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PUC-SP
São Paulo
2015
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São Paulo
2015
Banca Examinadora
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Agradecimentos
À minha amada esposa, por acreditar que eu conseguiria chegar até aqui.
Meu amor, esta vitória é nossa! À minha filha, que, mesmo sem saber, serve de
inspiração para minha vida. À Igreja Batista do Morumbi, na pessoa do - pastor
sênior, Lisânias Moura, pelo incentivo e por ter aberto mão de horas de trabalho
para que eu pudesse dedicar-me a esta pesquisa.
E, por fim, dedico este trabalho ao Deus da Vida, o Autor da minha fé, por
meio de quem tudo existe e se move...
5
Resumo
Palavras chave
Protestantismo; Brasileiro; Racional; Experiência; Moralismo; Novo
Abstract
Key words
Protestantism; Brazilian; Rational; Experience; Moralism; New
7
SUMÁRIO
Introdução 08
1 - Questões Metodológicas 09
2 – A contribuição das ciências sociais ao estudo da religião 11
Pierre Bourdieu e Max Weber
3 - O Protestantismo Brasileiro 24
4 – Um novo jeito de ser protestante no Brasil 42
Protestantismo de Experiência Racional
5 – Max Weber e o novo jeito de ser protestante no Brasil 60
Considerações finais 80
Bibliografia 82
8
1 - Problema de Pesquisa -
Com respeito aos dados sobre religião apresentados pelo Censo de 2010,
diversas críticas foram tecidas por analistas, relacionadas à sua metodologia, à
sua dificuldade para captar a “dinâmica religiosa” do país, à sua imprecisão no
afinamento do instrumental para compreender o campo protestante, bem como o
fenômeno das múltiplas pertenças, dos fluxos e trânsitos religiosos ou os
sincretismos menos visíveis (Teixeira, 2003, 22-23).
Este trabalho visa mostrar, por meio da ajuda das Ciências sociais da
religião, que existe um “novo jeito” de ser protestante no Brasil em crescimento
nas últimas décadas, sendo este, diferente do “antigo jeito” desenhado por
Rubem Alves por meio de seu tipo ideal1 “Protestantismo da Reta Doutrina”.
Para tanto, dividiremos este trabalho em três capítulos: o primeiro tratará
da relevância das ciências sociais, notadamente a sociologia, enquanto parceira
da Ciência da religião, no sentido de auxiliar no entendimento dos fenômenos
religiosos. O segundo capítulo conceituará o protestantismo brasileiro e, por fim,
1
O conceito de tipo ideal foi criado por Max Weber. Neste caso, Rubem Alves fez uso dos
postulados do sociólogo a fim de criar o seu conceito sobre o protestantismo brasileiro.
9
o terceiro e último capítulo trará à luz, de maneira inicial, pois ainda não há
dados empíricos atuais para suportar a hipótese, o Novo Jeito de Ser
Protestante no Brasil.
O calvinismo, segundo Max Weber2, é a teologia que se formou a partir
da influência de João Calvino, o francês que foi responsável pela reforma
protestante em Genebra, na Suíça, e - é considerado o maior e mais influente
teólogo da Reforma Protestante, tendo escrito uma grande sistematização da fé
cristã: as Institutas da Religião Cristã. Sendo assim, as “denominações
protestantes” que recebem influência de João Calvino são chamadas calvinistas.
Entre elas se destacam: Batistas, Presbiterianas, Metodistas, Episcopais e
Congregacionais.
Basicamente estas “denominações” - se caracterizam pela forte
valorização na conversão individual, no estudo da Bíblia Sagrada e pela
influência na sociedade.
Não obstante este lado “luminoso” do reformador João Calvino, o
protestantismo que se formou no Brasil tem uma forte herança dos movimentos
de avivamento e fundamentalistas da parte sul dos Estados Unidos.
II - Objetivo Geral –
A intenção deste trabalho é expor que, a despeito do que fora dito acerca
do futuro do protestantismo, existe um “novo jeito de ser protestante no Brasil”
que surgiu nas últimas quatro décadas e - tem crescido numericamente. Ou
seja, faremos um contraponto ao tipo ideal de Rubem Alves para caracterizar o
protestantismo brasileiro, que ele chamou de Protestantismo de Reta
Doutrina. Para tanto, chamaremos o “novo jeito” de Protestantismo de
Experiência Racional o qual caracterizará este novo protestantismo surgido no
Brasil há aproximadamente 40 anos e que pode ser percebido em várias igrejas
espalhadas em solo brasileiro. O nosso olhar se voltará para duas igrejas que
servirão de objeto para a pesquisa: Igreja Batista do Morumbi e Comunidade
2
Max Weber desenvolverá esta reflexão de modo especial no seu livro “A ética protestante e o
espírito do capitalismo”, nas páginas 87 e 88.
10
III – Justificativa –
IV - Metodologia da Pesquisa –
Para a formação deste trabalho foram utilizadas metodologias
bibliográficas e de campo (Quantitativa e Qualitativa).
Uma das razões para o surgimento deste novo jeito de ser protestante no
Brasil se deu por causa das tensões entre dois campos simbólicos: A
denominação e a igreja local. Desejando vivenciar as experiências religiosas por
meio de novos habitus (Cosmovisão) as duas igrejas locais apontadas neste
estudo tensionaram com a denominação e fizeram um percurso próprio. Deste
confronto surge, portanto, um novo tipo ideal: Protestantismo de Experência
Racional.
Desde o nascedouro das ciências sociais, em especial a sociologia, a
religião foi um objeto de “preocupação” dos teóricos e acadêmicos:
uma verdadeira Sociologia científica? Vale notar que ele trata da Sociologia,
mas, sem dúvida, o caso pode ser tomado do particular para o geral: da
Sociologia para as Ciências Sociais da Religião. Por inversão, é Antônio Flávio
Pierucci, comentador de Bourdieu, quem autoriza a passagem: “Não sei por que,
sinto certo incômodo em usar o termo ‘cientistas sociais da religião’; por isso,
todas as vezes que eu quiser me referir - à sua produção intelectual, estarei
dizendo, por brevidade, sociólogos da religião” (Ibid,194).
4
A Fenomenologia da Religião foi sendo “substituída” pelas ciências sociais. Aliás, a
fenomenologia passou a exercer mais “um” olhar acerca do fenômeno religioso e não mais “o”
olhar.
14
Pierre Bourdieu morreu em 2002, legando uma produção sociológica notável por
seu rigor científico. A sociologia da religião, embora não ocupe lugar central no
conjunto de sua obra, mais voltada para a sociologia da cultura, tem em P.
Bourdieu um dos seus melhores teóricos. Seu artigo “Gênese e estrutura do
campo religioso” propõe uma teoria da religião que visa englobar, de modo
original, as contribuições de Marx, Durkheim e Weber (Oliveira, 2013, 177).
Até aqui, Bourdieu incorpora e faz uma síntese original das contribuições
de Marx, Durkheim e Weber. Ao introduzir a noção de trabalho religioso,
porém, ele ultrapassa aqueles clássicos e aporta sua maior contribuição à
sociologia da religião. Essa noção permite superar o dilema entre uma
concepção idealista – que vê a religião como fruto da ação de pessoas
cuja criatividade e liberdade lhes permitiram intuir o transcendente – e a
concepção materialista – que reduz a religião a um reflexo, mais ou
menos mistificado, das estruturas sociais ou dos interesses econômicos
de um grupo. Mais que isso, Bourdieu abre caminho para a solução de
um antigo problema sociológico: definir as condições de possibilidade da
autonomia da religião (Oliveira, 2013, 181-182).
16
Uma vez que a religião trata com o que é absoluto ela passa a ter uma
força a mais sobre os seres humanos no sentido de legitimar posicionamentos
polítcos dentro ou fora do campo religioso. Bourdieu continua:
5
Neste âmbito de seu pensamento Pierre Bourdieu se valerá bastante das concepções de Max
Weber.
18
2.3 - Habitus
Exatamente como podemos ver com nossos olhos somos cegos para os
processos que constroem a imagem em nosso cérebro, exatamente como
podemos ver o que aparece na TV, mas somos cegos para os processos na TV
que produzem a imagem, pode haver um princípio psicológico inconsciente na
formação de nossas preferências e gostos. Bourdieu se refere a essa entidade
psicológica como o habitus, um sistema gerador que estrutura nossos esquemas
de percepção, pensamento e ação. O habitus, diferente de nosso órgão da
visão, não naturalmente dado, mas desenvolvido constantemente pela interação
social. O indivíduo adquire seu habitus mediante o encontro com seu mundo da
vida. No entanto, o mundo da vida de indivíduos diferentes, o mundo objetivo
que eles habitam, é muito diferente, dependendo não apenas da família e da
cultura em que eles vivem, mas também da posição na sociedade (Ibid, 268).
19
Sua formação acadêmica foi muito ampla, concentrada nos estudos de Direito,
mas com profundas incursões pela História, a Economia, a Filosofia e mesmo a
Teologia. Sua dedicação explícita à Sociologia somente ocorreu na fase final de
sua vida, embora suas contribuições básicas nessa área já estivessem prontas
em 1913. Sua obra não é o resultado de um fluxo contínuo e regular de trabalho,
mas de períodos de concentração e produção extremamente intensivas (Ibid,
09).
Por conta desta ampla formação nas ciências humanas, Max Weber
conseguiu contribuir para a consolidação e aperfeiçoamento de muitas
disciplinas acadêmicas:
Após sua morte, em 14 de Junho de 1920, sua viúva Marianne Weber, que
também se dedicava ao trabalho intelectual e participava do movimento
feminista da época, organizou muito do material disperso por ele deixado e
promoveu a sua publicação, além de redigir uma extensa biografia de Max
Weber, publicada em 1926, e que por muito tempo constituiu a única fonte de
consulta nessa área (Ibid, 10).
Mas a morte não colocaria um fim em sua influência no mundo das ideias.
Ao contrário, talvez, a partir dela, é que a sua genialidade se tornou ainda mais
conhecida. E, de maneira mais específica, a sua contribuição para a
compreensão do fenômeno religioso foi imensa:
sociologia da religião. A maior parte dos sociólogos, que estudam a religião, está
em diálogo com Weber. Peter Berger e Pierre Bourdieu são bons exemplos
(Mariz, 2013, 67).
Tal como Marx e Durkheim, Weber quer entender antes de tudo a sociedade
modernda ocidental na qual vivia. Considerava que essa sociedade, em seus
diferentes apectos políticos, econômicos e culturais é fruto de uma conjunção
única de fatores que historicamente se combinaram no contexto da civilização
ocidental judaico-cristã. Seria específico dessa sociedade tanto o projeto de
Estado moderno, aquele regido por uma constituição e baseado no princípio de
representação, como também o modo de produção capitalista moderno baseado
na mão-de-obra livre assalariada e regido pelas leis de mercado. A Teologia
sistemática, a ciência, e as tecnologias modernas, além de toda uma
mentalidade crescentemente secular, seriam para Weber fenômenos específicos
desse Ocidente moderno.
O centro de sua preocupação é, assim, essa sociedade moderna e o peculiar
processo de racionalização que a constituiu. Para identificar o que fez surgir e
como se produziu esse processo, Weber compara através de estudos históricos
as religiões de distintas civilizações. Uma das hipóteses com que trabalha é que
a peculiaridade das religiões, que formam o substrato da matriz cultural do
Ocidente, desempenhou papel importante na origem e desenvolvimento desta
racionalização ocidental. Por isso, se por um lado o conceito de racionalização é
fundamental na sociologia da religião de Weber, essa sociologia é parte central
de sua teoria da sociedade ocidental como um todo (Ibid, 69).
A fim de tentar dar conta dos fenômenos observados por ele, Max Weber
sistematizou um método que chamou de “tipo ideal”. Este, portanto, ocupa o
centro metodológico de Weber no que diz respeito à interpretação dos
fenômenos sociais e/ou religiosos:
A partir das comparações históricas das diferentes práticas religiosas, Weber
constrói tipos ideais que podem dar conta da peculiaridade, não apenas do
protestantismo, mas de toda tradição judaico-cristã.
[...] Weber descreve tanto os processos históricos concretos que condicionaram
motivações religiosas distintas em sociedades diferentes, como os tipos que
ajudam a entender como certa religiosidade alimentou a racionalização do tipo
ocidental (Ibid, 77-78).
Os tipos ideais para Weber não representam nenhum fenômeno empírico. Trata-
se apenas um recurso metodológico, com valor exclusivamente instrumental.
É importante lembrar que quando se refere a uma “ética protestante”, Weber
está fazendo uso de um tipo ideal, na medida em que essa “ética” tal como
descreve em seu livro não se reduz a nenhuma das éticas das diferentes
denominações que analisa. Por outro lado, nem a ética dos luteranos, nem a
metodista, a pietista, nem a das seitas batistas, analisadas por Weber em suas
peculiaridades, se esgota no que ele chama de “ética protestante”.
Além de serem construtos internamente coerentes, os tipos ideais devem ser
coerentes entre si. Vemos que a mesma lógica orientou a sua construção dos
tipos ideais ao estudo da religião, orientou também os tipos ideais mais amplos
de ação social (Ibid, 78-79).
3 – O Protestantismo Brasileiro
9
Termo utilizado para referir-se aos fundamentos da fé cristã conservadora (Fundamentals)
como forma de se contrapor ao liberalismo teológico da época.
26
Protestantismo de Migração –
Protestantismo de Missão –
Émile Léonard foi um historiador francês que viveu no Brasil entre 1949 e
1951 a fim de lecionar história na Universidade de São Paulo. Possuidor de uma
inteligência arguta e capacidade de observação ímpar somado ao seu
envolvimento com o protestantismo francês resolveu pesquisar este fenômeno
religioso em terra brasilis. Sobre ele, Antônio Gouveia Mendonça diz:
Léonard teve também seus “anos brasileiros”. Veio, como professor contratado,
ensinar história moderna e contemporânea na Universidade de São Paulo por
três anos, de 1949 a 1951, recomendado por Lucien Febvre. Sua permanência
entre nós foi muito mais curta do que a de Roger Batisde, mas suficiente para
29
que se apaixonasse pelo Brasil, pelo fascínio de sua história, pelas pessoas com
quem se encontrou e fez amizade. Entre esses amigos estavam intelectuais da
universidade e pastores de igrejas, assim como pessoas simples das
comunidades protestantes que frequentou devocionalmente, pois que, à
semelhança de Bastide, era também um reformado.
Apesar de mais rico, o clero regular nem por isso era mais florescente. A
verdadeira inflação monástica que o Brasil conhecera no fim do século XVIII
(mesmo assim ela havia sido menos intensa que no resto da cristandade
católica) reduzira-se consideravelmente na segunda metade do século XVIII pela
expulsão dos jesuítas, o sequestro de seus bens e a secularização de muitos
conventos. As casas religiosas ainda conservadas estavam vazias, embora não
fosse o medo de uma situação restrita a causa dessa situação. “Ninguém quer
ser frade”, é a frase corrente. “A despeito de ser uma vida cômoda e opulenta,
tal é a aversão que a ela votam o governo e o público, que ninguém quer se
aproveitar dessas vantagens inglórias” (Ibid, 34).
Não obstante, uma vez que este projeto de João Calvino não chegou a
bom termo, há que se afirmar juntamente com Léonard que as três primeiras
denominações que aportaram no Brasil, foram: Congregacional, Presbiteriana e
Batista.
Émile Léonard destaca que ao chegar ao Brasil após a abertura feita pela
coroa de Portugal em acordo com a Inglaterra, os Congregacionais, por
exemplo, na pessoa de Robert Reid Kalley (1809-1888), logo conseguiram
abertura para pregar a nova fé, inclusive, com acesso às elites brasileiras:
Sob este ponto de vista, tenho insistido em considerar a Reforma do Século XVI
a partir de três vertentes: a Reforma Anglicana, uma meia Reforma, a Reforma
Luterana e a Reforma Calvinista. O anglicanismo tem se mantido em geral
uniforme, assim como o luteranismo. Agora, o calvinismo, por razões que o
espaço não me permite discutir, tem se multiplicado a ponto de construir, com
todas as variantes possíveis quase todo esse universo conhecido por
protestantismo. Quando à distinção entre protestante e evangélico, é outro
problema. Como resultado da Reforma, o adjetivo “evangélica” passou a fazer
parte de muitas igrejas, principalmente na Alemanha, com ênfase na Bíblia e
principalmente no Evangelho, como fonte absoluta de autoridade. Nesse
sentido, cabe identificar protestante com evangélico. Contudo, como decorrência
do chamado movimento de Oxford, havido na Igreja Anglicana nas primeiras
décadas do século XIX, surgiu um movimento conservador que passou a ser
chamado de “evangélico”. Hoje, esse termo, principalmente nos Estados Unidos,
é usado para designar os protestantes da ala conservadora e que se aproximam
bastante do fundamentalismo. No Brasil, diante da dificuldade de distinção,
estamos começando a aportuguesar o termo ingles “evangelical” para
evangélica com acento na antepenúltima sílaba, a fim de não confundir as
coisas. Assim, evangélico seria sinônimo de protestante e evangelical seria
restrito aos protestantes mais conservadores.
Excluídas as igrejas ritualistas ou litúrgicas, cuja melhor expressão é a
Anglicana, que nem mesmo se inclui entre as protestantes, todas as demais,
que se inserem no protestantismo histórico, são igrejas da Palavra. Objetos
sagrados, assim como gestos rituais, são afastados para dar lugar à Palavra. O
sagrado é a Palavra. Mesmo que existam rituais escritos, só usados no ofício de
sacramentos e outros ritos especiais, como matrimônio, ordenações,
consagrações, etc. Mesmo assim, os oficiantes que banalizam o ritual,
improvisando-o, não são recriminados. Sob o ponto de vista da emoção, o
protestantismo histórico é a expressão do sagrado dominado (Augusto, 2010, 13
e 15).
no
seu
nascedouro
não
foi
exatamente
o
mesmo
que
chegou
em
nossas
terras.
34
projeto de país, mas apenas um movimento cujo compromisso maior era com a
explicação correta dos credos e confissões do cristianismo protestante.
Certamente o filósofo se fez valer de experiências negativas com o movimento
protestante quando, na altura, era um pastor presbiteriano. Entregue pelos
próprios colegas ao antigo governo de ditadura militar se desvincula da Igreja
Presbiteriana do Brasil por conta de suas convicções socialistas.
Voltemos a Mendonça. Na visão deste sociólogo da religião, o
protestantismo que se formou no Brasil após ter passado pelos Estados Unidos
sofrendo as influências protestantes de lá se apresenta da seguinte maneira:
mutações:
“Toda
cultura
é
líquida
e
quando
se
pretende
torná-‐la
sólida
ela
se
petrifica
e
morre”
(Campos,
173).
Sendo
assim,
o
protestantismo
enquando
um
movimento
religioso-‐
cultural
precisava,
ao
entrar
no
Brasil,
de
adaptações.
Ainda
que
reconheçamos
que
por
ele
não
ter
se
adptado
da
maneira
ideal
“abriu
espaço”
para
expressões
como
o
Neopentecostalismo
o
qual
é
a
“cara
do
Brasil”,
o
movimento
protestante
conseguiu
se
inserir
no
Brasil
e
se
tornar
um
movimento
legitimamente
nacional.
36
Em seu livro O Paraíso Protestante, Jorge Pinheiro faz uma leitura muito
rica da chegada do jovem Jean de Léry ao Brasil. Pinheiro nos conduz ao
entendimento de que Léry representava o pensamento de sua época e local:
13
Chamado de França Antártica.
37
A expressão Reta Doutrina foi cunhada por Rubem Alves para se referir a
um seguimento do protestantismo. Assim ele diz na introdução do seu livro
“Religião e repressão”:
Há que se concordar com o autor quando ele diz que não existe um olhar
completamente neutro ou desisteressado por seu objeto de pesquisa. É como se
todo ser fosse tomado por uma “paixão” avassaladora pelo objeto a ponto de
“roubar” noites de sono. No entanto, esta mesma paixão/sentimento impediu
Rubem Alves de olhar de maneira abrangente para o protestantismo.
Provavelmente por isso tenha pairado na mente dos acadêmicos a ideia de que
todo o espectro do protestantismo seja de Reta Doutrina:
Não creio que uma ciência sem emoção seja possível. É a relação afetiva para
com um objeto, que me atrai ou ameaça, que cria as condições para a
concentração de minha atenção. O objeto que provocou meu interesse se torna
o ponto focal de meus olhos e inteligência, enquanto o resto do mundo passa a
ter importância secundária. Foi a emoção que fez com que o objeto se
constituísse, em meio à multiplicidade indefinida de objetos possíveis, como o
objeto do meu conhecimento (Ibid, 20).
Alves direciona-se agora para definir o que seja, de fato, a sua construção
ideal: Protestantismo de Reta Doutrina. Ele dirá que podem existir três
segmentos dentro do espectro protestante brasileiro: Reta Doutrina, Sacramento
e o do Espírito; tendo, porém, a Reta Doutrina como a melhor forma de explicar
o protestantismo brasileiro:
Deste modo, a Reta Doutrina se explica como sendo uma maneira dos
fiéis pensarem doutrinariamente de maneira inequívoca e absolutamente dentro
dos parâmetros das confissões de fé do protestantismo.
41
Portanto, de acordo com Alves, o crente “fiel” é aquele que explica a sua
fé de maneira racional e previsível, porquanto ele precisará repetir o que já
consta nas “cartilhas” doutrinárias da igreja.
Em minha opinião, fica aqui um desafio para futuras pesquisas, para que estas
indiquem, dentro do universo católico, algo semelhante ao que foi feito com o
meio evangélico, que detectou em seu seio quem eram os evangélicos
tradicionais, os pentecostais ou os evangélicos em geral. No caso católico seria
revelador de suas dinâmicas indicar internamente qual o percentual de
“carismáticos”, “paroquianos”, das “CEBs”, das “Novas Comunidades” para se
detectar onde precisamente o catolicismo está diminuindo. Porém, gostaria de
sugerir, à guisa de hipótese, que, se esses movimentos
carismáticos/performáticos/midiáticos/consumistas não tivessem se constituído
dentro do catolicismo brasileiro, a sua queda teria sido ainda mais vertiginosa
(Camurça, 2013, 74-75).
análise não tem conseguido mapear que dentro do próprio protestantismo tem
surgido várias maneiras de se viver/praticar este ramo do cristianismo no Brasil.
Leonildo Campos, falando da dificuldade que o IBGE encontra de
classificar com mais precisão os focos de crescimento, observa:
ser. Uma vez que ele é bem menos “rígido” que o catolicismo ele vai se
adequando as exigências do mundo pluralizado e cambiante de nossas cidades.
E, possivelmente, este novo jeito de ser protesnte no Brasil tenha percebido este
aspecto mutante das cidades.
A socióloga Danièle Léger nos auxilia no sentido de elucidar o perfil do
novo religioso dos centros urbanos por meio de seu livro “O peregrino e o
Convertido: A religião em movimento”:
14
Qualificar por meio de nomes: moderno, pós moderno, hiper moderno, modernidade líquida,
os diversos momentos do pensamento é uma atividade difícil. Portanto, consciente desta tensão
este texto optou pela expressão modernidade para se referir a um momento de ambivalência no
qual os indivíduos estão submetidos.
45
por meio de seu tipo ideal: Protestantismo de Reta Doutrina. Danièle Léger
completa:
Por isso, ele deve interpretar essa sucessão de experiências contraditórias como
um caminho que tem um sentido. Isto implica particularmente que ele consiga
reconstruir sua própria trajetória pela meditação de um relato. Ora a “condição
de peregrino” se define essencialmente a partir desse trabalho de construção
biográfica – mais ou menos elaborada, mais ou menos sistematizada – efetuada
pelo próprio indivíduo. Esta construção narrativa de si mesmo é a trama das
trajetórias de identificação percorridas pelos indivíduos. Existe formação de uma
identidade religiosa quando a construção biográfica subjetiva se encontra com a
objetividade de uma linhagem de crença, encarnada em uma comunidade na
qual o indivíduo se reconhece. Esclareçamos, imediatamente, que essa
referência nem sempre implica a adesão completa a uma doutrina religiosa,
tampouco a incorporação definitiva em uma comunidade, sob o controle de uma
instituição que fixa as condições da pertença (Ibid, 89).
Na sala do Ary e da Carolina, num sobrado modesto, perto da Av. Santo Amaro
em São Paulo, nasceu um grupo de estudo bíblico em 1.978. O Casal já tinha
em vista a formação de uma igreja que se preocupasse em alcançar a classe
média e média alta, sem jamais negligenciar o pobre e necessitado. Na primeira
reunião, estavam cinco pessoas, incluindo o casal. Pouco a pouco, o trabalho
cresceu e uma casa foi alugada, já recebendo, pela fé, o nome de Congregação
Batista do Morumbi, embora estivéssemos em Santo Amaro. Da casa,
passaram a se reunir no Novotel, já no Morumbi. No primeiro domingo de março
de 1.980, nossa congregação tornou-se Igreja, com 54 (cinquenta e quatro)
membros, pregando na ocasião o Dr. Russel Shedd. Sendo o Novotel um lugar
neutro, era mais fácil para o visitante chegar. E o trabalho cresceu. O Salão do
Novotel tinha apenas 240m2, por isso tornou-se necessária a realização de dois
cultos pela manhã e dois à noite. Do salão, fomos para a garagem; da garagem,
para diferentes escolas e, depois, para nossa propriedade atual. De um
pequeno grupo de cinco pessoas, Deus nos fez, hoje, uma Igreja com mais de
2.000 pessoas. Queremos convidá-lo a ser parte do que Deus está fazendo
através de nós: invadir o terreno do inimigo com o evangelho transformador de
Deus.
Ary Velloso, o seu fundador, tinha em mente um propósito muito claro: ser
uma igreja diferente para alcancar o que, na época, seria impenssado para o
setor evangélico de missão brasileiro.
15
Filho de um militar, nasceu na mineira Congonhas do Campo e cresceu em Belo Horizonte.
Mudou-se para São Paulo para estudar. Na PUC, formou-se em letras. O mestrado em teologia
ele fez nos EUA no Dallas Theological Seminary.
48
16
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano
49
É curioso o fato de que as duas igrejas que sevem como estudo de caso
para este trabalho tenham sido fundadas para fazerem frente ao jeito mais
“engessado” de ser protestante. Somado a isso, a força e convicção dos líderes
fundadores também chamam a atenção.
50
Em 1997, após dois anos fora do país, retornei para morar na cidade de
Campinas e atuar como professor no Seminário Presbiteriano do Sul. Foi ali que
conheci a professora Ana Maria Coelho Rocha quem, em maio daquele mesmo
ano, me convidou para iniciar um grupo de estudo bíblico em sua casa na região
de Gramado. Ao longo dos três anos seguintes, vi muita coisa acontecer na vida
das pessoas que por ali passavam. Enquanto procurava ensinar a Bíblia com
integridade e relevância àquelas pessoas, vidas se aproximavam de Deus e se
rendiam ao Seu amor. Outros, depois de distantes e feridos, retornavam aos
braços do Pai envolvidos por Sua graça. Assim, o grupo crescia de forma
espontânea. Numa tarde de Agosto de 2000, fui surpreendido com a visita do Pr.
Ivan (então pastor da Igreja Presbiteriana Ebenézer). Ele veio ao meu escritório
para me desafiar a pensar na possibilidade de, junto com um casal de sua igreja
(Sylvia e Ralph Heinrich) iniciar uma nova comunidade cristã na cidade. Na
semana seguinte fui visitar aquele casal e, imediatamente, comecei a sonhar.
Um grande encontro estava sendo promovido por Deus. De um lado, o que Ele
vinha fazendo naquele grupo de estudo bíblico na região de Gramado. Do outro,
o que Ele estava colocando no coração do casal Sylvia e Ralph Heinrich, bem
como a disposição de sua igreja local.Tinhamos o sonho, mas não os recursos.
Mas muito antes que eu pudesse imaginar, Deus levantou parceiros para que
este sonho se tornasse realidade. A Fundação Grão de Mostarda e a Redeemer
Presbyterian Church se prontificaram a nos apoiar parcialmente ao longo de três
anos para que este projeto fosse consolidado. Assim, no segundo domingo de
Janeiro de 2001, realizamos o nosso primeiro encontro com aproximadamente
15 pessoas na residência do Ralph e Sylvia. Em Fevereiro nos deslocamos para
um salão do consultório médico do Dr. Afonso Celso, pois nosso grupo já tinha
crescido para 25 pessoas. No primeiro domingo de março nos mudamos mais
uma vez. Com aproximadamente 40 pessoas, realizamos nossa primeira reunião
no Buffet Metropolitan, momento que se tornaria o marco de nascimento de
nossa comunidade.Três anos mais tarde, com aproximadamente 300 pessoas
em suas reuniões aos domingos, diversos grupos de estudos pela cidade e
várias frentes de atuação como o Instituto Renovo e a Comunidade
Presbiteriana de Vinhedo, a Chácara Primavera foi organizada como igreja
tendo a clara consciência de sua vocação histórica em ser um espaço no qual a
vida com Jesus seja sempre apresentada de forma criativa, acolhedora e
transformadora.
17
Natural de São Paulo. Graduado em Teologia e Filosofia, é mestre em Missões Urbanas pelo
Calvin Theological Seminary (MI, EUA).
51
133).
O grupo que mais se destacou no período foi o Vencedores por Cristo, fundado
pelo pastor estadunidense Jaime Kemp, que atuava no Brasil pela Sepal. O
modelo inicinal era o de formar equipes de música durante o período de férias
escolares e percorrer o País com apresentação em todo tipo de espaço. Depois
da experiência evangelística, os jovens voltavam para suas igrejas de origem e
estruturavam o seu repertório musical ou repassavam as canções para grupos já
existentes. O conjunto, cuja atividade cresceu a ponto de transformar-se na
Missão Vencedores por Cristo, ainda existe, e tornou-se marcadamente
conhecido no meio protestante por suas composições características por força e
inovadora na inserção de ritmos brasileiros como a bossa-nova e o baião
(Cunha, 2007, 75).
época:
Como tem sido exposto até aqui neste trabalho, este novo jeito de ser
protestante se caracteriza por igrejas de médio e grande porte e que existem por
si mesmas; ou seja, não dependem diretamente das Denominações.
Este modelo pode ser novo no Brasil, mas não é um fenômeno recente
nos Estados Unidos. Lá, as grandes comunidades protestantes vêm
desenvolvendo este jeito de ser há bastante tempo. Este modelo, de acordo com
o teólogo Alister McGrath, é o que mais se compatibiliza com o mundo fluido e
anti-institucional de hoje:
No caso das duas igrejas objetos de estudo deste trabalho, elas sofrem
inluência de duas destas novas igrejas-comunidade.
55
Ainda assim, a Redeemer pode ser descrita como sendo uma igreja
presbiteriana fora dos moldes convencionais. O uso de música contemporânea e
de uma pregação não moralista tem aproximado centenas de jovens
profissionais e universitários.
O Rev. Ricardo Agreste costuma citar trechos dos livros e das ideias de
Keller para fundamentar e ilustrar as suas pregações. Além disso, possui uma
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Movimento iniciado na década de 1960 com o intuito de enteder as razões pelas quais as
igrejas locais cresciam. Para isso, começou-se a utilizer os recursos das ciências sociais, prática
até então estranha aos estudos de missiologia. Um dos principais pilares do movimento - foi: O
princípio das unidades homogêneas que diz que os grupos sociais se ajuntam em função de
afinidades sócio-econômico-culturais.
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relação de troca de experiências com Tim Keller fazendo com que alguns
elementos da Redeemer sejam reproduzidos aqui no Brasil.
Estes são autores que devem ser lidos, mas com muito cuidado, assim como
quando manipula um frasco de veneno. Aqueles que pensam que a IPB é feita
de pessoas que apoiam esses autores, não conhece a realidade da IPB, nem
muito menos sua história. Talvez não conheça o ministério e a obra de Miguel
Rizzo Jr., de José Borges dos Santos, de Erasmo Braga, de Richard Shaull, de
Jorge César Mota, de Valdir Carvalho Luz, João e Joás Dias de Araújo, Américo
Ribeiro, Júlio Andrade Ferreira, Guilhermino Cunha, nomes de homens
equilibrados que se revoltariam diante do claro processo de sectarização em
andamento hoje na IPB. A clara perseguição a Ricardo Agreste, um dos mais
lúcidos e importantes ministros da IPB hoje, é a gota d’água! A IPB é uma igreja
que sempre se colocou como equidistante do liberalismo e do fundamentalismo,
uma igreja dinâmica teologicamente, uma igreja viva. Essa onda dogmática e
sectária é perigosa.
Por meio desta tabela se intenta mostrar como este Novo jeito de ser
Protestante no Brasil transcende as bandeiras denominacionais. No passado,
talvez, estas duas igrejas apresentassem formas de ser e de agir bastante
distitntas uma em relação à outra.
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Ele continua:
Não sou capaz de explicar o método que me levou a constuir o tipo que irei
descrever no transcurso deste trabalho. Há emoções, valores, experiências
biográficas envolvidas no processo. Muitas sugestões me foram feitas pelas
discussões que já se deram em torno do assunto. Afirmo, entretanto, que o meu
tipo lança luz sobre problemas ainda não elucidados. Afirmo, ainda mais, que ele
é capaz de permitir previsões, pelo menos aproximadas, de como o tipo deverá
se comportar em situações futuras (Alves, 43).
desenvolve com o objeto é existencial. Isto confirma o que o próprio Max Weber
já havia dito. Deste modo, o processo para a construção do tipo ideal envolve
duas etapas, quais sejam: a observação empática e a racionalização conceitual.
Para construir o tipo ideal proposto neste trabalho será feita uma
validação do tipo ideal de Rubem Alves - Protestantismo de Reta Doutrina –
fazendo-se os devidos constrastes com alguns elementos que constituem o seu
tipo ideal, notadamente os que dizem respeito à moralidade, e como estes
mesmos elementos se apresentam no novo jeito de ser protestante.
• Os pecados sexuais –
O sexo é um tema ainda tido como tabu no meio protestante. Ele tem sido
visto e tratado como algo, em si, feito apenas para a “procriação da raça”:
Por conta desta visão, o sexo antes do casamento é tratado como uma
possibilidade de disciplina ou exclusão dos fiéis envolvidos no ato. São
incontáveis os casos de exclusão do convívio da igreja, meninas que
engravidaram antes do casamento.
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Contudo, neste âmbito, o sexo ainda é visto como tendo sido criado por
Deus para o desfrute no matrimômio. Ainda assim, o sexo ganha contornos mais
belos e românticos para além de sua função “apenas” reprodutora.
• As transgressões do Domingo
Domingo é dia de ir à Igreja. Esta frase está nos lábios da grande maioria
dos protestantes. O dia de descanso oficial ordenado por Deus, segundo os
protestantes, é o Domingo. Portanto, não se fará outra coisa a não ser ir para a
Igreja:
parentes.
Os crentes não têm vícios”: esta é uma das marcas do caráter protestante. A
“conversão a Cristo”, por isto mesmo, é marcada pela interrupção, seja do uso
do fumo, seja do uso da bebida, seja do hábito de jogar. Num relatório de
viagens da Europa, comentava um teólogo que “na Alsácia [...] não se
escandalizavam de um seminiarista usar um bom cachimbo, de um professor de
teologia tomar seu copo de cerveja”. Comentário que só faz sentido se aqueles
para quem ele é escrito – os crentes da Igreja do Brasil – se escandalizam com
o uso do cachimbo e da cerveja (Ibid, 226-227).
A priori estas práticas não são tidas como vícios. O mais comentado
deles, a bebida, passa a ser analisada pelo “crivo” do Apóstolo Paulo, em
Efésios 5, quando ele diz que o limite para a bebida é o seu excesso levando à
embreagues ou, quando afeta a “mente fraca” daqueles - da comunidade da fé
que não concordam com o uso da bebida. Ou seja, a bebida é tida como
saudável na medida em que for usada com sensatez.
Heresias não são atos imorais. Constituem, ao contrário, pecados muito mais
graves. O herege não é alguém que sucumbe a uma fraqueza da carne. Ao
contrário, ele rejeita um conhecimento absoluto. Nega a sua pretensão de
verdade. E, em seguida, propõe uma nova verdade (Ibid, 237).
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O novo jeito de ser Protestante faz uso desta “licença” interpretativa a fim
de atualizar o Credo Apostólico. Ademais, tomando-se essa licença como
parceira interpretativa mediada pela cultura, o novo jeito busca desenvolver
leituras atualizadas das doutrinas cristãs.
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O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que
teve lugar no começo do Tempo, ab infinito. Mas contar uma história sagrada
equivale a revelar um mistério, pois os personagens do mito não são seres
humanos: são deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão suas gesta
constituem mistérios: o homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem
revelados. O mito é, pois, a história do que se passou in illo tempore, a narração
daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do Tempo.
“Dizer” um mito é proclamar o que se passou ab origine. Uma vez “dito”, quer
dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a verdade absoluta
(Eliade, 84).
Uma vez que não existem palavras escritas pelo próprio Jesus o que
resta ao cristianismo são as palavras escritas pelos próprios discípulos de Jesus
de Nazaré. Então, de certa maneira, o mito do cristianimo se transformou em
histórias que podem ser acessadas por qualquer pessoa.
Pensando na importância que têm dos dogmas, e nas teologias que são
construídas a partir da leitura do mito, faz-se necessário acompanhar a mudança
dos tempos a fim de atualizar o mito. Sobre isso Antôngio Gouveia de Mendonça
sublinha:
sentido às vicissitudes sociais que afetam o grupo. Por isso, embora não evolua
na sua forma essencial, o mito se presta a novas leituras e até a sofrer
alterações a depender da evolução da cultura e do saber, e assim, muitas vezes,
suas expressões outrora tomadas como literais passam a ter apenas um valor
simbólico (Queiroz, 2013, 507).
Porquanto, uma vez que o mito é o que confere vigor a uma religião, se
ele for “reduzido” a interpretações não compreenssíveis para a cultura vigente
esta religião tenderá a reduzir o seu número de fiéis.
Mito-‐Jesus Mito-‐Jesus
Escritura
Sagrada
Escritura
Teologia
de
Sagrada
João
Calvino
Mediação
Cânones
Cultural
da
Denominação
Teólogos
Teólogos
Pastores
Comunidade
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Somado a Escritura Sagrada o Pregador também é uma figura central nas liturgias, uma vez
que ele é o que explica/atualiza o texto sagrado. No entanto, não se pode afirmar que tal
Pregador (tal como a figura do Mago na concepção de Max Weber) seja a principal razão da
atração dos fiéis como se ele detivesse algum poder especial, porquanto tais fiéis escolheriam as
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A fé não é participação da Igreja nem decisão pessoal, mas sim uma espécie de
reflexão constante sobre o cristianismo em religiosidade crítica. O que torna o
sistema de sentido religioso aceitável não é a autoridade da igreja e da tradição,
mas sim a informação fundamentada. O diálogo livre e interessado com a igreja
assume o lugar da ida ao culto e da decisão da fé. A igreja torna-se fórum e
plataforma do diálogo com o cristianismo (Moltmann, 2013, 292).
É a comunidade que narra a história de Cristo e sua própria história com essa
história, porque deve sua existência, coesão e atividade a essa história de
libertação. Ela é uma “comunidade de narração” que ganha cada vez de novo da
presencialização dessa história de Cristo sua liberdade em relação aos mitos e
histórias da sociedade na qual ela vive. É uma comunidade de esperança que
encontra por meio da perspectiva do Reino de Deus liberdade em relação às
perspectivas de sua sociedade (Ibd, 292-293).
cristã com o intuito de a mesma iluminar o seu cotidiano. Os fiéis que procuram
as igrejas do PER o fazem por sentirem a necessidade de articularem
racionalmente a fé cristã. Não basta apenas uma experiência subjetiva da fé. É
necessário processá-la por meio dos mecanismos de pensamento.
Neste ponto, vale a pena trazer à tona mais uma vez a reflexão da
socióloga Daniéle Léger, quando ela diz que a religião de hoje precisa saber
interagir com as ambivalências da modernidade. As instituições religiosas,
portanto, necessitam dar espaço para que o fiel desenvolva de maneira subjetiva
a sua espiritualidade.
Assim, quando os fiéis chegam para os cultos das igrejas do PER eles
sabem que os estará aguardando uma música e uma pregação de qualidades
que os ajudarão a continuar a desenvolver a sua fé. Então, a igreja cria um
vínculo afetivo com tais pessoas, mas sem ultrapassar a barreira da
individualidade dos crentes/fiéis.
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Vale a pena trazer para este trabalho a reflexão que Rodney Stark e
William Sims Bainbridge fazem, em seu livro “Uma teoria da religião” sobre a
razão pela qual as pessoas escolhem uma religião/igreja em detrimento de
outra. Eles se fizeram valer da teoria da escolha racional, conceito utilizado no
âmbito da economia:
Considerações finais –
A intenção principal deste trabalho foi mostrar que existe um novo jeito de
ser protestante no Brasil o qual foi caracterizado por meio do tipo ideal:
Protestantismo de Experiência Racional. Tal protestantismo faz um contraponto
ao de Reta Doutrina, criado por Rubem Alves.
V - Bibliografia Básica –