filha de
Misael do Rego Moura e Francisca Rodrigues Chaves Moura. Fez os estudos primários e
secundários na Escola Normal Oficial, compondo a 11ª turma concluinte diplomada em 26 de
abril de 1902. Cursou o preparatório no Liceu Paraibano e em 1908 matriculou-se na
Faculdade de Direito de Recife, onde formou-se com láurea em 1912, ganhando também um
prêmio de viagem à Europa. No ano em que concluiu o curso, mais 13 paraibanos também o
fizeram, sendo Catharina Moura a única mulher da turma e a primeira paraibana a cursar a
Faculdade de Direito em Recife. Além da referida conferência, escreveu crônicas também
publicadas no jornal A União, sob o pseudônimo Paraguaçu. Foi professora da Escola
Normal, lecionando as cadeiras de Português, Desenho, Francês e História da Civilização,
sendo nomeada efetivamente para a cadeira de Português em 1917.
O debate sobre temas diversos encampado pela Universidade Popular ocorreu sob a
gestão do presidente João Pereira de Castro Pinto, político selecionado pelas oligarquias
locais como um nome de conciliação. Afora os embates políticos, Castro Pinto é tido pelos
estudiosos como um homem empático aos ideais modernos de educação alçados no cenário da
Primeira República no Brasil, representando o discurso liberal que propunha a transição das
tradições do Império para o projeto republicano. As conferências da Universidade Popular
reuniram políticos, intelectuais e educadores que deveriam apresentar o debate sobre os mais
diversos temas que compunham a preocupação daquele contexto, pondo em pauta questões
como cidade moderna, cultura da borracha, sindicatos agrícolas, higiene pública, instrução
pública, comércio, exército brasileiro, entre outros, numa diversidade temática tão grande que
parecia pretender dar conta de todos os assuntos que pudessem preparar a província para
entrar na modernidade. No meio desse ecletismo de interesses, apenas uma mulher, para falar
sobre os direitos políticos da mulher, Catharina Moura.
Catharina Moura inicia sua conferência dizendo que não é feminista e que, portanto,
não se deve esperar muito dela nesse debate para o qual foi convidada. Porém ao negar-se
feminista, faz questão de realçar a admiração pelas mulheres que assim se assumem na
sociedade, denominando-as de sublimes, impávidas e admiráveis, por ousarem lutar pela
emancipação feminina. De uma negativa de envolvimento com a temática, parte em seguida
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Não desejo, não quero absolutamente eleger ou ser eleita, sinto, fugiria das urnas se
delas se pudesse o nosso sexo aproximar, mas julgo tão incoerente, tão em
desacordo com os progressos do século o modo por que entre nós é dado o direito de
voto político, que dificilmente contenho o riso quando em dia de eleição observo de
minha janela o movimento desusado das ruas, atulhadas de pobres matutos em cujas
mãos introduziram os chefes locais a patente de eleitor, fazendo-os repetirem, como
as crianças o padre nosso, o nome do candidato a quem vão dar seu voto consciente
e ponderado. (A União, 1 de abril de 1913, p.1).471
471
Optou-se por fazer a atualização ortográfica do texto.
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a sua condição social de falta de acesso à educação, e não como decorrência do seu sexo. 472
Embora acompanhe as demonstrações que a ciência tem feito em termos do tamanho
do cérebro feminino ter sido sempre inferior ao masculino, Catharina Moura levanta
argumentos que fragilizam tal teoria.
Suponhamos que, ainda mesmo de modo relativo, é certa essa inferioridade
fisiológica, como porém afirmar que psicologicamente suceda o mesmo? Por que
aceitar como certa a afirmativa sem base e hoje já tão combatida da fisiologia?
Quanto mais bem desenvolvido é o órgão maior a função?
Se há realmente uma inferioridade psíquica esta será a consequência da inferioridade
fisiológica ou será o reflexo da inferioridade social a que tem sido a mulher
condenada, isto é, a consequência da atrofia resultante da opressão hereditária
Ora impossível seria não sofrer atrofia um cérebro somente influenciado por fatores
todos negativos ao seu desenvolvimento, não aniquilar-se uma vontade sujeita,
desde as suas primeiras manifestações, à imposição de uma vontade oposta. (A
União, 2 de abril de 1913, p.2).
Permitir o acesso à educação seria algo benéfico não apenas a própria mulher, mas
estender-se-ia à família e à sociedade. E ao contrário do que se temia, a mulher instruída
472
Discussão baseada em Machado, Nunes e Mendes, 2013.
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saberia valorizar muito mais o aconchego do lar, caso o tivesse. E para aquelas que não
dispusessem dessa condição, poderiam adentrar o mercado de trabalho, de forma honesta.
Conveniente educada para o lar como para a vida pública, para o sagrado aconchego
da família como para a luta social ou política pela existência, poder-se-á sem temor
alargar o círculo de seus direitos, igualá-los aos do homem, ampliar a sua atividade;
fazer ao sexo fraco as concessões feitas ao outro sexo, sem que isto traga à
sociedade ou à família mais que incalculáveis benefícios.
Uma prudente educação desenvolverá em seu espírito o apego ao lar doméstico,
cujos encantos saberá partilhar, argumentando-os; gozar, fazendo-os mais
apreciáveis e numerosos. Uma instrução variada permite-lhe a procurar no exercício
de qualquer profissão honesta os meios de subsistência, quando não lhe houver sido
possível construir um lar amigo ou quando tendo este faltarem-lhe no entanto
aqueles. (A União, 2 de abril de 1913, p.2).
473
Para saber mais sobre Nísia Floresta, consultar Duarte (2008)
474
Embora se apresente essas duas opiniões distintas, não há interesse neste texto em discutir a questão. Também
o Dicionário de mulheres do Brasil apresenta a informação da tradução livre, possivelmente endossando a
posição inicial de Constância Duarte, uma das referências para o verbete. O livro de Constância Duarte a que
tivemos acesso é a segunda edição de 2008; a 1ª edição é de 1995. Mas em um texto de 2003, a autora faz uma
apresentação diferente da que está no livro: “[...] Este livro, inspirado principalmente em Mary Wollstonecraft
(Nísia declarou ter feito uma “tradução livre” de Vindication of the rights of Woman), mas também nos escritos
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Segundo Duarte (2008, p. 148), Nísia Floresta, ao dirigir seu livro às brasileiras e aos
jovens acadêmicos visa alertar a sociedade sobre a situação injusta a que estava confinada a
mulher brasileira e interferir nessa configuração da inferioridade feminina que era imbricada
“no costume, no interesse e no preconceito [...]”(grifos da autora)
Em um tom polêmico e filosófico, Nísia Floresta vai questionando a propalada
inferioridade feminina versus a superioridade masculina, procurando inverter essas posições,
colocando a mulher numa posição mais elevada que o homem, provocando ironicamente os
homens ao referir-se aos mesmos como inimigos, invejosos ou pouco generosos:
Se este sexo altivo quer fazer-nos acreditar que tem sobre nós um direito natural de
superioridade, por que não nos prova o privilégio, que para isto recebeu da Natureza,
servindo-se de sua razão para se convencerem? [...] (FLORESTA, 1989, p. 24)
de Poulain de la Barre, de Sophie, e nos famosos artigos da “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”,
de Olympe de Gouges, deve, ainda assim, ser considerado o texto fundante do feminismo brasileiro, pois se trata
de uma nova escritura ainda que inspirado na leitura de outros”( DUARTE, 2003, p.153 – negritos nossos e
demais destaques da autora)
475
Disponível em:
http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G%C3%AAnero-Joan%20Scott.pdf.
Acesso em 19/10/2015.
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Eduque-se o ser humano sem distinção de sexo, faça-se com que a mulher adquira
aptidão legal e intelectual para o exercício de toda e qualquer profissão, de modo a
pô-lo em prática, sendo esse exercício necessário ou não havendo um impedimento
material ou moral que a prive dele. Esse impedimento pode muito bem ser o
cumprimento dos deveres de esposa e mãe, dos deveres domésticos enfim, mais
doces e agradáveis sem dúvida que quaisquer outros deveres profissionais. (A
União, 2 de abril de 1913, p.2)
Como se pode perceber, as duas escritoras, após um debate que tem em vista
desconstruir a disseminada inferioridade feminina e mostrar quão importante seria que a
mulher tivesse acesso à educação e outros direitos, optam, ao final, por destacarem a
importância do papel que a mulher vinha exercendo em consonância com os desejos e
determinações da sociedade de seu tempo. Contradições? Táticas? Recuos? Outras leituras
poderão contribuir para o esclarecimento dessas questões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura dos textos de Catharina Moura, publicado em 1913, e de Nísia Floresta,
publicado em 1832, apontam para a permanência da subalternidade da vida feminina entre os
séculos XIX e XX no Brasil: a restrição de direitos políticos, a vida circunscrita ao espaço
privado da casa, a falta de acesso à educação e a justificativa para a permanência nessa
situação decorrente de uma naturalizada inferioridade física “consequentemente” psíquica. As
duas mulheres ora destacadas que podem ser colocadas como porta-vozes dos anseios e
insatisfações de suas irmãs de sexo, são exceções que tiveram as condições de acesso ao
conhecimento negadas à maioria das mulheres de seu tempo. Elas mesmas poderiam se
colocar como exemplo de como a educação, a instrução pode fazer a diferença. Seus escritos
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOI, Isabela Candeloro. O livro “Direito das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia
Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. História (São Paulo) v.30, n.2, p. 196-
213, 2011.
DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL – de 1500 até a atualidade, biográfico e
ilustrado. Coordenação geral Schuma Schumaher. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2000.
DUARTE, Constância. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados, 17 (49), 2003,
p.151-172.
DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta – vida e obra. 2 ed. Revista.Natal/RN: EDUFRN
– Editora da UFRN, 2008.
FLORESTA, Nísia. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4.ª ed. São Paulo:
Cortez, 1989.
MACHADO, Charliton José dos Santos; NUNES, Maria Lúcia da Silva; MENDES, Márcia
Cristiane Ferreira. Catharina Moura e o feminismo na Parahyba do Norte. Fortaleza:
Edições UFC, 2013.
MOURA, Catharina. Os direitos da mulher, A UNIÃO, 1º e 2 de abril de 1913, p. 3;2.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica.(19890 Tradução Christine
Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Disponível em:
http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G%C3%AAnero-
Joan%20Scott.pdf. Acesso em 19/10/2015.
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INTRODUÇÃO
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Mas, aqui, de logo se indaga: uma vez que o quantitativo de mulheres é tão ínfimo
nessas instâncias de discussão e poder, quem levanta os debates em torno dos direitos das
mulheres?
DESENVOLVIMENTO
Portanto, visualizar a participação política formal por mulheres que aceitem o desafio
de fazer política partidária como ocupação de uma das instâncias do poder pode nos levar a
pensar que esse espaço político partidário pode ser ocupado por mulheres feministas.
Mas, analisando-se o nosso histórico de política partidária como exposto
anteriormente, percebemos que essa prática cultural – exercer cargos políticos – não tem sido
um meio da participação política das mulheres que sempre enveredaram por outras formas de
fazer política, e quando amadureceram a sua atuação política desafiando esses espaços de
poder hegemonicamente masculino questionaram e essa forma de fazer política e se
mantiveram como movimento social que expõe as suas demandas, pressiona pelo atendimento
da sua agenda, mas não se propõe a fazer parte de um partido político por considerarem,
muitas vezes, que essa estrutura partidária de fazer política não atende à forma desejada pelo
feminismo.
Conquanto sejam feministas brasileiras jamais propuseram a formação de um partido
político que viesse a ser uma reunião de feministas dispostas a enfrentar nas plenárias, como
parlamentares, a defesa das suas bandeiras compondo as Casas legislativas e os cargos do
Executivo como representantes do povo brasileiro e das demandas específicas dos direitos das
mulheres.
Mas, o que tem impedido movimento feminista fundar um partido político e
demandar, de per si, as suas demandas específicas, uma vez que já se faz isso quando se
angaria o apoio de parlamentares deste ou daquele partido?
O que significa a formação de um partido político na luta pelas demandas políticas em
âmbito nacional?
Essas questões nos mobilizam para refletir sobre a questão da autonomia dos
movimentos sociais, mas também para a questão da autonomia de uma política a partir de
uma visão e estrutura feminista.
Criar um partido, gerenciá-lo, administrá-lo e colocá-lo em disputa direta com os
partidos que são criados desde uma outra perspectiva não feminista é mostra-se um
enfrentamento que não estamos acostumadas a ver.
Conquanto o movimento feminista tenha se preparado para enfrentamentos de diversos
setores da sociedade, a falta de iniciativa da criação de um partido político que possa
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congregar e facilitar a luta política que poderia se dar de forma mais direta e ostensiva com a
participação no processo eleitoral formal e com a possível eleição de uma bancada feminista
não parece empolgar.
Problematizamos esse não estar presente na política partidária de forma autônoma,
pois ao tempo em que parece ser uma opção de atuar politicamente mediante a sensibilização
de parlamentares de bancadas diversas, também podemos pensar que a falta de criação de um
partido feminista pode representar a falta de autonomia imposta pela milenar ausência das
mulheres nesses espaços de poder.
Se pensarmos, ainda, que há partidos que também surgiram de movimentos sociais
(Partido dos Trabalhadores, Partido Comunista, Partido da Sociedade Liberdade e outros)
podemos – ultrapassada a estranheza da criação de um Partido Feminista - seguirmos
pensando que nada há de tão estranho assim, pois os movimentos sociais uma vez crescidos e
amadurecidos leva à participação política cada vez mais crescente.
Que os movimentos sociais são berços de aprendizagem do quefazer político e que a
prática militante fortalece o empoderamento político não se faz novidade.
Recentemente a história brasileira pôde assistir não só a eleição, mas a reeleição de um
trabalhador militante na Presidência da República, assim como também pudemos ver a
reeleição de uma mulher militante política no mais alto posto político da Presidência do país.
É dizer que os movimentos sociais podem se configurar como espaços de formação e
educação política suficientes ao rompimento de barreiras sociais e econômicas que
possibilitam a conquista de espaços onde se pode exercitar a ação política.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da necessidade de um projeto político feminista não se tem dúvidas, pois não como
negar que o estado moderno pode influenciar a sociedade de uma forma difusa, não só com a
utilização do seu poder coercitivo, mas também com as estruturas políticas e sociais (COSTA,
2005, p.17).
Assim, a criação de um partido político feminista pode ser uma alternativa para que as
bandeiras de luta e as pautas do movimento feminista possam ser encaminhadas diretamente
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIFCAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rev. Téc. Adriano Correia.
11a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, 1988.
CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro
Edições, 2011. Consciência em debate/Coordenadora Vera Lúcia Benedito.)
COSTA, Ana Alice. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção
política. 2005.
CHAUI, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 9ª ed. São
Paulo: Cortez, 2001. Disponível em
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf. Acesso em 02 de junho
de 2014.
CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. In: Crítica y emancipación: Revista latinoamericana
de Ciencias Sociales. Año 1, n. 1 (jun. 2008). Buenos Aires: CLACSO, 2008 Disponível em
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf. Acesso em 03 de
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INTRODUÇÃO
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Edson Luís era um estudante secundarista. Foi assassinado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, no dia 28
de março de 1968, este jantava no Restaurante Calabouço no momento quem a polícia invadiu o local, que era
conhecido por ser o reduto de estudantes.
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Ver: Decreto-Lei Nº 477, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0477.htm. Acesso
em 10 de outubro de 2015.
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e familiares lhes reconhecem, sobreviver só foi possível para muitas/os em decorrência de tal
prática.
(Re)configurar a vida, para que essa não se esvaísse nos porões da ditadura, não foi
uma atividade enveredada apenas por Nancy. Vera Rocha Dauster, cearense, formada em
sociologia, hoje trabalha na área de publicidade e ex-militante do PCBR. Vera inicia sua
militância na Juventude Estudantil Católica (JEC), movimento ligado a Ala Progressista da
Igreja Católica, com forte representação no Ceará, Paraíba e Pernambuco (LEITÃO 2013).478
Com os ânimos cada vez mais acirrados, as formas de militância, também passaram
por modificações. Cada vez mais organizações surgiam e traziam como seus lideres os
revolucionários de esquerda que conseguiram implantar em outros países o sistema socialista,
Lênin, Stalin, Trotsky, Mao Tse-tung, Fidel Castro, Che Guevara e os teóricos Marx e Engels
são considerados “heróis” a ser seguidos.
É nessa vertente ideológica e de leitura teórica que Vera Rocha Dauster vai enveredar.
Quando se afasta do movimento estudantil secundarista, onde era muito atuante e chegou a ser
presidente do Centro dos Estudantes Secundaristas do Ceará (CESC), e passa a integrar o
Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT).
Por ser uma líder conhecida no Ceará, por seu engajamento na luta junto ao
movimento estudantil, no pós - AI-5, quando a repressão e a censura tomam conta do Brasil,
Vera entra na clandestinidade. Ao entrar na clandestinidade e com todas as modificações de
vida que esta traz na maioria dos casos o caminho a ser seguido é o de ingressar na luta
armada. Assim, Vera entra para o PCBR. Passando a ter uma vida muito movimentada e com
novos aprendizados, o partido tinha como linha de luta a guerrilha urbana, para tanto se fazia
necessário o treinamento militar, como nos lembra Vera:
Fazíamos treinamento que nós chamávamos de militar, que não passava de um
treinamento de aprender a atirar, pegar numa armar, se arrastar no campo, saber
como é que a gente fugia numa situação de maior dificuldade e fazer ações de
guerrilha urbana que permitisse que a gente angariasse fundos pra continuar a nossa
luta. (Depoimento de Vera Rocha Dauster para documentário “Vou Contar Para
Meus Filhos”)
478
No Ceará Dom Antônio Fragoso era forte representante da Ala Progressista da Igreja Católica, bem como
Dom José Maria Pires e Dom Helder Câmara na Paraíba e em Pernambuco, respectivamente.
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No final dos anos de 1969, com o clima de insegurança ainda maior Nancy
Mangabeira Unger e Vera Rocha Dauster mudam-se para o Estado de Pernambuco, passando
a morar na cidade do Recife. Este é mais um artifício dos que estão na clandestinidade, traçar
de novos percursos cartográficos, que tem como principal objetivo sair do espaço onde se é
conhecido, visado enquanto militante e passar a viver em outro espaço, de rostos
desconhecidos, rotinas diferentes. A clandestinidade então se configura enquanto burla aos
órgãos de repressão. É a prática do resistir, pois resistir é criar como nos aponta Deleuze
(2004), criar formas de viver, de existir.
Passando a morar no Recife para ajudar na militância da organização em Pernambuco.
As trajetórias de Nancy e Vera se cruzam. Saindo do Rio de Janeiro e do Ceará, são
destinadas a continuar a militância, dividem o aparelho com Francisco de Assis Barreto da
Rocha Filho, conhecido como Chico de Assis. 479 No aparelho cerca de 30 homens fizeram o
cerco policial, e Nancy, Vera e Chico (já conhecido no Recife e procurado pela policia) são
presos.
Resistindo a prisão, travam embate com das armas de fogo e queimam documentos do
partido para que as informações contidas nestes virem cinzas e não cheguem às mãos dos
repressores. Como já previa a lógica estatística, no confronto entre 30 homens fortemente
armados e 03 pessoas munidos de apenas 2 armas, o cerco foi bem sucedido e as duas
militantes e o militante que se encontrava na casa foram presos. Na ação, Nancy foi baleada,
resultando na perca do polegar direito, perfuração no fígado, pulmão e diafragma.
Enquanto Vera Rocha Dauster e Chico de Assis eram levados ao DOPS-PE, Nancy
Mangabeir Unger foi levada ao Pronto Socorro de Recife. Vera e Chico encontraram a
brutalidade e violência. “Chico começa a apanhar ainda no camburão” 480
foi torturado e
interrogado. Vera em depoimento ao documentário já citado, diz ter sido levada para o DOPS-
PE onde começou a tortura e o interrogatório, porém não fala das torturas sofridas por ela,
preferindo assim citar três companheiros de partido que foram torturados e assassinados pelo
sistema repressivo da ditadura. 481
479
Casa ou apartamento alugado que servia de moradia e/ou esconderijo para os militantes que se encontravam
na clandestinidade.
480
Depoimento de Vera Rocha Dauster para documentário “Vou contar para meus filhos.”
481
Nomes citados: Mário Alves, Odijas Carvalho, Ramires Maranhão do Valle.
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482
Sobre o aparato judicial e o sistema de montado pelo DOPS, ver: SILVA, Marcília Gama. Informação,
repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964/1985).
Recife: Editora UFPE, 2014.
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Entre os anos de 1969 e 1979, vinte e quatro (24) presas políticas passaram pela
Colônia Penal do Bom Pastor. E destas vinte e uma (21), narram suas histórias, dão seus
testemunhos para o documentário que nos serve de fonte neste trabalho483. Entre essas presas
estão Nancy e Vera, que ao saírem do hospital e do DOPS-PE, respectivamente, foram
levadas à Colônia.484
Mesmo na clausura da prisão no Bom Pastor, encontraram entre ela a solidariedade,
companheirismo e amizade. A amizade analisada por Rosa (2013) a partir do diálogo com
Derrida e Foucault coloca esta foi vista por muitos, como sendo, uma prática ligada ao
masculino, haja vista que no patriarcado o espaço destinado à mulher era a casa. Os escritos
de Derrida (2003) nos trazem esclarecimentos quanto a esta tentativa de exclusão das
mulheres desse campo das relações de amizade. Que se dão para que se perpetuem no âmbito
privado. Já no dialogo com Foucault (2006), passamos a analisar a amizade enquanto uma das
“formas do cuidar de si”.485
A amizade entre Nancy, Vera e as outras presas políticas que estavam
concomitantemente no Bom Pastor. Desenvolveram modos de viver, experienciar, criar,
dentro dos muros da prisão. Não se fechando para a vida, desenvolvendo novas possibilidades
de luta contra o sistema opressor. Experienciando cada momento, pois como escreve Larrosa
(2002) a experiência requer:
[...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,
suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da
ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar
aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e
espaço. (LARROSA, 2002, p.24)
483
Nome das militantes políticas que constam do documentário: Ana Mª Fonseca; Cleusa Mª Aguiar; Dulce
Chaves Pandolfi; Eridan Magalhães; Erlia Rodrigues; Gilseone Consenza; Helena Serrazul; Lilia Gondim; Lylia
da Silva Guedes; Mª Aparecida dos Santos; Mª do Socorro Diógenes; Mª do Carmo Tomaz; Mª Quintela de
Almeida; Mª Teresa Vilaça; Mª Yvone Ribeira; Nancy Mangabeira Unger; Rosa Mª dos Santos; Sonia Beltrão;
Vera Stringuini; Vera Rocha Dauster; Yara Falcon. Três não dão seus depoimentos para o documentário, porque
na época já haviam falecido. Estas são: Áurea Bezerra dos Santos, Helena Mota Quintana e Selma Bandeira.
484
Nos prontuários individuais, documentos produzidos pelo aparato jurídico-militar. A Colônia aparece com o
nome de Colônia Penal de Mulheres Delinquentes.
485
Michel Foucault. A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 239.
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pensamento, estas ensinavam umas as outras a prática de atividades físicas para manter o
corpo saudável, ensinavam francês expandindo a possibilidade da leitura em outros idiomas,
cantavam, tocavam, experienciavam o momento vivido, com suas dores e amarguras, mas
também aprendizados e encontros.
As diferenças e divergências políticas e de modos de ver e viver no mundo, são
deixadas de lado. O que as une é a crença da luta por um mundo melhor. É ter (sobre)vivido
as torturas. É também o conjunto de características que as identificam dentro de um dado
grupo. É ser militante contra um sistema opressor. Ser de esquerda, considerada subversiva
pelo governo. É ter se arriscado, dado a vida por um ideal. É ter calado para evitar a morte de
muitos. E ter sentido a dor na carne tremula torturada.
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486
Em depoimento ao documentário “Vou contar para meus filhos”. Nancy Mangabeira Unger narra que o
governo brasileiro havia acordado com Pinochet que ao encontrar os exilados no Chile, graças à troca do
Embaixador seqüestrado, a ordem era o fuzilamento.
487
Depoimento de Vera Rocha Dauster para documentário “Vou Contar Para Meus Filhos”
1441
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A situação de ser banido, nos fomos banidos, perdemos nosso passaporte, eu no caso
perdi dois passaportes, porque eu tinha também a cidadania americana, que o
governo americano retirou. E ficamos assim... de alguma forma sendo vigiados ou
sobre a égide da Interpol, da polícia internacional, uma vez que não tínhamos mais
nenhuma cidadania e também com o documento do Auto- Comissariado das Nações
Unidas, para refugiados políticos. (Depoimento de Nancy Mangabeira Unger para
documentário “Vou Contar Para Meus Filhos”)
O exílio que se pretendia curto, assolou anos e anos. Vera refez sua vida na França,
casou-se pela segunda vez e teve um filho ainda no exílio, como banida seu filho não tinha
direito a cidadania brasileira. Nancy assim como Vera, só retornou ao Brasil com a
implantação da Lei da Anistia. Traçar percursos geográficos que não foram escolhidos pelas
mesmas, e sim dados pelas circunstancias, não impediu que Nancy e Vera experienciassem
esses trajetos.
Voltar ao Brasil era o objetivo, mas nem por isso em terras além-mar, deixaram lutar
por melhorias de vida, pela democracia de seu país. E principalmente continuaram tecendo as
artes de criar, de pintar a vida. Fazendo da militância, um devir com o mundo. O que
percebemos quando estas enveredam pelas “aventuras do contar-se” como nomeia Rago
(2013) e narram sem medo, suas vivências, se (re)encontram depois de pouco mais de 40
anos, dando vazão a histórias pouco conhecidas pelo povo brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na composição de cada melodia, na tessitura dos modos de vida em cada traçado
geográfico essas mulheres se (re)configuram diariamente, enquanto seres humanos, enquanto
mulheres, mães, filhas, companheiras. São múltiplas e se colocam longe da figura das
heroínas. Permitiram-se viver, encontraram nas fendas as possibilidades de não passar pelo
tempo sem se deixarem ser tocadas.
Foram duplamente transgressoras, conseguiram ocupar espaços destinados ao
masculino, lutando assim, mesmo sem se perceber, contra o machismo. E lutaram contra a
ditadura civil-militar, contra um sistema político opressor. Tiveram seus corpos mutiladas,
torturados, violados e violentados. Mas encontraram também a generosidade, solidariedade e
estabeleceram afetos positivos.
Conheceram outras formas de viver, entraram em contato com realidades distintas.
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Amadureceram suas práticas políticas e se tornaram mais solidárias, menos rígidas consigo
mesma, como expressam em suas narrativas. Não se arrependeram e exprimem a felicidade
pelas conquistas sociais que o Brasil teve no período de redemocratização. Continuam
militando por um país que conquiste cada vez mais a justiça social e igualdade de direito. E
reforçam a necessidade de criar formas para bem viver no mundo. Nas pequenas coisas do
cotidiano, nas possibilidades de tornar o mundo melhor para todos e para cada um.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Brasileira, 2001.
WOLFF, Cristina Scheibe. Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas
comparativas no Cone Sul, 1968-1985. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27,
nº 54, p. 19-38, 2007.
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INTRODUÇÃO
Ao pensar na trajetória das mulheres, logo, remetemo-nos à luta pela igualdade de
gênero, uma luta marcada por conquistas, mas também por muitas dificuldades encontradas
ao longo deste percurso. Vale salientar que esta luta não é algo acabado, houve muitos
avanços significativos, no entanto ainda estamos muito aquém das expectativas,
especialmente no que se refere à participação feminina na política do país.
No Brasil, assim como em diversos outros países, a luta das mulheres pela
emancipação feminina perpassou por variados âmbitos, almejando uma serie de direitos,
como o direito à educação, ao trabalho, ao voto, entre outros.
Por muito tempo, a mulher foi vista como uma figura inferior aos homens, com um
papel limitado em nossa sociedade, ser filha, esposa e mãe, e para tanto, tornava-se
desnecessário o seu desenvolvimento intelectual. Noutros termos, lhes foi negado o direito
básico de saber ler e escrever, segundo Ribeiro (2011, p. 79)
Durante 322 anos – de 1500 a 1822 -, período em que o Brasil foi colônia de
Portugal, a educação feminina ficou geralmente restrita aos cuidados com a casa, o
marido e os filhos. A instrução era reservada aos filhos/homens dos indígenas e
colonos. Esses últimos cuidavam dos negócios do pai, seguiam para a universidade
de Coimbra ou tornavam-se padres jesuítas. Tanto as mulheres brancas, ricas ou
empobrecidas, como as negras escravas e as indígenas não tinham acesso à arte de
ler e escrever.
E mesmo, quando a mulher teve acesso à educação (ler e escrever), era uma educação
diferenciada daquela recebida pelos homens, argumentava-se que, não havia necessidade de
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oferecer à mulher uma educação nos mesmos parâmetros e níveis daquela à disposição dos
homens, pois ambos exerciam papéis sociais distintos, ou seja, o papel social da mulher,
restringia-se a esposas e mães “perfeitas”.
Ressalta-se que, as primeiras mulheres que foram inclusas neste sistema de educação,
eram aquelas pertencentes à elite, já as que faziam parte das classes populares tiveram acesso
bem mais tarde. “As mulheres negras e indígenas então, só tiveram a educação com um atraso
maior ainda, atraso esse acarretado pelo duplo preconceito: de etnia e gênero”, (ROSA, 2013,
p. 03).
Neste sentido, a nossa sociedade está historicamente marcada pela resistência do
ingresso das mulheres, nos mais variados espaços.
No que se refere ao voto feminino, no Brasil, a conquista se deu por meio do
Decreto21.076, de 24/02/1932, assinado pelo então presidente do país, Getúlio Vargas, depois
de uma intensa luta e campanha nacional.
Partindo desta perspectiva, objetivamos neste trabalho, explanar de maneira breve um
pequeno histórico desta luta pelo sufrágio feminino, e também apresentar um balanço da
situação atual, no que diz respeito à categoria de votantes de votadas, onde questionamos,
depois de 83 anos, há o que comemorar? Portanto, este artigo consta-se divido em duas partes,
a saber: 1) “Um breve histórico: primeiras sufragistas”; 2) “Um balanço atual”.
83 anos, não faz muito tempo, porém o Decreto 21.076, de 24/02/1932, é um marco
bastante significativo para história do Brasil, embora não se possa afirmar que esta data foi o
começo - pois a luta pelo voto feminino iniciou-se antes da Proclamação da República - mas
“trouxe grandes inovações ao sistema político-eleitoral brasileiro, tais como a criação da
Justiça Eleitoral e a consagração expressa do voto à mulher”, (TSE488).
Em uma perspectiva mais ampla, no século XIX começam a surgir de forma mais
explícita a luta feminista, para as historiadoras Michelle Perrot e Geneviève Fraisse, o século
In: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-sp-o-voto-feminino-pdf.
488
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XIX
489
In: DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. RJ: Jorge Zahar
Ed., 2000. p. 521.
490
In: DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. RJ: Jorge
Zahar Ed., 2000. p. 246
491
In: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/iberoamericana/article/view/15391.
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“Ora, querer desviar o espírito feminil desse dever, dessa função, que é a base de
toda a organização social, cujo primeiro grão é a família, para levá-lo ao atrito das
emulações práticas, no exercício de funções públicas, é decretar a concorrência dos
492
“Venho propor-me fazer um ensaio de fundação de uma liga de mulheres brasileiras. Não proponho uma
associação de “sufragetes‟ para quebrarem as vidraças da Avenida, mas uma sociedade de brasileiras que
compreendessem que a mulher não deve viver parasitamente [das prerrogativas] do seu sexo, aproveitando dos
instintos animais do homem, mas que deve ser útil, instruir-se e a seus filhos, e tornar-se capaz de cumprir os
deveres políticos que o futuro não pode deixar de repartir com ela”. (LUTZ, Bertha apud BESSE, Susan, 1999,
p. 184)
493
TELES, Mª Amélia de Almeida. Breve História do Feminismo no Brasil. SP: Brasiliense, 1993, Col. Tudo é
História, p. 44.
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sexos nas relações da vida ativa, modificar esses laços sagrados da família, que se
formam em torno da vida puramente doméstica da mulher, e corromper a fonte
preciosa de moralidade e de sociabilidade, que ela mais diretamente representa,
demandando como condição de pureza a sua abstenção completa da vida prática”
(Fala do Dep. Moniz Freire, Anais do congresso constituinte, 1891, p. 456).
Contrário a esse pensamento destaca-se o Dep. César Zama, que assim se posicionou
na época:
“Nenhuma objeção séria tenho, até agora, ouvido contra a opinião, que sustentamos:
os nossos adversários limitam-se a asseverar que a concessão de direitos políticos às
mulheres trará, infalivelmente, a desorganização do lar e da família; nenhum deles,
porém, deu-se ao trabalho de explicar-nos o modo e os motivos dessa
desorganização. Em assuntos desta ordem não basta afirmar, é preciso provar.
Ninguém contesta a mulher a igualdade de aptidões que tem o homem: quanto à
diferença de organização psíquica, pouco ou nenhum valor tem a objeção: é mais
uma questão de educação.
Nervosas e fracas! Porém elas são, também, enérgicas e fortes, conforme as ocasiões
e meio social em que vivem: elas se aplicam a medicina e a jurisprudência tão bem
como nós; no magistério, nos excedem; no exercício dos empregos públicos não nos
são inferiores; na administração de sua casa e bens, em regra geral, andam melhor
do que nós, a exceção do imposto de sangue, concorrem também com o imposto
para encher as arcas do tesouro: finalmente, podem desempenhar todos os deveres
do homem. Por que se lhes há de privar do exercício do direito político? A família
não se desorganiza quando ela exerce a medicina, a advocacia, o magistério e
funções públicas, que exigem muito mais tempo, trabalho e critério: desorganizar-
se-á, porém,
pelo fato de ir ela, em dia de eleição, dar o seu voto! Não, isso não é verdade (Anais
do Congresso Constituinte, 1891, p. 356, 357).
“O direito de voto às mulheres no Brasil pode ter dependido dos homens, como
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Na esteira dessa constatação, vale salientar ainda, que o decreto de 1932 trazia consigo
algumas restrições, são elas: apenas poderiam votar mulheres casadas, com autorização dos
respectivos maridos e mulheres viúvas ou solteiras que tivessem renda própria.
Em 1934, estas restrições foram retiradas do Código Eleitoral, porém o caráter de
obrigatoriedade do voto continuava destinado aos homens, somente em 1946, determinou-se a
que o voto feminino seria obrigatório.
No entanto, anterior ao decreto assinado pelo presidente Getúlio Vargas, há um caso
que merece destaque, foi no Rio Grande do Norte que ocorreu o primeiro voto feminino e
também a primeira mulher eleita. Em 1926, o Estado sob autonomia legislativa, no que diz
respeito a matéria eleitoral, por meio da intervenção de Juvenal Lamartine, concede
autorização ao voto feminino, incluindo o artigo 17 ao sistema eleitoral, definindo o sufrágio
“sem distinção de sexo”. Portanto, a primeira mulher a votar em nosso país foi a educadora
Celina Guimarães Viana, ela votou na cidade Mossoró, cidade onde nasceu e viveu.
Através do artigo 17, mulheres de algumas cidades potiguares, como Natal, Apodi,
Mossoró e Açari, se alistaram como eleitoras no ano de 1928494. No ano seguinte, a fazendeira
Alzira Soriano de Souza, se elegeu como prefeita da cidade Lajes495.
Ainda falando de pioneirismo, no âmbito do legislativo Federal, a primeira Deputada
Federal do País, foi a médica paulista Carlota Pereira de Queiroz, já na esfera estadual, Maria
do Céu Fernandes de Araújo, foi eleita Deputada Estadual no Rio Grande do Norte.
No Poder Executivo estadual, Iolanda Fleming foi a primeira mulher a governar um
estado, o Acre, em 1983, tendo sido eleita como vice-governadora na chapa de Nabor Junior,
que deixou o cargo para tentar uma vaga no Senado, ficando para Iolanda a tarefa de assumir
o cargo.
494
In: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Abril/serie-inclusao-a-conquista-do-voto-feminino-no-
brasil.
495
Município localizado à cerca de 130 km de distância da capital do Estado, Natal. Fica na Microrregião de
Angicos.
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UM BALANÇO ATUAL
496
In:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2013/brasil_defaultxls_brasil.
shtm.
497
In: http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2014.
498
In: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputadas-eleitas-desde-1932-nao-enchem-um-plenario/.
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Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP499, com relação aos anos de 2003 a 2013,
percebemos que as mulheres estão em número superior aos homens em todas as categorias
para mensurar o número de alunos ingressos, matriculados e concluintes no ensino superior
do Brasil, vejamos:
Pela análise dos dados acima, com relação ao ano de 2013, por exemplo, da totalidade
de alunos que ingressaram nas instituições de ensino superior, 56% eram mulheres e 44%
homens, no que se refere às matrículas, 57% são mulheres e 43% homens.
A superioridade das mulheres é ainda maior quando observamos os dados referentes
aos alunos que concluíram o ensino superior no ano de 2013, dos concluintes 60% eram
mulheres e 40% homens.
No que se refere ao mercado de trabalho, a cada ano que passa as mulheres também
vem ocupando mais espaço.
Tal estado de coisas nos aponta para uma distorção bastante significativa quanto à
presença feminina na política, pois, conforme visto, as mulheres, diferentemente de outros
setores da sociedade, não vêm conseguindo ocupar o papel que lhe é devido, apesar de serem
maioria da população e as mais preparadas intelectualmente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
499
In:http://portal.inep.gov.br/todas-
noticias?p_p_auth=NO1tbUWw&p_p_id=56_INSTANCE_d9Q0&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_m
ode=view&p_p_col_id=column-
2&p_p_col_pos=2&p_p_col_count=3&_56_INSTANCE_d9Q0_groupId=10157&p_r_p_564233524_articleId=
139200&p_r_p_564233524_id=139627
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Conforme vimos no presente trabalho, grandes foram as lutas das mulheres para
poderem alcançar, em 1932, o direito de votarem e serem votadas, apesar de desde 1824 não
haver impedimento expresso na Constituição que obstaculizasse a participação feminina na
política, foi uma longa batalha até os dias atuais.
Percebe-se, uma série de avanços e conquistas significativas, decorrentes dessa
abertura, apesar de tantos entraves.
No Brasil, hoje, as mulheres são maioria, conquistam cada vez mais espaços no
mercado de trabalho, nas ciências, nas artes, ainda que não se possa afirmar que exista
igualdade, no que diz respeito a remuneração. Evidenciamos no balanço, que as mulheres
também são maioria no ensino superior, no entanto em relação à participação política, porém,
como visto, não há uma presença significativa, enquanto representantes no legislativo e
executivo.
Portanto, há o que comemorar após 83 anos de sufrágio?
Em termos gerais, diante dos diversos avanços, alguns deles apresentados aqui,
diríamos que sim, contudo, em relação à participação feminina nos destinos políticos da
nação, há muito pouco o que se comemorar, tendo em vista e quase inexpressiva participação
das mulheres nos Poderes Legislativo e Executivo.
Hoje é inquestionável o papel das mulheres na sociedade, graças à uma luta contínua e
heroica, mas temos algumas ressalvas e questões: Sendo maioria no país e também mais
preparadas intelectualmente, porque as mulheres não registram uma presença significativa no
âmbito legislativo e do executivo? Há interesse em ocupar estes cargos? Sobretudo, há
incentivo e preparação para tal tarefa?
Tais questões precisam ser respondidas e as suas respostas precisam apontar para uma
saída que represente uma modificação do cenário político brasileiro, mais especificamente no
que diz respeito à contribuição das mulheres, sob pena de não avançarmos o necessário para
que seja devolvida, na integridade, a dignidade social que lhe foi negada por todos esses anos.
REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Mesmo sendo um período visivelmente amplo, as informações sobre a temática aqui
proposta se encontram dispersas no tempo e no espaço. Além do mais, por se tratar de um
grupo social marginalizado duplamente (por ser escravo e por ser mulher), seus feitos não
foram consideravelmente registrados pela historiografia brasileira. A maior parte desses
registros foram produzidos por sujeitos e instituições que reprimiam as atividades das
escravas negras.
Com a ascendência da História Cultural na década de 80 do século XX, o fazer
histórico vai receber novas abordagens e possibilidades de acesso ao passado, com a
agregação de novas fontes históricas (PESAVENTO, 2005). A História Cultural vai
proporcionar trazer ao conhecimento a história de sujeitos antes deixados de lado pela história
tradicional. Portanto, tendo como dimensão teórica a História Cultural, este artigo pretende
abordar a história das mulheres negras escravas a partir da perspectiva de uma “história vista
de baixo”, como propôs Thompson, que redimensiona o “olhar histórico” para as os sujeitos
subalternos (SHARPE, 1992).
É possível dizer que esse movimento se estabelece em uma configuração sobre pensar
500
Graduanda em História pela UEPB e aluna especial em História da Educação pelo programa de pós-
graduação em educação da UFPB.
501
Mestranda em História da Educação, vinculada ao programa de pós-graduação em educação da UFPB;
graduada em pedagogia pela UFPB e membro do grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação da Paraíba –
HISTEDBR – PB.
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a historiografia acerca da cultura popular, sem excluir as expressões de cultura das elites. No
campo da história da educação, não importam apenas os movimentos educacionais ou grandes
pensadores, mas voltam-se os olhares para novos objetos de pesquisas e novas maneiras de
abordá-los. A nova história cultural, desde o seu surgimento, deslocou sua atenção para a
história dos homens e mulheres comuns, preocupando-se com suas práticas culturais, suas
experiências na mudança social (SANTOS, 2009, p. 25). A Nova História Cultural propõe
novos métodos a serem trabalhados pela historiografia social e não trabalha apenas com os
grandes feitos dos heróis, mas com pessoas comuns que fizeram e fazem parte do processo de
conquistas, que como um processo de construção histórica amparou o uso da memória para
essa construção.
Nesse período a aproximação com a psicanálise também ajudou com a investigação de
vários questionamentos relacionados ao uso da memória no processo histórico. Entre esses
questionamentos estão: o trabalho da memória contra a perda e o esquecimento; a pluralidade
de memória entre a repetição e a reconstrução; as tensões em seu âmbito; os processos de sua
transmissão; os seus usos sociais; e o enraizamento da memória na consciência coletiva.
A História das Mulheres surge parte a partir de década de 60, “[...] quando ativista
feministas reivindicavam uma história que estabelecesse heroínas, prova da atuação das
mulheres, e também explicações sobre a opressão e inspiração para a ação” (SCOTT, 1992,
p.64). A partir de então, estudos vão começar a surgir não só no campo das relações de poder,
mas em vários outros aspectos socioculturais. Os estudos feministas vêm para ressignificar
alguns conceitos como o de corpo e gênero, que serão abordados como objetos que
comportam uma historicidade (Cf. SCOTT, 1995).
O objetivo deste artigo foi traçar um percurso analítico pelo período escravista
brasileiro, para trazer ao conhecimento às estratégias de resistência que as escravas negras se
utilizaram, através do corpo e da sensualidade que ele transmite, para seduzirem seus senhores
e conseguirem ascender socialmente. Percebendo, porém, que os corpos das mulheres negras
escravas se constituíram numa “arma” de combate e reivindicação consciente da melhoria de
suas condições de vida.
Visando tais objetivos, o presente artigo se constituiu utilizando de uma pesquisa
bibliográfica e documental, a fim de reunir matérias apropriadas que nos servisse de análise.
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Em várias partes do livro Casa-grande e Senzela, Freyre destaca o clima como sendo
um agravante para o “apetite sexual” das negras escravas. O Brasil, por ter um clima mais
quente que os dos países europeus, aumentava o “fogo libidinoso” das escravas, incidindo os
seus senhores ao pecado. Por outro lado, a falta de mulheres brancas na colônia acentuava as
relações de portugueses com negras escravas. Sob seus domínios, as escravas ficavam à
disposição de seus senhores assim como Freyre (1992) salienta:
O que houve no Brasil – cumpre mais uma vez acentuar com relação às negras e
mulatas, ainda com maior ênfase do que com relação às índias e mamelucas – foi a
degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada [...]. Entre brancos e
mulheres de cor estabeleceram-se relações de vencedores com vencidos – sempre
perigosas para a moralidade sexual. (p.426)
Essa sensação de domínio levava os portugueses a se apropriarem das escravas
indiscriminadamente nos domínios dos engenhos enquanto durou a escravidão. Essa
disponibilidade de prazer também pode ser observada na obra Menino de Engenho, do
romancista paraibano José Lins do Rego:
As negras faziam-me de homem [...]. Agora o engenho oferecia-me o amor por toda
a parte: na senzala, na beira do rio, nas casas de palha. Os moleques levavam-me
para as visitas por debaixo dos matos, esperando a vez de cada um. Na casa-grande
os homens achavam graça de tanta libertinagem. (REGO, 2001, p.31-2)
É farta a documentação, principalmente os inquisitoriais, que mostram o quanto era
comum a prática do concubinato envolvendo amas e escravas, e como os domínios sobre o
escravo se estendiam, também, à esfera sexual.
Assim, um dos maiores problemas da Igreja era com a chamada “moralidade sexual”,
que sempre fugia de seus controles na sociedade colonial. Os esforços eram muitos para que
os senhores não caíssem em “depravações sexuais”. Além de muitas rezas, a Igreja chamava a
atenção para que os senhores não permitissem suas escravas a andarem “desnudadas” pelas
ruas. Em Pernambuco, o bispo Frei José Fialho chegou a proibir a entrada das chamadas
“negras perigosas”, que não estivessem vestidas adequadamente (FREYRE, 1992, p.440).
Na tentativa de conter a “depravação sexual” nas terras do Brasil, as autoridades
eclesiásticas aconselhavam os senhores de engenho a não possuírem, nos domínios das casas-
grandes, escravas de “idade perigosa”, ou seja, que tivessem menos de quarenta anos.
Segundo Freyre, o bispo Frei José Fialho havia se surpreendido com o tardio
“amadurecimento” das escravas negras:
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Parece que as negras não ficam velhas tão depressa, nos trópicos, como as brancas;
aos quarenta anos dão a impressão de corresponder às famosas mulheres de trinta
anos dos países frios e temperados. Uma preta quarentona é ainda uma mulher
apenas querendo ficar madura; ainda capaz de tentações envolventes. (FREYRE,
1992, p.442)
Mesmo com todas as repressões da Igreja, que era a instituição que “disciplinava” a
vida amorosa dos habitantes no período colonial – e porque não também no período imperial
–, não frearam as práticas sexuais dos senhores com suas escravas fora do casamento. A
grande incidência de filhos bastardos é exemplo de quanto o domínio da Igreja não era
suficiente para conter efetivamente esta prática (ALMEIDA, 1992, p.120).
A prostituição também foi uma constante no Brasil escravista. Muitos foram os casos
em que o senhor lucrava com a prostituição de suas escravas negras, ou casos de sinhazinhas,
desgostosas com suas escravas, as colocavam nas ruas para vingar-se e, ao mesmo tempo,
arrecadar alguma renda, assim como: nos informa Chiavenato (1999): “Às vezes eram as
sinhazinhas respeitáveis que enviavam essas meninas às ruas para se prostituírem cobrindo-as
de joias para melhor impressionar (p.49) ”.
A prostituição era proibida no Brasil escravista, entretanto esta proibição não se
aplicava à prostituição de escravas. Muito pelo contrário, esta, inclusive, era permitida por lei,
através do artigo 179 da constituição do Império. Por isso, a prostituição escrava foi praticada
de forma indiscriminada nas ruas, nos bordeis, nos cortiços e em diversos espaços enquanto
perdurou a escravidão.
As escravas que eram postas na prostituição eram designadas de “escravas
ganhadeiras”, pois era esta sua função: conseguir lucros para seus senhores e/ou sinhás com a
venda do corpo. Muitas vezes estas escravas eram ainda crianças ou adolescentes de 12, 13
anos, que eram postas a praticarem sexo com homens “maduros”, entre 40 e 50 anos ou mais
(FREYRE, 1990). Só que havia uma diferenciação dos valores entre os serviços oferecidos
pelas escravas negras e os oferecidos pelas prostitutas brancas. O valor dos serviços desta
última era muito mais caro (CHIAVENATO, 1999, p.49).
Algumas mulheres negras, que já não eram escravas, quando não trabalhavam de
empregadas se entregavam à prostituição, na maioria das vezes para pagar o aluguel de sua
morada. Mas esses casos são muitos difíceis de serem analisados, pois não se sabem os reais
motivos para tal escolha. Para Florestan Fernandes (2008), “As indicações coligidas não
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filhos, educou-os, buscou ascender socialmente, com vistas a diminuir a marca que a condição
de parda e forra impunha para ela e para seus descendentes” (FURTADO, 2003, p.284).
Outro caso de destaque é o da escrava Liberata, no início do século XIX, que entrou
com um processo na justiça contra seu senhor que lhe havia prometido a liberdade de favores
sexuais. Após muita luta, Liberata consegue “negociar” sua liberdade e também a de seus
filhos (GRINBERG, 2010, p.26-27). Muitas outras escravas conseguiram a tão sonhada
liberdade ascendendo socialmente, porém não muito conhecidas da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um ponto que merece ser colocado sugere que as relações entre escravas negras e
mulatas com brancos portugueses não se traduziu unicamente numa relação sexual, mas
também houve vários casos em que a afetividade prevaleceu, revertendo a lógica social
instituída. Isso significa dizer que as mulheres escravas não viveram unicamente para o
trabalho escravo, como uma imposição intangível, elas também se apaixonaram, vivenciaram
relações afetuosas com os homens brancos, tiveram filhos, constituíram família, tiveram suas
próprias moradias, enfim, desfrutaram da liberdade.
A história das mulheres escravas no Brasil, no entanto, não se procedeu de maneira tão
simplista como geralmente é tratada. Vários trabalhos – boa parte deles por pesquisadores e
pesquisadoras feministas – vêm sendo produzidos trazendo novas facetas da presença e
atuação feminina em diversas instâncias da sociedade, da economia, da política e da cultura.
O fato de a imagem da escrava negra ter sido constituída como mulher voraz, de puro
desejo sexual incontrolável, como expôs o Gilberto Freyre e outros autores, contribuiu para
que, na nossa atualidade, a mulher negra ainda sofra com alguns estereótipos desse tipo. Na
mídia, por exemplo, essa imagem ainda é bastante difundida. Na televisão ainda se propaga a
imagem da negra “da cor do pecado”, entre outras designações depreciativas. Tendo em vista
os aspectos observados pode-se concluir que as formas de resistência se deram de vários
formatos tanto através do trabalho árduo e dos encantos quanto através de fugas, suicídios e
até mesmo o assassinato dos seus senhores.
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INTRODUÇÃO
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Frente a isso, Bueno (2002, p. 16) ressalta que um movimento de rupturas e mudanças
ocorreu no interior das ciências humanas (à exemplo da Educação, História, Sociologia e
Antropologia), nas primeiras décadas do século passado, perdurando até os dias de hoje, o
qual buscava não apenas novos métodos de investigação, mas, sobretudo, um modo novo de
conceber a própria ciência, ou seja, não se tratava simplesmente da não utilização dos
“métodos experimentais, da ciência racional e objetiva, capaz de dar conta da tarefa de
descobrir as regularidades que ocorrem na natureza e as leis que regem tais fenômenos”,
tratava-se principalmente do direito de abdicar um conceito de ciência em favor de outro. Em
outras palavras Souza (2007, p. 62) afirma que, as discussões a respeito da utilização de novos
métodos de investigação tiveram início no momento em que “problematizou-se, a noção de
cientificidade a partir da contestação do positivismo que, até então, constituía-se como idéia
reguladora hegemônica na produção do conhecimento válido.”
Foi seguindo essa linha de pensamento que surgiram tanto na História, quanto na
Antropologia, pesquisas realizadas a partir de métodos que valorizam a oralidade e a
memória, o que pode ser evidenciado na fala de Souza (2007, p. 62):
No campo da produção historiográfica, a Nova História surgida na França, disposta
a defender uma mudança metodológica na pesquisa e tendo por base três bandeiras –
“novos problemas”, “novas abordagens” e “novos objetos” – , amplia a noção de
documento histórico reconhecendo a importância das fontes orais.
voltando somente nos anos de 1980 a ser utilizada novamente no campo da Sociologia.
Estudos realizados por Bueno et. al (2006), os levam a considerar que no Brasil, foi
somente a partir da década de 1990 que a história de vida e a pesquisa (auto)biográfica na área
da Educação ganhou um visível impulso, trazendo grandes mudanças e apresentando um
elevado crescimento na produção de trabalhos concernentes a essa temática. Por outro lado,
no trabalho intitulado “As histórias de vida em formação: gênese de uma corrente de
pesquisa-ação-formação existência” Pineau (2006) destaca que no Brasil, a partir dos anos
1980 já eclodia uma grande quantidade de produções científicas baseadas na investigação de
histórias de vidas. A partir dessa constatação, o autor divide o período de 1980 à 2000 em
três momentos distintos que marcaram o movimento da história de vida no país: anos de 1980
- período de eclosão; anos de 1990 - período de fundação e anos 2000 - período de
desenvolvimento diferenciador.505
Nos dias atuais, percebe-se que as pesquisas na área da Educação tem buscado dar
cada vez mais visibilidade ao estudo de histórias de vidas, em especial as pesquisas
(auto)biográficas, reconhecendo que este caminho também é capaz de nos levar a grandes
descobertas acerca da história da educação, uma vez que nos possibilita a aquisição de
conhecimentos que ainda não foram registradas em livros, teses, dissertações, nem em artigos
científicos.
Levando em consideração o gradativo engajamento político que a mulher negra vem
apresentando nas últimas décadas, deparamo-nos com a necessidade de buscar conhecer como
esse envolvimento de militância, por parte das mulheres negras, tem se dado na região do
Cariri Cearense. Para isso, estamos iniciando uma pesquisa que visa conhecer a história de
vida e a trajetória de militância de professoras negras, com o intuito de compreender também
como a sua atuação no movimento social tem refletido nas suas concepções pedagógicas.
Neste estudo, adotamos como metodologia de trabalho, o uso de narrativas
autobiográficas, por acreditarmos que os saberes e as experiências que encontram-se
guardadas nas memórias das professoras e militantes negras do Cariri Cearense, com as quais
505
Tanto Bueno et. al (2006), quanto Pineau (2006) apresentam dados concretos da significativa quantidade de
trabalhos desenvolvidos no Brasil nas décadas de 1980 e 1990 tendo como metodologia de investigação
científica o uso de histórias de vida e pesquisas (auto)biográfico.
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estamos trabalhando, são histórias que merecem ser contadas, ouvidas e valorizadas, pois
tratam-se de mulheres que contribuíram e ainda contribuem para a construção de uma luta
antirracista e um mundo mais justo e humano, e que devem, portanto, sentir-se parte da
história, como sujeito que sabe e que constrói.
O presente trabalho surge exatamente dos estudos realizados acerca da metodologia
adotada para o desenvolvimento da pesquisa mencionada, uma vez que, trata-se de um
método de investigação científica que surgiu recentemente, quando comparado aos métodos
positivistas, mas vem ganhando, dentro do território brasileiro, uma crescente visibilidade nos
últimos quinze anos. Frente a isso, o referente trabalho visa discutir, a partir de estudos
bibliográficos, a importância do uso de narrativas autobiográficas no conhecimento da história
de vida de mulheres/professoras negras e militantes do movimento negro.
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relação de poder e saber hierarquizado, pois “cada um deles é portador de um saber, saber
autóctone, num caso; saber sociológico, no outro. E cada um desses saberes é legitimado pela
experiência, pela primazia do campo.” (FERRAROTTI, 2014, p. 35). O autor ainda
acrescenta que a técnica da escuta “permite a instauração de uma relação de confiança, a
criação de uma situação dialógica aberta, na qual são possíveis as inversões de posição e as
mudanças nos contratos de fala.”
Ao reafirmar a utilização da pesquisa histórica e da narrativa (auto)biográfica, como
opção de pesquisa, Souza (2007) corrobora com a ideia defendida por Ferrarotti (2014) acerca
da posição que o pesquisador deve ocupar ao trabalhar com a referida metodologia. No
trabalho intitulado “(Auto)biografia, histórias de vida e práticas de formação”, Souza (2007)
afirma,
Um outro aspecto que caracteriza o trabalho com histórias de vida, diz respeito ao seu
caráter formativo. De acordo com Souza (2007) quando nos dedicamos a realização de
pesquisas acerca da trajetória de vida de professores, estamos buscamos conhecer a
constituição do trabalho docente a partir de diferentes aspectos de sua história: pessoal,
profissional e organizacional. Dessa forma, temos a oportunidade de acesso aos saberes
construídos pelos profissionais da educação por meio da sua prática pedagógica diária. A
relevância de tal estudo, no âmbito da abordagem educacional e biográfica, encontra-se no
reconhecimento do professor como “sujeito, que produz um conhecimento sobre si, sobre os
outros e o cotidiano, revelando-se através da subjetividade, da singularidade, das experiências
e dos saberes (SOUZA, 2007 p.69).”
Tal processo resulta em uma formação que enriquece tanto o professor, quanto o
pesquisador, visto que, ao falar sobre sua experiência, o professor também “questiona os
sentidos de suas vivências e aprendizagens” (idem, 2007 p.69), ao mesmo tempo em que
compreende e se apropria das experiências, saberes e conhecimentos do professor que é
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GRUNEC (Grupo de Valorização Negra do Cariri) foi criado no ano de 2001 e desde então vem realizando
ações de educação tanto dentro, quanto fora da escola. “Se a gente é chamada pra uma palestra La num sítio, é
educação. É um trabalho de educação, não é educação formal, mas é educação.” (Valéria, 28/07/2015)
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Cidade localizada no interior do Ceará e que configura-se como um dos municípios que compõe a região do
Cariri.
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Eu tive que sair da minha terra, de perto dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus
amigos, por conta de trabalho, porque aqui em Crato o que tava destinado pra nós,
era a cozinha dos doutores do Crato, da burguesia de Crato ou o tanque de roupa e
eu não queria, nem meus pais queriam isso. (Valéria, 28/07/2015)
É importante ressaltar que o fato de Valéria ter conseguido em São Paulo a formação e
o progresso profissional que muito provavelmente ela não conseguiria no Cariri Cearense, não
a isentou de situações marcadas, segundo ela, por “preconceito de todo o tipo que pudermos
adjetivar”.
Com base nisso, serão abordados na ocasião deste trabalho, aspectos da relação
existente entre a trajetória de construção de identidade da professora apresentada e as suas
concepções pedagógicas, enquanto docente da educação básica.
Tomando como referência a idéia defendida por Gomes (2003) acerca da construção
da identidade negra, entendemos que este processo envolve dimensões pessoais e sociais, isto
é, durante a nossa trajetória de construção identitária, além de considerarmos as nossas
singularidades e especificidades, somos também acometidos por fortes influências presentes
no meio social em que encontramo-nos inseridos(as), podendo estas contribuir positivo ou
negativamente para tal processo. A autora ainda destaca que:
Tais ideias são corroboradas pelas narrativas de Valéria, quando esta afirma que o seu
processo de construção da identidade negra começou em casa, por intermédio de seus pais,
avós, tios e bisavó, com quem ela costumava sentar-se em rodas de conversas no terreiro de
casa para ouvir histórias, segundo ela, “as histórias bonitas do seu povo”. A professora
ressalta que “não precisava ir para a história da África não, era a nossa própria história. A
nossa construção se deu a partir da nossa história. Meu pai e meu avô, costumavam dizer
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‘Minhas filhas, vocês não são nem melhores, nem piores do que ninguém, vocês são pessoas
com direitos e deveres iguais.”
É possível perceber, a partir das narrativas referentes a história de vida de Valéria que,
seus familiares tinham bastante consciência da sua negritude, o que não significa afirmar que
eles não passaram por situações de discriminação, preconceito e racismo, mas sim que havia
em sua família a preocupação de prepará-la, juntamente com os seus nove irmãos (ãs) para
que nenhum deles precisasse sentir-se diminuído diante de ninguém.
Ainda no tocante à questão do processo de construção identitário da professora,
procuramos saber se a sua passagem pela educação básica influenciou de alguma forma o
seu modo de ver e entender as questões étnicorraciais. No que diz respeito a essa
questionamento, Valéria diz que não, pois o negro era visto da mesma forma como ainda
é visto hoje. “Negro é como hoje [...], é sujo, tem cabelo ruim. No meu tempo era assim,
e hoje também.” Apesar disso, ela considera de fundamental importância o papel da
escola na construção da identidade negra, desde que ela cumpra o seu dever de educar
para o respeito e para a diversidade, pois o que se tem observado é um distanciamento
muito grande entre ser fundamental a realização de um trabalho que contemple esta
discussão etnorracial e o ato concreto de fazer. Uma prova disso, diz ela, é a não
implementação da Lei Nº 10.639/03508 em todo o país.
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Lei federal que obriga o ensino da história e cultura africana e afrobrasileira nas escolas de educação básica
de todo o Brasil.
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semelhantes.
Eu tava em São Paulo trabalhando com filhos de nordestinos, que se quer tinha
o direito de dizer: “Eu sou do Ceará”, “Eu sou do Pernambuco”, “Eu sou de
Alagoas”, “Eu sou da Bahia”. Nordestinos em São Paulo são todos baianos,
baianos, retirantes, pobres, todas as mazelas estão ali. Então assim, foi fácil
porque eu, mulher negra, com aquele “sotacão” de nordestino. Quando eu
cheguei os pais dos alunos, se identificaram comigo, de primeira pelo sotaque.
Então essa foi a primeira empatia. E aí eu pautei nas minhas aulas, durante os
meus trinta anos de magistério, a minha vida, foi a minha vida, foi o jeito que
eu gostaria de ter sido trabalhada, de uma maneira muito natural: “Quem são
seus avós? Quem são vocês? Tu tens certidão de nascimento?” Eu sempre
comecei pela certidão de nascimento. “Vamos lá, o que é que tá escrito aqui?
De onde tu veio? O que é avô paterno? O que é essa história de paterno, de
materno?”
Por fim, Valéria ressalta que o trabalho realizado com vistas a construção da
identidade dos nossos alunos, é um processo de aprendizado e de crescimento mútuo,
pois “a gente pensa que tá ajudando na construção da identidade dos outros, quando na
verdade estamos construindo é a nossa própria identidade.”
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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INTRODUÇÃO
O autor, Moura (1987), nos mostra uma visão de quilombo destacando para esse, um
caráter essencialmente de resistência, de contraposição a uma sociedade excludente, as
organizações quilombolas seriam assim, fruto de rebeliões organizadas de negação ao sistema.
ARUTI (2006) ao discutir a formação histórica e antropológica dos quilombos traz
uma gama de forma de pensá-lo, algumas delas suscitadas com o advento do artigo 68 da
Constituição Federal de 1988 que se refere às comunidades remanescentes de quilombo,
dentre elas destacamos aqui as produções dos pesquisadores do início dos anos 90 da
Fundação Cultural Palmares (FCP), segundo os quais, de maneira geral, os “quilombos
contemporâneos” são apresentados como comunidades cuja identidade definiu-se como étnica
e não racial, não sendo a cor da pele o elemento definidor central, mas os elementos culturais
gestados e fortalecidos no interior das mesmas, entre eles o uso comum da terra.
A autora, LEITE (2000), enfoca a discussão dos quilombos na atualidade sobre o
prisma da luta dos afro-descendentes como atores políticos, especialmente após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, com enfoque nos impasses nela presente no
tocante a questão da terra e os quadros atuais de exclusão social no Brasil.
Conforme exposto, muitos são os enfoques conceituais a partir dos quais as
comunidades quilombolas podem ser analisadas, estando permanentemente abertas à
discussões. Nesse sentido, Marques (2008), ao discutir a resignificação conceitual sobre as
comunidades quilombolas, aponta que se abrem perspectivas para se pensar tais comunidades
desvinculando-as de concepções que as confundem com o Quilombo de forma “frigorificada”,
ou seja, estagnada, que anteriormente buscava encontrar nas atuais comunidades
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Fazemos uso do método da História Oral por reconhecermos nela, uma técnica que
nos permite, por meio de entrevistas, não apenas entrar em contato com o individuo que nos
fala, mas com o contexto no qual ele está inserido, uma vez que,
A história oral recupera aspectos individuais de cada sujeito, mas ao mesmo tempo
ativa uma memória coletiva, pois, à medida que cada indivíduo conta a sua história,
esta se mostra envolta em um contexto sócio-histórico que deve ser considerado.
Portanto, apesar de a escolha do método se justificar pelo enfoque no sujeito, a
análise dos relatos leva em consideração, como já foi abordado anteriormente, as
questões sociais neles presentes. (OLIVEIRA, 2005, p. 94 APUD ARAÚJO &
SANTOS 2007, p. 192).
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tomar um depoimento como a própria historia, pois do contrário “a entrevista, em vez de fonte
para o estudo do passado e do presente, torna-se a revelação do real” (PINSKY, 2005, p. 158).
Outro erro que se deve evitar consiste em polarizar a história oral, necessariamente, como
democrática e reveladora da história vista de baixo,
Polarizações do tipo História “de baixo” versus História “de cima” contribuem para
diluir a própria especificidade da História oral, ou seja, a de permitir o registro e o
estudo da experiência de um número cada vez maior de grupos, e não apenas dos
que se situam em uma posição ou outra da escala social. (PINSKY, 2005, p. 158-
159).
Isto significa dizer que entre o texto (entendendo este como quaisquer informações
escritas visuais, ou de outra natureza podem ser consideradas textos, são passiveis de leitura)
e o leitor há um espaço, um momento criador e não um vazio absoluto, “os textos (...) não se
inscrevem no leitor como o fariam em cera mole” (CHARTIER, 1990, p. 25).
A inventividade do mais fraco é o que esta em relevo, sendo ela permanente no
cotidiano dos quilombolas, que fazem do seu dia-a-dia um teatro de operações onde se utiliza
de táticas para escapar às estratégias do forte. Aqui se faz pertinente distinguir estratégias e
táticas:
Chamo de estratégia o calculo (ou a manipulação) das relações de força que se torna
possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa,
um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia
postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio de ser a base de
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onde se podem gerir as relações como uma exterioridade de alvos ou ameaças. (...)
chamo de tática a ação calculada que é determinada pela a ausência de um próprio
(...). A tática não tem por lugar senão o do outro (...). Em suma, a tática é a arte do
fraco (CERTEAU, 2002, p. 99-101).
A partir dessa metodologia, tomamos como base para pensar o contexto no qual se
insere a história da comunidade, o paradigma da afrocentricidade que conforme (ASANTE,
2009), nos coloca a necessidade de promover uma analise da experiência dos(as)
afrodescentes centrada em algumas características, entre as quais destacamos a centralidade
da comunidade; respeito à tradição; harmonia com a natureza; natureza social da identidade
individual e unidade do ser.
[...] ela (a mãe da depoente) contava, assim, o que acontecia [...]. Disse que
existia... As pessoas pegavam as pessoas... Levavam pra escravidão. E, até eu era
jovem, eu perguntava pra ela o que era escravidão, aí ela dizia que era no outro
tempo. As pessoas pegavam os negros, só gostavam mais dos negros pra ser
escravo. Batia... apanhava muito, pra trabalhar pra ele. Pra os senhores [...].
Ela contava muito essa historia, ela dizia que esse negócio vinha de muito tempo
atrás [...] Só gostava dos negros. Pra que era pra ser escravo deles... Pra trabalhar de
graça pra eles e até apanhava que o coro dos pinhaço largava (D. Maria de Lourdes
Tenório cândido, 2009)
Memórias da escravização negra não são as únicas que as mulheres narram, é
interessante destacar que, por ocasião da realização da pesquisa PROPESQ a cada entrevista,
quando questionadas sobre outras pessoas que poderiam contar a história da comunidade as
mulheres apontavam apenas outras mulheres e, nas histórias narradas, a figura feminina
comumente protoganizava.
Esse protagonismo apareceu inclusive em situações nas quais os homens
frequentemente aparecem como figura central, a exemplo do lugar de permissão/autoridade
para namoro das filhas conforme observamos na fala a seguir:
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seria. Você vai namorar com ela. Mas você ta vendo a cor dela... Num ta?. Sua mãe
é branca. Sua família é branca e ela é pretinha. Agora num venha praqui criticar dela
não que eu num tenho ela pra criticar não. Eu tenho ela pra casar.... E respeitar, viu?
E, aqui é assim... Assim... Assim... Assim... Assim... (Maria Pereira dos Santos,
2009).
Alguma algo que eu sei foi da minha mãe. Então minha sogra quando eu cheguei
praqui era pessoa já muito velhinha [...] ela foi nascida aqui. Ela nasceu aqui e
contava muita historia assim das coisas que se passava.Que já se passou dos tempos
dos pais dela [...] Era muita, muita coisa ela me contava (Maria Pereira dos Santos,
2009).
E aqui era todo mundo carente. Muita gente chegava perto deu “Ohw! Maria me dá
uma coisinha ai” Oxe! Num tinha demora [...] Eu já fazia de sobra [...] Muita gente
chegava com a baciinha e sentava no pé da parede comia e enchia a barriga... Muitos
deles que era carente mesmo [...] E eu conversava com ele e ele era um
prefeito que vinha muito na minha casa. Aí eu disse “João Cabral... Tá acontecendo
um negócio aqui... e eu preciso falar com você [...] e ele disse dá de beber a quem
tem sede” (D. Maria de Lourdes Tenório cândido, 2009)
Dona Maria de Lourdes, conta como a partir desse episódio a “merenda da escola”
passou a vir em grande quantidade sendo suficiente para alimentar um número maior de
pessoas do que os estudantes.
A partir dessas falas captadas entre temas diversos tratados por ocasião da pesquisa
PROPEQ, observamos indícios de que na comunidade remanescente quilombola do Grilo, as
mulheres ocupam lugares de protagonismo que merecem ser compreendidos e que podem
lançar luz para nossa sociedade ainda marcada pelo machismo e sexismo.
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como, escola, cisternas e associação, haja vista que as mesmas foram narradas por mulheres
que rememoravam outras, fazendo emergir outros indícios de uma história de luta
protagonizada por mulheres negras do espaço rural.
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Pesqui. [online]. 1994, n.49, pp. 51-54. ISSN 0100-1574.
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Pessoa, 2011.
CHARTIER, Roger. A HISTÓRIA CULTURAL: entre práticas e representações.
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MARQUES, Eliane Cavalleiro e Ana. Políticas públicas, desigualdades raciais e de gênero:
repensando valores, princípios e práticas. IN: Congresso Fazendo Gênero, Corpo, Violência
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MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade.
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MOURA, Clóvis. QUILOMBOS: Resistência ao escravismo. São Paulo: Ática. 1987.
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PINSKY, Carla (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
FONTES ORAIS
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INTRODUÇÃO
Tem-se observado ao longo dos anos na sociedade caxiense que o modelo da mulher
ideal é a mulher esposa, mãe e dona de casa. Esta na maioria das vezes era envolvida em um
discurso que a taxava como sexo frágil. Desta forma, não poderia frequentar o mesmo
ambiente que o homem, uma vez que corria o risco de se envolver com o mesmo caindo em
perdição. A mulher deveria se dedicar única e exclusivamente a família, até mesmo as
aspirações desta deveriam ser direcionadas a família já que tinham de estar relacionadas ao
matrimônio e aos filhos.
Entretanto, chegou-se a um momento em que ela sente a necessidade de sair do espaço
privado para o público. Ela passa a lutar para ter os mesmos direitos que o homem chegando a
obter algumas vantagens. Embora a mulher tenha conseguido assegurar alguns direitos ao
longo dessa luta percebe-se que ainda existem muitos tabus a serem quebrados em relação à
mulher e a sua participação na sociedade.
Inicialmente analisam-se algumas fontes bibliográficas que abordam a temática,
atentando para os discursos envolvidos nas mesmas sobre o papel da mulher na sociedade. Em
seguida busca-se compreender o espaço privado e público, mostrando que o privado ao longo
dos anos foi reservado a mulher, a qual estava sob a dominação masculina tendo que se
submeter ao homem sem contestar ou manifestar sua insatisfação.
Já o espaço público estava reservado ao homem, este ao contrário da mulher poderia
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adentrar a esta esfera e resolver tudo aquilo que era de natureza pública, além de ser o único
provedor da família e responsável pelas decisões desta, até mesmo no âmbito doméstico. E,
finalmente enfatiza os espaços conquistados pela mulher, mostrando que a luta da mesma
durante vários anos valeu a pena já que ela conseguiu conquistar e assegurar vários direitos.
A história é construída tanto por homens quanto por mulheres, entretanto, isto nem
sempre foi percebido pela sociedade, a qual relegava a mulher a um segundo plano
considerando-a como ser inferior.
Desde o emergir da humanidade a mulher vem sendo considerada como sexo frágil,
incapaz de desenvolver certas habilidades tidas até então como pertinentes ao homem. Esta ao
longo dos anos vem lutando em busca da sua inserção no espaço público, tendo em vista que a
sociedade via a mulher como um ser que não tinha uma função social, a sua participação
social se fazia apenas através da família.
Sua função na sociedade era única e exclusivamente cuidar da casa, do marido e dos
filhos. Ela não devia opinar nos assuntos do esposo, tinha que se dedicar aos afazeres
domésticos e a educação dos filhos, principalmente das meninas para que futuramente se
tornassem boas mães e boas donas de casa.
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Por muito tempo as diferenças de gênero permearam por toda a sociedade, princípios
morais culminaram fortes discriminações em torno da figura feminina. Assim, esta visão
preconcebida da sociedade que perdura a muitos anos tem servido para excluir a mulher da
vida pública.
509
“O público restringe-se ao político, inclua-se nele, ou não, a esfera civil ou apenas o estado; o privado, por
outro lado, é conotado com o mercado, com o interesse individual, com o não coletivo” (ABOIM, 2012, p.2).
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pelos limites que o cuidado com a família implica, seja pelo tempo, seja pela
qualidade disponibilizada desse cuidado e também pela divisão sexual de trabalho
(CASTILHO; MARIUCCI, 2011, p. 10).
À mulher estava reservado cuidar da família e do lar, até mesmo nos escritos
historiográficos a figura feminina até pouco tempo não tinha espaço. Isso porque a história
estava voltada para os feitos masculinos considerando o feminino como subalterno e
analisando-o fora da mesma. A mulher passava despercebida na história, é como se esta não
desempenhasse nenhum papel relevante na sociedade, desta forma, pode-se analisar que esta
ficava sempre no não dito.
Para entender como ocorreu a passagem da mulher do espaço privado para o público é
necessário compreender como se deu a construção da relação de domínio do homem sobre a
mulher na sociedade, tendo em vista que “é no seio social que são construídas as relações de
poder e hierarquia [...]” (SILVA, 2010, p. 16). Sabe-se que a subordinação da mulher ao
homem é resultado de um processo cultural de longa data.
A representação da mulher na sociedade está associada à fragilidade, sexualidade,
maternidade e aos trabalhos domésticos, mas essas concepções estão sendo desconstruídas
pelos movimentos feministas. Ressalta-se que no século XIX, embora o mundo moderno
tenha atribuído à mulher funções próprias do domínio privado através dos cuidados dos filhos
e ao mesmo tempo concedendo ao homem assuntos políticos e econômicos próprios do
domínio público a mulher neste momento passa a frequentar alguns ambientes proibidos,
mesmo que de forma limitada.
Mas mesmo com todas as dificuldades elas resistiram e continuaram em busca de seus
direitos, o que não foi fácil conseguir. Neste sentido, é possível observar que elas foram muito
persistentes, chegaram até a se envolverem em manifestações de cunho trabalhista.
Pode-se observar que a mulher, embora com a proteção de seus companheiros, está
inserida em movimentos de reivindicações sociais, onde é possível perceber que a mesma está
mais preocupada com o bem estar de todos sem distinção de sexos do que com suas
aspirações.
Historicamente as mulheres foram subjugadas ao homem. Mas na sociedade ocidental
ocorreram significativas mudanças no modo de ver essas mulheres, que aos poucos
conseguiram conquistar seu espaço, principalmente após a industrialização, onde ocorreram
várias transformações, não só na economia como também na estrutura social. Começa a se
formar os grandes centros urbanos e as necessidades que emergem com o êxodo rural, pois
como sabemos no Brasil predominava a vida rural, assim os aspectos da modernidade só se
tornaram significativos no século XIX quando aconteceram transformações sociais
importantes, tanto na organização familiar quanto nas novas atribuições da mulher.
No início do século XX é possível observar os primeiros passos da mulher do espaço
privado para o público, com a constituição de 1934, que concede o direito de votar e ser
votada, mas de forma tímida e com algumas limitações.
As mulheres lutaram constantemente para conquistar seus direitos, isto pode ser
percebido no movimento feminista, o qual aconteceu em três fases. Na primeira fase as
mulheres reivindicavam o direito de participar da vida pública, tendo em vista que elas assim
como os homens reúnem todas as habilidades necessárias para se inserirem no mercado de
trabalho. Na segunda fase defendiam a ideia de que não são inferiores aos homens muito
menos iguais a eles, ou seja, elas possuem sua própria capacidade podendo desenvolver com
competência as atividades que lhes forem incumbidas. Na terceira fase as mulheres exaltaram
as diferenças como um direito de diferirem dos homens, uma vez que possuem habilidades
próprias.
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Esta era a atividade desenvolvida por mulheres mais aceita pela sociedade caxiense.
Desta forma, é relevante frisar que a mulher sempre esteve envolvida em um processo
histórico cheio de representações, onde:
alcançando seu espaço deixando de ser uma mera sombra do homem para adquirir direitos
sociais, políticos e econômicos. “Cuidar da casa deixou de ser o único afazer de quem, hoje,
precisa dividir o tempo o ser mãe e ser profissional.” (CANTANHEDE 2003, p. 1). Elas
conquistaram vários direitos como, por exemplo, o de decidir sobre seu próprio corpo,
assumindo diferentes papéis e funções dentro da sociedade.
Não estão mais caladas aceitando as imposições masculinas, já adentraram aos espaços
públicos, estão denunciando os maus-tratos com mais frequência, até mesmo no espaço
privado elas conseguiram adquirir poder, tendo em vista que as mesmas já podem decidir
dentro do âmbito familiar questões antes inaceitáveis pela sociedade.
Desta forma, percebe-se que as mulheres ao longo dos anos não desistiram de lutar por
seus direitos, resistiram à dominação dos homens e a visão preconcebida da sociedade sempre
lutando para assegurar seus direitos, principalmente o de participar da esfera pública assim
como eles.
Pesquisas mostram que o período entre 2000 e 2010 foi decisivo para a
transformação do mercado de trabalho em favor do sexo feminino. O crescimento da
participação das mulheres na população ocupada – ou seja, que trabalha e produz
renda – é quase sete vezes maior que o dos homens (CANTANHEDE 2003, p. 1).
Esse é apenas um exemplo de uma das muitas mulheres que desempenham funções
que são consideradas masculinas. Assim pode-se afirmar que a mulher nas últimas décadas
tem se destacado de forma significativa no espaço público, embora a sociedade ainda não
esteja totalmente a favor desta participação ela vem conseguindo assegurar seus direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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no Brasil: uma trajetória do espaço privado ao público. Psicologia Política, 9(17), 85-99.
2009.
CANTANHEDE, Luana Karla Noronha. A mulher na atualidade. In: Jornal Pequeno, 2003.
CASTILHO, Cleide de Fátima Viana; MARIUCCI, Elza Marques da Silva. A participação
política e a família no contexto do público e do privado. In: Anais II Simpósio Gênero e
Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto
de 2011. GT3- Gênero e Família – Coordenadora Cássia Maria Carloto.
PEREIRA, Ana Paula Alves. As pipiras da fábrica: a operária sob o olhar da sociedade
caxiense de 1950. In: Percorrendo becos e travessas: feitios e olhares das histórias de
Caxias. Teresina: Edufpi, 2010.
SILVA, Regiane Pinheiro da. Trabalho e condição da mulher caxiense: a passagem do
espaço privado para o público (1950 – 1960) Caxias-MA: CESC/UEMA, 2010. (Monografia
apresentada em 2010)
SOIHET, Rachel. História das mulheres. In: Domínios da história: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
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INTRODUÇÃO
A velhice aos poucos passou a ser vista também como um momento da vida no qual
pode se viver com prazer, satisfação, satisfação pessoal, de maneira mais madura e
também produtiva. Em face desta nova visão, passaram a ser buscadas novas postura
de atendimento e de oferta de serviços e de atividades, compatíveis com a novas
510
Professora da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG do Centro de Formação de Professores/CFP,
Cajazeiras e membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígena e de Gênero/NEABIG.
511
Professora da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG do Centro de Formação de Professores/CFP,
Cajazeiras e membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígena e de Gênero/NEABIG.
512
Doutoranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da
Paraíba/UFPB e membro colaboradora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígena e de Gênero/NEABIG
da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG.
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Essa categoria foi ganhando outras denominações, tais como, terceira idade, melhor idade e até feliz idade,
conforme a dinâmica socioeconômico no tempo e no espaço. (BRITTO DA MOTTA, 2012).
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Nos quilombos, há uma dinâmica que perpassa pelas vivências das pessoas mais
idosas, suas experiências/vivências pessoais e lembranças são elementos de valor para todos
os membros da comunidade, através dos quais é possível se espelhar positivamente, gerando
conhecimentos e práticas políticas, artísticas, culturais, educacionais, entre outros. Em
determinados grupos, neste caso quilombolas, as mulheres por sua vez tem sido o grande e
forte elo de memórias. Elas acabam assumindo essa função de ser a memória do grupo e,
também, tornando-se responsáveis por tecerem redes de sociabilidades entre si e outros que
vem de fora. Assim, são protagonistas de seus feitos e práticas sociais e culturais ao longo do
tempo e continuam sendo parte representativa nos grupos em que estão inseridas e guerreiras
da luta diária. Isto as registram na história como grande referencias de resistência e
preservadoras da vida do grupo.
514
Neste caso tomamos como referência Aqualtune Ezgondidu Mahamud da Silva Santos, princesa africana que
capturada e vendida como escrava no Brasil no século XVII, importante referencial de participação e
protagonismo feminino na luta pela vida e resistência ao cativeiro e ao sistema de escravidão no Brasil, ela foi
uma grande líder feminina quilombola que conseguiu marcar presença na história do seu povo (SCHUMAHER e
BRAZIL, 2000; 2007).
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memória viva do grupo e da cultural material e imaterial, mas trazem consigo também a
discussão para o campo político do ponto de vista da melhoria da qualidade de vida e de
existência, principalmente da urgência de políticas públicas mais efetivas para as mulheres
quilombolas em particular (considerando estas como um grupo mais vulnerável de condições
materiais) que garanta uma vida mais descente (saneamento básico, saúde, educação, trabalho,
e outras necessidades), quanto para toda a comunidade em geral, pois suas lutas ora
individuais e/ou coletivas visam um único objetivo melhorar as condições de vida de toda a
comunidade quilombola.
Neste sentido, este artigo tem como objetivo suscitar reflexões sobre esta vida
particular que se dá no centro das comunidades quilombolas, tendo por base a história de vida
de indivíduos idosos destas. A metodologia por nós adotada aporta-se na análise dos registros
a partir das falas registradas – em gravador de áudio – e das observações proferidas no interior
das Comunidades Quilombolas do sertão paraibano.
[...] estou, de fato, convencido de que tais omissões, voluntárias ou não, suas
deformações, suas lendas e os mitos que elas veiculam, são tão úteis para o
historiador quanto as informações que se verificaram exatas. Elas nos
introduzem no cerne das representações da realidade que cada um de nós se
faz e são evidência de que agimos muito mais em função dessas
representações do real que do próprio real (mesmo em um nível intelectual
bem elevado). (JOUTARD, 2009, p. 34-35)
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
Um fato que despertou atenção nas reuniões é a ausência dos jovens nas tomadas de
decisões das comunidades, a hierarquia das idades é bastante visível, sendo os(as) idosos(as) o
que possuem papel de destaque, pricipalmente as mulheres como referencial desse elo da
comunidade na luta por visibilidade e na busca por políticas públicas que atendam melhor as
necessidades da comunidade.
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Eles acham muito bonito, né, daqui, da cidade de Triunfo, acham muito bonito. E a
gente é muito esforçada pra ir pra qualquer lugar, sempre eu e ela, sempre eu e ela, e
a secretária, as três que põe o pé no chão, temos coragem, não vamos desanimar...
(...) [Quilombola de 64 anos]
A comunidade rural dos Rufinos é liderada por uma idosa, que com muita luta tem
conseguido manter viva a cultura negra em diversas atividades culturais na cidade de Pombal,
o artesanato é passado de mãe para filha e elas participam de várias feiras de artesanato locais
e regionais. A religiosidade é um marco nesta comunidade e eles/elas são muito envolvidos
com a igreja católica local.
manter a cultura material e imaterial como é o caso da dança, das memórias, mas também a
própria existência enquanto comunidade quilombola no/do alto sertão paraibano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os idosos e as idosas não perdem a sua função social, como acontece em outros
grupos de nossa sociedade, ao contrário, são cada vez mais valorizados e respeitados. O
empoderamente destes se expressa na participação ativa em todas as atividades do grupo, no
vigor do desempenho das atividades culturais e na alegria de viver destas pessoas.
Algumas vezes os(as) idosos(as) são, sutilmente, apontados como responsáveis pelo
“rombo” na previdência e no alto custo nas despesas de saúde do país. Mas, a Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia publicou uma carta aberta à população brasileira, onde
afirma que:
Infelizmente, nosso país ainda não está preparado para atender às demandas dessa
população. A Política Nacional do Idoso assegura, em seu art. 2º, direitos que
garantem oportunidades para a preservação de sua saúde física e mental, bem como
seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social em condições de liberdade
e dignidade. Apesar de avanços, como a aprovação do Estatuto do Idoso, a realidade
é que os direitos e necessidades dos idosos ainda não são plenamente atendidos. No
que diz respeito à saúde do idoso, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não está
preparado para amparar adequadamente esta população. (FREIRE NETO, 2014)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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das Letras, 1994.
BRITTO DA MOTTA, Alda. As dimensões de gênero e classe social na análise do
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BRITTO DA MOTTA, Alda. Mulheres Velhas. Elas começam a aparecer... In: PINSKY,
Carla Bassanezi e PEDRO Joana (orgs.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:
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FREIRE NETO, João Bastos, (2014) CARTA ABERTA À POPULAÇÃO BRASILEIRA.
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515
GOMES, Flávio; QUEIROZ, Jonas Marçal. “Em outras margens: escravidão africana, fronteiras e etnicidade
na Amazônia”. In PRIORE, Mary del; GOMES, Flávio. In Os senhores dos rios: Amazônia, margens e história.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
SALLES, Vicente. “A escravidão africana e a Amazônia”. In O negro na formação da sociedade paraense.
Belém: Paka-Tatu, 2004.
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elas, em formação, identidade e cultura. O contexto histórico para a abordagem inicial está
centrado na instituição do Estado Novo e na luta pela liberdade de culto afro-religioso.516
Contudo, a repercussão das ações femininas alcança uma dimensão bem maior. A dimensão
das relações familiares entre gerações diferentes.
Bruno de Menezes, Nunes Pereira e Dalcídio Jurandir fazem referências, em suas obras,
a suas respectivas mães. Todas como pessoas de grande importância frente a inserção deles no
mundo da cultura negra paraense. Bruno de Menezes faz isso através de uma dedicatória a sua
mãe Balbina; Nunes Pereira, citando sua mãe biológica (Felicidade) e sua mãe espiritual
(Andresa) em seus livros e entrevistas; e Dalcídio Jurandir traduzindo sua mãe Margarida na
personagem Amélia, presente em parte de suas obras literárias. Em cada uma destas,
diferentes elementos de identidade cultural aparecem e associam os autores a um mundo
lúdico ou religioso de origem negra.
Nascida ainda no tempo da escravidão, em 4 de dezembro de 1876, em Belém do Pará,
a mãe de Bruno de Menezes se chamava “Dona Maria Balbina da Conceição Menezes, (na
intimidade Mãe Balbina)”.517 Passou os últimos dias de sua vida no bairro do Jurunas,
subúrbio famoso pela forte presença negra. Faleceu em 24 de agosto de 1948, no mesmo ano
da liberação dos batuques na gestão de Paulo Eleutério Filho como chefe de polícia do Pará.
A primeira edição do livro Boi-bumbá, de Bruno de Menezes, foi lançado dez anos após a
morte de sua mãe, em 1958. No livro, o autor homenageia sua falecida mãe Balbina através de
uma dedicatória que soa como um reconhecimento sincero de um aprendiz diante de sua
mestra. Escreve:
Todos os assuntos listados por Bruno, em sua dedicatória, estiveram relacionados com
516
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. “Gladiadores de escassa musculatura”: sociabilidade, literatura e
responsabilidade intelectual na Amazônia". Belém: IAP, 2014.
517
Bruno de Menezes. “Boi-bumbá – Auto popular”, in Obras completas de Bruno de Menezes, Belém, Secult,
1993, volume 2, Folclore, p. 39.
518
Idem, p. 38.
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sua vida e produção intelectual antes e após o movimento de 1938, pela liberdade de culto no
Pará519. Em Boi-bumbá, na página seguinte à dedicatória, o autor colocou uma fotografia da
mãe Maria Balbina com uma pose que faz lembrar a postura de uma sacerdotisa de terreiro.
Era uma pose de nobreza. O braço direito sobre a mesa; a mão esquerda sobre a perna
esquerda; e um olhar, que deveria ser para a máquina, ligeiramente desviado para outra
referência. O vestido, de mangas longas, não parece ser de utilização cotidiana. Com um
medalhão no peito, a vestimenta sugere um clima formal de preparação para o retrato. No
ambiente da fotografia aparece uma mesa coberta por uma toalha estampada. Sobre ela um
vaso aparentemente metálico contendo uma pequena palmeira, semelhante à folha de açaí. No
chão, no seu lado direito, também aparece outra palma de açaizeiro. Ao fundo, a parede de
madeira situa a condição social de Mãe Balbina. Moradora do subúrbio, ela habitava uma casa
simples como outras famílias negras da capital do Pará.520
Alonso Rocha, biógrafo de Bruno de Menezes, confirma a importância da mãe na vida
cultural do autor. Comentando sua educação livre, no bairro do Jurunas, Rocha descreve a
intensa presença de elementos da cultura negra em sua criação, da infância até a adolescência.
O pai, o pedreiro cearense Dionízio Cavalcante de Menezes, parece fazer parte apenas da fase
inicial de sua formação. Depois outros homens assumiriam o papel paterno, sempre sob o
olhar de mãe Balbina. Conforme Alonso Rocha:
519
LEAL, Luiz Augusto Pinheiro. “Gladiadores de escassa musculatura”. Op. cit.
520
O livro de Bruno consistia no amadurecimento do mesmo estudo apresentado no I Congresso Brasileiro de
Folclore, em 1951, no Rio de Janeiro. In: Anais do 1º Congresso Brasileiro de Folclore, (Rio de Janeiro, de 22 a
31 de agosto de 1951), Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1953, Vol. III, p. 33 e 34.
521
Alonso Rocha, “Bruno de Menezes: traços biográficos”, in Alonso Rocha et AL, Bruno de Menezes ou a
sutileza da transição: ensaios, Belém, CEJUP/UFPA, 1994, p. 9.
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desde os primeiros momentos que passou a conhecer o mundo fora de casa. O maranhense
João Golemada é o mesmo amo de boi que, em 1905, morreu em um dos inúmeros combates
entre grupos de boi-bumbás. Sua morte acabou sendo utilizada como justificativa para a
proibição definitiva da saída dos bois à rua. A partir desse momento os membros do folguedo
somente poderiam brincar nos seus respectivos currais.522 De qualquer modo, era a sua mãe
que Bruno de Menezes reconhecia, naquele ano de publicação do seu estudo sobre o boi-
bumbá, como a maior influência para a escrita daquele trabalho.
Tal como Bruno, Nunes Pereira também ressalta, em uma de suas mais conhecidas
obras, a importância da presença feminina em sua formação. Ao escrever A Casa das Minas,
faz referência à vantagem de sua aproximação familiar com o referido centro religioso devido
ser filho de uma de suas integrantes. Sua mãe, Feliciana Nunes Pereira, facilitaria seu acesso e
convivência no espaço sagrado do terreiro e, devido à sua condição de religiosa, influenciaria
profundamente sua formação.
Minha ligação com a Casa das Minas, vem do fato de minha mãe ter sido iniciada no
culto vudu, ela era uma noviche, uma sacerdotisa ou, como se diz na umbanda, uma
filha de santo. Na minha obra lá está o nome dela - Felicidade Nunes Pereira - e isto
também consta no filme. O santo de minha mãe, seu vudu, é Poli Bogi, que
juntamente com Zanadone são as figuras mais representativas do panteon minajêgê.
Zanadone, no entanto, já não baixa mais no terreiro, senão episodicamente, e quando
o faz é uma divindade violenta.523
Apesar de ter a mãe biológica diretamente vinculada à Casa das Minas, Nunes Pereira
também possuía referência materna em outra pessoa. Tratava-se da identificação espiritual
que passou a ter com a liderança do terreiro que melhor conheceu: mãe Andresa Maria, a
nochê (sacerdotisa) do Tambor de Mina do Maranhão. Andresa Maria de Sousa Ramos
nasceu em Caxias, no Maranhão, em 1855, e faleceu na mesma cidade em 20 de abril de
1954, com 99 anos de idade. Dirigiu a Casa das Minas por cerca de 40 anos.524 Nunes Pereira
informa que mãe Andresa teve “dois nomes africanos: o de Rotopameraçulème, que lhe coube
522
Luiz Augusto Pinheiro Leal, “Capoeira e boi-bumbá: territórios e lutas da cultura afro-amazônica em Belém
(1889-1906)”, in Lígia T. L. Simonian (org.), Belém do Pará: História, cultura e sociedade, Belém, Editora do
NAEA, 2010, p. 242-3.
523
“O culto vudu no Brasil: a visão de um documentário (Entrevista do Professor Nunes Pereira a Sérvulo
Siqueira)”, O Globo, 25 de agosto de 1977, p. n/localizada.
524
Sérgio Figueiredo Ferretti, Querebentan de Zomadonu, 3ª Ed., Rio de Janeiro, Pallas, 2009, p. 65.
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depois de ser feita, e o de Roionçama, que os Voduns lhe davam anteriormente a essa
iniciação”.525 A admiração que ele tinha por mãe Andresa, além de aparecer nos depoimentos
que constam em seu livro, também se revela pelo lugar em que ele inseriu a foto daquela
senhora por ocasião da publicação da segunda edição de A Casa das Minas, em 1979. Na capa
aparece mãe Andresa em uma pose bastante significativa de sua personalidade. Sentada em
uma cadeira de balanço de palha, fumando um longo cachimbo, mãe Andresa parece ter sido
surpreendida em uma situação cotidiana e informal. Nunes Pereira identifica a fotografia
como “o último retrato da ‘Dona da Casa’ (Andresa Maria)”.526 Somente sua intimidade do
autor com a aquela nochê e com a casa permitiria tal intimidade.
Comentando a experiência com a Casa das Minas em sua infância, Nunes Pereira parece
expressar o pensamento que poderia ter experimentado ao contemplar o retrato de mãe
Andresa:
Entre quatro e seis anos, na minha meninice, passei vários meses nessa casa. Hoje
em dia passo lá apenas algumas horas, toda vez que vou a São Luís, rodeado de
velhinhas ou diante de mãe Andresa Maria, que não é uma africana pura, mas como
descendente de Negros puros ainda conserva nas suas linhas físicas o vigor e a graça
das mulheres do Continente Negro e a envolvente doçura dos velhos que nunca
foram maus.
A Casa tem uma alma, naturalmente; nem todos a vêem, decerto, mas todos a
pressentem. Essa alma deve ser semelhante à de Andresa Maria, porque toda casa se
assemelha, em geral, aos seus donos. De uns reflete a harmonia, a serenidade, o
asseio, a paz interior; de outros a desordem, a agitação, o desleixo, a luta. A Casa
das Minas, a Casa de Andresa Maria ou a Casa de Mãe Andresa reflete a alma
africana que a alma daquela velhinha, posta diante dos meus olhos, herdou e
conservou, sem deformações, até a geração que aí está.527
Nunes demonstra uma reverência muito grande a mãe Andresa. Tanto que depois que
ela faleceu, sua atenção continuou voltada para a Casa das Minas. Tal como Bruno de
Menezes, Nunes Pereira não parecia estar refletindo apenas a respeito da mulher negra
escravizada. Havia algo pessoal que tornava bem próximo da experiência dele, homem negro,
com a experiência negra feminina.
Com Dalcídio Jurandir a situação não foi tão diferente.
525
Nunes Pereira, “Caderno iconográfico”, in A Casa das Minas: o culto dos voduns jeje no Maranhão, 2ª ed.,
Petrópolis, Vozes, 1979, fig. 42.
526
Idem.
527
Pereira, A Casa das Minas, op. cit., p. 21.
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Filho de mãe negra e pai branco, Dalcídio Jurandir não deixou de abordar a questão
racial em suas obras. Como a maioria dos seus romances é citada como parcialmente
autobiográficos, o autor rememora sua infância e juventude através do personagem Alfredo,
cuja mãe é negra e o pai branco, tal como em sua vida real.528 Outras semelhanças entre sua
vida e a dos personagens se encontram ao longo de seus romances. Por isso, torna-se possível
desenvolver uma interpretação voltada para sua identidade racial, mas partindo de elementos
presentes em boa parte de seus romances.
É em Chove nos campos de Cachoeira que Dalcídio lança dois personagens que se
farão presentes ao longo da maioria dos seus livros.529 Amélia e Alfredo, mãe e filho, terão
suas ações construídas, em grande parte, em torno de suas identidades raciais. O eixo da
questão é a angústia de Alfredo por ter nascido mulato e rejeitar, a princípio, a cor da mãe. A
rejeição era motivada especialmente pelos limites à mobilidade social na vila de Cachoeira
devido ao racismo herdado das relações escravocratas e patriarcais. O pai havia sido
funcionário de prestígio em um órgão público local. A mãe, contudo, foi morar com ele, a seu
convite, com a finalidade de ser sua cozinheira. Era uma forma de iniciar um casamento entre
grupos raciais distintos. Na vida real, o pai de Dalcídio, Alfredo Nascimento Pereira, era
paraense, filho do português Raimundo do Nascimento Pereira, um militar condecorado por
D. Pedro II como Cavaleiro da Ordem da Rosa, honraria amplamente distribuida na época.
Sua mãe, Margarida Ramos, também paraense, era filha de Florentino Ramos, ex-escravo.530
A mãe do personagem Alfredo, na descrição de Dalcídio, é bastante caracterizada por
sua negritude física e cultural. “D. Amélia era uma pretinha de Muaná, neta de escrava,
dançadeira de coco, de isguetes nas Ilhas, cortando seringa, andando pelo Bagre, perna tuíra,
apanhando açaí, gapuiando, atirada ao trabalho como um homem.”531 Quando o major
Alberto, já viúvo, se interessa por ela, apresenta-lhe o convite para que fosse morar com ele
em seu chalé em Cachoeira. O convite era para que ela fosse cozinhar para ele. Suas filhas,
quando souberam, ficaram escandalizadas com a escolha do pai. Tentaram convencer Amélia
a não aceitar o convite. Afinal, ela não passava de: “uma pretinha. Se ainda fosse pessoa de
528
Furtado, Universo derruído, p. 40-1.
529
Dalcídio Jurandir, Chove nos Campos de Cachoeira, 3. ed., Belém, Cejup, 1991.
530
Nunes et all. Dalcídio Jurandir; p. 22.
531
Jurandir. Chove, p. 78.
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qualidade... Mas uma pretinha de pé no chão! Quem logo! Seu pai estava de cabeça virada
para uma negra. Uma cortadeira de seringa! Com filhas moças e amigado com uma preta que
virava mundo pelas Ilhas!”532
A reação indignada expressava toda a violência do racismo presente naquela pequena
vila marajoara contra a escolha de uma mulher negra para companheira de um homem branco
de razoável prestígio. Além das filhas do major, outras mulheres de famílias decadentes, mas
que haviam experimentado riqueza no passado, também se indignavam com o que lhes
parecia um grave paradoxo. Enquanto elas passavam grandes dificuldades financeiras, até
mesmo em relação à alimentação, imaginavam que Amélia desfrutava uma situação
privilegiada em um lugar que não lhe pertencia. A acolhida de Amélia por parte do major
Alberto era uma afronta para a sociedade cachoeirense, em particular pelo motivo de sua cor.
Em uma conversa entre dois personagens, Dejanira, uma senhora que vivia a fase da
decadência de seus prestígios, lamenta os supostos privilégios de Amélia: “Aquela preta passa
bem na casa dela. Afrontando a sociedade com aquela preta. Uma preta. Rapariga”.533
Os diferentes insultos raciais expressos pela indignada representante da família
decadente revelam que estavam ocorrendo mudanças sensíveis nos costumes sociais no
Marajó, mas não na mentalidade das antigas famílias escravocratas. É nesse clima de duro
preconceito racial que nascem os filhos do inusitado casal. Alfredo, que logo se tornaria um
personagem destacado nos romances de Dalcídio e seria sua autorepresentação, não escapa da
perseguição racial praticado na comunidade. Mesmo tendo nascido com a pele mais clara que
a mãe, a descendência de uma descendente de negros se reflete nos conflitos de identidade
racial que o pequeno mulato sofre no cotidiano.
Alfredo achava esquisito que seu pai fosse branco e sua mãe preta. Envergonhava-se
por ter de achar esquisito. Mas podia a vila toda caçoar deles dois se saíssem juntos.
Causava-lhe vergonha, vexames, não sabia que mistura de sentimentos e faz-de-
conta. Por que sua mãe não nascera mais clara? E logo sentia remorso de ter feito a
si mesmo tal pergunta. Eram pretas as mãos que sararam as feridas, pretos os seios, e
aquele sinal pretinho que sua mãe tinha no pescoço lhe dava vagaroso desejo de o
acariciar, beijando-lhe também os cabelos, se esquecer do caroço, do colégio, das
feridas, da febre, dos campos queimados avançando para a vila dentro da noite no
galope do vento. Ficar assim como se pela primeira vez, de repente, compreendesse
que tinha mãe, a primeira e real sensação que era filho, de que brotara, de súbito,
532
Idem, pp. 78-9.
533
Idem, pp. 136-7.
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A gratidão pelos cuidados e afetos da mãe já era um indício da direção que Alfredo
tomaria em relação à valorização de Amélia. Mas, se a convivência na intimidade do lar o
fazia reconhecer a importância e o valor materno, no espaço público a tensão racial se
inflamava. Amélia nunca saía à rua com o pai de Alfredo e nem frequentava as festas da
sociedade local. De qualquer modo, o despertar de Alfredo para a valorização da cor da mãe
só vai aparecer com maior definição no terceiro romance de Dalcídio, Três casas e um rio.535
Em certo momento, Alfredo acompanha sua mãe, à rua, na festa de São Marçal, durante a
quadra junina, e se depara com experiências inusitadas, que apresentam uma face até então
desconhecida de sua genitora. Ele não entendia muito bem porque apenas os dois haviam
saído. Notou, contudo, que a mãe estava diferente naquele dia. Decidida, ela levava o menino
para a festa de São Marçal. Lá haveria fogueira, boi-bumbá e muita alegria. E assim foi. No
terreiro, Alfredo conheceu alguns de seus parentes negros e passou a meditar sobre um mundo
novo que ele não conhecia. Para seu desespero, quando ocorreu um dos intervalos da
apresentação do boi-bumbá, a mãe entrou em ação. Estava completamente atuada e exigiu os
paramentos necessários para o prosseguimento do seu trabalho. “D. Amélia subitamente
apanhou o maracá de um índio, arrancou dos ombros de uma cabocla um pano azul, enfaixou
a cintura e surgiu no meio do salão, cantando e dançando, em passo lento.”536 Inicialmente
houve um assombro entre os presentes, mas logo a orquestra passou a acompanhar seus
cantos. Até que ela interrompeu e ordenou que apenas o violinista fizesse isso. Obedeceram.
A essa altura Alfredo morria de vergonha encostado a um canto. Contudo, quando ela
começou a cantar modinhas e lundus que ele conhecia, pois cantava as mesmas canções para
niná-lo, a situação mudou. Alfredo percebeu que ela estava no centro das atenções e conduzia
a festa como uma liderança respeitada. Isso mudou sua visão sobre a mãe. A noite acabaria
sendo inesquecível para Alfredo, pois além de encontrar outros parentes negros, sua mãe se
revelaria como verdadeira autoridade, por seus conhecimentos lúdicos e mágicos, entre os
534
Idem, p. 20.
535
Dalcídio Jurandir, Três casas e um rio, 3. ed., Belém, CEJUP, Belém, 1994, p. 92.
536
Idem, p. 131.
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brincantes de um boi-bumbá.537 A visão sobre sua mãe mudaria, assim como a que tinha sobre
si mesmo.
A experiência do menino Alfredo, bem mais detalhada, nos permite perceber elementos
comuns não apenas com a trajetória de Dalcídio, mas também com a de Bruno de Menezes e a
de Nunes Pereira. Infância, cultura, brincadeiras e religiosidade integram as experiências
desses meninos e os aproxima, entre si, a partir da influência materna negra.
Balbina, Andresa e Amélia foram mulheres negras que teriam suas trajetórias limitadas
às memórias familiares se não fosse a grande influencia que elas deixaram em seus filhos e
agregado. Quem teria sido Bruno, Dalcídio ou Nunes sem suas matriarcas inspiradoras? Cabe
observar que nenhum deles dedicou a mesma atenção para a figura paterna ou masculina.
Seriam herdeiros de mulheres independentes de relações convencionais? Talvez a memória
familiar de cada uma delas pudesse nos trazer outras respostas. Contudo, na inviabilidade de
tal ação, resta-nos deduzir que a influência sobre seus filhos foi fundamental pra a construção
de uma história cultural da Amazônia, com traços femininos. Uma história que coincide com
a trajetória, muitas vezes invisibilizada, de mulheres negras que foram a base de resistência e
formação da identidade de tantos outros sujeitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
537
Outras interpretações sobre o episódio foram apresentadas por Marcilene Pinheiro Leal, Identidade e
Hibridismo em Dalcídio Jurandir: a formação identitária de Alfredo, em Três Casas e um Rio, Dissertação de
Mestrado em Literatura, Belém, UFPA, 2008; Jose Fares, “Canto elegíaco do rio: a serpente em Três casas e um
rio, de Dalcídio Jurandir”, in Marcus Leite (org.), Leituras dalcidianas, Belém, UNAMA, 2006, p. 77.
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INTRODUÇÃO
Este artigo analisa o lugar social e os modos de vida de jovens africanas na diáspora na
cidade Fortaleza-CE. A partir de sua quadrupla condição – de mulheres, negras, africanas e
imigrantes, pretendo compreender as experiências e os dramas sociais dessas personagens,
interseccionado com as categorias de raça, sexo, etnia, escolaridade e trabalho. Por outro lado,
pretendo apresentá-las como exemplo de superação de adversidades em contextos
desfavoráveis – “resiliência” – numa metrópole brasileira racialmente hierarquizada, com suas
distinções de classe, sexo, gênero, religião, num cenário de dificuldades no acesso à
escolaridade e emprego. Em outras palavras, trata-se de compreender o sentido das
experiências de deslocamento dessas jovens imigrantes africanas. Neste cenário, impõem-se
várias questões: que mudanças a experiência de migração produz na vida e nas identidades
destas jovens mulheres? Como pensar suas inserções em uma sociedade hierarquicamente
racializada e sexista? Quais os seus lugares na estrutura social e como se dá a inserção social
dessas mulheres na sociedade de acolhida? Como ficam seus direitos humanos? Como esse
contexto social de discriminação racial e de gênero causa prejuízos à sua saúde psíquica e
psicossocial, afetando a sua autonomia cidadão? Faz-se necessário esclarecer que me ocupo
de mulheres africanas sob ponto de vista positivo, não como vítimas, mas como protagonistas
com capacidade de ação nas tramas da vida na diáspora, de superação de adversidades e de
538
Doutorando e Mestre em Sociologia, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza-CE. E-mail:
ercilio.langa@gmail.com.
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encontrar soluções próprias para o seu dia-a-dia. A condição estudante e pesquisador africano,
integrante desta diáspora entrevistando mulheres africanas de culturas próximas, certamente
que interfere na pesquisa. Assim, opto pela imparcialidade na análise e não mais pela
propalada “neutralidade científica”, conforme as ilações de Meihy e Holanda (2010) apud
Prestes (2013).
À rigor, muitos estudos sobre populações diaspóricas apresentam-nas como vítimas,
oprimidas, sem capacidade de “agência”. No cenário migratório estudantil em Fortaleza,
mulheres de distintos países africanos têm revelado capacidade de adaptação, levando consigo
a cultura, identidade e estruturas de seus países de origem, mesclando-as com os valores da
sociedade de acolhida. Relativamente à estrutura do texto, na primeira parte, analiso o lugar
social destas jovens mulheres africanas na diáspora na cidade de Fortaleza-CE, à luz das
contribuições teóricas de autoras feministas e diaspóricas. Depois, abordo sobre as
interpelações e ressignificações identitárias de raça, gênero e religião, bem como os processos
de resiliência educacional e laboral acontecidos. Por último, compreendo as experiências,
dramas vivenciados na diáspora, focalizando, em particular, suas sociabilidades e
afetividades, interseccionando com a quadrupla condição de mulheres, negras, africanas e
imigrantes.
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Pode o subalterno falar? O que deve a elite fazer para estar atenta à construção
contínua do subalterno? A questão da “mulher” parece ser a mais problemática nesse
contexto. Evidentemente, se você é pobre, negra e mulher, está envolvida de três
maneias. Se, no entanto, essa formulação é deslocada do contexto do Primeiro
Mundo para o contexto pós-colonial (que não é idêntico ao do Terceiro Mundo), a
condição de ser “negra” ou “de cor” perde o significado persuasivo. A estratificação
necessária da constituição do sujeito colonial na primeira fase do imperialismo
capitalista torna a categoria “cor” inútil como um significante emancipatório. [...]
Não é apenas uma questão de um duplo deslocamento, já que não é simplesmente o
problema de encontrar uma alegoria psicanalítica que possa conciliar a mulher do
Terceiro Mundo com a do Primeiro. (SPIVAK, 2010, p. 85).
É desse modo que na sua reflexão, Spivak (2010) enfatiza esta tripla condição de
opressão vivenciada por esses sujeitos subalternos silenciados – por serem “mulheres, pobres
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e negras, oriundas do Terceiro Mundo” – diante do mundo capitalista. Segundo esta acepção
da autora, ao ignorarem a condição das mulheres do Terceiro Mundo, os(as) intelectuais
contribuem para o radicalismo masculino. Assim, devemos aprender a falar sobre essas
mulheres historicamente silenciadas, bem como criticar o próprio discurso pós-colonial com
as melhores ferramentas que esse discurso produz.
Por sua vez, Brah (2011), outra mulher diaspórica, feminista, pós-colonial e “de cor”,
que destaco, aborda a questão das identidades das mulheres diaspóricas explorando as
categorias e interseccionalidades de raça, gênero, classe, sexualidade, etnia, geração, entre
outros. Sua experiência de vida é marcada pelo deslocamento, dispersão e vivência na
diáspora, nos “lares” em quatro dos cinco continentes: primeiro na Ásia, depois em África, em
terceiro na Europa e por último, nos EUA. Tais experiências de diferença, solidariedade e
identidade, tornaram-se significativas na sua vida e obra e, também tornaram complexo seu
sentimento de pertença nacional:
«Soy uma ugandesa de ascendência índia», conteste. Pareció satisfecho com mi
respuesta. Pero, por supuesto, él no podia ver que yo fuera ambas cosas. El cuerpo que
se encontraba ante él ya estaba classificado dentro das relaciones sociales,
atravessadas por el género, del sandwich colonial. Yo no podia sencillamente «ser».
Tenia que nombrar uma identidade, sin importar que el hecho de nombrarla ignorara
todas las otras identidades (de género, casta, religón, grupo linguístico, generación....).
Éstas nom tenían importância ne la entrevista. [...] Aunque sé, y sabia entonces, que el
«aspecto» tiene uma gran importancia em los regímenes coloniales de poder. El
aspecto importaba debido a la historia de la racialización de los «aspectos»; importaba
porque los discursos sobre el cuerpo habían sido cruciales para la constitución de los
racismos. Y el poder racializado operaba em y a través de los cuerpos. Además, dicho
poder se configuraba em jerarquias, no solamente entre las categorias de personas
dominantes y personas subordinadas, sino también internamente a dichas categorias;
esto es, entre los «indios» y los «africanos» en este caso. (BRAH, 2011, p.25).
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Em seus relatos, percebo que identificações como “pura feminina”, “negra”, “hetero” e
“católica” demonstram a existência de marcadores sociais de diferença entre as próprias
mulheres e, entre estas e a sociedade fortalezense, permeada por hierarquias de raça, sexo,
gênero e crenças religiosas. De fato, após certo tempo de vivência na diáspora em Fortaleza,
diante da alteridade racial e diversidade sexual e de gênero que permeiam a vida social
brasileira – bem como das distintas formas de discriminação, mas também de inclusão,
normalmente, por via da religião – ocorrem processos de “interpelações” raciais e
“ressignificações” identitárias entre as imigrantes. Nesses processos, as estudantes africanas
aderem a novas formas de identificação e de identidade: passam a assumir-se negras,
heterossexuais, estudantes e trabalhadoras e pertencentes às diferentes igrejas cristãs. Na
realidade, tais identificações e ressignificações identitárias são fruto do encontro com a
diversidade racial, sexual, religiosa e de gênero, revelando os “novos” modos de vida na
diáspora, a partir dos quais, essas mulheres passam a identificar-se ante a diversidade e
diferenças existentes. Dessa forma, as africanas são “interpeladas” com essas novas
modalidades de identidade.
OS PROCESSOS DE RESILIÊNCIA EDUCACIONAL E LABORAL
As mulheres africanas constituem minoria nessa diáspora estudantil internacional,
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Como recurso heurístico, escolhi três mulheres emblemáticas que vivenciam a realidade comum à maioria das
estudantes africanas nesta diáspora. E, para não as identificar, protegendo suas identidades, optei por utilizar
nomes fictícios africanos, mais especificamente, moçambicanos. Assim, passo a designar as três interlocutoras
deste item pelos nomes de Xiluva – cabo-verdiana de 31 anos, Nyeleti – 27 anos, de Guiné-Bissau e, Nanana –
24 anos, também bissau-guineense.
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maioritariamente, constituída por indivíduos do sexo masculino. Tal situação pode refletir a
existência de patriarcalismo e desigualdades de gênero em suas sociedades africanas, nas
quais, parte das famílias prefere investir na educação dos filhos do sexo masculino, em
detrimento das mulheres, por questões de herança e continuidade da linhagem familiar. As
sociedades africanas são caracterizadas pela desigualdade sexual e de gênero, onde as
mulheres circulam entre as famílias patriarcais. Assim, muitas mulheres são impedidas de
estudar e de trabalhar fora do lar, não têm direito à terra, à herança familiar, bem como ao
divórcio e, não podem recusar uma proposta de casamento. Em diversas sociedades africanas
há grandes pressões para que as mulheres se casem cedo, em contextos onde as mulheres sem
filhos têm ainda menos direitos do que aquelas com filhos. Os casamentos prematuros,
casamentos arranjados, uniões forçadas com homens mais velhos, assim como uniões após
estupro, ainda são práticas socialmente aceitas. Como também, as práticas de excisão ou
mutilação genital feminina parcial ou total, deixando apenas um orifício para a saída da urina
e do fluido menstrual, que retiram à mulher o direito ao prazer e satisfação sexual.
Para além do trauma, esta prática pode também provocar infecções, hemorragias,
complicações durante o parto e, em alguns casos a morte. À rigor, em muitas sociedades
africanas rurais e, particularmente aquelas com populações islamizadas, o acesso de mulheres
à educação, saúde e emprego ainda é deveras restrito. Mesmo diante desse contexto
desfavorável de violação de seus direitos humanos, as jovens africanas têm demonstrado
interesse pela educação e trabalho, procurando informações e se candidatando às vagas da
forma como podem, em percursos de persistência e luta. Vejamos, então, um dos relatos
acerca da experiência escolar e dos processos que as conduziu a migrar para estudos no
Brasil, movidas pelo desejo de cursar ensino superior:
Bom, eu vim aqui como estudante. Eu soube da oportunidade de estudos aqui no
Ceará através dos meus amigos. Aí fiz a matrícula, o menino fez a matrícula e
enviou o documento pra mim, aí eu pedi o visto e vim aqui estudar. Eu estou aqui no
Brasil, vou completar quatro anos no mês de Junho. Lá em Guiné eu estudei até a
11ª classe. Eu trabalhava com vendas numa loja. Atualmente, aqui, agora não estou a
estudar porque eu já terminei de fazer o curso técnico e estou sem dinheiro pra fazer
a faculdade, que é muito cara. A mensalidade é de 800 reais, 750 reais, depende da
faculdade. Tem de 600 reais. Eu quero entrar no curso superior, fazer faculdade, que
agora eu fiz o curso técnico. (Nyelete).
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comércio de roupas e calçados entre o Brasil e seus países de origem. Assim como, um
número significativo das estudantes africanas encontra-se matriculadas em cursos “técnico-
profissionais” que oferecem “estágios remunerados”, o que representam uma forma de
inserção no mercado de trabalho. Desse modo, parte significativa das mulheres africanas é
atraída para os cursos de enfermagem e administração porque, ainda a meio do curso,
conseguem empregos como técnica de enfermagem, enfermeiras, auxiliares, atendentes e
garçonetes.
Entretanto, verifica-se grande rotatividade nesses trabalhos, devido aos contratos
precários, salários baixos ou, até mesmo, ausência de pagamento de salários. A condição de
estrangeiras é algo que impede muitas estudantes de reclamarem melhores salários e seus
direitos trabalhistas às autoridades competentes, optando assim, pela clandestinidade, pois
seus vistos estudantis impedem-nas de trabalhar. Outro fator que inibe esses sujeitos de
recorrer à justiça, em caso de litígio, é a existência de racismo institucional que, quase
sempre, atua em desfavor dos estudantes na sua condição de negros e africanos. As mulheres
africanas na diáspora são invisíveis ou invisibilizadas, entrando em cena, apenas quando
aparecem em reportagens televisivas ou de jornais.
preparam o terreno para eventos maiores (TURNER, 2008). De fato, além da desigualdade
econômica e de gênero no acesso à educação, presentes nas suas sociedades de origem, já na
diáspora, as mulheres africanas sofrem também com o preconceito e racismo nas ruas,
instituições de ensino e nos locais de trabalho, ainda que nem sempre sejam explicitamente
reconhecidos por elas, como forma de opressão. Vejamos um relato:
Aí também tem umas coisas que o povo fala na rua. Eles veem a gente, não sabem
como é que a gente está aqui. Aí, fala assim: - ah meu Deus, é coisa do Lula mesmo
trazendo esse povo pra cá e a gente morrendo de fome. Eles falam isso esquecendo
que a gente tá ajudando, a gente tá pagando imposto aqui. [...] Como às vezes, a
gente ficou na esquina ali onde eu moro conversando aí, parou um bocado de carros
achando que a gente era prostituta. Aí é meio difícil porque, acho que a classe negra
é bem desqualificada, aí a gente já foi confundido um bocado de vezes. Muitas
vezes. Eles ficam pensando que eu sou puta porque eu moro no Centro, e é onde
ocorrem essas putarias. Às vezes a gente tá no Centro sentado em frente da casa
conversando de noite assim, aí um carro para, buzinando. Ninguém responde, por
que se fossemos garotas de programa, íamos dirigir. Aí eles passam, pedem
desculpas não sei o quê, aí... a gente diz: - beleza. (Nanana).
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Turner (2005) define “experiência vivida” como um acontecimento único que acontece a nível da percepção,
como a dor ou o prazer que podem ser sentidos de forma mais intensa.
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“solidão da mulher negra”. Na ótica desta autora, tal “solidão” deve-se principalmente por
conta do preterimento afetivo de mulheres negras, por parte de homens negros e brancos,
numa sociedade brasileira racialmente hierarquizada.
Sim, eu namoro com meu namorado. É namorado. Nós nos conhecemos em África,
na Guiné-Bissau, há cerca de cinco anos. A família dele me conhece mais ou menos.
O carinho é ótimo. Ele é ótimo. A gente se ama. A gente não se vê porque ele está
longe há cerca de cinco meses, ele está na Holanda. Ele mora lá, trabalha lá. As
pessoas sabem que nós somos namorados. Ele me assume e eu assumo ele. [...] Eu
recebo apoio dele, só dele, dinheiro, presentes, ele me ajuda a pagar aluguel.
Costumo sair com ele para festas, passear, praia, curtir. Nunca namorei nenhum
brasileiro, guineense também nunca namorei. Somente meu namorado, o cabo-
verdiano. Ele é o único namorado que eu tive. Estamos juntos há seis meses, ele
voltou ficou dois meses, aí voltou pra Holanda. (Nyeleti).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto representa uma análise do cotidiano de mulheres da diáspora africana em
uma cidade do nordeste brasileiro, sob ótica dos direitos humanos, tendo como recorte gênero,
raça, origem e nacionalidade. Para a compreensão deste cenário, movimento diversos aportes
teóricos: teorias sobre a diáspora, autores dos estudos culturais e pós-coloniais, feminismo
negro, entre outros. As mulheres ocupam uma condição peculiar nesse deslocamento,
apresentando experiências, dramas sociais e interseccionalidades diferentes das dos homens
africanos. Na diáspora, diante da alteridade, das distintas formas de discriminação e de
inclusão, ocorrem processos de interpelação raciais e de ressignificação identitárias, nos
quais, as africanas passam a assumir-se negras, heterossexuais, estudantes e trabalhadoras e
pertencentes às diferentes igrejas cristãs. Tais ressignificações identitárias são fruto do
encontro com a diversidade racial, sexual, de gênero e religiosa no Brasil. Sua condição de
mulheres, negras, africanas e imigrantes – numa sociedade hierarquizada por sexo e raça – as
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coloca numa posição de subalternidade distinta dos homens diante da educação, trabalho,
relações de gênero, mercado afetivo, apresentando menores oportunidades de negociação e
inserção no mercado da educação e do trabalho. As africanas se inserem no mercado de
trabalho por meio de empregos precários, para assim poderem complementar suas rendas,
pagar despesas cotidianas, mensalidades nas faculdades, alimentar-se e deslocar-se na cidade.
Além desse fato, existe uma dependência econômica destas em relação às famílias de origem
e aos companheiros. Assim, muitas escolhem como parceiros, homens que sejam sensíveis à
sua condição socioeconômica, que as ajudem no cotidiano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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mulheres negras: transmissão psíquica e pertencimentos. 2013. 175 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
2013.
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INTRODUÇÃO
___________________
¹ Este artigo é um recorte do trabalho de Especialização em Educação em e para os Direitos Humanos, intitulado
“Declaração Universal dos Direitos Humanos como referência para a promoção da cultura de paz e de direitos:
do ambiente escolar à vida em sociedade".
² Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba -UFPB. Especialista em Educação em e para os
Direitos Humanos pela UFPB e Mestra em Linguística e Ensino pela UFPB. Aluna especial do Doutorado em
Educação da UFPB.
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Os meios de comunicação de massa que deveriam contribuir para a formação de uma cultura
de paz, não assumem essa postura. Para Farias (2014, p.266): “Os filmes, as novelas
televisivas e os noticiários, em sua maioria, potencializam os conflitos, as brigas e as
transgressões morais. Tudo isso, descrito e apresentado em tempo real”.
A violência presente no meio social adentra o ambiente escolar e situações de abusos e
desrespeito são cada vez mais frequentes. Os profissionais da educação, que convivem
diariamente com essa realidade, assim como a sociedade que acompanha as notícias pelos
meios de comunicação percebem a instauração de um caos. A falta de tolerância, a
depredação dos bens públicos, a indisciplina, o exibicionismo violento, as diversas formas de
discriminação, o preconceito, o bullyng e o uso de drogas são algumas das questões
dramáticas que a escola não tem conseguido enfrentar de forma eficaz. Nesse sentido, Farias
(2014, p. 266) questiona se a violência segue um caminho massificante, virou moda ou um
estilo de vida. A referida autora ainda pondera:
Como a escola, enfrentando todos esses problemas, poderá oferecer condições para
que seus alunos exerçam a cidadania, sejam indivíduos conhecedores dos direitos humanos e
capazes de praticá-los e promovê-los? Talvez essa não seja uma questão fácil de responder.
No entanto, é certo que a escola precisa de ajuda, precisa contar como respaldo de políticas
públicas eficazes, da sociedade e da família. Sozinha, não poderá fazer muita coisa. Quem
está dentro dela e vê de perto essa realidade sabe o quanto é complexa e, muitas vezes, se
sente impotente.
Como professora da primeira fase da Educação Básica, especificamente do 4º ano do
Ensino Fundamental, em uma escola que apresenta inúmeros conflitos, não sei o quanto é
possível fazer. Mas entendo que aliada à atuação e comprometimento efetivo do Estado, que
não pode se omitir de sua responsabilidade, deve haver um engajamento coletivo de todos os
agentes educacionais contra todas as formas de violência e que, todas as ações, por menores
que sejam, devem ser valorizadas e consideradas. Segundo Farias (2014, pg. 267): “Todos
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envolvidos nesse mister devem garantir um ambiente saudável e seguro que promova a
educação e transmita valores de não violência, da igualdade de gênero, da não discriminação e
do respeito mútuo.”
Associada ao conhecimento, a voz é um potente instrumento de luta e os professores
têm essa prerrogativa. É preciso, no entanto, que essa voz esteja sintonizada com os clamores
advindos da discriminação, do racismo, das desigualdades e de tantas outras formas de
violência presentes na sociedade brasileira da contemporaneidade. Para Paulo Freire (2000, p.
67):
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da
equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o
diferente e não de sua negação, não temos outro caminho a não ser viver plenamente
esta opção.
mundo do trabalho. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH,
1948, não paginado) a Educação em Direitos Humanos norteia-se pelo princípio que: “Todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência
e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”
No Brasil, O Conselho Nacional de Educação, reconhecendo a demanda pela
construção de uma cultura em e para os direitos humanos e a importância da educação nesse
processo, tornou público a Resolução nº 01/2012 que estabelece as Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos (DNEDH/2012). Em seu Artigo 5º, as Diretrizes apontam o
objetivo central da Educação em Diretos Humanos:
A Educação em Direitos Humanos tem como objetivo central a formação para a vida
e para a convivência, no exercício cotidiano dos Direitos Humanos como forma de
vida e de organização social, política, econômica e cultural nos níveis regionais,
nacionais e planetário. (DNEDH/2012, Art. 5º)
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A escola enquanto instituição formal de promoção da educação deve estar atenta à sua
responsabilidade social, no sentido de não somente difundir conteúdos, mas também atitudes,
valores e o conhecimento dos direitos e deveres inerentes à plena cidadania. Para tanto, é
necessário que desenvolva processos educativos respaldados em princípios de igualdade,
liberdade e fraternidade, de modo a garantir a dignidade, a igualdade entre gênero, raça e
etnias, o respeito à diversidade e o exercício do diálogo, da participação e da autonomia entre
os sujeitos educativos.
É preciso que nossas crianças e jovens compreendam, na perspectiva do
empoderamento, a abrangência dos seus direitos e os princípios que devem nortear a vida em
sociedade, inclusive, a necessidade de tomar parte, na prática e na defesa, da cultura de paz
mundial, como condição sine qua non para o estabelecimento de uma sociedade justa, fraterna
e igualitária.
O movimento em torno de uma cultura de paz mundial pressupõe uma formação
cidadã cosmopolita, onde todos os sujeitos da sociedade planetária se percebam como
colaboradores e como corresponsáveis pela construção de um mundo novo. De acordo com a
Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz da Organização das Nações Unidas
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A diversidade poderá aparecer mais ou menos acentuada, mas é tão normal quanto a
própria vida, e devemos acostumar-nos a viver com ela e a trabalhar a partir dela. A
heterogeneidade existe nas escolas, dentro delas e também nas salas de aula porque
existe na vida social externa. A educação também é causa de diferenças ou da
acentuação de algumas delas.
Dessa forma, o debate sobre essas questões deve estar presente no currículo
escolar, conforme preceitua as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos (2012), atendendo às questões concernentes à diversidade da sala de aula e às suas
especificidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
desfavorecidas.
No contexto histórico atual, cada vez mais cresce o entendimento mundial de que a
educação, além de ser um direito inerente ao homem, desponta como o caminho para que
efetivamente se estabeleçam os pilares do conhecimento quanto aos direitos humanos e os
princípios de uma vida cidadã, assim como para a difusão e apropriação destes entre os
sujeitos sociais.
É pela educação em e para os direitos humanos que os estudantes, desde a infância,
poderão ter acesso ao conhecimento dos seus direitos enquanto sujeitos sociais e cidadãos que
podem e devem participar das relações sociais de forma democrática, respeitosa e digna. Na
escola, enquanto sujeitos em formação, poderão construir valores e atitudes pautadas no
respeito às diferenças, na corresponsabilidade social e no combate à intolerância, que é fator
responsável pelas diversas formas de violência.
No Brasil, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 muitos outros
documentos têm reforçado a promoção da educação em direitos humanos no ambiente
escolar. A recente instituição das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos
(DNEDH/2012) é, sem dúvida, um marco de grande significado para a Educação em e para os
Direitos Humanos em nosso país, corroborando para que nossas crianças e jovens,
paulatinamente, possam compreender que a vida em sociedade e o exercício consciente da
cidadania pressupõem o conhecimento e a aceitação das diferenças próprias aos seres
humanos, a diversidade que se manifesta na cultura, na religião, na raça, na etnia, no gênero,
na orientação sexual e em tantas outras características da espécie humana. Possam, também,
construir percepções mais críticas sobre desigualdades e preconceitos e, por fim, reconhecer a
necessidade premente de tomar parte da cultura de direitos e de paz mundial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Sujeitos de Dignidade. In: Educação em Direitos Humanos & Educação para os Direitos
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Melo, organizadores. – João Pessoa: Editora da UFPB, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
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SACRISTÁN, J. G. A construção do discurso sobre a diversidade e suas práticas. In:
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INTRODUÇÃO
Por ser uma nação multicultural a identidade do/a brasileiro/a sempre foi passível de
discussão, sobretudo, porque o modelo de nação instituído em 1822 negou os referenciais
culturais dos povos negros e indígenas. Desde então passou a ser discutida e se propagou a
partir dos anos 1970 com a emersão dos movimentos sociais negros que passaram a
reivindicar direitos antes negados, mais, sobretudo, a reinvenção da identidade dos vários
sujeitos, como por exemplo, as mulheres.
Nesse contexto eivado pela desconstrução e construção, o nosso propósito neste texto
é discutir a identidade étnico-racial entre professoras negras a partir de suas práticas
educativas como estudantes e professoras em diferentes realidades educacionais. Trata-se,
portanto, de uma pesquisa desenvolvida junto às professoras negras e paraibanas que nas suas
vivências em sala de aula, ora como estudantes e nas suas práticas cotidianas como
professoras construíram ou não suas identidades étnicas e de gênero.
A problemática que norteou a pesquisa foi entender como mulheres negras superaram
as barreiras sociais, sobretudo, o preconceito racial e de gênero e ascenderam socialmente,
saindo da condição de marginalizadas a inserir-se no mercado de trabalho. A
profissionalização foi fruto individual ou elas contaram com algum apoio, visto que na época
não havia política pública que garantisse as pessoas negras o direito de frequentar a
universidade?
Para a realização da pesquisa recorremos à história oral, sobretudo, a metodologia da
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Todavia a inserção das mulheres negras no magistério não significou ascensão social
para elas, visto que não culminou com a democratização da escola para as classes populares,
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mas se fez em meio à desvalorização do magistério. Por outro lado também não garantiu a
inclusão das discussões etnicorraciais no currículo escolar. Uma vez que a professora negra
não recebeu formação que lhe garantisse isso. Na compreensão dessa pesquisadora:
Isso faz com que a construção da identidade racial seja complexa, sobretudo, porque
na sua prática na escola a professora negra passa a lidar com uma serie de relações de
preconceito. Nesse sentido como ela reagirá se durante sua formação o ser negro não foi
valorizado, mas anulado e a pessoa negra para ser aceita teria que travestir-se do outro. Na
concepção de Gomes (1999) esse tipo de comportamento faz com que a discussão da questão
racial na escola não avance. Na sua acepção essa questão só avançará se:
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tais e, assim ocuparem lugares de poder na sociedade estão livres do preconceito? São
reconhecidas capazes de? Como elas se enxergam na sociedade e como procedem à frente do
preconceito racial?
Assim como o ato de narrar a sua história é seletivo, acreditamos a mulheres negras
tenham ocultado fatos; não enunciados, embora tenham sido lembrados; uma vez que pensamos a
memória como processo seletivo e não o revelador da história tal qual aconteceu. Por sua vez não
podemos prescindir do ato de que falar de si é antes de tudo subjetivo. Nesse sentido, o dia, a
hora, o momento, assim como o ambiente onde a entrevista fora realizada, e o/a entrevistador/a;
tudo interferem no que o interlocutor revelará ou não.
Nesse sentido, corroboramos com a perspectiva de compreensão da memória como
elemento de sobrevivência de determinados momentos do passado, experiências, saberes,
práticas culturais, entre outros que influenciam constantemente a vida contemporânea dos
interlocutores.
Todavia, olhamos as representações construídas, reconstruídas e diariamente
enunciadas como práticas culturais, as quais são carregadas de valores e emoções comumente
invisibilizados.
O espaço que a mulher negra ocupa na sociedade ainda a torna desigual em relação
aos demais segmentos sociais, pois desde o fim da escravidão elas foram deixadas a margem e
sobreviveram às próprias expensas. Por isso, atentar para a trajetória de vida de mulheres
negras na Paraíba do século XX é relevante, visto desvendarmos suas perspectivas de vida,
medos, anseios, assim como estratégias de inserção social ao longo do século XX. Mesmo
com os mecanismos de exclusão as vistas, algumas se sobressaíram, o que decorreu de suas
capacidades de reinventarem-se, e atualizassem-se. Todavia, não se livraram do racismo ainda
evidente na sociedade brasileira e o responsável pela exclusão de muitas delas.
Na narrativa de sua história de vida Maria do Socorro Gomes Silva, nos mostrou as
formas de preconceitos vivenciadas pela mulher negra na sociedade brasileira,
especificamente na cidade de Alagoa Grande-PB. Assim quando se referiu à discriminação
racial, colocou que o preconceito é uma forma de inferiorizar as pessoas negras, pois nos
disse. “Quando alguém olha pra você do pé a cabeça ele ta dizendo que você é inferior a ele.
Isso agente vê constantemente”.
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E eu lembro que num sete de setembro, ninguém me escolhia. Aquela história que
ninguém te escolhia pra ir. Você tem a maior vontade de ir. Você vê todo mundo ir,
e você fica triste porque você não vai. E não vai. Toda vida eu fui metida. Eu
chegava ia pedir. E eu fui pedir, porque as minhas colegas tudinho ia e eu tinha que
ir também. Mas eu não pude ir assim de Princesa Isabel, essas coisas (Risos). Mas
eu fui levando a placa dela. Na frente, vesti outra roupa e a minha vontade era de
vestir uma roupa que não fosse à farda. Não é? Isso ai aconteceu, mas era porque eu
andava atrás. Eu não ficava assim... Eu não sabia por que o pessoal não queria e eu
pedia.
Maria do Socorro Gomes Silva ainda disse que sofreu bastante com os
comportamentos preconceituosos da sociedade em virtude de suas atitudes e práticas sociais
estar à frente do seu tempo. Na sua concepção fazia o que tinha vontade.
Eu fui da época que uma mulher não fumava eu já tava na praça fumando. Eu
sempre fui de dizer que eu fazia as coisas que queria. Assim. Não era. Não tinha um
período da história que a mulher era independente, que... Mas menina eu achava que
eu tinha que ser dessa. E eu ia mesmo. Na época que a mulher não ia pro bar, eu já ia
ao bar e tomava uma cerveja e eu ia sozinha. Se não tivesse quem fosse. Eu ia só e
chegava lá. Eu tinha o dinheiro da cerveja. Quem quisesse passar e olhar? Agora
você fica a mercê dos homens também, que acha que você porque tá sentado ali,
você vai com qualquer que aparecer. Que também não é. Aí quer dizer: aí eu acho
que a sociedade também faz isso com a gente. Você não é o que você é.
Nas suas inquietações quanto à educação Maria do Socorro Gomes Silva disse
relacionar os conteúdos das aulas com o cotidiano dos alunos, ela ver diferentes situações de
preconceitos vividas pelos (as) alunos (as) e colegas professores (as).`
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econômicas melhores. E de negra só tinha ela e suas irmãs. Não tinham na escola outras
crianças negras com quem elas pudessem brincar e conversar. Quando perguntamos-lhes
sobre as lembranças da escola primária, rememorou o dia que chegou a escola pela primeira
vez. Disse que estava muito feliz porque estava de farda, aquela farda com saia prensada.
Quando chegou no grupo de meninas da sua sala, uma disse: ela é da cor da farda. No
enfrentamento do preconceito a Professora Lúcia passou a se fechar, e se isolar das outras
pessoas.
No ginásio e no ensino médio essa interlocutora colocou o fato de ser deixada de fora
das ações e eventos que ocorriam na escola, o que a incomodava. {...} Quantas vezes
gostariam muito de ter guardado aquela bandeira e nunca fui. (Risos). Porque era um orgulho
pra gente, coisa que hoje o aluno hoje não tem. De a gente fazer aquela guarda de bandeira do
colégio feito um soldado. Né? Era o maior orgulho, mas eu nunca fui colocada não. De
maneira nenhuma fui.
Mesmo qualificada a mulher negra é descriminada, e com as Professoras Lúcia e Socorro
não foi diferente, uma vez que a sociedade brasileira em diferentes momentos históricos atualiza
os mecanismos de não aceitação das pessoas negras, e a aponta como sendo o outro. Por isso, ao
longo da história são as que mais lutam para construir os seus espaços na sociedade.
Em meio a discriminação que passaram ambas as interlocutoras construíram suas
identidades de mulheres negras. No percurso que trilharam ficou explicito o racismo, o
preconceito nos ambientes sociais que frequentaram, até mesmo na vida familiar. Refazer a
trajetória de vida dessas professoras nos possibilitou interligar aos dias atuais, sobretudo, porque
ainda hoje as pessoas negras vivenciam o preconceito constantemente. Frente às situações de
preconceito existente a exclusão está relacionada à sua condição de ser negra. No entanto, o
preconceito não se limita ao racismo, ele abrange também as relações de gênero enfrentadas pelas
Professoras Lúcia e Socorro.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Lopes, como uma escrita de si, através da análise de seu livro de poesia brasileira e paraibana,
intitulado “Livre como o vento” (2014), atenho-me às análises e às reflexões de duas poesias
específicas: uma sobre seu ‘estar no mundo’, como sujeito feminino circunscrito pelo seu ‘eu
existencial’; outra sobre questões (inter)geracionais, presentes e marcantes em sua produção
literária.
Partindo de um ponto de vista mais amplo sobre a epistemologia feminista, essa tem
se apresentado como um território fecundo no debate sobre o conhecimento como uma esfera
do saber, apontando em direção à compreensão de que o sujeito feminino é igualmente
produtor de conhecimento, visto que o “sujeito do conhecimento deve ser considerado como
efeito das determinações culturais, inseridos em um grupo complexo de relações sociais,
sexuais e étnicas” (CALVELLI e LOPES, 2011, p. 347), portanto, “decretando-o” como
sujeito de produção do conhecimento. O asserto remodula o discurso dominante de fazer
ciência de uma concepção puramente racionalista, ideológica, racista e sexista que, por muito,
amparou a maioria das práticas sobre a ciência moderna (CALVELLI e LOPES 2011;
KUHNEN, 2014; RAGO, 1998; NERI, 2005; LÖWY, 2009).
A ousadia de “decretar” que o sujeito feminino é também sujeito de produção do
conhecimento, no âmbito das discussões sobre as formulações da teoria do conhecimento (via
epistemologia feminista), certamente provoca incômodo nos círculos hegemônicos de veio
sexista, assim como assumir uma posição politicamente crítica544.
A prerrogativa nesse entendimento de caráter epistemológico é de que se possa de
algum modo superar a “pressuposição de diferenças cognitivas definitivas entre homens e
mulheres, mas sim como a abordagem que estuda as várias influências de normas e
concepções de gênero” (KUHNEN, 2014, p. 203) no território da produção do conhecimento,
que assenta o cognitivo em esferas antagonicamente opostas, definindo, classificando,
categorizando e hierarquizando como seres supostamente superiores (homens) e inferiores
(mulheres) incidindo no social (SCOTT, 1995; PEDRO, 2008). Portanto, a escrita de Lalu
Lopes, nesse contexto mais amplo, apresenta-se como uma contraesfera na produção de um
544
Na contemporaneidade, assumir tal posição, para muitas mulheres em contextos de militância social e
acadêmica, representa uma atitude política e/ou postura de afirmação da própria existência – como ser social
culturalmente inserida.
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saber que já sinalizara “para um afastamento da visão elitista da literatura em direção a uma
visão mais democrática de cultura” (THOMPSON, 2011, p. 20), que em certa medida vem
tensionando enfrentamentos à dominação cultural elitista-classista de vertente sexista e
racista, empreendendo operações de poder, amparando-se no discurso universal de uma falsa
“boa cultura” e da verdade inquestionável na produção de saberes e conhecimento(s)
(SANTOS, 2009; 2006).
A desconstrução desse tipo de discurso no âmbito das ciências é prerrogativa
indispensável para avançamos em termos de consciência humana e democratização do
conhecimento, ampliando e aprofundando as “discussões que giram em torno da incorporação
da categoria do gênero e que apontam para a sexualização da experiência humana no
discurso” (RAGO, 1998) que, por seu turno, não tem dado conta dos incomensuráveis feitos
produzidos por mulheres e homens ao longo da história da humanidade em diferentes lugares
e espaços, buscando desnaturalizar as diferenças sexuais socialmente e culturalmente
construídas sobre os gêneros.
O conceito de gênero, como uma categoria de análise histórica tomou dimensão nos
circuitos sociais e acadêmicos, através da apropriação dos movimentos feministas, a partir da
década de 1970. Segundo Scott (1995, p. 72), conceitualmente, o termo “indicava uma
rejeição ao determinismo biológico, implícito no uso de termos como ‘sexo’ ou diferença
sexual” que enquadrou mulheres e homens em lugares distintos na sociedade, hierarquizando-
os, sendo os homens considerados potencialmente como “superiores” às mulheres – no
mínimo estas denominadas como um ‘segundo sexo’” (BEAUVOIR, 2009; NERI, 2005;
PEDRO, 2008; CAVALCANTE, 2012).
De modo oposto, as questões que norteiam o debate sobre o conhecimento, de forma
geral, irrompem com a concepção universal e totalizante pautado nos paradigmas dominantes
de ciência, que apreciava (e, crivelmente continua apreciando) a produção de um
conhecimento desatrelado do ser social (crítico, histórico-dialético) (LUKÁCS, 2010). Para
além disso, “a produção de conhecimento é um trabalho dialógico, portanto, educacional”
(CARVALHO, 2010, p. 246), resultado e reflexo de intensos embates em torno de opções
teórico-metodológicas, que em suas análises e interesses (des)afinam em seus propósitos. Para
tanto,
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Concepção que coloca negros e não negros em lugares oposto, hierarquizando os sujeitos como supostamente
“superiores” e “inferiores”. Tal prática e discurso foram embasadas nas teoria racistas do século XIX, que
tomaram dimensões inimagináveis no campo das ciências com profundo impacto nas sociedades. Em
contrapartida, as novas abordagens teórico-metodológicas têm ressignificado seu sentido em termos positivo e
afirmativo, com intuito de aprofudar e ampliar as análises e as reflexões em torno da temática, inclusive, no
âmbito da produção do conhecimento.
546
Utilizo a categoria “negra(o)” a partir da concepção político-ideológica, historicamente ressignificada pelos
movimentos negros organizados em âmbito nacional e internacional, empreendidos, desde a década de 1960.
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Atualmente Lalu Lopes encontra-se na categoria das octogenárias.
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Quem sou eu? A morta que não viveu, a criança que não cresceu, a menina, feito
mulher? Quem sou eu? Não sei. Nunca pude me encontrar. Quem sou, não sei.
Se sonho não me lembro, quando penso, não entendo. Serei Deus? Não, é
impossível. O diabo? Não, não, também não. Alma penada, talvez. Mas certo é
pobre mortal? Sem sonho, sem vida, sem lar. Uma viva morta, uma árvore sem
folhas, ou o mar sem ondas, uma árvore sem sombra, ou um rio sem água. Quem
sou, eu não sei. Não sei. Talvez ilusão. (LOPES, 2014, p. 7). [Grifos meus].
548
Poesia escrita em alusão a formatura de um de seus filhos, cujo título indica extamente “Poesia ao filho
formado” (LOPES, 2014, p. 18). Lalu Lopes casou-se aos 14 anos de idade. Ao 15 anos teve o primeiro filho no
total de quinze (dos quais desses fihos e filhas, morreram dois recém nascidos).
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Quando jovem a gente é útil, prá tudo e todos enfim/ Mas quando velho somos
refugo/trapo velho ou coisa ruim/ Jovem diz: não serve mais/ Vou embora não dá
prá mim. Aqui eu peço desculpas/ Aos jovens a quem dou trabalho/ Já fui útil, hoje
empalho. Ser jovem é agradável/ Ser velho é puro calvário/ Mas ser velho às
vezes é bom/ Tem lições de vida prá dar/ Às vezes quem já viveu tem lições prá
ensinar. Às vezes um carro sai/ É alguém a viajar/ Ou uma mão nos acena/ Talvez
um lenço no ar/ E além das formalidades/ Não se sabe se quem vai/ ainda possa
voltar. Pergunta o velho a si mesmo/ Será que estarei aqui, quando um dia retornar?
E reza uma oração, pede a Deus em silêncio/ Prá seus filhos abençoar. (LOPES,
2014, p. 83). [Grifos meus].
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
549
A denominação velha(o) foi “resignificada”, para outras, tais como: idosa(o) e atualmente terceira idade (ou
até mesmo melhor idade) como antítese à ideia de velha(o) (BRITTO DA MOTTA, 1999; 2012; CORREIA,
2009). Mas, para este estudo utilizo as nomenclaturas velha e idosa.
550
Este trabalho não dará conta de apresentar um panorâma histórico sobre a questão dos modos de tratar a
velhice – seus sujeitos em diferentes épocas, as condições das mulheres velhas em contextos sócio-histórico
diversos.
551
As discussões sobre corpo e envelhecimento não foram explicitamente expostas nesse estudo, mas estão
implícitas nas análises e reflexões.
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Os versos escritos por Lalu Lopes em “Livre como o vento” (2014) são interpelativos
no desafio de buscar compreender sentidos nessa escrita de si, refletir com mais acuidade
sobre as categorias de gênero, raça/etnia e geração em suas possíveis interseccionalidades (via
epistemologia feminista), no âmbito das pesquisas acadêmicas em várias áreas do
conhecimento, assim como compreender que o saber no sentido lato não tem “dono(s)”, não
está restrito a um pequeno e seleto grupo, gênero e/ou classe social.
Doutro modo, ao explorar a leitura de uma obra literária como essa, especialmente
quando se trata de uma escrita de si, pode-se inferir que a autora empreendeu de forma
visceral sua ‘voz-escrita’ ou ‘escrita-voz’ vividamente marcada pela singularidade da sua
existência como sujeito feminino. Mas também, auxilia no sentido de reconstruir um olhar
sobre as mulheres de um modo geral, sem deixar de observar as especificidades subjacentes a
cada uma delas, particularmente as mulheres negras idosas, assim como anunciar um discurso
contra hegemônico na produção de saberes e conhecimentos.
Por último, certamente, a escrita de Lalu Lopes já faz parte de uma cultura escrita
nacional, local, que embora não esteja no rol das notáveis intelectuais negras e não negras,
encontra-se no território do protagonismo feminino, desafiando as calamidades do cotidiano, a
pobreza (fase dramática da sua infância), e a luta diária pela sobrevivência, para
ontologicamente existir enquanto ser humano e social. Sua produção literária (apresentada em
versos) contribui com a cultura escrita exercendo uma dupla função: social e cultural no
contexto em que está inserida. Analisar e refletir sobre a escrita de Lalu Lopes em contexto
contemporâneo, demonstra a importância de revisitarmos conceitos e categorias em torno da
produção do conhecimento em vários campos do saber.
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pensar-conhecer-agir sobre percursos de formação na sociedade da aprendizagem. Inf. Inf.,
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INTRODUÇÃO
552
Está pautada na expulsão de amplas massas de trabalhadores do mercado de trabalho, embora não prescinda
do trabalho como fundamento da produção da riqueza social e da acumulação capitalista. Mas, como estratégia
de maior extração de mais-valia, privilegia, por um lado, a obtenção de trabalho morto, consolidado na mais
avançada tecnologia disponível em detrimento do trabalho vivo assalariado; por outro, para livrar-se dos custos
de produção, o capital estimula e proliferam formas de subcontratação do trabalho que externalizam os
trabalhadores das empresas e retroagem nos avanços e conquistas em torno da composição do Estado protetor.
Surgem os fenômenos do desemprego estrutural, da precarização do emprego e da renda e da desproteção social.
553
A questão social é o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma
raiz em comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.”
(IAMAMOTO 1997, p. 27) e ainda “expressa a subversão do humano, própria da sociedade capitalista
contemporânea, que se materializa na naturalização das desigualdades sociais e na submissão das necessidades
humanas ao poder das coisas sociais- do capital dinheiro e do seu fetiche.” ( IAMAMOTO 2008, p.125.)
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forma apática diante dos episódios de violência que constantemente tem se tornando
cotidianos.
A violência, portanto, incorpora a vida dos indivíduos, na esfera pública provocando
grandes guerras militares e civis percorrendo todos os âmbitos alcançando o ambiente
privado, no espaço família, exercendo grande influência.
Analisando a nível microsocietal, na esfera familiar, detalhadamente é possível
detectar a violência de forma multifacetada e nas modalidades sexual, patrimonial,
psicológica, física, abandono e negligência, esta última vista por nós com olhar mais aguçado,
perpassando as mais diversas faixas etárias, relações de gênero, grupos étnicos e classes
sociais.
Em peculiar, a negligência familiar, é percebida como uma forma grave de descuido,
que abaliza para um drástico rompimento de vínculos dos genitores para com os seus filhos,
submetendo às vítimas a situações de parcial/total privações de seus direitos primordiais.
Tendo em vista esta problemática, este artigo busca compreender sobre a identidade
de mulheres mães que negligenciam os filho(a)s atendidas na Promotoria de Justiça do Ceará,
especificamente em um município de pequeno porte I554. Este artigo parte do pressuposto de
observações realizadas a partir de três casos estudados pelo profissional de serviço social, em
solicitação da Promotoria de Justiça do Ceará.
O motivo de lançarmos mão a esmiuçar esta problemática e fundamentá-lo, advém
da nossa atuação profissional outrora consubstanciada através de atendimentos e visitas
domiciliares, diálogos impetrados e observação dos comportamentos destas mulheres,
considerando que a negligência familiar constitui se como uma das múltiplas e refratárias
expressões da questão social, portanto, objeto legítimo de intervenção do serviço social. Este
profissional munido das leituras acerca do tema consegue suspender a sua visão para além do
cotidiano555 e assim obter uma prática mais apurada, livre de preconceitos, estigmas,
julgamentos e estereótipos ao qual o senso comum está imerso, e sobre qual este profissional
554
Segundo a Política Nacional de Assistência Social- 2004 que adotara definições pelo IBGE são configurados
como município de pequeno porte I os que possuem até 20.000 habitantes.
555
A cotidianidade é o campo privilegiado de reprodução da alienação, tendo em vista sua repetição acrítica dos
valores, sua assimilação rígida dos preceitos e dos modos de comportamento, seu campo repetitivo e
ultrageneralizador. (BARROCO: 2007).
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(...) não se trata de perceber apenas corpos que entram em relação com outro. É a
totalidade formada pelo corpo, pelo intelecto, pela emoção, pelo caráter do EU, que
entra em relação com o outro. Cada ser humano é a história de suas relações sociais,
perpassadas por antagonismos e contradições de gênero, classe, raça/etnia.
(CARLLOTO, 2001; p. 202)
Compreendemos que a identidade não é nato do indivíduo e que também não está
relacionado às condições sexistas. A identidade está em constante dinâmica e em consonância
com as épocas de desenvolvimento das sociedades, fato construtivo do desenvolvimento do
EU.
É perceptível que a identidade não é conferida como essencial ou permanente, mas
que vivenciamos pluralidades devido a constante mudança da sociedade tardia, conferida
através do fenômeno da globalização que produz assim grande impacto na mudança da
identidade.
Rebuscar o passado histórico acerca das significações de gênero e de maternidade
nos permite a compreensão dos comportamentos e entendimentos que delineiam a figura da
mulher, fato que nos faz entender os resquícios deste passado imbricados na identidade das
mulheres.
A priori a Igreja Católica (século XVIII) se constituiu como grande disseminador
ideologias que rodeiam a mulher como eixo principal das ideias de maternidade, sentimentos,
e fragilidade.
Sobre este fato relata a autora:
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A misoginia era caracterizada por um forte sentimento de aversão a mulher, principalmente quando se fala de
mulheres que não aderiam a forma da santa mãezinha. “A cultura misógena, item da bagagem cultural e da
herança ibérica para os trópicos, nutria um ponto de desdém pelas mulheres que aparecem, por exemplo, na
literatura moralista do século XVI e XVII como “manhosas, inconstantes, tolas, gastadeiras, maliciosas e
hipócritas” NASCIMENTO (apud Vainfas, 2005;p. 42).
557
A diferença biológica entre os sexos,(...) e, especificamente a diferença anatômica entre os órgãos sexuais,
pode ser vista como justificativa natural de diferença socialmente construída entre os gêneros(...). Dado o fato de
que é o princípio de visão social que constrói a diferença anatômica e que esta diferença socialmente construída
que se torna o fundamento e a caução aparentemente natural da visão social(...). (BOURDIEU, 2012).
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dentre tantas presentes de acordo com cada momento da sociedade influenciado pelo fator
cultura.
Aos desejos da gravidez Serrurier (1993) fala sobre os desejos maléficos de gestar
um filho:
(...) das que têm um filho como se tem uma boneca ou um cachorro; aquelas que
fazem um filho para se ligar a um homem ou para aprisioná-lo se ele ameaça fugir;
as que fazem filhos para poder dominá - los ou martirizá-los, porque é a única coisa
que conseguem controlar (SERRURIER, 1993; p.19).
Para muitas mulheres, ser mãe é deixar de ser mulher, de viver, de ser independente,
de desfrutar de sua juventude para viver em função dos filhos, se sentindo sufocadas.
Badinter (2010) faz questionamentos a respeito do desejo ou não de ser mãe:
Finalmente, escolher entre ser mãe ou não deve ser analisado em termos de
normalidade ou desvio? Nunca perguntamos sobre a legitimidade dos filhos.
Contudo, ninguém ignora os estragos da irresponsabilidade materna. Quantas
crianças são postas no mundo para fazer papel de compensação, de joguete ou de
acessórios de suas mães? Quantas crianças maltratadas ou abandonadas que são
consideradas perdas e ganhos da natureza? Estranhamente, a sociedade parece mais
interpelada por aquelas que avaliam suas responsabilidades do que pelas que as
ignoram... (BADINTER, 2010; p. 178).
METODOLOGIA
558
O Ministério Público é Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art.
127).
559
Direitos difusos: envolve grupo de pessoas indetermináveis com danos indivisíveis e reunidas pelas mesmas
circunstâncias do fato; direitos coletivos: envolve grupo de pessoas determináveis que partilham de prejuízos
indivisíveis decorrentes de uma mesma relação jurídica; direitos individuais indisponíveis: são aqueles que não
podem ser retirados do indivíduo e do qual este não pode dispor, exemplos: direito à vida e à saúde. (CRESS-
RS/2013).
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Os achados deste artigo trouxeram grandes esclarecimentos e também por que não
dizer indagações?
Percebemos que o universo destas mulheres é permeado de dúvidas e incertezas ao
ponto de não conseguirem definir o limite entre o ser mulher e o ser mãe, pois ao entender
destas, ambos são imbricados, ao passo que predomina a ideia da maternidade sobrepujando a
ideia de gênero, no caso, a identidade social do ser mulher.
O discurso da Igreja Católica e da medicina social aparece com novas roupagens,
trazendo a tona um novo instrumento de disseminação das ideias de adestramento dos corpos:
os meios midiáticos que enaltecem os valores conservadores da maternidade e da família,
disseminando ideias de que “ser mãe é padecer no paraíso”, a plenitude da maternidade e sua
naturalidade como intrínseca. Esse discurso simbólico é utilizado como justificativa natural de
diferença socialmente erigida entre os gêneros.
Outro ponto considerável diz respeito à ausência dos homens (figura paterna) para
com os filhos, sendo a mulher então encarregada de cuidar e repassar valores as crianças.
Percebemos que os pais se eximem da responsabilidade de cuidar e prestar à assistência
psicológica e social aos filhos, compreendendo que a parte que os dirige permanece ainda no
âmbito financeiro, ficando a mulher com atribuições cumulativas sentindo-se assim
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sobrecarregada.
Percebemos assim que a mulher está envolta em um verdadeiro mar de conflitos que
ora percorrem a plenitude e o sacrilégio de ser mãe e ora enveredam pela sensação da perda
de não estarem vivenciando a sua feminilidade, outrora questionado pelas mulheres. São
passíveis de análise as dificuldades socioeconômicas vivenciadas por estas, que não as deixam
optarem por exercer o “ser mulher”, estando a desempenhar sozinhas as responsabilidades
sobre os filhos. Em consequência da exaustiva prática da maternidade e do modelo perfeito de
mãe exigido pela sociedade, muitas mulheres terminam por enveredar para o consumo de
drogas licitas e ilícitas.
O papel do Ministério Público tem sido a princípio orientar pais e mães no que
concernem as responsabilidades para com os filhos, contudo, pelos argumentos citados acima,
a negligência familiar por parte dos pais (no nosso caso mulheres- mães) insita o MP a tomar
medidas mais exigentes dentre as quais a instauração de inquérito civil público resultando em
processo criminal contra mães e pais. No caso específico deste relato, ao analisarmos a fala da
mulher-mãe (que está sofrendo processo criminal e suspensão do poder familiar) percebe-se
que o foco desta não está nas consequências que possam afetá-la futuramente, mas sim na
possibilidade de não reaver seus filhos, o que demonstrou a priori mudança de
comportamento, confirmando assim as menções relativas à maternidade.
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INTRODUÇÃO
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Uma política não se constrói fora de seu contexto. Por mais que as soluções sejam
apresentadas muitas vezes antes do problema, sua construção é imanente. Sua construção
nunca é fechada, mas um amplo espaço de disputa. Não é exterior as desigualdades, é também
afetada, alterada e flexionada por elas (BALL, 1993).
Considerando isso, podemos nos distanciar das concepções modernas de política, no qual
se concebe somente como ações político-governamental e de seus representantes como a
verdadeira política, ou seja
Quando as pessoas se referem à política, quase invariavelmente, a reduzem às ações
promovidas pelas instituições de governo no âmbito de um território, como as ações
do poder executivo, legislativo ou judiciário. Ou seja, referem-se ao aparato político-
governamental (aparelho estatal) e a seus representantes, assumindo uma concepção
de política que se define a partir da percepção da atuação de um conjunto restrito de
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visões de percepção ainda são sexuadas e androcêntricas, e que é necessário romper, dentro da
própria produção acadêmica, com uma epistemologia que reforce as categorias dentro de uma
visão sexista e que tende a reforçar a cultura patriarcal de certa maneira. Bourdieu (2014) vai
discorrer sobre a produção do habitus, em sua obra emblemática, mas clássica – A dominação
masculina -como a produção simbólica, é importante para a constituição dos campos de ação.
Antes, o simbólico revela as condições objetivas de vivências dos sujeitos de determinadas
disposições de ação.
Ou seja, é dentro desse escopo que as ações são tomadas, dentro de uma racionalidade
pré-condicionada que os sujeitos agem, e suas subjetividades são constituídas e construídas. E
que mesmo sem saber, acabam por contribuir para a manutenção dessas disposições (
BOURDIEU, 2014,p.17-79).
Dentro dessa racionalidade é possível compreender como se dá a dinâmica que valora,
organiza e distribui o modo de percepção dos sujeitos dentro de um determinada campo de
ação e saber. A prisão, e os apenados estão dentro dessa percepção. Juntamente com o modo
de punição. Concomitantemente a execução da penalidade.
E se os sistema de punição se encontram inscritos dentro de um regime de dominação
opressor, antes, tenderá a promover o disciplinamento dentro dos esquemas de dominação. O
que fará com que seja apenas reforçado papéis; ao invés de serem transformadores e
desconstrutores de paradigmas de dominação, serão mais produtores de novas formas de ação
dominadoras, severamente mais violentas.
Se o modus operandi for mantido dentro dessas matrizes cognitvas patriarcais, a
dominação masculina se manterá, e caminhará para ressignificações. Por isso que o estupro
dentro da esfera punitiva revela muito mais a continuidade da opressão que a ruptura.
560
Podemos exemplificar tal proposição a seguinte notícia: Um homem, lutador profissional, acusado de estupro
de sua sobrinha de menos de 5 anos , foi condenado e preso. Na cadeia, fora colocado com os demais presos,
sendo abusado por todos os que estavam na cela. Tal agressão resultou em lesões graves em seu anus, e ainda
mais, tal cena fora noticiada, relembrando os suplícios da idade média. Nesse fato, vemos a dubiedade do
Estado, condenar e deixar com que práticas punitivas para-estatais fossem perpetradas ao sujeito em questão. A
comunidade vê nele o dupla castigo que lhe deveria ser imposto. Dando o sentimento de justiça plena. Contudo,
somente reforça o ciclo de violência, e ainda mais, não expurga a real questão. Apenas reitera o patriarcalismo.
561
Um guarda penitenciário é menos culpado de bater em um apenado. Sua ação nesse momento é “pedagógica”,
e muito mais aceita pela própria comunidade. O apenado se aceitar a correção, assume sua masculinidade, como
um homem que sabe sofrer. Um apenado que obriga a outros apenados por crimes de estupro não terá sua
masculinidade violada caso seja o ativo e caso mostre, também a ação pedagógica que exerce.
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Ensina-se ao homem a lei dos mais velhos e do respeito. Ou seja, não devemos apenas
olhar unilateralmente a intenção de uma medida, mas atentar para as questões menos
implícitas que constituem os procedimentos subjetivos que não se manifestarão sem um longo
estudo.
Um processo mais complexo do Estado em relação ao tratamento dos homens que são
agressores é o que se assemelhaa umamortificação da questão pelo processo de imputação
totalizante do crime ao sujeito. Tal análise não é um modo de justificação do sujeito
produzindo uma vitimização do mesmo. Deve-se ter leis mais duras sim, porém, não somente
punições severas, mas todo um trabalho complexo, que envolva o acompanhamento dos
mesmos, através de trabalhos reflexivos, que sirvam de feedback à sociedade562.
Esse processo de mortificação, ainda que não leve à morte física, é um processo que
leva à morte social, tentando não somente levar ao “túmulo” o sujeito, mas todo o processo
que revela o patriarcado - e as questões mais subjetivas, como a pobreza produzida, as falhas
do sistema educacional, a falta de assistência, etc.- em seu procedimento.
Na leitura dos prontuários de homens agressores, não se percebeu nenhuma
ponderação quanto ao modo de socialização, levando em conta as relações de gênero no qual
ele foi participante. Antes, perfis são traçados em preposições funcionalistas no qual se aponta
desajustes com a “normalidade”.
Sobre como a justiça enxerga homens agressores, especificamente, estupradores,
temos a contribuição de Marques Júnior (2009). Em seu estudo, ele entrevistou promotores e
juízes, revelando o modo como eles enxergavam os homens agressores que cometeram o
crime de violência sexual. Segundo o autor, magistrados já produzem uma pré-noção do perfil
desses homens, atribuindo-lhes uma doença, distinguindo-os dos demais criminosos; “o
estuprador tem desvio”(p.62) é a frase do “Promotor C”, que traz em sua fala o espanto de não
entender como sujeitos aparentemente “normais”, possam ser “desviantes” da norma. Para ele
o ritual de usar a camisinha e não matar as vítimas revela o quanto esses sujeitos são
562
Sobre a existência de algum projeto junto a homens que comentam crimes sexuais, ou acompanhamento dos
mesmos por equipes técnicas, inexistem dados e/ou programas.
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diferentes e não deveriam estar nos moldes carcerários. O autor traz ainda que os juízes “K” e
“A”, concordam de que tal crime é da esfera psicológica, contudo o discurso desses
profissionais não questiona os postulados anteriores do que é ser homem. Mas fica pairando
uma questão no ar, se é considerado simplesmente um “transtorno mental”, por que os
apenados são julgados pela justiça “comum”?
Encarcerando, não se discute, e a questão continua surgindo. Isso é que muitas vezes
não é falado, nem discutido. Revela não uma exceção, mas um padrão. Temos em nossas
mentes apenas o estupro como algo relacionado bizarro, mas e as nossas amigas que são
forçadas a fazerem sexo com seus companheiros? E os colegas numa roda de bar que se
gabam por terem iludido alguma garota mais jovem para transar com ela, com seu
“consentimento”? Analisar o estupro e como a sociedade lida com isso, escava, remói, expõe,
traz à tona não somente os estupradores, mas todo um modo de relacionamento que envolve a
sexualidade masculina. O Estado e seus agentes, capilarmente, tendem a ratificar os papéis
masculinos, ação disciplinadora de como fazer-se homem; de como ser homem
(des)respeitando os códigos de limites de propriedade da circulação de corpos femininos e
seus acessos, deve-se repensar essa produção.
no modo de produção em diversas esferas. Deve olhar para os espaços “naturalizados”, onde
as produções discursivas criminológicas, médicas, psicológicas produziram certo tipo de
respostas e ver como elas se articulam e não se contentar com em não ver as ações não-
visíveis.
A violência masculina, antes de se despontar materialmente, se constituiu
simbolicamente. É aonde o patriarcalismo se movimenta silenciosamente que devemos,
também, mirar nossos holofotes. Nas zonas sombrias, ele brilha. Nas áreas silenciosas, ele
grita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo, trad. Roberto Raposo, São Paulo: Companhia
das letras, 2015.
BALL, S.J. What is Policy? Texts trajectories and toolboxes. Discourse: Studies in the
Cultural Politics of Education 1993 13
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para analisar políticas). In Mattos, R. A.; Baptista, T. W. F. Caminhos para análise das
políticas de saúde, 2011. p.52-91.
____________________. & Rezende, M.R. A ideia de ciclo na análise de políticas públicas
n: MATTOS, R.A.; BAPTISTA, T.W.F. Caminhos para análise de políticas de saúde. Rio de
Janeiro, IMS/ENSP/EPSJV, 2011
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de janeiro: Best-Bolso,2014
_________________. Razões práticas: sobre a teoria da ação, São Paulo:Papirus, 1996
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade, a era da informação :economia, sociedade e
cultura, volume II, tradução Klauss Brandi Gerhardt, São Paulo. Ed. Paz e Terra, 7ª
reimpressão,2013,p.169-278
MARQUES JUNIOR, Gessé. Estupro: uma interpretação sociológica da violência no
cárcere: Curitiba: Juruá, 2009, p.59-69
MEDRADO, Benedito e LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de gênero para os estudos
sobre homens e masculinidades. Rev. Estud. Fem. . 2008, vol.16, n.3, pp. 809-840
MULLER, P & SUREL, Y. A análise das políticas públicas. Pelotas: EDUCAT, 2010
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INTRODUÇÃO
década de 70, a parcela da população que não conseguia morar de forma digna na cidade. As
mulheres são os sujeitos mais impactados pela falta de moradia, especialmente as chefes de
família, e aquelas que não foram absorvidas pelas fábricas.
Silva (2004) destaca que as mulheres possuem uma presença marcante no processo
de migração na medida em que elas sonham com melhores condições de vida para suas
famílias, mas ao chegar nas grandes cidades elas se deparam com a exclusão social. A luta do
movimento de mulheres pela garantia dos direitos sociais, dentre eles a moradia, tem
ampliado o debate e visibilidade da problemática da violência doméstica, pois a maioria das
mulheres que se inscreve para a aquisição da casa própria no Programa Minha Casa Minha
Vida563 sofre violência doméstica.
Com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade o direito à moradia foi
constituindo-se, como forma de garantir o acesso à moradia digna como fator social
fundamental para dignidade humana, levando em 2005 a regulamentação da Política Nacional
de Habitação. As mulheres são as que mais sofrem com a falta de moradia no Brasil e em
Manaus está realidade não é diferente, inúmeras são as expressões da questão social
vivenciadas por elas, assim como a violência. De acordo com a Pesquisa Nacional por
Domicílio (2009) apresenta que 48% das mulheres agredidas declaram que a violência
aconteceu em sua própria residência564. De acordo com Secretaria de Segurança Pública do
Amazonas - AM entre os meses de janeiro a junho de 2013, uma média de 157 denúncias de
crimes contra a mulher foi registrada diariamente nas delegacias de Manaus565.
Desta forma o presente artigo se propõe a analisar os tipos de violência sofrida pelas
mulheres beneficiárias do Auxílio Aluguel em Manaus e a Política Pública de Habitação
como mecanismo de enfrentamento da violência. O referido estudo tem como base a pesquisa
de campo relacionada com as interpretações bibliográficas através da perspectiva qualitativa
sem excluir os aspectos quantitativos, tendo como amostra 30 mulheres assistidas pelo
benefício social do Auxílio Aluguel da Prefeitura Municipal de Manaus, oriundas de área de
563
Programa habitacional do Governo Federal para a população de R$ 0 a 1.600,00 de renda familiar mensal,
famílias chefiadas por mulheres, idosos, PNE.
564
Acessado em 10 de julho de 2015 http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-e-estatisticas-sobre-
violencia-contra-as-mulheres/.
565
Acessado em 10 de julho de 2015 http://new.d24am.com/noticias/amazonas/manaus-registra-157-casos-
violencia-contra-mulher/92216.
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Meu companheiro era meu porto seguro, quando nos conhecemos tudo parecia um
sonho, mas logo ele passou a me agredir com palavras, gritos, até que passou a me
bater isso doía muito, pois quando fui morar com ele acreditava que estaria segura e
isso não aconteceu, muito pelo contrário minha vida virou um inferno (Entrevista,
2015).
Ao longo dos anos as mulheres ainda lutam para que seus direitos não sejam violados,
contudo ainda percebemos o quanto elas sofrem violência em seu dia a dia e estas em sua
maioria são praticadas por seus companheiros ou alguém que esteja diretamente ligada ao seu
convívio diário. Na pesquisa identificamos que 75% das mulheres entrevistadas sofreram
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algum tipo de violência, algumas pesquisas como as de Silva (2003) mostram que o
desemprego ou a dificuldade financeira, o uso excessivo de bebida alcoólica, drogas ilícitas e
o ciúme são fatores geradores desse tipo de violência. R.S.F., 35 anos, beneficiária do Auxílio
Aluguel da Prefeitura Municipal de Manaus / Secretaria Municipal da Mulher, Assistência
Social e Direitos Humanos relata que “ele sentia muito ciúmes e sempre que bebia me
agredia, era doloroso e durou muitos anos. No dia seguinte sempre dizia que havia bebido e
prometia não fazer mais, eu o amava e tinha meus filhos que me fez acreditar que ele
mudaria” (Entrevista, 2015). Azevedo (1985, p.31) sinaliza que
(...) a violência é uma forma de relação social; está inexoravelmente atada ao modo
pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência.
Sob esta óptica a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de vida
modelos atualizados de comportamento vigentes em uma sociedade em um
momento determinado de seu processo histórico. (...) ao mesmo tempo em que ela se
expressa relações entre classes sociais, expressa também relações interpessoais (...)
está presente nas relações intersubjetivas que se verificam entre homens e mulheres
entre adultos e crianças entre profissionais de categorias distintas. Seu resultado
mais visível é a conversão de sujeitos em objeto sua coisificação. A violência é
simultaneamente a negação de valores considerados universais: a liberdade, a
igualdade, a vida (...) a violência enquanto manifestação de sujeição e de
coisificação só pode atentar contra a possibilidade de construção de uma sociedade
de homens livres (...) a violência não é necessariamente condenação à morte ou, ao
menos está não preenche seu exclusivo significado. Ela tem por preferência a vida,
porém a vida reduzida esquadrinhada, alienada, não a vida em toda a sua plenitude
em sua manifestação prenhe de liberdade. A violência é uma permanente ameaça a
vida pela constante alusão à morte, ao fim à supressão à anulação.
Este processo de violação pelo qual as mulheres passam em suas vidas tem
consequências drásticas para muitas dela, algumas perdem suas vidas, outras sua auto estima
dentre outros, a violência física que muitas sofrem deixam marcas visíveis para todos e onde
muitas acabam criando “histórias” para a sociedade e sua família. Quando esta dar-se-ia por
meio da psicológica em que elas perdem sua auto estima totalmente, segundo Carvalho (2010)
é aquela que inclui toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima ou até
mesmo à integridade. A frequência de ações violentas no cotidiano feminino é indicativa da
complexa problemática que envolve a organização da vida social atual, especialmente nas
grandes cidades, dentre elas não podemos esquecer Manaus. Por isso tudo entende-se ser
demasiadamente frequente as dificuldades da vítima se expor e até mesmo denunciar a
violência ocasionada no lar pelo medo e também preconceito dos próprios familiares. A. S.V.,
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Ele primeiro começou me agredindo com palavras, era terrível eu chorava muito e
vivia com o rosto inchado, não queria sair de casa, meus filhos percebiam e
presenciavam muitas dessas brigas, com o tempo eu não tinha mais forças para
revidar. Depois ele começou a me bater e eu ficava com marcas por todo o corpo, eu
sempre inventava uma desculpa / história quando alguém me perguntava o que era,
mas eu percebia que as minhas amigas e parentes não acreditavam, eu tentava
esconder porque tinha vergonha, mas demorou muito até que consegui deixa-lo
(Entrevista, 2015).
Por muitos anos não tivemos direitos garantidos, sofríamos com todo tipo de
violência e esta atingia diretamente nossa família e filhos. Vivi anos com um
companheiro que me batia e humilhava, mas a casa era dele e eu não tinha para onde
ir com meus filhos, não trabalhava, fazia apenas faxina e isso não era suficiente para
eu ir embora com as crianças, tinha que ficar ali com ele. Consegui um emprego,
mas não era carteira assinada, ganhava pouco mas consegui fazer minha casa, só que
a casa começou a ficar em risco quando chovia o barranco cedia então liguei para a
defesa civil e eles disseram que eu não poderia mais morar lá e mandaram a gente ir
na Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos –
SEMMASDH. Começamos a receber o Auxílio Aluguel de R$ 300, reais, mas não
garantem casa para nós, temos que ir na Secretaria de Habitação do Estado e do
Município, só que isso é difícil porque eles não estão cadastrando nesses locais e
fico preocupada o que será da minha família quando este auxílio parar, não vou ter
como pagar meu aluguel e ainda sustentar meus filhos, o pai deles não ajuda sou eu
para tudo. Se a gente tivesse uma casa eu poderia dar a meus filhos uma vida melhor
e ficaria mais segura e meus direitos seriam garantidos (Entrevista, 2015).
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No Brasil conforme dados do IBGE (2010) 279.967 pessoas vivem com renda maior que 1/2 ou até 1 salário
mínimo, 276.130 com mais de 1 ou até 2 salários mínimos, 88.255 com mais de 2 ou até 3 salários mínimos,
70.009 com mais de 3 ou até 5 salários mínimos, 51.459 na faixa de 5 a 10 salários mínimos, 9.134 na faixa de
10 a 15 salários mínimos, 8.070 na faixa de 15 a 20 salários mínimos, 4.076 na faixa de 20 a 30 salários
mínimos.
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“perdi tudo, recebo o auxílio aluguel, mas ele não é suficiente para pagar totalmente
o aluguel, dependendo de onde a gente aluga nem aceitam com muitas crianças,
imagina conseguir comprar uma casa. (...) precisamos conseguir mesmo é inscrição
na SUHAB, o auxílio poderia ser ligado com o PMCMV” (Entrevista, 2015).
567
Disponível em https://leismunicipais.com.br/a/am/m/manaus/lei-ordinaria/2012/167/1666/lei-ordinaria-n-
1666-2012-institui-o-auxilio-aluguel-beneficio-de-carater-eventual-a-ser-concedido-a-familias-vitimas-de-
enchentes-desmoronamentos-remocao-de-situacao-de-risco-ou-ainda-por-forca-de-obras-publicas. Acesso em 01
de setembro de 2015.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim o referido estudo visa analisar os tipos de violência sofrida pelas mulheres
beneficiárias do Auxílio Aluguel em Manaus e a Política Pública de Habitação como
mecanismo de enfrentamento da violência, posto que 75% das mulheres entrevistadas
sofreram algum tipo de violência, 45% relatam ter sofrido violência doméstica, e que a falta
de moradia levam-nas se sujeitarem a seus agressores. Ainda como resultado obtivemos que
60% são oriundas de área de risco na zona leste de Manaus e 90% das entrevistadas relatam
que o valor pago pelo auxílio aluguel não é suficiente para custear o pagamento do aluguel e
que encontram dificuldades para realizarem inscrição junto a Superintendência de Habitação
do Amazonas – SUHAB.
A pesquisa identificou ainda que a política pública de habitação no munícipio de
Manaus atinge de maneira insuficiente a população que reside ou foi retirada da área de risco
o que as deixa em situação de vulnerabilidade e aumenta as expressões da questão social a
que são sujeitas. As mulheres entrevistadas apontaram a moradia como sendo o sonho para
oportunizar uma vida digna a sua família. Percebemos que a violência sofrida pelas
entrevistadas também relaciona-se a dependência emocional e financeira a que elas estão de
seus companheiros e que em seus relatos a casa própria as deixariam livres e com coragem
para enfrentar e lutar contra a violência que sofrem.
A questão habitacional se entrelaça no enfrentamento à violência contra as mulheres, o
auxílio aluguel busca garantir os direitos sociais das mulheres atendidas, assim como
oportunizar as mesmas condições dignas de moradia. Percebe-se a necessidade do
entrelaçamento do Serviço de Proteção a Calamidade Pública e Emergência com a política de
habitação, tendo em vista o constante atendimento por este setor de famílias oriundas das
áreas de risco de Manaus e que por meio da habitação será oportunizado às mulheres melhor
qualidade de vida e a segurança da casa própria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
O tema violência de gênero tem sido objeto de interesse crescente entre os estudos
feministas no mundo e no Brasil. (PIMENTEL, PANDJIARJIAN, 1998; AQUINO, 2001;
IZUMINO PASINATO, 2004-2005; 2007; PRÁ, 2010; TAVARES, SARDENBERG,
GOMES, 2011; dentre outras). Heleieth Saffioti (2001) afirma que muitas pesquisas
trouxeram contribuições teóricas importantes nas últimas décadas, embora ressalte a
necessidade de se estabelecer distinções entre as modalidades de tal tipologia de violência.
Legalmente, com o advento da lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006 no
Brasil, intitulada Lei Maria da Penha (LPM), a violência de gênero, de conceituação bastante
ampla, foi caracterizada como violência doméstica e familiar contra a mulher e prevista no
seu Art. 7º em cinco formas distintas, quais sejam: a violência física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral. Ainda antes da promulgação da LPM, Heleieth Saffioti (2004, p. 75) já
alertava que as diversas formas descritas não se dão de maneira isolada e incorrem,
inevitavelmente, acompanhadas da violência emocional a cada tipo de agressão sofrida.
568
Professora Assistente do Colegiado de Geografia – UNEB DCH Campus V (Santo Antonio de Jesus/BA).
Graduada e Mestre em Geografia; atua nas áreas de ensino de Geografia e Educação e Gênero. Doutoranda do
Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres Gênero e Feminismo da UFBA.
Email: lunasouza83@gmail.com.
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Azevedo (2010). A autora realiza importante pesquisa sobre a condição social de idosos/as e
sua organização em busca de cidadania. No capítulo 06 do seu trabalho, apresenta e analisa os
dados coletados do disque-denúncia, entrevistas com os/as sujeitos envolvidos e pesquisa
documental de processos no acervo da Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso,
doravante referenciada pela sigla DEATI, e afirma que:
Realizado o cruzamento do número de filhos/as agressores/as com o número de pais
agredidos, desdobrado, ambos, por sexo, é reforçada a tendência revelada em outros
estudos, do maior numero de mulheres entre os agredidos. Mães vitimadas (65%),
para um total significativamente menor de pais na condição de vitimas (35%).
Reafirma também a tendência de que os homens compõem o maior contingente de
agressores, agora na figura dos filhos (65%) que têm suas mães como alvo principal.
(AZEVEDO, 2010 p. 214)569
Como observado, é considerável e preocupante que 65% do total de vítimas sejam
mulheres agredidas por seus filhos que, em sua maioria, é composta por homens.
princípio: qual o perfil571 dos casos de violência intrafamiliar em que mães são agredidas por
seus/suas filhos/filhas? Qual a incidência e a dimensão espacial e temporal desse tipo de
violência registrada em Salvador na última década? Como essas mulheres-mães são atendidas
nas Delegacias especiais de atendimento à mulher e ao idoso?
SOBRE AS RAZÕES
Ainda que não exaustiva, a busca por estudos que dialoguem diretamente com o que
se pretende pesquisar no doutorado não apontou estudos que tratam especificamente sobre a
violência praticada por filhos e filhas contra suas mães, idosas ou não. Portanto, a pesquisa
proposta se justifica pela sua originalidade no recorte definido.
571
O perfil será caracterizado segundo a tipificação dos casos de violência, a origem geográfica das
denunciantes, a origem de classe e o grupo de idade ao qual pertencem.
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Para além destes, existe certo número de estudos acerca da condição de alijamento de
direitos da população idosa masculina e feminina na linha de interesse da Sociologia do
envelhecimento (PONTES, 2006; GOMES, 2008; MACEDO, 2008; AZEVEDO, 2010) que
apontam as questões que este projeto de pesquisa sugere. Em nível local, tais trabalhos,
capitaneados pelas pesquisas da professora Alda Britto da Motta, constituem uma evidência
acerca da relevância do objeto de pesquisa aqui delineado.
Em que pese os avanços dos estudos sobre a violência de gênero e suas diversas
modalidades no âmbito das conjugalidades (SAFFIOTI, 2001; 2004; PIMENTEL,
PANDJIARJIAN, 1998; AQUINO, 2001; PASINATO, 2005; 2007; PRÁ, 2010; TAVARES,
SARDENBERG, GOMES, 2011, dentre outras) observa-se uma lacuna existente entre o
recorte referente à violência contra mulheres jovens (cujas pesquisas têm priorizado a
investigação da agressão conjugal), e o outro grupo ou vítima – a mulher idosa, que sofre
violências comumente advindas dos seus entes próximos. (BRITTO DA MOTTA, 2009).
Nesta pesquisa pretende-se justamente investigar a lacuna bibliográfica sobre a violência
perpetrada por filhos/as contra suas mães de diferentes grupos de idade.
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O recorte temporal adotado compreenderá parte de 2006 por ser o ano em que se
encontram dois acontecimentos relevantes para a pesquisa proposta: a instalação da DEATI e
a promulgação da LMP. Ou seja, é quando ocorrem dois acontecimentos que ‘se cruzam’ e
que são importantes para o problema de pesquisa, pois aqui pretende-se investigar os casos de
violência de filhos/as praticada contra suas mães, que, se tratando de violência doméstica
intrafamiliar podem ser atendidos no âmbito da LMP e das DEAMs (NORMA TÉCNICA DE
PADRONIZAÇÃO DAS DEAMs, 2010) e, sendo a mãe uma mulher idosa, no âmbito da
DEATI. Assim, a investigação em apenas uma das duas Delegacias, isoladamente, não
alcançaria o fator multigeracional dos sujeitos da pesquisa que se quer abarcar. A delimitação
temporal abrange o período 10 anos, para cumprir o propósito de acompanhar as ocorrências
através de observação sistemática nas Delegacias e, desse modo, aferir, descrever e analisar
denúncias e atendimentos aos casos em tempo presente.
Uma consequência igualmente trágica de todo esse quadro foi o filho tornar-se
também sujeito da violência exercida dentro da família. Duas entrevistadas, além de
terem sido agredidas verbal e fisicamente pelos companheiros, sofreram agressões
perpetradas pelos próprios filhos. (SANTOS & MORÉ, 2011 p. 231).
Dito isto, interessa neste estudo, debater também as noções e o uso dos conceitos de
geração e de conflitos geracionais, mais detidamente as relações entre as gerações para uma
tentativa inicial de alcançar a complexidade que envolve os sujeitos da pesquisa no tocante ao
contexto familiar e motivações das agressões.
indivíduo com outros membros da sociedade e adequar as mesmas aos objetivos coletivos
para além do interesse dos indivíduos e das gerações, mas da sociedade, exercendo, por fim,
um papel integrador. (FORACCHI, 1972, p. 26).
Entretanto, ao realizar pesquisa em abrigos para idosos quanto aos conflitos
familiares, Paula Pontes (2009) aponta uma questão que vale observar:
Sobre isso, Marialice Foracchi (1972, p.24) salienta que o conflito de gerações é
dialético e se dá no questionamento e na reprodução de valores, na institucionalização e na
normatização para além da família, mas também em torno de formulações sociais, exigências
e expectativas de fidelidade entre as gerações.
Desse modo, Paula Pontes (2009) verificou que as escolhas pela moradia em abrigos
muitas vezes foi consequência de conflitos geracionais intrafamiliares:
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INTRODUÇÃO
A criminalidade feminina é uma realidade hoje vista “a olho nu”. Ainda que em
número bastante pequeno, se comparadas à quantidade de crimes cometidos por homem, as
infrações praticadas por mulheres têm experimentado expressivo crescimento nos últimos
anos, notadamente no que se refere ao delito de tráfico de drogas.
Apesar disso, a visibilidade dada às mulheres criminosas ainda é diminuta no âmbito
da produção de conhecimento, bem como da formulação de políticas públicas para tratamento
adequado desse fênomeno. No Brasil, ainda são incipientes as políticas voltadas às
especificidades que circundam a criminalidade feminina, principalmente porque ainda não
utilizam a perspectiva de gênero como eixo central para dicussão do problema.
O crime cometido pela mulher não significa apenas uma transgressão à lei penal,
senão também uma ruptura com as normatizações de gênero que constituem as relações em
sociedade, considerando que desse sujeito se espera um comportamento condizente com a
docilidade normalmente atribuída ao universo feminino.
Não parece possível pensar sobre causas, efeitos e medidas a serem adotadas acerca
da criminalidade feminina sem a compreensão sobre as implicações produzidas pelo gênero e
nele mesmo com esse deslocamento da mulher para o ambiente da ilegalidade.
Assim, este trabalho se propõe a discutir alguns desafios que se apresentam às
mulheres encarceradas, a partir da categoria de gênero, no intuito de contribuir com a
urgência de se pensar em políticas capazes de enxergar esses sujeitos duplamente invisíveis –
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pelo gênero e pelo crime – e, dessa maneira, garantir-lhes a dignidade erigida à condição de
fundamento constitucional brasileiro.
A MULHER NA CRIMINOLOGIA
Tradicionalmente o crime tem sido estudado e explicado a partir de abordagens
androcêntricas, que o situam como fenômeno diretamente ligado à natureza masculina. Desde
os estudos de Cesare Lombroso (1876), diz-se que a Criminologia tem se mostrado um campo
em que homens estudam homens e, por sua vez, invisibilizam a mulher presente nessa
realidade.
Poucos os autores que dedicaram espaço em suas pesquisas para conhecer a mulher
criminosa em suas especificidades. Em realidade, quando não completamente ignorados, esses
sujeitos eram estudados a partir dos parâmetros construídos para análise da criminalidade
masculina e sobre os estereótipos de gênero culturalmente construídos. A mulher é pensada
como mãe e dona de casa e, por isso, não é vista enquanto criminosa, apesar de ser
incontestável realidade.
Com efeito, argumento preponderante sobre o assunto, dentro das ciências e do senso
comum, é de que a mulher comete menos crimes que os homens, que comete delitos de menor
gravidade ou, ainda, que pratica infrações penais normalmente influenciadas por outrem,
devido aos caracteres – em tese – biológicos que a constituem.
Nesse sentido, Soares e Ilgenfritz (2002, p. 64) explicam que, acerca do cometimento
de crimes por mulheres, “as justificativas se fundamentavam, igualmente, em supostos
atributos da natureza feminina: a ideia da mulher essencialmente dócil, meiga, frágil,
indefesa, submissa e dependente”.
A própria criação de penitenciárias para mulheres no Brasil, no início do século XX,
esteve fundamentada na perspectiva de que mulheres eram “naturalmente” menos criminosas,
com a possibilidade de serem reeducadas em instituições diferentes das criadas para os
homens, como reformatórios, colônias agrícolas etc., como explicam Soares e Ilgenfritz
(2002).
Nos últimos anos, porém, têm surgido importantes contribuições para a compreensão
da realidade da mulher criminosa a partir da Criminologia de perspectiva feminista, que
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as mulheres ainda lidam com gritante desigualdade causada pelas normatizações de gênero. A
realidade permanece marcada por discursos machistas, preconceituosos, que as inferiorizam e
lhes impõem um fardo bastante pesado nas relações sociais.
Joan Scott (1990) explica o gênero como categoria de análise fundamental à
compreensão de como se constituem os modelos sobre os quais se organizam e se percebem
as diferenças entre os corpos sexuados. O gênero seria uma construção discursiva que
constitui o sujeito e seu lugar social a partir do que é determinado culturalmente. Ainda
segundo a autora, “o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder”
(SCOTT, 1990, p. 14).
A mulher ainda é responsabilizada pelo doméstico, pela família, pelo cuidado. À
mulher ainda são destinadas as características ligadas à fragilidade e à submissão. Esse sujeito
ainda é tratado desigualmente no mercado de trabalho, não tem voz suficiente nos espaços de
poder e ainda enfrenta as maiores dificuldades para o alcance de direitos mínimos.
Não há como negar, portanto, que, mesmo toda a força acadêmica, política e ativista
dos movimentos feministas, ainda são necessários muitos passos para chegar a uma situação
de emancipação plena das mulheres no seio social.
Por outro lado, há que se destacar o fato de que pertencer ao mundo do crime, por si
só, gera inúmeras situações de discriminação. De modo geral, o sistema penitenciário
brasileiro é caótico e não garante dignidade no cumprimento da pena, tampouco a
ressocialização das pessoas condenadas, apesar de ser essa uma das finalidades da pena
adotadas no país, o que colabora para desestabilizar ainda mais a vida do infrator.
É uma realidade que não se resume à criminalidade feminina e que não se mostra um
entrave meramente penal. Conforme leciona Greco (2011), trata-se de um problema político-
social do Estado, que exige soluções envoltas pela vontade política de fazer com que essas
pessoas apareçam e se reintegrem de forma adequada ao convívio social.
No que se refere à situação das mulheres presas, os obstáculos parecem ainda
maiores. Até pouco tempo atrás, o próprio Estado não se preocupava sequer em levantar
dados e tecer relatórios que servissem de norte à formulação de políticas públicas para o
segmento. Atualmente, todavia, ainda se verificam poucos avanços sobre o assunto. No
Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, elaborado pelo Ministério da Justiça em
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O GÊNERO E O CRIME
Das pesquisas já realizadas sobre o assunto, observa-se que a maior parte das
mulheres envolvidas com o crime é composta por jovens, mães, de baixa renda e com pouco
acesso a empregos formais, de pouca escolaridade e não-brancas572. Ademais, mais da metade
da população carcerária feminina tem condenação pelo delito de tráfico de drogas573.
São mulheres que, afetadas por marcadores da diferença, pagam um preço muito
mais alto do que a pena pelo crime cometido, uma vez que a prisão traz consequências
normalmente distintas para a vida que mulheres e homens deixam extra muros. Para as
mulheres, o dano mais grave certamente é a desestabilização das relações afetivas e
familiares.
Com efeito, vê-se mães afastadas dos filhos, os quais, em boa parte dos casos, ficam
em lares de terceiros, sofrendo abusos e violência. São esposas ou companheiras que se veem
sozinhas, após o abandono do marido ou companheiro que não foi criado para cuidar e
esperar. São as que não recebem visitas. São mulheres pobres sem condições materiais de
prover sua defesa perante o Sistema de Justiça Criminal. São mulheres condenadas pelo
gênero e pelo crime.
Segundo Moreira (2012, p. 99), “os dados mostram que a prisão ao isolar as
mulheres do mundo externo põe os laços familiares sob pressão, favorecendo a perda do
contato e a ruptura de relacionamentos”, o que não ocorre exatamente com homens presos.
Afinal, raramentes estes são abandonados por esposas, filhas e filhos, mães, e, portanto, nesse
quesito sentem muito menor o peso do que aquelas quando encarecadas.
A mulher presa comumente sente a dor de ter falhado como mãe, como filha, como
companheira, antes mesmo do desvio quanto à norma penal. Ela representa uma fratura à
norma de gênero que lhe imputa o dever do cuidado e, por isso, é punida de maneira
duríssima.
Por outro lado, as diversas hipóteses levantadas para justificar o ingresso da mulher
no mundo do crime também sugerem estreita relação com a questão do gênero. Seja devido às
dificuldades financeiras, causadas em regra pela maior dificuldade de ingresso no mercado
formal, seja pela influência de maridos/companheiros/filhos, resta notória a implicação do
gênero nisso tudo.
Ora, mulheres comumente enfrentam maiores obstáculos para entrar no mercado de
trabalho formal e para nele se manter, inclusive pela sobrecarga do trabalho doméstico a ela
atribuído e pelas obrigações advindas com a maternidade. Ademais, ainda recebem menores
salários e ocupam os postos inferiores de emprego. Em suma, a pobreza ainda tem cara de
mulher. Segundo Lagarde (LAGARDE, 1996, apud LISBOA; MANFRINI, 2005, p. 72),
[...] o gênero feminino é aquele que mais trabalha, recebe menor retribuição pessoal
por seu trbalho, enfrenta mais impedimentos e limitações para alcançar riqueza
social, possui mais carências, enfrenta mais privações e satisfaz em menor medida
suas necessidades vitais.
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companheiros, maridos e filhos já foi objeto de diversos estudos e, apesar de não aparecer
como principal motivação, é comprovado que há um número significativo delas que
ingressam realmente por essa razão. O delito de tráfico de droga é um dos exemplos
corriqueiros sobre o assunto, ja que boa parte das mulheres é condenada após envolver-se
afetivamente com traficantes ou entrando em presídios masculinos portando drogas.
Além disso, “a maior parte delas [das mulheres] chega às prisões trazendo uma
história prévia de maus-tratos e/ou abuso de drogas (próprio ou de familiares próximos)”
(SOARES; ILGENFRITZ, 2002, p. 126). Apesar dessa informação não significar
determinante para ingresso no crime, afinal, conforme bem lembram as citadas autoras, a
maior parte das mulheres vítimas de agressão e dependentes de drogas se encontra fora das
penitenciárias,
o que os dados mostram é que a prisão, tanto pela privação da liberdade, quanto
pelos abusos que ocorrem em seu interior, parece ser apenas mais um elo na cadeia
de múltiplas violências que conformam a trajetória de uma parte da população
feminina. (SOARES; ILGENFRITZ, 2002, p. 126)
POLÍTICAS DE GÊNERO
Por todo o exposto, resta claro que o segmento de mulheres presidiárias exige um
olhar voltado às peculiaridades que cercam seu universo, que é distinto da criminalidade
masculina. Seu ingresso no crime não se dá da mesma forma, elas vivenciam a pena de
maneira diferente e as consequências extra muros também são singulares.
De fato, não bastarão políticas norteadas por parâmetros pensados para a realidade
masculina, como tem sido feito costumeiramente até então. As políticas públicas para
mulheres encarceradas no Brasil precisam considerar o papel que elas representam em suas
famílias, como estas ficam durante sua saída e na sua volta. Necessitam pensar no porquê
dessa mulher ter entrado no mundo do crime e especificamente nos crimes que mais cometem
– como o tráfico de drogas, que representa mais da metade da população carcerária feminina
do país. As políticas devem ser orientadas a diminuir os danos causados à quebra das normas
de gênero e, mais imporante ainda, à própria transformação dessas normatizações, que são
fonte de tanta violência diariamente.
É possível falar que o Brasil avançou recentemente com a publicação da Política
Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do
Sistema Prisional (PNAMPE), do Ministério da Justiça em conjunto com a Secretaria de
Políticas Públicas para Mulheres da Presidência da República, através da Portaria
Interministerial n.º 210, de 16 de Janeiro de 2014. Referida portaria instituiu algumas
diretrizes importantes para a formulação de políticas públicas para esse segmento, a saber:
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Como sabido, lidar com o crime, suas causas e consequências, ainda é tabu no Brasil.
No que tange à criminalidade feminina, então, resta claro a lacuna de políticas eficazes ao
tratamento do problema.
Conforme demonstrado ao longo do texto, a experiência feminina no crime é cercada
por fatores diretamente ligados às desigualdades de gênero e não há como se pensar em
políticas públicas para o fenômeno sem priorizar o gênero enquanto categoria central de
análise.
Tratar do crime cometido por mulher enquanto mais uma questão de gênero obriga
os gestores e órgãos a enfatizar que a realidade feminina é marcada por limitações produzidas
desde muito cedo, que modelam sua forma de agir no doméstico e também no mundo do
crime.
Apesar de ainda não existirem políticas concretas que estejam voltadas à questão no
país, cumpre ressaltar um importante avanço ocorrido recentemente, com a publicação da
PNAMPE, que estabeleceu diretrizes sérias e preocupadas com a formulação de políticas
públicas de gênero para mulheres encarceradas no Brasil.
Sendo assim, resta torcer para que esses direcionamentos saiam do papel, com a
instituição de caminhos para tratar adequadamente da criminalidade feminina e de suas
implicações na realidade de tantas mulheres que hoje se veem no mundo do crime.
Importa dizer, ainda, que a produção de conhecimento sobre o assunto se mostra um
importante instrumento para pessionar quem de direito a dar visibilidade e a tratar da
criminalidade feminina não apenas como uma questão de gênero, mas também e
primordialmente como um campo em que a dignidade da pessoa humana precisa estar
presente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
Devemos lutar “por um mundo onde sejamos
socialmente iguais, humanamente diferentes e
totalmente livres”.
Rosa de Luxemburgo.
O afeto possui diversas cores e expressões. A partir dessa afirmação este artigo irá
discutir acerca da união homoafetiva sob a perspectiva do direito, relacionando a visão dos
discentes de Serviço Social do curso noturno da Universidade Federal do Amazonas – UFAM
com a temática em tela.
Enfatiza-se a questão dos Direitos Humanos como fonte da primazia de dignidade
humana. Sendo assim, sabe-se que as uniões homoafetivas adquirem evidência a cada dia em
nossa sociedade. Trata-se de uma realidade presente no cotidiano das relações sociais, o que
requer debate e análise acerca dessa temática com vistas a assegurar as pessoas que vivenciam
essa união seus direitos sob o prisma do princípio da dignidade humana.
Ressalta-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, portanto, deve ser garantido a todos os cidadãos independente
de cor, sexo, religião e orientação sexual.
574
Graduanda em Serviço Social na Universidade Federal do Amazonas - UFAM
575
Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (PPGSCA - 2006),
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas (PPGE) -
(2013/2017), Professora Asssitente do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
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Entretanto as pessoas que possuem união com sujeitos do mesmo são alvos de
violência em suas diversas formas há muito tempo, um grande exemplo foi, “na Alemanha
Nazista”, no ano de 1928, um partido nacional-socialista que declarava em discurso – através
de um indivíduo que o representava – que o interesse geral deve estar sobre o interesse
individual e disse, ainda: “aqueles que preservarem considerações ao amor entre homens e
entre mulheres são nossos inimigos”. (HAEBERLE apud BORRILLO, 2001, p. 88). Por
conseguinte:
Borrillo utiliza a criação da Oficina Central do Reich como marco da efetivação da
política do Holocausto Gay em 1936, quando os homossexuais foram enviados em
massa aos campos de concentração, calcula-se que o número tenha alcançado 15.000
corpos categorizados e marcados como homossexuais. (BORRILLO apud MAFRA,
2015, p.96)
Como resultado material de um balanço das atrocidades cometidas durante a Segunda
Guerra Mundial é promulgada a Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948, em seu
artigo 1.° afirma que: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito e
fraternidade”. (Disponível em: <https://www.onu-brasil.org.br>, Acesso em 11 de Outubro de
2015)
Com base nos preceitos desta Declaração diversos países discutiram e formularam
suas declarações, importante frisar o condicionamento dos Direitos Humanos, que “tem cunho
de recomendação, de proteção, de fomento, não de exigência.” (CANFIELD, 2015, p.33)
O Brasil, por exemplo, só passa a ser signatário dos Direitos Humanos em sua
Constituição Federal de 1988, onde de fato há um aprofundamento no que tange a defesa da
dignidade humana, pois a Carta Magna amplia direitos e garantias individuais e coletivos
ratificando que:
os direitos do homem são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas
que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições
de vida que estas lutas produzem. (BOBBIO, 1992, apud CANFIELD, 2015, p.42)
Posto isto, é necessário explicitar que o Brasil teve uma construção de direitos gradual,
denominada pela maior parte dos autores, de forma didática, como Primeira, Segunda e
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É fato que a existência jurídica do direito não assegura sua efetivação. Ainda mais,
quando se fala acerca de uniões que enfrentam uma carga de conservadorismo e preconceitos,
visto que levando em consideração que a base da sociedade é a família577, uniões com
composição diferenciada da “família tradicional” são focos de desmonte. Assim, é necessário
ratificar a afetividade como laço formador de famílias, para então não excluir os diversos
tipos de famílias existentes na atualidade.
Para Souza & Dias (2010, p.21) “as famílias modernas ou contemporâneas
constituem-se em um núcleo evoluído a partir do desgastado modelo clássico,
matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado e heterossexual[...]”. Isto é
reforçado no âmbito jurídico brasileiro, quando na Lei Maria da Penha de N.° 11.340/2006,
em sei Artigo 5.° Inciso II: “âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade
ou por vontade expressa”. (BRASIL, 2006)
Ainda que existam avanços inegáveis no mundo e no Brasil, a efetividade da justiça
ainda não alcança a todos, especialmente pela dificuldade de compreender a Diversidade
Sexual578. Um relatório elaborado pela Secretária de Direitos Humanos em 2012 sobre a
576
Direitos da primeira geração ou direitos de liberdade: Surgiram nos séculos XVII e XVIII e foram os
primeiros reconhecidos pelos textos constitucionais. Compreendem direitos civis e políticos inerentes ao ser
humano e oponíveis ao Estado [...] Direitos da segunda geração ou direitos de igualdade: Surgiram após a 2ª
Guerra Mundial com o advento do Estado - Social. [...]Direitos da terceira geração ou direitos de fraternidade
/solidariedade: São considerados direitos coletivos por excelência pois estão voltados à humanidade como um
todo. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3033/As-geracoes-de-direitos-fundamentais>
Acesso em: 11 de Outubro de 2015.
577
Artigo 226. “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” – Constituição Federal
Brasileira (1988)
578
Sobre a diversidade sexual, afirma-se que se deve reconhecê-la em nossa sociedade, para assim, respeitar a
diversidade humana, contribuindo com a edificação de uma sociedade justa, diversa, igualitária e livre.
(KOTLINSKI, www.coturnodevenus.org, acesso outubro de 2015).
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em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações
relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Em
setembro ocorreu o maior número de registros, 342 denúncias. Em relação a 2011
houve um aumento de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando foram
notificadas 1.159 denúncias de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs,
envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos.
579
Utiliza-se aqui o que Borrillo (2010), define como: Homofobia Cognitiva (social) que “pretende
simplesmente perpetuar a diferença homo/hetero, neste aspecto, ela preconiza a tolerância, forma civilizada da
clemência dos ortodoxos em relação com os heréticos. (p.24)
580
A discussão se dá por meio da PL 122 de 2006, apresentado pela então Deputada Iara Bernardi, com o
objetivo de criminalizar a homofobia, o texto original está Disponível em: <
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=45607&tp=1>
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questão social581 é mister que temáticas transversais582 como, por exemplo, a diversidade
sexual, sejam apreendidas durante a formação, pois a homofobia nada mais é do que uma das
múltiplas expressões da questão social presente no seio da sociedade.
A importância de se pesquisar essa temática junto a esses sujeitos, reside no
entendimento de que pesquisar em um ambiente universitário, entendido como um espaço
plural, de diferentes culturas e religiões que expressa não só a diversidade, mas também a
reprodução dos preconceitos apreendidos ao longo da vida constitui-se num desafio a ser
enfrentado com rigor e criatividade.
E ainda, sendo o assistente social um dos profissionais que clamam por igualdade e
defesa intransigente dos direitos humanos e de cidadania justifica- se a presente reflexão.
581
Segundo Iamamoto (1999, p. 27), a Questão Social pode ser definida como: O conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada,
monopolizada por uma parte da sociedade.
582
Os Parâmetros Curriculares Nacionais incorporam essa tendência e a incluem no currículo de forma a compor
um conjunto articulado e aberto a novos temas, buscando um tratamento didático que contemple sua
complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais.. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.pdf> Acesso em: 29 de junho de 2015, às 17:09.
583
Neste estudo a definição de classe média ancora-se: “a classe média, medida em termos da renda familiar per
capita, esteja em torno de R$ 440 familiar per capita, o que resta fazer é determinar onde começa e onde
termina”. (SAE/PR, 2014).
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584
Cada cor representa um conceito: vermelho para o fogo/vida; laranja para a cura/poder; amarelo para o
sol/luz; verde para a natureza; azul para as artes; roxo para o espírito. As excluídas: rosa choque para o sexo;
turquesa para harmonia. Disponível em: < https://stophomofobia.wordpress.com/2011/03/27/significado-das-
cores-na-bandeira-gay/> Acesso em 11 de Outubro de 2015.
585
Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais.
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Não sei exatamente. Mas eles lutam pelo que acham que é certo. (Amarelo 7)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
586
Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará.
Email:rwatf@hotmail.com
587
Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará.
Email:josabetecacau@yahoo.com.br
588
Pós doutora em Educação pela Universidade Estadual da Paraíba. Email: lia_fialho@yahoo.com.br
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Scott (1995) busca compreender a dimensão entre os polos homem/mulher focada nas
atribuições de comportamentos psicológicos e papéis sociais impostos a esses sujeitos, em
virtude de ideias dicotômicas implantadas pela própria cultura e linguagem social. Na visão
de Silva (2002, p. 105), “o conceito de gênero foi criado precisamente para enfatizar o fato
de que as identidades, a masculina e feminina, são historicamente e socialmente produzidas”.
Essa reprodução social que confronta homens e mulheres pode ser vista em diversos
setores da sociedade. Segundo dados do IBGE (2010) mesmo com maior escolaridade, as
mulheres têm rendimento médio inferior ao dos homens. As mulheres com 12 anos ou mais
de estudo recebiam, em média, 58% do rendimento dos homens com esse mesmo nível de
escolaridade. Certamente a explicação desses números apontam algumas das dificuldades
enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho, apesar de exercerem os mesmos
cargos/ocupações dos homens, as mulheres ainda não garantiam na sua totalidade o direito à
equiparação salarial.
Ainda em conformidade com os dados do IBGE (2010) as disparidades salariais
ocorrem em virtude das mulheres com escolaridade mais elevada ocuparem atividades,
pertencentes aos nichos tradicionais femininos, relacionadas ao serviço social, à saúde e à
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Nesse contexto, a igualdade de gênero somente será possível a partir da superação das
desigualdades construídas ao longo dos tempos enraizadas na relação entre homens e mulheres,
portanto, o afastamento das desigualdades não é algo fácil. Nessa linha de raciocínio, expõe Scott
(1995, p.44),
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma introdução às Teorias do Currículo.
2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
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O assédio sexual e moral contra mulheres na esfera do trabalho é uma das grandes
problemáticas que atingem mulheres de diferentes gerações, orientações afetivo-sexuais,
classes e raças/etnias, restringindo sua liberdade e autonomia se constituindo como violência
sexista. O presente artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa - Mulheres, trabalho e
assimetria de poder: o assédio moral e sexual no espaço produtivo591, que objetiva analisar a
compreensão das comerciárias norte-rio-grandenses sobre o assédio sexual e moral na esfera
do trabalho e se tais violências se constituem como uma das expressões da precarização do
trabalho feminino na contemporaneidade.
O tema das violências contra as mulheres no âmbito do trabalho, em especial o assédio
sexual e moral, mesmo sendo uma questão tão presente e relevante no cotidiano das
trabalhadoras brasileiras, raramente é foco de discussão, seja na teoria e/ou em pesquisas
acadêmicas, nos processos de negociações coletivas ou mesmo na elaboração de leis e
regulamentos. Ao explorar esta questão nos deparamos com uma realidade na qual prevalece
uma espécie de invólucro que escamoteia uma realidade cada vez mais presente nas relações
de trabalho.
Nesse sentido, a indagação sobre porque é importante trazermos para o debate o
assédio sexual e moral praticados na esfera do trabalho ganha mais sentido. Em primeiro
589
Doutora em Serviço Social. Professora Adjunta IV da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas das Relações Sociais de Gênero e
Feminismo - GEF/UERN. Pós-doutora em Sociologia no Centre d´Enseignement, de Documentation et de
Recherches pour les Études Féministes – CEDREF - Université Paris VII. E-mail:
fernandamarquesdequeiroz@gmail.com
590
Doutora em Serviço Social (UERJ), bolsista PNPD no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas das Relações
Sociais de Gênero e Feminismo (GEF). E-mail: ilidianadiniz@gmail.com
591
Aprovada no Edital Universal nº14/2013 do CNPq.
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lugar, trata-se de uma forma de violência sexista que expõe as vítimas a vários tipos de
sofrimentos, sejam de ordem física, psicológica ou moral, se constituindo, portanto, num
grave problema de saúde pública, além de se configurar como uma expressão contemporânea
da questão social592.
Reafirmamos, portanto, a necessidade dessa problemática ser mais debatida tanto no
âmbito público, quanto no universo acadêmico, para que os sujeitos que cotidianamente
sofrem esse tipo de violência tenham subsídios para identificá-lo e para de algum modo
desenvolver estratégias de resistência, mesmo entendendo as dificuldades advindas do
estabelecimento de padrões de produção, marcados pela flexibilização e eliminação dos
direitos trabalhistas que tem sistematicamente ampliado e complexificado as relações de
trabalho, especialmente a feminina.
Até o presente momento, realizamos pesquisa bibliográfica e de campo por intermédio
de entrevistas semiestruturadas593 com 17 mulheres594 que trabalhavam no comércio nas
cidades de Natal595, Mossoró596 e Pau dos Ferros.597
592
Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura,
que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente
social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade
(IAMAMOTO, 1999, p.27).
593
Consideramos que este instrumento tornou-se mais viável para o desenvolvimento de nossa pesquisa na
medida em que permitiu um maior grau de liberdade e criatividade para as informantes, essencial, portanto, para
os estudos de cunho qualitativo.
594
Para resguardar a identidade das entrevistadas optamos por nomeá-las como ervas e plantas da flora
nordestina.
595
Capital do estado do Rio Grande do Norte. Vigésima cidade mais populosa do país, detendo em 2010 uma
população de 803.311 habitantes, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
596
Segunda cidade mais populosa do estado do Rio Grande do Norte, distando 285 quilômetros da capital Natal.
Localiza-se às margens do rio Apodi-Mossoró, na região oeste do estado e na microrregião homônima. Principal
município da Costa Branca Potiguar. Segundo Censo do IBGE-2010, possui uma população de 259.886 mil
habitantes.
597
Principal cidade alto oeste potiguar. Possui 30 mil habitantes, segundo o último Censo do IBGE, é
responsável pelo principal comércio da região, bem como pelo setor bancário que abarca as demandas de
inúmeras cidades circunvizinhas.
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598
No Brasil, as mulheres recebem, em média, apenas 30% do salário pago aos homens e, no mundo,
representam 70% dos pobres e 2/3 dos analfabetos. Não é à toa que a pobreza é substantivo feminino (Censo do
IBGE 2010).
599
Tradução do original em francês: “Travail dévalorisé”
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O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-
estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais
no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livre mercados
e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada essas práticas; o
Estado tem que garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as
estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedades
individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados (HARVEY,
2008, p.12).
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Entende-se por “precarização social” um processo de institucionalização da instabilidade, caracterizada pelo
crescimento de diferentes formas de precariedade e exclusão. Este processo multidimensional corresponde, se
apoia na flexibilidade. Esta é considerada, muito frequentemente, uma tendência inevitável das reestruturações
contemporâneas para fazer face às novas regras da concorrência internacional (APPAY e THÉBAUD-MONY,
2009).
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602
De acordo com a segunda parte de um relatório conjunto apresentado pela FAO, OIT e CEPAL, atualmente,
as mulheres representam 20% da força laboral agrícola na América Latina e no Caribe e desempenham uma
função chave na segurança alimentar, mas não têm igualdade de acesso aos recursos e sofrem discriminação no
mercado de trabalho, tanto em termos de seus salários como em condições de trabalho”, assinalou o
representante regional da FAO, Raúl Benitez. O referido estudo foi iniciado em 2010, abarcou 12 países, dentre
eles: Argentina, Bolívia, Guatemala, Honduras, México, Paraguai e Uruguai (OIT, 2012).
603
Où il est encore un autre internationalisation de la reproduction sociale et re-privatisation du patriarcat
[tradução nossa].
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por muitos (as), para nós, é uma barreira cada vez mais espinhosa cravada na agenda de luta
dos movimentos feministas que se veem paulatinamente tendo que enfrentar os desmandos do
capital em todas as suas especificidades e particularmente para a luta das mulheres, por
igualdade e superação da exploração, opressão e violência. Por outro lado, trata-se também de
uma luta de convencimento dos próprios sujeitos mulheres de que ainda temos um longo e
tortuoso caminho a enfrentar em busca de direitos igualitários entre homens e mulheres.
Não nos enganemos que esse paradoxo é fruto de uma política orquestrada pelo Estado
burguês que tenta institucionalizar as lutas políticas vestindo-se, apenas quando lhe convêm,
como (no caso das lutas LGBT), de arco-íris respeitando a diversidade, e para as mulheres, de
uma capa lilás denotando preocupação com a igualdade, e a dos (as) negros (as), de uma
túnica “miscigenada” antirracista. Todavia, isso não representa avanços, do ponto de vista da
luta concreta contra a homofobia, a desigualdade de gênero e o racismo. Os sujeitos
discriminados estão cotidianamente expostos na esfera pública, onde muitos (as) são
insultados (as), agredidos (as) e até assassinados (as). Nesse sentido, observa-se o lado
sombrio da privatização das vidas, ou seja, de sua despolitização.
Portanto, em relação ao trabalho feminino, tais desigualdades se apresentam e negam a
possibilidade do mesmo se configurar como forma de “emancipação”604, visto que as mesmas
estão em espaços precarizados e com baixos rendimentos.
No que se refere ao trabalho no comércio, lócus de nossa pesquisa, estudo divulgado
pelo Dieese (2010) sobre o perfil da trabalhadora brasileira no comércio em seis regiões
metropolitanas do país feito a partir do resultado das pesquisas mensais de emprego realizadas
ao longo do ano de 2009, revelou que a maior parte das mulheres assalariadas tinham idade
entre 25 e 39 anos e correspondiam a 45,1% das trabalhadoras em São Paulo (SP) e a 52,6%
em Salvador (BA). As comerciárias exerciam jornadas de trabalho inferiores à dos homens,
embora ambos trabalhem excessivamente, ultrapassando a jornada legal de 44 horas.
Quando comparado o rendimento/hora de homens e mulheres no comércio, a mulher,
em 4 (quatro) das 6 (seis) regiões pesquisadas, ganhava menos do que os homens. A
604
Utilizamos aspas em emancipação porque não acreditamos que seja somente a partir do trabalho assalariado
que as mulheres conseguirão sua independência econômica e, a partir dela, sua liberdade. Há outros
determinantes que incidem para que isso ocorra. O sentido de emancipação aqui empreendido é unicamente
como demarcador de poder de compra do dinheiro, inalcançável para a maioria das mulheres trabalhadoras.
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equiparação dos salários ocorreu apenas em regiões onde os rendimentos em geral eram muito
baixos, como Recife (PE) e Fortaleza (CE).
A maior empregabilidade das mulheres no comércio pode ser atribuída aos
estereótipos culturalmente atribuídos às mesmas como: sensibilidade, resignação e cuidado no
trato com os/as clientes, principalmente no comércio varejista, onde ocorre um contato mais
direto entre cliente e funcionário (a).
Esse conjunto de habilidades culturalmente associadas à feminilidade é explorado pelo
mercado e pode ser percebido na forma de vestir, de arrumar os cabelos, de usar a
maquiagem, dentre outros marcadores estéticos femininos que compõe uma espécie de
círculos de “sedução”.
Especificamente no estado do Rio Grande do Norte, nos últimos anos, as mulheres têm
ocupado maciçamente o mercado de trabalho, no árduo desbravar da travessia no qual aqui a
analogia é quase literal com o poema “o lar do passarinho é o ar não é o ninho”605. Entretanto,
não nos encontramos numa ilha e lá, como em inúmeros outros lugares, a condição das
mulheres trabalhadoras foi atravessada pelas diversas etapas do capitalismo e chegou à era da
“globalização” e da produção flexível ainda mediada pela tríplice imputação de cuidar da
família, da reprodução da força de trabalho e da continuidade da produção social (como
assalariada ou não).
Em 2010 o DIEESE e o Estado do Rio Grande do Norte, através da Secretaria de
Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social- SETHAS realizaram uma pesquisa
onde expuseram um panorama anual sobre as características gerais da população no âmbito da
educação, do trabalho, do rendimento e da habitação. As fontes de dados utilizadas para a
realização da referida pesquisa foram a Relação Anual de Informações Sociais
(RAIS/MTE)606 e a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD/IBGE-2010).
Os anos utilizados em ambas as bases foram os de 2001, 2005 e 2009, buscando-se
605
Poema travessia de Bráulio Tavares, do livro “As baladas de Trupizupe” 1980.
606
A RAIS/MTE é um registro administrativo, de periodicidade também anual e declaração obrigatória para
todos os estabelecimentos (inclusive aqueles sem ocorrência de vínculos empregatícios no exercício), criado com
a finalidade de suprir as necessidades de controle, de estatísticas e de informações das entidades governamentais
da área social. Constitui um instrumento imprescindível para o cumprimento das normas legais, como também é
de fundamental importância para o acompanhamento e a caracterização do mercado de trabalho formal (Notas
Técnicas da RAIS, MTE).
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retratar a evolução da inserção das mulheres no mercado de trabalho ao longo dos anos 2000.
Em algumas análises, não foi possível utilizar os três anos, dadas as diferenças metodológicas
existentes. Tal estudo objetivou caracterizar a situação da mulher no mercado de trabalho no
Rio Grande do Norte. O intuito foi explicitar os principais indicadores da inserção feminina
no mercado de trabalho, a taxa de participação, a taxa de ocupação, a taxa de desocupação, a
posição da ocupação, os rendimentos, a escolaridade e sua posição na família, entre outros
aspectos (SETHAS/DIEESE, 2010)607.
Os primeiros dados desenvolvidos pelo estudo mostraram o comportamento da taxa de
participação (População Economicamente Ativa/População em Idade Ativa -PEA/PIA) que é
um indicador que reflete a parcela da população com 10 anos608 ou mais de idade que está
trabalhando ou procurando emprego mostrando o potencial da força de trabalho no mercado
local. Analisando a taxa de participação por sexo no Rio Grande do Norte (PEA/PIA), nos
anos de 2001, 2005 e 2009, verificou-se uma expansão tanto do contingente masculino quanto
do feminino no período.
No que se refere ao rendimento médio mensal do trabalho das pessoas ocupadas do
Rio Grande do Norte, nos anos de 2001, 2005 e 2009, os dados apontaram uma sutil elevação
comum a ambos os sexos. O que permaneceu inalterada, entretanto, é a diferença média do
rendimento pago às mulheres comparado ao dos homens que, nos anos entre 2001 e 2009,
corresponderam a 72,3% e 72,2%, respectivamente.
A diferença salarial entre homens e mulheres ainda é um fator preponderante no
mercado de trabalho, mesmo tendo estas maior nível educacional, e ou desempenho
semelhante. Atualmente, no estado do RN, 93,5% das mulheres ganham até um salário
mínimo, segundo os dados da PNAD de 2009. Em 2001, esse percentual era de 81,2% e as
que produziam para o consumo próprio representavam 9,8%. Entre 2001 e 2009, houve um
607
As fontes de dados utilizadas para a realização da pesquisa foram o documento da Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS/MTE) e a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD/IBGE).
608
Ao nos deparar com esses gráficos um dado nos chamou bastante atenção, os cálculos dos institutos de
pesquisa ainda têm como base de idade da população ocupada ou que procura trabalho 10 anos. Confesso que
demoramos um pouco para compreender esse conceito, uma vez que, segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente em seu artigo 244-A o trabalho infantil é crime. E pelo que sabemos tais pessoas corresponde à
População em Idade Economicamente Não-Ativa (PINA). Entretanto, apesar de controversa a justificativa
adotada pelo IBGE para o cálculo da PEA, a partir de 10 anos de idade é que apesar da proibição legal, o
trabalho infantil é uma prática ainda explorada.
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As mulheres não somente são mais frequentemente vítimas, como também são
assediadas de forma diferente dos homens: as conotações machistas e sexistas estão
muitas vezes presentes. O assédio sexual não é mais do que a evolução do assédio
moral. Nos dois casos, trata-se de humilhar o outro e considera-lo um objeto à
disposição. Para humilhar, visa-se o íntimo. O que há de mais íntimo que o sexo?
[...] (p.99-100).
preferenciais.
Segundo, porque é preciso guardar as especificidades, que a nosso ver, são dimensões
que os tornam distintos e com especificidades bastante peculiares.
No assédio sexual, geralmente ocorre uma relação de troca, “isso por aquilo”, visto que o (a)
assediador (a) comumente oferece algo que tanto pode ser a manutenção do emprego, uma
promoção ou mesmo a manifestação de superioridade do “caçador” sobre sua “caça”.
Portanto, as diferenças são significativas, já que no assédio moral as vítimas são “escolhidas”
com o intuito de afastamento, disputa, desestabilização, dentre outros objetivos que fazem
com que os (as) mesmos (as) convivam num ambiente de hostilidade e acabem por pedir
demissão. Ou seja, este trabalho, de certa forma diverge dos estudos sobre assédio moral e o
assédio sexual. Neste sentido, compreendemos que as características de ambos os afastam
mais do que os aproximam, principalmente se levarmos em conta a intencionalidade de cada
um deles.
Concordamos com as perspectivas que assinalam que o assédio sexual pode se
transformar em assédio moral. Todavia, o inverso seria incoerente, visto que, as
características presentes nos atos de assédio moral já criariam uma resistência por si só entre
assediado (a) e assediador (a).
Os pontos de convergência entre assédio moral e sexual se dão pela incidência da
violência psicológica e pela dimensão de poder que perpassam ambos. Acrescenta-se a isto o
fato de que as próprias mulheres têm dificuldade de identificar de que forma se manifesta o
assédio sexual e como este se caracteriza.
É salutar ressaltar que mesmo que a tônica da discussão do assédio seja a hierarquia
não se pode esquecer/negligenciar a dimensão de gênero dada a incidência dos assédios serem
muito maior entre as mulheres trabalhadoras, o que vem justificar o aprofundamento das
análises acerca da violência sexista no mundo do trabalho levando em consideração as
assimetrias entre os gêneros aprofundadas pela desigualdade e precarização do trabalho
feminino na sociedade capitalista.
É fundamental compreendermos o assédio moral como o assédio sexual a partir das
relações patriarcais de gênero, pois a partir disso alguns equívocos poderão ser revistos, a
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exemplo da legislação brasileira que caracteriza o assédio sexual, como tendo natureza
vertical descendente, ou seja, que sempre ocorrerá de um (a) superior (a) em relação a um (a)
subordinado (a). Essa minimização invisibiliza a dimensão das desigualdades de gênero
presentes nas relações de trabalho entre funcionários/as de mesmo nível hierárquico, pois essa
é uma relação de poder bastante acionada nesses espaços, se fazendo presente também nas
relações horizontais, sendo que a hierarquia presente que respalda, mormente o assediador é
sua condição de “macho”.
Quando se trata de assédio sexual as justificativas dessa visibilidade não se
estabelecem somente pela questão de identidade de gênero que nos impõe a vivência de
relações de poder e hierarquia dos homens sobre nós mulheres, mas também pela maior
incidência de ocorrências desta violência, já que alguns dados não oficiais apontam que em
mais de 90% dos casos são os homens que assediam as mulheres (CALIL, 1999).
O assédio sexual e o assédio moral no âmbito do trabalho caracterizam-se pela
exposição dos(as) trabalhadores(as) a situações humilhantes e constrangedoras e prolongadas
durante a jornada de trabalho relativa ao exercício de suas funções, tendo, por sua vez, as
mulheres como as mais vitimizadas609, de modo que, tais aspectos intensificam a divisão
sexual do trabalho e trazem sérios comprometimentos para a liberdade desses sujeitos.
Variando a intensidade, a época, os países, as formas de organização do trabalho e os
tipos de profissão, essas práticas há muito acompanham os (as) trabalhadores (as). Entretanto,
as novas configurações no mundo do trabalho, que repercutem na forma de administrar, são a
nosso ver, mediações capazes de explicar a intensificação da violência no mundo do trabalho,
se apresentando, por vezes, de forma sutil com nova roupagem e novas conformações no
contexto neoliberal das sociedades contemporâneas.
No Brasil esta problemática é muito comum, embora, a maioria das vítimas não
denuncie o fato às autoridades. As causas das não denúncias são as mais diversas. Na maioria
609
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) referente ao ano de 2006 estimam que, no Brasil,
52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente. Em pesquisa realizada em 2001 pela
Fundação Perseu Abramo que abrangeu 2.502 entrevistas estratificadas em cotas de idade e em áreas urbana e
rural, distribuídas geograficamente em 187 municípios de 24 estados das cinco regiões do país, abordou as
situações de violência vivenciadas pelas mulheres, constatou que cerca de 11% das mulheres afirmaram que já
tinham sofrido assédio sexual, sendo 10% dos quais envolvendo abuso de poder tipificado como assédio sexual
em ambientes de trabalho.
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das vezes, as vítimas não denunciam por temor de perder o emprego já que dependem dele
para sobreviver; medo de sofrerem retaliação por parte do empregador acusado; medo de
serem rebaixadas; de serem transferidas; não querem se expor ao ridículo frente aos (as)
colegas, familiares e amigos (as); medo de perderem a carta de referência; por simples
dificuldade de falar; e por acreditar que não há recursos para tratar de maneira eficaz o
problema.
Compreendemos que o termo assédio, seja moral ou sexual ainda demanda uma maior
difusão na sociedade em geral e entre os (as) trabalhadores (as) em particular, e por entender
que ambas são expressões latentes da violência sexista, indagamos às interlocutoras o que elas
identificavam como violência no âmbito do trabalho.
Esse nos pareceu um elemento indispensável para entender os limites da compreensão
das mesmas em termos terminológicos e de acepção da violência mais generalizada e o
assédio moral e o assédio sexual mais especificamente.
Indagada sobre o que ela caracterizaria como violência no trabalho, uma das
interlocutoras apontou:
O abuso do patrão, essa semana, ficamos bem chateadas. Teve um garçom que tem
mais experiência na pizzaria. Ele pegou, entrou uma novata lá que não tinha
experiência com o trabalho. Aí ficou puxando a novata e gritando ela na frente dos
clientes. Não era melhor ele chamar ela num canto e conversar? Eu acho que é tanto
abuso da parte dos patrões como da parte dos funcionários homens também. Gritar
os funcionários na frente dos clientes é um abuso e isso lá tem direto, errou alguma
coisa, os gritos são na frente de quem tiver (CATINGUEIRA).
Para a mesma interlocutora foi indagada a questão de sua compreensão sobre assédio
moral e assédio sexual.
Assédio moral é tipo dar em cima, não? Usar o poder que a pessoa tem, pra ficar
com outras pessoas, no caso do meu patrão é o que ele usa.
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muitos, mesmo que a pessoa perceba que está sendo humilhada, ela naturaliza e vai
levando, e isso reforça muito a eles, aos donos, por que uma das frases que era
comum lá era, “ah, se você não quiser, tem várias na fila” (FAVELA).
Há pelo menos dois aspectos importantes nessa fala. O primeiro vem reiterar o que
defendemos como limites a serem transpostos: a definição de violência feita pela mesma nada
mais é do que expressões de assédio moral. Entretanto, a violência toma uma conotação de
“um mal necessário”, mesmo que detestável. Enquanto os assédios, mesmo sem uma
compreensão que os distinga, aparecem como algo mais alheio ao trabalho.
Compreendemos que a não incorporação do termo se dá por tratar-se de uma
terminologia ainda recente do ponto de vista histórico, contudo, isto não significa que as
mesmas não identifiquem expressões de violência muitas vezes por elas vivenciadas. Porém, a
naturalização dessas violências é algo preocupante.
Acreditamos que a partir da realização de campanhas educativas que incorporem uma
definição mais objetiva e didática, tanto sobre assédio moral quanto do assédio sexual,
possibilite uma maior apropriação destes conceitos pelas mulheres e, a partir daí, seja possível
uma resistência mais incisiva, no sentido da prevenção e combate a esse tipo de violação de
direitos.
Sabemos que tal tarefa demanda uma articulação política dos sindicatos que nesse
momento histórico passam por refluxos tão complexos quanto ao próprio reconhecimento de
representatividade, especialmente pelas interlocutoras dessa pesquisa. Assim como pelo
próprio movimento feminista, que tem se posicionado ainda de modo tímido frente à questão
do assédio sexual e assédio moral contra as mulheres no espaço de trabalho. O que se observa
de mais concreto é a uma busca pela visibilidade, voltada de fora para dentro, ou seja, com
debates centrados no assédio sexual e moral nos espaços público como uma violação dos
direitos da mulher, norteados por uma discussão jurídico-legal acerca da isonomia no
trabalho.
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INTRODUÇÃO
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Especialista em Atendimento a Criança e Adolescente Vítima de Violência Doméstica - PUC/Rio.
Especialista em Serviço Social e Políticas Sociais - Faculdade Governador Ozanam Coelho / FAGOC. Trabalhou
como Assistente Social no Projeto Proximidade - Programa Desenvolvido pela Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Subsecretária de Proteção Social Especial
– SEPSE. – luandaguerra@ig.com.br
612
Programa Proximidade – desenvolvido pela PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, através da
SECRETARIA MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E SUBSECRETÁRIA DE PROTEÇÃO
SOCIAL ESPECIAL, tem como principal objetivo a redução de danos, construção de vínculos, visando à busca
do tratamento e a retomada das trajetórias produtiva e social à população adulta, criança e adolescente em
situação de rua no uso abusivo por substância psicoativa. O processo de acompanhamento e avaliação é realizado
por uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, saúde e educadores sociais.
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A observação do dia a dia dessas mulheres foi realizada pelos meses dedicados ao
Projeto Proximidade e ao trabalho em campo, em conjunto com os profissionais das políticas
setoriais.
Nesse sentido, o estudo/observação/reflexão busca apreender a situação que as
mulheres na condição de moradora de rua, “experimentam” todos os dias às desigualdades
sociais, culturais, econômicas e de gênero.
A complexidade do tema envolve muitos aspectos da sociedade como as conexões
perversas entre violência contra as mulheres, violência estrutural e violência urbana. A
violência estrutural neste contexto é abordada como as distorções, doenças da sociedade de
um sistema econômico capaz de acumular riquezas, mas, que não a distribui com justiça entre
os cidadãos. Ela é capaz de privar grande parte da população de bens fundamentais a que tem
direito para viver com dignidade, criando um estado de violência. Sendo assim, a violência
contra a mulher é inerente ao padrão das organizações, desiguais de gênero que, por sua vez,
são tão estruturais quanto à divisão da sociedade em classes sociais, ou seja, o gênero, a classe
e a raça/etnia são igualmente estruturantes das relações sociais (SAFIOTTI, 2004).
companheiro íntimo pode ser analisada através do Modelo Ecológico, que explica a estreita
relação entre o indivíduo e seu entorno. Simone de Beauvoir – pioneira na elaboração de
613
teorias feministas - nos mostra que os papéis gênero são uma maneira de indicar as
construções sociais estabelecidas em determinado contexto, e não uma característica “inata”,
desmontando o pensamento tradicional que vê como naturais às desigualdades entre homens e
mulheres. Segundo a autora,
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,
econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o
conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o
castrado que qualificam o feminino. (BEAUVOIR, 1990:13).
613
Feminismo é um movimento político, filosófico e social que defende a igualdade de
direitos entre mulheres e homens.
O "embrião" do movimento feminista surgiu na Europa em meados do século XIX, como uma consequência dos
ideais propostos pela Revolução Francesa, que tinha como lema a "Igualdade, Liberdade e Fraternidade". As
mulheres queriam estar inseridas no turbilhão de mudanças sociais que estas revoluções traziam, principalmente
para se sentirem mais cidadãs em uma sociedade historicamente regida pelo patriarquismo.
No entanto, o feminismo só começou a se popularizar no mundo ocidental nas primeiras décadas do século XX,
questionando o poder social, político e econômico monopolizado pelos homens. O feminismo, como muitos
pensam erroneamente, não é um movimento de sexista, ou seja, que defende a figura feminino sobre o
masculino, mas sim uma luta pela igualdade entre ambos os gêneros. Atualmente, não são apenas as mulheres
que se intitulam ou compartilham de pensamentos feministas - assim como existem muitas que também apoiam
o esquema de uma sociedade machista - alguns homens, que se sentem "pressionados" ou incomodados com as
"regras de comportamento social do machismo", partilham da mesma visão de liberdade e direitos igualitários
entre os sexos.
Um dos símbolos que impulsionou o feminismo em meados da década de 1960 foi a publicação do livro "O
Segundo Sexo", da escritora feminista francesa Simone de Beauvoir, que desconstruiu a imagem de que a
"hierarquização dos sexos" seria uma questão biológica, mas sim unicamente o fruto de uma construção social
pautada em séculos de regimes patriarcais. A partir deste período, começa a se disseminar o
chamado Feminismo Radical, uma ramificação do pensamento feminista que acredita só ser possível
"exterminar" o machismo com uma revolução profunda e geral, eliminando os regimes patriarcais. As feministas
radicais ainda acreditam ser necessárias mudanças na legislação dos países, criando privilégios e leis de proteção
ao gênero feminino, por exemplo. http://www.significados.com.br/feminismo/
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da sociedade que as veem como “cracudas” prostitutas, “gosta dessa vida que levam” “de
apanhar”, e se vivem na rua ”porque querem”, são atitudes e palavras frequentemente
registradas nas falas das pessoas, e em muitas vezes de profissionais da Rede da Assistência
Social, Saúde e em geral da sociedade.
É impossível determinar um, dois ou tantos outros motivos que levam essas mulheres
a escolherem a rua como moradia. É uma conjunção de motivos, que apenas podemos sondar
apontar um ou outro motivo, o que não explica a realidade experimentada por elas que irão
viver/sobreviver nas ruas. Os motivos são de ordem econômica, afetiva e comunitária. Em sua
maioria, essas mulheres que passam a morar nas ruas têm um histórico transgeracional de
falta de direitos básicos: saúde, educação, moradia, trabalho e renda.
Por sua vez, as dificuldades de sobrevivência nas ruas perpetuam o sofrimento como o
primeiro tipo de violência, que é morar em um espaço público sem as mínimas condições de
habitabilidade, com falta de privacidade, sujeitas à fome, ao frio, às doenças, agressões e
descasos do poder público pela ausência de políticas sociais, em uma palavra, são condições
de viver que expressam um limite máximo da pobreza e precariedade.
Ao viver em situação de rua, esse segmento social (as mulheres) sofrem várias
expressões da violência, incluindo as relacionadas com a droga. De fato, a violência, em suas
várias formas de expressão, tem feito parte da realidade urbana atual, ou seja, todos nós
estamos sujeitos a algum tipo de violência. Entretanto, no caso daqueles que fazem da rua seu
lugar de convivência e moradia, as diversas formas de violência surgem de todas as partes,
trazendo medo, agravando a luta pela sobrevivência e ocasionado à extrema violação de
direitos. As mulheres são mais suscetíveis à violência, simplesmente porque é mulher. Entre
as mulheres em situação de rua existe o medo característico aos policiais, pois eles exercem
um tipo de violência que significa o abuso da força que lhe é delegada.
Nas cenas de uso (cracolândias) Favela da Nova Holanda e Parque União, a violência
é ainda mais expressiva, corriqueira e constante, a violência faz parte do dia a dia dessas
mulheres. Machucadas fisicamente e psicologicamente por seus companheiros, agredidas,
maltratadas, feridas e muitas vezes doentes, elas se veem em um “beco” sem saída, sem
família, sem amigos, sem o apoio até mesmo dos companheiros de drogas e espaço. Elas
conseguem encontrar socorro e algum conforto nos profissionais que fazem visitas diárias.
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Muitas aceitam serem encaminhadas as Clinicas da Família ou emergências das UPA`s,
outras “preferem” ficar em seu tormento em suas angústias, sozinhas sem falar e ver ninguém,
sem ser cuidada e orientada. E todas elas que são agredidas aceitam as desculpas e “carinho”
do companheiro agressor, e assim, a violência de gênero vai se tornando um ciclo vicioso de
submissão, poder e violência.
A sociedade nutre um forte preconceito contra esse segmento, e os moradores de rua
são sujeitos propensos a se deparar com ele cotidianamente. Com as mulheres em situação de
rua, o preconceito torna-se mais agravante, não somente por viver/sobreviver nas ruas, mas
também por existir um histórico em nossa sociedade de desvalorização da mulher. Assim, o
confronto entre gênero apresenta-se bastante presente. De modo geral, a mulher em situação
de rua vive mais adversidades e, principalmente, mais formas de violências. Por sua vez, se
são as mulheres que mais sofrem preconceitos e discriminações no espaço privado da casa,
imaginem-se quando se consideram as relações na rua, construída historicamente como o
“espaço masculino”.
A violência contra a mulher é inerente ao padrão das organizações desiguais de gênero
que, por sua vez, são tão estruturais quanto à divisão da sociedade em classes sociais, ou seja,
o gênero, a classe e a raça/etnia são igualmente estruturantes das relações sociais (SAFIOTTI,
2004). Na realidade as diferenças entre homens e mulheres têm sido sistematicamente
convertidas em desigualdades em detrimento do gênero feminino, sendo a violência contra
mulher a sua face mais cruel. No caso das moradoras de rua não se diferenciam totalmente da
realidade de muitas outras mulheres porque as relações de gênero, como relações de poder,
são marcadas por hierarquias, obediências e desigualdades.
A expressão violência de gênero é quase um sinônimo de violência contra a mulher,
614
Médico do bairro. No fundo, essa é a ideia da Clínica da Família. É a saúde regionalizada. As Clínicas da
Família atende só aos moradores da região em que fica. Inicialmente, agentes de saúde percorrem a área
abrangida pela Clínica, cadastrando moradores. Cada agente é responsável por um determinado grupo de
famílias, para ter mesmo essa proximidade. Em cada visita, ele já agenda consultas e exames. Agente e equipe
médica vão atender sempre essa família. O paciente não vai precisar explicar o problema para alguém diferente a
cada dia: é atendimento personalizado, até para os profissionais conhecerem o histórico dos pacientes e pensar a
melhor solução. Clínica da Família também é lugar para orientações sobre prevenção de doenças: lá é possível
fazer exames laboratoriais, ultrassonografia, eletro, consultas médicas e dentárias, exame pré-natal, farmácia e
vacinação, entre outros procedimentos.
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pois são as mulheres as maiores vítimas da violência. No caso das moradoras de rua a
situação dificulta ainda mais, pois elas vivem em total abandono no aspecto das políticas
sociais, além da própria falta de documentação se torna ainda mais difícil à acessibilidade a
essas políticas. Por todas estas questões, o morar na rua adota uma dinâmica própria e
paralela, onde o imediatismo, as relações efêmeras e fragmentadas (de trabalho, de amizade,
afetivas), a violência, a drogadição e a internalização dos valores negativos designados pela
sociedade, determinam certas regras de convivência e sociabilidade. Nesse contexto, a
violência na rua é de todas as ordens e não devemos continuar culpando somente as
moradoras de rua, os criminosos de rua, prostitutas, crianças, “pretos”, “ou quase pretos”, “ou
quase brancos” de serem responsáveis pela violência nas grandes cidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando falamos em violência contra a mulher, nos deparamos com a falta de dados e
impasses jurídicos que dificultam traçar um retrato completo da violência. Até bem pouco
tempo atrás, homens cumpriam penas alternativas por crimes de violência contra a mulher por
meio do pagamento de cestas básicas. De outro lado, mulheres eram presas e agredidas por
reagirem à violência contra elas. Indagações como: quem são os agressores, qual a razão das
agressões, quantas mulheres sofrem com a violência doméstica não são contabilizadas
oficialmente nos boletins de ocorrência das Delegacias Especializadas no Atendimento à
Mulher – DEAMs. No caso das mulheres em situação de rua esses boletins de ocorrência
parecem não existir.
Faz-se urgente a atenção das Políticas Públicas em sua totalidade a essa população que
vivem/sobrevivem nas ruas, principalmente as mulheres. Ainda não existe uma rede de
atendimento muito eficaz, mas muito tem se pensado sobre o assunto e através de várias
reivindicações da própria população existem hoje alguns avanços na Política de Assistência
Social que traz melhor qualidade de vida pra esse segmento da sociedade.
A mulher em situação de rua vive mais adversidades e essas exigem políticas sociais
direcionadas a elas, sejam pelas condições de ser mulher, sejam pelas condições de classe.
Pois sobrevivem em meio a preconceitos por morar nas ruas e também devido ao machismo
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pelo fato de ser mulher. Elas representam uma minoria nas ruas, podem ou não ser submissas
por este motivo, são competitivas para garantir sua proteção, sua vida. Seus cuidados são
diferenciados. Pensar em uma política social para elas não é somente construir
abrigos/albergues, mas sim locais que produzam a oportunidade de “ser mulher”. Esse
trabalho pode refletir em novas iniciativas, apreender como e quais os sentidos que estas
constroem sobre si e suas vidas, dada sua condição de mulher, pobre e vivendo a situação de
rua.
Diante deste contexto se faz necessário a intervenção do Estado por meio das políticas
sociais, pois estas devem contribuir para diminuir as desigualdades sociais buscando a
igualdade de condições. Este alcance está atrelado a uma luta da classe trabalhadora.
É necessário superar um desafio: conhecer essa população. E isto significa apreender
quem são quais seus sonhos, seus desejos, expectativas, de onde vem e para onde vão. Ao
compreender quais são as necessidades sociais desses grupos é que podemos avaliar as
estratégias de enfrentamento e satisfação dessas necessidades. Abranger o modo de vida
dessas mulheres permite-nos olhar também suas potencialidades, como um sujeito capaz de
transformações.
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INTRODUÇÃO
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saúde e de educação. Com base nos resultados apurados por intermédio do IGD-M, os
municípios que apresentam bom desempenho recebem mensalmente recursos para investir em
atividades voltadas para a gestão do PBF nos termos da Portaria MDS/GM nº 246, de 20 de
maio de 2005.
Os recursos são repassados aos municípios diretamente do Fundo Nacional de
Assistência Social (FNAS) para o Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS). Os
municípios possuem autonomia para escolher entre as ações voltadas para o PBF onde os
recursos devem ser aplicados. Estas ações estão diretamente relacionadas às atividades ligadas
à gestão de condicionalidades; à gestão de benefícios; ao acompanhamento das famílias
beneficiárias; ao cadastramento e atualização dos dados do Cadastro Único; à implementação
de programas complementares; à fiscalização do PBF e do Cadastro Único e Controle Social
do PBF no município, conforme estabelece a Portaria MDS/GM nº 754, de 20 de outubro de
2010 (MDS, 2013).
O Programa exige o cumprimento de certas condicionalidades por parte das famílias
beneficiadas, envolvendo a educação, saúde e assistência social. Em relação a educação
exige-se a manutenção e frequência escolar das crianças de 85% para a faixa de 06 a 15 anos
e 75% para adolescentes de 16 a 17 anos. Na saúde o cumprimento recai sobre o
acompanhamento do calendário de vacinação, crescimento e desenvolvimento das crianças de
até 07 anos, bem como o pré-natal para gestantes e acompanhamento das nutrizes. Na
assistência social, deverá ser cumprida frequência mínima de 85% nos serviços
socioeducativos nos casos em que crianças e adolescentes estejam em situação de risco ou
retirados do trabalho infantil.
Um dos aspectos mais ressaltados nos estudos que se debruçaram sobre os impactos
do PBF é o aumento do consumo do grupo, e a alimentação é um dos itens
priorizado(Cedeplar 2007). No entanto as especificidades sobre esses consumos, envolvendo
as prioridades estabelecidas a nível dos produtos, gastos ou indivíduos envolvidos, além dos
julgamentos morais que envolvem esse tipo de consumo, é uma realidade ainda a ser
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desbravada, embora alguns estudos já lancem algumas luzes como é o caso de Pires( 2003)
que aborda a prioridade da alimentação infantil no uso dos recursos recebidos por famílias no
semiárido paraibano e Morton (2013) que destaca as diferenças econômicas como
indicadoras das práticas de gênero que envolvem o consumo e relações estabelecidas entre
este.
O estudo de Pires (2003) realizado no semiárido nordestino, em um pequeno
município paraibano, parte de um olhar, ainda pouco usual, que é o infantil. A autora buscou
compreender a ampliação do consumo alimentar, especialmente alimentos destinados às
crianças como consequência do recebimento do benefício. Entrevistou mães e realizou
oficinas com crianças para buscar os princípios da priorização das crianças no consumo de
determinados gêneros alimentícios. Embora haja estimativas de que 87% dos recursos do PBF
são utilizados na compra de alimentos (Resende e Oliveira (2008), aspectos até justificados pelo contexto
de insegurança alimentar da região, o fato da explicação para as crianças serem privilegiadas se situar apenas na
condição de pobreza das famílias é questionado por Pires que recorre às dinâmicas familiares para
compreender os privilégios das crianças. Neste caso apresenta duas razões principais. O primeiro é que o
benefício é recebido como fruto do esforço das crianças, questão que diz respeito às condicionalidades do
programa envolvendo a frequência escolar de crianças e adolescentes e ida ao posto de saúde por parte de
crianças, gestantes e nutrizes. A condicionalidade ligada à frequência escolar é vista como uma das mais
importantes, pois acorre bimestralmente, ao passo que a ida ao posto ocorre semestralmente, além da divulgação
de casos de perda ou suspensão do benefício na localidade em decorrência do não cumprimento dessa
condicionalidade. A recompensa pelo esforço das crianças se efetiva por meio da compra de determinados
objetos como roupas calçados e alimentação básica ou os itens considerados de luxo como bolachas recheadas,
iogurte, pipoca e chocolates. Um dos aspectos observados nesse estudo é a reconfiguração do
poder de negociação das crianças. (Pires 2013).
A segunda razão destacada refere-se à função moral materna de nutrir e satisfazer os
desejos dos filhos, aspectos ligados a uma maternidade bem sucedida. Ademais o consumo de
determinados alimentos considerados “de luxo” é percebido como marcador de status, uma
espécie de porta para a incorporação de estilos de vida tidos como mais elevados. Entre as
mães entrevistadas por Pires (2013) no sertão paraibano, depois das necessidades básicas
atendidas, o dinheiro excedente geralmente é reservado aos pedidos dos filhos, aspecto
percebido como forma de garantir o estatuto moral da mãe, ou como diz a autora, “o
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decisões, por parte das mulheres, na esfera doméstica (Rego, 2008, 2013, Pires (2009, 2013),
(Suárez; Libardoni, 2007), (Ahlert, 2013) (Morton, 2013).
O programa também tornou-se alvo de questionamentos e críticas envolvendo as
questões de gênero. O debate recai sobre a vinculação do ser mulher à condição de mãe e
dona de casa, reforçando assim posições e papeis tradicionais de gênero, tais como a
vinculação da mulher ao espaço privado e as tarefas reprodutivas. Nesse aspecto destaca-se a
falta de políticas de ação integrada na promoção de infraestrutura tais como creches e escolas
de tempo integral, o que permitiria as condições para entrada no mercado de trabalho, além da
falta de acesso a informações e qualificação profissional. Suárez e Libardoni, 2007 falam que
as beneficiárias ao desenvolver o seu trabalho diário de forma solitária em bairros ou
comunidades isoladas torna-se alvo para o isolamento social, impedindo uma visibilidade na
esfera pública.
Ao questionar aos mecanismos que reforçam a vinculação da mulher com a
maternidade e as funções ligadas à esfera reprodutiva, desenvolvida pelo PBF, Mariano e
Carloto (2009) destacam as atividades extras as quais as mulheres benefiadas são chamadas a
participar tais como os grupos de geração de trabalho e renda e grupos de ações educativas. A
crítica das autoras recai sobre a “duvidosa potencialidade para a melhoria do bem estar” no
caso dos primeiros e “associação às tarefas reprodutivas” no caso dos segundos. Neste caso,
responsabilidades ou sobrecarga de obrigações são lançadas à essas mulheres, considerando
que a responsabilidades das condicionalidades ligadas à saúde, educação e assistência social
também recai sobre as mulheres.
Ao ser incluída no PBF, a mulher é tomada como representante do grupo familiar,
vale dizer, o grupo familiar é materializado simbolicamente pela presença da
mulher. Esta, por sua vez, é percebida tão somente por meio de seus ‘papéis
femininos’, que vinculam, sobretudo, o ser mulher ao ser mãe, com uma identidade
centrada na figura de cuidadora, especialmente das crianças e dos adolescentes,
dadas as preocupações do PBF com esses grupos de idade. O papel social de
cuidadora pode até, em algumas situações, ser desempenhado por outra mulher,
como, por exemplo, a avó ou tia da criança ou do adolescente. Contudo, seguirá
sendo um ‘papel feminino’. Logo, o cuidado preserva, no âmbito do PBF, seu
caráter vinculado aos papéis de gênero. Assim, tanto a maternidade (relacionada à
procriação e/ou ao papel social de mãe) quanto a maternagem (o cuidado da criança
e do adolescente desempenhado por outra mulher, geralmente com vínculo de
parentesco, porém sem se designar como sua mãe) são funções focalizadas pelo
PBF.(MARIANO E CARLOTO, 2009,P. 904)
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No entendimento das mulheres, receber o bolsa família envolve uma luta firmada com
o Estado, considerando as suas carências diversas – a busca pela inscrição no cadastro único é
um exemplo - e o sentido dessa luta é buscada no valor atribuídos a casa e à família, aspectos
que permitem a autora pensar além da dicotomia entre o doméstico e o mundo da rua. Quando
se referem ao benefício como “ajuda” do governo, esta não é percebida como oposto da
efetivação de direitos, não são excludentes, pois nas suas experiências, este faz parte de suas
lutas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar sobre uma política social de transferência de renda que toma a mulher como
público prioritário, é fundamental atentar para os elementos dessa política que poderá intervir
no protagonismo feminino. Uma política social que possa tocar nas desigualdades de gênero
necessariamente deverá envolver a aquisição de meios materiais, o que permite a promoção
de bem estar, além de desenvolver formas de distribuição de poder no âmbito privado e
ampliar ou permitir a participação no espaço público. Como nos alerta Costa (2013), apesar
das mudanças atuais que envolvem a condição feminina “muitas mulheres não podem decidir
sobre suas vidas, não se constituem enquanto sujeitos, não exercem o poder e principalmente,
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não acumulam este poder, mas o reproduzem, não para elas mesmas, mas para aqueles que de
fato controlam o poder”( p.).
Diante dessa realidade é que o movimento feminista e outros movimentos sociais
organizados começam a se utilizar do termo empoderamento “que é o mecanismo pelo qual as
pessoas, as organizações as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua
própria vida,de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para
produzir, criar e gerir.” A ideia de empoderamento envolve mudanças nas relações sociais a
qual o indivíduo está inserido, portanto tocar nessa questão é pensar em formas de
mobilizações e ações que permitam promover a afirmação de direitos e redução de
desigualdades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
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higienizador, porque tira rótulos das pessoas. Quem são as pessoas cis? Onde elas estão? Tem
pessoas falando que elas existem, tem pessoas dizendo que isso é real, mas e elas?”
(informação verbal)616.
Os princípios de Yogyakarta, que inspiram expressamente o art. 2º do projeto de lei
João W. Nery definem a identidade de gênero como:
A vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode
corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência
pessoal do corpo. O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a
modificação da aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos,
cirúrgicos ou de outra índole, desde que isso seja livremente escolhido. Também
inclui outras expressões de gênero, como a vestimenta, os modos e a fala. (2007)
Peres (2001, p. 91) ainda faz uma crítica ao modelo de sexo binário existente na
atualidade: “Há uma tendência de se classificar tudo e todos como sendo masculino ou
feminino, não havendo espaço para o que não se adapta a uma dessas categorias”. Na
realidade, segundo Cruz e Sousa (2014), o modelo de sexo binário e a diferenciação entre os
sexos surgiram como um discurso para legitimar o domínio masculino nos espaços públicos,
ou seja, são resultado mais de uma construção histórica e social do que de uma determinação
biológica.
Conforme afirmam Cruz e Sousa (2014, s.p.): “Não existe natureza que determine o
que seja uma mulher ou um homem. Todas essas categorias são discursivamente construídas e
podem, da mesma forma, através de uma política queer, ser desestabilizadas e
ressignificadas”.
TRAVESTI X TRANSEXUAL
Segundo o art. 5º da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei sem distinção
de qualquer natureza. O campo biológico também nos diz que somos todos humanos,
pertencentes a espécie Homo sapiens sapiens. Portanto, não há uma necessidade de rótulos
diferenciadores. Entretanto, uma dúvida comum na cabeça das pessoas em geral é quanto a
616
Relato colhido em entrevista gravada em vídeo realizada em maio de 2015 no Espaço LGBT da Paraíba.
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diferença entre travestis e transexuais. Na realidade, não há uma diferença clara e estabelecida
entre a terminologia travesti e transexual. Acontece que a denominação travesti é usada pelas
pessoas transgênero mais como uma questão política e de militância, pois o estigma e o peso
social sobre o nome “travesti” são muito maiores.
Segundo Cruz e Sousa, a transexualidade pode ser entendida como:
De acordo com Bento (2008, apud CRUZ e SOUSA, 2014) não existe uma diferença
substancial entre as duas experiências identitárias. Ambas mostram que o corpo é um
instrumento que pode ser modificado e ressignificado conforme as diferentes pretensões.
Atualmente, o termo transgênero é o mais utilizado, pois abrange qualquer pessoa com
divergência de gênero.
A esse respeito, Fernanda Bevenutty sinaliza que: “As pessoas no Brasil têm uma
concepção equivocada de achar que transexual é toda pessoa que quer fazer a cirurgia [de
transgenitalização], e não é – todas nós somos transexuais, independente de quem quer fazer a
cirurgia e quem não quer” (informação verbal)617.
Segundo João W. Nery, considerado o primeiro trans homem a realizar a cirurgia de
transgenitalização do Brasil e cujo nome serve de inspiração para o projeto de lei de autoria
dos deputados Jean Wylys e Erika Kokay, o movimento dos homens trans ainda é muito
recente, mas nesse sentido destaca-se o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat).
Segundo o site do Ibrat:
O transhomem, é uma pessoa que nasceu no sexo feminino, mas tem sentimento de
pertencimento total ou parcial pelo gênero masculino, a ponto de sentir necessidade
de ser reconhecido socialmente como homem, porém, sua identidade de gênero
não implica na sua orientação sexual, ou na relação com o seu corpo, sendo estas,
questões de caráter íntimo e individual, e que não comprometem a sua
617
Relato colhido em entrevista gravada em vídeo realizada em maio de 2015 no Espaço LGBT da Paraíba.
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masculinidade618.
DA INVISIBILIDADE LEGAL
Se, no campo físico e social, a invisibilidade trans não é passível de ser alcançada, no
campo jurídico eles enfrentam uma situação paradoxalmente contrária: a invisibilidade, que
os coloca em uma situação de vulnerabilidade. Apesar de ser formada por indivíduos
esclarecidos, empoderados, lúcidos e conscientes de suas reivindicações e necessidades, a
população transexual ainda enfrenta uma situação de vulnerabilidade no campo jurídico no
que diz respeito aos seus direitos. Conforme afirmado em entrevista por Beatriz Duarte,
mulher trans subcoordenadora da ASTRAPA: “Se existe uma portaria para que a gente possa
usar um banheiro feminino ou mudar o prenome civil é uma portaria e não uma lei. Falta tudo,
não existem leis ainda que nos deem direitos e nos guardem” (informação verbal)619.
A legislação brasileira é uma das mais atrasadas na questão do reconhecimento de
identidades, fazendo com que um indivíduo trans viva socialmente com um nome e
legalmente com outro, causando sofrimento e situações vexatórias desnecessárias. O nome
social encontra-se definido no Projeto de Lei de Identidade de Gênero como o “nome pela
qual a pessoa é conhecida e se sente chamada, aquele que é usado na interação social”. A
história do próprio João W. Nery, considerado o primeiro homem trans operado do Brasil,
ilustra perfeitamente a necessidade não só do respeito ao nome social como de mudança do
prenome civil. Para ser fiel a sua identidade de gênero, ele teve que driblar a lei e mudar todos
os seus documentos ilicitamente, abrindo mão de sua história e seus diplomas. Em
decorrência disso, tornou-se legalmente analfabeto, tendo que trabalhar como pedreiro, pintor,
entre outros, mesmo tendo formação acadêmica e já tendo sido professor universitário.
O art. 10 da Lei João W Nery estabelece expressamente que “deverá ser respeitada a
identidade de gênero adotada pelas pessoas que usem um prenome distinto daquele que figura
na sua carteira de identidade e ainda não tenham realizado a retificação registral”. Assim, o
618
Instituto Brasileiro de Transmasculinidade. Quem são os transhomens. Disponível em:
http://institutoibrat.blogspot.com.br/p/saiba-mais-sobre-transhomens.html
619
Relato colhido em entrevista gravada em vídeo realizada em maio de 2015 no Espaço LGBT da Paraíba.
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respeito pelo uso do nome social independe do reconhecimento jurídico de retificação dos
documentos.
Ainda o parágrafo único de tal artigo acrescenta que “o nome social requerido deverá
ser usado para a citação, chamadas e demais interações verbais ou registros em âmbitos
públicos ou privados”. Isso evitaria inúmeros constrangimentos pelo qual passam atualmente
as pessoas trans nos mais diversos espaços públicos e privados, como escolas, universidades,
hospitais etc.
Já o art. 3º estabelece expressamente que toda pessoa poderá solicitar a retificação do
sexo, prenome e imagem registrados na documentação pessoal, sempre que não coincidam
com a sua identidade de gênero auto-percebida.
Portanto, para além do respeito ao nome social, faz-se necessário também a mudança
do prenome civil, pois é através dele que o indivíduo transita em todas as esferas da vida civil
e realiza atividades indispensáveis, como votar, por exemplo.
QUESTÕES LEGAIS
Uma vez que a medicina e os avanços científicos tornam possível demonstrar as
peculiaridades envolvidas na determinação do gênero e a transformação do corpo do
indivíduo para se adequar ao seu gênero psicossocial, o Direito é chamado a dar respostas a
essa nova realidade. Torna-se necessário, então, fazer uma análise acerca das questões legais
diretamente ligadas à transexualidade, pois não basta somente a mudança anatômica ou
fisiológica do indivíduo, é preciso que essa mudança tenha reconhecimento jurídico para
produzir efeitos no mundo social.
A questão da transexualidade atinge diretamente o ramo dos direitos da personalidade,
que são direitos relativos à tutela da pessoa humana e visam a proteção da dignidade e
integridade das pessoas. Além disso, outras questões legais são levantadas, principalmente no
âmbito do Direito de Família, com relação ao casamento e a filiação.
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil (art. 1º, III), e pode-se afirmar que no caso dos/das transexuais, o reconhecimento da
sua identidade de gênero é uma questão que atinge diretamente sua dignidade e o pleno
desenvolvimento de sua personalidade. Assim, o princípio constitucional da dignidade da
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pessoa humana tem de ser respeitado, garantindo à população transexual seu direito à
mudança do status civil e corporal. Além disso, devem ser observados também o direito à
intimidade e a vida privada, dispostos no art. 5º, inciso X.
É nesse sentido que se desenvolve o Projeto de Lei João W Nery ao afirmar que “toda
pessoa tem direito ao livre desenvolvimento de sua pessoa conforme sua identidade de
gênero” (art. 1º, II) e ao estabelecer que “toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de
sexo e a mudança do prenome e imagem registrada na documentação pessoal, sempre que não
coincidam com a sua identidade de gênero auto-percebida” (art. 3º).
Não se deve considerar a cirurgia de redesignação sexual ou de transgenitalização
como uma mutilação ou um risco à integridade física do indivíduo transexual, muito pelo
contrário: deve-se considerá-la como uma garantia de seu direito à vida e de sua integridade
não somente física como também psíquica, visto que muitos transexuais impossibilitados de
realizarem a cirurgia acabam recorrendo a atitudes extremas como a autocastração ou o
suicídio.
Além disso, se esses indivíduos possuem capacidade absoluta para todos os demais
atos da vida civil (como votar e escolher o presidente do seu país, por exemplo), eles também
têm o direito de dispor do próprio corpo. É nesse sentido que se baseia o projeto de lei João W
Nery ao afirmar que “toda pessoa maior de dezoito anos poderá realizar intervenções
cirúrgicas totais ou parciais de transexualização, inclusive as de modificação genital, e/ou
tratamentos hormonais integrais, a fim de adequar o seu corpo à sua identidade de gênero
auto-percebida”. Cabe destacar que nesses casos será necessário apenas o consentimento
informado da pessoa adulta e capaz.
Ainda dentre as questões legais suscitadas pela transexualidade, encontram-se o
casamento e a filiação. A questão do casamento de pessoas transexuais hoje em dia encontra-
se bem menos problematizada, pois a união civil entre pessoas do mesmo sexo já é
reconhecida juridicamente em muitos países. Assim, o argumento de que o casamento só
poderia ser realizado entre pessoas de sexos diferentes não é mais cabível e o casamento entre
transexuais não fica condicionado ao reconhecimento civil de sua identidade de gênero. O
argumento que destaca a finalidade procriadora do casamento também não é mais cabível,
visto que existem inúmeros casais sem filhos, por escolha ou em virtude de problemas de
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saúde de um dos cônjuges, e que nem por isso tiveram seu direito ao matrimônio cerceado.
Isso nos leva a uma outra questão: a filiação. O entendimento dominante da doutrina
sustenta a imutabilidade das relações de filiação, assim a redesignação do indivíduo
transexual não deveria constar nos documentos de filiação. A lei Joao W Nery manifesta-se
quanto a essa questão ao estabelecer no seu artigo 7º que a alteração do prenome não alterará
a titularidade dos direitos e obrigações jurídicas, nem daquelas que provenham das relações
próprias do direito de família em todas as suas ordens e graus, as quais se manterão
inalteráveis, incluída a adoção.
Ainda o parágrafo 1º do referido artigo estabelece que da alteração do prenome em
cartório prosseguirá, necessariamente, a mudança de prenome e gênero em qualquer outro
documento, preservando-se a maternidade ou paternidade da pessoa trans no registro civil de
seus/suas filhos/as (§ 2º), bem como seu matrimônio (§ 3º) retificando-se também tais
registros civis se assim for solicitado, independe da vontade do outro pai/mãe ou cônjuge.
Essas disposições mostram um respeito não somente ao princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana como também aos direitos fundamentais à liberdade e igualdade
sem distinção de qualquer natureza previstos no caput do artigo 5º da nossa Carta Magna,
demonstrando o comprometimento do nosso Direito com a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária (§ 3º, inciso I).
TRANSFOBIA
620
Entrevista concedida ao canal Ponte Jornalismo referente ao projeto Visibilidade Trans. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Dt9LeyyJtKc
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621
Dados da pesquisa Transrespect versus transphobia worldwild, da ONG Transgender Europe. Disponível
em: <http://www.transrespect-transphobia.org/>
622
Disponível em: http://www.geledes.org.br/a-policia-que-e-para-proteger-acabou-de-matar-diz-pai-de-
transexual-assassinada-em-sp
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher em todas as suas formas (psicológica, física, moral,
patrimonial, sexual, e outras) é um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes
sociais, origens, regiões, estados civis e escolaridade. Nesse sentido, o interesse por
desenvolver esta pesquisa parte dos índices de violência contra a mulher na sociedade
brasileira, especificamente no Estado do Pará.
Segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Mapa da Violência do Instituto
Sangari (2012), em dez anos de estudo, o Pará quase duplicou o número de homicídios
praticados contra as mulheres. Desse modo, partindo de uma necessidade social, política e
educativa em minimizar a violência contra a mulher que se reproduz principalmente em
ambientes familiares e são silenciados pela sociedade por ainda aceitarem como um problema
privado, considerados por vezes “isolados” dos demais problemas presentes no cotidiano. Do
ponto de vista acadêmico a reflexão da violência contra a mulher traz a baila um tema
excluído do currículo das universidades, apesar de atingir número significativo de mulheres
violentadas. Procurando analisar alguns dados, buscou-se adentrar na Delegacia Especializada
623
Acadêmica de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará; Bolsista pelo PROEXT/UEPA.
624
Acadêmica de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará; Bolsista Voluntária pelo PROEXT/UEPA.
625
Professora Adjunta II da Universidade do Estado do Pará, Doutora em Sociologia e Coordenadora
PROEXT/UEPA.
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METODOLOGIA
Adotou-se como proposição metodológica a pesquisa qualitativa, pois considera a
existência de uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito. A pesquisa qualitativa
pode ser caracterizada como sendo um estudo detalhado de determinado fato, objeto, grupo de
pessoas e fenômenos da realidade, portanto, uma conexão entre a realidade e o homem, entre
a objetividade e a subjetividade. Ou, mais precisamente, na abordagem qualitativa, o
pesquisador deve ser alguém que interpreta a realidade dentro de uma visão complexa,
holística e sistêmica.
Trata-se de um estudo de caso, pois este nos mostra “o delineamento mais adequado
para a investigação de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, onde os
limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos”. Num primeiro
momento foi realizado estudo bibliográfico sobre as teorias de gênero (SCOTT, 1978;
BEAUVOIR, 1985; SAFFIOTI, 1978 e outros) para fins de subsidiar a pesquisa de campo.
Posteriormente, se realizou o conhecimento ao lócus da pesquisa, em seguida o acesso
documental sobre o histórico de criação da DEAM, os números de ocorrências e os tipos de
crimes relatados nos Livros de Registros e Boletins de Ocorrências existentes na DEAM no
período de 2006 a 2014. Em seguida, foram realizadas as entrevistas semiestruturadas com a
delegada, o escrivão e duas assistentes sociais visando observar as percepções que os mesmos
possuem sobre os episódios de violência, encaminhados a essa instituição, bem como, analisar
a partir do discurso dos mesmos, os encaminhamentos que a delegacia proporciona tanto às
vítimas como aos agressores; os principais desafios encontrados pela equipe técnica no trato
da violência física e sexual; e, por fim, as sugestões que eles consideram importantes em
termos de políticas públicas para a diminuição desses índices que chegam a ser cruéis.
Os serviços de atendimento à violência doméstica contra a mulher, especificamente no
estado do Pará, são concentrados na capital, Belém, que conta com a primeira delegacia
especializada de atendimento à mulher do Estado, propondo junto ao PROPAZ-Mulher uma
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RESULTADOS
626
O NAEM possui um convênio com o Ministério da Justiça e recebe solicitações da DEAM de medidas
protetivas para as mulheres vítimas de violência e conta com o apoio de uma equipe interdisciplinar. Suas
atribuições fundamentam-se na Lei 11.340/2006.
627
O CRMP oferece um serviço de atendimento multidisciplinar as mulheres que são encaminhadas pela DEAM
ou que procuram a rede espontaneamente, através de ações de promoção, oficinas e atendimento pedagógico e
psicossocial.
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municípios, com algum tipo de estrutura direcionada para a temática de gênero, sendo que o
Brasil possuía naquele ano 5.565 municípios, isto é, somente 19% dos municípios brasileiros
apresentavam alguma estrutura para atender as mulheres que sofriam de violência. (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009).
No ano de 2006, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República (SPM), em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP do
Ministério da Justiça, as Secretarias de Segurança Pública ou Defesa Social, através da Polícia
Civil de diversos estados da Federação e especialistas na temática da violência de gênero e de
diferentes organizações não-governamentais, apresentou a proposta de “Norma Técnica de
Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs”. O
documento, ratifica a concentração de DEAMs na Região Sudeste do país, com 40%.
Ainda hoje se tem a ideia que a mulher é um ser inferior, de segunda classe ou
‘segundo sexo’ conforme denunciou Beauvoir nos idos do século XX (1989), fruto de uma
sociedade patriarcal que tem o falo como símbolo do poder e masculinidade:
No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta
das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância
da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja
nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do
prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da
categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela
violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência
das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo este, necessidade de fazer uso
da violência. (SAFFIOTI, 2001, p. 115).
Nos gráficos pode-se analisar as três categorias mais denunciadas nos anos estudados,
assim como, as que se mantiveram estáveis e ainda aquelas com maior número de registros.
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Segundo a Lei Maria da Penha (LMP), o crime de violência sexual, representado pelo estupro,
é caracterizado pela relação sexual forçada ou mesmo qualquer ato libidinoso ou qualquer ato
íntimo- imposto pela força sem que a mulher possa se defender.
O estupro é um dos crimes de violência sexual mais praticado contra a mulher e mais
expressivo, segundo a Lei Maria da Penha. Observa-se que mesmo no ano de 2006, foram
registrados 14 boletins de ocorrências policiais na DEAM/Belém. Os anos seguintes trazem
sempre números maiores do que os passados, com maior denúncia nos anos de 2012 e 2013,
revelando que o crime deixou de ser invisibilizado. No ano de 2011, foram notificados
no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da
Saúde, 12.087 casos de estupro no Brasil, o que equivale a cerca de 20% do total registrado na
polícia em 2012, conforme dados do Anuário 2013 do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.
Apesar de todas as campanhas e recomendações das Organizações Mundiais de não
violência contra a mulher, o que se vê, não só na cidade de Belém, mas no Brasil como um
todo, são números que crescem e preocupam a cada dia. O número de estupros no estado de
São Paulo, por exemplo, ganhou proporções enormes e em Belém não é diferente, visto que
os números apresentados são apenas das ocorrências da DEAM, ou seja, casos registrados em
outras delegacias ditas “comuns” não são computados nesta Delegacia Especializada.
Segundo dados da Secretaria de Segurança de São Paulo, o crime de estupro foi o delito que
mais apresentou denúncias nos últimos oito anos. (Instituto Avante Brasil, 2013).
Nesse sentido, não basta apenas apresentarmos soluções ou agravarmos esse tipo de
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crime, mais que isso, é preciso que os cidadãos sejam educados, começando pela valorização
da vida e do ser humano de um modo geral. Especialmente em relação às mulheres, que por
fazerem parte de uma sociedade patriarcal, encontram dificuldades em denunciar seus
opressores, muitas vezes parceiros e membros da família.
Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE, no
final da década de 80, constatou que 63% das vítimas de agressões físicas ocorridas no espaço
doméstico eram mulheres. Dessas agressões, a mais comum é a lesão corporal que continua
sendo a mais denunciada até os dias atuais.
A Lesão Corporal está no topo da lista de crime mais denunciado de natureza física,
caracterizado por agressões tais como: soco, bofetão, tapa, pontapés, queimaduras ou qualquer
outra forma que prejudique a saúde da mulher.
também pela falta de orientação da mulher dos direitos delas, do fortalecimento dela,
da autonomia dela, então, é basicamente é isso (A.S 1628. DEAM- PROPAZ/
MULHER, 2015).
16
628
Assistente Social entrevistada que faz parte do corpo técnico da Delegacia Especializada de Atendimento à
Mulher.
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está em sétimo lugar no Ranking do país onde mais se mata mulheres no mundo, segundo o
Instituto Sangari (2014). Outro levantamento realizado pelo Instituto Avante Brasil apontou
que 40.000 mil mulheres foram vítimas de homicídios no Brasil, entre os anos de 2001 e
2010. Só no ano de 2010, 4,5 entre 100.000 mulheres perderam suas vidas no país. A partir do
gráfico com os dados da DEAM-Belém, percebemos que os números de tentativas de
homicídios são bem expressivos.
Dentre as ações de combate à violência contra a mulher, a equipe da DEAM/Belém
conta com um programa educativo de informação e divulgação dos direitos das mulheres, por
meio da realização de palestras ministradas que, acontecem somente quando a comunidade
protocola a necessidade junto a DEAM.
Nesse momento a equipe técnica se prepara, dependendo da disponibilidade dos
mesmos para se deslocarem para a comunidade, com o objetivo de atender a necessidade, com
informações e fortalecimento da mesma, para que denunciem e compreendam em primeiro
lugar a violência de gênero como o pano de fundo de todos os crimes cometidos
principalmente contra as mulheres.
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INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher no Brasil e no mundo vem sendo tratada como um grave
problema de saúde pública. A Organização das Nações Unidas – ONU reconhece a
violência contra a mulher como um grande problema de saúde pública a ser enfrentado
pelos Estados do mundo inteiro.
A violência contra a mulher pode ser compreendida como qualquer ação que cause
danos, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e em casos extremos, a própria morte,
sendo que observa-se que esse tipo de violência ocorre por meio de relações assimétricas
entre homens e mulheres, no qual envolve discriminação e preconceito.
Nesse sentido, utilizamos a pesquisa bibliográfica para elaboração deste trabalho,
fez-se necessário discutir a violência contra a mulher sob a ótica dos papéis de gênero,
analisando se eles têm ou não impacto na manifestação da violência sofrida pelas
mulheres. Dessa maneira, o presente artigo busca revelar um melhor entendimento da
condição geradora desse agravo que afeta as mulheres pelo simples fato de sofrerem
violência perpetrada pelos homens, de maneira que assim são mantidas as relações de
controle e domínio sobre as mulheres.
Com o intuito de coibir práticas de violência contra a mulher, alguns
dispositivos legais foram criados no Brasil, como forma de atuar especificamente nessa
questão. A Lei nº 10.778/03 é um desses instrumentos, cujo teor fundamental é estabelecer
notificação compulsória em todo o território nacional de casos de violência contra a mulher
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Para uma melhor compreensão do aspecto conceitual, o termo violência pode ser
entendido como sendo qualquer ação ou o conjunto de comportamentos que redundem,
intencionalmente ou não, em dano a um ser vivo ou a um ser inanimado. Etimologicamente,
deriva do latim violentia, que vem do prefixo vis, cujo significado é vigor, potência, força ou
impulso. As próprias raízes do termo ajudam no clareamento do que vem a ser tal fenômeno e
assim com o passar dos tempos, outras ações foram introduzidas ao referido conceito. Dentre
vários autores que pesquisam e produzem sobre violência, Cavalcanti representa a seguinte
contribuição:
A autora refere-se à violência como todo e qualquer ato que viabilize formas de
oprimir outrem bem como sua capacidade de defender-se de manifestações desenvolvidas
através de agressão ou qualquer outra forma de violência implícita no trato que o agressor terá
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com a vítima.
A conceituação de violência pode também trazer outra reflexão, na qual não fornece
somente o elencamento das ações cometidas, e sim o papel do ser humano nesse sentido, que
passa a ter seus atos reduzidos a uma simples coisa ou algo que tem somente um valor
material, ou seja, atitudes que coisificam uma pessoa e suprime sua condição de sujeito.
Acerca dessa conceituação, Marilena Chauí contribui sobre violência como sendo um:
exercício da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo
contrário à sua natureza e contra sua vontade. Por meio da força e da coação obriga-se a
alguém a fazer algo contrário a si, aos seus interesses, desejos, causando-lhe danos
profundos e irreparáveis (CHAUÍ, 2010, p.308).
A partir das ponderações feitas pela autora conclui-se que o ato da violência se
demonstra mediante o uso da força física ou psíquica de um indivíduo para com outro com o
intuito de alcançar determinado objetivo, seja ele num aspecto cotidiano ou não. Esses atos se
dão para obrigar a vítima a proceder da forma na qual convém a esse agressor e assim, se
desenvolve um cenário de submissão e autoritarismo em um paradoxo onde ambos os atores
desse cenário sofrem prejuízos para seu desenvolvimento social.
As evidencias da violência como fenômeno complexo e socialmente construído e
colaboram para a melhor compreensão em torno da violência e suas causalidades. Sendo
assim, é pertinente colocar que a culpabilidade não deve ser atribuída a um ou outro, mas sim
em outras manifestações que carecem de estudo profundo, tais quais seus cernes devem ser
profundamente estudados e apresentados de maneira imparciais para que sejam explicitadas
nas suas mais intrínsecas manifestações.
É importante considerar que a prática da violência tende a se perpetuar. Partindo de
uma afirmativa, alguns autores indicam que os agressores agem reproduzindo atos violentos
que sofreram na infância, tendo na maioria dos casos a reprodução fiel da violência na qual
foram acometidos, e a seguir há informações relevantes em torno dessa visão que a vítima de
abusos físicos, psicológicos, morais e/ou sexuais é vista por cientistas como indivíduo com
mais probabilidades de maltratar, sodomizar outros, enfim, de reproduzir, contra outros, as
violências sofridas, do mesmo modo como se mostrar mais vulnerável às investidas sexuais
ou violência física ou psíquica de outrem. (SAFFIOTI, 2004, p. 18).
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A violência praticada por uma pessoa decorre justamente de todo o processo cotidiano
que esse indivíduo presenciou no decorrer de sua vida. Se ele passou por situações de
violência em seu convívio, ele terá grandes chances de reproduzir a violência. Pode se
classificar a Violencia Domestica por vários tipos, dentre eles serão ressaltados alguns tipos
com mais incidência.
Saffioti (2004, p.17) explana que a violência pode ser vista como um processo de
separação de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade
psíquica, integridade sexual, integridade moral. Desta feita, observa-se que existem dois
tipos que não são palpáveis, são elas a psíquica e a moral. Conforme destacado a violência
psíquica pode ser reconhecida como uma violência palpável a partir do momento em que se
tem cárcere privado, isolamento de qualquer forma de comunicação com qualquer ser
humano.
GÊNERO E VIOLÊNCIA
As discussões sobre gênero vêm sendo desenvolvidas desde a década de 1970 pela
antropóloga americana Gayle Rubin com suas contribuições Rubin conceituar gênero em
(1975) explana que em torno das discussões de gênero existe uma dicotomia denominada por
ela como sistema sexo/gênero. Essa definição, declara que o sistema sexo/gênero é o conjunto
de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produto
da atividade humana, e nas quais estas sociedades sociais transformadas são satisfeitas
(RUBIN apud PISCITELLI, 2002, p. 7 -42).
O estudo de Rubin abriu precedentes para outras estudiosas como a historiadora Joan
Scoth, procura desconstruir essa dicotomia, na qual aponta o sexo como a parte biológica e o
gênero como a cultural. Segundo ela, gênero é uma organização social, construída sobre a
percepção das diferenças sexuais imbricadas a relações desiguais de poder (Scott, 1995,
p.71).
Concomitantemente a ideia de Scott, está o pensamento da filósofa americana Judith
Butler, considerada uma das mais importantes teóricas da questão contemporânea do
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feminismo. Butler (2003) traz contribuições indispensáveis para o melhor entendimento sobre
gênero. Tanto Scott, quanto Butler falam a partir de uma perspectiva construcionista social, na
qual se baseiam no pensamento de Foucalt e, ambas apontam que tanto sexo, quanto gênero
são, em primeiro lugar, formas de saber. Baseado nesse pensamento, podemos concluir que
gênero está diretamente relacionado com o estudo a respeito dos corpos, das diferenças
sexuais e dos indivíduos sexuados.
Baseada nessa perspectiva, Saffioti (2004) demonstra que o conceito de gênero é bem
mais vasto que o conceito de patriarcado. Segundo ela, gênero acompanha a humanidade
desde sua existência, já o patriarcado é um fenômeno recente baseado na industrialização do
capitalismo. Atualmente o conceito de gênero vem sendo discutido no universo feminista com
mais centralidade, desviando a atenção para as discussões sobre patriarcado. Essa
exclusividade em discutir a categoria gênero abre precedentes para um questionamento deles
sobre o real interesse por trás da desconstrução do sentido do patriarcado em benefício dos
ricos usos de gênero e que, no decorrer da história, as mulheres vêm sendo hierarquicamente
inferiores em relação aos homens. Para Saffioti, tratar esta realidade exclusivamente em
termos de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido,
neutralizando a exploração-dominação masculina (SAFFIOTI, 2004, p. 136).
Santos e Izumino (2005) relatam que os primeiros estudos sobre o tema têm por objeto
as denúncias de violência contra as mulheres nos distritos policiais e as práticas feministas,
não governamentais de atendimento às mulheres em situação de violência (SANTOS,
IZUMINO, 2005, p.2). Segundo as autoras, para adentrarmos nesse universo é necessário nos
apropriarmos de referências teóricas que busquem definir o fenômeno social da violência
contra as mulheres e a posição das mulheres em relação à violência.
É possível perceber que alguns autores que contribuem para a evolução dos estudos
sobre violência contra a mulher, nem sempre têm posicionamentos semelhantes, porém
carregados de contribuição para o aprimoramento e melhor compreensão acerca do tema.
Ainda nessa perspectiva explicitaremos outros estudos que expõem discussões pertinentes
para o enriquecimento da reflexão proposta por esse trabalho.
AMAZONAS
Acerca do tema exposto deixa claro que o papel social fica muito sanado em relação
ao comodismo social e o machismo, não atinge só homens, se visualizar bem a mulher ainda
deve ultrapassar sua barreira do preconceito, pois muitas ainda concordam com imposições
sociais machistas concordando com tais posicionamentos,
Outro dado alarmante que a pesquisa trouxe foi sobre a violência no lar. Em briga de
marido e mulher, não se mete a colher e A roupa suja deve ser lavada em casa. Na pesquisa
63% das pessoas pesquisadas concordam com as questões levantadas a cima. A pesquisa
levantou dois ditos populares que foi explicado pelos pesquisados como casos de violência
dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família (STREY, 2014, p.
15). Os entrevistados com nível superior de ensino foram os que menos concordaram.
A amostra deixa claro que apesar das leis a sociedade ainda não se posiciona diante
das circunstâncias adversas e prefere não se meter nas questões de familiar, mesmo que tais
circunstâncias venham a infringir a lei. A sociedade individualista de hoje não nos deixa
pensar na perspectiva da coletividade das relações sociais ficando cada vez mais frágeis
fragmentadas desta feita precisa-se urgentemente de uma mudança no campo educacional,
pois a própria pesquisa mostrou que os entrevistados com o maior grau de instrução
discordaram e fariam a diferença em seu posicionamento diante das circunstâncias de
violência.
Outra pergunta realizada pela pesquisa foi a seguinte: “Homem que bate na esposa tem
que ir para a cadeia?”. De acordo com dados indicadores do SIPS, concordaram com essa
afirmação, total ou parcialmente, 91% dos entrevistados em maio e junho de 2013. A
tendência a concordar com punição severa para a violência doméstica transcendeu as
fronteiras sociais, com pouca variação segundo região, sexo, raça, idade, religião, renda, ou
educação. Cerca de 78% dos 3.810 entrevistados concordaram totalmente com a prisão para
maridos que batem em suas esposas, e cerca de 89% tenderam a discordar da afirmação que
“um homem pode xingar e gritar com sua própria mulher”.
A pesquisa apresentada teve por objetivo apurar percepções da população brasileira
acerca de temas afetos à violência contra as mulheres. O pressuposto é de que a adesão a
alguns valores e ideias traduz posturas mais ou menos tolerantes a este tipo de violência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Maria de Fátima; MATTIOLI, Olga Ceciliato. Gênero e Violência. São Paulo: Arte
e Ciência, 2004.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
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INTRODUÇÃO
As discussões acerca do papel feminino têm encontrado na arte uma forte aliada, pois
“[...] A boa arte deve contribuir para o progresso da alma humana [...]” (CARLSON, 1997, p.
240). Ao longo do tempo, essa área específica de conhecimentos tem contribuído para as
diversas análises e interpretações que surgem em torno do debate acerca da questão de gênero.
Mas o que enfatizar em um campo tão vasto de limites e possibilidades? O que
podemos definir como gênero? Como a arte pode contribuir para aprofundar as questões de
gênero? Buscando uma definição para o significado de gênero, vamos compreender que
(...) gênero é a organização social da diferença sexual. O que não significa que
gênero reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre homens e
mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as
diferenças corporais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos
sociais e no tempo, já que nada no corpo, incluídos aí os órgãos reprodutivos
femininos, determina univocamente como a divisão social será definida. (SCOTT,
1994, p.13).
Então, gênero pode ser definido como uma classificação social do feminino e do
masculino, porém, atualmente, a expressão encontra maior ressonância nos estudos que tratam
sobre questões ligadas as mulheres. Nesse caso, quando se trata do papel feminino, são
utilizados alguns canais comunicativos que servem como fontes para ampliar as reflexões
neste campo singular.
No presente estudo abordamos o teatro como um destes importantes canais
comunicativos. Deste modo, destacamos o teatro como um meio artístico que contribui
significativamente para o processo de circulação de ideias e o fortalecimento das discussões
sobre gênero. No decorrer deste estudo, damos visibilidade ao papel educativo que o teatro
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assume nestes debates, considerando que “[...] grande parte do teatro se debruça sobre a nossa
realidade e se coloca na vanguarda das [...] aspirações populares, sem abdicar dos
pressupostos estéticos [...]”. (MAGALDI, 201, p. 15).
O teatro pode ser definido como um lugar, [...] edifício, uma construção especial
projetada para fins de representações e encenações teatrais. O teatro pode ser pensado [...]
como o lugar onde se passam certos acontecimentos que acompanhamos como espectadores,
assim como o teatro do crime, da guerra, das paixões humanas. Podemos chamar igualmente
de teatro aos grandes acontecimentos sociais, assim como a representação das ações
repetitivas da vida cotidiana. (BOAL, 2006).
Para Heliodora (2008, p. 7) “o teatro é, de um lado, uma atividade, uma forma de arte,
na qual as pessoas representam um acontecimento vivido por personagens, e, de outro, o lugar
onde essa atividade acontece”.
Recorrendo ao saber-fazer teatral, no estudo que desenvolvemos, nos remetemos ao
texto teatral Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, para abordar questões de gênero, vinculadas
ao feminino, por meio da personagem principal chamada Nora, que cansada de ser tratada
como uma boneca pelo pai e posteriormente pelo marido, abandona a família, rompendo com
os padrões de comportamento femininos da época.
Nesta perspectiva, o presente estudo tem a finalidade de contribuir com reflexões
sobre condutas e rupturas do ideal feminino no papel desempenhado pela mulher na obra
citada. Na construção da personagem Nora, Ibsen traz para o debate a condição feminina,
enfatizando os aspectos sociais e morais, fato que insere o texto em debates que envolvem a
arte e a condição da mulher na sociedade contemporânea.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa orientou-se pela abordagem qualitativa. A
coleta de dados foi realizada por meio de consulta bibliográfica e entrevista com alunos da
graduação do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Regional do Cariri - URCA
que encenaram o texto Casa de Bonecas. Os principais teóricos utilizados nesta pesquisa
foram: Carlson (1997), Magaldi (2001) e Heliodora (2008).
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Imagem de Ibsen:
Fonte: http://www.blahcultural.com/biografia-de-autor-henrik-ibsen/
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Entre as peças bem-feitas, podemos citar a obra Casa de Bonecas que foi escrita por
Ibsen em 1879, sendo esta a primeira peça de sucesso internacional e uma das mais
revolucionárias, cuja personagem principal chamada Nora, mulher da elite, cansada de ser
tratada como uma “boneca” pelo pai e posteriormente pelo marido, abandona o lar, marido e
filhos.
Em relação as peças teatrais de Ibsen, Heliodora (2008), acrescenta que
Sua primeira peça realista foi Casa de boneca, na qual ele denuncia o tratamento
burguês da mulher, que, para ser apenas um adorno ‘pertencente’ ao marido, se
dedica apenas às suas funções domésticas de esposa e mãe, fica sem instrução, presa
ao comportamento determinado pelas regras e preconceitos da sociedade em que
vive (HELIODORA, 2008, p. 94).
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[...] tratar as ficções como simples documentos, reflexos realistas de uma realidade
histórica, mas atender a sua especificidade enquanto texto situado relativamente a
outros textos, e cujas regras de organização, como a elaboração formal, têm em vista
produzir mais do que mera produção. (CHARTIER, 1990, p. 63).
3. Para você, quais as condutas e rupturas do ideal feminino no papel desempenhado pela
mulher em Casa de Bonecas?
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O meu contato com a obra de Henri Ibsen ocorreu na disciplina Dramaturgia II, na
qual, nossa professora mestra, Cecília Raiffer, nos orientou a ler a obra e estudá-la.
Desde então, a obra perpetuou no meu imaginário, me conduzindo a futuramente
transformá-la em uma montagem cênica.
Nosso segundo entrevistado foi Fernando dos Santos Pereira, estudante do curso
pesquisado. Sobre o primeiro contato com a obra, o estudante falou:
Meu contato com a obra de Ibsen ocorreu durante uma disciplina da Universidade; a
de Dramaturgia III em que fiz a leitura encenada da obra e o estudo sobre o seu
autor, logo em seguida recebi o convite da Amanda Oliveira para participar de sua
encenação Casa de Bonecas. Topei na hora devido gostar muito do texto e achar a
temática envolvente.
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Além de diretora da obra, também atuei como atriz. Na minha concepção adaptei a
obra para que tivessem duas Noras e dois Torvald. Interpretei uma das Nora,
juntamente com a atriz Erlândia Benevides. Acredito que a construção do
personagem se deu já nas primeiras leituras quando comecei a adaptar o texto para a
cena. Já tinha em mente que tipo de mulher é a Nora, seus trejeitos e sua forma de
falar. A corporificação da personagem foi desenvolvida através da sala de ensaio, no
qual comecei juntamente com Erlândia a criar partituras, o que ajudou também na
marcação. Pensando bem, o processo de construção de personagem se deu através da
imaginação. Eu partir da imaginação para então, entrar na sala de ensaio e
transmutar o imaginário para o real, o concreto.
Por sua vez, Fernando Pereira representou dois personagens, Torvald Helmer (marido
de Nora) e Sr. Krogstad (o advogado). Sobre a dinâmica de construção de seus personagens, o
ator enfatizou:
Casa de Bonecas é um texto forte que marca a transição da mulher dita “boazinha”
pela sociedade, a que obedece, anula suas vontades, seus ideais, a mulher submissa
para uma mulher de atitude que se permite pensar no que é melhor para ela em
primeiro lugar. Eu como diretora, atriz e mulher, vejo em mim, muito de Nora,
talvez por isso minha vontade de montar esse texto. A identificação [...] Acredito
que essa “rebeldia” da Nora no final do texto, despertou em mim a reflexão de que:
Até que ponto eu deixo de ser quem sou para favorecer a sociedade, minha família
ou outro? (Amanda Lima).
Acredito que a mulher na obra de Ibsen sai do seu caráter de passividade quando se
coloca a frente da situação que se encontra, ela dar seu jeito de resolver as coisas;
digo sai da passividade pelo fato de não aceitar a canalha masculina que por vezes
tenta impor seus conceitos tortos e machista perante a figura feminina colocando-a
em submissão. Pensando na época que a peça foi escrita, vejo essa postura da Norma
em a Casa de Bonecas como forte ruptura de um sistema em que a esposa (mulher)
devia apenas acatar as normas impostas não só pelo seu marido, mas também pelo
pai ou qualquer outro homem de sua família (Fernando Pereira).
Em uma breve análise das falas dos alunos entrevistados, é possível perceber a
potencialidade da arte para promover reflexões sobre temas importantes da realidade. Neste
caso, o teatro foi utilizado como principal linguagem. Por meio desta expressão artística, a
ficção foi tomada como fio condutor para fortalecer o debate sobre a condição feminina e as
questões de gênero que emanam no contexto da sociedade ontem e hoje.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. 9ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006.
CARLSON, Marvin. Teorias do teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade, São
Paulo: UNESP, 1997.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
Difel, 1990.
HELLIODORA, Bárbara. O teatro explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
IBSEN, Henrik. Casa de Bonecas. Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupenino. São
Paulo. Editora Veredas. 2007.
MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. 5 ed. São Paulo, Global: 2001.
SCOTT, J. Prefácio a Gender and Politics of History. IN: Cadernos Pagu: desacordos,
desamores e diferenças. Campinas: PAGU/UNICAMP, 1994, v. 3.
URCA. Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Teatro. Universidade
Regional do Cariri. Juazeiro do Norte: URCA, 2011.
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Neste artigo será apresentado os resultados de uma pesquisa que foi realizada com
meninas na faixa etária dos cinco anos e fazem parte de uma turma de nível VI da Educação
Infantil no município de Parnamirim/RN. Esse estudo justifica-se pela importância de se
compreender a Cultura midiática e em especial como os desenhos animados se estabelecem
no universo infantil, não apenas no campo da Educação, mas, de modo geral, no contexto
social, político e econômico das sociedades contemporâneas.
Na contemporaneidade nos espaços escolares observamos diferentes modos de ser,
viver e agir. O cotidiano dos nossos alunos e em especial das meninas participantes da
pesquisa nos revelam uma variedade de fatores culturais que perpassam a vida delas e dos
demais alunos e que se fazem presente em sua vivência diária na escola e em outros
ambientes que oferecem o uso de um aparelho de televisão.
Sendo a escola um espaço propicio para o compartilhamento de ideias e trocas de
informações, nós que estamos diariamente em sala de aula com as crianças da educação
infantil observamos que os itens do material escolar, as roupas e calçados e as formas de agir
de muitos dos nossos alunos estão entrelaçadas com os personagens dos desenhos de
animação que eles têm assistido. Para esse trabalho optamos por analisar os desenhos
animados que compõe o universo infantil feminino.
Ao lançar um olhar sobre o contexto social contemporâneo e utilizando-se de lentes
oferecidas pelos estudos culturais em educação e a abordagem Pós-Estruturalista de análise é
preciso entender que todas essas transformações que acontecem fora e dentro da escola, fazem
parte da vida desses alunos, e diante dessas novas demandas sociais observadas no contexto
escolar torna-se preciso que os professores estejam atentos e problematizem questões que
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surgem e criam novas situações nas relações escolares, e para isso podemos observar que
Com base no que já foi exposto buscaremos apresentar os dados obtidos durante a
pesquisa. As observações específicas para esse trabalho foram realizadas entre os meses de
setembro, outubro e novembro do ano de 2014. Tendo em vista a produção deste trabalho
começamos a direcionar e a motivar ainda mais o início de conversas sobre as mídias
televisivas e, em especial, sobre os desenhos animados.
Para isso, contamos com a roda inicial de conversa em sala de aula e que faz parte da
rotina da instituição e se faz presente em meu planejamento, e, nesse momento, temos a
oportunidade de conversar sobre diversos assuntos, contar histórias, cantar e brincar, sempre
surgem conversas que se relacionam a algum desenho animado assistido por eles e que
sempre movimenta todo o grupo pois todos querem o seu tempo para falar sobre os
personagens e as coisas que aconteceram em algum dos episódios.
Ao realizar algumas conversas sobre os desenhos animados com todos os alunos, fui
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percebendo que realmente esse assunto era do interesse deles, pois muitas vezes, ficava até
difícil organizar o momento de cada um falar. Observei também que até crianças que não
gostavam de se expressar no momento da roda de conversa já estavam pedindo a sua vez para
apresentar sua opinião ou comentar algum episódio do desenho animado.
Após a roda coletiva, decidi realizar a primeira parte da pesquisa apenas com as
alunas da turma, que neste caso foram oito meninas. Desenvolvendo assim uma, dinâmica de
conversa e coleta dos primeiros dados. As alunas foram organizadas em dois grupos,
composto por quatro alunas, no intuito de obter informações sobre cada uma e seus
respectivos desenhos animados preferidos.
Ao conversar com as alunas observei que estavam surgindo uma grande quantidade
de indicações de desenhos assistidos, e foi solicitado que entre os preferidos elas escolhessem
o desenho e o personagem que elas mais se identificam. E assim conseguimos as primeiras
produções artísticas e os relatos das alunas. Ao falarmos identificação ficamos bem próximos
do conceito de identidade, e sobre essas discussões sobre formação de identidade temos como
premissa os conceitos abordados por Stuart Hall, que nos leva a perceber que
o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias ou não- resolvidas. Correspondentemente, as
identidades, que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa
conformidade subjetiva com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando
em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio
processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades
culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático (HALL, 2006, p. 2).
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TABELA nº 1
A1
A4
A2
A3
A5
A7
A6
A8
TABELA nº 2
A2
A3
A1 A4
A7
A A8
5 A6
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A análise dos dados apresentados na tabela nº1 e nº 2, e a justificativa das alunas que
foram registradas por mim logo após a produção do desenho serão apresentados no decorrer
do texto que deve seguir a ordem apresentada nas tabelas já mencionadas.
O desenho preferido de A1 é a Barbie Pop Star, e sua personagem em destaque é a
Barbie do castelo de diamante, pois ela é bonita, tem o cabelo longo e veste roupa que tem
estrelas. A aluna quer ser médica para usar roupas bonitas e cuidar de crianças.
A aluna A2, gosta de assistir Clube das winx e Bob esponja, com ela eu não consegui
delimitar um ou outro desenho pois ela disse que adora os dois desenhos. Diante disso ela
desenhou a personagem Estrela do Clube das Winx, e disse que ela tem um quarto bonito,
brinca com as amigas e quando se transforma usa roupas bonitas. Sobre o Bob esponja ela
gosta pois ele é muito engraçado. No futuro sonha em ser modelo para poder usar todas
roupas bonitas.
A aluna A3, assiste as Monster high e sua personagem preferida é a Spectra pois ela
usa roupas bonitas, coloridas, rasgadas e tem um sapato que se transforma em foguete e faz
voar. Disse que quer ser modelo pra ficar bonita e usar roupas legais e coloridas, bolsas e
brincos.
A participante A4, prefere assistir My Little Pony, por gostar muito da princesa
Twilight Sparkle que se diverte brincando e cantando. No futuro quer ser cantora, pois as
cantoras ganham muito dinheiro para comprar carro e casa.
A aluna A5, gosta de assistir o desenho Monster high, e a personagem preferida é a
Draculaura pois ela tem muitas amigas e usa roupas bonitas. Disse que no futuro quer ser
Roqueira pois usa roupas legais e os irmãos escutam Rock em casa.
A participante A6, prefere assistir o desenho É hora de aventura, e adora a princesa
Jujuba pois ela tem o cabelo loiro e longo. Na vida adulta quer ser médica para não deixar as
pessoas ficarem doentes e também porque as médicas são muito bonitas.
A aluna A7, gosta do desenho das Meninas super poderosas, por serem divertidas,
mas a personagem preferida e a Florzinha. No que se refere a profissão para a vida adulta a
aluna disse que quer ser empregada doméstica, pois gosta muito de arrumar a casa, limpar as
coisas, cozinhar, lavar a louça, e lavar o banheiro, e todas essas coisas a mãe dela ainda não
deixa ela fazer.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em História pela Universidade Federal
da Paraíba. Vinculado aos grupos de Pesquisa: Intertartes: processsos e sistemas interartisticos e estudos de
performance; Arte, Cultura e Sociedade no Mundo ibérico (Séculos XVI a XIX). Contato:
michaeldsn@gmail.com .
630
Mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba. Técnica da secretaria de educação do município de
Horizonte, eixo fundamenta II – ciências humanas. Contato: katia.adriano1492@gmail.com.
631
O termo “bula pontifícia” refere-se à apresentação, à forma externa do documento lacrado com
pequena bola de cera ou metal. Já umsínodopode ser realizado por qualquer denominação religiosa,
sendo muito comum entre os cristãos. Trata-se de uma reunião convocada pela autoridade eclesiástica.
Um concílio é uma reunião de autoridades eclesiásticas com o objetivo de discutir e deliberar sobre
questões pastorais, de doutrina, fé e costumes (moral). Os concílios podem ser ecuménicos plenários,
nacionais, provinciais ou diocesanos, consoante o âmbito que abarquem.
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condenadas desde o Velho Testamento. Porém, é fato também que a imagem tem uma
inegável capacidade didática, pois é capaz de transmitir ao indivíduo que a observa
cenas que remetem à memória, e também possibilitam introduzir novos conhecimentos a
este observador, pois como lembra Alberto Manguel, “[...] As imagens, assim como as
histórias, nos informam” (MANGUEL, 2001, p. 21).
Segundo Peter Burke, as imagens têm importância, pois são informações mudas
que caracterizam e podem, muitas vezes, ser autoexplicativas e possuir informações em
suas entrelinhas e em seu contexto, “pinturas que foram realizadas para despertar
emoções podem seguramente ser utilizadas como documentos para a história dessas
emoções” (BURKE, 2001, p.60).
Na história da Igreja, o uso de imagens gerou muita controvérsia por parte dos seus
líderes. O Quadro 1 mostra um histórico dos principais acontecimentos relativos ao uso
de imagens pelo Cristianismo durante seu primeiro milênio.
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Fonte: quadro elaborado por Michael Douglas dos Santos Nóbrega (2013), com base em DENZINGER,
Enrique. El Magisterio de la Iglesia: manual de los símbolos, definiciones y declaraciones de la Iglesia
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O quadro acima expõe o percurso das querelas sobre o uso da imagem na Igreja
cristã e nos mostra como essa questão foi polêmica já na Baixa Idade Média. O começo
do 2º milênio da Era Cristã só viu este uso ser reforçado, pois a imagem era vista “[...]
como estratégia pedagógica para a evangelização de povos de diferentes tradições
lingüísticas e religiosas” (SANT’ANNA, 2006, p. 21). Os concílios realizados pela
Igreja incentivavam essa utilização e ditavam leis e normas para tal uso. Por volta de
1260, São Boaventura, então ministro-geral dos franciscanos, discorre sobre o uso das
imagens, ressaltando as determinações do II Concílio Ecumênico de Niceia:
As imagens não foram introduzidas na Igreja sem causa razoável. Elas derivam
de três causas: a incultura dos simples, a frouxidão dos afetos e a
impermanência da memória. Elas foram inventadas em razão da incultura dos
simples, que não podendo ler o texto escrito utilizam as esculturas e pinturas
como se fossem livros para se instruir nos mistérios de nossa fé. Da mesma
forma, elas foram introduzidas em função da frouxidão dos afetos para que
aqueles cuja devoção não é estimuladas pelos gestos do Cristo recebidos por
intermédio dos ouvidos sejam provocados pela contemplação dos olhos do
corpo em sua presença nas esculturas e pinturas, já que na realidade o que se
vê estimula mais os afetos do que o que se ouve... Finalmente por causa da
impermanência da memória, já que o que se ouve é mais facilmente esquecido
do que o que se vê... Assim, por um dom divino, as imagens foram executadas
nas Igrejas para que vendo-as nos lembremos das graças que recebemos e das
obras virtuosas dos santos.[sic] (AGUILAR apud OLIVEIRA, 2000, p.
38).[grifos meus]
Com efeito, até o Concílio de Trento, a Igreja fizera vista grossa para temas
pictóricos pouco compatíveis com o conteúdo doutrinal do catolicismo. Basta
lembrar as imagens de deuses pagãos coexistindo com personagens do
Evangelho. A presença de Ulisses ou de Apolo poderia certamente ter um
significado tipológico, isto é, prefigurando o advento do Cristo, mas não
deixava de suscitar ambiguidades, e até mesmo de dispersar o sentido da
mensagem evangélica. (CONCÍLIO, 2004, p. 65)
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Mas por que a honra, que se lhes dá, se refere aos originais, que ellas
representão: em forma que mediante as Imagens que beijamos, e em cuja
presença descubrimos a cabeça, e nos prostramos, adoremos a Cristo e
veneramos os Santos, cuja semelhança representão: o que está decretado pelos
Decretos dos Concílios, principalmente do Niceno segundo, contra os
impugnadores das Imagens. (TRENTO, 1781p. 351)
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Roma se defende das críticas e estabelece parâmetros seguros para utilização dessas
imagens nos rituais litúrgicos e na catequese:
Não só por que se manifestão ao povo os benefícios, e mercês, que Cristo lhe
concede, mas também por que se expõem aos olhos dos Fieis os milagres, que
Deus obra pelos Santos, e seus saudáveis exemplos: para que por eles dêm
graças a Deus, ordenem a sua vida, e costumes à imitação dos Santos, e se
excitem a adorar, e amar a Deus, e exercitar a piedade. (CONCÍLIO, 1781,p.
353)[grifos nossos]
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Outros concílios também discutiram e se dedicaram às questões relativas ao uso das imagens, tais
como o Concílio de Trulan, convocado pelo papa Sérgio I; o Concílio de Sinigaglia, convocado pelo
Papa Clemente VII; o Concílio de Augsburg, convocado pelo Papa Paulo III; e o Concílio de Mainz,
também convocado por Paulo III ( apud BORROMEO, 2010, p. 57).
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por Carlo pudessem interferir nos assuntos de ordem civil em seus territórios
(GERLERO, 1983, p. 13).
Em seu Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, Carlo Borromeo se
refere às imagens eclesiásticas e alerta o leitor para uma atenção rigorosa quanto a sua
produção. Em determinado trecho de seu tratado, cujo foco principal era a arquitetura,
aparecem oito pontos que se referem à iconografia e a seu uso nos templos católicos.
Inicialmente, Borromeo se refere aos cuidados e à conservação que se deve
dedicar às imagens sacras, e retoma a discussão tridentina, condenando imagens que
traziam dogmas falsos ou que podiam ofender os fiéis por conter algo profano ou
indecente. E condena a aparição de jumentos, cachorros, porcos e outros animais, tidos
como brutos, sendo esses usados apenas quando a história sacra assim o permitisse, por
exemplo.
Los accesorios, como los que por causa de ornato Suelen añadirlos pintores o
escultores a lasimágenes, que no sean profanos, no voluptuosos, no deliciosos
y finalmente no incompatibles com la sacra pintura, como cabeza humanas
representadas deformemente, que de manera comúnson denominadas
mascarones por el vulgo, no avecillas, no el mar, no prados verdes, no otras
cosas de este género que se representam para recreacíón y perspectiva
deliciosa y ornato. (BORROMEO, 1983, p. 41)
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Essas indicações dadas por Carlo Borromeo foram complementadas por outros
tratadistas, como Gabriele Paleotti(1522-1597), outro cardeal italiano seu
contemporâneo e que chegou a arcebispo de Bolonha. Paleotti era uma figura
significativa, e serviu de fonte para busca de conhecimentos sobre as últimas sessões do
Concílio de Trento, tendo sido, em 1590, um dos principais candidatosao papado,
embora hoje seja mais lembrado por seu De sacris et profanis imaginibus (1582), que
estabelece a visão da Igreja Romana sobre o papel e conteúdo da arte adequada à
Contrarreforma.
Paleotti foi designado pelo Papa Pio IV para ser conciliador entre os reformistas e
conservadores. Sua postura moderada e seu zelo com a reforma foram características de
sua vida eclesiástica. Segundo Silva (2014), Paleotti era um exímio escritor e não tinha
interesse por arte até a década de 1570, quando começou a trabalhar em seu De sacris et
profanis imaginibus, obra projetada para cinco livros mas que nunca chegou a ser
concluída de fato (SILVA, 2014, p. 89).
Em seu trabalho Paleotti faz uma consideração sobre as funções da arte religiosa
e da arte secular, com base em textos clássicos, bíblicos e patrísticos. Ele atribui um
lugar sublime à arte e à posição do artista, sempre guiado pela Igreja. Diversas questões
discutidas por Carlo Borromeo foram tratadas também por Paleotti. Ele se refere a
questões específicas da iconografia inserida na arte religiosa, condenando as obras
indecorosas, e incentivando a utilização de representações tradicionais, sendo contrário
às obras criadas sem fundamento bíblico. Diferentemente de outros tratadistas, Paleotti
também escreve sobre a arte profana, secular, exigindo normas condizentes com a
moralidade e decência cristãs.
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Outro tratadista de grande influência foi Federico Borromeo. Para ele as imagens
podiam ensinar a fé, desde que fossem feitas de modo correto633 (BORROMEO, 2010, p.
54). Federico Borromeo estimulava a fé por parte dos artistas e afirmava que não havia
arte religiosa sem a fé por parte de seus criadores. Seu texto aborda diversas questões
iconográficas, entre as quais a de que excomungados não poderiam aparecer junto aos
santos, e também o estímulo aos artistas para que atentassem quanto às fontes literárias.
Suas descrições quanto às imagens são feitas de forma bem minuciosa, servindo de
manual para os artífices.
Certamente os gravuristas, como Michel Demarne foram influenciadas por esses
tratadistas, levando em conta que os principais pontos condenados por eles não fazem
parte da obra do francês. Um exemplo disso é a decência em que a mulher de Putifar
(Figura 1 e 2) se encontra quando assedia José do Egito: se trata de uma cena que
remonta à nudez da mulher sobre a cama, mas nas gravuras de Demarne e nos azulejos
de Teotónio é possível observar que a nudez é encontrada de forma simples, sem
exageros.
Figura 1 –José fugindo da mulher de Putifar. Teotónio dos Santos (atrib.), c. 1730-1740.
Silhar da nave da igreja Conventual, Convento de Santo Antonio, João Pessoa, Paraíba.
Foto: Carla Mary S. Oliveira, 2011.
633
Segundo Federico Borromeo: “At recentiores Pictores ne que imagines repraesentant quales fuere, ne
quequales esse deberent” (BORROMEO, 2010, p. 54)
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Figura 2– José fugindo da mulher de Putifar. Michel Demarne. Histoire sacrée de la Providence et de la
conduite de Dieu sur les hommes...2 vols. Paris, 1728-1730.
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Tradução de Kenneth S. Rothwell Jr. Cambridge, EUA &Londres: Harvard University
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DEMARNE, Michel. Histoire sacrée de la Providence et de la conduite de Dieu sur les
hommes...2 vols. Paris: Chez Guillaume Desprez & Jean Desessartz, 1728-1730.
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INTRODUÇÃO
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Pedagogo (UFPI), Mestre Em Educação (UFPI), Doutor em Educação (UFC), com Pós-Doutoramento pelo
PPGE/História da Educação da Universidade Federal da Paraíba/UFPB sob orientação do Professor Doutor
Charliton José dos Santos Machado; Professor Adjunto II da UESPI; Coordenador do Núcleo de Pesquisa em
História Cultural, Sociedades e História da Educação Brasileira (NUPHEB)/CCECA/UESPI.
635
Aluna do Curso de Pedagogia/UESPI. Pesquisadora-Voluntária do PIBIC/CNPQ 2015-2016.
636
Pedagoga, Professora Substituta da UESPI/Torquato Neto, Especialista em Recursos Humanos (UVA),
Membro do NUPHEB/UESPI.
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637
De agosto de 2013 a julho de 2014, desenvolvemos o projeto de pesquisa aprovado no PIBIC/CNPQ,
intitulado "Fontes documentais, narrativas orais e história das instituições escolares: um estudo das trajetórias,
dos percursos de formação e das representações do Ginásio Leão XIII em Teresina/PI", contando com a aluna-
pesquisadora Charlene de Sousa Lima Araújo, do curso de Pedagogia/UESPI, tendo como fontes, além das
fontes orais, uma imersão no acervo documental e de hemeroteca do Arquivo Público do Estado do Piauí, Casa
Anísio Brito, em Teresina/PI.
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Nossa investigação, se ancora numa abordagem qualitativa, por entendermos ser a mais
apropriada no suprimento de nossos interesses e na condução dos processos de formulação de
questionamentos, assim como, na escolha, condução, produção e no tratamento dispensados
aos dados da investigação, visto que, a pesquisa qualitativa se desenha, conforme Chizzotti
(2005), de modo a possibilitar a relação dinâmica entre o real e o sujeito, pela
interdependência entre o objeto e o sujeito, entre o mundo objetivo e a subjetividade do
sujeito.
A pesquisa se assenta na abordagem teórico-metodológica da Nova História Cultural
(NHC), analisando, de forma específica, a contribuição educacional da educadora piauiense
Maria Odete Moura. A NHC faz emergir uma multiplicidade de objetos, novos métodos e
abordagens diversas, além de uma variabilidade de fontes, em especial a partir da História
oral (ALBERTI, 2006) e da Micro-História, abordagem que permite o estudo, a interpretação
e a reflexão sobre uma pluralidade de realidades e uma amplitude de personagens, incluídos
sujeitos pertencentes as mais diversas classes sociais, descortinando a possibilidade de
pesquisas históricas centradas em temáticas dos mais diversos matizes e focadas nas pessoas
comuns, nos sujeitos protagonistas de suas próprias histórias, contextualizando-as
temporalmente, em especial, por meio da biografia e dos métodos biográficos. (BURKE,
2008, 2011).
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como suporte.
A educadora piauiense Maria Odete Moura, se constitui na personagem central da
pesquisa, que se encontra em desenvolvimento, na cidade de Teresina/PI, tendo, por outro
lado, como principal instrumento de produção dos dados a entrevista de relatos
autobiográficos, realizada a partir de um roteiro de questões abertas e concretizada por meio
de diversos encontros com a personagem.
As entrevistas, ancoradas em roteiro de perguntas abertas, estão sendo realizadas com o
uso de gravador digital, câmara filmadora e registro em diário de campo. Os relatos
autobiográficos da entrevistada, buscam responder ao seguinte problema: Como se configurou
a contribuição e o legado de Maria Odete para o desenvolvimento social e educacional da
cidade de Sigefredo Pacheco, situada no estado do Piauí?
No uso das fontes orais, evitamos que estas sejam consideradas como verdades
acabadas e definitivas sobre os fenômenos estudados, tampouco que se privilegie o seu uso
somente para cobrir os vazios deixados pela falta de possibilidade do emprego de outras
fontes, tendo consciência de que este tipo de fonte fornece um produto fruto de narrativas
cercadas de significados subjetivos e singulares, de versões, representações e interpretações
elaboradas pelas lembranças e que estas, por sua vez, são carregadas de esquecimentos, de
imaginações, ocultações, de silenciamentos propositais ou não; são testemunhos orais
impregnados de memórias, identidades, pertencimentos e tempos dinamicamente diversos,
diferentes e multidimensionais, expostos que estão às disputas pela construção das memórias
de determinado acontecimento. (GAGNEBIN, 2009).
Optamos, também, pelo uso e cruzamento de outras fontes pertinentes para contar a
história de vida de Maria Odete Moura, ressaltando suas contribuições educacionais, sociais e
políticas na cidade de Sigefredo Pacheco/PI, tais como, fotografias, diários, cartas,
informativos e outros que possibilitem e contribuam de forma relevante para o trabalho com
memórias e narrativas, desvelando acontecimentos importantes da história de vida de nossa
personagem, permitindo novos olhares sobre fatos narrados por meio da historiografia oficial
(FERREIRA; AMADO, 2006) sendo obtidas durante o desenvolvimento do estudo.
Após os registros das oralidades, são feitas as transcrições das narrativas autobiográficas
da Professora Maria Odete Moura, realizadas por meio da escuta atenta e pormenorizada do
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conteúdo das gravações, com registro textual concomitante, digitado no processador de textos
word 2007/Microsoft office, em Notebook do acervo do NUPHEB, com amparo de fone de
ouvido e transformadas em documento textual, a partir de muitas repetições dessa escuta, no
intuito de que nenhuma informação seja perdida ou passe despercebida, evitando confusão na
interpretação, desvio de sentido e, acima de tudo, buscando fidelidade às falas da entrevistada.
O registro dos encontros são efetivados por meio de anotações em diário de campo,
tanto nos encontros das entrevistas, quanto nos momentos de observações, utilizados para
transcrevermos narrativas outras e acontecimentos peculiares, anotando cuidadosamente todas
as informações que se demonstrarem significantes ao estudo.
A análise dos dados passa pela análise de conteúdo, em relação aos textos e documentos
investigados e seu cruzamento com os testemunhos orais coletados nas entrevistas,
identificadas as categorias privilegiadas e se detendo a respeito da produção da história da
educação no Piauí.
Após este trabalho de escrita, mesmo iniciais, os textos foram devolvidos à Professora
Maria Odete Moura para que fizesse a leitura aprofundada, efetivando as devidas correções,
supressões possíveis, acertos e ajustes necessários e possíveis alterações que entenda como
necessárias, sendo que somente são publicados como dados produzidos nesta pesquisa, frutos
das entrevistas de história oral, aqueles que passarem pelo crivo e aprovação da personagem
do estudo.
Após a autorização de publicação concedida pela personagem, seguimos efetivado um
minucioso trabalho de escrita do texto final, com apuro e muita atenção, para a produção da
escrita fidedigna das narrativas da personagem do estudo, sendo que, quando não fomos
capazes de "decifrar" algum termo, alguma palavra, retornamos os contatos com a professora
e nos certificamos do sentido disposto na passagem destacada.
Podemos apontar como principal justificativa para o desenvolvimento do estudo, o
cuidado com a preservação e difusão cultural das heranças educacionais por meio das
lembranças de outras histórias de vidas, concebidas além do corpus teórico histórico estatuído
como oficial, ampliando as possibilidades de novas interpretações dos acontecimentos
próximos dessa área do conhecimento.
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educacional. Todos estes momentos foram registrados no diário de campo, evitando, por se
tratar de contatos iniciais, qualquer outro tipo de registro.
Na década 1960, Maria Odete se tornou a primeira professora da cidade de Sigefredo
Pacheco com o curso pedagógico, nível médio, obtido em Teresina, capital do Piauí, no
Colégio das Irmãs, uma das escolas mais tradicionais do estado, o que lhe permite a ministrar
aulas, durante todo o ano de 1965, na referida cidade. Logo depois, se casa e vai morar em
Teresina, constituindo família e conseguindo formação acadêmica no Curso de Licenciatura
em Letras Português.
Já na década de 1990, forma uma primeira turma de preparatório para o vestibular,
composta por pessoas da cidade, ministrando aulas gratuitas de Português, Literatura e
Redação, com a parceria de um professor de Matemática que cedia uma sala de sua
propriedade, em que ministrava aulas particulares, alternando horários com a professora.
Dessa primeira turma, significativa parcela dos alunos foram aprovados no vestibular, sendo
formados pelo campus da UESPI de Campo Maior.
Neste período, Maria Odete, já professora da UESPI em Teresina, era designada pela
Secretaria de Educação para promover a capacitação dos professores de Sigefredo Pacheco,
além de, na função de Coordenadora Generalista, coordenar e planejar com professores do
estado lotados em escolas da cidade.
No ano de 1995, idealiza e funda a primeira Biblioteca Municipal de Sigefredo Pacheco,
sediada em sua própria casa, pois a gestão da Prefeitura local, a considerava adversária
política, não sendo capaz de vislumbrar os ideais e os benefícios educacionais e sociais dessa
empreitada. A Biblioteca foi formada com acervo de doações de pessoas do Piauí, de outros
estados do Brasil, bem como por meio da sensibilidade e cooperação de pessoas com as quais
mantinha contatos, inclusive muitas destas residindo ou realizando estudos em outros países
da Europa, tais como, Inglaterra e França, e dos Estados Unidos.
É importante ressaltar que, nessa década de 1990, inicia sua militância política na
cidade, se candidatando a vereadora, porém sem lograr êxito, mesmo tendo assumido a
função, na condição de suplente, por algumas oportunidades.
Nos anos de 2000, passa a ministrar aulas na primeira Faculdade privada com um polo
em Sigefredo Pacheco, que formou e ofertou turmas de especialização, tendo a oportunidade
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de receber, agora com formação superior, muito dos alunos que faziam parte da primeira
turma de preparatório para o vestibular, por ela conduzida na década de 1990.
Em 2008, é homenageada com o nome da primeira Biblioteca Pública Municipal oficial,
além de, em 2013 ser nomeada e exercer a função de Secretária Municipal de Educação e
Cultura de sua cidade natal, cargo que exerceu por sete meses, se afastando novamente por
diferenças político-ideológicas.
Os contatos iniciais, consubstanciados nestes primeiros achados, se encerraram com os
acertos para os encontros de entrevistas mais longos e aprofundados, ficando combinado com
a personagem da pesquisa que serão aprofundadas abordagens em torno de sua infância, sua
trajetória de formação escolar e sua atuação no magistério, aspectos de sua atuação política e
enquanto gestora educacional, que servirão da base para desvelar esse legado educacional e
seus reflexos políticos e sociais na referida cidade, o que, de forma direta, contribuirá na
construção do corpus teórico da história da educação piauiense, em especial ao contar a
história de vida das pessoas, educadoras e educadores, que se constituíram em sujeitos dessa
história, participando ativamente desse processo, com suas angústias e alegrias, seus anseios,
desejos, avanços, recuos, tensões, dificuldades, reivindicações, ideais, concepções, lutas,
dentre outras questões, rompendo silêncios e superando dificuldades, conseguindo falar de si
e de suas experiências vivenciais.
CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
Os primeiros achados da pesquisa demonstraram, dado a ênfase com que destaca sua
vida e sua atuação educacional, que a trajetória de vida e o legado educacional da educadora
Maria Odete Moura deixaram profundas e significativas marcas na história e memória da
educação da cidade de Sigefredo Pacheco/PI.
Inicialmente, ao tornar-se a primeira professora da cidade de Sigefredo Pacheco com o
curso pedagógico nível médio, obtido em Teresina, o que lhe garante a condição legal de
professora, exercendo o magistério durante todo o ano de 1965, na referida cidade, para em
seguida, já casada e morando na capital obter a formação acadêmica no Curso de Licenciatura
em Letras Português.
Mas à frente, retorna a sua cidade e forma uma primeira turma de preparatório para o
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638
Doutora em Educação/PPGED-UFRN. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Norte/IFRN. E-mail: francinaide.silva@ifrn.edu.br.
639
Pós-Doutora/École des Hautes Études en Sciences Sociales. Professora do Centro de Educação e do
PPGED/UFRN. Pesquisadora CNPq. E-mail: arisnete@terra.com.br.
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Governadores. Além disso, utilizou-se artigos dos jornais A Capital, A Ordem e A República,
bem como da revista Pedagogium (1921-1940).
No Arquivo Público do Estado/APE encontramos o Livro de Honra (1914-1919),
Diários de Classe e o Livro de Inscrição dos Grupos Escolares. Do Memorial do Atheneu
analisamos a Ata da Congregação do Atheneu e da Escola Normal (1897) e do Instituto de
Educação Superior Presidente Kennedy o Livro de Registro Nominal dos Professores
Diplomados pela Escola Normal.
Propõe, também, o estudo comparado da gênese da Escola Normal Primária de Lisboa
e de Natal, ancorados no problema da análise dos sentidos atribuídos ao modelo de
instituição. Pesquisamos nos acervos da Biblioteca Nacional de Portugal/BNP e da Escola
Superior de Educação de Lisboa/ESELX, antigo prédio da Escola Normal Primária, nos quais
encontramos Atas, Livros, Manuais de Pedagogia e Regimentos Internos.
Instituída no segundo reinado, especificamente em 1873, a Escola Normal de Natal,
assim como em diversas matrizes experimentadas na formação docente no Brasil teve
influências francesa, alemã e norte-americana. Embora as conjunturas sejam diversas, no
aspecto histórico, posto que existiram três tentativas de instalação deste estabelecimento de
ensino até sua institucionalização, a partir de 1908, o que permeia sua história é a necessidade
de instrumentalizar o magistério norte-rio-grandense.
As tentativas de estabelecer uma instituição para a formação docente em Natal fazem-
nos voltar às leis que gestaram a eclosão do movimento de implantação da Escola Normal.
Sabemos que as questões pedagógicas começam a articular-se às transformações da sociedade
brasileira após a Independência da República, em 1822. Neste momento o preparo dos
professores se articulava aos projetos de educação popular. Os dispositivos da Lei das Escolas
de Primeiras Letras (1827) criaram instituições nas vilas, cidades e lugares populosos e
sugeriam que os professores deveriam se instruir no método do ensino mútuo, às próprias
expensas. “Os professores que não tiverem a necessária instrução deste ensino (o ensino
mútuo), irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordenados” (BRASIL, 1827: 71-72).
O Ato Adicional de 1834, por seu turno, determinava que a educação primária era
responsabilidade das províncias. Este dispositivo dava autonomia às províncias no fomentar a
educação e legislar sobre ela. Estas tenderam a adotar, para formação dos professores, a via
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que vinha sendo seguida nos países europeus: a criação de Escolas Normais.
Entretanto, quais eram os embates entre as normas emanadas do poder central e os
ditames locais? A Lei n. 37, de 11 de novembro de 1839, assinalava para os esforços em
implantar uma instituição de formação docente sob o argumento de que não havia no Rio
Grande do Norte formas de ensino condizentes com as necessidades das crianças. Mas
somente em 1862 foi estabelecida uma Escola Prático Modelo, Lei n. 529 de 28 de abril, no
Atheneu Norte-Rio-Grandense.
A efetiva implantação de um estabelecimento de ensino específico para o
aprimoramento docente, somente se deu em 1873, também instalado no Atheneu. Neste
momento foi criada a primeira Escola Normal de Natal. Segundo Kulesza (1998) o Ensino
Normal tinha sua referência, no início de sua instalação nas províncias, nos Liceus e Atheneu,
logo, estavam ligadas à formação secundária. Além das instalações, havia o empréstimo de
professores e dos regulamentos para as escolas.
No século XIX um dos principais argumentos para a instalação das Escolas Normais
era o de que estas instituições se constituíam como fontes de estudos teóricos e práticos, uma
vez que “ao mesmo tempo em que ministra o ensino experimenta o gosto do aluno,
desenvolve-lhe a vocação e forma-lhe o caráter nos predicados, que devem coroar o exercício
da Pedagogia” (OLIVEIRA, 2003: 213). Além disso, em países civilizados como França,
Suíça, Prússia, Itália, Áustria, Inglaterra, Suécia, Espanha, Estados Unidos, a Confederação
Argentina e o Chile tinham muitas escolas e as aperfeiçoavam.
As Escolas Normais foram criadas para atender aos meninos e aos poucos passou a
receber as meninas que buscavam instrução. As instituições formadoras de docentes primários
foram recebendo mais moças em suas salas. A Escola Normal de Natal, por exemplo, desde a
reabertura em 1908, revelou-se uma escola para a formação de mulheres professoras.
A institucionalização da profissão docente estava relacionada ao momento em que os
professores passaram a ser um corpo de funcionários responsáveis por desenvolver a tarefa de
transmissão de conhecimentos. O Curso Normal legitimava um corpo de conhecimentos
adquirido pelo aluno que após a diplomação adquiria o status de profissional.
No Brasil, após a Proclamação da República, o projeto elaborado por Rangel Pestana,
consubstanciado no Decreto n. 27, de 12 de março de 1890, reformou a Escola Normal de São
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Paulo, sob a direção de Antonio Caetano de Campos, e criou as Escolas Modelo. Essas eram
classes primárias anexas à Escola Normal, com o objetivo de aprimorar a formação de
professores desenvolvendo, desse modo, um padrão de ensino para nortear as escolas
primárias. Era o local apropriado para a prática dos alunos-mestres. Esta reforma iniciou um
período de implantação e expansão do padrão das Escolas Normais tendo como anexo a
Escola Modelo.
Em meados do século XIX foram criadas as primeiras Escolas Normais do país para a
formação de docentes. Na Província do Rio de Janeiro foi instituída em Niterói, em 1835, a
primeira Escola Normal do Brasil. Essa tendência foi seguida por diversas províncias na
seguinte ordem: Bahia, 1836; Mato Grosso, 1842; São Paulo, 1846; Piauí, 1864; Rio Grande
do Sul, 1869; Paraná e Sergipe, 1870; Espírito Santo e Rio Grande do Norte, 1873; Paraíba,
1879; Rio de Janeiro (DF) e Santa Catarina, 1880; Goiás, 1884; Ceará, 1885; Maranhão,
1890. Essas escolas, no entanto, tiveram existência intermitente. Foram fechadas e reabertas
periodicamente.
Análises sobre as realidades educacionais entre Portugal e Brasil permitem considerar
o que ocorreu na área da educação entre ambos. Com o objetivo de estabelecer uma análise
comparativa entre duas instituições de formação de professores, aproximações e
distanciamentos, constituímos uma interlocução com a Escola Normal de Natal e com a
Escola Normal Primária de Lisboa. O intuito é compreender a gênese, implantação e
consolidação destas instituições educativas criadas no âmbito do movimento mundial de
produção de uma forma escolar própria para a formação do magistério e de um complexo
sistema de ensino estatal. Todavia, evidenciamos a gênese como o eixo da comparação.
No que concerne à Escola Normal Primária de Lisboa, o Decreto de 1º de agosto de
1835, propunha a reorganização da Instrução Primária em Portugal e evidenciou o desejo de
instituir duas Escolas Normais: em Lisboa e na cidade do Porto. De modo semelhante, o
Decreto de 7 de setembro do mesmo ano, instituiu uma Escola Normal em cada distrito
administrativo. Todavia, estes não se efetivaram.
Em 1844, o Decreto de 20 de setembro, operacionalizou a Reforma da Instrução
“Costa Cabral” que autorizou a criação das Escolas Normais para a habilitação de professores
primários. Os Cursos tinham duração de um ano (1º grau) e de dois anos (2º grau). Esta
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mesma reforma autorizou a abertura imediata das Escolas Normais de Lisboa e do Porto.
Um Decreto de 24 de dezembro do mesmo ano aprovou o Regulamento para a Escola
Normal Primária para o Sexo Masculino no Distrito de Lisboa, na qual entre outras deveria
ser ministrada a matéria que veiculasse os elementos de Pedagogia. Para cumprir esta
finalidade o referido documento apresenta a matéria que se intitulava Notícia dos métodos de
ensino e de legislação respectiva à instrução primária (REGULAMENTO, 1845: 4).
Foi construído um edifício para abrigar esta instituição, em Belém, como também
nomeados diretor e professores, mas a escola não funcionou. Apesar disso, foi a primeira vez
em Portugal em que se faz menção ao ensino de Pedagogia (GOMES, 1998: 199). Em 1860, o
Decreto de 4 de dezembro, considerando a necessidade do funcionamento da Escola Normal,
aprovou o Regulamento no qual constava que o plano de estudos compreendia, além de
diversas outras, a matéria Pedagogia Prática e Legislação e Administração do Ensino.
Em Lisboa, porém, somente em 21 de abril de 1862 foi inaugurada a Escola Normal
Primária. Instalada no Palácio dos Marqueses de Abrantes, em Marvila, funcionava em
regime de internato e era exclusivamente masculina. Esteve sob a direção do professor Luiz
Filipe Leite desde sua fundação até 1872, quando o referido professor foi demitido.
No que concerne ao programa de formação dos professores primários portugueses,
pela proposta de Regulamento da Escola Normal Feminina do Distrito de Lisboa, em 1863,
aprovada no Governo Anselmo Braamcamp, o programa do Curso Normal Primário
evidenciava princípios de especialização com a inclusão de disciplinas pedagógicas.
Compreendia o plano de ensino matérias como Pedagogia Prática, Deveres da Mestra
Primária e suas relações com o Estado, Educação Física, Preceitos Higiênicos, Preceitos e
Exercícios de Economia Doméstica. (REGULAMENTO, 1863: 5-6).
Eram elementos centrais da formação oferecida pela instituição o ensino da agricultura
e a implementação de atividades culturais – como, por exemplo, uma Biblioteca Dominical
para os operários. O preparo conferido pela escola visava um ensino predominantemente
profissional baseado em preceitos pedagógicos e aliava a dimensão teórica a uma
aprendizagem prática. Funcionou no referido Palácio até 1881.
A Relação dos Indivíduos Matriculados na Escola Normal desde 1862 a 1866 e seus
destinos (1866) registra a situação dos mestres egressos da instituição de formação de
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Moreira de Sá (1873). Registramos que o primeiro professor de Pedagogia foi Luís Filipe
Leite, também primeiro Diretor da Escola Normal em Marvila.
A Reforma do Ensino de 1878-1881 orientou as ações educativas em fins dos
oitocentos em Portugal marcadas pela expansão do Ensino Normal e, por conseguinte, pelo
aumento do número de mestres primários. Neste período, as duas escolas de Lisboa sentem a
‘crise de crescimento’. (NÓVOA, 1987b: 462). São marcas também desta época a falta de
recursos, escândalos de natureza moral, conflitos entre docentes e comportamentos
considerados inadequados por parte dos alunos. De acordo com Mogarro e Zaia (2009: 44),
simultaneamente realça-se o caráter profissional do ensino ministrado e o reforço da
pedagogia, defendendo-se a aliança entre a teoria e a prática.
Quanto ao ensino, o Decreto de 28 de julho de 1881 aprovou o Regulamento, para a
execução das Leis de 2 de maio de 1878 e de 11 de junho de 1880, com as matérias ensinadas
nas Escolas Normais das quais faziam parte Pedagogia, Metodologia e Legislação relativas às
Escolas Primárias.
No que se refere à instituição brasileira, também foram apresentadas sucessivas
propostas de criação de uma Escola Normal em Natal destinada à formação de candidatos ao
magistério a qual seria instalada no Atheneu Norte-Rio-Grandense (Lei n. 37, de 11 de
novembro de 1839; 1849; Lei n. 529, de 28 de abril de 1862). Entretanto, estas não lograram
o êxito que se esperava.
A Lei n. 671, de 5 de agosto de 1873, marcou a primeira tentativa de funcionamento
da Escola Normal de Natal. Instalada no prédio do Atheneu Norte-Rio-Grandense com o
mesmo quadro docente da citada instituição, passou a funcionar em 1º de março de 1874, com
matrícula inicial de vinte alunos. Funcionava em regime de externato e era exclusivamente
masculina. Diplomou três docentes. Foi extinta pelo Decreto n. 809, de 19 de novembro de
1877, por não corresponder aos fins que levaram a sua abertura.
A segunda tentativa de funcionamento de uma Escola Normal ocorreu a partir da
expedição do Decreto n. 13, de 8 de fevereiro de 1890, na administração de Adolfo Afonso da
Silva Gordo. Todavia, ela foi “nati-morta”, uma vez que este não permaneceu no cargo de
presidente da província.
No período republicano, durante o Governo de Pedro Velho de Albuquerque
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Maranhão, foi expedido o Decreto n. 18, de 30 de setembro de 1892, que autorizou o terceiro
funcionamento da Escola Normal em Natal. Entretanto, esta somente funcionou em 1897.
Diplomou até 1901 cinco professores.
A Reforma do Ensino Primário, Lei n. 249, de 22 de novembro de 1907, reorganizou a
instrução pública. O Decreto n. 178, de 29 de abril de 1908, reabriu a instituição em estudo
para o preparo de professores de ambos os sexos, restabeleceu a Diretoria Geral de Instrução
Pública – extinta em 1900 –, e criou uma rede de Grupos Escolares.
O Decreto 174, de 05 de março de 1908, autorizou a construção do prédio no qual foi
instalado o Grupo Escolar Augusto Severo, primeiro do gênero no Estado, nos moldes dos de
São Paulo. Desde sua criação esta escola primária servia à prática dos mestres normalistas.
Este caráter foi reconhecido pelo Decreto n. 198, de 10 de maio de 1909, que o elevou a
instituição modelar para as demais escolas primárias640.
A Escola Normal de Natal funcionou nas dependências do Atheneu até o último
semestre de 1910. No primeiro semestre letivo do ano seguinte foi instalada no moderno
prédio do Grupo Escolar Modelo, projetado pelo arquiteto Herculano Ramos, conforme as
prescrições da Diretoria Geral da Instrução Pública e os princípios da Pedagogia Moderna.
A instalação do curso de formação para o magistério primário em Lisboa e em Natal
ocorreu em um lento processo, marcado por intermitências no funcionamento em ambas
instituições. As Reformas de Ensino evidenciam as propostas educativas para a
institucionalização da profissão docente nos dois países. No início do século XX, as
instituições continuaram a passar por modificações, conquanto mais significativas. Em Lisboa
e em Natal as Escolas Normais sofreram os influxos das organizações operadas no Ensino
Primário e Normal.
Em Portugal, a Reforma do Ensino Primário, aprovada pelo Decreto n. 8 de 24 de
dezembro de 1901 – também denominada Reforma Hintze Ribeiro –, reorganizou a instrução
primária e concedeu legitimidade ao Ensino Normal. O Regulamento de 19 de setembro de
1902 asseverava que o provimento das cadeiras do magistério primário seria feito por
concurso documental, a que só poderiam concorrer professores que tivessem obtido diploma
640
A Escola Modelo tinha a acepção advinda do aporte teórico-metodológico, nos moldes do “aprender a fazer,
fazendo”, proposto por Comenius e Pestalozzi.
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A Revista Escolar era uma publicação mensal sobre a educação e o ensino a qual tinha como Diretores
Albano Ramalho, Heitor Passos e Joaquim Tomás, Inspetores da Escola Primária, em Portugal.
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A Revista Pedagogium, publicação da Associação de Professores do Rio Grande do Norte/APRN, tratava de
assuntos diversos sobre o ensino e professoras primárias ocupavam cargos de bibliotecária, secretárias e
redatoras.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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SÁ, Antônio Francisco Moreira de. Compêndio de Pedagogia. Coordenado conforme os
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Este trabalho tem como objetivo apontar alguns elementos das relações familiares e
dos conflitos que envolvem mulheres escravizadas em seus lares.
643
Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Bolsista CNPq; Mestra em
Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Bolsista CNPq e Graduada em Fisioterapia pela
Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC, Bolsista PROUNI.
644
Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará – UFC; Pedagoga pela UFC, Especialista em
Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica pela Faculdade Kurios e professora na SME – Fortaleza - CE.
645
Mestra em Promoção da Saúde pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Saúde
Pública com Ênfase em Saúde da Família - UNINTER, Pós-graduanda em Fisioterapia em UTI Faculdade
Inspirar. Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.
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Como diz Schultz (1964) cada ator social experimenta e conhece o fato social de
maneira particular, mas as experiências vivenciadas e internalizadas ganham significados que
perpassam pelo convívio grupal, de modo que as interpretações dos acontecimentos não se
reduzem à soma dos elementos, mas sim à compreensão dos modelos culturais e das
particularidades do entorno. Nesse sentido, a história oral é social, sobretudo porque o
indivíduo só se explica na vida comunitária (MEIHY, HOLANDA, 2007).
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Para analisar o material empírico, oriundo das entrevistas abertas, foi utilizada a
Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004) numa perspectiva crítica e reflexiva. Nesse sentido,
fez-se uma leitura flutuante do material para identificação de núcleos de sentido. Em seguida,
esses grupos foram subdivididos em categorias no intuito de buscar convergências e
divergências extraídas das falas dos participantes, ampliando assim a compreensão do
fenômeno, cuja discussão está articulada com as informações contidas na autobiografia e na
história oficial.
NO DESENROLAR DA PESQUISA
A discussão proveniente da análise de dados levou em consideração as fontes
coletadas sendo eles casais de diferentes grupos sociais e seu cotidiano pertinente ao tema
com a seguinte indagação: Sobre os afazeres do lar, o que você pensa sobre sua conduta e
como acontece na sua casa?
Respostas masculina do casal 1:“[...] Eu lavo, mas não enxugo a louça, isto é coisa de
macho [...]”. Resposta feminina do casal 1: “[...] Mas lava, e coopera daqui a pouco ele
enxuga, ele não sabe o que diz. Com o jeitinho ele faz mais coisas... antes não fazia nada,
hoje já recolhe o lixo, arruma a geladeira, põem a mesa do café... [...]”
Respostas masculina do casal 2: “[...] Aqui em casa dividimos todas as tarefas... não
temos distinção de serviço. Tanto os meninos como as meninas fazem a mesmas coisas.
Criamos nossos filhos para o mundo, não sabemos o dia de amanhã [...]”.Respostas
femininas casal 2: “[...]Um ajuda o outro assim que uma família deve ser. Ensinamos nossos
filhos a serem companheiros a cima de tudo. Existe amor em ajudar. [...]”
Respostas masculina do casal 3: “[...] Não sei fazer nada, não fui criado para
trabalhar em casa. Sou homem isso é serviço de mulher, casei com uma mulher para ela
cuidar dos filhos, de mim e da casa [...]”. Respostas femininas casal 3: “[...]Estou cansada,
quando casamos era normal a mulher ser responsável por tudo na casa. Mas hoje vejo pelas
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minhas colegas que os maridos ajudam em casa. Fico triste... Tenho vontade de largar tudo...
Meu casamento esta desgastado pelo cotidiano, somente cobranças... Não quero que minhas
filhas tenham este tipo de relacionamento no futuro. [...]”
Respostas masculina do casal 4: “[...]Eu trabalho a mesma carga horária da minha
esposa, dividimos bem as tarefas do lar. Sempre foi assim... tem algumas coisas que não faço
muito bem...Porém minha esposa me explica na próxima eu faço melhor. Acho justíssimo
colaborar [...]”.Respostas femininas casal 4: “[...]Sempre nos relacionamos bem com
diálogo e um ajudando o outro, chegamos em casa dividimos o que temos para fazer. Assim
não fica cansativo para nenhum dos dois. [...]”
Respostas masculina do casal 5:“[...]Não dividimos as tarefas... serviço de casa é da
mulher. O homem é somente o provedor. Não deixo faltar nada em casa. Para isso não quero
que minha mulher trabalhe fora. Essas coisas de direitos iguais somente contribui para
separação. [...]”. Resposta feminina do casal 5: “[...]A igualdade da mulher somente
prejudicou vejo pelas minhas amigas. Elas agora além de trabalhar fora, ainda cuidam da
casa e dos filhos. Os filhos perderam o respeito pela constituição família [...]”
Respostas masculina do casal 6:“[...]Fiquei desempregado... Foi difícil me adaptar a
esta condição. Agora ajudo em casa a prendi um novo oficio. Faço tudo... Antes ajudava
muito pouco. Agora vejo como é puxado o serviço doméstico e pior não é valorizado. Me
sinto mal pois, um homem tem que trabalhar, agora dependo da minha esposa. [...]”.
Resposta feminina do casal 6: “[...] Graças que eu trabalho, pois agora neste momento difícil
eu sustento a família e ele me ajuda muito em casa. Nos apertamos, mas vamos superar, neste
momento não temos mais discussões sobre a fazeres pelo contrário estamos mais unidos.
[...]”
Respostas masculina do casal 7:“[...]Eu não gosto de fazer os serviços de casa, já
trabalho fora. Não sou acostumado com o trabalho de casa, nem sei fazer e não me interesso
em aprender. Se não ficava solteiro e contratava uma empregada [...]”. Resposta feminina do
casal 7: “[...]Eu também trabalho fora de casa e ainda quando chego tenho todas as
cobranças de casa... Estou muito cansada disto tudo.[...]”
Respostas masculina do casal 8:“[...]Ajudo sim nos trabalhos de casa e com muito
prazer. É muita coisa. Hoje em dia não temos mais como ter uma empregada e temos apenas
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uma diarista, é uma boa economia no nosso orçamento. [...]”. Resposta feminina do casal 8:
“[...]Dividimos as tarefas, procuramos não acumular afazeres e deixamos sempre as coisas
em ordem. Aprendemos a curtir cada momento em família. Até mesmo os que estamos
limpando a cozinha. Com o dinheiro que deixamos de pagar a empregada viajamos curtimos
nossos filhos e nós como casal.[...]”
Respostas masculina do casal 9:“[...] Sou bagunceiro, mas sempre ajudo quando
minha esposa chama. Confesso que tenho pouca iniciativa em arrumar a casa, ou mesmo
deixar em ordem as coisa. Mas é que fui criado sempre com alguém fazendo as coisas por
mim. Agora tenho preguiça. Mas já melhorei bastante depois de casado[...]”. Resposta
feminina do casal 9: “[...]Ele era muito bagunceiro. Hoje é um pouco melhor, mas ainda é
muito. Sou muito organizada e isso me irrita sem querer. Mas tem outras coisas importantes,
o carinho o amor... eu entendo ele pelo fato de não ter convivido com certos hábitos. Mas
acredito que nunca é tarde para mudar, pois cada dia é uma construção.[...]”
Respostas masculina do casal 10:“[...] Serviço de casa não tem fim. Sempre existe
uma demanda. Hoje temos que ajudar, as necessidades são maiores do que a preguiça.
Quando adolescente nem a cama eu arrumava. Hoje já arrumo a cama, lavo a louça, guardo,
tiro o lixo, arrumo a mesa para a refeição. Eu sei que são pequenas minhas contribuições.
[...]”. Resposta feminina do casal 10: “[...] Temos um bom relacionamento, não
sobrecarregamos um ao outro. Esta pequena ajuda pode ser insignificante. Porém no dia a
dia faz a diferença. Ainda bem que ele tem consciência que é pequena. Tenho amiga que
passam o maior trabalho, são casadas com homens machistas [...]”.
igualmente para um objetivo comum, mas, ao advertir que suas diferenças estão no sexo, cada
uma das partes já nasce com suas características que os identificam como tal: a mulher será
passiva e fraca, o homem será um ser ativo e forte. A confluência destas características supõe
que “um queira e possa” bastando que o outro “resista pouco” (ROUSSEAU, 2004).
Uma temática também encontrada em discussão é o fato da educação ser diferentes
impostas pelas mulheres e homens. As mulheres por sua vez desde crianças são estimuladas a
realizar os afazeres do lar enquanto os homens são livres destas obrigações. As mães tem uma
tarefa de educar os filhos, porém elas mesmas superprotegem a prole masculina, fato este que
reflete na vida conjugal como podemos ver nas entrevistas dos casais. Em que o homem não
coopera em casa com a rotina doméstica porque não foi criado para isto e não sabe fazer. O
autor Rousseau (1992) salienta que para formação do homem e da mulher, o autor chama a
atenção sobre os gostos particulares que foram ‘inclinados’ em fases anteriores para assim
concretizar as diferenças dos sexos. Com isto, os jovens buscam movimento e ruídos;
tambores, tamancos, pequenas carruagens, e as jovens preferem o que dá na vista e serve de
adorno: espelho, joias, trapos, bonecas (principal divertimento deste sexo). Tal observação irá
de encontro a sua postura na fase adulta: tudo tratamento que é expresso sobre a boneca será
transportado para si mesma. Por tanto, a repugnância do ler e escrever é justificado por seu
gosto pelos trabalhos manuais de confeccionar adornos e roupas as bonecas que será
entendido na vida adulta como sua ocupação de confeccionar suas próprias roupas e enfeites.
Eis os seus ‘livros’ de estudos.“[...] quase todas as meninas aprendem com repugnância a ler
e escrever; mas manejar a agulha elas o aprendem sempre de bom grado” (ROUSSEAU,
2004, p. 427).
Por outro lado, agradar um homem de mérito, a mulher adota meios com conforme sua
intenção. Rousseau em (1992) enfatiza o papel da mulher que seria “naturalmente um
coquete, mas seu coquetismo muda de forma e de objeto seus desígnios; regremos esses
desígnios em obediência aos da natureza e a mulher terá a educação que lhe convém”. O
homem casa-se com as mulheres para que elas cuidem deles assim como suas mães fizera,
sele pela sua alimentação, bem estar, saúde, coisas rotineiras desde uma roupa passada a uma
casa organizada. E pelos depoimentos verificamos a ocorrência da posição machista em impor
que me casei para a mulher cuidar da rotina doméstica. Mesmo a mesma tendo uma rotina
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mulher sempre foi considerada o sexo frágil com limitações imposta pela sociedade
machista, com a obrigação de se compor as tarefas do lar sempre selando pela família e o
marido. E ainda tendo que acumular as jornadas de trabalho (cuidados dos filhos, marido,
afazeres do lar). Enfim a sobrecarga imposta acaba por saturar os casais.
Através de estudos, pode-se perceber que, essas mulheres eram centrais em suas
relações familiares, contribuem financeiramente e lutavam para preservar as condições de
igualdade de gênero em seus lares. Em ênfase, estudar a história desses casais é perceber a
importância de cada um deles nas suas relações, suas lutas e conflitos internos em meio ao
amor.
Os relatos contribuem para demonstrar que as pesquisadas e os pesquisados
compreendem a influência cultural tanto no comportamento de ambos os sexos como na
disseminação da violência, e defendem a igualdade entre homens e mulheres. Além disso,
entendem que o homem também seja vítima dessa cultura perversa, sem que, com isso,
justifiquem seus atos de violência e preconceito. Enfim, detectam que para se coibir a
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004.
LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Unicamp, 2003.
LOZANO, J. E. A. Práticas e estilo de pesquisa na história oral contemporânea. In: AMADO,
J.; FERREIRA, M. M. (Coord.). Usos & Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2006.
MEIHY, J. C. S. B.; HOLANDA, F. História Oral: Como fazer como pensar. São Paulo:
Contexto, 2007.
MINAYO, M. C. S. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9. ed. São
Paulo: Hucitec, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jcques. Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.
SCHULTZ, A. Equality and the social meaning structure: Collected papers II. Haia:
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Doutorando pelo Programa de História Social da Amazônia –UFPA e Professor Assistente - I na
Universidade Estadual do Maranhão – CESC- UEMA
647
[...] considerar a masculinidade e os homens objetos específicos dos estudos da masculinidade acarreta
consequências teóricas e políticas sérias. Politicamente, reforça o binarismo que tem sido fortemente criticado
atualmente pelas teorias feministas e, mais recentemente, pelas teorias queer. Teoricamente, ao trabalhar a
partir de uma divisão ingênua entre masculinidade e feminilidade, não incorpora as severas críticas das políticas
de identidade, a complexificação do estudo da subjetividade e a centralidade das reflexões sobre as relações de
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Nas considerações de Judith Butler performance de gênero é uma teoria que parte do
pressuposto que as práticas cotidianas dos sujeitos são alicerçadas, por modos performáticos,
ou seja, que o gênero é moldado socialmente, por elementos como ritos sociais repetidos
intensamente. Nessa via de compreensão a repetição é um mecanismo de naturalização,
enquadrando os sujeitos em modelos, padrões, nas quais os sujeitos acabam sendo instituídos
a viveram como dita o padrão.
Por isso, que buscamos analisar as fotografias como evidências, porque nos ajuda a
pensar como algumas formas de apresentar-se em uma imagem estão indiretamente ligadas ao
mundo em que as pessoas estão inseridas, junto, claro com suas formas de pensar e agir, o que
nesse caso acabam assumindo algumas performances, papeis que os modelos, padrões,
determinam como ideal.
Nesse ínterim, podemos arrolar aqui a própria condição do homem em seus mais
diversos contextos, como a forma de andar, de falar, de viver na esfera publica, são elementos
que se apontam como deve “ser homem” marcando assim aspectos hierárquicos, nas quais o
comportamento desviante gera um olhar torto por parte da sociedade.
Por isso que ao olharmos, por exemplo, a fotografia nos jornais caxienses notamos
poder que configuram os objetos que se relacionam diretamente a sexo, a gênero ou a ambos (PARRINI, apud
MEDRADO E LYRA, 2008: 825). MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de gênero
para os estudos sobre homens e masculinidades. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): 424, setembro-
dezembro de 2008, pp. 809-840.
648
BENTO, Carlos Henrique. O gênero atuante: a performance de gênero em The Passion of New Eve e
Goodnight Desdemona (Good Morning Juliet). (Tese) PPL/Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte, 2007,
p. 07.
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que a representação que pode assumir é configurada de uma performance que possa reforçar
ainda mais padrão de masculinidade. Por exemplo, na imagem abaixo temos a imagem de um
caxiense que foi médico e bastante conhecido pela cidade, nos anos em que atuava.649
649
Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do
mundo físico e natural, da vida individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem – escolhida
e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior. É também a paralisação súbita do incontestável
avanço dos ponteiros do relógio: é pois o documento que retém a imagem fugidia de um instante da vida que flui
ininterruptamente. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo, SP: Ateliê Editorial, 2001, p. 156.
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650
JORNAL, Folha de Caxias, 28 de janeiro de 1978, p. 02.
651
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos
quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio dos
significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo
que somos. Compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais e
coletivas. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 3ª ed.,
2004, p. 17.
652
SOARES, Ana Luiza T. Inventando Gênero: feminismo, imprensa e performatividades sociais na Rio
Grande dos “Anos Loucos” (1919 a 1932). (Dissertação) UFPR, Curitiba, 2010, p. 69.
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vivem. A sua aceitabilidade estar assim condicionada sobre viés do que seja percebido como
padrão e formal. Assim, o homem e o seu comportamento são vigiados socialmente na
perspectiva de “orientar” na postura que devem assumir nos espaços em que circula,
principalmente nos espaços públicos. E de antemão, afirmo não estou fazendo uma defesa dos
homens, mas apenas apresentando que as cobranças são realizadas devido, ao próprio
histórico de afirmação do que por muito tempo entendeu o que seja homem.
Nesse jogo de analise, mesmo a imagem sendo usada apenas para fazer referencia ao
aniversário do médico, os elementos que notificasse o perfil de homem que ele era não foram
deixados de lado. Sobre esse prisma podemos mencionar que a masculinidade enquanto uma
performance praticada no espaço público torna-se um ponto visível pelo campo social. “A
identidade masculina não é linear, sofre modificações com a idade, a classe social, as relações
de trabalho, as mudanças de status, a acumulação ou perda de prestigio.”653
A ideia do homem publico, seria uma máxima das imagens de homens na imprensa
caxiense, as fotografias destes homens sempre buscavam denotar o que eles eram
publicamente, e quais os princípios defendiam em prol da sociedade caxiense. Uma ação
nesse caso, atribuidora das características da masculinidade enquanto se movimento no
espaço publico. Pois o que se percebe é sempre reafirmar o que é o homem na esfera publica e
como “naturalmente” ele foi destinado para estar lá transitado “livremente”.
Aspamos a palavra livremente, por que o que os homens pensam como natural, nada
mais é que uma condição imposta na qualidade do que seja homem, por que caso seu
comportamento, sua performance não esteja enquadrada dentro das características
socialmente aceita essa é vista como reflexo de um sujeito que é possuidor dos elementos da
masculinidade, como atípico, fora dos padrões, desqualificados, pelos outros, por que não
cumpre o que é “regra”.
Nesse caso, os fatores culturais654 são elementos que encaixam em um quadro
653
PEREIRA, Erik Giuseppe Barbosa. Discutindo gênero, corpo e masculinidade. In: PEREIRA, Erik Giuseppe
Barbosa; ROMERO, Elaine (0rgs.). O universo do corpo: masculinidades e feminilidades. Rio de Janeiro:
Shape, 2008, p. 93.
654
Os fatores culturais são responsáveis pela permanência do atual regime de gênero, mesmo em sociedades
avançadas do ponto de vista industrial e econômico. Os exemplos não são apenas os enclaves nas sociedades
urbanas, constituídas por massas de imigrantes que procuram manter suas tradições nas quais esse regime é um
elemento-chave, e sim as sociedades reconhecidamente machistas e que continuam a reproduzir práticas sexistas,
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apesar de apresentarem índices de modernização e eficiência capitalista invejáveis [...]OLIVEIRA, Pedro Paulo.
A construção social da masculinidade. – Belo Horizonte: Editora UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004, p.
194.
655
PEREIRA, Erik Giuseppe Barbosa. Discutindo gênero, corpo e masculinidade. In: PEREIRA, Erik Giuseppe
Barbosa; ROMERO, Elaine (0rgs.). O universo do corpo: masculinidades e feminilidades. Rio de Janeiro:
Shape, 2008, p. 93.
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Seguindo essa perspectiva de observar o que a imagem que Alderico Silva repassa ao
ter sua foto publicada no jornal, podemos arrolar aqui que uma característica é própria
discursividade da fotografia ao ser vista pelo leitor do jornal, pois será um receptor de uma
mensagem, ou seja, da altivez, sobreidade, homem de visão, elementos aqui que reedificam
um conceito de masculinidade de homem para sociedade caxiense. Nesse processo, a
fotografia pode ser lida pelas pessoas a partir dos códigos culturais do fotografado, ou seja,
elementos de positividade e uma “performance social ideal”.
Segundo Philippe Dubois, a imagem se destaca em uma dimensão social e por sua
lógica principalmente por ser possuidora de concepções lógicas ao que diz respeito da
mensagem que se propõe a repassar, sobretudo em se tratando da figura masculina, pois existe
um desejo de se apresentar socialmente como um sujeito de confiança, de respaldo, que é
sabedor dos seus deveres como homem, ou pelo menos, nas concepções que ele acredita que
sejam como ações que compete ao homem.656
Por exemplo, podemos perceber na fotografia abaixo do filho de Alderico Silva, o
deputado na época Aldenir Silva, a fotografia foi publicada, como referendamos logo abaixo
656
Por essas qualidades de imagem inicial, o que se destaca é finalmente a dimensão essencialmente pragmática
da fotografia (por oposição à semântica): está na lógica dessas concepções considerar que as fotografias
propriamente ditas quase não tem significado nelas mesmas: seu sentido lhes é exterior, é essencialmente
determinado por sua relação efetiva com o seu objeto e com a sua situação de enunciação. DUBOIS, Philippe. O
ato fotográfico. Trad. de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993, p. 52.
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Por isso que ao olharmos para a fotografia do deputado Aldernir Silva, que
apresentamos logo abaixo notificamos não apenas os traços de uma mensagem de um homem
ordeiro, um modelo de masculinidade instituído pela forma como este se apresenta na
imagem, mas podemos capturar o próprio estilo da forma como um homem se apresentava
socialmente.
Nessa perspectiva, a fotografia mostra que o homem publico está de braços cruzados
e olhar direcionado. Os traços do bom homem, do cidadão que cumpriu os deveres e que são
ressaltados não só na fotografia, mas também é ratificado na pagina em que foi publicada a
própria imagem. Para Cardoso e Maud, a fotografia é uma fonte que atua como um importante
aspecto que se move para representar e reestruturar códigos sociais e comportamentos de
diversos grupos em contextos e temporalidades diversas.
657
CARDOSO, Ciro Flamarion; MAUAD, Ana Maria. História e Imagem: os exemplos da fotografia e do
cinema. In. CARDOSO, Ciro Flamarion; Ronaldo Vainfas. (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro. Campus, 1997, p 575.
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Outro aspecto que podemos acrescentar sobre a fotografia que apresentamos são
alguns traços acerca da pessoa que performativa a imagem. No caso, Aldenir Silva possui
elementos que podemos destacar como uma marca de muitos homens, que é caso do bigode,
um elemento que se configura como uma marca da imagem masculina. Nessa linha de
raciocínio podemos dizer que é elemento onde até a primeira metade do século XX situava a
identidade do homem enquanto homem, como outros elementos.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE Marli Brito M.; KLEIN Lisabel Espellet. Pensando a fotografia como
fonte histórica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 03(3); 297-305, jul/set, 1987.
BENTO, Carlos Henrique. O gênero atuante: a performance de gênero em The Passion of
New Eve e Goodnight Desdemona (Good Morning Juliet). (Tese) PPL/Faculdade de Letras,
UFMG, Belo Horizonte, 2007.
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MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de gênero para os
estudos sobre homens e masculinidades. Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): 424,
setembro-dezembro de 2008.
OLIVEIRA, Pedro Paulo. A construção social da masculinidade. – Belo Horizonte: Editora
UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004.
SOARES, Ana Luiza T. Inventando Gênero: feminismo, imprensa e performatividades
sociais na Rio Grande dos “Anos Loucos” (1919 a 1932). (Dissertação) UFPR, Curitiba,
2010.
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