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TEORIAS E TÉCNICAS

PSICOTERÁPICAS

autora
MARIA CRISTINA FONTES URRUTIGARAY

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2018
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autora do original  maria cristina fontes urrutigaray  

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  elisabete shineidr

Imagem de capa  olena yakobchuk | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2018.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

U81t Urrutigaray, Maria Cristina Fontes


Teorias e técnicas psicoterápicas / Maria Cristina Fontes Urrutigaray.
Rio de Janeiro : SESES, 2018.
160 p: il.

isbn: 978-85-5548-588-6.

1. Teorias psicológicas. 2. Práticas psicológicas. 3. Psicoterapia.


4. Psicanálise. I. SESES. II. Estácio.
cdd 361.30981

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 7

1. As teorias e técnicas psicoterápicas 9


Considerações preliminares 10

A relação psicoterapêutica 13

História da psicoterapia, doença, saúde mental, normal e patológico 18


Breve história de tratar a loucura 18
Saúde e doença mental, normal e patológico 27
A psicoterapia 29

2. A psicanálise 37
Considerações preliminares 39

A psicanálise: do surgimento da hipnose à técnica psicanalítica 42

Indicações da psicanálise 57

As principais dissidências 58

Uma breve descrição de um caso clínico 64

3. A terapia cognitivo-comportamental:
bases históricas e teóricas 69
Análise funcional como instrumento do terapeuta comportamental 71

O modelo de Albert Ellis 72

O modelo de Aaron Beck 75

O modelo de Jeffrey Young 77

Principais técnicas cognitivas comportamentais 81


Tarefas de casa 81
Registro diário dos pensamentos disfuncionais (RPD) 81
Questionamento socrático 83
Experimentos comportamentais 83
Relaxamento muscular profundo e outros exercícios de
controle da ansiedade 83
Planejamento de atividades diárias 84
Enfrentamento gradual 84
Prevenção de recaída 85
Treinamento das habilidades sociais (THS) 85
O ensaio comportamental 85
Role-Playing 86
Feedback e reforçamento 86
A dessensibilização sistemática 86
Resolução de problemas 87

4. As correntes fenomenológica-existenciais:
existencial, o existencialismo e as humanistas 93
Considerações preliminares 94

A fenomenologia de Husserl 95

Psicologia existencial fenomenológica e humanista 102


A psicologia existencial-fenomenológica 102
Humanismo 112
Perls e a Gestalt Terapia 121

5. A terapia de grupo de família, de casal e


de criança e de adolescente 131
Considerações preliminares à terapia de família 135
Histórico das terapias familiares 136

Modelos de terapias familiares 137


A terapia familiar psicanalítica 137
As terapias familiares sistêmicas 138
As técnicas de terapias familiares 141

Os limites das terapias familiares 143

Terapia de casal 144


Estudo de caso clínico: a imaturidade dos pais e o processo
de criação dos filhos 146

Terapia infantil e de adolescente 154


Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Esse material didático, no qual que você irá estudar, fazer anotações, discu-
tir, entre outras ações estudantis, resultou de uma longa prática como professora
na disciplina de Teorias e Técnicas Psicoterápicas, nesta instituição de ensino, a
Universidade Estácio de Sá.
Tendo estado na docência dessa disciplina por mais de sete anos, fui convida-
da a escrever esse manual didático, o qual espero que venha ser de bastante utilida-
de e também de fácil assimilação por você do conteúdo aqui presente.
Ele consta de cinco capítulos e contém sugestões de vídeos, exercícios e algu-
mas curiosidades relativas ao que você for lendo.
Espero que este livro, contendo os conteúdos da disciplina de Teorias e
Técnicas Psicoterápicas, seja de grande ajuda no seu processo de se tornar um
psicólogo, meu colega desta profissão. Esse livro se destina a seu melhor desem-
penho acadêmico e tem como objetivo auxiliá-lo e orientá-lo em seus estudos e
na procura de outros materiais mais específicos de cada tópico, como os que serão
sugeridos a você no decorrer de cada capítulo.
Acho que agora devo também me apresentar. Meu nome é Maria Cristina
Urrutigaray, sou formada como psicóloga pelo Instituto de Psicologia da UFRJ
(1978), além de ter o título de Bacharel em Psicologia, outorgado pela mesma ins-
tituição em 1977. Fiz mestrado em Educação com ênfase em Psicopedagogia, pela
Universidad de la Habana em Cuba (2000). Também me formei como Analista
Junguiana, e hoje sou Analista Didata pela IAAP –International Association
for Analytical Psychology– com sede em Zurich; Analista Didatada Associação
Junguiana do Brasil (AJB) e do Instituto Junguiano do Rio de Janeiro (IJRJ), do
qual estive como presidente na gestão de 2012/2014. Fui coordenadora do curso
de psicologia de Universidade Estácio de Sá, no campus Ilha do Governador de
maio 2010 até maio 2017. Sou professora da pós-graduação no Instituto A Vez do
Mestre (IAVM) e no curso de Psicologia Analítica da Universidade Estácio de Sá.

Bons estudos!

7
1
As teorias
e técnicas
psicoterápicas
As teorias e técnicas psicoterápicas
© WIKIMEDIA.ORG

Teorias e Técnicas são duas modalidades da Psicologia Clínica que


se complementam entre si quando se trata da aplicação dos conhe-
cimentos psicológicos para fins de pesquisa e de tratamento.

Nesse capítulo você encontrará resumidamente a evolução do conceito de


doença mental; uma rápida visão da história da psicologia clínica, percebendo os
seus dois períodos: 1) o psicólogo era apenas um ator coadjuvante do psiquiatra;
2) o psicólogo já realiza tratamentos com base em teorias psicológicas. Você verá
conceitos relativos às psicoterapias, seus objetivos, alcances e suas limitações.

OBJETIVOS
• Compreender os propósitos da psicologia clínica e psicoterapia;
• Entender o critério de saúde mental;
• Estabelecer as diferenças entre diagnóstico, formas de tratamento, relação terapêutica,
contrato terapêutico ou enquadramento;
• Determinar objetivos, alcances e limitações das práticas terapêuticas.

Considerações preliminares

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas, ao tocar uma alma humana,
seja apenas outra alma humana.

Carl Gustav Jung (OC vol. X & 882).

A psicologia clínica tem por finalidade o desenvolvimento e a aplicação de


práticas de diagnóstico psicoterapêuticas. Tem como objetivo identificar e tratar
os desajustes e distúrbios do comportamento.

capítulo 1 • 10
Desde os tempos da Grécia de Hipócrates, a psicoterapia era entendida como
a “arte de cuidar do espírito”. A medicina hipocrática combatia males que ataca-
vam o “corpo” como também os do espírito.

Hipócrates é considerado, por muitos, uma das figuras mais importantes da história da
medicina, frequentemente considerado "pai da medicina", apesar de ter desenvolvido tal
ciência muito depois de já terem surgido tratamentos no Egito antigo.

A psicoterapia se desenvolveu e adquiriu certa autonomia bem recentemente.


Esse termo “psicoterapia” como conhecemos hoje teve seu nascimento na escola
de Nancy, basicamente no século XIX. Membros dessa escola tratavam com o uso
da hipnose os problemas psíquicos – a chamada terapia pela sugestão.

CONEXÃO
Será interessante você dar uma olhada no seguinte site do YouTube, disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=8gxZDZEwQO0>; com acesso em: abr. 2018. Por
meio dele, você vai aprender mais sobre hipnose e seus grandes mestres que influenciaram,
pela sugestão hipnótica, vários teóricos, inclusive a Sigmund Freud (1853-1939) bem no
início de sua prática.

CONCEITO
Só para você recordar: subjetividade é o que diferencia um indivíduo do outro, pois
é o que faz você se expressar, sentir, agir de acordo com seu julgamento, com seu modo
particular de pensar e de ser. A subjetividade não é inata, ela é construída por meio das suas
experiências e vivências.

A partir do hipnotismo como prática terapêutica, que dura até o início da


Primeira Grande Guerra em 1914, surge a abordagem psicanalista, que entra no
cenário terapêutico e passa a ocupar o primeiro lugar de preferência como modo
de tratamento. Em 1945, surgem novas ideias e novos métodos vindos em sua
maioria dos Estados Unidos, e começam a ocupar também o ramo das práticas
terapêuticas. As opiniões foram mudando em função dos diferentes modos de

capítulo 1 • 11
se perceber e entender a construção da personalidade no homem que fez sur-
gir diferentes modos de tratar por meio dos modos de pensar sobre o que seja
doença, sofrimentos surgidos e impressos no sujeito durante a formação de sua
subjetividade. Você pode perceber até aqui que as psicoterapias estão em contínuo
desenvolvimento, como também se desenvolvem as teorias psicológicas. Porém o
que não muda é a noção de ética de quem as use. Assim o terapeuta precisa sem-
pre examinar e questionar sua prática; deve sempre se atualizar com os novos
procedimentos, porque eles são dirigidas a pessoas que vivem em um espaço e
tempo socio-históricos. Assim, cabe à pessoa do cuidador (o técnico) articularas
questões pessoais (intrapsíquicas) com os aspectos coletivos (intrassubjetivos), que
estão em relação com as posições do sujeito na sociedade, mesmo quando valores,
metas, objetivos e interesses deste indivíduo (aqui chamado de paciente) não se-
jam coerentes entre si, ou não coincidam com os valores ou julgamentos próprios
do terapeuta.
Um outro dado importante a saber é que a psicoterapia se realiza por meio
de intervenções dialéticas, ou seja, por meio de um diálogo entre duas pessoas.
A ideia comum a todas as abordagens parte do princípio que sendo o indivíduo
um sistema psíquico, quando este psiquismo entra em interação com odo outro
indivíduo, pelo modo dialético, um atua sobre o outro membro da relação, per-
mitindo novas significações de vida. Todo processo terapêutico nasce e termina
no paciente.
Isso quer dizer que um processo terapêutico corre riscos se ficar centrado só na
técnica ou na pessoa do terapeuta. Cabe ao terapeuta realizar um estudo profundo
das ciências humanas e biológicas, pois essa ação o levará não só ao estudo conti-
nuado, que contribuirá tanto para o aperfeiçoamento técnico, como lhe permitirá
cada vez mais se sensibilizar diante dos problemas complexos do homem. Também
é importante ao futuro terapeuta ter um treinamento pessoal e específico, que o
ajude a se sentir seguro e capaz de lidar com os problemas, sem conflitos e ansie-
dades tão comuns aos iniciantes dessa prática. Vê-se que o papel do terapeuta é
de fundamental importância no procedimento. Muito mais que a qualidade da
técnica praticada, a personalidade do terapeuta será de muita ajuda no resultado
pretendido, nesse sentido sua terapia pessoal fará grande diferença; como também
sua preparação teórica, suas constantes reflexões sobre a fundamentação da psico-
terapia, são todos elementos importantes para se tornar um psicoterapeuta.

capítulo 1 • 12
Você precisa saber que o exercício da psicologia clínica exige equilíbrio e uma
notável força psíquica para não ultrapassar seus próprios limites, as suas percep-
ções e nem usar de procedimentos místicos para que se de um resultado.
Segundo Ponciano Ribeiro, (...) o psicoterapeuta precisará saber lidar consigo
mesmo, com o óbvio que, muitas vezes, passará desapercebido. Deverá ter resolvi-
do satisfatoriamente seu narcisismo, seu complexo de onipotência, ter consciência
de suas limitações, pois é pela consciência clara de si mesmo que entrará em con-
tato com o mundo desconhecido do outro. (2013, p. 26)

CONCEITO
O setting representa a qualidade de um ambiente, físico e emocional, adequado às
necessidades que envolvem o processo terapêutico.

Resumidamente qualquer psicoterapia, além do considerado anteriormente,


pode ser definida em função de quatro elementos: os seus meios, seu objeto de
tratamento, sua função e seus objetivos. Por meios entende-se uma tarefa realiza-
da pelas vias psicológicas integradas a técnicas específicas, as que você verá mais
adiante. O objeto focal de toda psicoterapia está centrado nos conflitos, estejam
eles no psiquismo da própria pessoa, ou na sua relação com os outros. Enquanto
função, o trabalho terapêutico visa desfazer os bloqueios ocasionados pelos con-
flitos psíquicos. E, finalmente, sobre os objetivos ou as finalidades, toda psicote-
rapia procura realizar uma mudança como meta do tratamento, mesmo quando
essa meta seja apenas previsível de ocorrer ao seu término.

A relação psicoterapêutica

Como você pode perceber até aqui, o trabalho com a psicoterapia implica
relação entre terapeuta versus paciente. Portanto, ela é sempre uma forma de con-
tato que envolve questões inter (entre dois), intra (no interior,) e transpessoais
(além do pessoal). Isso significa que a psicoterapia se faz por meio de um encontro,
ou relação, entre pessoas que se situam em um espaço, chamado de espaço tera-
pêutico, como também de setting.

capítulo 1 • 13
Se o terapeuta se posiciona como um peritotécnico, agindo como mero ob-
servador frio diante das colocações de seu paciente, ele perde a possibilidade de
estabelecer mais proximidade com seu paciente.

CONCEITO
Atenção flutuante: “Segundo Freud, é o modo como o analista deve escutar o analisan-
do: não deve privilegiar a priori qualquer elemento do discurso dele, o que implica que deixa
funcionar o mais livremente possível a sua própria atividade inconsciente e suspenda as
motivações que dirigem habitualmente a atenção”.
Disponível em: <http://freudlatusensu.wordpress.com/
conceitos-principais-em-psicanalise/>. Acesso em: abr. 2018.

Embora o psicoterapeuta possa agir por meio de uma “atenção flutuante” em


busca do que provoca os sofrimentos psicológicos de seu paciente, o profissional
necessita sentir de modo afetivo e emocional seu paciente. Assim, deve olhá-lo
como uma pessoa e não como um objeto de seu estudo, mesmo quando o pro-
fissional consegue identificar o ponto central dos problemas psíquicos trazidos
pelo paciente. Isso significa que, enquanto pesquisadores, os terapeutas não devem
focar apenas nos sintomas para fins diagnósticos; mas que também possa sentir a
dor do paciente, sua angústia, sem, contudo, se misturar com os conflitos psíqui-
cos de quem está atendendo; mesmo quando estiver disponibilizando a própria
percepção a serviço de acolher as necessidades daquele que procura por atenção e
cuidados com suas dificuldades relativas à saúde mental.
Quando o terapeuta age de modo muito técnico, racional, ele pode estar se
protegendo em função de uma insegurança ou um sentimento forte de ansiedade.
Sabe-se que aquele que busca uma forma de contribuir para o desenvolvimento do
outro na aquisição para em si de melhores capacidades para enfrentar a sua vida
precisa, esse profissional precisa também entender que a psicoterapia não promove
“cura” no sentido de resolver todos os problemas de seu paciente. A cura se dá pela
atenção, pelo acolhimento, ou com o cuidado do profissional com o outro em seus
conflitos, e não de outra forma. Só o fato de o indivíduo conseguir ver mais claro
seus problemas, dificuldades para caminhar por si próprio, poder fazer novas es-
colhas, novas amizades, ser menos problemático, e portanto ter uma vida melhor
já são bem suficientes e um excelente resultado. Essa condição limitante do não

capítulo 1 • 14
entendimento do que seja “cura na psicoterapia” e do tempo que ela necessita para
se estabelecer, porque é um processo de autodescobrimento para o sujeito, pode
trazer ao profissional algumas dificuldades, como a ansiedade por ver seu paciente
melhor, e tentar ”acelerar” o processo do outro por meio de sugestões ou “dicas”
de como o paciente deve proceder.
Precisa ficar claro aqui que, como todo e qualquer processo, a psicoterapia
está determinada pela relação paciente versus terapeuta. Sem esse procedimento o
tratamento não acontece. Para tal, ambos devem estar comprometidos, e precisam
estabelecer condições para que tal aconteça. Não há nenhum acaso decorrente da
terapia. Tudo acontece em função da própria relação interpessoal determinada
pelos atores presentes na situação terapêutica. Quando o paciente e terapeuta es-
tabelecem um vínculo, como uma espécie de liga entre eles, os caminhos e atalhos
tomados pelo sujeito quando narrados ao profissional, permitem ao técnico cuidar
de seu paciente. É esse “se sentir cuidado” que vai permitir o efeito da mudança,
comentada anteriormente como o objetivo da psicoterapia.

CONCEITO
Vinculo terapêutico: é uma conexão que se estabelece entre o psicoterapeuta e
seu paciente, dada por meio dos estímulos e das reações provocados pela própria rela-
ção terapêutica.

Mas o que faz alguém buscar tratamento psicológico? Em geral, se não for
uma indicação feita por outro profissional da área de saúde, ou por alguém da área
judicial, as pessoas que procuram por essa forma de terapia sempre o fazem mo-
tivadas pelos problemas de comunicação, pelos problemas de ordem existencial,
pela consciência própria de que algo não vai bem, pela dificuldade de entender o
que faz se sentirem como “não funcionando bem”. Às vezes esse “não funcionar
bem” é um produto de uma falta de vontade consciente para lidar com as questões
cotidianas como de estudar, de querer sair, de se vestir.
O estado de confusão mental diante de sentimentos, emoções, percepções,
sensações misturados em uma complicada questão entre o que é imaginário e a
realidade deixa qualquer pessoa com a sensação de estar perdida. Muitas vezes
ocorre um cansaço sem explicações clínicas que invade a pessoa e transforma sua
atividade em uma quase ou total ausência de ação.

capítulo 1 • 15
E o que o terapeuta pode fazer diante desse quadro anterior? Bem, em pri-
meiro lugar ele deverá acolher as confissões de seu paciente, observar as suas lin-
guagens, orais e corporais, suas expressões e movimentos. Deve prestar atenção às
interrupções na fala de modo que consiga identificar quais são as reais motivações
do seu paciente que geram todas suas dificuldades no seu viver.
Percebendo como a pessoa compreende e se comporta diante das demandas
internas e externas, assim como se ela possui possibilidades no momento de fazer
contato com suas questões conflitivas, o profissional vai traçando sua linha de
ação. Para tanto, será conveniente analisar a origem de seus sintomas, assim como
também o grau de complexidade dos mesmos.
Assim o profissional tem meios para determinar se há uma patologia presente
no caso, feita pela análise do resultado de toda a coleta de informações passadas e
decidir se recomenda ou não um processo psicoterápico.
Portanto, para se tornar um terapeuta, não basta apenas ser um bom teórico
ou técnico como narrado antes, ele precisa realizar um bom questionamento de
suas responsabilidades profissionais. Logo, para poder desenvolver percepção se-
gura e real do estado do paciente, deve realizar preparação profissional adequada
para se sentir mais seguro, como entender a complexidade do caso a ser trabalha-
do, passar credibilidade ao paciente e também perceber se tem reais condições
técnicas e psíquicas para tratar o caso. O porquê dessa última questão reside na
condição necessária do terapeuta identificar se os problemas do paciente fazem
ressonância dentro de sua interioridade emocional.
Quando o terapeuta, ao contrário se mostra inseguro, o paciente dificilmente
se colocará nas sessões de forma aberta. O sujeito pode se colocar em uma posição
de defesa, de espera, como se fosse um modo de processar e entender no seu inte-
rior os movimentos de seu terapeuta. Em geral os pacientes têm em seus terapeutas
a figura de um sábio, um grande conhecedor do que acontece com ele. Às vezes o
profissional é visto como um salvador, pois geralmente os pacientes veem nos seus
psicoterapeutas modelos de proteção a serem seguidos, ou até mesmo como por-
tadores de poderes “mágicos” capazes de lhes transformar. Se o terapeuta “pegar”
essas representações e se sentir tal qual elas evocam, pode gerar no paciente, entre
outras situações, a espera por respostas que ele mesmo não consegue encontrar em
si e dessa forma acontece a paralisação da terapia.
O profissional não precisa ser perfeito, ou ser portador de um aglomerado de
teorias e de técnicas, mas deve ser o inspirador de segurança e coerência. Ambas
as condições devem estar presentes na sua própria comunicação oral e corporal.
Precisa se conscientizar de suas fragilidades, de seus sentimentos e suas emoções de

capítulo 1 • 16
alegria, tristeza, raiva, medo, vaidade. Não deve trabalhar com o cliente para obter
benefícios pessoais, por exemplo, mantê-lo em atendimento em função de uma
necessidade financeira, mesmo quando não há mais necessidade de continuar com
o tratamento. Também não deve expor sua vida pessoal e íntima ao seu paciente,
revelando seus próprios temores, anseios, ou como agiria em determinada situação
se estivesse no lugar do seu paciente. Afinal, quem é o verdadeiro paciente nessa
história, o suposto “terapeuta” ou quem pretende ser “tratado”? É aqui que
entra a questão importantíssima da neutralidade e também ética do profissional. A
vivência da dor e as angústias do paciente podem ser sentidas também pelo profis-
sional, afinal ambos estão em uma relação, só que terapêutica. Mas o profissional
deve manter diante dessas emoções uma atitude silenciosa e equilibrada.
Muitas vezes a dor manifestada pode ser tão grande, ou a situação relatada ser
tão comovente, que não tem como o profissional deixar de ficar afetado por esses
relatos. Porém ele deve estar bem consciente desses seus sentimentos vivenciados
na situação terapêutica, de modo a não se identificar, inconscientemente, com o
processo psicoterápico de seu paciente, e começar a tratá-lo como se fosse a ele
mesmo – o terapeuta – nas próprias tentativas de reduzir sua dor psíquica. Se
o profissional não consegue se distanciar e separar o seu sofrimento das do seu
paciente, forma-se uma identidade afetiva-emocional, a qual pode atrapalhar e
impedir o andamento do processo.
O que se está tratando aqui é o seguinte: existe uma real preocupação do
terapeuta pelo seu paciente, este sentimento é natural e decorre de seu interesse
pelo caso a ser tratado. Mas, se a preocupação, a ansiedade forem em função de
seu despreparo teórico, técnico, ou até mesmo de sua insegurança pessoal, fruto de
questões de conflitos pessoais, essa condição pode levar o terapeuta a não perceber
a influência dos sentimentos de seu paciente depositados nele, vindos dos seus re-
latos e conduzir negativamente o processo a que se propôs fazer, por comprometer
a relação terapeuta – paciente.
Clareando ainda mais, o terapeuta entra nessa relação com o paciente como
alguém que possui sentimentos, crenças, mitos, valores, esperanças que são indis-
cutivelmente só dele. Seu paciente, por sua vez, é outra pessoa com experiências
vividas de formas diferentes, em outros locais, dado à sua realidade pessoal. Mas
nem por isso deixa de ser também portador de sentimentos, crenças, valores tal
qual o profissional. Porém como o sujeito em terapia só poderá se entender, reco-
nhecer, compreender e se aceitar, se viver, pela situação terapêutica, a condição de
ser ele mesmo, seus sistemas afetivos-emocionais podem “colidir” com os do tera-
peuta, e esse último ficar sem ação, estagnando o processo terapêutico. Do mesmo

capítulo 1 • 17
modo, a não evolução do caso do paciente pode acontecer quando, o profissional
pode ficar tentado a dar um “empurrãozinho”, dando conselhos, dando regras
de como resolver conflitos, como ações que nascem da ansiedade do mesmo, de
desejos ou expectativas de ser eficiente, de querer aliviar a dor e sofrimentos, em
função do processo de autoentendimento não se realizar de forma rápida.
Esse procedimento não está de acordo com os propósitos da intervenção te-
rapêutica, nem com o processo em si, de possibilitar ao indivíduo realizar suas
próprias escolhas. Há também um grande risco de querer julgar os valores e as
atitudes do cliente, pois pode ser que o profissional não consiga se desvencilhar
de seus valores e preconceitos. Qualquer tipo de julgamento, na situação psicote-
rápica, afasta o objetivo de penetrar no interior do outro; porque faz a percepção
objetiva e clara se tornar cega, matando toda e qualquer tentativa de uma relação.
O psicoterapeuta é aquele que cuida, porque, parafraseando C. G. Jung,
quando diante da alma de seu paciente, o terapeuta se coloque com sua alma
também, pois só assim os clientes reencontram a si mesmos.

História da psicoterapia, doença, saúde mental, normal e patológico

Breve história de tratar a loucura

A história da definição e ações da psicoterapia na saúde mental remete a uma


jornada que se origina em tempos bem antigos.
Podemos começar pela origem do termo psicoterapia. A palavra veio das pala-
vras gregas: “therapeia, therapeuein”. Elas correspondiam ao nome dado aos proce-
dimentos que buscam a cura por meio de um método. Como “psyché” representa
alma, a palavra psicoterapia, pela análise de sua origem (etimologia), significa a
cura da alma.
Do mesmo modo a definição de doença mental, vulgarmente chamada de
loucura, também tem sua história e se remate a tempos bem antigos. Com relação
ao termo loucura, esta palavra está em conexão com a história da trajetória huma-
na. Por meio deste percurso, se percebe que o termo foi usado de acordo com cada
experiência social vivida em cada época, em cada era da cultura humana.

A saúde mental foi encarada de diferentes formas, e em função da formação dos dife-
rentes grupos sociais no decorrer da história da humanidade.

capítulo 1 • 18
Na Grécia Antiga, a loucura ora era considerada como uma manifestação di-
vina, pela qual os loucos eram vistos como profetas, já que falavam coisas que o
homem comum não entendia. Outros achavam que eles tinham excesso de paixão
por serem muito passionais. Os tidos “loucos” tinham a liberdade para se movi-
mentar pela cidade, não eram retidos, nem asilados do convívio social.
Com os feitos de Hipócrates (mencionado no item 1.3 deste capítulo), ele
propôs que o corpo humano sempre estava em íntima conexão com a “phisis”,
a natureza, segundo a definição dos gregos. Essa integração conectiva se man-
tém harmoniosa nos casos de saúde em que Hipócrates considerava normais. Já
a doença surgia quando essa “phisis” se alterava, mudando o estado de harmonia
da natureza (phisis) humana. Assim sendo, a loucura passou a ser vista pelos gre-
gos como um estado de mau funcionamento da mesma, o que influenciava os
diferentes tipos humores. O tratamento era feito com drogas e purgativos que
eliminassem esses efeitos.

AUTOR
Sugestão: revise seu material de psicologia da personalidade e leia sobre a classifi-
cação dada aos tipos de temperamentos de Hipócrates: sanguíneo, colérico, fleumático
e melancólico.

SANGUÍNEO COLÉRICO

FLEUMÁTICO MELANCÓLICO

Figura 1.1  –  Disponível em:<http://paodejuda.blogspot.com.br/2010/11/temperamentos.


html>. Acesso em: 2 jul. 2017.

capítulo 1 • 19
Já na Era Medieval, a Igreja detinha as regras. Os padres eram os detentores
do saber, porque a Igreja era a casa de Deus, e somente o clero tinha o poder de
transmiti-lo ou de usá-lo. Esse saber era oferecido para a educação, para legislar ou
controlar as normas sociais da época, uma vez que a Igreja era a intermediária en-
tre Deus e o homem. A humanidade se via diante da imposição de normas morais
de cunho unicamente religioso. Os mosteiros eram o local em que se produziam
os conhecimentos. A cura da insanidade mental, com a intervenção de tratamen-
tos, estava associada ao mito de que as doenças eram consideradas castigos divinos.
Mas além de doente, a pessoa também podia ser considerada pecadora, e a doença
se tornava a justa penitência pelo pecado.
Sendo assim a loucura, por ser uma manifestação fora dos padrões considera-
dos normais à ordem divina, eram considerados infratores da moral cristã todos
aqueles que a possuíam. Logo, o louco era visto como uma associação demoníaca,
um ser maligno. Se o louco fizesse a confissão de que era bruxo, poderia ser exor-
cizado ou punido, após ter sido submetido a um julgamento perante a ordem reli-
giosa. Se o louco fosse rico, poderia comprar a Santa Inquisição e era considerado
apenas “excêntrico”.

CURIOSIDADE
Note como o conceito de loucura está, desde tempos remotos, ligado às questões sociais.

A loucura era encarada nessa época como uma heresia, algo que vai contra
as regras divinas. Os loucos eram os heréticos, pois se comportavam de modo
diferente aos exemplos da moral cristã. Assim na Idade Média, o procedimento
de curar a alma era feito por meio da palavra de Deus, e de rituais que podiam ir
do exorcismo, como mencionado, ao fato de ser queimado na fogueira. Naquela
época, qualquer manifestação considerada anormal, ou seja, fora dos padrões da
moralidade cristã, era definido como questões relativas à impureza da alma, e so-
mente a Igreja era a entidade responsável para tratar tais manifestações.
Os comportamentos dos ditos insanos eram considerados diabólicos, ou de-
moníacos. Os “coitados” que possuíam essas irregularidades psíquicas necessita-
vam afastar de seus corpos a entidade maligna que os possuiu. Portanto, seus
destinos variavam da fogueira, como tratamento mais radical, ou eram torturados,
e açoitados para retirar ou espantar os demônios do corpo. Portanto nessa triste

capítulo 1 • 20
época, todos aqueles que estivessem fora da “moral” religiosa da época padeciam
com castigos corporais como métodos de tratamento. Foi uma época da gran-
de caçada às bruxas e aos seus malefícios considerados pelos desequilíbrios, pois
eles demonstram a perturbação mental dos portadores dos demônios. Os castigos
eram assim tratamentos de purificação das almas.

MULTIMÍDIA
Recomenda-se assistir aos vídeos:
•  Você terá uma boa explicação sobre a história da loucura, segundo Michel Foucault.Dispo-
nível em: <https://youtu.be/to8hU69LwuM>. Acesso em: abr. 2018.
•  Veja mais sobre a história da loucura, também segundo Michel Foucault. Disponível em:
<https://youtu.be/wErXvvdWw1o>. Acesso em: abr. 2018.
•  Ser louco é a única possibilidade de ser sadio nesse mundo doente; vídeo com Leandro
Karnal, quem discute o que se chama por loucura, provocando boas reflexões sobre o uso e
o abuso desse termo. É um debate sobre os movimentos socioculturais e suas influências no
modo de pensar e agir humanos. Muito interessante para se discutir em sala e tentar objetivar
o conceito de normalidade e a quem ele serve na realidade, pois, o que é ser normal, ou ser
anormal? Disponível em: <https://youtu.be/M3icM7lgixU>. Acesso em: abr. 2018.

Seguindo o rumo da história da humanidade, chegamos à era do Renascimento,


no qual o homem é considerado o centro de tudo, diferentemente da etapa ante-
rior, na qual Deus era o centro de todo universo conhecido.
O movimento renascentista adquire este nome em função da retomada da
importância dada às descobertas e aos feitos do homem. A força do conhecimento
adquirido pelo ser humano ressurge nesse período, mostrando toda a capacidade
criativa presente na alma humana. Entre elas destacam-se: a arte, retratando a
anatomia humana, as Grandes Navegações, o comércio, o dinheiro entre outras
grandes realizações. Com tanto avanço cultural, as exigências sociais se tornam
maiores, como a noção de limpeza e higiene dos lugares. Essa ênfase na “limpeza”
chega também às pessoas, e todos aqueles que de alguma forma não contribuíam
para o desenvolvimento social e cultural, ou não participam do mercado de traba-
lho, tais como: mendigos, velhos, prostitutas, leprosos, sifilíticos e loucos. Todos
eles deveriam ser banidos do convívio público, pelo descarte do inútil limitador
do progresso sociocultural.

capítulo 1 • 21
Assim foi instalado um verdadeiro “projeto de limpeza’” das cidades. Grandes
centros de abrigos e prisões foram construídos para afastar essas pessoas do conví-
vio nas cidades. Mais uma vez a exclusão se faz presente quando se trata dos insa-
nos. Por conta da ênfase dada na razão, o tom axial da era renascentista, os loucos
(insanos) adquirem a dimensão de ameaça à razão. E como agente de “ameaça”, a
sociedade em sua complexidade exclui e afastará de si não só os loucos, mas todo
e qualquer indivíduo que perturbe a “suposta” tranquilidade. Portanto o suposto
“tratamento” é o de ser banido e asilado do convívio social.
Com o início da sociedade industrial, as cidades cada vez maiores encheram-se
de pessoas que não encontravam lugar nesta nova ordem social, entre os quais os
loucos, doentes, deficientes mentais, portadores de necessidades especiais e crimi-
nosos. Afinal, com a multiplicação dos chamados desocupados, foram tomadas
medidas repressivas para resolver esse problema, como as internações nas casas de
correção e de trabalho. Tais instituições não se propunham ter função curativa,
mas seu papel social era o de proibir e punir todos os ociosos. Mais tarde, os insa-
nos começam a ser encaminhados para internações nos hospitais gerais.
Na Idade Moderna, o predomínio da razão e da racionalidade levam à criação
de novas ideias, teorias e a formação de novas instituições, que vão substituir os
antigos cárceres pelos espaços nos quais o louco não seja mais um problema da
sociedade, mas sim, um problema puramente do domínio científico. Com o sur-
gimento da psiquiatria e o desenvolvimento do campo científico, a loucura ganha
categoria de doença, e passa a ser estudada. Instala-se na Europa a partir do século
XVIII uma forma universal e hegemônica de abordagem dos transtornos mentais:
internação em instituições psiquiátricas – As Grandes Internações – para to-
dos aqueles que têm alterações de ordem racional, moral e social. Michel Foucault
(1826-1984) chama esse processo da Grande Internação.
Com os ideais difundidos pela Revolução Francesa – liberdade, igualdade e
fraternidade –, surge uma nova reestruturação do espaço social. Agora todos os
encarceramentos passam por uma seleção, ou seja, deixam de ser arbitrários para
qualquer cidadão. Determinou-se que os loucos não podiam circular no espaço
social como os outros cidadãos por serem perigosos. Agora vistos como doentes,
seu encarceramento estava relacionado à necessidade de tratamento. Com o obje-
tivo de curá-los, passaram a ser internados em instituições destinadas especifica-
mente a eles, surgindo os manicômios. O grande fundador da psiquiatria é o dr.
Philippe Pinel (1745-1826).

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©© WIKIMEDIA.ORG
Figura 1.2  –  Philippe Pinel.

Pinel estabeleceu os fundamentos da clínica psiquiátrica a partir do método


clínico. Estamos diante do primeiro e real movimento de tratamento, calcado no
modelo médico. Pinel afirma que as alienações mentais se devem aos distúrbios
funcionais do sistema nervoso central, independentemente de haver ou não lesões
no mesmo. Estabelece uma intervenção nos manicômios chamada de "tratamento
moral". Foucault diz que na realidade nesses locais, e pelo tipo de tratamento im-
posto, o louco não era propriamente percebido como doente, e sim como alguém
que havia abandonado o caminho da Razão e do Bem. (FOUCAULT, 2000)
Isso significa que a visão da doença mental produzia um estado de alienação,
e esse estado gerava a perda da diferenciação entre o bem e o mal. Portanto, para
Pinel, o chamado doente só seria curado se conseguisse reaprender a diferenciar
o certo do errado, o mal do bem; e a cada ato indevido devia ser advertido e pu-
nido, para poder reconhecer seus erros. A partir deste arrependimento, e quando
não os cometia mais, era considerado curado. Para tanto o doente deveria ficar
afastado da sociedade, “asilado”, já que foi o convívio social o responsável por tal
alienação. Para Pinel, o doente deveria estar protegido da sociedade que o enfer-
mou. Contudo o tratamento e a busca da “cura da alma” eram feitos por meio de
correções punitivas aos comportamentos inadequados (errados). O lema adotado
foi o que cura no hospício é o próprio hospício. O manicômio, em função de sua
estrutura e funcionamento, era o real operador de transformações dos indivíduos,
pois era só dentro dele que se poderia fazer o doente perceber seus erros para poder
corrigi-los. Logo, você pode perceber que nesse momento histórico a doença men-
tal é encarada como uma perturbação na forma de agir, de querer, de ter paixões e
de tomar decisões. Chama-se esse modo de intervir como “terapia moral”.

capítulo 1 • 23
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 1.3  –  Michel Foucault (1926-1984).

O nascimento da psiquiatria surgido com o novo modo de “encarceramento”


dos loucos nos manicômios produz pela observação direta e exclusiva dos “insa-
nos” um intenso trabalho de pesquisa científica. Dessa pesquisa surgem as des-
crições e classificações dos diferentes tipos dos sintomas, dando origem aos con-
ceitos dos diversos tipos de transtorno psíquico que fundamentam a psiquiatria
moderna. É importante ressaltar que não houve qualquer avanço em termos de
terapêutica, pois os doentes mentais passaram a permanecer toda a sua vida dentro
dos hospitais psiquiátricos. O dito “tratamento” tinha base em descrições clínicas.
Porém se pode considerar como um progresso a tese de que era o desequilíbrio das
paixões a responsável pela alienação, e o retorno, pela correção de as mesmas serem
uma possibilidade de curar, levando ao homem ao estado original antes de “adoe-
cer”. Parece que surge a primeira forma de tratar realmente o perturbado mental.

ATENÇÃO
Essa ideia da loucura como causadora de inconveniências ao convívio social se alas-
tra a todos chamados “inconvenientes”, sejam pelos modelos políticos e/ou culturais. Essa
questão de considerar como louco e de dar “nome” à doença mental a todos que não con-
cordam com as regras sociais e morais, infelizmente continua persistindo até os dias atuais.
Este pensar trouxe para a doença mental um grande estigma (marca, sinal ou cicatriz), que
permanece no senso comum. Você já deve ter ouvido que quando alguém precisa de um
psiquiatra ou de um psicólogo, é logo chamado de louco, e começa a ser excluído do convívio
social. Como também já deve ter presenciado alguém ser chamado de “bipolar” porque tem
um temperamento forte e é muito assertivo, por exemplo.

capítulo 1 • 24
Resumindo: você verificou pela breve história da loucura aqui exposta como ela foi
vista e trabalhada ao longo da história humana. E que o procedimento terapêutico cor-
respondente não visou à chamada “cura da alma” e, portanto, nem sempre esses trata-
mentos foram “humanos”, já que o louco passou de profeta e poeta, por possuídos pelos
demônios, depois por amorais ociosos, chegando a alienados e perturbadores da ordem
social. Você percebeu também que é com o nascimento da psiquiatria que surgem os
“primeiros tratamentos corretores” como ferramentas de cura. Com o surgimento da
psiquiatria, surge a possibilidade de identificar, catalogar, e descrever os diferentes sin-
tomas para a classificação das patologias.

O aparecimento de Donald Laing (1927-1989), psiquiatra inglês no cenário


do tratamento psiquiátrico, provocou uma reviravolta inovadora para o tratamen-
to da doença mental especialmente nos casos com psicose. Como era fortemente
influenciado pela filosofia existencial, começa a olhar os pacientes pela expressão
de seus sentimentos. Mas agora vê essas expressões como formas de experiências
vividas e não somente como sintomas. Sustenta que os discursos sem sentido e
confusos dos doentes mentais são as formas de comunicação de seus medos e suas
ansiedades. Laing enfatiza o papel da sociedade, e particularmente o da família no
desenvolvimento da loucura. Foi muito influenciado também pelo treinamento
recebido em um instituto de Londres, conhecido como um centro de estudo e
prática da psicoterapia. Com Laing a psiquiatria se encontra coma psicoterapia.
Fazendo um breve apanhado da história da loucura e de seus modos de trata-
mento, vemos que a característica comum em todas as épocas está na necessidade
de rotular e enquadrar o doente mental em determinada classificação. Você pode
perceber também que há uma marginalização presente dos tidos doentes mentais
em todas as épocas da história humana, fato que levanta a hipótese de uma certa
redução no interesse de tratar, entender e interagir com alguma pessoa “doente”
ou “possuída”.
Mas não podemos sair desse debate histórico sem falar de Sigmund Freud
(1856-1939). Foi ele quem trouxe firmemente a finalidade psicoterápica de restau-
rar a subjetividade, pelas mudanças e compreensões de suas ações. Por ser médico
neurologista, seu trabalho sofreu forte influência nessa sua formação. Ao estudar
a histeria, percebeu que a presença dos sintomas neurológicos não era causal nem
determinada por eles. Verificou que por detrás da manifestação histérica havia
forças fortes e complexas que precisavam ser estudadas, porque descobriu que elas
tinham significação se comparadas a partir da história do paciente.

capítulo 1 • 25
Quando começa a investigar a história de seus pacientes, percebe que muitas
recordações antigas tinham sido esquecidas, por terem sido banidas da consciên-
cia. Mas que quando ele conseguia acessá-las, o paciente mostrava uma mudança
de comportamento.
Com essas descobertas ele chega à noção da existência do inconsciente e inicia
um tratamento, primeiramente com hipnose, por meio do método denominado
de associação livre de ideias, pelo qual, quando o paciente era colocado numa
postura de relaxamento, ele conseguia acessar lembranças passadas e ter um gran-
de alívio quando podia falar delas. Depois de algum tempo ele dá seguimento a
essa forma de tratar, mas sem uso mais da hipnoterapia, pois a associação livre das
ideias fazia o mesmo efeito, com a diferença que proporcionava um “reviver” das
emoções e da situação conflitiva (traumática) de modo consciente.

CONCEITO
Por trauma psicológico se entende um dano emocional ocorrido como resultado de
um algum acontecimento, ou alguma experiência de dor e sofrimento emocional ou físico.

Mas simultaneamente à utilização da associação livre e da isenção da hipnose,


Freud identifica nos seus pacientes a presença de relatos de suas experiências or-
ganizados bem racionalmente, sem afetos e emoções. A esse procedimento Freud
nomeou de processo de resistência, que não trazia nenhum benefício terapêutico
e que precisava ser firmemente analisado, pois lembranças afastadas dos sentimen-
tos e emoções nada mais são que meras descrições reprodutivas das situações.
Uma outra descoberta foi a do processo transferencial, pelo qual o paciente re-
vive nele e por ele sentimentos e percepções ligados às figuras paternas ou pessoas
significativas da sua história pregressa, como também percebeu a contratransferên-
cia que pode ocorrer no terapeuta em função do paciente depositar nele os afetos
vividos com as figuras parentais. Se o terapeuta não percebe os afetos provocados
pela transferência, a contratransferência do terapeuta das emoções nele provocadas
pode fazer com que ele reaja de modo inconsciente. Mais adiante, quando for
falado sobre a psicanálise, você verá essas questões mais elaboradas.
Sem dúvida alguma foi o aparecimento da abordagem freudiana, e dos seus
princípios de análise e compreensão das situações humanas que deram realmente
início ao que chamamos hoje de psicoterapia.

capítulo 1 • 26
Saúde e doença mental, normal e patológico

Você estudou no item anterior que a noção de doença mental sempre esteve
ligada a questões sociais e seu tratamento ficou entre ações religiosas ou médicas.
Assim o conceito de doença mental foi se edificando apenas como uma explicação
que possibilita determinar em qual medida uma intervenção será aplicada ao dis-
túrbio psicológico, também chamado de transtorno psicológico.
Um transtorno mental é um padrão psicológico que tem explicação ou sig-
nificação clínica. Em geral costuma estar associado a um mal-estar ou a uma in-
capacidade que pode prejudicar a vida humana. Com a temática “incapacitante”,
convém destacar que uma doença mental é uma alteração dos processos cognitivos
e afetivos do desenvolvimento. Ela se traduz em perturbações em nível do raciocí-
nio, do comportamento, da compreensão da realidade e da adaptação às condições
da vida. Os transtornos mentais podem ser ocasionados por fatores biológicos
como os ambientais e psicológicos. Por isso, requerem uma atenção multidiscipli-
nar que permita melhorar a qualidade de vida da pessoa.
Embora existam diversas categorias de transtornos mentais, as principais re-
ferem-se aos transtornos neuróticos e aos transtornos psicóticos. Só a título
de exemplificação (já que você irá estudar com mais profundidade esses termos
na disciplina de psicopatologia) os transtornos neuróticos afetam a percepção
do sujeito sobre si mesmo e o nível de aceitação do si mesmo. Mas mesmo
trazendo complicações para as relações, a neurose não impõe ao sujeito uma
desconexão com a realidade nem um afastamento importante da vida social.
O mesmo já não acontece com os transtornos psicóticos, pois como eles podem
incluir alucinações, delírios e uma grave alteração afetiva e relacional, com-
prometem mais as interações no ambiente social.
Como comentei anteriormente, o termo doença mental infelizmente ainda
tem um sentido pejorativo, seja pela ignorância, pelo senso comum, pelo senti-
mento de ameaça e vulnerabilidade que provoca nas pessoas. A imagem que está
ligada ao conceito de doença mental é ainda associada a pessoas violentas, agressi-
vas, incapazes, ou “tolinhas” que só cometem loucuras. No entanto essa colocação
está muito errada, já que atualmente a doença mental é extremamente comum.
A doença mental não deve ser confundida com a quebra de normas sociais, de
sentimentos, de crenças ou valores religiosos ou morais que sejam incompatíveis
com algum grupo sociedade ou cultura.

capítulo 1 • 27
Precisa-se entender que quando se faz uma procura por um serviço em saúde
mental, isso não significa necessariamente que se está doente mentalmente
segundo os critérios clínicos, mas tão-somente pode significar que se está em
sofrimento emocional, com dificuldades relacionais ou preocupado com as-
petos profissionais e pessoais, por exemplo. A conotação da doença mental com
aspetos pessoais e sociais negativos é algo que vem do passado longínquo – paralela
à história da loucura como já vimos – e se projeta nos dias de hoje, sem qualquer
correspondência com a realidade atual.
Um dado muito importante para ajudar a diminuir o preconceito com o
doente mental, é que as pessoas não adoecem porque querem ou escolheram ser
doentes. A doença não desaparecerá por desejos, vontades, exercícios ou imposi-
ções. Nenhuma dessas ações fará alguém melhorar. Todo doente mental necessita
de tratamento como qualquer outro tipo de doença.

CONCEITO
O conceito de doença pode ser definido como qualquer desvio acentuado seja no nível
físico, mental ou comportamental, em relação a padrões considerados normais e desejáveis
para integridade estrutural e funcional do organismo.

Já o conceito de saúde mental pode ser compreendido por uma vasta área
de conhecimento e de atuação técnica, dadas pelas políticas públicas de saúde
(AMARANTE, 2007). Como que ao se colocar isoladamente o critério de saúde
ganha o perfil de perfeita “normalidade” no funcionamento do organismo, ou
ausência de insanidade, no caso da doença mental.

CONCEITO
O conceito saúde mental pode ter duas conotações, a de local de prestação e ser-
viços aos portadores e transtornos mentais, como também pode designar o não estado
de insanidade.

capítulo 1 • 28
Para a psiquiatria, a saúde mental é vista pela ausência de sinais que compro-
metem o equilíbrio psicológico. Completando esse argumento, outros teóricos
afirmam que para se considerar alguém com saúde mental deve-se observar se a
pessoa se encontra ativa e adaptada ao meio ambiente; estando bem integrada com
relação à percepção de si mesma e do ambiente com o qual se relaciona.
Para o campo da psicoterapia a noção de saúde mental relaciona-se com a
área de ação na procura pelo bem-estar do doente mental com auxílio da atuação
terapêutica. Se a saúde mental remete a ações dentro das políticas públicas, essa
designação serve para orientar e limitar as intervenções em psicoterapia de acordo
com o espaço em que se realiza o trabalho, pois inclui a verificação do espaço
físico, a importância das condições de aplicabilidade de técnicas, formação de
equipes, observação e divisão dos usuários para melhor atendimento dos mesmos.
Já com relação à doença mental, as descrições dos comportamentos comuns
nas distintas patologias servem como guias ou medidas de verificação e identifica-
ção de estados de mudança obtidos com o tratamento.
Veja bem, se você estiver dentro de uma instituição que trabalhe com saúde
mental, você precisará determinar qual ações deverão ser priorizadas pelo seu tra-
balho. Muitas vezes o público-alvo pode ser quem trabalha. Ao cuidar de quem
cuida podem melhorar, e muito, os atendimentos com os usuários do espaço.
Se você trabalha em uma instituição e faz atendimentos de ambulatório, preci-
sa estar atento à fila de espera, pois conforme for a situação, deverá buscar práticas
que também possam contemplar um maior número de pacientes por vez, mas
sempre tendo como fator de controle de sua prática as descrições dos sintomas de
cada patologia específica. Afinal, são esses os indicadores de melhora ou de acen-
tuação do problema.

A psicoterapia

A direção tomada por esse debate teve a finalidade de conduzir seu entendi-
mento de como o processo psicoterapia evoluiu. Durante esse processo falamos
do seu objeto – a doença mental e a saúde mental – que foram apresentados por
meio de como essas condições de desvio foram sendo vistas e tratadas ao longo da
história da humanidade. Tratou-se dos objetivos quando se fez a referência ao vín-
culo terapêutico, estabelecido pela relação terapêutica, como fator preponderante
na aquisição da mudança e da resolução dos conflitos psíquicos.

capítulo 1 • 29
Agora é o momento de se realizar o fechamento de tudo o que foi trabalhado
até o momento.

Psicoterapia é o tratamento, por meios psicológicos, de problemas de natureza emocio-


nal, no qual uma pessoa treinada estabelece com o paciente um objetivo de remover,
modificar ou retardar sintomas, de intervir em modelos perturbados do comportamen-
to e de promover um crescimento e um desenvolvimento positivo da personalidade.
(WOLBERG, 1972; in: RIBEIRO, 2013)

Por meio dessa definição, pretendo tornar mais claro cada questão encontrada
na mesma. Então veja: por tratamento entende-se o objetivo da psicoterapia, mas
tratar não significa fazer imposições de determinados tipos de comportamento
que devem ser executados. No entanto, se refere à condição estabelecida pela re-
lação diferencial entre paciente e terapeuta, em que cada ação é cuidadosamente
vista pelo profissional. Se o cliente se sente acolhido, e sendo o foco das ações do
terapeuta, ele consegue estabelecer o vínculo e o processo se dá. Se ao contrário,
ele se vê afastado de seu terapeuta, e cria inconscientemente barreiras, chegando
até a largar sua terapia.
Por meios psicológicos você precisa entender a importância do fator comu-
nicação verbal e não verbal. O campo do espaço terapêutico se consolida em uma
relação que integra ao mesmo tempo os dois atores do processo. A linguagem fala-
da expressa imagens que sinalizam, para o terapeuta, o estado interno das emoções
do paciente e como ele está realizando suas necessidades. A captação do modo
como percebe, elabora, e emite pensamentos, são os meios de comunicação que
traduzem seus anseios, temores, ressentimentos entre outros sentimentos. Os ges-
tos corporais, as expressões faciais, o próprio silêncio são poderosos instrumentos
da linguagem não verbal. As técnicas expressivas usadas em algumas abordagens
também são indicadores dos humores do paciente e suas necessidades. Os testes
psicológicos também complementam essa gama dos meios de tratamento.
Quando diz “tratam de problemas de ordem emocional” o autor se refere
que toda percepção está comprometida com o sistema das emoções, fator que
interfere muito na conscientização, pois como se sabe a emoção trava e modifica
a percepção real dos fatos. O trabalho do terapeuta deve focar as representações,
crenças, os mitos, as imagens, fantasias de seu cliente para perceber qual a emoção
encontra-se oculta nelas. Ao tocar nas emoções, o técnico consegue chegar à raiz
dos conflitos de seus pacientes. Todo processo terapêutico torna-se instrumento

capítulo 1 • 30
de mudança, quando traz a emoção esclarecida e objetivada dessa vivência ao falar
sobre ela.
A referência a uma pessoa treinada aborda a temática da importante prepara-
ção teórica, técnica, e, sobretudo, o estabelecimento de um clima diferente de um
relacionamento social. Precisa que o espaço, enquanto campo relacional, permita
que o cliente se sinta valorizado. O tratamento deve ser humanizado e não estri-
tamente técnico.
Ao dizer “um relacionamento profissional”, fica implícita a própria função
da psicoterapia, já que esta visa a um encontro entre duas ou mais pessoas – no caso
de terapia de família ou de casal – com o propósito de tratamento de quem procu-
ra por ajuda. Implica também posicionamento ético por parte do profissional
que se encontra diante de seres humanos. Como também do estabelecimento dos
honorários respectivos às sessões determinadas pelo contrato terapêutico. Por con-
trato terapêutico se entende a determinação dos dias, horários e valores atribuídos
aos atendimentos, que se farão a partir do momento da primeira entrevista.
Você vai entrar agora na discussão entre paciente ou cliente. Quando se diz
“com um paciente...”, se quer dizer, segundo a origem latina – patire – o sofrer.
Por isso que algumas abordagens, principalmente as existenciais e humanistas pre-
ferem o termo cliente. O termo “paciente” teve seu uso reforçado em função da
prática médica e psiquiátrica, pois o paciente é aquele que sofre um tratamento.
Já a palavra cliente, traz, segundo os seus seguidores, uma noção de relação mais
pessoal. Para eles, ser “cliente” implica retirada do “sofrimento” como condi-
ção essencial do tratamento.
A colocação “com o objetivo de remover, modificar e retardar sintomas”
tem a noção de que por meio da psicoterapia se alcança uma meta, uma finalidade,
a de retirar dos sintomas o peso de emoções não expostas, causadoras das impos-
sibilidades, dos bloqueios e das inibições da personalidade no seu livre curso de
desenvolvimento. Portanto não se trata de simples remoção do sintoma, mas sim
das causas que o provocam e o sustentam.
Com relação a “intervir em modelos perturbados de comportamento”
deve ser entendido que pelo uso de práticas se pretende evidenciar para o cliente,
ou paciente, quais as características inadequadas e disfuncionais dos seus com-
portamentos, que só ajudam a manter o indivíduo no mesmo padrão incoerente
com a situação presente. A prática não deve ser encarada como uma imposição
na sua atuação do paciente, pela qual o mesmo fica sem a participação ativa no
seu processo.

capítulo 1 • 31
Já com a ideia de “promover um crescimento e desenvolvimento positivo
da personalidade” se deve entender que a busca pela mudança e transformação
do paciente é realizada se ele conseguir se interpretar, olhar para seus objetivos,
interesses, vontades e buscar realizar seus sonhos.
Como falamos na introdução deste material didático, há diferentes tipos de
terapias em função da abordagem adotada. Mas essa abordagem não se constitui
em uma “prisão” de um modelo a seguir. Cada terapeuta tem seu estilo de tra-
balho em função das características de personalidade de cada um. Isso não quer
dizer tão pouco que cada terapeuta fará de sua abordagem o que ele quiser. Não
é bem assim. O que se pretende afirmar é que como cada pessoa tem seu modo
de se expressar e de se conduzir, ao assumir uma abordagem ela estará apenas se
pontuando em uma forma de entender o homem, o seu desenvolvimento, seus
problemas e suas dificuldades. Portanto nenhum terapeuta ao escolher essa ou
aquela teoria, vai precisar vestir uma fantasia para poder atuar. O terapeuta tem
de ser ele mesmo, e assumir seu referencial teórico como instrumento, método
e meio de observação e pesquisa segundo os critérios da abordagem selecionada.
As abordagens podem ser classificadas segundo o seu método, podendo ser
diretivas ou não diretivas; e quanto ao tipo de prática: individual ou em grupo.
Enquanto aos métodos, a psicoterapia se classifica como sendo um conjunto
de princípios, que desenvolvidos pela dinâmica da relação vão formando hipó-
teses, e estas dão origem as práticas. Porém sempre embasado por uma teoria de
personalidade e dirigidas à obtenção da meta desejada.
O método será diretivo quando o terapeuta assume a condução do processo
psicoterápico porque percebe que seu paciente não possui condições ou tem pou-
ca capacidade necessárias a tomadas de decisões. O terapeuta será um guia, um
orientador, um conselheiro, um encorajador que visa à solução dos casos. Quase
como um treinador (ou um coaching) recebe do paciente a total entrega de si
mesmo, se colocando nas mãos do terapeuta. É um exercício de total submissão,
obediência e completa confiança. Para o uso desta metodologia, o terapeuta deve
estar profundamente treinado, com formação profissional comprovada, de modo
que suas questões não se envolvam com as de seu paciente.
O método não diretivo, ou catártico, busca, conforme o significado da
palavra: purificação ou purgação, liberar o material inconveniente e muito atuante
na psique do paciente. O método catártico se situa no paciente e não no tera-
peuta como no caso do diretivo. Usando da palavra, e de associações de ideias, o

capítulo 1 • 32
paciente deixa fluir livremente seus pensamentos e consegue, aos poucos, liberar
seus impulsos bloqueados espontaneamente, favorecendo a descarga de afetos ori-
ginalmente associados a ideias traumáticas reprimidas.
As psicoterapias individuais são aquelas que se processam entre duas pessoas,
o paciente/cliente e seu terapeuta. A postura do terapeuta frente ao seu cliente é
determinada exclusivamente pelo referencial teórico adotado.
Mas no geral se instituiu o tempo de cada sessão em 50 ou 60 minutos que
podem acontecer em uma, duas ou mais sessões semanais.
As terapias de grupo envolvem diferentes formas, dependendo do número de
participantes, dos objetivos; e usam de técnicas especiais para não perder o sentido
do trabalho a ser executado. O grupo pode variar de 7 até 10 pessoas, mas pode
ter mais participantes. No caso de muitas pessoas é conveniente se ter mais de um
psicoterapeuta. Em geral os grupos têm finalidades diversas, e podem ser de apoio,
de sensibilização, de análise, de consciência corporal e até mesmo de treinamento
de profissional.
O processo terapêutico como vimos acontece por meio da relação, portanto
ele não se dá nem no cliente/paciente nem no psicoterapeuta. Portanto é dinâmi-
co; se estabelece por meio de um método de tratamento sempre extraído de uma
teoria da personalidade. E tem como forma de tratar, a característica e finalidade
de “curar”, só que entendida como possibilidade de mudança daquele que se en-
contra perdido em conflitos pessoais.

O método traduz uma teoria e se fundamenta nela. Busca direcionar as práticas para
o alcance de uma mudança desejada, e que as técnicas usadas não se convertam em
intervenções e procedimentos desconectados.

RESUMO
Os pontos importantes do capítulo:
•  Você aprendeu que na atualidade temos um número grande de processos e de técni-
cas terapêuticas.
•  Viu que as teorias procedem de pontos de vista diferentes, segundo seus autores e suas
preocupações com o estudo da personalidade e seus processos de construção.
•  Percebeu que não se deve ficar fixado em exercer práticas de modo apenas técnico, por-
que podem resultar na perda da criatividade e alma do terapeuta.

capítulo 1 • 33
•  Estudou a origem do termo psicoterapia e como ele se desenvolveu juntamente, enquanto
prática, com as noções de doença mental.
•  Entrou em contato com os conceitos de saúde mental, de doença mental, normal
e patológico.
•  Aprendeu que em uma situação psicoterapêutica, a provável mudança esperada, como
meta do trabalho, se realiza na e pela relação terapêutica.
•  Observou a importância do estabelecimento do contrato terapêutico, da responsabilidade
dos pares envolvidos na relação, da comunicação oral e expressiva no procedimento, e o
estabelecimento do vínculo ou aliança terapêutica.
•  Entendeu a importância do preparo teórico, técnico e ético daquele que deseja ser
terapeuta.
•  Percebeu que é através da psicoterapia que as pessoas conseguem entender a origem de
seus conflitos psíquicos, e exercitarem a possibilidade de aceitar a si mesmos.
•  Verificou que para operar dita mudança, o paciente deverá se sentir aconchegado, acolhi-
do, e as intervenções do terapeuta não podem conter qualquer tipo julgamento.
•  Compreendeu que tem tipos de prática terapêutica, e que estas dependem dos tipos de
psicoterapia, da qualidade individual ou grupal; como também do método usado, ou diretiva
ou não-diretiva.
•  Consolidou a ideia que a base do processo de compreensão do comportamento humano
está na comunicação psicoterapêutica. Nela encontramos o dito e o não dito através das
formas orais e expressivas da linguagem.

ATIVIDADES
Vamos testar os seus Conhecimentos? Preparado?

01. Defina psicoterapia.

02. Qual o objetivo do estudo de teorias e técnicas psicoterápicas?

03. Como futuro psicólogo, em que lhe ajudará as informações vindas das pesquisas das
teorias de personalidade aplicadas?

04. O que você entende por relação terapêutica, aliança terapêutica, saúde e doença mental?

capítulo 1 • 34
05. Explique por que a terapia tem base na comunicação.

06. Quais os principais elementos que determinam a psicoterapia?

07. Em que momento da história da loucura podemos identificar o momento das seguintes
situações e as relacione, comentando como se dava cada prática correspondente: terapia
moral; a loucura precisa ser exorcizada; a psicose e seus delírios são manifestações de sen-
timentos e preocupações de seus portadores; associação livre de ideias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A História da Loucura. Disponível em: <https://psicologado.com/psicopatologia/saude-mental/
abordando-a-historia-da-loucura>. Acesso em: 23 jul. 2017.
Conceito de transtorno mental – O que é, Definição e Significado. Disponível em: <http://conceito.
de/transtorno-mental#ixzz4oLafzGej>. Acesso em: 23 jul. 2017.
CORDIOLI, A. V. Psicoterapias Abordagens Atuais. RGS: Artmed, 2008, 3. ed.
FOUCALT, Michel. Doença Mental e Psicologia. RJ: Editora Tempo Brasileiro, 2000.
MORO, M R; e LACHAL, C. As psicoterapias, modelos, métodos e indicações. RJ: Editora Vozes;
2008.
RIBEIRO, Jorge P. Psicoterapias: Teorias e Técnicas. São Paulo: Summus, 2013.

capítulo 1 • 35
capítulo 1 • 36
2
A psicanálise
A psicanálise
No capítulo anterior foi tratada a importância da psicoterapia nas suas diferen-
tes práticas. Sinalizou-se que mesmo com essas diferenças técnicas, a psicoterapia
tem sido sempre um processo em que uma pessoa chamada de cliente e outra de
psicoterapeuta buscam, por meio de lembranças de fatos do primeiro, o resgate de
seus conteúdos inconscientes. Por meio de um profundo mergulho em si mesmo,
o uso das técnicas visa proporcionar ao cliente/paciente o entendimento daquilo
que lhe é mais íntimo. O psicoterapeuta, por sua vez, conduz a dialética para que
o paciente possa se reconhecer, a fim de se entender e conseguir responder às suas
próprias angústias e dúvidas e, dentro de suas possibilidades, encontrar as respos-
tas que procura na solução de suas dificuldades.
O psicólogo, porém, como cientista preocupado com o seu fazer, vai cada vez
mais controlando, verificando e ajustando suas técnicas para que cientificamente o
seu agir possa dar conta de que o seu cliente, de modo mais ou menos consciente
e sistemático, procure por formas e fórmulas para resolver seus problemas men-
tais. A psicoterapia, como forma mais sistemática de contato humano, pertence,
no sentido científico, aos tempos modernos, datando praticamente do início do
século passado. A psicoterapia não nasceu da medicina, e sim foi fruto de uma
apropriação sistematizada do campo de investigação científica da psicologia, e seu
objeto de estudo: a subjetividade.

OBJETIVOS
•  Rever os conceitos fundamentais da psicanálise;
•  Apresentar os fundamentos teóricos da prática psicanalítica;
•  Contribuir para identificação e reconhecimento do conteúdo teórico e clínico da psicanálise;
•  Determinar objetivos, alcances e limitações da prática terapêutica.

capítulo 2 • 38
Considerações preliminares

©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 2.1  –  Sigmund Freud.

Foi com o surgir da figura histórica para a psicoterapia de Sigmund Freud


(1856-1939) que podemos dizer que ela tomou forma e ganhou prestígio e respei-
to como uma prática para a saúde mental. Freud nasceu em Freiberg na Áustria
e depois morou em Viena, e por ter migrado para Inglaterra – para escapar das
perseguições nazistas, morre em Londres em 1939. De formação médica, com
especialidade no campo biológico-naturalista sempre esteve motivado pelos fenô-
menos neurológicos, os quais tiveram grande influência na sua formação de psi-
canalista. Logo Freud se interessa pelos estudos de casos neurológicos e identifica
alguns casos em que as explicações da neurologia não conseguiam cuidar de certas
manifestações ou sintomas histéricos.
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 2.2  –  Josef Breuer.

capítulo 2 • 39
Descobre que os sintomas histéricos não eram casuais nem determinados por
aspectos neurológicos, e que eles “escondiam” forças dinâmicas e complexas que
precisavam ser estudadas profundamente. Trabalhando em parceria com o Dr.
Joseph Breuer (1842-1925), primeiramente com a hipnose, Freud veio a perce-
ber que os sintomas histéricos eram significativos a partir da história de vida do
paciente, pois não era sem razão que as manifestações histéricas se apresentavam
alternadamente em uma ou outra parte do corpo, fora as características compor-
tamentais típicas desta doença mental. Com a hipnose Freud constata que muitas
lembranças da infância, ou do passado histórico dos pacientes, tinham sido es-
quecidas, ou simplesmente expulsas da consciência. Mas quando estas memórias
eram recordadas, pela ausência da repressão consciente, o comportamento se mo-
dificava. Foi assim que Freud chega a ideia do inconsciente. Aos poucos Freud
abandona a hipnose, porque descobre que se mantivesse o paciente em estado de
relaxamento e deixando de lado toda a reflexão consciente para poder falar de ideia
livremente, o paciente experimentava um grande alívio de suas tensões psíquicas,
porque conseguia recordar fatos do passado bem distante. Ele então chama esse
método terapêutico de associação livre de ideias. No entanto, ele começa a ob-
servar uma tendência nos pacientes de se expressarem de modo muito intelectua-
lizado, repetindo imagens do passado de modo frio, como se estivesse resistindo a
entrar em contato com os sentimentos e emoções.
Freud dá o nome a este mecanismo de afastamento das emoções de resistên-
cia, e verifica na sua prática que quando ela se manifestava nenhuma mudança
se processava no comportamento posto que as emoções não eram consideradas,
e incorporadas ao relato. Começa então a também considerar como material de
tratamento e de análise essa dificuldade de unir as emoções com suas representa-
ções problemáticas contidas nas lembranças. Para Freud a simples comunicação
a um paciente de uma ideia reprimida por ele em determinada circunstância não
proporcionava de início efeito algum em seu estado mental, podendo até ser no-
vamente reprimida da consciência. Contudo, quando o paciente tendia a
reviver a situação nele por meio de sentimentos e percepções associados às figuras
parentais, ou pessoas significativas do passado, porque introjetou a figura do ana-
lista e projetando nele suas figuras do passado, a análise dessa situação resultava em
bom desempenho para o processo terapêutico ter continuidade.

capítulo 2 • 40
Seguindo com suas investigações, principalmente por meios da análise dos
sonhos, Freud descobriu a importância da sexualidade, sobretudo a infantil, na
origem psíquica (psicogênese) de processos patológicos. A sexualidade infantil
manifestada, sobretudo, pelo complexo de Édipo.

CONCEITO
O termo Complexo de Édipo, criado por Freud e inspirado na tragédia grega Édipo
Rei, designa o conjunto de desejos amorosos e hostis que o menino enquanto ainda criança
experimenta com relação a sua mãe”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Com-
plexo_de_Édipo>. Acesso em: abr. 2018.

Freud vai chamar de "libido" a força psíquica de natureza sexual presente em


todas as pessoas, por ser a representante de todas as manifestações do instinto de
vida. Na compreensão da dinâmica da personalidade freudiana, o conceito de
instinto ocupa um lugar importante. Para Freud o instinto desempenha papel pre-
ponderante na atividade psíquica, e tem uma representação psicológica inata por-
que procede de uma fonte somática de excitação. A representação psicológica do
instinto se chama desejo, e a excitação corpórea que o causa se chama necessidade.
Ou seja, enquanto o desejo não tem um objeto concreto, pois é uma fantasia, a
necessidade ao contrário já se dirige a uma satisfação, por exemplo; sinto fome,
busco comida. Assim o instinto é Freud um quantum de energia psíquica, tradu-
zida em uma medida ou quantidade daquilo que a mente necessita para funcionar.
Todo instinto tem uma fonte, uma finalidade, um objeto e um impulso, havendo
dois grandes grupos de instintos: instinto de vida e instinto de morte.

CONCEITO
•  Quantum é uma palavra latina que designa quantia ou quantidade.
•  Instinto de vida é o portador de Eros, necessário para manutenção da sobrevivência e
sustentação da vida, e o de morte ou Thanatos se refere aos comportamentos autodestru-
tivos, ou à agressão e violência.

capítulo 2 • 41
A personalidade se edifica, na teoria freudiana, por meio dos estágios oral, anal
fálico e genital, e entre pulsões ou impulsos de vida e de morte. Tais estágios são
altamente significativos na estruturação da personalidade. Por meio deles, a pessoa
se percebe amadurecendo e se diferenciando das demais pessoas. No entanto o
indivíduo pode estacionar e ficar “fixado” mais em uma fase que em outra. Essa
situação de fixação traz consequências visíveis para o próprio processo de amadu-
recimento emocional.

CURIOSIDADE
Esse pequeno resumo da teoria da personalidade de Freud mostra como seu trabalho
indicou e continua indicando caminhos na análise e na compreensão do comportamento hu-
mano. A análise ou a psicoterapia de base analítica se utilizam desses conceitos na tentativa
de compreender toda e qualquer situação humana.

A psicanálise: do surgimento da hipnose à técnica psicanalítica

A psicanálise tem seu nascimento como teoria a partir do uso da hipnose.


Enquanto origem, podemos dizer que Freud, inspirado pelo hipnotismo, passou
da hipnose à catarse, e da catarse à análise como método de interpretar o discurso
do paciente. Freud inicia a teoria apoiado nos resultados de trabalho clínico, e na
anotação das observações sobre as suas intervenções, compondo o corpo de sua
teoria. Inicialmente, como já foi dito anteriormente, Freud começou a trabalhar
com outro médico, o dr. Joseph Breuer. Este último usava também a hipnose no
tratamento dos distúrbios histéricos. Em um primeiro momento, ambos tinham a
curiosidade científica de desvendar o papel essencial da palavra nas sessões de hip-
nose, pois ambos estabeleciam, com seus pacientes, conversas em que os levavam
ao reconhecimento do motivo psicológico causador do mal-estar. Surge a partir
daí o conceito de talking cure, dado a este método de “conversar”, mesmo hipnoti-
zado, fazendo da palavra um instrumento libertador e da suspensão dos sintomas.
Com essa observação do efeito da palavra na liberação do sintoma, Freud conclui
que se a palavra pode substituir os sintomas, logo essas manifestações só podem
ser substitutas de atos psíquicos normais. Por outro lado, Freud descobre que “esta
palavra recuperada” vem acompanhada de uma descarga emocional que estava
reprimida e, por tanto, o resultado desta libertação emocional é uma catarse.

capítulo 2 • 42
CONCEITO
Catarse significa uma purificação, mas na teoria freudiana, ganha o status também de
possibilitar o alívio da tensão psicológica pela limpeza simbólica que produz ao ser reproduzi-
da essa tensão, mas liberada da censura da consciência pelas palavras pronunciadas.

A partir destas deduções, vindas da experiência clínica, dois postulados teóri-


cos podem ser compreendidos por meio delas. Um deles é a hipótese de processos
inconscientes, da qual não se pode escapar pela evidencia vinda à tona produzida
pelas experiências. Outra questão colocada é que algumas representações mentais
(memórias, fantasias) não podem então ser expressas na sua totalidade na cons-
ciência. Em função disso, Freud argumenta a possível existência de um traumatis-
mo psíquico. Por esse trauma Freud vem a explicar como a dor do que foi vivido
deu lugar a esta substituição pelo sintoma. Apesar de seu companheiro Breuer
permanecer ligado a esta noção, Freud se afasta dela porque considera a raiz do
problema a presença de um conflito na mente do indivíduo, o qual se opõe às ten-
dências da vida psíquica, e que favorece uma recusa de encará-lo, formando uma
necessidade de retirar de alguma forma esta representação da consciência. Esta
noção de conflito, que leva em conta as representações inconscientes, introduz a
noção de inconsciente e o modo como Freud irá se referir ao fato de ser o compor-
tamento humano inconsciente para quem o produz, quando este se encontra to-
mado pelo conflito psicológico. Esta parte doente do próprio paciente é o produto
de um processo psíquico, o qual tem como fato psíquico as representações mentais
que precisam ser recuperadas pelo tratamento. Freud sai então do campo da
identificação da patologia, e cria a psicanálise tanto como um método de pesquisa,
como uma teoriae ao mesmo tempo método de tratamento.
Freud vai abolira distância entre o paciente e o médico. Quando usa a hipno-
se, a sugestão é sua ferramenta essencial. Ao recusar a hipnose, automaticamente
ele também recusa a sugestão. Ao se distanciar em relação ao tratamento com a
hipnose surgem a partir dessa questão dois parâmetros: o primeiro se situa na
pontuação de que o fato no estado hipnótico, há no paciente uma real amplifi-
cação das associações de ideias. Mas mesmo o pensamento não seguindo mais as
determinações impostas pela realidade, e pelo modo discursivo da consciência,
não é possível educar o paciente e fazê-lo comprometido a dizer tudo o que lhe
vem à mente. Nasce então a regra fundamental da técnica que é a associação livre.

capítulo 2 • 43
A postura semelhante e simultânea no psicanalista é a atenção flutuante, que exige
dele ausência de julgamentos, e de expectativa sobre o que vai dizer o paciente.
Nesta rede associativa, alguns traços, que eram até então lixos do discurso cons-
ciente, tornam-se mais soltos da censura imposta pela consciência.
Assim, Freud verificou a presença, por exemplo, dos lapsos de memória, das
ideias súbitas e incongruentes. Mas é sem dúvidas que a aplicação da técnica da
livre associação aos sonhos a que valoriza melhor a característica flexível desta téc-
nica e seus aspectos dinâmicos de estabelecer um diálogo entre o que se encontra
inconsciente no material consciente. Por meio da interpretação dos sonhos, Freud
consegue demonstrar como a livre associação permite um acesso ao inconsciente e
quais são os processos psíquicos que estão em jogo.
Num segundo momento, ou segundo parâmetro, Freud deixa claro que os
dois parceiros, o analisando e o analista, não se comportam como investigadores
direcionados a algo. O que ocorre e que permite o tratamento propriamente dito
é a relação particular que se estabelece entre ambos, e sem a qual a análise não
seria possível ocorrer o processo de cura da alma. É essa relação que mantém o
analisando em sua busca, bem como o analista em sua escuta, a qual Freud vai
chamar transferência. O problema todo será o de fazer com haja um despregar-se
da transferência, pois ela traz, por meio de um simples efeito de sugestão do tera-
peuta, o mesmo efeito conseguido por meio da hipnose, o que seria um retrocesso
ao tratamento psicanalítico.
Se certos pensamentos foram descartados da consciência devido a processos
como a repressão, tais como a rejeição e a negação, as forças presentes nessa “brin-
cadeira”, feita pela repressão, se manifestarão por meio de modos de resistência
que se opõem aos esforços para trazer de volta à consciência as lembranças do-
lorosas. É essa questão da resistência que se tornou um dos fatores essências no
tratamento das neuroses. No entanto, para “poder furar” essa resistência, o analista
deve proceder com interpretações, que não são sugestões de fazer isso ou aquilo,
por exemplo, muito conveniente como ação ao analista, mas sim de reconstrução
empírica – com base na história do paciente e em seus relatos do cotidiano – dadas
pelas associações e contemplando os conteúdos presentes nos sonhos, nos lapsos
de memória, e nos atos falhos. O fator da “sugestão” só cabe aqui no relativo às
tentativas do analista de persuadir seu analisando a prosseguir com o trabalho de
associação livre das ideias, para poder conseguir superar suas próprias resistências.
A forma como se realiza o tratamento, ou melhor, o enquadramento do
processo psicanalítico fica determinado pela presença do divã, pois com fins de

capítulo 2 • 44
estabelecer o relaxamento necessário da consciência, o analisando deve deitar-se
no divã e o analista deve se posicionar atrás do mesmo. Dessa maneira evita-se,
segundo Freud, o inconveniente do analisando se sentir “olhado e pressionado
com o olhar” de seu analista. Com também visa, com essa postura do divã, que o
analisando se despregue de todas as exigências do mundo exterior, e se concentre
em si mesmo.
O enquadramento também se faz por meio da determinação do número de
sessões semanais, e do pagamento dos honorários, e a união de todas essas condi-
ções forma o quadro ou o setting analítico.

Teoria e evolução da técnica

A teoria psicanalítica se sustenta no seguinte esquema de trabalho, o qual pode


ser seguido por todas as linhas e correntes:

Conflito psíquico forma a repressão. Essa por sua vez, a repressão, origina o retorno do
material reprimido, e esse material não integrado à consciência vai forma o inconsciente.

O conflito psíquico é sempre um produto, segundo Freud, das complicadas


interações entre desejos de natureza sexual com as necessidades adaptativas. Ele, o
conflito, é o edificante da estrutura psíquica humana, pois Freud parte da determi-
nação que a força sexual é a origem das neuroses. Em seguida ele reconhece qual
a parte determinante da sexualidade no desenvolvimento normal do ser humano,
incluindo em sua proposta o desenvolvimento infantil.
Esta noção de sexualidade é muitas vezes mal compreendida. Freud vai cha-
mar como o lado psíquico da sexualidade, enquanto impulso, de libido. Essa ener-
gia psíquica, a libido, pode tomar formas diversas e não são finalizadas no sentido
do ato sexual propriamente dito. A parte psíquica da sexualidade, como impulso
à ação, é definida por Freud como pulsão. Esta última gera desejos, os quais não
aceitam nem reconhecem as regras da realidade. Essa variável “o desejo” que não é
controlado por nenhuma regra social, cultural e moral, produz o conflito psicoló-
gico sempre quando esse desejo entra em contato com a realidade, e da “colisão”
entre ambos surgem à formação de fantasias, que ficam como fantasmas atormen-
tadores a vida psicológica. Assim, Freud substitui a ideia de traumatismo precoce,
aquele que, inicialmente em suas pesquisas com Breuer, era considerado a origem

capítulo 2 • 45
dos problemas mentais, pela ideia da função da fantasia, que age como um “fan-
tasma”, e sendo uma espécie de traumatismo imaginado.
Como foi dito anteriormente, Freud fala de uma edificação da psique. Por isso
ele fez a proposta para uma abordagem desenvolvimentista. Para tanto, o autor
postulou que essa construção psicológica se faz por meio de uma fonte chamada
por ele de psicossexual. Isto é, por psicossexual Freud quis dizer o seguinte: todo
bebê é colocado em situações de angústia em função de sua imaturidade biológi-
ca. Para amenizar essa situação a intervenção do outro se faz necessária, devido
a essa “incompetência” da criança pequena para poder resolver seu incômodo. A
pessoa que pode aliviar essa situação de desconforto é a mãe, que além de acalmar
a aflição, favorece com esse ato as primeiras satisfações sentidas pelo bebê, como
por exemplo a da fome. Essa intervenção externa ao bebê, a figura da mãe, se liga à
primeira relação do desconforto do bebê com a consequente experiência do prazer
por ele sentida. E ela vai se constituir como a primeira representação da presença
do outro, como também em uma forma definitiva de experiência de prazer. A
mãe, enquanto a portadora do prazer, se torna o objeto de desejo do filho.
No entanto a temporalidade dos desejos não é linear, isto é, não está em uma
relação direta de causa e efeito; pois eles, os desejos, por serem inconscientes,
podem perdurar por toda a vida do indivíduo, e com eles suas características “in-
fantis" na vida psíquica. O que ocorre é que as experiências posteriores vão se as-
sociando às experiências primeiras e infantis, dando-lhes secundariamente um ou
vários significados em rede, formando os complexos. Logo, para a prática da psi-
canalítica necessita da reconstituição, na relação terapêutica, da história infantil.
Esse resgate é um objetivo importante da técnica psicanalítica, porque possibilita a
cura da alma, realizada pelo entendimento estabelecido entre os laços criados com
o momento atual da vida psicológica do indivíduo e sua história infantil, dando a
possibilidade de constituir uma experiência de cura.

CONCEITO
Complexo é o que contém muitos elementos ou partes, formando conjunto de circuns-
tâncias ou atos ligados ou relacionados os quais podem ser considerados na psique sob os
mais diferentes significados.

capítulo 2 • 46
A repressão como mecanismo de formação do inconsciente

Quando persiste na psique, a presença de desejos correspondentes a questões


de natureza infantil, esse fato explica a causa dos conflitos psíquicos. Desse modo
é como surgem tanto a repressão por um lado, como por outro, o fracasso parcial
da intenção para a realização do desejo, como os dois efeitos correspondentes à
aderência aos motivos infantis. Assim, o inconsciente vai se formando, já que
para Freud a repressão corresponde ao mecanismo de censura responsável por sua
origem; e este (o inconsciente) só poderá ser conhecido por meio de inferências,
ou indícios.

Portanto você aluno pode deduzir, ou fazer a seguinte inferência, que a prática da
psicanálise só pode ser executada se for considerada a existência e os efeitos do
inconsciente.

O inconsciente, então, deve ser entendido como toda a situação que não é
consciente, mas principalmente, segundo as pesquisas psicanalíticas, por meio de
sua formação do material reprimido. Freud também verificou ser o inconsciente
um sistema organizado, instituído por regras próprias, e com conteúdos inacessí-
veis à consciência, a menos que pelos seus indícios.
Como o conhecimento do material inconsciente só pode ser feito a partir
daquilo que é produzido pela própria ação do indivíduo, e que aparece nos seus
comportamentos, em função da repressão ter fracassado, mesmo que parcialmen-
te, em sua função: a de afastar do estado consciente os conteúdos considerados
materiais inapropriados.
O retorno do reprimido a consciência se manifesta, segundo o autor, em pen-
samentos e atos, que por serem de origem inconsciente, são os que podem realizar
ditas inferências, já que eles são a expressão dos desejos represados anteriormente,
mesmo quando ainda há forças de censura que se opõem a esta expressão.
Logo, a melhor técnica considerada como mais eficaz e usada por Freud foi
consideravelmente a análise dos sonhos, já que estes são expressões de tudo como
esteve envolvido na formação do inconsciente.
O sonho exprime um desejo inconsciente de modo disfarçado, o que o faz
ter um aspecto incongruente e incompreensível na maioria das vezes. Sua forma-
ção se dá por mecanismos, chamados pelo autor, de condensação, deslocamento
e figuração.

capítulo 2 • 47
Na condensação, o sonho tem a função de unir, juntar, integrar ou “con-
densar” pensamentos apresentados sob a forma de um elemento só formando a
imagem onírica. Essa última, por sua vez, tem um cenário composto por figu-
rantes. Dessa forma a imagem conjuga muitas vezes vários elementos que estão
inconscientes para o sonhador, mas nos quais os significados estão ocultos nos
componentes do sonho.
O deslocamento já é considerado para Freud como processo essencial do so-
nho; pois ele é o responsável por transportar para um elemento considerado como
de mínima importância para a consciência, para escapar de sua censura, uma in-
tensidade afetiva que caberia de fato a outro objeto desejado. Como os processos
de figuração são numerosos, para entender seus significados, ou o que querem
“dizer”, são necessários, por exemplo, estabelecer associações lógicas para com as
expressões oníricas manifestadas, buscando por meio delas o entendimento de
"quando", “porque" “como “algo aconteceu para o sonhador”.
O sonho pode de fato utilizar diferentes processos, por exemplo, mudar uma
imagem para outra, de modo que essa nova representação imagética possa traduzir
determinada situação, sem sofrer a censura da consciência; como pode também
arrumar um outro tipo de vínculo lógico.

Assim, a sucessão de cenas no sonho algumas vezes pode ser lida como encaixes de
peças representantes de uma situação, a qual está subordinada a uma outra proposta
principal.

Freud também vai dar evidência aos processos utilizados pelo psiquismo, mas
que se apresentam de outro modo diferente dos sonhos. São eles os lapsos de
memória, os atos falhos e as fantasias. Ele consegue mostrar que os sintomas neu-
róticos dependem dos mesmos processos inconscientes e, portanto, podem ser
considerados como material reprimido pela censura, bem como as memórias da
infância que condensam elementos reais e imaginários.
Entre as fantasias particularmente importantes estão aquelas que se referem ao
que Freud definiu como o Complexo de Édipo, forma mais difundida da estrutu-
ração pré-consciente da personalidade. Um dos componentes centrais do comple-
xo de Édipo é nos meninos a angustia da castração.

capítulo 2 • 48
A sexualidade infantil: o trauma como imaginação

Freud inicialmente buscou determinar a origem das neuroses (ou etiologia da


neurose) qual era a sua causa. A princípio, Freud pensou que a neurose seria causa-
da pelas experiências sexuais muito precoces. Com o passar do tempo, verifica que
essa constatação se torna muito repetitiva para ser real, o que lhe faz desistir desta
hipótese e lança a ideia de tornar evidente que a criança dispõe de uma sexualida-
de. Ele percebe e formula que de fato não se encontram lembranças de experiência
vividas que tenham provocado este tipo de traumatismo de experiência sexual de
fato, mas sim da existência de fantasias que levam a Freud a estabelecer que o tema
da sexualidade infantil continue sendo o ponto fundamental de sua teoria. Mas é
preciso constatar que Freud não observava diretamente as crianças e que todas as
descrições que ele vai dar sobre esta sexualidade na infância são inferidas, de um
lado, de relatos feitos pelos pacientes durante o tratamento e, de outro lado, de
conhecimentos sobre a criança propostos pelos especialistas de sua época.

ATENÇÃO
O termo Complexo de Édipo criado por Freud e inspirado na tragédia grega do Édipo
Rei. Mas em Freud, a tragédia grega serve para ilustrar como o filho pode ter desejos amo-
rosos e hostis que experimentado ainda criança com relação a sua mãe. Esse fenômeno
psíquico também ocorre nas meninas com relação ao pai.
Disponível em: <:pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_de_Édipo>. Acesso em: abr. 2018.

As fantasias, ou as simbologias em jogo no Complexo de Édipo, por exemplo


se originam como tentativa da psique de organizar todos as manifestações sim-
bólicas associados à mesma temática edipiana. É interessante ver os elementos
principais da estrutura fantasiosa configuradas em um só complexo. Por exemplo
imaginemos um jogo de lego pelo qual pequenas peças começam a ser encaixadas
e dão origem a uma construção. Então, o complexo seria esse conjunto de afetos,
originados por diferentes desejos reprimidos vão dando lugar a uma estrutura, que
tal como o lego, permitem que os afetos contidos nos desejos possam ser mon-
tados, desmontados e representados de diversos modos, porém conservando, ao
mesmo tempo que essas mudanças ocorrem, os seus mesmos elementos afetivos.
Assim se entende que tal lembrança ou tal cena fantasmática, no sentido de ser

capítulo 2 • 49
uma imaginação e não uma vivência real, pode ser "compreendida" de modo di-
ferente de acordo com os diferentes momentos em que se apresenta tal fenômeno
complexado, pois o fato psíquico será exposto segundo o lugar que o analisando
atribui aos personagens, e as suas ações incluindo-se como proprietário do lugar
no cenário. Além disso, os afetos que aparecem neste cenário são móveis, associan-
do muitas vezes prazer e desprazer, sofrimento e bem-estar, e podem fixar-se de
modo reversível a este ou aquele aspecto do cenário.
Toda a atividade mental, portanto, é acompanhada, mantida, animada, in-
fluenciada e apoiada pelas fantasias inconscientes e, por conseguinte, como não
podem ser constatados procura-se pela psicanálise de reconstruir a situação trau-
mática, a partir de fantasias conscientes com as constantes nos sonhos, e associações
do paciente. Em princípio, para Freud os complexos estão centrados em torno de
dois eixos: o do domínio sexual ou agressivo, relativos à relação de uma figura de
autoridade sobre outra sem poder. As fantasias inconscientes podem ser ativadas
por experiências reais ou encontros que atraem os afetos reprimidos e complexa-
dos, frutos de outros desejos não logrados, e produzir então novos desejos e seus
consequentes comportamentos cuja proveniência o sujeito não compreende.
Seguindo suas observações clínicas e os resultados que estava conseguindo
com seu trabalho, Freud elabora uma teoria do funcionamento psíquico, o qual
explica certo número de fenômenos descobertos por ele de modo bem coerente.
Ao escrever seu projeto para uma psicologia científica, Freud cria dois "tópicos",
com o auxílio das ciências de sua época, reescrevendo suas observações clínicas de
modo a ajustar e verificar suas teorias do momento.

Os tópicos freudianos

O autor elabora, primeiramente, dois tipos de diferenciação do aparelho psí-


quico que ficaram conhecidos como sendo tópicos. A primeira versão do funcio-
namento psíquico foi apresentada no Projeto para uma psicologia científica que
data de 1895. Resultam deste trabalho os dois tópicos elaborados por Freud.
O primeiro tópico foi apresentado no livro A interpretação dos sonhos, pu-
blicado em 1900 e o segundo, no artigo “Além do princípio do prazer” datado
de 1920. O primeiro tópico está fundado na noção de repressão que já foi ex-
plicada aqui nesse capítulo. Por ele o aparelho psíquico é diferenciado entre o

capítulo 2 • 50
inconsciente, como o lugar das representações das pulsões reprimidas; já o pré-
consciente seria o local na psique das representações não reprimidas, por isso são
possíveis de serem atualizadas; e, por último, e não menos importante, ele concebe
a noção do consciente, pelo qual se dá a atividade de consciência, no seu sentido
mais comum do termo, definida como a função que pode ser assimilada ao ego,
como lugar de síntese e de organização da subjetividade.
Neste primeiro esboço sobre a estrutura psíquica, o tópico faz o consciente
e o pré-consciente serem os responsáveis pelo exercício de forças sobre algumas
representações, de maneira que elas permaneçam inconscientes, isto é, reprimidas.
Entretanto, Freud fez algumas descobertas que o levaram a pensar que o pro-
cesso de repressão não é voluntário e consciente, mas que ele acontece sem o
conhecimento do paciente. Isso se manifesta, por exemplo, na reação terapêutica
negativa, pela qual o paciente, mesmo com uma vontade de mudar, resiste de
maneira inconsciente a esta mudança esperada por ele. Também verifica certo
comportamento repetitivo, o qual ele chama de compulsão de repetição, e que
leva o paciente a sempre repetir as mesmas sequências nas relações e nas situações.
Aliado a essa compulsão fica evidente, para Freud, uma pulsão fundamental e mais
forte que a busca de prazer, a qual ele define como pulsão de morte.
A partir destas constatações, o segundo tópico surge reconsiderando o con-
ceito do ego como possuidor de uma parte que não pode ser assimilada à cons-
ciência. A partir dessa colocação, o ego torna-se uma instância psíquica mista. O
inconsciente é reconsiderado, pois não é mais um "lugar" e sim uma qualidade
que é atribuída às diferentes instâncias do aparelho psíquico. Essas instâncias são
definidas neste segundo tópico como sendo ego, id e superego.
O id é uma noção mais figurada, porém detentor de forças associadas ao as-
pecto biológico do ser humano (instintos). O id se liga aos instintos que, por
fazerem parte do psiquismo, recebem o nome de pulsões e também aos aspectos
associados à autopercepção perceber em si mesmo as flutuações das pulsões, que
ocasionam estados de tensão interna, que podem tanto trazer a satisfação como a
insatisfação. Já o superego vem a ser a incorporação da imagem paterna, a partir
da passagem pelo Édipo. O superego é, então, uma instância em que os processo
agem na moral, na melancolia ou na consciência moral.

capítulo 2 • 51
CONCEITO
©© WIKIMEDIA.ORG

O termo narcisismo vem do mito grego


sobre a história NE Narciso. Segundo a mito-
logia, Narciso, ou o autoadmirador correspon-
de, na mitologia grega, a um jovem famoso
por sua beleza e orgulho dessa qualidade de
ser belo. Segundo a lenda, Narciso morre afo-
gado após ver sua própria imagem no espe-
lho d’água de um lago.
A imagem a seguir, do pintor renascen-
tista Caravaggio, retrata o momento anterior
a sua morte, quando Narciso fica deslum-
brado com sua própria imagem, e, por estar
totalmente tomado por ela, quer beijá-la e tê-la para si a todo custo, pensando ser uma pes-
soa. Como não consegue, acaba se afogando ao buscá-la sob as águas.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Narciso>. Acesso em: abr. 2018.

O narcisismo

O termo narcisismo se tornou uma palavra-chave da psicanálise e da lingua-


gem comum. Por isso é importante explicá-lo como conceito.
O autoerotismo é uma satisfação conseguida pelo indivíduo em contato com
seu corpo, sem precisar da presença de um outro na situação interativa. Assim,
o prazer que o bebê sente, por exemplo, quando ele suga o seu dedo. Contudo,
Freud, primeiramente faz distinção entre o autoerotismo e o narcisismo. Mais
tarde, ele voltará a esta diferenciação falando de um narcisismo primário, caracte-
rizado por um estado de indiferença total frente a todos que o cercam no seu meio.
Como também vai falar da confusão estabelecida entre o ego e o id, o que faz o ego
ser completamente investido pelas pulsões. Isso seria também uma primeira forma
de unificação do sujeito, de constituição de um ego primário.
Sabe-se que todo objeto relacional se constrói por meio das relações estabelecidas
pelo bebê com o outro. Esse objeto se configura como parcial, ou seja, como uma
espécie de complemento à necessidade de satisfação da tensão pulsional dirigida

capítulo 2 • 52
ao seio como aquele que tem poder de satisfazer a pulsão oral. Mas é também um
objeto-pessoa, porque o bebe vai incorporar, pela sua identificação com o objeto de
prazer – o seio –, uma imago encarnada por todas as pessoas que se ocupam dele,
mas estando sempre em primeiro lugar a mãe. O narcisismo é antes de tudo a iden-
tificação com este outro, a imagem como a de um espelho, que o sujeito adquire de
si mesmo por interiorização do modelo do outro. Portanto é uma interiorização ao
ego do bebê, que se constitui neste momento, por meio do investimento do objeto.
Porém este retorno ao agora, pelo qual não há diferença entre autoerotismo e narci-
sismo, esse retorno ao ego passa a ser considerado como um narcisismo secundário e
vai fazer uma cisão na libido entre libido do ego, e libido do objeto.
O termo narcisismo vai designar as diferentes formas de amor de si mesmo
como objeto sexual que pode descrever no ser humano. O narcisismo também
está ligado às manifestações patológicas de personalidade, primeiramente às psi-
coses, na paranoia, por exemplo, este investimento narcísico do ego é extremo e
coexiste com um rebaixamento dos outros do objeto; em segundo lugar, às per-
sonalidades com traços perversos, como é o caso daqueles que são chamados na
atualidade de narcisistas perversos.

A prática psicanalítica

A psicanálise tem como finalidade fazer o paciente regredido realizar a partir das
cadeias associativas do que é manifesto em sua linguagem para descobrir o conteúdo
latente que subjaze por detrás das palavras-imagens. Por exemplo, ao analisar um
sonho, o terapeuta deve seguir as indicações dos elementos que o compõem, fazendo
o analisando confiar em suas associações de ideias e chegar assim aos pensamentos
latentes que formaram o sonho, sempre com a ajuda do psicanalista. O sonho é
formado, como já foi dito, por fatos do dia anterior, símbolos etc.
De posse desses dados trazidos pelo paciente, o analista fará a interpretação
deles, pois é a partir dela (a interpretação) que se constitui a técnica essencial do
psicanalista: a análise do discurso. Outro elemento importante para essa técnica é
a análise da transferência. Por transferência Freud entendeu a projeção de desejos
inconscientes sobre representações pré-conscientes, estabelecendo com essas ima-
gens relações afetivas desvirtuadas de seu real destino. Isso ocorre porque essas
conexões focam os afetos, as emoções, dirigidas a outras ideias secundárias ao
conflito psíquico.

capítulo 2 • 53
Explicando melhor, se uma pessoa encontra outro sujeito, ou outra situação
que possa receber estas ligações desvirtuadas de seu objeto original de investi-
mento, mas que por serem tentativas semelhantes ao material reprimido se conse-
gue obter, para Freud, a cura psicanalítica.

É por conta da relação terapêutica que no andamento da análise os desejos inconscien-


tes se projetam sobre a pessoa do psicanalista.

Logo, se essas transferências são muito fortes enquanto intensidade afetiva e,


se não são interpretadas pelo analista, elas podem impedir a progressão do traba-
lho psicoterapêutico. O psicanalista deve, portanto, utilizar de maneira adequada
sua própria pessoa e as características do setting, de modo que a psicanálise, como
método de trabalho, se realize por meio do confronto, por meio dos dois parceiros
colocados frente a frente.

Características e limites da psicanálise

Podemos dizer que os problemas com os quais se defrontam todos os psicana-


listas estão associados aos seguintes fatos: o espaço em que se dá a relação, o ma-
nejo da transferência a técnica da interpretação. Como também podemos incluir
aquelas questões relativas ao que Freud chamou de limites do analisável, a duração
do tratamento e seus fins assim como a transmissão e a formação dos psicanalistas.
Por limites do analisável se entende o fato que ocorre quando a relação parece estar
comprometida em seu efeito.
Não é apenas uma interrupção do processo analítico, o qual costuma ocorrer
quando este processo (o terapêutico) fica emperrado ou estancado, mas sim um
estado de impasse estrutural na situação terapêutica, e gerando um fracasso do
tratamento. Como a relação se torna um campo de forças, devido à união da in-
tensidade afetiva, contida na transferência, com a reação repentina decorrente da
reapresentação no setting de algo da história do sujeito na situação em questão,
o terreno da percepção e da experiência, aos quais são necessários ao trabalho
psíquico, para ampliar o repertório psíquico do sujeito, o analista, ao se colocar
como apoio ao recuo do paciente em direção à interioridade daquele faz ocasionar,
pelo transporte, a convocação à cena das representações investidas de afeto. Esta
situação autoriza a manifestação da loucura pessoal, e com ela – loucura pessoal
– a possibilidade do fracasso ou da anulação do tratamento, em função de novas

capítulo 2 • 54
configurações na psique do paciente que podem provocar resultados como a psi-
cose, nos quais se apresentam episódios de alucinação ou de vivências de mutila-
ção; como podem ser vistos nas somatizações das manifestações psicossomáticas;
e como também na psicopatia por meio de comportamentos que passam de um
simples agir ao ato propriamente dito.
Assim é pelo manejo da transferência e seu uso para fins terapêuticos, que se
caracteriza a psicanálise como um instrumento que possibilita a cura, porque per-
mite captar os afetos ocultos. O número de técnicas a disposição do psicanalista é
limitado, pois temos que excluir os conselhos e as sugestões que o analisando de-
manda. A distinção entre a interpretação e a sugestão não é muito clara, mas é bem
necessária para determinar especificamente o que é a técnica. A interpretação tem
o objetivo de que o analisando reconstrua sua própria história, isto é, que por meio
de suas lembranças consiga penetrar naquelas memórias, em que há repressão e
formações do inconsciente. Ao lado das interpretações, a linguagem do terapeuta
tem base no uso de metáforas.
Outro tipo de interpretação importante é a construção e reconstituição de
períodos esquecidos da infância, a fim de determinar os períodos de vida, antes
configuradas de modo desorganizado e confuso, para unir aos respectivos e dife-
rentes pensamentos até então existentes sobre os fatos causadores dos conflitos.
Logo a psicanálise exige um trabalho que necessita de tempo para o analista
poder executá-lo, mas também dependente do processo do analisando.

Os limites do analisável

Muito embora, com toda a interpretação e tentativas de construção da vida


afetiva, auxiliadas pela análise da transferência, é bem verdade que uma parte da
vida psíquica ainda fica fora do alcance da consciência. Isso acontece em função
do que Freud chamou de estrutura psíquica e não um fracasso da técnica psicana-
lítica. Trata-se de uma parte do material reprimido continuar fora do resgate da
memória, e que ao mesmo tempo persiste, mas que se evidenciam sob a forma de
repetições. Freud chamou este fenômeno de repetição de automatismo psíquico,
porque ele é diferente das formações do inconsciente (apesar também de serem
feitos da repressão de desejos) porque ele não atende a necessidade da satisfação de
pulsões inconscientes.
A aparição desses “automatismos” Freud vê como uma manifestação seme-
lhante à pulsão de morte. Porém, são estes automatismos de repetição – depois

capítulo 2 • 55
chamados de compulsões – os responsáveis por questões essenciais da história do
analisando. Estes são as chamadas resistências, que são muito difíceis de vencer.
Logo o processo de análise também passa a englobar a análise das resistências.
Portanto, a técnica psicanalítica se difere, segundo os psicanalistas, de outras
psicoterapias porque não visa apenas ao desaparecimento dos sintomas. Cada sin-
toma para a psicanálise tem um valor próprio que só será reconhecido no curso
da psicanálise. É por isso também que não se pode determinar a duração do
tratamento, bem como quando será o seu término, já que ambas decorrem em
parte das considerações precedentes. Contudo, como toda técnica nova, após al-
guns períodos de grande eficiência de seus resultados, percebe-se que nem todas as
aplicações da psicanálise se revelam eficazes, ou mais longas.
Em certos casos, é a própria exigência do paciente de querer o desaparecimen-
to de seus sintomas acabou por acarretar demandas mais difusas, a busca pelo que
é mais "essencial" acaba fazendo o paciente questionar a prática e a interromper
seu processo. No entanto, se verificaram fracassos em muitos outros casos, medi-
dos pela persistência dos sintomas e de sua repercussão na vida do sujeito.
Como no começo do tratamento não é fixado exatamente o término, e como
objetivo do tratamento não é claro para o paciente, este acaba por desistir. Contudo,
por ser uma abordagem científica, é claro que estes contratempos começam a preo-
cupar seus adeptos, como os levam a elaborar e a buscar sobre como seria a deter-
minação para um fim ideal de uma análise. Surgem, das discussões que se seguiram,
os seguintes parâmetros para as definições de término: o desaparecimento dos sinto-
mas, o desabrochar das relações afetivas e a adaptação social como principais fatores
a serem observados. Freud, no entanto, vai determinar que um processo analítico
efetivo necessita prover o indivíduo de condições psicológicas mais favoráveis às
funções do ego, e somente aí se pode considerar sua tarefa como cumprida.
Logo começam também, entre os estudiosos da psicanálise, a preocupação
relacionada às questões de transmissão do conhecimento e prática psicanalíticos,
portanto precisamente da formação de um psicanalista.
A formação passa forçosamente pela experiência pessoal do tratamento, ou
seja, pela própria análise do futuro terapeuta, chamada de análise didática, bem
como pela supervisão dos seus primeiros casos em atendimento. Mas a essa forma-
ção pessoal se vincula o necessário e indispensável estudo aprofundado da teoria e
da parte clínica, que inclua os aspectos principais do trabalho freudiano, as demais
correntes da psicanálise, e também conhecimentos sobre a psicologia em geral,
sobre as doenças mentais e a psicopatologia.

capítulo 2 • 56
Indicações da psicanálise

Freud, com relação às indicações para psicanálise, enumerou no início de sua


teoria alguns casos nos quais ele a considerava impossível de ser aplicada. Porém
foi com seus seguidores que aconteceu uma aplicação mais ampla do método.
Então da estruturação do tratamento clássico aparecem as indicações e contraindi-
cações. Critérios de inclusão à técnica e de exclusão a mesma passam a ser tratados
segundo as seguintes classificações: com relação ao diagnóstico, à estrutura, ao
problema da idade e ao tipo sociocultural.
Os critérios diagnósticos passam a ser validados pelas indicações, por exemplo,
às neuroses e, particularmente, às chamadas "neuroses de transferência", como a
neurose de angústia, histeria, neurose obsessiva, neurose fóbica.
As contraindicações são estabelecidas nos casos psicóticos e nas perversões,
ainda que, como veremos, a psicanálise se aplique em certas condições a estados
psicóticos ou perversos.
Um critério mais considerado com mais frequência é o estado relativo à carac-
terística aguda ou crônica de alguma patologia. Em geral, os estados tidos como
agudos não são tratados na psicanálise. No entanto, alguns pedidos de análise
podem ser formulados nessas ocorrências. Mas se forem constatadas situações
emergenciais, o psicanalista deverá avaliar os riscos que poderão acontecer se ele
começar a fazer o tratamento naquele momento.
Os critérios estruturais devem ser avaliados por ocasião das entrevistas preli-
minares ao tratamento. Por meio dessa técnica, o terapeuta deverá avaliar as capa-
cidades de insight de seu paciente, como é a dinâmica pessoal do paciente, se ele
tem ou não capacidade de suportar as frustrações, de aguentar a angústia, o desejo
de mudança e os limites previsíveis à mudança, ou prognóstico do caso. Para esta
visão diagnóstica, o terapeuta deverá ser hábil em verificar as seguintes questões
que o paciente costuma recorrer:
a) Ao ponto de vista tópico nas relações entre ego-superego-id;
b) Ao ponto de vista econômico, percebendo como se dão as relações ob-
jetais e a presença da estrutura narcísica;
c) Ao ponto de vista dinâmico, por meio da importância e flexibilidade e
mobilidade possível dos conflitos.

capítulo 2 • 57
Já foi falado da necessidade de verificar a força ou a fraqueza do ego como
fator de avaliação. Hoje em dia, a questão de saber se o ego é ou não é frágil não é
mais questão determinante para o início de um processo psicanalítico.
A determinação estrutural começa por ocasião das entrevistas, pelas quais per-
mite ao terapeuta “enxergar” para além das aparências de uma manifestação, ou
queixas, sintomáticas para poder reconhecer se o paciente para estabelecer a dife-
renciação de personalidades, isto é, se o paciente é portador de estrutura neurótica,
psicótica ou perversa. Porém muitas vezes é bem difícil estabelecer essa distinção.
Foi então que surgiram novas denominações para ampliar aqueles conceitos ante-
riores de neurose, psicose ou perversão. Os novos nomes, conceitos, passam a se
referir às estruturas, ou transtornos de personalidade conhecidos por narcísicas,
borderlines ou fronteiriços (estados limites), e aqueles referentes a sentimentos de
grande angústia por abandono, ou de necessidade de segurança – proteção.
Inicialmente Freud considerava muito os critérios de idade como um fator
complicado e difícil para a psicanálise. Com o passar dos anos, os seguidores dessa
prática verificaram e passaram a não considerar uma idade limite para ser fixada
como padrão.
Os critérios socioculturais não estão relacionados à exclusão social de pacien-
tes com base em critérios econômicos. Porém eles estão dirigidos à necessária si-
tuação de abertura pessoal, de um comprometimento com o reconhecimento de
suas questões psicológicas, a fim de dar início e continuidade ao tratamento de
base psicanalítico.
Quanto às variações de cura nas psicoterapias psicanalíticas, partindo inicial-
mente da ideia de cura dada por Freud, há algumas distintas possibilidades tra-
tadas por outros psicanalistas considerados como dissidentes ao freudismo. Essas
discordâncias vieram ou de uma base teórica, ou com relação às variações quanto
às indicações e à condução do tratamento.

As principais dissidências

A dissidência que causou grande impacto em Freud foi a estabelecida entre ele
e o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Esse último criou seupróprio
método, quando abandona a teoria psicanalítica e dá o nome à sua abordagem de
Psicologia Analítica e a prática de psicoterapia analítica. Fundamentalmente Jung,
entre outros conceitos, formula como base de diagnóstico e tratamento a análise
de uma tipologia e a noção de inconsciente coletivo.

capítulo 2 • 58
Ao estudar os complexos, Jung descobriu outro nível da psique, ao qual chamou de
inconsciente coletivo. Rompendo com a noção de que tanto a mente consciente como
a inconsciente eram originárias da experiência, Jung demonstrou que a evolução e a
hereditariedade determinam a linha de ação da psique, assim como o fazem com o
corpo físico. A mente, por meio de seu mediador, o cérebro, herda as características
que determinam de que forma uma pessoa reagirá às experiências de vida, configu-
rando-a previamente pela evolução. O homem está ligado ao seu passado pessoal,
ao passado de sua espécie e à longa cadeia da evolução orgânica. O inconsciente
coletivo é o depósito das imagens primordiais, que se referem ao primeiro, ao mais
primitivo desenvolvimento da psique. Os conteúdos do inconsciente coletivo ativam
padrões pré-formados de comportamento pessoal, que a pessoa seguirá desde o seu
nascimento. Um exemplo: Temos no inconsciente coletivo uma “imagem primordial” de
“mãe”. Esta imagem expressar-se-á assim que o bebê tiver a percepção de sua mãe
verdadeira, e a ela reagir. A imagem de “mãe” que está no inconsciente coletivo é a
responsável pela nossa fácil identificação da figura materna e como reagimos a ela.

LEVY, Edna. Disponível em: <http://sandplay.jogodeareia.com.br/psicologia-a-


nalitica/inconsciente-coletivo/>. Acesso em: abr. 2018.

A análise dos tipos psicológicos parte da distinção entre dois tipos possíveis
de atitudes como características pessoais, os dos caracteres introvertidos e os dos
caracteres extrovertidos. A partir desta consideração, Jung passa a empregar uma
técnica que leva em conta o funcionamento adaptativo do paciente, mas, ao mes-
mo tempo, como aquilo que faz parte do sintoma. Ele é o primeiro a falar em
psicoterapia breve ao destacar o sinal sintoma, ou melhor, o sintoma como uma
imagem da realidade psíquica dos pacientes. Quando levanta a tese do incons-
ciente coletivo, Jung traz e introduz com ele a ideia do arquétipo, como estruturas
inatas presentes em todos os indivíduos desde sua formação.

Mitólogos e antropólogos vêem os mesmos temas, situações e histórias sendo repre-


sentados sempre e sempre, ao longo do tempo e em todo o globo. Eles defendem
que os vários mitos e arquétipos são basicamente expressões do drama íntimo do ser
humano e podem ser entendidos como diferentes expressões do impulso eterno para
encontrar um significado humano no mistério da criação.

capítulo 2 • 59
Disponível em: <https://pt.slideshare.net/samanthacol/o-heri-e-o-fora-da-
lei-1-13891806>. Acesso em: abr. 2018.

Os arquétipos são como padrões de comportamento que permitem as pessoas


terem em si mesmas as representações, ou as possíveis imagens transcendentes à
existência pessoal. Conforme a ilustração apresentada, os arquétipos são expres-
sões – como caráter coletivo – da presença da humanidade no indivíduo. Para
Jung, os homens já nascem com um psiquismo, e este é determinado pela filogê-
nese e a ontogênese.
Na terapia de abordagem junguiana, analista e paciente sentam-se frente a
frente. Jung aboliu o divã porque achava necessário um confronto direto e pessoal.
Para Jung, a formação de uma analista é muito importante, e deve compreender
domínio teórico profundo, práticas clínicas supervisionadas, e trabalho de análise
pessoal com um profissional mais experiente. Um bom analista deve estudar o má-
ximo e aprender tudo que puder. Contudo, quando ele estiver em contato com o
paciente, esse terapeuta deve estar disponível e aberto para a realidade singular que
se apresenta a cada sessão de terapia. Nada deve ser trabalhado sem que o paciente
tenha trazido a sessão. Não se visa ao que foi falado na sessão anterior, a menos
que seja o próprio paciente que traga alguma questão de lá. Essa postura tanto
humaniza a terapia, como também traz o envolvimento emocional na relação, que
segundo Jung é fundamental e essencial na terapia.
A abordagem terapêutica junguiana visa relacionar os aspectos inconscientes
aos aspectos já conscientes da personalidade. Para tal se utiliza de métodos como
análise de sonhos, técnicas expressões, imaginação ativa, entre outros. A finalidade
destas técnicas está em buscar a revelação dos sentidos e significados das imagens
que surgem ao analisando, a fim de que cada vez mais conscientes de si mesmos,
os pacientes possam se sentir mais plenos e reais proprietários de suas vidas.

capítulo 2 • 60
Um outro dado importante na prática junguiana consiste no desenvolvimento
e fortalecimento do potencial pessoal, da criatividade e da capacidade de lidar com
os problemas de maneira mais tranquila e segura.
Portanto, a psicoterapia junguiana consiste na análise dos símbolos presen-
tes nos atos, na linguagem, nos sonhos, nos devaneios, já que eles carregam a
possibilidade da investigação "alma" humana. Para captar melhor a simbologia
da “alma”, tal qual um registro ou um “mapa da alma” de seus pacientes, Jung
introduz o uso de práticas e modalidades expressivas como ferramentas de inves-
tigação técnica, conforme já foi dito anteriormente. Assim ele trata os conflitos
psicológicos por meio de desenhos, modelagens, sonhos do paciente, entre outras
expressões verbais e não verbais. As sessões se realizam face a face, e com bastante
uso de intervenções metafóricas por parte do analista, como meio atraente e su-
portável de abordar os conflitos psíquicos.
Para Jung, os conflitos psíquicos são resultados de problemas que precisam ser
encarados como oportunidades de retorno a si mesmo, de modo a que se encontre
um meio de conviver melhor com nossas qualidades e defeitos.
A psicoterapia analítica parte do princípio de que sempre há um sentido para
tudo o que ocorre na vida de cada um. A busca pelo sentido é, para Jung, a realiza-
ção de um propósito maior, ou uma meta, em nossa existência que ele denominou
de individuação. À medida que a terapia avança, pode-se aproximar cada vez mais
daquilo que verdadeiramente se é, e veio para ser, ou seja a realização da natureza
essencial do homem. Esta possibilidade é o que permite o encontro íntimo e sagra-
do com o si mesmo e traz a sensação de uma realização pessoal, de um sentimento
de integridade pessoal, de unidade com a vida.

Figura 2.3  –  Carl Gustav Jung.

capítulo 2 • 61
Alexandre Adler (1870-1937) também rompe com Freud por não aceitar ser
a libido (energia psíquica) unicamente de origem sexual. Ele foi o primeiro dis-
cípulo de Freud a se separar do grupo psicanalítico em 1911. Adler desenvolveu
um método chamado de psicologia individual e comparada. Nesta teoria ele
embasa suas observações criando a tese segundo a qual uma inferioridade orgânica
é compensada, seja pela utilização de outro órgão, seja por um esforço particular
imposto ao órgão deficiente. Assim ele traz um importante conceito para a psica-
nálise que é o da compensação.

©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 2.4  –  Alfred Adler.

Por compensação Adler apresenta um modo positivo derivado do complexo de


inferioridade, termo também muito difundido na psicologia popular. O conceito
de inferioridade diz que todo ser humano possui um sentimento de inferioridade
que se origina na infância, no momento em que o indivíduo se sente pequeno e
fraco diante do adulto, que reforça esse sentimento de inferioridade em função de
atitudes minimizantes diante dos filhos. Por exemplo, quando o recém-nascido
vem ao mundo, ele nasce em um estado de total insuficiência e incapacidade de se
manter, se não tivesse uma família para olhar por ele. Assim, a criança, que toma
consciência de si mesma, vai primeiramente, segundo Adler, incorporando duran-
te sua formação a noção de ser um ser inferior.
Mas, o sentimento de inferioridade é o responsável pelo despertar de um de-
sejo compensatório de superioridade, de dominação e de poder o qual pode con-
duzir o indivíduo a alguma forma de sucesso pessoal. Porém essa compensação da
inferioridade pode gerar desejos irrealistas e procura por metas irrealizáveis, ambos
característicos das neuroses. Se a criança tem grande dificuldade de impor seu ego

capítulo 2 • 62
diante do mundo exterior, seu desejo natural de poder se transformará em obses-
são, fazendo o desejo de superioridade se transformar em doentio.
É deste modo que Adler vai conferir a vontade de poder à manifestação da
libido, por ser a força motora de toda ação humana para ele. A libido sexual, como
designa Freud, e a sexualidade não podem para ele ser a causadas neuroses e sim a
vontade de poder. Pois, seguindo o pensamento de Adler, o próprio ato sexual se
origina de uma procura de superioridade sobre o parceiro.
O método terapêutico de Adler, frente à diversidade dos conceitos freudianos,
se caracteriza por uma ausência da atitude que busca as causas iniciais da neurose.
Ele passa a definir a neurose como sendo o resultado de procura de metas inadap-
tadas, e por meio de uma ação educativa e reeducativa, ele visa à correção dessas
metas dando-se a ação terapêutica. Portanto, o foco da psicoterapia adleriana não
visa às profundezas do inconsciente, e o tratamento pretendido é de curta duração.
Adler adota uma perspectiva de adaptação do indivíduo a seu meio familiar e
social, e é para alguns autores uma perspectiva mais psicopedagógica do que uma
psicoterapia.

A máxima da Adler consiste em levar em conta os fracassos do paciente, mas dando


importância às suas tentativas e a seus esforços na recondução a níveis de aspiração
mais realistas.

Hora da revisão: esse é o seu momento de compreender os principais pontos


que foram tocados nesse capítulo.

RESUMO
•  A psicoterapia de orientação psicanalítica coloca em ação um método de conhecimento
estudado por Freud que contempla o mundo psíquico do paciente.
•  A relação estabelecida entre paciente e terapeuta (relação terapêutica ou aliança terapêu-
tica) é a base sobre a qual o trabalho psicoterápico se desenvolve e a possibilidade de que
ocorra uma mudança psíquica, já que o tratamento se apoia totalmente nela.
•  A possibilidade de relação paciente-terapeuta é definida pelo setting, que tem como um de
seus principais constituintes a atitude de neutralidade e continência das emoções do tera-
peuta, além dos aspectos formais, como o respeito pelo paciente, por exemplo.
•  O tratamento está calcado na comunicação paciente-terapeuta, e nessa comunicação são
considerados os aspectos não verbais e verbais.

capítulo 2 • 63
•  A interpretação relacionada à manifestação do conflito na presença de um sintoma é o
instrumento preferencial e, apesar de ser uma verbalização, também comunica aspectos não
verbais, porém a ênfase é sempre mais dirigida aos fatores afetivos que aos cognitivos.
•  O acompanhamento dos fenômenos transferenciais é essencial, mesmo quando as inter-
pretações transferenciais não são priorizadas, porque é o que determina a intensidade afetiva
que se apresenta no tipo de relacionamento que se está estabelecendo.
•  A possibilidade de o paciente se identificar, ela transferência, com seu terapeuta é o prin-
cipal fator de percepção do clima emocional da sessão, o qual (clima ou intensidade afetiva)
for conscientemente percebido pelo analista, por meio de seus sentimentos contratransfe-
renciais, vai se tornar uma ferramenta norteadora do trabalho da ação terapêutica enquanto
a escolha da melhor forma de interpretar.
•  A probabilidade de que vários elementos entrem em cena na determinação dos modos
de ação da psicoterapia, tais como a ênfase no relacionamento, a ênfase no resultado das
elaborações ou o insight e a formação de cada terapeuta (teórica, prática e pessoal) são os
determinantes que conduzem o processo para o seu êxito, isto é, a cura da alma.
•  As características e a sensibilidade de cada paciente também vão determinar um ou outro
modo de conduzir a ênfase na relação terapêutica.

Uma breve descrição de um caso clínico

A paciente de 32 anos procura atendimento por problemas conjugais, uma


queixa frequente em adultos, já que é no trabalho e nas relações afetivas que mais
se manifestam as consequências de conflitos mal resolvidos. Apresenta-se com
uma profusão de queixas, repetidas exaustivamente, que procuram mostrar como
o marido não a valoriza, não faz planos conjuntos, trata apenas de seus próprios
interesses, vive para o trabalho, escuta mais os colegas do que ela, e assim por
diante. Mesmo que seu relato apresente o marido como alguém que não a trata
bem, o terapeuta sente certa irritação, já que parece não ter outra saída além se
aliar a ela na constatação de que o marido a maltrata. O terapeuta sente-se pres-
sionado a tomar um partido e é possível que essa seja a intenção inconsciente
inicial da paciente. Apesar de seu sofrimento com a situação e do desejo de que
possa haver uma melhora, é evidente que a única saída que procura é que o tera-
peuta corrobore sua teoria de que o problema é o marido que a desvaloriza, e que
ambos possam mudá-lo e fazê-lo adaptar-se às suas expectativas. Não há ainda a

capítulo 2 • 64
possibilidade real de ela pensar de forma mais ampla sobre detalhes de sua situação
conjugal e muito menos de sua participação nas dificuldades que enfrenta, já que
não tem a menor crítica sobre suas atitudes em relação a ele, claramente despóticas
e controladoras. É evidente que a paciente não tem consciência de todo esse pro-
cesso. Manifestamente está procurando alguém que a ajude nos problemas com o
marido, o que corresponde a determinado nível de seu desejo. Em outro nível, o
desejo é não pensar. Um dos guias importantes para o terapeuta é a irritação que
suas queixas provocam, apesar do conteúdo parecer plausível. O terapeuta precisa
realizar a tarefa inicial de conter, não atuar esse sentimento para poder pensar so-
bre ele, ou corre o risco de maltratar a paciente. Qualquer tentativa de fazer com
que pense sobre si mesma é, de início, rechaçada, com a queixa de que o terapeuta
está do lado do marido e duvidando do que ela conta. É necessária outra vi, que
justamente mostre como ela está assustada com a possibilidade de pensar no que
está ocorrendo, procurando, portanto, um aliado nas queixas, alguém que lhe dê
razão. É importante que a paciente saiba que acolhemos seu sofrimento, mas que
talvez ele não provenha da fonte que lhe parece mais provável. A solução que pro-
cura não existe, pois não poderemos mudar o marido e fazer com que corresponda
às suas expectativas. Muito tempo de trabalho foi necessário para que percebesse
seu desejo de poder onipotentemente controlar a realidade e as pessoas, como uma
forma de se sentir protegida, já que parecia não se sentir capaz de enfrentar o mun-
do sem esse recurso. O foco inicial da psicoterapia foi amplo: suas dificuldades
conjugais. Dentro desse foco, foram necessários níveis de abordagem diferentes,
começando pelo que parecia a resistência mais presente: a dificuldade em aceitar
que não poderia onipotentemente modificar tudo e todos que lhe causassem so-
frimento. Assim, pode-se conhecer, aos poucos, os anos que passou tentando, das
formas mais variadas e descabidas, evitar que o pai, psicótico, tivesse surtos, e a
dor de reconhecer que não tinha esse poder. Podia ajudar o pai, mas não fazer com
que se transformasse em outra pessoa. Da mesma forma, foram ficando mais per-
ceptíveis sua intensa desvalia e a fantasia de que o casamento com um homem de
nível socioeconômico mais alto que o seu a resgataria dessa família profundamente
desvalorizada por ela. E a queixa de que ele, como era de se esperar, não cumpriu
essa missão e era apenas uma pessoa como qualquer outra, com seus defeitos e
qualidades. Assim, aos poucos, foi se delineando um esboço de uma teoria que não
era consciente para ela, mas estava atuante: “sou uma pessoa sem valor e incapaz,
porque não consegui fazer com que meu pai e minha mãe fossem outras pessoas,

capítulo 2 • 65
evitando toda minha dor e decepção; minha saída é que este homem (o marido)
resolva esta angústia, bastando para isto que eu consiga que ele me valorize de for-
ma total, irrestrita, todo o tempo”. Essa formulação funciona como uma hipótese
de trabalho, que não pretende compreender integralmente o mundo psíquico da
paciente. Podemos ver como o terapeuta, de início, correspondia a uma figura
super egoica que lhe negaria o direito a essa solução, a única que parecia possível.
O clima das sessões era preponderantemente paranoide, tenso e queixoso, tendo
como único assunto suas queixas do marido e do psicoterapeuta, que, suposta-
mente, não a apoiava. A percepção, via identificação projetiva, dos sentimentos
provocados pela paciente, se contida e compreendida, é essencial para que se possa
estabelecer outra atmosfera e outro modelo de aproximação de suas angústias.
Podemos considerar este o primeiro mecanismo de ação da psicoterapia, a cons-
tituição de um setting neutro, no qual a paciente possa, neste caso muito lenta-
mente, sentir-se menos assustada para examinar outros aspectos antes negados.
As interpretações se limitavam a mostrar como era difícil admitir que não tinha
superpoderes, como isto a fazia sentir-se frágil, procurando colocar em palavras o
que estava latente em sua postura belicosa. Ao conversar sobre as circunstâncias
de sua vida, o que foi se tornando possível após um longo período, a ideia não era
recuperar memórias passadas, mas aumentar sua capacidade de percepção de suas
angústias atuais, mostrando-lhe como continuava tentando resolvê-las de forma
mágica, para evitar o sofrimento. Por exemplo: era necessário conversar longamen-
te sobre sua revolta caso chovesse nos dias em que ia para a praia, a incapacidade
em aceitar que não controlava o clima e, passo seguinte, mostrar-lhe o pânico ao
se imaginar no mundo sem esses poderes, a clara fragilidade subjacente ao desejo
onipotente de poder ter o controle absoluto sobre tudo. Assim, dentro do foco
mais amplo, foram se sucedendo focos parciais, visando a abordar a resistência
mais presente no momento, sempre procurando, com as interpretações, apontar
outras formas de pensar sobre o que sentia. O guia para determinar a pertinência
de uma linha interpretativa é dado pela percepção do clima que predomina no
momento: interpretações com conteúdo que podem ser considerados corretos,
mas feitas em um clima emocional inadequado não poderão ser assimiladas. No
início dessa psicoterapia, seria inoperante mostrar, por exemplo, sua própria des-
valorização, projetada no marido, apesar de esse mecanismo já estar perceptível
desde o começo. (MONDRZA, Viviane S., 2007, p. 137-138)

capítulo 2 • 66
ATIVIDADES
Vamos testar os seus conhecimentos? Preparado?

01. Como funciona a psicoterapia de orientação analítica?

02. Por menismos ela atua sobre o paciente?

03. Partindo dos conceitos psicanalíticos, como as práticas sobre sua ação terapêutica
criam os mecanismos de ação da prática psicanalítica?

04. Qual o tópico, espaço psíquico, ou onde no psiquismo do paciente seus efeitos se fa-
zem presentes?

05. Quais os alcances e limitações da orientação psicanalítica?

06. Relacione: “a psicoterapia psicanalítica e as abordagens analíticas dissidentes dão mais


ênfase aos aspectos afetivos da comunicação”, com “a psicanálise como as demais aborda-
gens dissidentes dela apontam para os conflitos psíquicos e as manifestações inconscientes
como objeto de sua ação terapêutica.”

MULTIMÍDIA
Sugestão de vídeos sobre psicanálise
•  Sobre a psicanálise. Disponível em: <https://youtu.be/-op3s6s-yw4>. Acesso em: abr.
2018.
•  Recortes da Teoria Psicanalítica. Disponíveis em: <https://youtu.be/vjfFeW5dUQ8>,
<https://youtu.be/k1yIHZamjLI;https://youtu.be/k1yIHZamjLI;https://youtu.be/2WdQ3Hi-
8c-w> e <https://youtu.be/2WdQ3Hi8c-w>. Acessos em: abr. 2018.
•  Sobre a dissidência, o início e a construção da Teoria de Jung. Disponível em: <https://
youtu.be/izr9LaAhyqI; https://youtu.be/GQly531IA28>. Acesso em: abr. 2018.

capítulo 2 • 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDIOLI, Aristides; Psicoterapias – Abordagens Atuais. Porto Alegre, RGS: Artmed, 2007.
MONDRZA, Viviane. In: EIZIRIK, Claudio. Psicoterapia de Orientação Analítica. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2015.
MORO, Marie & LACHAL, C. As psicoterapias, modelos, métodos e indicações. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Teorias e Técnicas Psicoterápicas. 2. ed. São Paulo: Summus, 2013.

capítulo 2 • 68
3
A terapia cognitivo-
comportamental:
bases históricas e
teóricas
A terapia cognitivo-comportamental: bases
históricas e teóricas

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi desenvolvida, aprimorada


e extensamente difundida na Europa e nos Estados Unidos a partir da década de
1980. É caracterizada por ser estruturada, orientada para o momento presente,
direcionada à resolução de problemas e à modificação de pensamentos e compor-
tamentos disfuncionais. Achados clínicos conduzidos por meio de vários estudos
controlados, apoiam a eficácia desta forma de tratamento.
A Terapia Cognitivo-Comportamental teve como uma das suas predecesso-
ras a Terapia Comportamental, que se converteu em um movimento conhecido
no início da década de 1960. Ela, a terapia comportamental, é composta por
diferentes conceitos teóricos, estratégias e técnicas. Seu início foi sustentado por
muitos trabalhos, como os de Pavlov sobre o condicionamento clássico, os de
Thorndike sobre a aprendizagem e os de Skinner sobre o condicionamento ope-
rante. (CABALLO, 1996)
©© WIKIMEDIA.ORG
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 3.1  –  Thorndike and Ivan Pavlov. Disponível em: <https://www..amazon.com.FIvan


-Pavlov-Exploring-Mysteries-Behavior>. Acesso em: abr. 2018.

capítulo 3 • 70
As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que pode
ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o comporta-
mento de um organismo individual. Esta é a nossa “variável dependente”– o efeito para
o qual procuramos causa. Nossas “variáveis independentes”– as causas do compor-
tamento – são as condições externas das quais o comportamento é função. Relações
entre as duas – as “relações de causa e efeito” no comportamento – são as leis de uma
ciência. Uma síntese destas leis expressa em termos quantitativos desenha um esbo-
ço inteligente do organismo como um sistema que se comporta. (SKINNER, 1994)

OBJETIVOS
•  Compreender a origem da abordagem da TCC;
•  Desenvolver a capacidade de discriminar entre o behaviorismo, a origeme os procedimen-
tos teóricos e práticos da abordagem da TCC;
•  Entender as semelhanças e as diferenças entre behaviorismo e a TCC;
•  Relacionar a ideia do comportamento condicionado ao pensamento condicionado.

Análise funcional como instrumento do terapeuta comportamental

SD → R → SR, em que: SD (antecedentes), R (resposta) e SR (consequências).


©© SILLY RABBIT WIKIMEDIA.ORG

“Não considere nenhuma prática como imutável. Mude e es-


teja pronto a mudar novamente. Não aceite verdade eterna.
Experimente.”
B. F. Skinner. Disponível em: <https://s-media-cache-.
pinimg.com/originalsc.jpg>. Acesso em: abr. 2018

A ideia central da Terapia Comportamental é o de que os comportamentos


são aprendidos e podem ser desencadeados por estímulos internos e externos as-
sociados a eles. Essa abordagem tem como meta auxiliar o indivíduo a modificar
a relação entre a situação que está associada ao comportamento “desadaptativo”
e sua reação emocional desencadeando-se consequentes à circunstância do even-
to estressor, portanto procura essa modificação do comportamento inadequado

capítulo 3 • 71
mediante a aprendizagem de uma nova modalidade de reação. Essa nova aprendi-
zagem é conseguida por meio do uso de técnicas apropriadas a cada caso, com as
quais o terapeuta irá lidar, dependendo da aprovação de cada uma delas segundo
a inadequação apresentada.
Conforme cita Caballo (1996, p.11), Kazdin (1978) destacou que as carac-
terísticas mais importantes da Terapia Comportamental respondem ao olhar do
técnico dando:
1. Ênfase nos determinantes atuais do comportamento, em vez dos deter-
minantes históricos;
2. Ênfase na mudança do comportamento manifesto (aquilo que é visto,
ou se apresenta) como o principal critério pelo qual se avalia o tratamento;
3. Ênfase à especificação (objetivação) do tratamento em termos objeti-
vos, de modo que seja possível a réplica do mesmo;
4. Ênfase na confiança da investigação básica em psicologia, com o obje-
tivo de gerar hipóteses gerais sobre o tratamento e as técnicas terapêuticas
específicas;
5. Ênfase naquilo que é específico nas definições e explicações do trata-
mento e de seu controle e medição dos resultados.

Mais recentemente, a Terapia Comportamental passou a considerar a com-


binação de procedimentos verbais e de ação, enfatizando ainda os determinantes
atuais, embora de maneira alguma descarte os determinantes históricos. Assim ela
também foca a solução de problemas, a construção científica e as investigações de
laboratório.
Você deve saber que ela se constitui em uma abordagem que se aplica a todas
as classes de transtornos, de situações ou lugares, mas não se pode considerar, de
maneira alguma, que ela seja tida como um remédio total. (CABALLO, 1996)

O modelo de Albert Ellis

Para que você, discente, compreenda o modelo terapêutico do TER (Terapia


Racional Emotiva) criada por Albert Ellis é preciso que você parta do entendimen-
to do que ele usa para sua tese de que “a perturbação emocional não é criada pelas
situações, mas pelas interpretações dessas situações.” (EPICTETO, séc. I d.C.)

capítulo 3 • 72
CURIOSIDADE
Epicteto, nascido escravo e só liberto depois de adulto, foi uma das vozes mais influentes
da filosofia da Antiguidade. Ele viveu nos primórdios da era cristã, de 40 a 125 a.C. Para ele,
o passo básico da vida feliz é aceitar as coisas como elas são. Revoltar-se contra os fatos não
altera os fatos, e ainda traz uma dose de tormento desnecessária. “Não se deve pedir que os
acontecimentos ocorram como você quer, mas deve-se querê-los como ocorrem: assim sua
vida será feliz”.
Disponível em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/aceitar-os-fatos-e-um
-passo-essencial-para-a-felicidade/>. Acesso em: abr. 2018.

Voltando à tese de Albert Ellis, a sua Terapia Racional Emotiva (TER) tem
base na ideia de que tanto as emoções como os comportamentos são produtos das
crenças de um indivíduo, ou seja, do modo como ele interpreta a realidade. Sua
meta, como terapeuta, é o de ajudar seu paciente na identificação de seus pensa-
mentos irracionais, também chamados de disfuncionais e substituí-los por outros
mais racionais e efetivos, que lhe permitam atingir suas metas.
Ellis desenvolve um esquema chamado por ele de ABC, em que A é a situação,
B o sistema de crenças, valores e princípios e C as consequências. Por meio des-
se esquema, utilizado pelo TER (Terapia Racional Emotiva), parte do princípio
de que a compreensão dos problemas emocionais e as intervenções terapêuticas
adotadas estão pautadas na forma de pensar do indivíduo e nas crenças que serão
desenvolvidas sobre si mesmo, sobre as outras pessoas e do mundo em geral. Se
estas crenças forem ilógicas, portanto pouco empíricas, elas dificultarão atingir
as metas, sendo, portanto, chamadas de irracionais. Porém, se ao contrário elas
promovem o raciocínio adequado, são chamadas de racionais.

SISTEMA ABC A = situação



SISTEMA ABC B = sistema de crenças e valores

SISTEMA ABC C = os resultados ou consequências

capítulo 3 • 73
O funcionamento deste esquema ABC mostra que não são os eventos no pon-
to A (situação) que causam a reação no ponto C (local das consequências), mas
sim são responsáveis os pensamentos que surgem no ponto B (como o conjunto
de sistema de crenças, valores e princípios) gerados a partir do que ocorre em A,
ou seja, os indivíduos não são perturbados pelos fatos, mas sim pelas suas próprias
opiniões acerca deles. Sendo assim, com base nas avaliações das situações que o
indivíduo realiza sobre si mesmo, este pode estabelecer distorções cognitivas.

CONCEITO
As distorções cognitivas são basicamente maneiras erradas de processar uma infor-
mação, ou seja, interpretações erradas do que ocorre ao nosso redor, gerando múltiplas
consequências negativas.
Disponível em: <https://amenteemaravilhosa.com.br/distorcoes-cognitivas>. Acesso
em: abr. 2018.

As distorções cognitivas mais frequentes são:

PENSAMENTO O pensamento que define as situações nas alternativas do


DICOTÔMICO é “tudo ou nada”

PENSAMENTO O pensamento que busca adivinhar o futuro


ADIVINHATÓRIO
NEGATIVIDADE O pensamento que tende a se centrar no negativo

DESQUALIFICAÇÃO O pensamento que tende a desqualificar o positivo

DESVALORIZAÇÃO O pensamento de visar minimizar (diminuir) os fatos

RACIOCÍNIO O pensamento tomado pelo raciocínio emocional


EMOCIONAL
ROTULAÇÃO O pensamento que busca rotular e supergeneralizar fatos

O pensamento que procura personalizar, trazer para si


PERSONIFICAÇÃO mesmo, tudo o que acontece

capítulo 3 • 74
Além desses pensamentos ilógicos descritos anteriormente, deve-se ainda ex-
plorar o “catastrofismo” (“tudo sairá errado, será um desastre”), os “não posso-su-
portar” (é muito pesado pra mim”) e as “condenações” (“sou culpado, vou ter que
responder a isso; ou porque não fiz assim, por exemplo”) que são provenientes da
questão “devo” (ou da “tirania do dever”).
Quando se processam mudanças em B, no modelo ABC, por meio da utili-
zação da refutação ou da contraposição cognitiva dos componentes presentes em
B, as distorções tenderão a ser corrigidas, dando-se então a substituição de crenças
irracionais por crenças racionais e eficazes. A exploração da conexão de B → C (B
que provoca um resultado em C) por meio da uma nova interpretação, a partir do
entendimento da consequência, facilita uma mudança cognitiva.

O modelo de Aaron Beck

O primeiro trabalho que Aaron Beck desenvolveu foi a Terapia Cognitiva da


Depressão. A partir daí o modelo evoluiu e tem sido aplicado ao tratamento de
todas as síndromes clínicas, em todas as idades e utilizada em uma variedade de
contextos. Seu modelo traz a seguinte tese: importantes estruturas cognitivas estão
categórica e hierarquicamente organizadas. As principais teorias contemporâneas
da estrutura e desenvolvimento cognitivos estão coerentes com essa formulação.
A principal colocação e a mais básica do modelo da Terapia Cognitiva é de que
são as categorias atributivas (as qualificações) as que constituem a principal fonte
de afeto e conduta disfuncionais em adultos, em vez de categorias motivacionais
ou de resposta. Isso quer dizer que a maneira como uma pessoa avalia uma situa-
ção geralmente se apresentam as suas cognições, isto é, em pensamentos e imagens
visuais de cada sujeito. As cognições como circunstâncias verbais ou pictóricas
têm base em atitudes ou suposições desenvolvidas a partir de experiências prévias.
O paciente aprende a dominar problemas e situações anteriormente considerados
insuperáveis, por meio da reavaliação e correção de seu pensamento. A abordagem
cognitivista consiste em experiências de aprendizagem destinadas a ensinar ao pa-
ciente as seguintes operações:
1. Observar e controlar seus pensamentos negativos automáticos;
2. Reconhecer os vínculos entre: cognição, afeto e comportamento;
3. Examinar as evidências a favor e contra seus pensamentos automáticos
distorcidos;
4. Substituir as cognições tendenciosas por interpretações mais orientadas
para a realidade;

capítulo 3 • 75
5. Aprender a identificar e alterar as crenças disfuncionais que o predis-
põem a distorcer suas experiências;
6. Estabelecer consigo processos de autoquestionamento.

CONCEITO
Por pensamentos automáticos você deve entender aquelas ideias que brotam em sua
mente sem que haja nenhuma reflexão ou deliberação acerca das mesmas. Costumam ser con-
siderados como verdades incontestáveis para quem os têm, mesmo antes de qualquer avaliação.

Continuando por essa abordagem, se entende que as alterações no conteúdo


de estruturas, ocultas da própria pessoa, afetam seu estado afetivo e seus padrões
comportamentais. Também se afirma que quase toda experiência pode propor-
cionar a oportunidade para um experimento relevante e pode corrigir as visões
e crenças distorcidas do paciente. Por meio da terapia, o paciente pode tomar
conhecimento de suas distorções cognitivas. E a correção desses constructos dis-
funcionais falhos pode levar à melhora clínica.

Se nossos pensamentos forem simples e claros, estaremos melhor preparados para


alcançar nossos objetivos.
Aaron Beck. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/ebah-static/jpg>.
Acesso em: abr. 2018.

Segundo Aaron Beck, a depressão apresenta um modelo cognitivo, e este é


causado pelos seguintes elementos que ele chamou de substratos da depressão. São
três conceitos específicos usados para explicar o substrato psicológico da depressão:

TRÍADE Desamor, desvalor, desamparo.


COGNITIVA
É uma estrutura mental que representa algum aspecto do mundo e
são usados para organizar o conhecimento atual e providenciar uma
ESQUEMAS base para compreensão futura. Têm-se como modelos os estereóti-
pos, papel social, visão de mundo.

ERROS São os processamentos defeituosos da informação segundo os es-


COGNITIVOS quemas de valor desenvolvidos pelo sujeito.

capítulo 3 • 76
A tríade cognitiva é composta por três tipos de pensamentos decorrentes de
erros cognitivos, frutos de esquemas desenvolvidos no sujeito:
•  O paciente crê que “por causa” dos seus supostos defeitos é indesejável e sem
valor. Tende a subestimar e criticar a si mesmo. Acredita não ter os atributos que
considera essenciais à obtenção da felicidade e do contentamento, erro cognitivo
desencadeado pelo esquema do desamor.
•  O paciente percebe o mundo como lhe fazendo solicitações absurdas, ou
lhe colocando em obstáculos insuperáveis para atingir de seus objetivos de vida.
Interpreta mal suas interações com seu meio circundante, sendo este um outro
erro cognitivo. Tem demonstrações de derrota ou privação, esquecendo-se das in-
terpretações alternativas mais plausíveis, decorrente do esquema de desvalorização.
•  O paciente, quando faz projeções a longo prazo, antecipa que suas dificul-
dades ou sofrimentos presentes se prolongarão indefinidamente, prevê sofrimen-
tos, frustrações e privações incessantes, outro erro cognitivo. Quando considera a
possibilidade de encarregar-se de uma tarefa específica no futuro próximo, espera
falhar, fruto do esquema de desamparo.

Os sinais e sintomas típicos da depressão são consequências da ativação destes


padrões cognitivistas negativistas. O modelo cognitivo pode explicar estes sinto-
mas da depressão como resultado da crença do paciente de estar condenado ao fra-
casso em todos os seus esforços. Uma visão negativista do futuro (um sentimento
de inutilidade) pode levar a “inibições psicomotoras.”.

O modelo de Jeffrey Young

De acordo com o ponto de vista que enfatiza o componente cognitivo da per-


sonalidade, a visão de J. Young tem como uma de suas possíveis origens a herança
filogenética do indivíduo e, portanto, de sua espécie. Isso significa que as estraté-
gias “geneticamente” determinadas, as quais poderiam facilitar a sobrevivência e
a reprodução seriam, presumivelmente, favorecidas pelo processo de seleção na-
tural. Essas estratégias dependem, entre outros fatores, da avaliação que o indiví-
duo realiza acerca das demandas de uma situação, que precede e desencadeia uma
estratégia específica, seja ela adaptativa ou não. Além disso, a maneira pela qual
esta avaliação se configura vai depender, em grande parte, de crenças que são im-
portantes para o indivíduo, com as quais ele se identifica. E essas crenças se encon-
tram, por sua vez, inseridas em outras estruturas cognitivas relativamente estáveis,

capítulo 3 • 77
denominadas “esquemas”, cujas funções são selecionar e sintetizar as experiências
do indivíduo e desencadear uma excitação afetiva. De acordo com Beck (2005):

(...) ao atribuir significado a eventos, as estruturas cognitivas iniciam uma reação em


cadeia que culmina nos comportamentos manifestos (estratégias) que são atribuídos
aos traços de personalidade. Padrões comportamentais a que comumente atribuímos
a traços ou disposições de personalidade representam, consequentemente, estraté-
gias interpessoais desenvolvidas a partir da interação entre disposições inatas e in-
fluências ambientais. (2005, p. 31)

Para Jeffrey Young, assim como já o era para Aaron Beck, o conceito de es-
quema é central e se refere a uma estrutura cognitiva básica, fundamental da per-
sonalidade, cujo conteúdo é composto por dados fornecidos pela experiência do
indivíduo, junto com seus aspectos constitucionais, e se referem aos fatores mais
importantes que ele desenvolve, os quais norteiam a sua compreensão de si mes-
mo, do mundo e de suas vivências. Tais esquemas, ao serem construídos ao longo
da vida, tendem a nortear não somente a avaliação cognitiva, como também as
reações emocionais e estratégias comportamentais manifestadas pela pessoa no
seu cotidiano. Nesse sentido, os chamados traços de personalidade poderiam ser
considerados a expressão manifesta dos esquemas cognitivos. Citando Beck nova-
mente, ele afirma:

A personalidade pode ser conceitualizada como uma organização relativamente está-


vel, composta por sistemas e modos. Sistemas de estruturas interligadas (esquemas)
são responsáveis pela sequência que se estende da recepção de um estímulo até o
ponto final de uma resposta comportamental. (2005, p. 39)

Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Young (2003) propõe que os


esquemas sejam entendidos como apresentando temas que modelam as interpre-
tações que o indivíduo faz de suas experiências. Eles resultam de características
inatas mais as experiências vividas pelas pessoas em seus primeiros anos de vida.
Assim, os esquemas são construídos a partir das experiências da criança com os
membros de sua família e, posteriormente, com outras crianças e adultos. Dessa
forma, a noção de esquema implica a consideração da forma como a criança lida
com as suas “tarefas e desenvolvimentos primários” (tarefas com que ela se depa-
ra ao longo do seu desenvolvimento) que, posteriormente, se transformam nos

capítulo 3 • 78
chamados “domínios básicos dos esquemas”, ou seja, os temas dos primeiros es-
quemas que apresentam uma relação direta com as tarefas citadas anteriormente,
que são:

Refere-se à noção de ser amado e aceito pelos outros.


DESCONEXÃO – É desenvolvida a partir da experiência de cuidados pa-
REJEIÇÃO rentais seguros.

AUTONOMIA – Refere-se à noção da capacidade de poder funcionar


DESEMPENHO de forma autônoma. É desenvolvida a partir do estímulo
PREJUDICADO dos pais da independência.

Refere-se à noção de ter a capacidade de se controlar,


LIMITES levando em conta as limitações da realidade e as neces-
PREJUDICADOS sidades dos outros.

Refere-se à capacidade de expressar as próprias ne-


cessidades e afetos sem medo. Para isso, a criança pre-
ORIENTAÇÃO PARA O cisa ser encorajada desde muito cedo pelos pais, sem
OUTRO que esta sua expressão seja punida com a retirada do
afeto ou atenção.

Complementa o domínio anterior, no sentido de a pes-


SUPERVIGILÂNCIA E soa poder se expressar sem pensar que pode estar co-
INIBIÇÃO metendo um erro ou uma falha.

Além dos domínios do esquema, o autor propõe também que estes, ao serem
ativados, levam ao surgimento de estratégias cognitivas e comportamentais que
atuam no sentido de fazer a pessoa estruturar sua vida, seus relacionamentos e
sua forma de interpretar o que lhe acontece de maneira rígida e, portanto, pouco
adaptativa e saudável. Estas estratégias são:
a) Estratégias de manutenção do esquema: reforçam o esquema, manten-
do-o intacto e atuante.
b) Estratégias de evitação do esquema: evitam ativar o esquema, protegen-
do a pessoa de entrar em contato com o mesmo.
c) Estratégias de compensação do esquema: implicam, aparentemente,
estilos (cognitivos ou comportamentais) opostos ao esquema ativado, de
forma que a pessoa novamente não se dá conta da existência do esquema.

capítulo 3 • 79
É importante ressaltar que tais estratégias não são em si positivas ou negati-
vas. Elas surgem em acordo com a necessidade de a criança se ajustar às deman-
das do ambiente e de si mesmas e visam promover a melhor adaptação possível.
Entretanto, ao permanecerem inflexíveis e se tornarem repetitivas, tais estratégias
podem contribuir para a manutenção de esquemas cujos conteúdos são negati-
vos, rígidos, e, portanto, não adaptativos. Com relação a estes últimos tipos de
esquemas, Young (2003) chama de Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDS), os
quais podem originar uma série de psicopatologias, entre elas, os Transtornos de
Personalidade.
Como o intuito do presente projeto é o de investigar uma população clí-
nica específica, aquela que manifesta transtornos de personalidade, é importan-
te ressaltar as características destes EIDS, a fim de que possamos prosseguir na
compreensão dos diversos transtornos de personalidade. Assim, as suas principais
características são:
1. Os EIDS são rígidos e autoperpetuados, o que os torna difíceis de se-
rem modificados;
2. São verdades implícitas, que se referem ao próprio indivíduo, bem
como ao ambiente no qual ele se encontra inserido;
3. Geram sofrimento psicológico porque têm temas que são disfuncionais;
4. Podem ser ativados em certas circunstâncias e, quando isso ocorre, a
pessoa experimenta uma emoção intensa e negativa;
5. Resultam de experiências nocivas vividas pela criança desde os primei-
ros anos de vida.

Para exemplificar tudo que foi exposto até o momento, acerca da noção de
personalidade, podemos citar a história de uma paciente, cujas queixas eram:
ansiedade em situações sociais, principalmente em relacionamentos sociais, de-
pressão, além de uma progressiva perda de peso. Com relação à sua história, a
paciente relatou que tinha 45 anos, nunca tinha tido relacionamento amoroso
com nenhum homem, e que morava com os pais, de quem ela cuidava. Ela con-
tou que tinha duas irmãs mais velhas, casadas, que estavam bastante preocupadas
com ela, uma vez que acreditavam que ela estava deprimida, perdida e sem pers-
pectivas. A paciente relatou, ainda que tinha concluído curso superior, mas não
exercia sua profissão, pois não gostava da mesma. Também não gostava do seu
emprego atual, porque não conseguia interagir com seus colegas, já que tinha
certeza que eles a consideravam fechada e incompetente. Além disso, sentia-se

capítulo 3 • 80
explorada financeiramente, mas não sabia como fazer para reivindicar melhores
condições no trabalho. Durante a fase de avaliação, foi verificado que a paciente
apresentava muitos medos, como os de sair sozinha, permanecer em lugares cheios
de pessoas; fumava cerca de duas caixas de cigarros por dia, peso abaixo daquele
considerado adequado à sua idade e altura, apresentando um IMC – Índice de
Massa Muscular – de 17, com recusa em se alimentar, pois preferia fumar nos
horários das refeições; dificuldade em gerenciar seu dinheiro, já que gastava mais
do que devia, de forma impulsiva e para se premiar quando estava triste. Durante
o período de avaliação a paciente foi instruída a buscar tratamento psiquiátrico, o
que foi feito. Na fase de tratamento, os objetivos estabelecidos foram: diminuição
dos níveis de ansiedade, enfrentamento de situações que despertavam sentimen-
tos de vulnerabilidade, aumento do peso até níveis mais aceitáveis, redução do
hábito de fumar, reestruturação cognitiva referente à sua autoimagem, e estímulo
ao engajamento em situações sociais. A paciente, posteriormente foi diagnosti-
cada pela psicóloga e pelo psiquiatra como apresentando também Transtorno de
Personalidade Dependente. Seu tratamento teve início em 2010 com atendimen-
tos semanais, e no ano de 2015 a paciente passou a fazer atendimentos quinzenais,
e posteriormente mensais. Atualmente, 2017, ela se encontra em fase de alta tanto
do tratamento psicoterápico quanto do psiquiátrico. A única queixa que ainda
perdura com intensidade é o hábito de fumar, enquanto que com relação às outras
queixas, a paciente apresentou melhoras significativas, segundo seu próprio relato.

Principais técnicas cognitivas comportamentais

Tarefas de casa

Um aspecto central da terapia cognitivo-comportamental é que o terapeuta


propõe tarefas de casa para o paciente, visando a que o mesmo utilize o tempo
fora das sessões para novas experiências e exercícios corretivos de suas crenças e
comportamentos disfuncionais.

Registro diário dos pensamentos disfuncionais (RPD)

Exercício que estimula os pacientes a anotarem todos os seus pensamentos


disfuncionais associados com seus momentos de sofrimento relacionados à queixa,
para posterior exame ou para que o próprio paciente tente reestruturá-los.

capítulo 3 • 81
REGISTRO DE PENSAMENTOS DISFUNCIONAIS
Instruções: Quando você notar seu humor ficando pior pergunte-se: O que está passando no meu pensamento? E anote, logo que possível, o pensamento
(ou imagem mental) na coluna “Pensamento Automático”. Identifique, então, qual emoção, sentimento ou estado de humor que você sentiu quando teve este
pensamento. A seguir, verifique quão realistas ou verdadeiros são esses pensamentos, e construa uma resposta mais racional, com pensamentos alternativos
mais adequados para a situação.
Avalie quanto mudou seu pensamento e sua emoção original.

Pensamento automático
Emoção Resposta adaptativa
Que pensamentos e/ou imagens Resultado
Que sentimentos ou Use as perguntas abaixo para com-
Situação passaram por sua cabeça naque- Avalie quanto você
emoções (tristeza, por as respostas aos pensamen-
Especifique a situação, la situação? acredita agora em
ansiedade, raiva etc.) tos automáticos.
o que aconteceu. Sublinhe o pensamento mais seus pensamentos
você sentiu naque- Se possível, avalie quanto você acre-
Onde você estava, fa- importante ou aquele que mais automáticos (0-
la situação. dita em cada resposta alternativa.
zendo o quê. lhe incomodou. 100%) e na intensi-
Se possível, avalie a Quais as possíveis distorções cogni-
Quem estava envolvido. Se possível, avalie quanto você dade de suas emo-

capítulo 3
intensidade de cada tivas (veja Lista de Distorções Cog-
acredita em cada um dos pensa- ções (0-100%)
emoção (0-100%) nitivas) que você fez?
mentos (0-100%)

• 82
Para construir a resposta alternativa, faça as perguntas:
1. Quais são as evidências de que o pensamento automático é verdadeiro? Quais evidências de que não é verdadeiro?
2. Há explicações alternativas para o evento, ou formas alternativas de enxergar a situação?
3. Quais são as implicações, no caso dos pensamentos serem verdadeiros? Qual é o pior da situação? O que é mais realista? O que é possível fazer a
respeito?

Tabela 3.1  –  Registro de Pensamentos Disfuncionais. Judith Becke Beck et al. Disponível em:<http://www.testahy.com.br/2012/12/terapia-
cognitiva-comportamental.html>. Acesso em: abr. 2018.
Questionamento socrático

Perguntas que o terapeuta faz para o paciente buscando questionar os funda-


mentos de seus pensamentos automáticos e que, reconhecendo a ausência deles,
possa modificá-los. Buscam-se as evidências que sustentam ou não as crenças e os
pensamentos automáticos, bem como sobre outras possíveis alternativas de in-
terpretar as situações. Este questionamento deve focalizar os pensamentos, em
que depois de reconhecê-los, o paciente deve-se perguntar (ou o terapeuta deve
perguntar ao paciente):
•  “Que evidências tenho de que aquilo que passou pela minha cabeça naquele
momento é verdadeiro?”
•  “Que evidências são contrárias ao que pensei?”
•  “Existem explicações alternativas?”
•  “Que provas tenho de que de fato o que imaginei na ocasião vai acontecer?”
•  “E se acontecer o que penso, qual o significado que isto tem para mim?”
•  “Quais as possíveis formas que eu tenho para enfrentar as situações que vivo?”
•  “O que outras pessoas pensariam na mesma ocasião?”

Experimentos comportamentais

Exercício que tem por objetivo modificar comportamentos e desfiar crenças


em situações práticas. Nesse exercício, a crença é considerada uma hipótese, em
que o paciente rejeita ou confirma, conforme testado na prática, em situações
reais. Por meio desses experimentos comportamentais, pode-se pedir, por exem-
plo, que um paciente que possua crenças do tipo: “Nada do que falar em grupo
será interessante”, teste na prática essa sua crença, falando algo em uma situação
social e observando a resposta de outras pessoas às suas falas. Após a observação, a
crença será questionada.

Relaxamento muscular profundo e outros exercícios de controle da ansiedade

Conjunto de exercícios musculares, respiratórios e de imaginação, cujo objeti-


vo é levar o paciente a desenvolver estratégias de controle da sua ansiedade. Estes
são exercícios são praticados de forma rotineira pelo paciente, de forma que a sua
prática acaba por diminuir os sintomas da ansiedade e de outros estados emocio-
nais intensos.

capítulo 3 • 83
Planejamento de atividades diárias

O planejamento de atividades diárias consiste em desenvolver junto com


o cliente um programa diário de atividades que aumente o seu nível de ação,
a probabilidade de reforçamento e a possibilidade de refutação de suas cren-
ças disfuncionais.

Enfrentamento gradual

Tem base no conceito de inibição recíproca, em que o enfrentamento de situa-


ções ansiógenas é pareado com a utilização de técnicas de relaxamento. O enfren-
tamento é planejado de forma que o paciente inicie pelas situações consideradas
mais fáceis, por gerarem um pequeno grau de ansiedade. A cada vez que o paciente
enfrenta satisfatoriamente (com um grau cada vez menor de ansiedade), o mesmo
passa para a situação seguinte, na qual o grau de desconforto é levemente maior
do que na primeira situação. Repete-se o mesmo procedimento para todas as si-
tuações apontadas como geradoras de ansiedade.
LINHA DO TEMPO

FONTES DE ESTRESSE FONTES DE ESTRESSE PARA


FONTES DE ESTRESSE PARA PARA AS MÃES DE CRIANÇAS AS MÃES DE ADOLESCENTES
AS MÃES DE BEBÊS - Sente-se sozinha para cuidar do filho - Dificuldade com as
- Nascimento do filho - Dificuldade em lidar com as grandes demandas de
com paralisia cerebral necessidades do filho cuidado
- Falta de informações - Superinvestimento no cuidado - Anular a própria vida
do filho compromete a vida para cuidar do filho
CARACTERÍSTICAS PESSOAIS
CONTEXTO DE VIDA

ESGOTAMENTO
FONTES DE ESTRESSE FÍSICO E
EMOCIONAL

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO ADAPTAÇÃO

ESTRATÉGIAS DAS MÃES


ESTRATÉGIAS DAS ESTRATÉGIAS DAS MÃES
DE ADOLESCENTES
MÃES DE BEBÊS DE CRIANÇAS
- Uso do aprendizado
- Confiança - Superinvestimento de tempo
construído ao longo dos anos
ingênua e fé no cuidado e
- Ter expectativas realistas
na cura valorização dos avanços
- Apoio recebido

Figura 3.2  –  Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-


d=S1413-81232016001003203>. Acesso em: abr. 2018.

capítulo 3 • 84
Prevenção de recaída

Os procedimentos de prevenção de recaídas, embora mais amplamente uti-


lizados nos programas de tratamento da drogadição, podem ser utilizados nos
programas de mudança de comportamento geral. Por meio de ações com as da
autovigilância pelas quais os pacientes devem prestar atenção ao seu comporta-
mento, e inibir o comportamento habitual, identificando situações de alto risco
em que a recaída é provável. Trabalha-se com habilidades de enfrentamento, que
são bem importantes nesse momento, na medida em que os pacientes as podem
utilizar nas situações de alto risco para eles, nas quais sentem que podem perder o
controle. Procedimentos de treinamento em relaxamento também são utilizados
neste momento.

Treinamento das habilidades sociais (THS)

Por habilidades sociais se entende o conjunto de capacidades comportamen-


tais que foram aprendidas, e que são as “regulagens” ou os fundamentos para que
se deem as interações sociais. O indivíduo que as domina tem um comportamento
adequado e respeitoso em relação a atitudes, desejos, sentimentos, opiniões e cren-
ças próprias e de terceiros. Por meio de um Treinamento em Habilidades, se pro-
cura que o sujeito alcance a redução da ansiedade em situações sociais problemá-
ticas, e consiga realizar uma reestruturação cognitiva, como fazer um treinamento
em solução de problemas, e que resulte no desenvolvimento de comportamentos
socialmente mais funcionais (CABALLO; 1996). Recomendo assistir ao seguinte
vídeo, disponível em: <https://prezi.com/uxxm3wumvixz/treino-em-habilidades-
sociais-assertividade-e-parada-de-pen/>. Acesso em: abr. 2018.

O ensaio comportamental

Conforme Caballo (1996) aponta, o ensaio comportamental é um procedi-


mento que visa a que maneiras apropriadas e efetivas sejam desenvolvidas no in-
divíduo para que este consiga enfrentar as situações problemáticas para ele na sua
vida real. Consiste no aprendizado de novas respostas que substituirão respostas
não adaptativas. O ensaio comportamental concentra-se na mudança de com-
portamento e não na identificação e expressão de supostos conflitos. O ensaio

capítulo 3 • 85
comportamental, segundo Rangé (2001b), focaliza a modelagem de estratégias
que o indivíduo pode empregar numa situação em particular.

Role-Playing

Terapeuta e paciente se comportam imitando o comportamento de alguma


pessoa relevante no ambiente natural do sujeito ou fazendo uma representação do
comportamento do próprio sujeito em alguma situação social. Serve para treinar o
paciente a interagir adequadamente em situações sociais (RANGÉ, 2001b). Veja
o seguinte vídeo disponível em:

Feedback e reforçamento

O reforçamento, presente em todas as sessões do THS, serve para que o pa-


ciente adquira novos comportamentos e aumente aqueles considerados adaptati-
vos, em que o terapeuta recompensará as aproximações sucessivas do paciente. O
feedback, por sua vez, proporciona informação específica ao sujeito, buscando que
o mesmo desenvolva e melhore uma habilidade. (CABALLO, 1996)

A dessensibilização sistemática

Conforme Turner em Caballo (1996), a dessensibilização sistemática é uma


intervenção terapêutica desenvolvida para, dentre outras coisas, eliminar as sín-
dromes de evitação (comportamento de esquiva, fuga). A exposição aos estímulos
sociais pode ser concretizada por meio da imaginação, de ensaios comportamen-
tais e nas situações reais. Essa técnica consta de quatro passos principais:
a) Treinamento no emprego da escala “SUDS”, a qual é uma ferramenta
que avalia o nível de ansiedade;
b) Uma análise completa comportamental e o desenvolvimento de uma
hierarquia de medos;
c) Treinamento do relaxamento muscular profundo ou algum outro pro-
cedimento de relaxamento;
d) A combinação da exposição pela imaginação à hierarquia de medos
junto com o estabelecimento de uma resposta de relaxamento profundo no
paciente.

capítulo 3 • 86
Conforme coloca Rangé (2001b), à medida que o paciente passa a não mais
reagir com ansiedade à apresentação de um determinado nível de estímulos, atin-
ge-se o critério para apresentar o estímulo seguinte da lista hierarquizada. Os es-
tímulos dessensibilizados em consultório tendem a se generalizar para as situa-
ções reais.

Resolução de problemas

Resolver um problema é um evento comportamental. Os vários tipos de ativi-


dades que promovem o aparecer de uma solução são formas de comportamento.
O comportamento de resolução de problema se destina a fortalecer ou enfraque-
cer uma resposta já identificada.
A aplicabilidade do modelo de solução de problemas se estende a: pacientes
psiquiátricos; indivíduos com problemas de uso de drogas, de fumar, de obesida-
de; depressão clínica, estresse; ansiedade proveniente de indecisão vocacional, da
agorafobia, da hipertensão e da raiva; problemas conjugais; idosos; grupos da co-
munidade; agressividade em deficientes mentais; facilitação da competência geral
entre indivíduos “normais”; e em terapeutas comportamentais.

CONCEITO
Agorafobia é o medo de lugares e situações que possam causar pânico, impotência ou
algum tipo de constrangimento.

Exercício prático
Um estudo de caso clínico:

OBJETIVO DA Apresentar uma possível forma de atuação psicoterápica em


APRESENTAÇÃO um caso clínico, bem como suscitar algumas questões refe-
DESTE CASO rentes ao mesmo que podem vir a servir de referência no tra-
tamento de outros pacientes.
CLÍNICO
Ansiedade em situações sociais, principalmente em relacio-
QUEIXAS namentos sociais, depressão, além de fumar excessivamente.

capítulo 3 • 87
Desde muito pequena se sente ansiosa, triste e com raiva de
si mesma. A irmã, ao perceber que a paciente estava perma-
nentemente triste, a levou a um psiquiatra (que a diagnosticou
HISTÓRIA DA com depressão, ansiedade social e transtorno de persona-
QUEIXA lidade dependente), receitou remédios para diminuir os sin-
tomas depressivos e de ansiedade. Ele também insistiu para
que a paciente iniciasse uma psicoterapia.

Mulher, 45 anos, desempregada, sem nenhum relacionamen-


to amoroso, morava com os pais, tinha duas irmãs mais velhas
HISTÓRIA casadas (acreditavam que ela estava deprimida, perdida e
PESSOAL sem perspectivas), curso superior concluído (mas sem exer-
cer), sem motivação no emprego.

Seus pais a criaram lhe dizendo que era muito “diferente” de suas irmãs, “in-
teligentes, espertas e competentes”. Por estar solteira e desempregada, a família
acreditava que era “natural” que a paciente cuidasse de seus pais idosos até que os
mesmos morressem. Seus pais tiveram filhos mais tardiamente e eram bem idosos.
A educação das filhas seguiu um modelo tradicional, por meio de cobranças de
desempenho acadêmico, para que todas pudessem estar “seguras” quando ficassem
adultas. Pouca expressão de afeto, seja por elogios ou contato físico. Eram, atual-
mente, mantidos financeiramente pelas filhas.
Primeiramente vamos estudar o modelo cognitivo a partir do seguinte
esquema:
MODELO COGNITIVO
SITUAÇÃO

PENSAMENTO EMOÇÃO COMPORTAMENTO


“EU PENSO” “EU SINTO” “EU FAÇO”

A FORMA COMO PENSAMOS IRÁ INTERFERIR EM COMO NÓS SENTIMOS E AGIMOS.

Figura 3.3  –  Disponível em: <http://geraldasantospsicologa.com.br/site/wp-content/


uploads/2015/11/terapia-cognitiva.png>. Acesso em: abr. 2018.

Segue-se a esse entendimento gráfico de como se constitui um modelo cogni-


tivo, passamos a seguinte etapa: a do RPD – registro de pensamentos disfuncionais

capítulo 3 • 88
conforme quadro adiante, a fim de perceber este como se dá esse eu penso → eu
sinto → eu faço:

SITUAÇÃO PENSAMENTO SENTIMENTO COMPORTAMENTO


“Não vou passar”
“Vou fazer papel Medo Ir até o prédio onde
Ir a uma entrevis- de idiota” Tristeza seria a entrevista e não
ta de emprego “Todos irão Raiva de si subir. Ficar fumando na
perceber meu mesma portaria.
nervosismo”
“Não sei o
Ligar para a irmã para
que fazer”
Comprar uma se encontrar com ela e
“Vou ficar perdida” Medo
roupa para si ajudá-la a fazer a com-
“Preciso da minha Tristeza
mesma pra. Fumar enquanto
irmã para me dizer
espera pela irmã.
o que fazer”
“Será que ele
está interessado
Conversar com o em mim?” “Não
Medo
cuidador de seus pode ser: eu sou Evita encontrá-lo.
Tristeza
pais sem graça”
“Vou ligar para
minha irmã”

Após o questionamento foram identificados:


•  Pensamentos automáticos:
– “Não vou passar”
– “Não sei o que fazer”
– “Será que ele está interessado em mim?”
– “Não pode ser: eu sou sem graça”

•  Crenças intermediárias:
– “Vou fazer papel de idiota”
– “Todos irão perceber meu nervosismo”
– “Vou ficar perdida”
– “Preciso da minha irmã para me dizer o que fazer”
– “Vou ligar para minha irmã”

capítulo 3 • 89
•  Esquemas cognitivos: fracasso, dependência, padrões inflexíveis.
•  Padrões de enfrentamento: esquiva. Como a paciente com frequência
evita a situações que a levam a sentir medo, ela confirma suas expectativas de fra-
casso, que, por sua vez saem fortalecidas, de modo que a cada situação a paciente
experimenta o mesmo ciclo de pensamento → emoção → comportamento. Com
o passar do tempo, as experiências de um suposto fracasso se repetem, e acabam
por fazer com que, além do medo, a mesma experimente uma sensação de triste-
za permanente.
Objetivos: diminuição dos níveis de ansiedade, enfrentamento de situações
que despertavam sentimentos de vulnerabilidade, redução do hábito de fumar,
reestruturação cognitiva referente à sua autoimagem, e estímulo ao engajamento
em situações sociais.
O tratamento teve início com atendimentos semanais, e dois anos depois os
atendimentos passaram a quinzenais, e posteriormente mensais.

O plano de tratamento básico incluiu:


•  Identificação dos padrões de pensamentos disfuncionais e dos esquemas
cognitivos, com identificação das experiências infantis que deram base ao desen-
volvimento dos esquemas.
•  Técnicas de reestruturação cognitiva, com ênfase em técnicas vivenciais e
de dramatização.
•  Estabelecimento de objetivos pessoais prioritários para a paciente.
•  Técnicas de relaxamento que visassem a uma diminuição da ansiedade (o
que acabou implicando uma redução também do comportamento de fumar).
•  Estabelecimento de uma agenda diária que incluísse atividades que impli-
cassem que a paciente saísse de casa com mais frequência, e que ela pudesse en-
frentar situações sociais de forma gradativa.
•  Treinamento de habilidades sociais, com ênfase no desenvolvimento de
maior desenvoltura social e comportamentos mais assertivos.

Atualmente, a paciente se encontra em fase de alta tanto do tratamento psico-


terápico quanto do psiquiátrico. A única queixa que ainda perdura com intensi-
dade é o hábito de fumar, enquanto que com relação às outras queixas, a paciente
apresentou melhoras significativas, segundo seu próprio relato.

capítulo 3 • 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECK, A. T.; FREEMAN, A. & DAVIS, D. D. Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade. 2
ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
CABALLO, V. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo:
Santos, Livraria Editora, 1996.
RANGÉ B. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a Psiquiatria. Porto Alegre:
Artmed, 2001.
YOUNG, T. E. Terapia cognitiva para transtornos da personalidade: uma abordagem focada em
esquemas. Porto Alegre: Artmed, 2003.

capítulo 3 • 91
capítulo 3 • 92
4
As correntes
fenomenológica-
existenciais:
existencial, o
existencialismo e
as humanistas
As correntes fenomenológica-existenciais:
existencial, o existencialismo e as humanistas

Neste capítulo, olharemos a psicoterapia a partir de uma perspectiva mais


compreensiva, questionando práticas voltadas para modelos mais naturalistas ou
comportamentalistas, procurando escapar de procedimentos prescritivos voltados
para tratamento e cura. O que se pretende é perceber o homem em sua historici-
dade, inserido em suas relações, compreendendo-o a partir de suas experiências.
Assim, o psicólogo é um cientista voltado para a comunicação, entenden-
do essa comunicação como atos de indivíduos históricos e culturalmente datados
numa articulação entre biografia individual e formas culturais, o que demanda ati-
tude compreensiva como forma de desvelar a experiência vivida que se manifestam
pelos ou nos atos comunicativos. O sentido que os sujeitos atribuírem ao mundo e
às experiências vividas e expressas, constituiriam o objeto das ciências do espírito.

OBJETIVOS
•  Rever os conceitos fundamentais do existencialismo, do humanismo e da Gestalt;
•  Apresentar os fundamentos teóricos da prática das psicoterapias de caráter fenomenológico;
•  Contribuir para identificação e reconhecimento do conteúdo teórico e clínico das aborda-
gens fenomenológicas;
•  Determinar objetivos, alcances e limitações da prática terapêutica.

Considerações preliminares

Os sistemas psicológicos têm como proposta apresentar concepções de ho-


mem, de mundo e de objeto da psicologia. Nesse sentido, podemos identificar três
grandes grupos. No primeiro, observamos as matrizes cientificistas, que ignoram a
singularidade do sujeito, assumindo o modelo das ciências naturais. Isso significa
dizer que se buscam explicações naturais para fenômenos psíquicos, partindo do
pressuposto da existência de uma “verdade” evidenciada, por meio da objetivi-
dade do método científico. Aponta-se aqui para uma forma de determinismo, o

capítulo 4 • 94
homem natural, submisso às influências ambientais. Situam-se aqui as abordagens
de orientação behaviorista, que têm como fundamento filosófico o neopositivis-
mo, cujo foco é buscar a relação causal na compreensão do comportamento.
Numa segunda perspectiva, temos o modelo psicanalítico, uma abordagem
histórica e determinista dos problemas psicológicos. Aqui a ênfase é no sujeito e
na crença de que o é homem movido por forças inconscientes que precisam ser
desveladas, decifradas a fim de entender o porquê do sintoma. Observa-se aqui a
ênfase na explicação, buscando a relação entre causas e efeitos.
Um terceiro modelo aponta para aquelas abordagens que centram seu enfo-
que sobre a experiência do existir, valorizando aspectos relacionados à liberda-
de e responsabilidade, colocando o homem como protagonista de sua história.
Aqui observamos dois subgrupos: as abordagens fenomenológico-existenciais e as
humanistas. No primeiro subgrupo temos Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean
Paul Sartre, entre outros. No segundo encontramos, entre outras, Maslow com a
teoria da motivação, psicoterapia centrada no cliente, de Carl R. Rogers; a Gestalt-
terapia, de Fritz Perls.
Nessas perspectivas, recusam-se todas as formas de determinismo psiquismo
e todas as formas de compreensão do homem que não considerem sua especifi-
cidade única, suas idiossincrasias. Portanto, não se aceitam explicações teóricas
generalizantes, que transformem o homem em uma máquina, desprovida de vida
própria e possuidor de mecanismos reguladores que podem ser ajustados para um
funcionamento mais adequado. Não enseja uma busca pela relação de causa e efei-
to, mas sim compreender a singularidade do ser-homem, ou seja, o que importa
não é uma relação lógica, mas sim ontológica.

A fenomenologia de Husserl

O termo fenomenologia tem sido empregado por alguns pensadores ao longo


da história da filosofia, e pode ser aqui definido da seguinte forma: “descrição
daquilo que aparece ou ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”
(ABBAGNANO, 2000, p. 437). Portanto, a fenomenologia está relacionada dire-
tamente ao conceito de fenômeno que pode ser definido como “aquilo que apa-
rece ou se manifesta” (Idem). Assim, faremos aqui de forma rápida, uma descrição
da fenomenologia sob a óptica do filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938),
figura adiante.

capítulo 4 • 95
©© WIKIMEDIA.ORG
Gustav Albrecht Edmund Husserl (1859-1938), filósofo alemão, fundador
da fenomenologia, nasce em Prossnitz, atual Prostejov, na Morávia, na épo-
ca parte do Império Austro-Húngaro e hoje pertencente à República Tcheca.
Estudou nas universidades de Leipzig, de Berlim e de Viena. Em 1883 inicia
a carreira de professor na Universidade de Berlim. Transfere-se no ano seguinte
para a Universidade de Viena, mas também dá aulas nas universidades de Halle,
Göttingen e Freiburg-in-Breisgau.
Permanece nesta última até 1928, quando abandona o magistério para escre-
ver seus ensaios. Entre outras obras, elabora as Investigações Lógicas (1901-1902),
em que define sua filosofia como a análise da experiência que está por trás de todo
o pensamento formal. Lança depois as bases da teoria da fenomenologia.
A fenomenologia de Husserl, com certeza, foi uma das grandes contribui-
ções para a psicologia, mais especificamente para as psicoterapias de cunho feno-
menológico-existencial. Sua proposta é traçar um paralelismo entre a psicologia
e a fenomenologia, pois toda pesquisa psicológica empírica afirma uma verdade
fenomenológica ou eidética, quer dizer, essencial (RAFFAELLI, 2004, p. 212).
Husserl entendeu que o estudo experimental revela a essência de maneira velada,
cabendo à psicologia desvendá-la e compreendê-la, o que só é possível a partir
da superação dos preconceitos naturalistas que embasam o experimentalismo.
(RAFFAELLI, 2004)
Com o desenvolvimento da ciência e progressos na forma de perceber o mun-
do, novas matrizes de pensamento vão surgindo. “Pode-se observar claramente
uma redefinição das relações sujeito-objeto, seja no plano da ação, seja no do
conhecimento. A razão contemplativa (...) cede lugar, progressivamente, à razão e
à ação instrumental.” (FIGUEIREDO, 1991, p. 13)

capítulo 4 • 96
O mundo passa a ser visto não apenas pela óptica atomista e mecanicista, mas
também por uma óptica funcionalista, organicista, recebendo, inclusive, influên-
cia da teoria da evolução de Darwin. (FIGUEIREDO, 1991)
A matriz funcionalista veio trazer uma visão sistêmica de se apreender o mun-
do, contemplando a inter-relação entre as diversas disciplinas de estudo e as di-
versas atividades humanas. O homem passa a ser reconhecido como um sistema
funcional de interconexões e possibilidades, considerado um fenômeno individual
e singular. Tal perspectiva trouxe importantes avanços na compreensão da subje-
tividade humana.
A partir dos novos conceitos, muitos questionamentos começam a surgir.
Assim, o pensamento positivista é questionado pela impossibilidade de haver um
sujeito inteiramente livre de sua subjetividade. A pura subjetividade passa então
a ser considerada ilusão. A chamada crise do conhecimento, a verdade absoluta
passa a ser questionada e começa a surgir a verdade subjetiva.
Na raiz da fenomenologia, se apresenta Franz Brentano (1938-1917) na figura
adiante, com a psicologia do ato, defendendo que a realidade está na consciência
de cada um, na maneira como cada um vive o mundo, como se vê, sente, toca,
ouve e percebe. “O fundamental da psicologia brentaniana é que a experiência se
baseia na percepção interior.” (HOLANDA, 1998, p. 3)
©© WIKIMEDIA.ORG

Assim, existe uma distinção entre o ato físico e o atopsíquico, sendo tarefa da
psicologia estudar o ato psíquico. Fica claro, para a psicologia do ato, que não é mais
o objeto em si que deve ser considerado, mas sim o ato, isto é, não importa a coisa
vista, mas o ato de se ver; não importa aquilo que se sente, mas o ato de sentir. Ou
seja, fica claro que consciência é ato e não uma caixa vazia, preenchida simplesmente
por aquilo que existe no mundo externo, como esta fosse a única verdade.

capítulo 4 • 97
É interessante ressaltar-se que consciência e objeto não são em distinção e efeito
duas entidades separadas na natureza, e que o fenomenólogo trataria na sequência de
relacionar. Consciência e objeto se definem respectivamente a partir dessa correlação
que lhes é, de certo modo e maneira, co-original. (ANGERAMI-CAMON, 1993, p. 61)

Sujeito e mundo não são realidades próprias, separadas uma da outra, mas
sim profundamente implicadas. A consciência do homem é ato, que intenciona o
mundo e este é dessa forma constituído para essa consciência. Impossível separar,
pois não são dois mundos separados, mas um que é transcendente. Assim, a cons-
ciência, enquanto ação, é objeto de estudo da fenomenologia.
Consciência e objeto são unificados – a mente está sempre em relação, nega-se
a pura objetividade e a pura subjetividade. Dá-se início ao estudo da intencionali-
dade da consciência, isto é, do ato de dar sentido. Porém, nunca podemos chegar
ao sentido último, pois este nunca se esclarece totalmente em seu conjunto de
significados e valores, dentro do qual a experiência se constitui. (FIGUEIREDO,
2002, p. 177)
Husserl entendeu que a preocupação da fenomenologia deve ser a descrição
dos fenômenos como eles são na intencionalidade da consciência, rejeitando, as-
sim, o elementarismo, o naturalismo. Ou seja, seria a busca pelo fenômeno que se
constitui na interação do objeto com a consciência: subjetividade versus objetivi-
dade. O objeto só passa a se constituir como tal quando reconhecido e represen-
tado na consciência. Sem essa correlação não poderia haver objeto nem tão pouca
consciência. (ROEHE, 2006)

PERGUNTA
O que é então a consciência?

Para Husserl (2006, p. 84) a consciência é "resíduo fenomenológico". A cons-


ciência não é conteúdo. A consciência é fluxo, sempre movimento em direção
a algo, a alguma coisa, ela é "essa abertura ao mundo em busca dos sentidos da
própria racionalidade à qual o homem procura submetê-lo para seu domínio".
Então, entendemos que a característica fundamental da consciência é a in-
tencionalidade. Para Husserl, a intencionalidade permite investigar o retorno às
coisas mesmas, isto é, ao fenômeno. “O fenômeno é para Husserl simplesmente

capítulo 4 • 98
aquilo que se oferece ao olhar intelectual, à observação pura, e a fenomenologia
se apresenta como um estudo puramente descritivo dos fatos vivenciais do pen-
samento e do conhecimento oriundo dessa observação.” (GILES, 1975, p. 132)
Se o que interessa é o fenômeno, tal qual como ocorre na consciência, como
chegar a ele? Husserl (1900) cria então um método para ter acesso ao fenômeno:
a redução fenomenológica, a qual consiste em suspender todos os preconceitos,
valores, teorias científicas e crenças preexistentes. “É necessária, pois, a realização
consciente da redução fenomenológica para obter aquele eu e a vida da consciên-
cia, na qual se deve estabelecer a indagação transcendental enquanto indagação da
possibilidade do conhecimento transcendente.” (HUSSERL, 1900, p. 43)
É correto afirmar que a fenomenologia nos diz que a verdade só pode ser re-
velada, quando suspendemos nossos próprios valores. Como diz Bicudo (2000),
Husserl afirma que perceber uma coisa é vê-la, tocá-la, cheirá-la, ouvi-la, enfim,
senti-la de diferentes maneiras e de acordo com as possibilidades dos sentidos
(p. 31). Não devemos apreender o mundo como imposto à consciência, mas sim
por meio de uma análise intencional, buscando-se a essência do fenômeno, abs-
traída de opiniões, crenças, preconceitos ou valores que possam vir a influenciá-la.
Holanda (1998) descreve que para se compreender o fenômeno, é preciso
renunciar a tudo o que é particular do sujeito, de modo que lhe seja permitido
maior liberdade na compreensão da realidade deste fenômeno (p. 6). Estamos
falando aqui de redução fenomenológica ou epoché, isto é, significa nos colo-
carmos a nós mesmos como autores de tudo, analisar o objeto a partir da nossa
própria concepção, captar a intenção, compreender a essência longe de preconcei-
tos, e inter-relacionar o mundo com a nossa mente. Segundo Dartigues (1992),
“O resultado da redução fenomenológica (...) não é só o eu penso, mas a conexão
ou correlação entre o eu penso e seu objeto de pensamento” (p. 22). “A fenome-
nologia se tornará, consequentemente, o estudo da constituição do mundo na
consciência.” (DARTIGUES, p. 24)

Fenomenologia é ir às coisas mesmas, descobri-las tais quais se apresentam aos


meus sentidos, tais quais eu as percebo. Mas é um ir em busca aliado à minha própria
experiência subjetiva concreta. É um olhar e ver, não apenas uma colocação diante de
algo. É participação, envolvimento. (HOLANDA, 1998, p. 5)

Mas é possível, se alcançar as coisas mesmas, livres de qualquer influência?


Seria de fato o homem o autor de tudo, como propõe a fenomenologia? Este

capítulo 4 • 99
superdimensionamento do homem é visto por alguns como uma tentativa idealis-
ta, pois ninguém se encontra livre de seus valores e crenças, a consciência é consti-
tuída da interferência do mundo (cultura, sociedade, conceitos). Porém, Merleau-
Ponty (1999) nos diz que a percepção oferece verdades como presenças, dizendo
com isso tratar-se de uma verdade percebida com nitidez no momento em que o
sentido se faz para o sujeito. (BICUDO, 2000, p. 31)
Assim, a fenomenologia acontece na relação homem-mundo, ou seja, cons-
ciência-objeto. Isso quer dizer que qualquer tentativa de criar uma dualidade entre
esses dois mundos corresponde à verdade, não existe um mundo sem o outro, o
que temos é uma relação transcendental, que se coloca, como resultado, de for-
ma dialética.
A preocupação de Husserl era a de poder conhecer as coisas de uma forma ri-
gorosa, livre dos preconceitos e juízos de valor: retornar às “coisas mesmas”, isto é,
compreender que o objeto é sempre “objeto-para uma consciência", isso significa
afirmar que todo objeto só é pensável com referência a um ato da consciência. Essa
é a ideia que nos conduz a um princípio básico da fenomenologia: a intenciona-
lidade da consciência. Nesse sentido, é importante compreender que na relação
que se estabelece entre sujeito-objeto, o primeiro contato se dá por meio dos sen-
tidos, a relação imediata, que é o noesis, e para em seguida ocorrer a integração
significa que a condição “doadora” de sentido da consciência, isto é, o sentido,
o significado do objeto que é o noema. Husserl, portanto, fala do componente
“real” e o componente “irreal” ou “intencional” da consciência.

CONCEITO
•  Noesis significa compreensão imediata, habilidade de sentir, perceber ou saber
algo imediatamente;
•  Noema é uma frase, história, raciocínio ou história que serve para fazer entender algo
diferente do que é dito.

Assim, Husserl (apud AZEVEDO &AZEVEDO, 2010) propõe o método


descritivo fenomenológico nas seguintes etapas:
a) Limpar as limitações do conhecimento;
b) Evitar qualquer forma de investigação com base na natureza;
c) Almejar a perspectiva do fenômeno enquanto fenômeno, desprenden-
do-se dos conceitos prévios;

capítulo 4 • 100
d) Atingir o transcendental, a pureza do conceito;
e) Buscar, em seguida, a pureza da verdade;
f ) Livra-se do factual e, mediante razão, alcançar o essencial.

Entendemos então, que na aplicação do método fenomenológico, temos dois


grandes momentos. O primeiro consiste no epoché (redução fenomenológica)
que é o momento que se faz a suspensão provisória das crenças, dos valores e até
mesmo as crenças científicas ou teorias psicológicas, tudo isso colocado “entre
parênteses”. Com essa atitude, o fenômeno que se apresenta à consciência, apa-
recerá, para sermos víeis a expressão husserliana, ele mesmo em "carne e osso"
(HUSSERL, 2006; GUIMARÃES, 2008). Esse caminho nos leva à subjetivida-
de, pois o que está posto como objeto de esclarecimento é a conexão entre o ser do
fenômeno psicológico e o saber do fenômeno psicológico.
É, pois, na subjetividade, na consciência, no ego transcendental que a sua ver-
dade aparece na manifestação absolutamente radical, já que toda objetividade só
pode ser legitimada a partir da subjetividade. Um objeto só terá sentido, só adqui-
re sentidos a partir da intencionalidade intuitiva da consciência, pois a verdade é o
acontecimento que interliga o sujeito humano ao mundo vivido. (GUIMARÃES,
2008)
O segundo momento é o transcendental, corresponde à descoberta da maior
liberdade na compreensão da realidade deste fenômeno. O surgimento do con-
junto de significações ou essências intuídas na experiência com o mundo e com
a vida. Essa etapa se encarrega da evidenciação das essências como significações e
sentidos dos objetos ou fatos constitutivos do nosso vivido imediato. Se fenome-
nologia é "ciência do vivido", o fundamento último dessa ciência está enraizado
no plano transcendental da consciência pura, pois é o lugar de toda evidenciação
possível. (GUIMARÃES, 2008, p. 25-26)
Desta forma, como afirma Guimarães (2008, p. 73):

(...) a fenomenologia não se interessa imediatamente pelos objetos ou pelos fatos, mas
pelos sentidos que neles podem ser percebidos. Fenomenologia é o ato de perceber
e descrever as essências ou sentidos dos objetos. Enquanto as ciências positivas bus-
cam suas verdades nos fatos, a fenomenologia descreve essas verdades a partir da
percepção das essências dos fatos, pois é nelas que os seus sentidos se revelam tais
quais são. (GUIMARÃES, Aquiles Côrtes; 2008)

capítulo 4 • 101
A fenomenologia existencial percebe o homem em sua existência (com suas
crenças e seus valores), cuja consciência é influenciada pelo mundo que o cer-
ca, mundo esse em constante mudança, mudando constantemente o homem.
Portanto, já não é a consciência do homem que constitui o mundo, mas é o ho-
mem e o mundo, numa dialética, que se constituem um ao outro. Não se pode
afirmar quem age sobre quem: se o homem sobre o mundo ou vice-versa.

Psicologia existencial fenomenológica e humanista

A fenomenologia busca compreender a experiência do indivíduo em sua es-


sência, entendendo a relação entre o sujeito e seu mundo como uma construção
dialética, influenciou o surgimento de alguns modelos terapêuticos, que passaram
a ser denominados por psicoterapia existencial e humanista. Esses modelos enfati-
zam a relação interpessoal, com o paciente percebido como pessoa, que por meio
da ação do terapeuta, deve buscar autoconhecimento e autonomia psicológica
suficiente para que possa assumir livremente a sua existência. (VILLEGAS, 1988)
Importante, dizer desde já, que esses modelos não se constituem como téc-
nicas de cura da perturbação mental, mas sim como intervenções cuja finalidade
principal é ajudar o crescimento pessoal e facilitar o encontro do indivíduo com a
autenticidade da sua existência, de forma assumi-la e a projetá-la mais livremente
no mundo. O foco é a existência humana, em que não se percebe o homem a
partir de sua dimensão biológica e psicológica, mas sim como existência singular,
lançado a um mundo fundamentalmente humano e histórico (CARDINALLI,
2004, DALGALAR, 2000). Assim, fica claro que o centro é o indivíduo e não a
perturbação mental.
Trata-se de uma pluralidade de métodos e de teorias que, contudo, podem
classificar-se em dois grupos diferentes: a psicoterapia existencial-fenomenológica
e a psicoterapia experiencial (humanista). As diferenças essenciais entre elas si-
tuam-se na forma como conceitualizam a capacidade do indivíduo para o processo
de mudança, nos conceitos-chave que estão em jogo e, ainda, na finalidade da
intervenção. (VILLEGAS, 1989)

A psicologia existencial-fenomenológica

O Existencialismo é uma corrente filosófica na qual o homem é visto como


ser-no-mundo (fenômeno de unidade) e como indivíduo que tem liberdade e

capítulo 4 • 102
responsabilidade por suas escolhas. Tem suas raízes na Europa e se difunde como o
pensamento mais radical a respeito do homem na época da modernidade, pois colo-
ca o homem no centro e o entende como construtor de sua existência, libertando-o
de posições deterministas, tão em vigor até aqui. Surge em meados século XIX
com o pensador dinamarquês Kierkegaard, mas alcançando seu apogeu após a
Segunda Grande Guerra, nos anos 1950 e 1960 com Heidegger e Jean Paul Sartre.
A corrente existencialista também assume o pensamento fenomenológico,
principalmente na proposta de Husserl, e propõe a descrição do fenômeno, tais
como eles parecem ser, sem nenhum pressuposto de que eles sejam na verdade.
Para o existencialismo, a fenomenologia de Husserl significou um interesse novo
no fenômeno da consciência, isto é, a consciência, enquanto dotada de intencio-
nalidade, é o objeto de estudo existencialismo.
Soren Kierkegaard (1813-1855), na foto a seguir, foi um filósofo dinamarquês,
teólogo, poeta, crítico social, autor religioso que é amplamente considerado o pri-
meiro filósofo existencialista. O pai do existencialismo partia da ideia que o indi-
víduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira
íntegra, sincera e apaixonada, apesar das “distrações existenciais” como o desespero,
o absurdo, a alienação e o tédio, se colocarem como desafios a serem vencidos.
©© WIKIMEDIA.ORG

Em sua obra O Desespero Humano, ele afirma que a origem do desespero está
na imaginação, quando e onde o homem pode criar uma relação fantasiosa consi-
go mesmo. O desespero, segundo ele, vem do afastamento da existência e constitui
a pior das doenças; o único mal para o qual não há cura. Sendo, portanto, a base
da angústia do homem. O homem, um ser desesperado, em busca do sentido da
sua existência.

capítulo 4 • 103
Assim como talvez não haja, dizem os médicos, ninguém completamente é, também
se poderia dizer, conhecendo bem o homem, que nem um só existe que esteja isento
de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma
desarmonia, um receio do desconhecido ou que ele nem ousa conhecer, receio duma
eventualidade exterior ou receio de si próprio. Tal como os médicos dizem de uma
doença, o homem traz em si um estado latente de enfermidade, do qual, num relâmpa-
go, raramente um medo inexplicável lhe revela a presença interna.

Disponível em: <http://www.laparola.com.br/


soren-kierkegaard-e-o-existencialismo>. Acesso em: abr. 2018.

Por “absurdo”, Kierkegaard se refere a um conflito ideológico entre a tendên-


cia humana de buscar significado inerente à vida e a inabilidade humana para
encontrar algum significado. Ou seja, o absurdo é o que não nos faz sentido, ou
que nos é contraditório. Nesse contexto, o absurdo não significa algo logicamente
impossível, mas humanamente impossível. Por natureza, os seres humanos tentam
encontrar sentido para suas vidas e, tradicionalmente, essa busca resulta em uma
de duas conclusões: que a vida não tem sentido, ou que a vida contém nela um
propósito definido por uma força maior. No fim, a noção do absurdo existencial
promove a ideia de que não há sentido a ser encontrado no mundo além do signi-
ficado que damos a ele. Portanto, o sentido é construído, não de forma racional,
lógica, mas de forma irracional, psicológica.
Sobre alienação, ele aborda o tema como sendo uma falta de consciência por par-
te do ser humano de que ele possui responsabilidade para ditar sua história. A alie-
nação retrata o mistério de ser ou não ser. Uma pessoa alienada carece de si mesmo,
anula-se, tornando-se sua própria negação, preferindo seguir aquilo que lhe é posto,
como uma forma de não cair no tédio, mas ao mesmo tempo se torna prisioneiro
dele, pois s vida se torna inautêntica, ele se isenta da responsabilidade da escolha.
Kierkegaard (1979) dizia ser o tédio raiz de todos os males:

Não admira, pois, que o mundo vá de mal a pior e que os males aumentem cada vez
mais à medida que aumenta o tédio, a raiz de todo o mal. A história deste pode acom-
panhar-se desde os primórdios do mundo. Os deuses estavam entediados, pelo que
criaram o homem. Adão estava entediado por estar sozinho, e por isso foi criada Eva.

capítulo 4 • 104
Assim o tédio entrou no mundo e aumentou na proporção do aumento da população.

Disponível em: <http://www.laparola.com.br/


soren-kierkegaard-e-o-existencialismo>. Acesso em: abr. 2018.

Outro conceito importante é de angústia que na visão de Kierkegaard, é antes de


tudo, uma “angústia da liberdade”. Angústia esta que surge quando o indivíduo se
experimenta dar uma identidade, imprimir uma direção precisa à sua vida, escolher a
si mesmo – uma angústia que Kierkegaard define também como “angústia do nada”,
enquanto o indivíduo, no momento da escolha, encontra-se defronte ao seu nada,
àquilo que ele não é ainda (já que só será “alguma coisa” quando tiver feito a escolha).
Ele nos lembra que, quando tomamos decisões, temos liberdade absoluta de
escolher. Percebemos que podemos escolher fazer algo ou não fazer nada, e que
nossas mentes entram em conflito ante o pensamento de liberdade absoluta e o
medo da responsabilidade por essas escolhas.
Lembra que, aquilo que um ser humano faz depende menos do que ele com-
preende, isto é, do pensamento racional, e mais do que ele quer, ou seja, do que
ele escolhe. Portanto, segundo Kierkegaard, não existe decisão absurda na vida que
não envolva o ser humano em angústia, pois todas elas são riscos por sua incerteza
e potenciais geradoras de conflito interno.
Considerando que existir é escolher e vice-versa, cabe somente ao ser humano
conscientizar suas ações conforme as possíveis consequências, sejam elas morais ou
imorais, lógicas ou não. Assim, fica claro que a escolha é uma ação, motivada ex-
clusivamente pela nossa vontade de promover um julgamento de caráter subjetivo
quanto ao seu deve ou não deve ser escolhido. Porém, longe de ser uma dádiva,
essa liberdade nos coloca diante do desespero, o ápice da angústia.
A partir dessas considerações, podemos pensar que Kierkegaard foi questio-
nador sobre a verdade. Para o dinamarquês, a existência é unicamente verdadeira,
mas não necessariamente lógica. Se não há lógica na existência, mas a existência é
real, então a verdade também não pode ser objetiva. Assim, para ele, não encon-
tramos a verdade como uma coisa “verificável”, destacada a nós de alguma forma,
mas por meio de nosso modo único e peculiar de apreender as coisas pela paixão:
a verdade é encontrada pela subjetividade.
A verdade, caracteristicamente subjetiva, é nada mais que um construto da
intensidade da fé. Quanto maior o ardor com que se acredita, mais verdadeiro será
o objeto do conhecimento, mas não obrigatoriamente lógico. Kierkegaard sempre
falava sobre “a verdade que é verdadeira para mim”, com isso querendo apontar

capítulo 4 • 105
que, para todo alguém, a verdade é aquilo que convém. Dessa maneira, ele conclui
que, toda vez que alegamos conhecer alguma coisa, só podemos dizer isto como
um ato de fé, não da razão.

Kierkegaard insiste na necessidade da apropriação subjetiva da verdade, pois se trata


de fundamentar o desenrolar do pensar em algo que seja ligado à raiz mais profunda
da existência, que é o Indivíduo. (...) A própria verdade, em vez de representar uma sim-
ples equação entre ser e pensar, torna-se sinônimo de subjetividade, o que quer dizer
que a verdade deve significar um compromisso pessoal do Indivíduo, já que tem raízes
na existência concreta e integrada de cada Indivíduo particular. (GILES, 1975, p. 9-10)

O homem na construção do seu existir, na escolha de suas verdades e na busca


de sentido, segundo Kierkegaard o homem passa por três estágios ao longo da
vida. O primeiro, o Estético (hedonista, a busca do prazer) o homem convicto
de que é inteiramente livre, vive ao sabor dos impulsos, procurando desfrutar,
extraindo o máximo de prazer de cada instante da vida.
Já no segundo estágio Ético (lei, normas), o homem procura conciliar paixão
e razão, reajustando-se ao social. A personalidade permanece livre, mas nos limites
da sociedade. O indivíduo assume a forma de existência da coletividade, mais
submisso à lei, vivendo o conflito entre a interioridade e a universalidade. Por fim,
o estágio Espiritual (fé), o encontro do homem com sua existência plena por meio
da espiritualidade, ou seja, Deus torna-se a regra do indivíduo, a única fonte capaz
de realizá-lo plenamente.
A passagem de um estágio para outro revela a frustração do homem por per-
ceber que não se completa e a existência se torna vazia, o prazer por si mesmo não
dá conta, assim como viver eticamente o levará ao mesmo marasmo. Somente no
estágio Espiritual, o homem se depara com sua existência plena, pois o homem se
torna livre, não precisa de justificativa de ordem racional, apenas a fé.

Para Kierkegaard tudo é dialética. A dialética do “eu” se desdobra desdobrando-se


sem cessar ela própria, refletindo sobre si, escolhendo-se idêntica e perpetuamente se
modificando. (...) O salto que leva o Indivíduo de um estágio para outro é dialético, pois
esse salto é, de uma vez, o abismo e o ato que o transpõe. (...) A dialética se apresenta
em Kierkegaard como oposição dos extremos, como ambiguidade, pois o “eu” não é
“dado”; é a possibilidade do eu que é dada, e, nesse sentido, é o palco do conflito exis-
tencial. (GILES, 1975, p. 14-15)

capítulo 4 • 106
Dando continuidade a esta nova maneira de perceber a existência humana,
Heidegger (1889-1976), filósofo, escritor e professor universitário é considerado
o ponto de ligação entre o existencialismo de Kierkegaard e a fenomenologia de
Husserl.

©© WILLY PRAGHER | WIKIMEDIA.ORG

Suas contribuições para a psicologia estão descritas em sua principal obra Ser
e Tempo (1927/1993), quando apresenta uma discussão acerca do sentido do ser
(aquilo “que é e como é”), a partir da analítica do dasein – termo de Heidegger
para designar o modo especificamente humano de ser, o ser-aí – que se caracteriza
essencialmente por compreender o ser e poder, portanto, questioná-lo. O “aí” da
expressão ser-aí se refere ao modo de ser que, sendo, revela, descobre o ser dos
demais entes.
Dissemos que o ser-aí é um ente que, em cada caso, sou eu mesmo; seu ser é,
em cada caso, meu. Essa definição indica um constitutivo estado ontológico, mas
apenas o indica. Ao mesmo tempo, ela nos diz onticamente (ainda que de forma
precária) que, em cada caso, esse ente é um eu – e não os outros. (HEIDEGGER,
1981, p. 27)
Entendemos que à medida que o homem se descobre em sua existência,
descobre também a existência do outro, que não existe de modo separado, mas
completamente implicados nas relações (ser-no-mundo). Fica claro que, apesar
do homem se constituir a partir do mundo natural e ser afetado por condições
socioculturais, caberá sempre a ele se posicionar diante daquilo que chega até ele.
Embora seja o homem um ser-no-mundo, ele é livre para construir sua existência
e, consequentemente, a concepção acerca de sua realidade.

capítulo 4 • 107
Heidegger também reconhece a possibilidade da morte como algo que vem
dar sentido à vida. Loparic (2004) cita que, para Heidegger, enquanto ser-para-a-
morte, o ser humano é um transcendente, desde sempre em movimento de ir além
do mundo e de si mesmo, (como apenas a sua consciência do seu momento de
ser), enquanto ente mundano (p. 49).

Cada presença deve, ela mesma e a cada vez, assumir a sua própria morte. Na medida
em que é, a morte é essencialmente e cada vez, minha. E de fato, significa uma possibi-
lidade ontológica singular, na medida em que coloca totalmente em jogo o ser próprio
de cada presença. No morrer, evidencia-se que, ontologicamente, a morte se constitui
pela existência e por ser, cada vez, minha. O morrer não é, de forma alguma, um dado,
mas um fenômeno a ser compreendido existencialmente num sentido privilegiado, o
qual deve ser delimitado mais de perto. (HEIDEGGER, 2004b, p. 20)

Assim, Heidegger contribui com o Existencialismo ao desobjetificar o ser


humano, destruindo ideias do homem como um mero objeto e coisa material
da natureza. Essa forma de conceber o homem foi fundamental na fixação dos
propósitos da daseins analyse, na medida em que o filósofo afirma a existência do
homem como um ente dentre vários outros, porém que se difere dos demais por
questionar sua própria condição.
A daseins analyse traz a preocupação de compreender o homem não só apri-
sionado ao que lhe é dado, mas constituído de uma consciência que o coloca como
construtor da sua existência, que em vez de se perguntar o que é o ser, deve se
perguntar: qual é o sentido de ser? A existência humana não é para ser explicada,
mas sim compreendida.
Nesse sentido, assinala Feijó (2014, p. 11) o psicoterapeuta que atua com base
na daseins analyse tem o poder de:
1. Ajudar com aquele que trata do modo de existir e não do “funciona-
mento” do homem;
2. Libertar o homem do aprisionamento por se tomar como um ente,
cujo modo de ser é simplesmente dado, se esquecendo de sua condição de
liberdade enquanto existente;
3. Facilitar que as experiências se tornem presentes, sem as condicionar
causalmente ao somático ou ao psíquico, deixando ser o que a própria ex-
periência do cliente lhe revela;

capítulo 4 • 108
4. Estar atento às indicações, porque suspende a verdade postulada pelo
senso comum, pela ciência e pela psicologia científica e permite que o fe-
nômeno (fato psicológico) seja reconhecido como uma simples relação do
cliente com o seu mundo;
5. Buscar conduzir o homem a si mesmo, possibilitando a livre relação
com aquilo que o encontra, se apropriando destas relações e se deixando ser
solicitado por elas;
6) Relacionar-se pelo modo de cuidado denominado por Heidegger como
“antecipação libertadora”, que devolve o outro a si mesmo, o liberando para
seus modos próprios e singulares de ser;
7. Sustentar sua atenção na serenidade, no estranhamento, na aceitação.

©© DUTCH NATIONAL ARCHIVES | WIKIMEDIA.ORG

Seguindo com os filósofos existenciais, agora se apresenta um dos mais im-


portantes existencialistas, Jean Paul Sartre (1905-1980), filósofo, escritor e crítico
francês, um dos pensadores mais importantes do século passado, trouxe para o
foco também o Humanismo, ao afirmar que o Existencialismo é Humanismo.
Trata-se, para Sartre, de um Humanismo existencial, porque para ele, o homem
está “constantemente se projetando para fora de si mesmo, construindo-se, rea-
lizando-se no mundo (NOGARE, 1981). Contudo o autor não aceita, segundo
Greening (1975) que o humanismo se torne estreito, rígido que perceba homem
apenas considerado como um ser a quem se atribui um último valor por suas
“preocupações humanas”. (GREENING, 1975, p. 21)

Há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe
antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem (...). O homem,
tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de
início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de
si mesmo. (SARTRE, 1987, p. 6)

capítulo 4 • 109
O que Sartre quer dizer com isso é que “o homem não é nada mais do que
aquilo que se projeta ser. Sendo este, o primeiro princípio do existencialismo (...).
O homem é antes de mais nada um projeto que vive subjetivamente (...), ele será
aquilo que fizer da sua vida, não havendo nada, além dele mesmo, de sua vontade,
que determine seu destino” (Penha, 2001, p. 45).
Para Sartre, o homem inventa a si mesmo. Ele constrói sua história de acordo
com suas escolhas e com o caminho que opta por tomar. Pois “não existe determi-
nismo, o homem é livre, o homem é liberdade” (Sartre, 1987, p. 9). Assim, Sartre
fala da liberdade, da responsabilidade, da capacidade de escolha e da angústia que
isso pode nos causar, e de que somos condenados a sermos livres – somos respon-
sáveis pelos nossos próprios atos: “o homem é responsável por si mesmo (...) o
homem se escolhe a si mesmo” (Sartre, 1987, p. 6).
Essa concepção existencialista do homem vai fazer com um construir a sua
própria definição de homem, cada um passa a ser aquilo que ele faz dele mesmo.
“É a escolha que faz entre as alternativas com que se defronta que constitui sua
essência” (PENHA, 2001, p. 46). Cada um, a partir do seu projeto de vida, de
sua formulação de crenças e valores e de sua história construída até então, irá se
constituindo pelos seus atos, suas escolhas e suas formas de viver no mundo.
Para os existencialistas, o homem é um ser livre, a sua liberdade faz dele ple-
namente responsável pela sua escolha, e a sua escolha, sendo verdadeira, é também
uma escolha que o homem faz para todos os homens. Dessa forma, o ato indivi-
dual acaba engajando toda a humanidade, isto é, se ele acredita que aquilo que
ele escolhe, por base em seus valores próprios, é o certo, então, ele também está
escolhendo para todos os homens.

Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de


nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos
os homens. (...). Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do
que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal. O que escolhemos
é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. (...). Portanto,
a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a
humanidade inteira. (SARTRE, 1987, p. 6-7)

É diante dessa liberdade de escolha, dessa responsabilidade assumida sobre os


seus atos e a humanidade inteira, que a angústia aparece. “A angústia da liberdade é a
angústia de optar, de fazer escolhas” (PENHA, 2001, p. 57). É a angústia da decisão
de uma escolha no lugar de outra. A angústia, no entanto, não nos impede de agir,
mas, pelo contrário, “constitui a condição de sua ação”. (SARTRE, 1987; p. 8)

capítulo 4 • 110
Fica claro, que o existencialismo sartriano concede importante relevo à res-
ponsabilidade, ou seja, entende que cada escolha carrega consigo a obrigação de
responder pelos próprios atos, um encargo que torna o homem o único respon-
sável pelas consequências de suas decisões. E cada uma dessas escolhas provoca
mudanças que não podem ser desfeitas, de forma a modelar o mundo de acordo
com seu projeto pessoal. Assim, perante suas escolhas, o homem não apenas torna-
se responsável por si, mas também por toda a humanidade.
Essa responsabilidade é a causa da angústia dos existencialistas. Essa angústia
decorre da consciência do homem de que são as suas escolhas que definirão a sua
essência, e mais, de que essas escolhas podem afetar, de forma irreversível, o pró-
prio mundo. A angústia, portanto, vem da própria consciência da liberdade e da
responsabilidade em usá-la de forma adequada ou não.
Sartre nega, ainda, a suposição de que haja um propósito universal, um plano
ou destino maior, em que seríamos apenas atores de um roteiro definido. Isso im-
plica que apenas nós mesmos definimos nosso futuro, por meio de nossa liberdade
de escolha. Porém, Sartre não se restringe em "justificar" a angústia dos existen-
cialistas, fruto da consciência de sua responsabilidade, mas vai além, e acusa como
má-fé a atitude daqueles que não procedem de tal forma, renunciando, assim, a
própria liberdade.
De acordo com o autor, a má-fé é uma defesa contra a angústia criada pela
consciência da liberdade, mas é uma defesa equivocada, pois através dela nos afas-
tamos de nosso projeto pessoal, e caímos no erro de atribuir nossas escolhas a fato-
res externos como Deus, os astros, o destino, ou outro. Nesse sentido, Sartre con-
siderava também a ideia freudiana de inconsciente como um exemplo de má-fé.
Podemos dizer, então, que para os existencialistas a má-fé não é uma mentira
que se conta para os outros, mas sim para si próprio. Mas é imprescindível para
o homem abandonar a má-fé, passando então a condição de ser consciente e res-
ponsável por suas escolhas. Ao fazer isso, o homem passa, invariavelmente, a viver
num estado de angústia, pois deixa de se enganar, mas em compensação retoma a
sua liberdade em seu sentido mais pleno.
Sartre não nega por completo o determinismo, mas determina o ser humano
pela liberdade, no fim das contas, não somos livres para não ser livres. Não é Deus,
nem a natureza, tampouco a sociedade que nos define, quem define o que somos
por completo ou nossa conduta. Somos o que queremos ser, o que escolhemos ser;
e sempre poderemos mudar o que somos. O quem irá definir. Os valores morais
concebidos de forma geral, não são limites para a liberdade, pois seremos nós a
definir nossa conduta em razão da nossa própria compreensão de moral.

capítulo 4 • 111
Portanto, o homem está condenado à liberdade, existir é viver em liberdade,
isso significa que o que nos define são nossas escolhas, mas por ser responsável por
essas escolhas, o homem é também um ser angustiado.
Como síntese, podemos dizer que a existência precede a essência, que isso
quer dizer que a ênfase é na condição humana com liberdade, na busca do signifi-
cado de sua vida, nas emoções e na responsabilidade. Portanto, cada homem é um
ser único em sua existência em razão das escolhas que faz sobre si mesmo com au-
tenticidade, construindo assim o seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser.

CONCEITO
O indivíduo é um ser consciente, capaz de fazer escolhas livres e intencionais, isto é,
escolhas das quais resulta o sentido da sua existência.

A liberdade de escolher-se envolve responsabilidade pela autoria do seu desti-


no e compromisso com o seu projeto. Liberdade com responsabilidade implica a
angústia, necessária ao crescimento psicológico.
O projeto terapêutico deve ser compreender a pessoa como existente a partir
dos diferentes modos como a sua consciência se relaciona com o mundo, com os
outros e consigo próprio ou, pelo contrário, como tenta fugir ou evitar a angústia
que resulta do seu confronto com a sua liberdade e responsabilidade.
Aqui falamos dos principais pensadores existencialistas, Sören Kierkegaard,
Martin Heidegger e Jean Paul Sartre. Mas é importante deixar, pelo menos indi-
cado, os nomes de Friedrich Nietzsche, Martin Buber e Ludwig Binswanger que
também contribuíram com suas ideias e seus pensamentos existencialistas.

Humanismo

A psicologia humanista é uma corrente da psicologia que surgiu no meio do


século XX. Nasceu como uma alternativa para as duas escolas principais: o beha-
viorismo e a psicanálise. Suas raízes estão na corrente filosófica do existencialismo
europeu com as figuras de Heidegger e Sartre
A psicologia humanista tem como principal característica considerar o ser hu-
mano em sua totalidade. Amatuzzi (2001) esclarece que a designação “psicologia
humanista não se refere, pois, "a uma teoria específica, ou mesmo a uma esco-
la, mas sim ao lugar comum onde se encontram (ainda que com pensamentos

capítulo 4 • 112
diferentes) todos aqueles psicólogos, insatisfeitos com a visão de homem implí-
cita nas psicologias oficiais disponíveis" (p. 19). Os humanistas entendem que a
compreensão do homem e de sua saúde emocional precisa considerar seu corpo,
suas emoções, seus sentimentos, comportamentos, pensamentos e todo o con-
texto a sua volta. Essa forma de pensar, não deixa de ser uma crítica a qualquer
forma de determinismo, ou seja, não existem causas específicas para explicar o
comportamento.
É importante dizer, que embora possa se admitir que os fatores ambientais e
as pulsões inatas e inconscientes possam até influenciar o comportamento, o indi-
víduo é capaz de responder com base em sua avaliação subjetiva de uma situação,
ou seja, caberá sempre a ele escolher o que fazer. Portanto, as suposições básicas
do humanismo são:
1. O comportamento não é determinado por experiências passadas ou
uma resposta a um estímulo imediato.
2. O comportamento deve ser entendido em termos de experiência subje-
tiva, ou seja, se você deseja entender um comportamento, precisa entender
a pessoa que está produzindo o comportamento.

Abraham Maslow e Carl Rogers podem ser considerados os principais precur-


sores da psicologia humanista.

Abraham Maslowe a teoria da motivação humana

Abraham Maslow (1906-1970), um dos fundadores do humanismo norte-a-


mericano, conhecido pela teoria da hierarquia das necessidades humanas ou a
pirâmide de Maslow.

capítulo 4 • 113
Durante toda sua carreira se interessou profundamente pelo crescimento e
desenvolvimento, como também pelo uso da psicologia como instrumento de
promoção do bem-estar social e psicológico. Insistiu que uma teoria da personali-
dade precisa e viável deve incluir as profundezas, mas também os pontos altos que
cada indivíduo é capaz de atingir. A teoria das necessidades humanas postula que
necessidades fisiológicas estão na base da pirâmide, seguindo-se as necessidades
de segurança, de afetividade, de estima e de realização pessoal. Nessa ordem, uma
necessidade só poderia ser satisfeita se a anterior fosse concretizada.
O ser humano está sempre buscando melhorar sua vida. Dessa forma, quando
uma necessidade é suprida, aparece outra em seu lugar; tais necessidades são repre-
sentadas na pirâmide hierárquica. Quando as necessidades humanas não são aten-
didas, sobrevêm sentimentos como frustração, agressividade, nervosismo, insônia,
desinteresse, passividade, baixa autoestima, pessimismo, resistência a novidades,
insegurança e outros.
NECESSIDADE DE
AUTO-REALIZAÇÃO

NECESSIDADE DE
AUTO-ESTIMA

NECESSIDADE
SOCIAIS

NECESSIDADE DE
SEGURANÇA

NECESSIDADES
FISIOLÓGICAS

Tais sentimentos negativos podem ser recompensados por outros tipos de rea-
lizações. Porém, quando o ser humano satisfaz suas necessidades, ele atingirá o
estado de desenvolvimento de seu impulso vital, ou seja, a autorrealização.
Na base da hierarquia proposta por Maslow, há a compreensão do conceito de
homeostase que é a tendência do organismo para se manter o equilíbrio (a pessoa
em pleno funcionamento). A homeostasia psicológica tem lugar pelo equilíbrio
entre as necessidades e a sua satisfação. Quando as necessidades não são satisfeitas,
assiste-se a um desequilíbrio interno. O sujeito procura alcançar um estado de

capítulo 4 • 114
equilíbrio por meio de condutas (comportamentos) que lhe permitam satisfazer
essas necessidades. A homeostasia do organismo psicológica depende tanto das
condições internas ao indivíduo quanto do meio externo. Caso a homeostase não
seja restabelecida, seja por quartões internas (baixa autoestima) ou por questões
externas, a pessoa pode adoecer emocionalmente.
Por fim, Maslow (1970) diz que a terapia pode funcionar de maneira a satis-
fazer as necessidades que foram frustradas nas pessoas que buscam a psicoterapia
e que o papel do terapeuta não deve ser só de atender as necessidades primárias
(carência), mas sim deve promover um processo profundo e prolongado de desen-
volvimento de autocompreensão, o que chamou de terapia de insight. Diz ainda
que os bons terapeutas devem amar e zelar pelo ser ou pela essência das pessoas,
funcionando como um facilitador para a autorrealização.

Carl Rogers e a terapia centrada na pessoa

Carl Rogers (1902-1987) foi um psicólogo norte-americano, desenvolveu a


psicologia humanista, também chamada de terceira força da psicologia. Tem o
mérito de ser um dos principais responsáveis pelo acesso e reconhecimento dos
psicólogos ao universo clínico, antes dominado pela psiquiatria médica e pela
psicanálise. Sua postura enquanto terapeuta sempre esteve apoiada em sólidas pes-
quisas e observações clínicas.

Carl Rogers, a partir de suas pesquisas, desenvolveu um modelo de inter-


venção terapêutica que intitulou inicialmente de Terapia Centrada no Cliente e
depois Terapia Centrada na Pessoa (ACP). Esse método valoriza a experiência

capítulo 4 • 115
prática, vivida, inclui a subjetividade do terapeuta e do cientista, se interessa pela
compreensão dos significados atribuídos pela própria pessoa às suas vivências e
pelos modos de experienciação dos mesmos, assumindo em seu modo de trabalho,
a prática de uma atitude humanista e fenomenológica.
Essa proposta trabalha com uma visão de sujeito capaz de se autorrealizar e au-
toatualizar, com capacidade para "atuar seguindo convicções e princípios pessoais,
que em si mesmo, são geradores de subjetivação, e não expressão de forças ocultas"
(GONZÁLEZ REY, 2003, p. 59). Essa concepção entende o indivíduo como
ativo no mundo, portador de uma vontade própria. Porém Moreira (2007) alerta
para a importância de ampliarmos a visão de homem, com a qual a ACP trabalha.
Isso implica olhar o homem concreto, inserido na realidade em processo dialético.
Este fato significa dizer que, embora o sujeito seja individual, sua subjetivi-
dade inclui suas experiências com o meio em que vive. Portanto, o ser humano
é concebido enquanto uma totalidade complexa, em processo, em devir, um ser
implicado e configurado em seu ambiente, seja este físico, fenomenológico-expe-
riencial, relacional ou sócio-histórico-cultural.
Nesse sentido, é fundamental a compreensão do conceito de Tendência
Atualizante. Rogers (1979) afirmava que "todo organismo é movido por uma
tendência inerente para desenvolver todas as suas potencialidades e para desen-
volvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu enriquecimento" (p. 159).
Essa percepção foi construída a partir de sua experiência clínica, no seu li-
vro Tornar-se Pessoa (1961/1997), Rogers discutiu esta questão e concluiu que a
experiência dele em clínica havia demonstrado a ele “que as pessoas têm funda-
mentalmente uma orientação positiva" (p. 31) em que, segundo citação de 1947,
Rogers afirma que: (...) "descobrimos, dentro da pessoa, sob certas condições, uma
capacidade para a reestruturação e reorganização do self, e, consequentemente,
a reorganização do comportamento, o que tem profundas implicações sociais".
(ROGERS, 1947, p. 368)

ATENÇÃO
Assim, podemos perceber que Rogers considerava a tendência atualizante uma capaci-
dade de o indivíduo se reorganizar e se reestruturar, uma vez que certas condições facilitado-
ras deste processo sejam atendidas.

capítulo 4 • 116
Entende-se que a pessoa é dotada de um impulso em direção à saúde, pela
qual ela se dirige livremente, sem ficar paralisada por eventos passados ou por
crenças correntes, e, portanto, ela consegue encontrar o seu melhor modo
de funcionamento.

A Tendência Atualizante está presente em todas as ações do indivíduo, pois ela repre-
senta o fluxo natural da vida. Ela é o movimento, o processo direcional que caracteriza
a própria natureza da vida, isto é, a presença da Tendência atualizante é que nos per-
mite distinguir um organismo vivo do morto. Isso significa que a tendência atualizante
pode ser frustrada, impedida ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem que se
destrua também o organismo. (ROGERS, 1983 apud TAMBARA; FREIRE, 2007, p. 49)

Na proposta da abordagem centrada na pessoa, a consciência é compreendida


como vivência ativa, intencional, criadora de sentidos, que gera novos processos
de subjetivação no curso de sua expressão pessoal. De acordo com González Rey
(2003), a consciência humana organiza-se, expressa-se e desenvolve-se "na contí-
nua processualidade do sujeito, que em suas complexas operações reflexivas” (p.
60) se expressa de diversas formas.
Portanto, a subjetividade desenvolve-se num processo contínuo, não sendo,
algo enclausurado no interior do indivíduo, uma vez que o ser individual se forma
a partir das relações estabelecidas com os outros e com o mundo.
Aqui é importante compreender a noção de self. Self, também chamado de
autoconceito, é a noção que a pessoa tem de si e da realidade que a própria pes-
soa percebe.

[...] é uma estrutura, isto é, um conjunto organizado e mutável de percepções relativas


ao próprio indivíduo. Como exemplo dessas percepções, citemos as características, os
atributos, as qualidades e os defeitos, as capacidades e os limites, os valores e as re-
lações que o indivíduo reconhece como descritivos de si mesmo e que percebe cons-
tituindo sua identidade. Esta estrutura perceptual faz parte, evidentemente – e parte
central – da estrutura perceptual total que engloba todas as experiências do indivíduo
em cada momento de sua existência. (ROGERS e KINGET, 1977, p. 44)

Desta forma o self rogeriano pode ser compreendido como uma condição
consciente e reflexiva de si, que apresenta e fornece significados com os quais a
pessoa identifica-se e a partir dos quais percebe a realidade.
A pessoa saudável é aquela que confia em suas próprias experiências, reconhe-
cendo que ela é diferente das pessoas, assim como as pessoas são diferentes dela.

capítulo 4 • 117
Age de forma livre, se experimentando e se permitindo a autodescoberta. Porém,
não é incomum as pessoas agirem de forma irracionais, destruindo o próprio self
e o self dos outros, apresentando comportamento neurótico.
Essas experiências são construídas considerando o campo fenomenal. Fadiman
e Frager (1979), ao abordar a teoria de Rogers, afirmam que: “as pessoas podem
construir e modificar suas opiniões a respeito de si mesmas” e que “as pessoas usam
sua experiência para se definir”. Rogers (1951) diz que: “vivemos num mapa de
percepções que nunca é a própria realidade” que é o campo de experiência do ser
humano, que “é um mundo privativo e pessoal que pode ou não corresponder
à realidade objetiva”. Portanto, o campo fenomenal, “é tudo o que se passa no
organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à cons-
ciência”. (ROGERS, 1951)
Como já vimos, o self não é rígido, estável, pelo contrário é um processual,
“o self é uma Gestalt organizada e consistente num processo constante de formar-
se e reformar-se à medida que as situações mudam” (op. cit). Nesse processo, o
indivíduo pode ser congruente ou incongruente. Será congruente quando seu self
ou self real (a forma como se percebe) se aproxima do self ideal (a forma como
gostaríamos de ser). Neste caso, existe uma estabilidade, que a qualquer momento
pode ser rompida, mas que enquanto permanece, fica evidente que a comuni-
cação, a experiência e a tomada de consciência são semelhantes, evidenciando
saúde mental.
Porém, quando ocorre a incongruência, que é um conflito, uma lacuna entre
self real e o self ideal, surge uma tensão, ansiedade ou, em circunstâncias mais
graves, uma confusão mental. Aqui podemos pensar no conceito de angústia para
Rogers, que percebe a mesma como uma resposta a tendência a atualização, pois
mobiliza o sujeito na busca da congruência. Encontra-se aí, uma semelhança aos
existencialistas que percebem a angústia como constitutivo a condição humana.
Considerando esses fundamentos, como funciona a Terapia Centrada na
Pessoa? Rogers acreditava que por mais que a ciência avance, apresentando técni-
cas que embasem o trabalho do psicólogo, é a relação terapêutica, pensada como
encontro entre duas pessoas, que favorece a mudança e o crescimento. Rogers
(1997) se questiona com relação a como se pode tratar e curar, ou mudar uma
pessoa. Como se pode proporcionar uma relação em que essa pessoa possa utilizar
os resultados para seu próprio crescimento pessoal?
A terapia centrada na pessoa enfatiza a importância fundamental da expe-
riência subjetiva e pré-reflexiva como critério de conhecimento. Essa atitude

capítulo 4 • 118
fenomenológica deixa claro que o papel do psicoterapeuta é buscar a compreensão
do ponto de vista fenomenal do cliente, entender a consciência vivencial da ex-
periência que o cliente tem de si e do mundo. Nesse sentido Rogers, diz: (...) ver
através dos olhos da outra pessoa, perceber o mundo tal como lhe aparece, aceder,
pelo menos parcialmente, ao quadro de referência interno da pessoa. Essa forma
de escuta possibilita um tipo de particular de compreensão, livre de enquadramen-
tos exteriores, tais como diagnósticos, julgamentos ou explicações causais. A ACP
é, portanto, uma terapia compreensiva por excelência.
O terapeuta deve agir como um facilitador, como um espelho para os sen-
timentos e pensamentos do cliente, que desta forma, passa a entrar em contato
com sua vivência, tornando-o mais consciente acerca de si mesmo. Daí o cliente,
auxiliado pela ajuda terapêutica, acaba por modificar ou amadurecer o conceito
que tem de si e, consequentemente, a reavaliar suas estratégias de vida e visão de
mundo. No fundo, todo o processo, em seu andamento, é fruto da ação do pró-
prio cliente, de sua imersão no processo terapêutico e de seu grau de investimento
no mesmo. Por isso o nome: “Abordagem centrada no Cliente ou na Pessoa”.
Nesse lugar de facilitador, Rogers (1997) fala de algumas condições facilitado-
ras básicas para o crescimento do cliente, são elas:

•  Compreensão: empatia
A escuta fenomenológica favorece a compreensão empática. Compreender
empaticamente diz respeito à capacidade de o terapeuta compreender o cliente por
meio do seu ponto de referência. Contudo, para que um terapeuta seja empático,
não se pode limitar a refletir sobre os pensamentos do cliente, tendo de ser capaz
de ressoar emocionalmente a experiência deste (GILBERT &LAHEY, 2009), de
modo a que ele desenvolva um sentimento de aceitação pessoal e vivencie conse-
quentemente uma “experiência emocional corretiva” (KOHUT, 1984, citado por
CORMIER et al., 2009), isto é, compreenda que as suas emoções são válidas e
fazem sentido. (BOHART & GREENBERG, 1997)
Como a empatia compreende a capacidade de o terapeuta ressoar a experiên-
cia do cliente, isto implica que este apresente um grau que ele chama de “respon-
sividade” terapêutica, isto é, que ele consiga adequar o conteúdo e a forma da
comunicação ao longo da sessão sempre de acordo com o impacto que está sendo
causado no cliente (VASCO, 2007). No entanto, para que isso ocorra, o terapeuta
deve ter a capacidade de ser sensível ao mundo do cliente, de ver nos olhos destes
seus sentimentos, reveladores de suas percepções e experiências (ROGERS, 1997).

capítulo 4 • 119
Porém, é importante frisar que não basta ao terapeuta apenas ter a capacidade de
perceber, mas ele deverá também estar atento à capacidade de seu cliente conse-
guir comunicar o que sente, o que percebe e o que vê, criando assim uma aliança
terapêutica capaz de levar o cliente a conhecer aspectos novos de si mesmo.

•  Aceitação incondicional
É a capacidade de o psicólogo aceitar o cliente verdadeiramente, entendendo
que o outro, do seu jeito de ser, está sempre procurando se sentir bem e se en-
contrar, mesmo que seja lá bem no fundo de sua capacidade de conscientização.
Conseguir que o cliente se aceite, do modo como ele é, ou seja alguém que possui
valor pessoal e próprio, já se refere a uma ação de consideração afetuosa do tera-
peuta para com ele, sinalizando a ele, de modo subliminar, como é uma pessoa
de valor, que merece receber seu respeito e apreço genuínos que ele, o cliente, o
estimulando a se aceitar da forma que é.
O efeito no indivíduo que apreende esta atitude é o de levar a que ele seja
verdadeiramente aquilo que é, dentro de um clima de segurança – setting tera-
pêutico –, e que possa apreender gradualmente que não precisa mais de máscaras
nem fachadas, uma vez que sabe seu valor, faça o que fizer. Assim, o cliente passa
a se sentir menos rígido, pode se descobrir, e o que significa ser ele próprio, pode
tentar realizar-se a si mesmo em novas formas espontâneas. Em outras palavras,
encaminha-se para a criatividade. (ROGERS, 1997, p. 415)
O terapeuta deve proporcionar um ambiente em que a pessoa sinta-se ver-
dadeiramente aceita e acolhida, livre de ameaças. Em resposta a essa ação – a de
aceitação incondicional – o cliente se encoraja e passa a buscar aquilo que julga
importante para o seu desenvolvimento pessoal.

•  Congruência
Congruência pode ser compreendida como o grau de exatidão entre a co-
municação e a expressão daquilo que realmente ocorre conosco. Este conceito se
relaciona, portanto, a uma tomada de consciência da experiência (FADIMAN e
FRAGER, 1979). Isso quer dizer que o terapeuta deve comunicar seus sentimen-
tos e suas percepções em relação ao cliente, com empatia, cuidado, respeito, mas
com autenticidade. Essa atitude é fundamental, pois além de dar ao cliente o di-
reito de pensar a respeito de suas ações e falas, o leva assumir os seus sentimentos,
livre de ameaças, apoiado na aceitação, na autenticidade e no acolhimento.

capítulo 4 • 120
Rogers aponta a congruência como sinal de saúde emocional, portanto um
dos objetivos da terapia é que o cliente se sinta congruente, ou seja, que ele consiga
ser ele mesmo, expressando-se com autenticidade. O trabalho do técnico implica
um fazer terapêutico pelo qual ele, o terapeuta, possa ser a mudança que deseja
ver no seu cliente.
Rogers, com a abordagem centrada na pessoa, que originalmente era terapia
centrada no cliente, apresenta uma proposta não diretiva, pois cabe ao cliente a
liderança do processo, sem impor ao mesmo nenhuma direção, sempre enfati-
zando a aceitação positiva incondicional. Seus fundamentos principais estão nas
atitudes de dar ênfase na experiência consciente, na crença na integralidade de sua
natureza com sua conduta de ser ele mesmo, na concentração do livre-arbítrio, na
espontaneidade e no poder de criação do indivíduo.
Em síntese, o humanismo com Maslow e teoria da motivação humana e de
Rogers, com a terapia centrada na pessoa, apontam para ser necessário o acreditar
no ser humano e na tendência à realização que ele possui. A capacidade de dirigir a
si mesmo é universal, faz parte da essência do homem, ou seja, cada um a traz con-
sigo independentemente da história e das experiências pelas quais o sujeito passou.
O terapeuta exerce papel fundamental visto que ele, com o emprego de qualidades
específicas poderá tornar o cliente mais autônomo e independente.

CONCEITO
A terapia humanista se estabelece no encontro de duas pessoas que estão procurando
atingir níveis cada mais altos de sua realização, com existência mais plena.

Perls e a Gestalt Terapia

A Gestalt-terapia fundada por Fritz Perls (1983-1970), psicoterapeuta e psi-


quiatra de origem judaica, junto com sua esposa Laura Perls propõe a terapia do
contato. Essa abordagem tem como finalidade conhecer e trabalhar a consciência
da pessoa.
Perls se dedicou a colocar na prática a filosofia titulada por Wolfgang Köhler
(pai da psicologia da Gestalt) pela visão de que o homem é um “todo integrado”.
Entende-se que a Gestalt-terapia “é uma proposta humanística de ver o homem
em toda a sua plenitude, em pleno desenvolvimento de suas potencialidades”
Ribeiro (1985, p. 132).

capítulo 4 • 121
O termo “Gestalt” é alemão, sem tradução específica para o português, mas
que tem sido compreendido como uma forma, uma totalidade, uma configuração
dada por uma estrutura significante. Na abordagem psicoterápica significa dizer
que em cada experiência ou interação humanas os sentimentos, afetos resultantes
devem ser entendidos de forma global, considerando o sentimento e seu contexto.
É uma abordagem psicológica embasada pelo método fenomenológico (foco
no fato psíquico), no existencialismo (o homem e suas experiências) e na psico-
logia humanista (o homem se torna uma pessoa), enquanto visões de homem.
Considera também os pressupostos da psicologia da Gestalt, que é uma teoria da
percepção que dá ênfase à forma do objeto segundo os padrões do indivíduo que
a percebe. A percepção é compreendida como um todo organizado, unificado e
não uma integração de partes separadas. A organização perceptiva se dá em razão
de alguns princípios tais como: proximidade, semelhança, direção, disposição ob-
jetiva, entre outras. Alguns conceitos também foram fundamentais para a Gestalt-
terapia, como o todo e a parte, figura e fundo e aqui e agora.
Perls, em sua primeira publicação The Ego, Hungerand Aggression (1942),
critica a teoria psicanalítica e lança alguns conceitos básicos do que seria, mais
tarde, a Gestalt-terapia: a realidade do aqui e agora, o organismo como totalida-
de, a unidade organismo – meio, a dominância da necessidade emergente e uma
reflexão sobre o conceito de agressão, que é entendida como uma força biológica
importante para o crescimento.
Na sua proposta da Gestalt-terapia o autor introduz a noção de organismo
como sendo um todo, que é central tanto em relação ao funcionamento orgânico
quanto à participação em seu meio para criar um campo único de atividades. Perls
(1981) insistia em dizer que os seres humanos são organismos unificados e que
não há nenhuma diferença entre o tipo de atividade física e mental. Esta é a visão
de homem da Gestalt: um ser dotado de potencial em constante relação com o
meio onde vive, isto é, o homem não é ser passivo diante das forças do ambiente
em que vive, ele é o criador da sua história e de seu mundo, ao mesmo tempo em
que é criado por eles. Por exemplo: dois irmãos têm a mesma família e vivem no
mesmo lugar e, por isso, podem possuir características semelhantes como torcer
para o mesmo time de futebol do pai (influência do ambiente), mas podem tomar
decisões únicas e distintas como a de seguir a mesma carreira que o pai, e o outro
quer seguir uma área completamente diferente (influenciando sua história).
Para a abordagem gestáltica, o homem nunca para de se desenvolver, isso sig-
nifica que ele não possui características fixas que o acompanham desde a infância

capítulo 4 • 122
e que determinarão sua vida até o fim. Há sempre a possibilidade de transformar
sua vida radicalmente para melhor. Uma criança medrosa, por exemplo, não será
necessariamente um adulto sem coragem, depende das experiências que tiver ao
longo da vida como fazer uma psicoterapia, e de acordo com a forma como ela irá
encarar seus desafios.
Assim, o homem é integrado ao mundo, e a Gestalt-terapia vai trabalhar valo-
rizando sensações, sentimentos e emoções, tocando no campo – meio ambiente,
enfatizando as relações dadas pelas interações, e percebendo mente e corpo como
uma unidade.
Importante também a noção de campo fenomenal, que se refere ao quadro
de referência do indivíduo, ou seja, sua realidade subjetiva. Rogers(1951) e Perls
(RIBEIRO, 1985) entendem que o comportamento depende do campo feno-
menal e não dos estímulos externos (realidade externa). Portanto, é por meio da
escuta fenomenológica que o terapeuta terá acesso à realidade interna do paciente,
compreendendo, o que ele faz, como faz, o que pensa, o que sente e como vive.
A Gestalt-terapia é uma terapia de contato. Essa colocação anterior diz res-
peito ao modo como o terapeuta penetra no universo interno do cliente, e, con-
sequentemente, proporciona um contato intrapessoal, isto é, o leva a se contatar
com suas experiências e seus sentimentos. À medida que se entra em contato
consigo mesmo, compreende-se também como se entra em contato com o mundo
e com as pessoas, ou seja, entendemos como funcionam as relações interpessoais.
Com relação ao contato, Ribeiro afirma que; “[...] é pelo contato com o outro
que me percebo como existente” (2007b, p. 11), isso significa que a terapia do
contato está presente nas relações intra e interpessoais dos indivíduos enquanto
seres existenciais. Para Ginger e Ginger “[...] a Gestalt, para além de uma simples
psicoterapia, apresenta-se como uma verdadeira filosofia existencial, uma arte de
viver, uma forma particular de conceber as relações do ser vivo com o mundo”
(1995, p. 17).
São as trocas de experiências, dos sentimentos e das relações inter e intrapes-
soais, isto é, para consigo mesmo e com o mundo, que permitem a percepção do
ser existente. Ribeiro (1985) lembra que a pessoa deve ser vista em seu compor-
tamento e compreendida a partir de sua visão dentro de um determinado campo
com o qual ela se encontra relacionando. Para esse autor “[...] estar em contato é
muito mais que estar atento, que estar consciente de si e do outro. Estar em conta-
to é se tornar cúmplice com e da totalidade do outro [...]” (1995, p. 135). Porém,
este encontro se dá nos mais diversos níveis e, a cada momento, podem ocorrer

capítulo 4 • 123
de maneiras diferentes. O encontro proporciona mudanças, que e só acontece por
haver troca perceptiva, ou seja, o contato. (RIBEIRO, 2007b, p. 107)
Lopes (1987) lembra que mesmo em um momento inadequado, impróprio,
ocorre contato, que provém de estímulos presentes. O que confere em modi-
ficações decorrentes do meio externo, que consequentemente modificam o ser
em seu aspecto bio-psicossocioespiritual. Na teoria de Goodman sobre o conta-
to, este menciona quatro fases principais abordadas por Ginger e Ginger (1995,
p. 130-131) que são:

Fase de sensações, durante a qual a percepção ou excita-


PRÉ-CONTATO ção nascente em meu corpo, geralmente por um estímulo
do meio, se tornará a figura que solicita meu interesse.

Fase ativa, no decorrer da qual o organismo vai enfrentar


TOMAR CONTATO o meio. Trata-se aqui, não do contato estabelecido, mas
sim de um processo.

É o momento essencial de confluência saudável, de indi-


CONTATO FINAL OU ferenciação entre o organismo e o meio, entre o eu e o
CONTATO PLENO tu, momento de abolição da fronteira, unificação do aqui
agora.

PÓS-CONTATO OU Fase de assimilação, que favorece o crescimento.


RETRATAÇÃO

De acordo com Ribeiro (2007b, p. 13):

[...] todo contato implica uma relação. Primeiro eu existo, depois sinto, penso, faço e
falo. Primeiro eu percebo a realidade fora de mim, depois eu percebo que percebi e
percebo o que percebi.

Isso vem assegurar que o contato procede a partir da awareness, que é o ato de
se ter consciência da própria consciência.
Aware significa estar ciente, ter consciência, e awareness se traduz como a
qualidade de quem tem consciência, a conscientização de algo. Awareness signi-
fica experienciar por inteiro, como um todo, o processo de contatar. Esta só será
eficaz quando fundamentada e motivada pela necessidade atual do organismo,
conhecendo a realidade da situação e como a pessoa está na situação, sempre no

capítulo 4 • 124
aqui-e-agora. A awareness está sempre em transformação, pois o agora muda em
cada momento.
Yontef (1998) define awareness como:

(...) uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato atento como evento
mais importante do campo indivíduo/ambiente como apoio energético, cognitivo, emo-
cional e sensório-motor totais. Um continuum constante e ininterrupto de awareness
leva a (...) uma percepção imediata da unidade óbvia entre elementos díspares no
campo. Novas totalidades significativas são criadas por contato aware. (op. cit. p. 236)

Ainda segundo este autor, algumas questões se colocam em relação a awareness:


1. A awareness é eficaz somente quando tem base na energia (necessidade)
dominante atual do organismo, isto é, só estaremos de fato conscientes (ter-
mos conscientização) do que se passa conosco se formos realmente capazes de
nos colocarmos em contato direto com o que está acontecendo aqui e agora;
2. A awareness não se completa sem o conhecimento direto da realidade
da situação, novamente a conscientização; como a qualidade do contato
no aqui e agora e de como se está na situação. É fundamental que este
processo seja sucedido pela aceitação de si e da escolha e responsabilidades
posteriores;
3. A awareness está sempre mudando evoluindo e transcendendo.

Fica claro que o se dar conta, conscientização ou a awareness, acontece sempre


no aqui e agora.

PERGUNTA
Mas que aqui e agora se está falando?

Aqui (como o local em que a consciência de si está) e o agora (relativo ao


tempo presente ou a conscientização de si) são duas realidades que se relacionam,
mesmo porque uma constitui a outra. Ribeiro (2006) enfatiza que “tempo, es-
paço e sujeito formam uma única realidade, vista de uma única perspectiva”. O
presente é uma movimentação permanente entre passado e futuro, e somente no
aqui e agora a pessoa consegue contatar memórias ou expectativas e dessa forma,

capítulo 4 • 125
consegue se dar conta de todas as suas escolhas. Ou seja, os terapeutas gestal-
tistas não negam a importância do passado, apenas confiam que aquele passado
que se configura como uma Gestalt que ainda não fechou, continua buscando se
completar na vida presente do sujeito. Só no presente se é capaz de se reconfigurar
e de dar novo sentido às experiências, se libertando das amarras e partindo para
novas possibilidades.
Por ser a Gestalt-terapia uma terapia com o objetivo de levar o cliente a entrar
em contato e isso implica a consciência do lhe acontece no aqui e agora, o Gestalt-
terapeuta usa algumas técnicas, tais como dinâmicas, vivências, fantasias, jogos
cênicos, entre outros. Importante dizer que essas técnicas não substituem a escuta
e a fala fenomenológicas e que servem apenas como suporte para alcançar os obje-
tivos terapêuticos. O fundamental mesmo é o reconhecimento do processo, bem
como o respeito pelo ritmo individual do cliente. Cabe ao terapeuta não apressar o
processo, mas acompanhar, observar, compreender o caminho vivido pelo cliente.
O terapeuta que trabalha com essa abordagem não emite diagnóstico objetivo,
mas procura compreender fenomenologicamente o processo experimentado pelo
cliente. Isso quer dizer que ele visa entender como a pessoa está “funcionando” no
momento, para que funciona deste modo, e quais necessidades atende e quais
deixa de atender. Compreender que a pessoa funciona como um todo, em que
alguns comportamentos, ideias ou sentimentos podem representar aspectos desa-
tualizados em relação ao todo, inibindo a autorregulação e a capacidade criativa
do organismo de mudar, de se atualizar.
Nesta concepção, se procura que o papel do terapeuta seja o de funcionar
como uma tela de projeção, pela qual o paciente vê seu próprio potencial ausente
de sua consciência, tendo como tarefa a recuperação do potencial do paciente. O
terapeuta ajuda o paciente a se perceber como ele constantemente ele se interrom-
pe, se boicota, como ele evita a conscientização de si, o modo como desempenha
papéis que muitas vezes não expressam alguma congruência.

RESUMO
•  Essa perspectiva fornece ampla visão holística, isso quer dizer que a pessoa é vista como
um todo, de forma global. Cada um dos aspectos tem a mesma importância, sejam eles, o
pensamento, o corpo, as emoções e o lado espiritual. Esses processos se relacionam e con-
fluem mutuamente, sendo a principal via pelo qual o cliente encontra a si mesmo.

capítulo 4 • 126
•  As pessoas são livres e têm capacidade para fazer suas escolhas de forma responsável
e de realizar seu projeto existencial, desenvolvendo e confiando em seu próprio potencial.
•  As pessoas têm uma tendência inata de autorrealização. O ser humano pode confiar na
sabedoria dessa parte do seu interior, já que toda a cura está em suas próprias respostas,
não sendo necessário controlar o ambiente ou controlar as próprias emoções as suprimin-
do. O indivíduo é considerado um ser único, responsável por sua própria experiência, capaz
de se tornar ciente de seus próprios recursos; se desenvolver, alcançar a autorrealização e
descobrir o seu potencial.
•  Maior ênfase aos aspectos afetivos e existenciais do cliente, que são muito mais potentes
que os intelectuais na mudança necessária a ser processada no cliente; a escuta fenome-
nológica implica a escuta dos sentimentos e seus significados e na linguagem corporal, pois
não existe divisão entre mente e corpo.
•  O trabalho do psicólogo implica a escuta do material trazido pelo cliente e a sua situação
imediata muito mais do que no passado; é uma terapia que se volta para a consciência, a
awareness. Portanto, entende que é no presente que o cliente se expressa e ressignifica
suas experiências.
•  Grande ênfase no relacionamento terapêutico em si mesmo, que constitui um tipo de en-
tidade orgânica que se forma a partir do encontro entre o terapeuta e o cliente e que, em si,
contribui para a experiência de crescimento de ambos, cliente e terapeuta.
•  O psicólogo serve como uma ferramenta para que o cliente, por meio de recursos próprios,
possa vir a se compreender e se desenvolver. Rogers enfatiza a importância de condições
facilitadoras, que devem ser inerentes à pessoa do terapeuta, são elas: capacidade de acei-
tação incondicional, empatia e congruência. A terapia promove e facilita o desenvolvimento
pessoal.
•  As modalidades apresentadas aqui têm uma proposta compreensiva de ser humano e não
explicativa, ou seja, não existe a preocupação com explicações de causa e efeito em relação
ao comportamento. A preocupação não é com diagnósticos, mas sim compreender cada
pessoa como única, que existe em um dado momento de um modo particular, mas que está
em movimento. A subjetividade é valorizada.
•  Todos autores adotam o método fenomenológico, como oposição ao método científico e à
análise psicanalítica. Sendo a fenomenologia uma nova maneira de se abordar os fenômenos
psíquicos, pois parte da ideia que a consciência é intencional, isto é, que ela é sempre cons-
ciência de alguma coisa. A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido:
é ela que unifica a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo.
•  Para os existencialistas a “a existência precede a essência” e para os humanistas “a essên-
cia precede a existência”. Isso quer dizer que o homem primeiramente existe, se descobre,

capítulo 4 • 127
surge no mundo; e que só depois se define, de acordo com os existencialistas, principalmen-
te em Sartre. Já para Rogers, difusor do humanismo, o homem é naturalmente dotado de
uma tendência, uma capacidade de se dirigir em direção à autorrealização e ser aquilo que
é autenticamente.

ATIVIDADES
Vamos testar os seus conhecimentos? Preparado?

01. Qual a visão de homem nas abordagens fenomenológicas existenciais e humanistas?

02. O que você entende por liberdade, responsabilidade e angústia no pensamento existen-
cial e considerando essa compreensão, qual a proposta da terapia?

03. Qual o papel do terapeuta na terapia centrada na pessoa?

MULTIMÍDIA
Sugestão de vídeos sobre psicologia existencial-humanista
•  Falando sobre Gestalt-terapia: princípios básicos no atendimento de Gestalt-terapia. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=F2npjwWJwE0>. Acesso em: abr. 2018.
•  O que é Gestalt-terapia? Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sZJ_
jmF4YZs>. Acesso em: abr. 2018.
•  Três abordagens em psicoterapia. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=
vcsZfpdA1Lo>. Acesso em: abr. 2018.
•  Parte II – Introdução à Fenomenologia e à Psicologia Fenomenológica. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=_RR9dHtF3e4&t=803s>. Acesso em: abr. 2018.

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capítulo 4 • 130
5
A terapia de grupo
de família, de casal
e de criança e de
adolescente
A terapia de grupo de família, de casal e de
criança e de adolescente

O presente capítulo traz três temáticas de interesse na atualidade para as prá-


ticas terapêuticas, a terapia de família, a de casal, de grupo e a clínica infantil e
de adolescência.
As práticas com a família e com o casal surgiram da insatisfação dos clínicos
com a lentidão nos casos tratados individualmente. Essa questão se refere muito
mais à abordagem com a família, pois a prática com o casal adveio da constatação
dessa demora, contudo mais voltada para o alcance mais rápido das possibilidades
e vantagens na solução de conflitos somente relacionados ao casal.
A contínua aceleração dos dias atuais fez com que grandes exigências ou cobran-
ças aos indivíduos os tornassem muito mais vulneráveis aos distúrbios ansiogênicos,
os quais têm trazido grandes malefícios à humanidade, especialmente nas esferas de
vida mais íntimas, como na família, nas relações conjugais e até em crianças de baixa
idade. Essas últimas já têm apresentado alto índice de distúrbios de ansiedade em
função desta grande quantidade de demandas dirigidas também a elas.
Desse modo, a terapia familiar e de casal podem ser uma excelente alternativa
para famílias e casais que estão passando por momentos de conflitos e desarmonia.
Nesse contexto, a família pode ser vista tanto em sua estrutura nuclear — pai,
mãe e filhos — quanto em sua estrutura estendida, incluindo assim avós, primos,
genros, noras etc.
Enquanto que na terapia familiar a terapia é realizada em grupo de modo a
construir e desenvolver o diálogo entre os membros familiares e assim auxiliar na
resolução de problemas e na conquista de relações respeitosas, harmoniosas e sau-
dáveis; na terapia de casal o foco está no seu funcionamento. Contudo ambas têm
como princípio, aliás como em toda psicoterapia, ser um lugar de acolhimento, de
oferecimento de um ambiente protegido e cuidadoso, em que a família e o casal
possam desabafar, colocar suas questões e caminhar na construção de saídas para
seus impasses, dificuldades e sofrimentos.
Em ambas as situações – terapia de família e terapia de casal – o terapeuta é
um facilitador dessas conversas, usualmente bem difíceis, que colabora com seu
conhecimento e experiência.
Como todo tratamento terapêutico, ambas as práticas psicoterápicas também
têm diversas escolas e técnicas que podem direcionar a ação do terapeuta. A mais

capítulo 5 • 132
comum é a escola sistêmica, seguida pelas escolas transgeracional, estrutural e es-
tratégica que você encontrará nesse capítulo.
Contudo, pode-se dizer sinteticamente que a escola sistêmica vê as relações
familiares como um sistema de interações no qual a família é tida como mais do
que a soma de suas partes e os problemas são consequências de falhas nessas inte-
rações e não erros individuais. Já a escola transgeracional (como a psicanalista, por
exemplo) busca no passado os padrões repetitivos e disfuncionais que provocam as
relações conflituosas no presente, ou seja, visa à construção do passado reprimido
por meio da análise do conteúdo, das produções fantasmáticas, como o relato dos
sonhos e o interesse pela transferência e contratransferência.
Assim, há um foco grande na estrutura de toda a família e na compreensão de
como cada relação se dá nesse contexto. A escola estrutural de Salvador Minuchin,
por sua vez, busca alterar as posições de cada elemento da família de modo a pro-
mover reflexões e mudanças na experiência diária. Portanto, a escola estrutural vai
concentrar seu foco na relação familiar de modo que sua intervenção aponte para
a decodificação das comunicações relacionais e no remanejamento das pessoas da
família, dos seus modos de agir, ou, os chamados por Minuchin, de elementos
estruturais, que são aqueles modos pelos quais a família foi formada.
O terapeuta estrutural visa definir com a família o jogo das alianças e a posi-
ção de cada um na demarcação da estrutura das interações entre seus membros,
bem como as regras intrínsecas ao jogo das interações. Já a escola estratégica (Jay
Haley) o sintoma é uma estratégia que pode revelar o jogo interacional promovi-
do pelo conflito do poder no interior de um sistema familiar. O terapeuta deverá
decodificar e identificar as regras que paralisam o sistema familiar, para passar para
amplificação dos movimentos de resistência à mudança e o acompanhamento das
modificações das regras disfuncionais.
©© JAMESPKEIM | WIKIMEDIA.ORG

Figura 5.1  –  Jay Haley (1923-2007).

capítulo 5 • 133
O uso de técnicas varia de acordo coma abordagem escolhida. Podem ser por
meio de perguntas (semelhante ao questionamento socrático que foi visto no ca-
pítulo da TCC), de maneira que possa clarear as situações, analisar a demanda
pela necessidade psicoterápica, focar nas questões e não nas acusações mútuas. No
caso da terapia familiar, a demanda da família geralmente se vincula a uma dire-
ção dada para este tratamento por um médico, ou uma equipe que cuida de um
dos membros da família, como também pode ter sido indicada por uma instância
judiciária. Ambas as práticas visam diminuir o conflito aproximando o diálogo
construtivo, colaborando para que a família ou o casal saia do circuito fechado dos
problemas e caminhe para suas soluções. A terapia acontece com o grupo familiar
ou com o casal presente, mas quando há enorme conflito ou algumas necessidades
pontuais, cada um dos membros deve ser atendido individualmente.
Sejam quais forem as abordagens os objetivos da terapia de família são:
•  A promoção do autoconhecimento em nível individual e familiar;
•  A compreensão da importância do diálogo e do respeito ao outro;
•  O reconhecimento dos padrões que geram os comportamentos;
•  A melhora da comunicação e as relações entre os membros da família;
•  A compreensão do papel de cada indivíduo no bom funcionamento da di-
nâmica familiar;
•  O aumento da responsabilidade pessoal;
•  O favorecimento das mudanças construtivas de forma a harmonizar o am-
biente familiar.

A terapia de casal, por sua vez, tem como objetivos:


•  Melhorar a comunicação;
•  Identificar os objetivos comuns;
•  Negociar e equilibrar as diferenças individuais dentro da relação;
•  Aprender a compartilhar responsabilidades dentro do relacionamento;
•  Desenvolver estratégias para manter e fortalecer o compromisso;
•  Acabar com a competição;
•  Entender as necessidades do outro;
•  Superar a infidelidade ou traição;
•  Melhorar a vida sexual;
•  Melhorar a qualidade geral do relacionamento e a satisfação conjugal.

capítulo 5 • 134
Portanto a terapia de casal, conforme os objetivos assinalados anteriormente,
visa ao relacionamento e tem base na psicodinâmica da relação, com a ajuda da
teoria das comunicações e da teoria dos contratos conjugais.

OBJETIVOS
•  Identificar as orientações para o tratamento de crianças e adultos, sejam esses de forma
individual; no caso do tratamento só infantil ou de adolescentes, ou no seu aspecto coletivo
com todos do grupo familiar;
•  Distinguir quando se trata de uma intervenção familiar, ou de casal;
•  Entender o trabalho na clínica com crianças e adolescentes;
•  Compreender entre as várias abordagens o manejo das técnicas sistêmicas

Considerações preliminares à terapia de família

As terapias familiares, também chamadas de terapias de família, tiveram início


nos Estados Unidos nos anos 1950. Por este termo entende-se um modo de psico-
terapia com união de práticas e de teorias, que em função da existência de um ou
vários sintomas necessitam que o contexto familiar seja incluído nesse tratamento.
A diferença das terapias individuais centradas no indivíduo, este modelo de tera-
pia está orientado pelas interações dos indivíduos nos diferentes contextos de sua
vida. Como no contexto familiar incluindo os aspectos: social, histórico, cultural,
econômico, político e religioso os quais influenciam o mito familiar.
As interações são vistas, segundo Salem (1996), por meio do entendimento
de que as relações se dão por meio de uma dinâmica circular, que considera as
influências e reciprocidades entre o sujeito e seu contexto. Para o autor Elkaim,
(1995) as terapias familiares questionam as possíveis ligações que podem existir
entre o problema de um indivíduo e a do restante de seus membros. Ou seja, se
aquele paciente problemático, tido como o portador do desajuste familiar (tam-
bém definido como paciente identificado), encontra respaldo e reforço ao seu
sofrimento na sua família.
É importante alertar que a terapia familiar não é necessariamente uma terapia
da família, mas um contexto terapêutico no qual a participação ativa da família é
solicitada. Para Monglond (1988) caso a sintomatologia do paciente tenha abrigo
e sentida no nível individual, ao mesmo tempo essa manifestação do problema

capítulo 5 • 135
(sintoma) tem uma função junto ao conjunto do sistema familiar. A família não
é considerada como o "lugar", a "causa" ou "a origem" dos distúrbios, mas ela
participa no tratamento.
Os fundamentos teóricos das terapias familiares são diversos. No modo de
tratamento temos referências da psicanálise (Freud), da antropologia e, de modo
especial, as correntes culturalistas (Sullivan), a antipsiquiatria, a cibernética de
Von Foerster, a teoria geral dos sistemas, as teorias da comunicação (Watzlawick) e
a dinâmica de grupo (Lewin). Como também a sociologia, a biologia e a fisiologia
têm também sua contribuição no entendimento do contexto familiar.
Diversas correntes e tipos de práticas terapêuticas são utilizadas nas terapias fa-
miliares como a sistêmica, psicanalítica, psicodinâmica, cognitivo-comportamen-
tal, existencial etc. Porém o que todas têm em comum das terapias familiares é a
intenção benéfica promovida durante as sessões em pelo menos em dois membros
da mesma família, dos quais quando um é confrontado com dificuldades que
motivam a consulta.
A iniciativa para uma terapia familiar algumas vezes da família vem da mesma.
Porém ela pode ser proposta pelos terapeutas individuais, pelos cuidadores, quan-
do recebem em consulta um dos membros desta família. O terapeuta individual
ou uma equipe hospitalar pode propor a abordagem familiar como complemento
das terapias já em andamento. Comumente este fato se dá quando há tratamento
medicamentoso, pelo desenrolar da terapia individual, ou pela terapia ocupacional,
como em outras circunstâncias. A demanda pode vir também do domínio educativo
ou social, por exemplo, em casos de adolescentes com problemas coma lei; ou por
um juiz. Neste último caso, os terapeutas familiares têm então um mandato ou uma
missão judiciária de cuidados feita pela justiça à família e à pessoa.

Histórico das terapias familiares

Como já foi dito, a origem das terapias familiares surgiram por diversas
influências provenientes de correntes de orientação infantil e da psiquiatria da
criança e do adolescente (pedopsiquiatria), desenvolvidas nos anos 1930 nos
Estados Unidos. A evolução da prática psiquiátrica percebeu a importância de
integrar os pais para encontrar as causas e a manutenção da resistência ao tra-
tamento, e, assim poder identificar, no contexto familiar, a questão da não evo-
lução no tratamento dos distúrbios infantis. Assim, o início da terapia familiar
ganhou força e dinamismo pelo envolvimento mais especificamente dos psiquia-
tras e dos agentes sociais.

capítulo 5 • 136
Ou seja, as situações clínicas de psiquiatria infantil levaram à necessidade de associar
os pais às origens das resistências à mudança.

Nas dificuldades encontradas não só a expressão dos conflitos internos da


criança era o fator essencial para seus distúrbios. Percebeu-se também que esses
conflitos são acompanhados de problemáticas externas, e eles são originados por
questões tanto internas como por fatores externos, que ao interagirem causam
sofrimentos expressos pela criança.
A partir dos anos 1950, duas correntes principais foram pioneiras deste movi-
mento de terapia familiar nos Estados Unidos. Uma delas se concentra em Nova
York, na Filadélfia. Do lado oposto ao primeiro, o Instituto de Palo Alto, coorde-
nado por Bateson e sua teoria da comunicação.
Na Europa, a terapia familiar sistêmica você, aluno(a), encontrará referências
na Suécia, na Bélgica, na Itália, na Alemanha, na Suíça. A corrente de terapia fa-
miliar psicanalítica se desenvolveu mais entre os terapeutas franceses.
Os modelos de intervenção junto às famílias são variados e as abordagens e
referências dos terapeutas não são rígidas. Muitas correntes de terapia familiar
reconhecem ao mesmo tempo a contribuição da teoria dos sistemas e da teoria
analítica e a complementaridade das duas abordagens.
Assim sendo, as terapias familiares trouxeram uma alternativa terapêutica à
terapia individual, e cada uma dessas duas abordagens complementou a outra.

Modelos de terapias familiares

A terapia familiar psicanalítica

Na terapia familiar psicanalítica, a missão do terapeuta é objetivar a atividade


psíquica coletiva da família, como também a comunicação e os conflitos entre os
membros da família. O técnico deve também articular as questões anteriormente
referidas com a vida interior de cada um dos familiares. Trata-se de uma terapia
pela qual o objetivo está na verificação dos modos relacionais e do uso da pala-
vra e do poder no grupo familiar em seu conjunto. Sua atuação visa modificar o
aparelho psíquico familiar para dar conta primeiro, e de acordo com Anzieu, dos
psiquismos de cada um dos membros, inscrevendo, para Kaës (2001), deste modo
a atividade psíquica em um duplo processo: o da transmissão a atividade o da
transmissão da transgeracional e a intersubjetividade resultante.

capítulo 5 • 137
O desenvolvimento das terapias familiares psicanalíticas foi beneficiado pelas
pesquisas sobre os grupos de Didier Anziue (1923-1999).

©© WIKIMEDIA.ORG

Alberto Eiguer descreve o trabalho com terapia familiar analítica dando ênfase
à história da família atual e transgeracional com os objetivos: o da(re)-construção
do passado reprimido, a análise do conteúdo verbal e dos conteúdos que ele chama
de produções fantasmáticas, especialmente os que representam as imagens dos
sonhos, e também se mantém interessado pela transferência e contratransferência.
Com o autor Mony Elkaim, a terapia de família ganha, como objetivo prático, o
fato de permitir aos diferentes membros da família criarem no setting terapêutico
um novo espaço imaginário e fantasmático, por meio do qual os mitos familiares
podem evoluir.

CONCEITO
Fantasmático é relativo à ideia de fantasma ou fantasia; aqui a palavra está sendo usada
como uma figuração do inconsciente.

As terapias familiares sistêmicas

Os conceitos básicos das terapias familiares sistêmicas surgiram da teoria da


comunicação e da teoria dos sistemas.
Com relação à teoria da comunicação, ela se constituiu a partir dos trabalhos
de Bateson e do grupo de pesquisadores da escola de Palo Alto partir de 1949, e
entre eles se destacam P. Watzlawick, D. Jackson, J. Haley, Helmick-Beavin. O
interesse deles está no estudo dos modelos de comunicação e como são os mo-
dos de interagir pela fala e expressão corporal. Portanto, focam nas estruturas de

capítulo 5 • 138
interações entre indivíduos, tanto num contexto patológico como nas interações
humanas banais.
Surgem, a partir delas, conceitos como a metacomunicação.
Por metacomunicação, os terapeutas sistêmicos consideram o estudo e a com-
preensão da comunicação interpessoal, pelo qual o emissor tenta passar em sua
mensagem a maneira como ela deve ser interpretada, ou seja, o que é dito sempre
corresponde aspectos do que não foi dito. Além desse conceito, o da metalingua-
gem, os psicólogos sistêmicos se utilizam da noção de retroação feedback. Esse
conceito se refere aos resultados de tudo aquilo que é decorrente da regulação das
trocas, e está presente no sistema de comunicação, por exemplo, a afirmação do
que não pode ser comunicado. Eles estudaram também as comunicações digitais
e análogas verbais e não verbais.

CONCEITO
•  A linguagem digital é um conjunto de palavras formadoras de frases, com uma gramática
lógica, complexa, poderosa, mas carente de sentido e significação adequada para o campo
das relações pessoais.
•  A linguagem analógica tem significado (semântica), mas não tem uma sintaxe (estilo
gramatical) adequada para que não haja ambiguidade de entendimento das mensagens nas
relações.
•  A semântica é a área da linguística que estuda o significado das palavras, das frases e
das expressões.
•  A sintaxe é a parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e a das
frases no discurso, bem como a relação lógica das frases entre si.

Os autores das abordagens sistêmicas afirmam que a comunicação dos mem-


bros é feita de modo circular. O que eles querem dizer é que não há entre os
processos de intercomunicação uma comunicação de causalidade linear. Por este
último conceito, causalidade linear, eles apontam para o estabelecimento de uma
ligação direta entre a causa e o efeito. Ou seja, em uma família, cada um influencia
os outros e é também influenciado por eles em um modo circular de comunicação,
pelo qual não há começo nem fim.
Essa escola iniciou o estudo dos distúrbios da comunicação nos sistemas fami-
liar e se coloca que todo sintoma é decorrente da forma como se são as comunica-
ções. Logo, o sintoma adquire um valor comunicacional.

capítulo 5 • 139
Bateson, de formação em antropologia, se tornou, dentro da abordagem sis-
têmica um representante das ciências da complexidade. Sua tese explora a com-
plexidade no âmbito da comunicação; apontando para os modos que diversos
sistemas relacionais dialogam entre si, ele afirma que este sistema relacional traz
em si, como resultado, a construção própria de formas de adaptação e de modelos
de autorregulação familiar. Para ele, Bateson, a comunicação é constituída de um
conjunto de atos e de processos ativos que interagem entre si.
Já no modelo proposto por Von Bertalanffy e Watzlawick, a família é considera-
da como um sistema aberto, isto é, uma estrutura que tem trocas com o exterior. O
sistema está num meio com o qual ele mantém interações e é constituído de subsis-
temas que têm relações entre si. O modelo utilizado é o do sistema auto-organizado,
pelo qual o comportamento de cada membro da família influencia o outro. Com
a introdução do conceito de homeostasia familiar, proposto por Mony Elkaim, a
terapia de família passa a considerar, no modelo sistêmico, que a doença do paciente
pode reconduzir ao equilíbrio familiar colocado em perigo pela mudança.
Uma outra propriedade do sistema é a criação, na organização familiar, de
qualidades novas em relação às qualidades de cada pessoa implicada. Não se pode
reduzir uma família à soma de todos os seus membros.
É a complexidade interativa, formada pelas interações múltiplas e contínuas,
que é o conceito fundamental na teoria dos sistemas, com suas relações ao mesmo
tempo verticais (formadas pelas gerações anteriores) e horizontais, (formadas com
outras pessoas e outros sistemas interativos). Esta colocação entre comunicações
verticais e horizontais é dada pela teoria ecossistêmica da comunicação.
A evolução das terapias familiares reflete a modificação progressiva dos mode-
los de terapia familiar. Contudo se pode dizer que o foco sempre está nos proces-
sos de comunicação familiar.

A família forma um sistema com características próprias, isto é, modalidades de funcio-


namento familiar, composto por estruturas chamadas de esquemas de interações,
que transcendem as modalidades de funcionamento individual e estão ligadas ao siste-
ma de determinada família.

Em todas as abordagens sistêmicas, o pressuposto de que o sintoma tem ori-


gem na interação e na intercomunicação se faz presente por meio das seguintes
proposições lógicas defendidas por Watzlawick:

capítulo 5 • 140
1. É impossivel não se comunicar: Todo o comportamento é uma forma
de comunicação. Como não existe forma contrária ao comportamento
("não comportamento" ou "anticomportamento"), também não existe
"não comunicação". Então, é impossível não se comunicar.
2. Toda comunicação tem um aspecto de conteúdo e um aspecto de re-
lação. Isso significa que em toda comunicação se tem o significado das pa-
lavras, mais os seus conteúdos ou informações. Essas informações são a
forma de o comunicador dar a entender a relação que tem com o receptor
da informação.
3. A natureza de uma relação depende da pontuação das sequências co-
municacionais entre os atores da situação, ou chamados de comunicantes.
Tanto o emissor como o receptor da comunicação estrutura essa comuni-
cação de forma diferente, e dessa forma interpreta o seu próprio compor-
tamento durante a comunicação, dependendo da reação do outro.
4. Os seres humanos se comunicam de forma digital e analógica: para
além das próprias palavras, e do que é dito (comunicação digital), a forma
como é dito (a linguagem corporal, a gestão dos silêncios, as onomatopeias)
também desempenham enorme importância – e se constituem na comuni-
cação analógica.
5. As trocas nas comunicações são simétricas ou na igualdade, e comple-
mentar esse em formas diferentes.

As técnicas de terapias familiares

Todas as terapias familiares se situam na interseção formada pela psiquiatria,


o judiciário e o sistema educativo, o qual gera o motivo da consulta, geralmente
muito variadas, conforme já foi exposto anteriormente.
Após a primeira consulta já se pode ter uma noção da indicação feita para essa
modalidade terapêutica. No entanto, para que esse encontro ocorra, é necessário
que as seguintes regras sejam respeitadas pelos membros:
•  Todos membros devem concordar que existe um problema, o qual é cha-
mado por sintoma;
•  Todos membros devem perceber que a dificuldade provocada pelo sintoma
influencia a capacidade de adaptação da família como um todo.

capítulo 5 • 141
Com relação ao processo terapêutico temos que:
•  O terapeuta deve estar habilitado, ou melhor, ter competência para tratar
esse sintoma;
•  O terapeuta deve estabelecer quem vai estar na terapia em função do motivo
ou da queixa e quais técnicas serão utilizadas;
•  O técnico deve determinar qual a estrutura do sistema familiar deverá ser
trabalhado: o casal, a família que vive sob o mesmo teto, a fratria unicamente, só
o pai, a mãe e os filhos, a família recomposta, com a presença dos filhos dos pais
divorciados, a família com três gerações, incluindo avôs, netos, às vezes a presença
de parceiros institucionais – tais como educadores, assistentes sociais;
•  A noção de que a psicoterapia poderá se transformar em outro atendimen-
to, como se a terapia de família se prolongasse em uma terapia de casal;
•  O terapeuta deve estabelecer o número de técnicos na sala de atendimento.
Normalmente são dois: o terapeuta atuante e seu co-terapeuta;
•  Ele deve escolher o uso ou não de vídeo para filmar a sessão;
•  O psicoterapeuta deve montar sua sala de atendimento com vários assentos
e brinquedos para as crianças. O modo como o grupo familiar dispõe dos lugares
já é um modo de iniciar o processo terapêutico.

Trabalha-se com a associação livre grupal; com o distanciamento


do terapeuta, que não aconselha, com a presença dos membros.
O técnico conduzirá o grupo a partir da demanda exposta, per-
mitindo o discurso, realizando interpretações, como em qualquer
A ABORDAGEM técnica psicanalítica, levando em consideração a análise do dis-
PSICANALÍTICA curso por meio da interpretação dos conteúdos, interpretação
das resistências, das transferências familiares, das defesas gru-
pais. O psicoterapeuta familiar deve levar a percepção de seus
motivos inconscientes, para que os participantes do processo
possam elaborar suas questões.

Como visa à exploração e transformação dos sistemas familiares


AS e seus contextos, os psicoterapeutas focam nos processos de
comunicação dos membros tanto verbais quanto não verbais. As-
ABORDAGENS sim o terapeuta pode estabelecer uma relação significativa com
SISTÊMICAS a família, a encarando como uma unidade e não um somatório
de pessoas.

capítulo 5 • 142
As práticas sistêmicas permitem uma articulação entre as diferentes técnicas de
tratamento. Entre esta diversidade de práticas temos, por exemplo:
•  A formulação e hipóteses sobre o funcionamento do sintoma e o compar-
tilhando como submetendo aos membros, com a finalidade de poder atuar no
contexto familiar. Afinal as terapias sistêmicas trabalham coma ideia de que a
doença só é definida por meio do entendimento do modo como os membros
se comunicam;
•  A determinação das fronteiras entre os membros do sistema, para torná-las
mais flexíveis, diminuindo a rigidez e determinar com mais objetividade os limites
entre os membros;
•  A busca pela modificação os códigos habituais, por isso rígidos, e os mode-
los de comunicação disfuncionais;
•  O uso do genograma, que vem a ser uma representação gráfica das relações e
da história psicológica de uma família, com foco em uma pessoa, permitindo a vi-
sualização de padrões hereditários e fatores psicológicos que pontuam as relações.

EXEMPLO
Exemplo de genograma: a família de Mariana. Disponível em: <https://virtual.ufms.br/
objetos/Genograma/6.html>. Acesso em:5 fev. 2018

•  A decodificação dos ciclos de vida das famílias, dando ênfase às crises provo-
cadas por um nascimento, um falecimento, a saída de casa por um filho já adulto,
entre outras;
•  A verificação das “lealdades” familiares e intergeracionais visíveis e invisíveis;
•  A construção dos mitos familiares, seus sistemas de crenças e valores.

Os limites das terapias familiares

A terapia familiar depende principalmente da possibilidade de ser estabelecido


um quadro terapêutico e o respectivo consentimento dos membros para realizá-la.
A família pode negar que estejam tendo problemas familiares; ou ela pode ter no
seu seio um dos membros muito paranoide, agressivo ou agitado. Outra situação
que inviabiliza é o fato de os membros mais importantes da família não poderem
comparecer; como também a existência de crenças religiosas e culturais muito

capítulo 5 • 143
fortes que impedem intervenções por parte do terapeuta. Também a possibilidade
do equilíbrio familiar ser tão precário que qualquer intervenção pode provocar
desestabilização de um ou mais membros, como no caso, por exemplo, de con-
fronto entre um adulto que abusou sexualmente de uma criança. Há a impossibi-
lidade de ser realizada quando as questões conjugais são egossintônicas. Quando
há questões individuais que precisam de outros tratamentos prévios, como a de-
sintoxicação. Também é contraindicada na possibilidade de um dos cônjuges ter
transtorno grave de caráter, como em casos de comportamentos antissociais ou de
desvio sexual.

CONCEITO
Egossintônico é um termo que se refere a comportamentos, valores e sentimentos que
estão em harmonia com ou aceitáveis para as necessidades e objetivos do ego, ou consis-
tente com o próprio ideal da autoimagem.
Disponível em: <http://psicoativo.com/2017/05/egossintonico-e-
egodistonico-significado-transtornos-e-freud.html>. Acesso em: abr. 2018.

Terapia de casal

A terapia de casal consiste em uma modalidade clínica de atendimento que


tem como objetivo promover melhor qualidade de vida ao casal por meio de in-
tervenções realizadas na dinâmica conjugal. A terapia de casal tem como meta a
resolução dos conflitos, realizada por meio do estabelecimento de uma comunica-
ção mais reflexiva e assertiva, sem deixar de compreender a expectativa de cada um
dos membros e tratando de uni-las.
A função do psicoterapeuta é agir como um intermediador entre o casal, am-
pliando o diálogo e a visão de mundo de ambos, que em função da tensão pelas
intensas emoções, geram uma desestabilização do casal, provocando a perda do
controle e a ausência de tomadas de decisão e a dificuldade para mudar velhos
padrões que não trazem mais benefícios para a relação.
As sessões de terapia de casal ocorrem semanalmente e têm duração entre 50
minutos e uma hora. O formato dos encontros será combinado de acordo com a
necessidade de cada casal.

capítulo 5 • 144
A terapia de casal é um procedimento que diz respeito, conforme o próprio
nome indica, exclusivamente às questões do casal. Em geral, ela se remete aos
problemas relativos ao tema da “satisfação conjugal”. No entanto este conceito é
muito complexo, tendo em vista as diferentes circunstâncias que ele implica.
A “satisfação conjugal” aponta para diversas variáveis, que incluem as carac-
terísticas pessoais de cada cônjuge, as experiências que trazem de suas famílias de
origem, a forma como o relacionamento foi e é construído, já que esta última
colocação implica desde a fase do conhecimento até a formação definitiva do casal
e a respectiva vivência do dia a dia.
Pesquisas feitas com este tema, terapia de casal, verificaram a importância da
família de origem como determinante da escolha e da satisfação conjugal. Esta
constatação contribuiu para a afirmação da tese de que as pessoas tendem a repetir
padrões vividos desde a infância, provenientes da relação pais e filhos(as), e da
observação das relações dos seus pais entre si. Portanto a confluência de fatores
sociais, políticos e culturais encontram-se como fatos relevantes nos conflitos con-
jugais. A relação afetiva entre os parceiros fica, então, em maior evidência do que
a própria instituição do casamento.

MULTIMÍDIA
Com relação à conjugalidade e à relação afetiva do casal, convido você, aluno(a), a as-
sistir ao seguinte vídeo do Flávio Gikovate em: <https://youtu.be/Fy182ta4-o0>. Acesso
em: abr. 2018.

A vantagem da terapia de casal sobre a individual está na “queixa principal” de


desajuste conjugal, e na possibilidade de se coordenar mudanças simultâneas em
ambos os parceiros, conforme seus “objetivos”. (COPSTEIN WALDEMAR. In:
CORDIOLI, 2008, p. 246)
Diz-se que um casal está bem quando a comunicação é direta, e diferentes
opiniões podem estar presentes nos discursos. A coesão é grande, e as emoções são
expressas integralmente. O poder está bem distribuído, e os conflitos se diluem por
meio de negociações, e não por ameaças ou imposições autoritárias. Os filhos não
são envolvidos nas discussões dos parceiros, e a organização do espaço conjugal se
mantém clara e consistente. A resiliência torna-se uma habilidade experimentada
por ambos, e consiste na capacidade de voltar ao estado de equilíbrio após a reso-
lução de um conflito, um estado de pressão ou de deformações do cotidiano.

capítulo 5 • 145
Segundo Cloninger, citado por Copstein Waldemar, os indivíduos possuem
três tios de traços de caráter e temperamentos que geram um maior bem-estar
quando associados. Eles seriam:
•  O formado por iniciativa, independência, objetividade, criatividade, humor
e flexibilidade;
•  O formado por necessidades integradoras, cooperação e altruísmo;
•  O formado por intuição, justiça e espiritualidade.

Quando o casal é resiliente, as classificações anteriores se encontram em equi-


líbrio dinâmico.
Outros aspectos importantes para a vida do casal: atração sexual, companhei-
rismo, cuidar um do outro e dos filhos.
Entre os conflitos mais comuns nas várias etapas do casamento, se destacam
os dos casais sem filhos. Neste aspecto o vínculo intenso de um dos membros com
relação aos pais de origem pode causar ciúmes, sentimento de rejeição e abandono
por parte do outro parceiro.

Estudo de caso clínico: a imaturidade dos pais e o processo de criação dos filhos

O presente estudo de caso é o resultado de atendimento clínico realizado pela


Clínica-Escola do IPUSP na abordagem psicanalítica. Trata-se de uma mulher
com 31, Ana (nome fictício) anos e seu marido Bruno (também fictício) de 30
anos que visam ao atendimento para filha Laura de apenas 4 anos. A demanda
principal, ou queixa principal, era a que a menina, já desde os três anos, não
aceitava limites, nem o “não”, sendo, portanto, muito desobediente. Em função
desse tipo de comportamento, não conseguiam colocar a filha na escola/creche,
e, em consequência, a mãe não podia trabalhar e ajudar nas despesas domésticas.
Tinham tentado cinco vezes, e todas as tentativas foram frustradas, sendo que na
última a menina ficou muito doente, o que obrigou a retirada da creche e a atitude
da mãe em desistir de trabalhar definitivamente para poder criar a filha. Sendo
assim, os pais tiveram que retornar a morar na casa dos pais de Bruno, o pai de
Laura, mais a filha mais nova de seis meses. De acordo com Bruno a filha discutia
com eles, Ana e Bruno, como se fossem irmãos.
O retorno à casa da mãe de Bruno repercutiu de modo muito prejudicial
na relação de Ana (mãe) e Laura (filha). Sua sogra interferia constantemente na
educação que ela dava à filha, chegando, inclusive, a desautorizá-la, como ao pai

capítulo 5 • 146
também. As famílias de origem, os pais de Ana e os pais de Bruno, sentiam-se no
direito de interferir, já que contribuíam financeiramente para o sustento deles.
Ficou claro de saída, ou seja, na primeira entrevista, que o casal estava desprovido
de autonomia e a clara relação de dependência para com seus pais e a filha. A cada
encontro/entrevista ficava evidente a necessidade de desenvolver a maturidade
emocional de cada cônjuge.
Também se via a confusão de papéis na família como um todo, os reais pais, os
pais dos pais, estavam todos misturados enquanto suas funções sociais etc. Ambos,
Ana e Bruno, ainda tinham forte ligação com as famílias de origem, principal-
mente suas mães, e por isso comportavam-se como filhos também, sem a menor
consciência do novo papel como construtores de uma nova família.
“Ana se queixava que a mudança para uma casa em que pudesse viver apenas
com o marido e suas filhas resolveria todos os problemas. Ao longo do processo
terapêutico se percebeu que as reclamações e forte desejo de se mudar para ter sua
própria casa estavam relacionados à vontade de se verem livres da sogra, represen-
tante também da função de mãe e rival na relação edipiana.
Procurou-se dispensar especial atenção a Bruno e às suas reações diante da
forma como Ana lidava e falava de sua sogra, pois a tendência dele era sempre a de
ficar quieto, sem se manifestar, o que também pode ser mais bem compreendido
quando se teve mais dados sobre sua história de vida. Bruno ficou marcado pela
ausência do pai e pelo controle da mãe.
Ana reclamava, muitas vezes, da forma grosseira como seu marido a tratava.
Ela esperava com muita ansiedade os dias de folga dele; entretanto, Bruno ficava
mal-humorado. Ele parecia repetir com a esposa a mesma relação que estabelecia
com sua mãe – ambas esperavam que ele atendesse a todas as suas expectativas –
sem poder se constituir como sujeito de seus próprios desejos e suas ações, o que
tornava mais difícil, para ele, a tarefa de construir uma família. A dificuldade de
Bruno de lidar com a filha estava relacionada ao fato de ele ainda ser "muito mais
filho do que pai", tendo, por isso, dúvidas quanto aos limites e alcances de seu
papel na família que constituíra com a esposa.
Ana tinha problemas de relacionamento com sua sogra que a impediam de
aceitar as condições em que sua família vivia. Por isso, enfatizava seu desejo de ter
sua própria casa e tentava obter o apoio de Bruno para seus planos. Este, no en-
tanto, tinha maior “maturidade” no sentido de não querer abandonar a segurança
da casa de sua mãe, onde conseguia poupar boa parte de seu salário, e por isso
relutava em acatar as vontades da esposa, dizendo sempre que a mudança só seria
possível se ela também tivesse um emprego.

capítulo 5 • 147
Bruno também começou a manifestar mais suas opiniões nos momentos em
que Ana falava de sua mãe. Dizia que aquela preocupação da esposa era exagerada
e que sua mãe era diferente da de Ana; não adiantava ela querer comparar as duas
ou exigir que a sogra fosse como sua própria mãe. Além disso, dizia não entender o
motivo porque a esposa se incomodava tanto com as atitudes de sua mãe em rela-
ção aos cuidados com a casa e com certos comentários que fazia em relação a Ana.
(...) Esta questão foi trabalhada com Ana, mas o conflito só foi resolvido quando
o casal se mudou para um apartamento alugado após uma séria briga entre Ana e
a sogra. Novamente surgia uma situação concreta que confirmava as pontuações
feitas até então: Ana, imatura, provocava uma grande mudança na vida da família,
sem haver feito planejamento algum.
Embora Bruno pretendesse sair de casa da mãe no ano seguinte e estivesse se
preparando financeiramente para isso, era a esposa quem queria, e mais uma vez,
ditava os rumos da vida do casal e das filhas. Isso também foi discutido em tera-
pia, mas o tema logo deu lugar às transformações decorrentes da mudança. Ana se
dizia muito feliz e destacava o quanto as filhas gostavam da nova casa. Bruno, por
sua vez, se mantinha reservado e guardava certo rancor por ter se submetido mais
uma vez à vontade da mulher.
Quando Ana passa no vestibular para Pedagogia, em uma faculdade particu-
lar, a questão ressurgiu. Bruno não se sentia seguro o suficiente para pagar as men-
salidades dos primeiros seis meses da faculdade e mostrava que desta vez pretendia
fazer valer sua vontade de manter certa estabilidade financeira, ainda que custasse
o estudo de Ana. Ela, apesar de insatisfeita com a postura do marido, estava dis-
posta a trancar a faculdade no primeiro semestre. Isso não foi necessário porque
Ana conseguiu um emprego em uma escola e descobriu um curso mais curto que
a habilitaria dar aulas, que já era formada em matemática.
Atualmente, Ana vem contribuindo com o pagamento das despesas da casa e
Bruno vem ajudando muito nas tarefas de casa. A filha menor está se desenvolven-
do muito bem e Laura, agora com 5 anos, além de estar em tratamento fononau-
diológico por problemas na articulação de algumas palavras, finalmente entrou
para a escola, e não apresentou até o momento nenhum problema.

Revista de Psicologia Clínica, PUC RJ: 2005, p. 58-60.

capítulo 5 • 148
Discussão e considerações

A história do casal confirma a hipótese de que não havia uma conjugalidade


de fato constituída no momento em que se casaram. Ana, que sempre ditara os
rumos da vida dos dois, estava em conflito, pois morava fora de casa há alguns
anos e não queria voltar a viver com sua família de origem sob condição alguma.
Sem ter para onde ir, após a dona da casa onde morava vender o imóvel, decidiu se
casar com Bruno e assim aconteceu. A opção pelo casamento em Ana vem princi-
palmente, para satisfazer uma motivação inconsciente: a necessidade de se separar
psiquicamente de sua família de origem, já que não conseguia fazê-lo, suplantando
pelo desejo físico e afetivo de estar e viver com o marido.
Pouco tempo depois, ambos ficaram desempregados exatamente no momento
em que mais precisavam de segurança financeira. Ana estava grávida e, ao pedir de-
missão, demonstrou sua inconsciência em relação às mudanças que filhos trariam
para suas vidas e às responsabilidades derivadas dos papéis de pai e mãe. Criaram
uma situação que os tornava novamente dependentes das famílias de origem. Esse
fato confirma a permanência de Ana e Bruno nas posições de filhos dependentes.
A interferência direta da mãe de Bruno na vida do casal gerava conflitos entre as
duas mulheres, que aumentaram à medida que o tempo passava e contribuíram
para que Laura passasse a apresentar determinados comportamentos sintomáticos.
Ana insistia que a filha ficava tranquila quando estava apenas com ela, se alte-
rando com a chegada de terceiros. A presença da avó certamente indicava "confli-
to" para Laura, aumentando sua agitação. A tendência da menina era a de imitar
comportamentos da mãe, a qual sempre foi autoritária, e se aborrecer quando seus
desejos não eram satisfeitos. Ao mesmo tempo, Ana continuava muito dependente
das opiniões do resto de sua família, que, por isso, se sentia no direito de interferir
na educação das meninas, já que ajudava financeiramente o casal. A imaturidade
de Ana se manifestava pelo fato de ela se comportar como filha muito mais do
que mãe. Fato esse que a impedia de ter segurança necessária para impor os limi-
tes à Laura e sustentar o "não” quando necessário. As questões da história dela,
especialmente de sua relação com a própria mãe, a levavam a querer viver com as
filhas experiências que não tinha tido e depositar nelas todas as suas expectativas.
A confusão de papéis também era marcante no caso de Bruno, que não tinha
consciência de sua tarefa de pai, nem um modelo paterno a seguir, não estando
emocionalmente pronto para exercer essa função. À medida que o tratamento
terapêutico evoluía, as queixas sobre Laura diminuíram a ponto de raramente se

capítulo 5 • 149
falar da filha durante as sessões, pois os aspectos da história e da postura do casal
eram esclarecidos e elaborados. No entanto, Ana e Bruno nunca abordavam temas
envolvendo o relacionamento conjugal, o que indicava falta de uma conjugalidade
estruturada. Eles falavam predominantemente das relações com suas famílias de
origem e dos conflitos decorrentes destas, além de contarem sobre suas dificul-
dades financeiras. Isso também foi apontado, aumentando a consciência do casal
sobre a situação que vivia.
Na atualidade, o casal não depende mais das respectivas famílias de origem;
a independência financeira os tem ajudado a caminhar rumo à estabilidade e in-
dependência emocionais. Bruno passou a dividir o espaço das sessões com Ana e
adquiriu mais segurança para exercer os papéis de provedor e pai. Ana também
percebeu que não poderia se satisfazer totalmente somente cuidando das filhas,
voltou a trabalhar e incentiva o marido a estudar. Este relato clínico demonstra
o quanto a falta de planejamento na estruturação da vida familiar, derivada da
imaturidade dos cônjuges, pode ter consequências para a criação dos filhos. Dada
a complexidade da vida, a clareza e a coerência são essenciais para ordem, a pre-
visibilidade e o cumprimento das tarefas, enquanto as crises e eventuais variações
inesperadas na rotina exigem flexibilidade e tolerância para o caos que ocasional-
mente pode se produzir.
A fronteira do casal se estendeu e aquilo que identificava como só do casal
fez fatos externos à conjugalidade ficarem indiferenciados na relação de Bruno
e Ana. (...). Quando isso ocorre, crises podem ser provocadas, a qual só poderão
ser superadas se houver uma renegociação do contrato inconsciente firmado. A
conjugalidade mal estruturada torna ainda mais difícil a adaptação a mudanças e a
transformações decorrentes de eventos importantes, favorecendo o surgimento de
conflitos que atingem toda a família.
Ana e Bruno nunca haviam renegociado o contrato conjugal, como questão
saudável em situações como as de desemprego, nascimento das filhas e mudanças
de casa. Assim, a intervenção terapêutica se deu no sentido da renegociação do
contrato estabelecido pelo casal, abrindo um espaço para a construção da conju-
galidade e o exercício da parentalidade, fazendo o casal, paulatinamente, ocupar o
lugar de “sustentáculo” da família constituída. (Revista de Psicologia Clínica, PUC
RJ: 2005, p. 60-63)
Entre os conflitos mais comuns nas várias etapas do casamento, se destacam os
dos casais sem filhos. Neste aspecto, o vínculo intenso de um dos membros com
relação aos pais de origem pode causar ciúmes, sentimento de rejeição e abandono
por parte do outro parceiro.

capítulo 5 • 150
EXEMPLO
•  Exemplo clínico 1:

Carlos e Sandra procuraram ajuda porque Sandra, uma médica de 27 anos, pediu para
Carlos sair de casa. Carlos, um economista da mesma idade, morava com Sandra em um
apartamento muito confortável, cedido pelo pai de Sandra. Sandra alegou que além de vários
problemas que vinham tendo, estava envolvida com um colega de trabalho e queria tempo
para pensar. A família de Sandra tinha posses, e ela se ressentia pelo fato de a mesada que
ganhava dos pais ser essencial para manter a qualidade de vida do casal. Carlos aceitava
uma vida simples e preferia abrir mão dessa ajuda do que aceitar um outro trabalho e ganhar
mais. Além disso, Carlos achava que muitas das preocupações de Sandra eram fúteis. O
que se viu na terapia foi que casaram muito rápido, após somente nove meses de namoro,
movidos por uma forte atração sexual e pelo desejo de Sandra de ter sua própria casa, o que
na sua cultura familiar significava casamento. Um ano depois quando buscaram a terapia, já
estava claro para ambos que a separação era a melhor alternativa. (COPSTEIN, in: CORDIOLI
cols. 2008, p. 250)
Outros aspectos importantes para a vida do casal: atração sexual, companheirismo, cui-
dar um do outro e dos filhos. No caso de filhos, a distribuição de funções e obrigações, além
do surgimento do primeiro triângulo afetivo, como também a elaboração de uma nova identi-
dade pela passagem do status de marido e mulher ao de pai e mãe (como você leu no caso
de Bruno e Ana) são alguns dos ingredientes mais comuns na instalação de desentendimen-
tos mútuos e a origem do casal disfuncional. Existem grandes possibilidades, em função dos
cuidados ao bebê, que o casal deixe a relação romântica, marido-mulher, em segundo plano;
fato que pode gerar problemas sérios, inclusive os de infidelidade, principalmente se o marido
se sente abandonado, devido às questões de dificuldades afetivas próprias, ou mal resolvidas
em sua história pessoal.
Também as dificuldades emocionais surgidas pela questão profissional, ou da relação
com o trabalho e as cobranças sociais e culturais acerca dos cuidados com o menor podem
ser elementos para a desagregação do casal. Como também as relativas às vidas particula-
res de cada um, por exemplo, a ida à academia, as saídas do marido com seus amigos para
jogar futebol ou vôlei, o famoso “dia das meninas” das esposas, os chopes com os colegas de
trabalho, entre outras situações.
Como se percebe, são inúmeras as razões pelas quais o casal pode desenvolver a partir
delas conflitos e desajustes que tornam a vida muito difícil, e o afastamento muito provável
entre eles.

capítulo 5 • 151
•  Exemplo clínico 2:
retirado do livro de CORDIOLI e cols., p. 251

O casal Tavares procurou ajuda a pedido da escola em função do comportamento agres-


sivo de Nelson de sete anos, o filho mais velho do casal, que também não estava rendendo o
esperado. O filho menor, Leonardo não apresentava problemas. A mãe, Helena de 34 anos,
médica e em ascensão profissional, com o humor muito irritadiço por estar em um novo tra-
balho com excelente remuneração, mas que a deixava muito sobrecarregada. O pai, Cléber
de 37 anos, funcionário público e bastante prestigiado em sua função. O casal sai muito
cedo para o trabalho, retornavam a casa na hora do almoço, mas antes buscam os filhos em
locais escolares diferentes; depois saem após almoçarem todos juntos, deixando as crianças
com a babá até o retorno do Cleber (pai) às 18 horas. A mãe, Helena, geralmente voltava às
19 horas. No período da noite, sem ajuda doméstica, Cléber passava muito tempo em uma
relação tensa com o filho Nelson tentando ajudá-lo com as lições de casa. Helena cuidava
da casa e dava mais atenção ao caçula. O casal sentia-se esgotado e sem tempo para si,
pois até os finais de semana o tempo era para os filhos. A terapia de casal se estabeleceu
na ajuda de organizá-los uma forma diferente a essa rotina relatada. Helena se conscientiza
da necessidade de deixar um dos empregos, ficando mais disponível para os filhos e com
mais tempo para ela também. Nelson logo respondeu positivamente ao seu comportamento
agressivo, apresentando melhor rendimento escolar.
Quando os filhos atingem a adolescência, os problemas também podem abalar a estrutu-
ra relacional do casal. Aquele cônjuge que não tiver resolvido bem sua autonomia emocional,
poderá se identificar com o(a) filho(a) nessa fase e isso abala o relacionamento. Se o casal
está em constante conflito, este fato poderá influenciar o comportamento do adolescente.
Este, então, se envolverá com os problemas conjugais, fazendo vários sintomas entre os
quais a dificuldade de aprendizagem, baixo rendimento escolar, dificuldades nos relaciona-
mentos sociais, transtorno de conduta, uso de drogas entre outros.
Como geralmente os pais dos adolescentes já se encontram na faixa etária dos 40-50
anos, o que se espera é que o casal tenha encontrado sua “maturidade emocional” e com
ela já possa realizar um levantamento acerca da história de sua conjugalidade e estabe-
lecer orientações para conquistas de antigos desejos. Com os filhos mais independentes,
pela própria adolescência, o casal poderá buscar mais renovação na relação conjugal, já
que possui bem mais tempo para isso. Se todas estas questões não foram atendidas, e se
acrescentamos a falta de maturidade por parte de algum dos cônjuges, então estamos diante
de sérios problemas. Estes últimos vão desde a depressão com forte envolvimento com os
filhos, na procura, por meio dessa dependência afetiva com os filhos, de satisfações para
suas frustrações.

capítulo 5 • 152
O comportamento dos pais de “dependência afetiva” do(a) filho(a) adolescente acar-
reta no(a) mesmo(a) uma espécie de estagnação emocional, o que resulta em ações des-
controladas, impulsivas, negativas, prejudicando seu crescimento emocional e a construção
da autoestima.

•  Exemplo clínico 3:
Retirado do livro de CORDIOLI e cos.; p. 252.

Otávio e Joana são os pais de Arlete, de 17 anos. Eles buscaram terapia em função da
filha, em terapia individual, estar fazendo uso de maconha, ter faltas de aulas do colégio e
chegar muito tarde em casa. A mãe faz o papel da “linha dura”, com determinações de limites
rígidos; enquanto o pai já lida com o estilo de persuadir, de conversar.
No entanto, apesar de Arlete ouvir o que seus pais exigem e pontuam, segundo sua mãe,
ela faz o que bem entende. Durante a primeira consulta, ficou claro a aliança entre Arlete e
o pai contra a mãe, chamando-a de “velha chata”. As diferenças entre Otávio e Joana (pai
e mãe da Arlete) são para além destes conflitos coma filha. Esses conflitos remetem-se às
histórias pessoais de cada um mal resolvidas e que estão refletidas e inseridas nessa rela-
ção complicada com a Arlete. Este seria um caso para terapia de família, no entanto ficou
decidido iniciar somente com o casal, de maneira que o casal pudesse retomar seu diálogo
e estabelecido medidas comuns em ralação à filha. Esse fator influenciou muito na melhora
no comportamento da menina. O casal ainda seguiu em terapia por mais alguns meses com
resultados bem satisfatórios.
Pode-se incluir como casos também recomendados à terapia do casal, os de reestruturação
pela saída dos filhos de casa, em função do surgimento de sentimentos como o do “ninho va-
zio”. Mas todos vão estar sempre aludidos a semelhantes dificuldades discutidas anteriormente.

MULTIMÍDIA
Que tal assistir aos seguintes vídeos: A síndrome do ninho vazio, com a psicóloga
Pamela Magalhães. Disponível em: <https://youtu.be/kT-E6_WlkDU>, também indico o
da psicóloga Michele Cristina da Silveira. Disponível em: <https://youtu.be/-9IklbxegRc>.
Acessados em: abr. 2018. Faça bom proveito.

capítulo 5 • 153
Como foi visto no início deste capítulo, a terapia de casal pode ser realizada
por diferentes escolas ou abordagens. Assim temos os teóricos da psicodinâmica,
da perspectiva cognitiva-comportamental, das teorias comunicacionais, os exis-
tencial-humanistas. As técnicas terapêuticas utilizadas, portanto, são respectivas a
cada abordagem. No entanto, todas elas têm em comum o fato de contemplarem
a história do casal, para detectar a origem do problema, visitando desde a rotina
doméstica aos interesses em comum, e, fundamentalmente, o momento do “aqui
e agora”.
Com relação à duração da prática terapêutica, dependerá da evolução do pró-
prio casal, e pode ter uma duração e três a nove meses, ou, se quiser contar sobre
a base de sessões, até vinte sessões.
O que não se deve esquecer é que a função do terapeuta é bem mais ativa, evi-
tando agressões mútuas que surjam, mantendo um clima de controle emocional,
de maneira que o tratamento possa evoluir de modo satisfatório. É por meio da
conquista deste tipo de “clima” adequado que o terapeuta poderá buscar “negocia-
ções” de pontos urgentes relativos às queixas recíprocas.
A partir do momento que se evidencia uma melhora na interação do casal, o
técnico deixa de ser ativo e começa a adotar uma postura de promoção de questiona-
mentos e reflexões entre os envolvidos. Assim pode levar o casal a pensar mais sobre
seus valores pessoais mais profundos e quais as perspectivas de ambos para o futuro.
Quando o casal chega a esta etapa a terapia de casal, atingiu sua meta, pois já
se pode discutir sem agressões pessoais os rumos desejados, bem como posições
diante de determinadas situações.

Terapia infantil e de adolescente

Para se entender uma terapia infantil, é preciso considerar o que seja lidar
com uma criança, o seu universo infantil, bem como os pais fazem quando se
tornam progenitores.
Para poder se conectar com esse universo, um adulto precisa entrar em conta-
to com o seu próprio lado infantil e perceber as próprias necessidades de estimu-
lação, de autorrealização, de satisfação e autorrenovação.
Assim sendo, os pais em geral deveriam aproveitar a oportunidade, ao ter um
filho, de desfrutar sua noção de si mesmos, dada pelo fato de terem tido esse(a)
filho(a). Isso significa que é com a entrada de uma criança em uma família, que o
casal tem a oportunidade de sentir prazer com os filhos, sentir orgulho por eles,

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enfim, de estabelecer uma relação profunda consigo mesmo por poder viver um
sentimento de novo sentido na vida, obtido pela presença dos filhos.
No entanto, a projeção inconsciente da infância dos pais sobre o filho real
pode acarretar efeitos muito desastrosos naquele(a) filho(a). A criança recém-che-
gada pode se tornar a portadora das esperanças e necessidades parentais e vem a
representar no campo emocional familiar aquela atenção, respeito, carinho que foi
renegado, ou acha que foi, a esta figura parental demandada na própria infância.
Tais expectativas trazidas pelos progenitores, quase sempre narcísicos, são de-
positadas inconscientemente nos filhos, e podem gerar uma espécie de “roubo”
da autonomia infantil, de seu desenvolvimento emocional dirigido ao amadure-
cimento. Pois, imagine, como pode uma criança desapontar tais esperanças tão
“carinhosas e amorosas” destes pais! Tem início, assim, o processo de minar a
existência individual e única deste(a) filho(a) acarretando nele(a) um “peso” de
responsabilidade irrealizável.

CONCEITO
Narcisismo é um conceito usado na psicanálise que define o indivíduo que tem uma
admiração muito exagerada por sua própria imagem, nutrida por uma paixão excessiva por
si mesmo.

Em geral, a criança indicada à terapia infantil, apresenta estados de muita ten-


são, gerando muita atividade, ansiedade ou total apatia; é infeliz e completamente
desajustada, às vezes considera sua vida muito difícil de ser suportada. Como pode
se perceber nos relatos anteriores, pouca coisa se pode esperar dos pais ou de ou-
tros responsáveis por elas.
Os métodos de tratamento seguem a abordagem a ser adotada. No en-
tanto, para todas as técnicas, é importante objetivar como a infância se desenrola,
ou seja, qual a realidade familiar e social; considerar o meio de convivência e as
questões biológicas.
Estabelecer que o processo terapêutico não é uma abordagem educativa, ree-
ducativa ou pedagógica.
•  Organizar o setting para que a criança tenha possibilidade de expressão,
levando em consideração a idade dela;

capítulo 5 • 155
•  Ter no ambiente terapêutico mediadores como jogos, material de desenho,
modelagem, entre outros;
•  Levar em consideração as relações da criança com os membros familiares;
•  Considerar os fatores do desenvolvimento infantil que abarcam os aspectos
biológicos, sociológicos e psicológicos.

Outro fator técnico muito importante é a utilização do jogo, das brincadeiras,


dos desenhos, ou seja, a utilização de instrumentos lúdicos no próprio setting.
É por meio do “brincar” que a criança exerce a função da associação livre,
libera, pelo imaginário concretizado com os brinquedos, ou materiais expressi-
vos, suas emoções e dificuldades de relacionamento e entendimento das situações
cotidianas.

MULTIMÍDIA
Recomendo a visualização dos seguintes vídeos:
•  Como funciona a terapia infantil. Disponível em: <https://youtu.be/2YZiigdkPVs>,
acesso em: abr. 2018, feito na clínica Equilybra Psicologia.
•  Ludoterapia e o brincar, disponível em: <https://youtu.be/eFD6krFiUUY>, acesso em
abr. 2018, um trabalho realizado pelo site Descobrindo Crianças.

CURIOSIDADE
A Universidade Federal de Uberlândia – UFU – criou o projeto de extensão universitária
da brinquedoteca, um excelente trabalho de prevenção e promoção da saúde. Veja o vídeo a
seguir, Brinquedoteca da psicologia da UFU resgata a importância de brincar na in-
fância. Disponível em: <https://youtu.be/OkJemCYXdh8>, acesso em: abr. 2018, e depois
converse com seus mestres e veja se há possibilidade de criar no seu campus um espaço
como esse citado.

Winnicott outro autor, mais contemporâneo, da psicanálise infantil, vê no


jogo uma atividade humana específica, pelo qual a criança tem oportunidade de
criar junto com a representação de seu mundo interno. Sua tese aposta na questão

capítulo 5 • 156
de que o brincar favorece a imaginação, o prazer, e, dependendo da percepção que
a criança faz da realidade, a brincadeira sinaliza o que essa criança é capaz de reali-
zar, sempre que lhe seja, segundo o autor, oferecido um ambiente suficientemente
bom e equilibrado para que ela possa elaborar seu modo pessoal de viver. Para
esse autor, o brincar é o resultado da ativação da criatividade. Fato que favorece
a ludicidade – a brincadeira – e se compõe de uma interface entre a imaginação
(fantasia) determinada pelo mundo interior, e a necessária adaptação ao mundo
externo (as relações intergrupais).
A terapia do adolescente tem base no fato de ser essa uma fase delicada, de
transição e de novas descobertas. Entre elas estão a busca pela sua identidade, o
uso da liberdade, da responsabilidade e a tomada de decisão. É o momento em que
o(a) adolescente passa a pensar mais em entrar no mercado de trabalho, começa
a fazer seus próprios planos e a querer suas próprias coisas, inclusive a “tal da in-
dependência”. Mas, poucos pensam que, junto com a independência, vem junto
uma série de responsabilidades que entram em jogo.
Para que se de o desenvolvimento para a vida adulta, o(a) jovem precisa rever
tudo que já aprendeu até então. Essa jovem pessoa, como não tem ainda as estru-
turas de personalidade completamente sedimentadas, poderá contar com muita
flexibilidade no sentido de criar novas alternativas, já que tem a sua disposição
muita força e energia, a fim de não repetir padrões de comportamento aprendidos
na sua infância; sendo alguns deles adquiridos por imitação dos pais. Nesta etapa
tudo pode ser modificado.
A terapia nessa idade é procurada muitas vezes em função dos estados de intensos
conflitos emocionais, originados pela mudança brusca do corpo, dado a entrada na
puberdade, pelos efeitos da primeira ejaculação nos meninos e a primeira menstruação
nas meninas; por dificuldades de lidar com o novo corpo, de estabelecer amizades, de
lidar com a realidade, de se desfazer das imagens dos pais da infância, de vê-los apenas
como humanos com defeitos, em contraposição à imagem idealizada de “infalíveis”;
da necessidade de sedimentar sua identidade, da escolha sexual, enfim, de muitas situa-
ções geradoras de desajustes comportamentais, sentimentais e sociais.
Como nas demais terapias aqui abordadas neste capítulo, a terapia de ado-
lescente também pode ser realizada com qualquer teoria, e sua prática decorrerá
segundo a abordagem adotada e estudada em todo esse material.

capítulo 5 • 157
RESUMO
•  As terapias de família, de casal da infância e da adolescência podem ser trabalhadas com
quaisquer das teorias anteriormente expostas.
•  A terapia de família visa às interações dos indivíduos nos seus aspectos: social, histórico,
cultural, econômico, político e religioso, os quais fundam o mito familiar.
•  Os objetivos da terapia de família consistem na promoção do autoconhecimento em nível
individual e familiar; na compreensão da importância do diálogo e do respeito ao outro; no
reconhecimento dos padrões que geram os comportamentos; na melhora da comunicação e
as relações entre os membros da família; na compreensão do papel de cada indivíduo no bom
funcionamento da dinâmica familiar; no aumento da responsabilidade pessoal; no favoreci-
mento das mudanças construtivas de forma a harmonizar o ambiente familiar.
•  A terapia do casal visa promover uma melhor qualidade de vida ao casal por meio de inter-
venções realizadas na dinâmica conjugal.
•  A terapia de casal tem como objetivo melhorar a comunicação; identificar os objetivos
comuns; negociar e equilibrar as diferenças individuais dentro da relação; aprender a com-
partilhar responsabilidades dentro do relacionamento; desenvolver estratégias para manter
e fortalecer o compromisso; acabar com a competição; entender as necessidades do outro;
superar a infidelidade ou traição; melhorar a vida sexual; melhorar a qualidade geral do rela-
cionamento e a satisfação conjugal.
•  Estudaram-se as abordagens sistêmicas, muito utilizadas na atualidade, e seus distintos
modelos e modos de olhar a relação e a prática terapêuticas.
•  Discutiu-se acerca da prática com crianças e adolescentes.

ATIVIDADES
01. Organize um quadro sinóptico no qual estejam as diferentes modalidades terapêuticas
de família, com aquilo que têm de semelhança e suas significativas diferenças.

02. Faça uma pesquisa acerca de algumas técnicas utilizadas por Salvador Minuchin.

03. Procure conhecer mais sobre a terapia da criança, buscando referências acerca
da ludoterapia.

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04. Pesquise sobre a prática de terapia de adolescente nas modalidades de grupo, in-
dividual e familiar, relatando quando cada uma dessas formas é mais indicada e em
quais circunstâncias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AXLINE, Virginia. Ludoterapia. A dinâmica interior da criança. Belo Horizonte MG: Interlivros, 1980.
CORDIOLI, A. V. Psicoterapias. Abordagens Atuais. Porto Alegre, RGS: Artmed, 2008.
MORO, M. R &LACHAL, C. As psicoterapias: modelos, métodos e indicações. Petrópolis: RJ. Vozes,
2008.
Relações semânticas entre as palavras. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/
gramatica/relacoes-semanticas-entre-as-palavras.htm>. Acesso em: 5 fev. 2018.
Comunicação digital e analógica. Disponível em: <http://psicologiaocomportamentohumano.
blogspot.com.br/2012/05/comunicacao-digital-e-analogica.html>. Acesso em: 5 fev. 2018.
OLIVEIRA, Humberto Moacir & FUX, Jacques. Ágora. RJ: v. 17 n. 2 Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982014000200007>. Acesso em: 28 fev. 2018.

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ANOTAÇÕES

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