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SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................... 07
Introdução ....................................................................................... 08
Prefácio ........................................................................................... 14
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Capítulo 7 – OS MÉTODOS DE EXPLORAÇÃO DO INCONSCIENTE ............. 31
1) O Método Associativo .................................................................... 31
2) Sentido ....................................................................................... 39
3) O Método Simbólico ...................................................................... 65
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As Resistências ................................................................................ 91
PSICANALÍTICA ................................................................................
Técnica para Análises Resistenciais ..................................................... 102
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Dinâmica da Situação de Tratamento .................................................. 103
Forças que são Favoráveis ao Psicanalista, aos Processos e aos 103
Procedimentos Psicanalíticos ..............................................................
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Afetos Internos ................................................................................ 127
Repetições ....................................................................................... 128
Semelhanças ................................................................................... 128
Simbolismo ...................................................................................... 128
Associações-chave ............................................................................ 129
Medidas Técnicas ao Analisar a Transferência ....................................... 129
Silêncio e Paciência ........................................................................... 129
O Uso da Evidência ........................................................................... 130
Esclarecimento da Transferência ......................................................... 130
Procurando o Desencadeador da Transferência ..................................... 131
A Interpretação da Transferência ........................................................ 131
Busca da Origem dos Antecedentes da Figura ....................................... 131
Investigação das Fantasias Transferenciais .......................................... 132
Elaboração das Interpretações Transferenciais ...................................... 132
Considerações Teóricas ..................................................................... 132
Procedimentos Técnicos: a Busca e a Reconstrução ............................... 132
Problemas Especiais ao Analisar as Reações Transferenciais ................... 133
Capítulo 20 – O QUE A PSICANÁLISE EXIGE DOS PSICANALISTAS .......... 135
Compreensão do Inconsciente ............................................................ 135
A Comunicação com o Paciente .......................................................... 136
Capítulo 21 – O PSICANALISTA .......................................................... 141
Componentes Básicos da Psicanálise ................................................... 142
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INTRODUÇÃO
A “psicanálise” área que Freud considerava como uma parte da psicologia, por isso muitos
ou a chamam de psicologia profunda. Também considerada a mãe das psicoterapias.
Freud desenvolveu sua própria teoria de que os humanos têm uma mente consciente e
inconsciente, e seu comportamento é afetado por forças externas à sua consciência.
Como parte de seus estudos, Freud iniciou uma análise intensiva de si mesmo em 1897.
Três anos depois, publicou sua principal obra A Interpretação dos Sonhos - 1900, que
analisava os sonhos em termos de desejos e experiências inconscientes. Em 1896, passou a
estudar a natureza sexual dos traumas infantis e a delinear uma de suas principais
teorias, o Complexo de Édipo.
10 anos depois, juntou-se aos intelectuais Adler, Jung, Jones e Stekel, que em 1908 se
reuniram no primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburg. No ano
seguinte, foram convidados a dar conferências nos EUA, na Clark University,
em Worcester. Em 1910, por ocasião do segundo congresso internacional de
psicanálise, realizado em Nuremberg, o grupo fundou a Associação Psicanalítica
Internacional.
Acreditava que sua teoria ajudava a explicar o comportamento humano, mas quando o
médico establishment discordava de sua criação da psicanálise, um método para tratar
doenças mentais, trouxe à tona pensamentos e sentimentos reprimidos (ou seja,
conscientizando o inconsciente).
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Freud sempre foi um visionário, a frente do seu tempo mostrou para sociedade que a
sexualidade era responsável pelas desordens mentais. Nesta convecção continuou a
estudar, atender diversos pacientes e a publicar seu conhecimento teórico e clínico, teve
muitos amigos, e diversos inimigos.
Em 1902, Freud foi nomeado professor na Universidade de Viena, cargo que ocupou por 36
anos.
Em 1923 Freud publicou The Ego and the Id (o Ego e o ID) obra incrível em que o criador da
psicanálise fala mais aprofundado sobre o processo de formação do EGO e do ID e seu
funcionamento no aparelho do psiquismo humano propondo um novo modelo estrutural
da psique, o conhecemos como (ID, EGO e SUPEREGO.) Naquele ano, ele também foi
diagnosticado com câncer na mandíbula, pelo qual passou por mais de 30 operações na
próxima década e meia.
Em 1938, Freud, um judeu, sua esposa e um de seus seis filhos fugiram para Londres depois
que os nazistas anexaram a Áustria. Segundo a Enciclopédia Britânica, seus livros foram
queimados na Alemanha nazista como frutos de uma "ciência judaica".
Freud morreu de câncer em 23 de setembro de 1939. Ele é lembrado como uma das
mentes mais influentes - e controversas - dos tempos modernos. Deixou uma extensa
obra, traduzida em cerca de 30 línguas, composta por 24 livros, 123 artigos, 5 grandes
casos clínicos (Dora, Pequeno Hans, Schereber, Homem dos Ratos e Homem dos
Lobos), prefácios, necrológicos, intervenções diversas em congressos, contribuições
para enciclopédias e aproximadamente de 20 mil cartas. Além de deixar um legado para
diversos psicanalistas que atuam com a psicanálise no mundo.
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Como dissemos acima embora o nome de Freud tenha muito rapidamente sido
associado à ideia de sexo, poucas vezes o sentido que é atribuído por Freud à sexualidade é
resgatado corretamente. Isso porque a concepção que Freud introduz sobre a sexualidade é
inteiramente nova e não pode ser confundida com as noções que lhe atribui o senso comum,
muitas vezes camuflado sob uma máscara de pseudocientificidade. De fato, a noção de
sexualidade em Freud só possui um valor particular se referenciada aos seus postulados
fundamentais sobre o recalque e o inconsciente. Diversos psicanalistas que são referência té
hoje em psicanálise tiveram a responsabilidade de se aprofundarem nas obras de Freud e
criarem a partir dela suas contribuições teóricas e clínicas.
“Do ponto de vista teórico, suas principais influências são a psicanálise freudiana com
destaque para os trabalhos de Freud e seus interlocutores sobre a psicologia das massas: a
teoria das três pulsões do Dr. Hadfield (da clínica Tavistock), e as contribuições kleinianas. Do
ponto de vista empírico, suas principais fontes são os grupos terapêuticos que desenvolveu em
diversas instituições”.
Uma extraordinária dama, mais conhecida como Madame Klein, Melanie Klein, nasceu
em l882 e faleceu em l960. Estudo, Pesquisa e Transmissão da Psicanálise
Kleiniana, editado por um psicanalista sempre em formação, nos faz conhecer Madame Klein,
que não era psicanalista, mas, graças à sua capacidade de observação, pesquisa e organização
do pensamento, criou a psicanálise denominada psicanálise kleiniana (kleinismo), que não é
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uma simples corrente psicanalítica. É muito mais do que isto, pois é reconhecidamente uma das
mais importantes escolas, comparável ao lacanismo. Assim como os lacanianos, os kleinianos
também são freudianos. A característica é que todos se reconhecem na psicanálise enquanto o
que se afasta de Freud não é mais psicanálise. Os que praticam a psicanálise tem, em comum,
conceitos como o inconsciente, a transferência, um certo tipo de tratamento. Se não se trata
mais de psicanálise, então se trata de psicologia, psicoterapia etc.
O sucesso das idéias freudianas na Hungria permitiu que Ferenczi abrisse uma clínica e,
até mesmo, durante a curta duração do governo Bela Kun, possibilitou que ensinasse
psicanálise na Universidadede de Budapest. Porém, a partir de 1923, começam a surgir
divergências entre Freud e Ferenczi, alimentadas pela complexidade dos vínculos afetivos
existentes entre eles.
Foi no plano técnico que Ferenczi desenvolveu suas contribuições mais originais. A fim
de evitar que uma parte demasiado grande da energia psíquica encontrasse satisfações
substitutivas, o que iria entravar o tratamento, ele propôs uma “técnica ativa” que proibiria tais
satisfações, mas que também poderia incitar a enfrentar as situações patológicas. Diante das
dificuldades ligadas a essa técnica, que, amiúde, reforçava as resistências, ele modificou por
completo sua técnica, que irá se assemelhar a uma forma de relaxação. Finalmente, chega a
conceber uma espécie de análise mútua, destinada a impedir que os desejos inconscientes do
analista interfiram no tratamento. Hoje, suas soluções quase não são retomadas, mas suas
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perguntas constituem a prova de uma consciência aguda de sua responsabilidade como
terapeuta.
Jacques Lacan nasceu em l901. Seriam precisos apenas 25 anos para que começassem a
despontar no palco do mundo os efeitos do seu nascimento. Após 1920, Freud introduziu o que
irá chamar de segunda tópica: uma tese que torna o “eu” (ego), uma instância reguladora entre
“isso” (id – fontes das pulsões), o supereu (superego – agente das exigências morais) e a
realidade (lugar onde se exerce a atividade). Pode surgir, no neurótico, um reforço do eu, para
“harmonizar” essas correntes, como uma finalidade de tratamento. Ora, Lacan faz sua entrada
no meio psicanalítico com uma tese completamente diferente: o eu, escreveu ele, constrói-se à
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imagem do semelhante e primeiramente da imagem que me é devolvida pelo espelho – este
sou eu.
O investimento libidinal desta forma primordial “boa”, porque supre a carência de meu
ser, será a matriz das futuras identificações. Assim, instala-se o desconhecimento em minha
intimidade e, ao querer forçá-la, o que irei encontrar será um outro; uma tensão ciumenta com
esse intruso que, por seu desejo, constitui meus objetos, ao mesmo tempo em que os esconde
de mim, pelo próprio movimento pelo qual ele me esconde de mim mesmo. É como outro que
sou levado a conhecer o mundo: sendo, desta forma, normalmente constituinte da organização
do “jê” (eu inconsciente, Isso, Id), uma dimensão paranóica. O olhar do outro devolve a imagem
do que eu sou. O bebê olha pra a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico.
O termo “Estádio do espelho” teria sido inventado por Henry Wallon. Lacan,
entretanto, o apresentou com uma outra forma. Ele inicia com um mito e apóia-se na idéia de
que o ser humano é um ser prematuro no nascimento com uma incoordenação motora
constitutiva. A idéia é que o bebê só conseguirá encontrar uma solução para tal estado de
desamparo por intermédio de uma “precipitação” pela qual ele “antecipará” o amadurecimento
de seu próprio corpo, graças ao fato de que ele se projeta na imagem do outro (figura materna)
que se encontra como que por milagre diante dele. Essa precipitação na imagem do outro é que
leva o bebê a sair da sua prematuração neonatal. O movimento de precipitação, neste outro,
leva o bebê a uma alienação. O bebê tem (é obrigado) que se “alienar” para que se constitua
um sujeito.
O “falo” (falus, falta) da mãe é completado com o nascimento do filho. A mãe deseja ter
um filho (dá-lhe um nome), engravida. Reconhece que seu filho é um ser humano e este chora
porque está com fome e lhe dá o “objeto seio” para a satisfação da oralidade (leite/alimento e a
catexia da libido oral), passando o bebê da natureza (instinto-animal) para a cultura (pulsão-
homem). Estabelece uma “linguagem” com o
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“simbólico” mãe. Este passa por um processo de “alienação” para se construir como sujeito
com o fim da fase oral (canibalesca, de 0 a 1,5 anos). O bebê antes do “Estádio Espelho” ( 6 a 18
meses) não se vê como um corpo unificado, sente-se como um corpo fragmentado. Sua
mãe/seio faz parte dele e ela (mãe, “boca de jacaré”) sente como se ele (filho/falo) fosse parte
dela.
Melanie Klein fala ainda sobre alienação que tem o sentido de que o bebê não tem uma
unificação, e ele se constitui como sujeito devido ao resultado do efeito que esse outro (mãe)
tem no bebê. Nessas condições o bebê (eu, sujeito), é senão a imagem do outro. É no outro e
pelo outro que aquilo que quero me é revelado. Meu desejo é o desejo do outro. Não sei nada
de meu desejo, a não ser o que o outro me revela. De modo que o objeto de meu desejo é o
objeto do desejo do outro. O desejo é, acima de tudo, uma seqüela dessa constituição do eu no
outro. O “sujeito”, que define a alienação constitutiva do ser, no encontro com o espelho,
verifica o “rapto” que esse outro opera nele. É no espelho que a criança vê seu corpo unificado,
deixando de ser fragmentado. No espelho a criança vê que ele existe e não é o outro
(mãe), existindo duas pessoas distintas. Neste momento identifica a “falta”, a separação da mãe
e não é a constituição do “sujeito falante”.
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Freud, suas teorias e sua forma de tratamento com seus pacientes foram controversos
na Viena do século XIX, e continuam a ser muito debatidos hoje. Suas idéias são
frequentemente discutidas e analisadas como obras de literatura e cultura geral em adição ao
contínuo debate ao redor delas no uso como tratamento científico.
Freud procurou uma explicação para a forma de operar do inconsciente, propondo uma
estrutura particular. No primeiro tópico de sua teoria ele estava preocupado em estudar o que
levava à formação dos sintomas psicossomáticos (principalmente a histeria e, para isso, apenas
os conceitos de inconsciente, préconsciente e consciente eram suficientes). Quando sua
preocupação se virou para a forma como se dava o processo da repressão, passou a adotar os
conceitos de id, ego, e superego.
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advinda do id. Inicialmente, considerou que todas as pulsões seriam ou de origem sexual, ou
que atuariam no sentido de auto-preservação. Posteriormente, introduziu o conceito das
pulsões de morte que atuariam no sentido contrário ao das pulsões de agregação e preservação
da vida. O id é responsável pelas demandas mais primitivas e perversas.
Finalmente, Freud também acreditava que a libido amadurecia nos indivíduos por meio
da troca de seu objeto (ou objetivo). Argumentava que os humanos nascem
“polimorficamente perversos”, no sentido de que uma grande variedade de objetos pode ser
uma fonte de prazer, sem ter a pretensão de se chegar à finalidade última. De acordo com a
área na qual a libido está mais concentrada: a etapa oral (exemplificada pelo prazer dos bebês
ao chamar a chupeta, que não tem nenhuma função vital, mas apenas de proporcionar prazer);
a etapa anal (exemplificada pelo prazer das crianças ao controlar sua defecação); e logo a etapa
fálica (que é demonstrada pela manipulação dos órgãos genitais).
Até então percebe-se que a libido é voltada para o próprio ego, ou seja, a criança sente
prazer consigo mesma. O primeiro investimento objetal da libido, segundo Freud, ocorre no
progenitor do sexo oposto. Esta fase caracterizada pelo investimento libidinal em um dos
progenitores chama-se complexo de Édipo. A criança passa então a amar a mãe e a experienciar
um sentimento antagônico de amor e ódio com relação ao pai. Ela percebe que tanto o amor
vivido com a mãe como o ódio vivido com o pai são proibidos. O complexo de Édipo é então
finalizado com o surgimento do superego, com a desistência da criança com relação à mãe e
com a identificação do menino com o pai.
Por que Freud? Porque de todos os pensadores que nos últimos duzentos anos
modelaram a nossa compressão da natureza humana, sem dúvida Freud se encontra ao lado de
Platão, Newton, Darwin e Karl Marx.
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Mas o que dá a Freud tal importância? Simplesmente pelo fato de ele ter dissociado a
psicologia humana do senso religioso comum, que era a teologia cristã, tendo-a trazido para o
ponto de convergência da natureza humana. É lógico que Freud sofreu a influência do
movimento empírico da sua época em que se buscava a razão do processo do conhecimento,
afastando, assim, o estigma religioso.
A importância de Freud é que modificou a perspectiva religiosa que existia desde então.
O todo da vida humana torna-se mais importante do que o sentido da alma. A psicanálise deixa
o “homem nu” perante si mesmo.
Concluindo, agradeço a todos que me inspiraram nesse trabalho e que é fruto de muita
leitura, seminários, conferências, anotações de aulas, pesquisas, congressos, etc., e sem dúvida
alguma, o resultado de uma exaustiva compilação do que há de melhor dos ícones
transmissores do conhecimento e da escuta psicanalítica. Destaco, entre muitos o Dr. Ralph R.
Greenson, muitíssimo citado nesse trabalho, devido ao seu grande conhecimento desta ciência,
de sua técnica e a prática da psicanálise.
CAPÍTULO 1
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empregada para descrever a extensão de conhecimento que se adquiriu pelo exercício deste
método e, neste sentido, é praticamente sinônimo de “ciência do inconsciente” (Ernest Jones).
Mas a análise não é apenas um método de conhecer a mente. Ela é, também, uma
teoria geral sobre o comportamento humano que influenciou, como nenhuma outra disciplina
do século XX, as ciências humanas em geral. A Medicina , a Psicologia, a Pedagogia, a
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Antropologia, a Sociologia, a História, a Filosofia, a Lingüística, as artes e a cultura, de um modo
geral, foram ficaram profundamente marcadas pelos seus postulados.
A teoria psicanalítica interessa-se tanto pelo funcionamento mental normal como pelo
psicológico. Mesmo sendo os pacientes da Psicanálise mentalmente enfermos, as teorias se
referem tanto ao normal quanto ao anormal.
Durante vários anos Freud desenvolveu uma técnica chamada Psicanálise, pela simples
razão de ter sido capaz, com a sua ajuda, de entender e descobrir os processos psíquicos de
uma pessoa quer sã ou enferma. E isto foi de extrema importância.
O sonho oferece importante material para análise. Freud descobriu através da técnica
psicanalítica que por detrás de todo sonho existem pensamentos e desejos inconscientes ativos.
Pode, assim, demonstrar que quando se produzem sonhos, estes são provocados por atividades
mentais inconscientes para a pessoa que sonha e assim permaneceriam a não ser que seja
utilizada a técnica psicanalítica.
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Acrescentou ainda que o instinto, quando em ação, produz um estado de tensão ou
excitação psíquica. Esta tensão leva o individuo para a ação ou atividade. Esta atividade no
individuo é, de um modo geral, geneticamente determinada, mas pode ser consideravelmente
alterada pela experiência individual, e levará à cessação da excitação ou tensão ou, ainda, à
gratificação.
Indicando uma característica da ação do impulso, diríamos que há uma seqüência que é
característica da ação do impulso, por exemplo: necessidade, atividade motora, gratificação.
Essa seqüência trabalha diretamente com elementos de experiência subjetiva. Sobre os
impulsos, há dois exemplos: a) impulso sexual – refere-se ao que, grosso modo, falamos relativo
ao sexo. Este impulso dá origem ao componente erótico das atividades mentais; b) mpulso
agressivo – refere-se à agressividade. Este impulso dá origem ao componente destrutivo. Freud
definiu o impulso como um estímulo da mente, proveniente do corpo.
Capítulo 2
2º Estágio - Fase Anal - A criança passa, aos poucos, de uma posição predominantemente
passiva e receptiva para uma posição predominantemente ativa. Durante o segundo e terceiro
ano de vida, a região do ânus adquire uma importância fundamental na formação da
personalidade. Neste período a energia libidinosa está centrada na porção posterior do trato
digestivo e a satisfação anal ocupa uma posição de destaque. A criança obtém prazer pela
estimulação da mucosa retal e das partes adjacentes. Precursores do superego.
Desenvolvimento psicossocial: Autonomia X vergonha e dúvida. É o período de transição de um
ano para p segundo e que segue aos três anos de idade.
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3º Estágio - Fase Fálica - Corresponde ao período que vai dos três anos aos cinco ou seis anos de
idade. O termo fálico, relativo ao pênis, usado para esta fase, provém do fato da libido
concentrar-se nos órgãos genitais que passam a ser a zona erógena predominante. O complexo
de Édipo e o complexo de castração bem como o desenvolvimento psicossocial: Iniciativa X
culpa. Veremos mas profundada essa fase na próxima disciplina o importante é você fixar esses
conceitos que são muito utilizado na sua formação e no seu exercício profissional.
4º Estágio - Fase de Latência - Período que vai, aproximadamente, dos cinco aos dez anos. Este
período caracteriza-se por uma aparente interrupção do desenvolvimento sexual, em que os
impulsos eróticos exercem menor influência na conduta e o ego encontra uma trégua para os
conflitos emocionais que vinham se desenrolando nas fases anteriores. Afastando-se
temporariamente dos interesses sexuais, a criança utiliza a energia psíquica para o
fortalecimento do ego.
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Personalidade Fálica – reflete as experiências marcadas pelo interesse e sentimentos
associados ao pênis (para a mulher, o símbolo equivalente). As tendências caracterológicas para
a ostentação generosa ou benemerente, o narcisismo, a camaradagem, a afiliação e atividades
lúdicas (jogos, competições esportivas etc.) estão associadas à primazia fálica.
São estes os três padrões básicos de personalidades originados nos estágios pré-
genitais do desenvolvimento psicossexual. A fase culminante do desenvolvimento sexual em
que a pessoa estabelece relações verdadeiramente afetivas com o parceiro sexual corresponde,
na caracterologia adulta, à personalidade genital, à síntese dos impulsos psicossexuais medidos
não só pela potência fisiológica, mas também pela capacidade de amor em termos adultos. É o
padrão equilibrado e maturo da personalidade adulta.
Estrutura da Personalidade
• Id
• Ego
• Superego
Freud descreveu, ainda, a hegemonia total dos instintos do prazer nas fases primitivas
do desenvolvimento mental, como decorrência direta do fato de as duas atividades básicas da
criança pequena – mamar e defecar – terem provocado a sexualização (libidinização) da boca e
do ânus, zonas erógenas. Ulteriormente, Freud ampliaria, com algumas modificações, esta sua
primeira teoria (Para além do Princípio do Prazer) e a libido deixaria de identificar-se
exclusivamente com o instinto sexual e o princípio do prazer, para ser eros – o instinto da vida e
da auto-preservação, no qual o componente sexual estava logicamente incluído.
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Ego – Segundo o conceito psicanalítico da estrutura da personalidade, enunciado por
Sigmund Freud, o ego constitui o componente intermediário das energias mentais (entre o id –
inconsciente – e o superego – ego ideal ou consciência). O ego exerce o controle das
experiências conscientes e regula entre a pessoa e o meio ocupando, portanto, a posição de um
centro de referência para todas as atividades psicológicas e qualidades egocêntricas. É através
do ego que aprendemos tudo sobre a realidade externa e orientamos nosso comportamento no
sentido de evitar os estados dolorosos, as ansiedades e as punições.
malfeitor, fazendo-o sofrer o mesmo dano a quem ele o infringiu. É o célebre “olho por olho” e
“dente por dente”. Em sentido psicanalítico, são as punições inconscientes que o superego
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impõe ao individuo, por suas ações que foram reprovadas pelo superego, mas que foram
praticadas, produzindo um conceito de justiça, comum na criança pequena.
Freud traçou uma tipologia como causa da carreira criminosa. É a psicopatologia da vida
cotidiana: são fenômenos da vida mental como os enganos, erros, omissões e lapsos da escrita
e de linguagem. Estes fenômenos são comumente conhecidos por acidentes.
A terapia psicanalítica é uma terapia causal; ela procura desfazer as causas da neurose. É seu
objetivo solucionar os conflitos neuróticos do paciente, incluindo a neurose infantil que serve
de núcleo à adulta. Solucionar os conflitos neuróticos significa juntar ao ego consciente aquelas
parcelas do id, superego e ego inconsciente que ficaram excluídas dos processos de
amadurecimento da parte restante saudável da personalidade total.
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O principal procedimento que o psicanalista exige do paciente é a associação livre.
Charles Ricroft inicia afirmando que “a tradução equivocada de Brill da “Freier Einfall”, de Freud,
versão que, no entanto, se tornou termo aceito em inglês. Einfall significa “irrupção”, idéia
repentina, e não “associação”; o conceito refere-se a idéias que nos ocorrem
espontaneamente, sem esforço. Quando utilizada como termo técnico, associação livre
descreve o modo de pensar incentivado no paciente pela recomendação do analista de que
deve obedecer à “regra básica”, isto é, comunicar seus pensamentos sem reserva e não tentar
concentrar-se enquanto assim procede. A técnica da associação livre apóia-se em três
suposições:
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Capítulo 3
Solicita-se ao paciente que use o máximo de sua capacidade, que tente deixar as coisas
surgirem em sua mente e verbalizá-las sem se importar com a lógica e a ordem. Mesmo que lhe
pareça não terem importância ou até mesmo serem aparentemente vergonhosas ou
indelicadas a serviço do ego e os derivados, do ego inconsciente, do id e do superego tendem a
vir à superfície.
Sabemos que o paciente deseja recuperar-se porque está sofrendo de uma neurose, mas,
existem forças dentro dele que são opostas à mudança pretendida, forças que defendem
a mudança e o statu quo. Estas forças que se opõem ao processo de tratamento são
conhecidas por resistências, termo que quando utilizado como termo técnico, é a
oposição que se verifica existir durante o tratamento psicanalítico, contra o processo de
tornar conscientes os processos inconscientes. Diz-se que os pacientes se encontram em
estado de resistência caso se oponham às interpretações do analista, e que têm
resistências fracas ou fortes conforme achem fácil ou difícil permitir que seus analistas os
compreendam. A resistência é uma manifestação de defesa; uma possível exceção é a
„resistência do inconsciente‟ à compulsão e à repetição (Charles Ricroft. Dicionário Crítico
de Psicanálise).
Portanto, uma das características da Psicanálise é que se pede ao paciente que inclua
suas associações quando narra seus sonhos ou outras experiências. A livre associação tem
prioridade sobre todos os outros meios de produção de material na situação analítica. É preciso
estar atento para que a associação livre não seja usada erradamente para ajudar a resistência. O
analista tem por tarefa analisar tais resistências para restabelecer o uso adequado da
associação livre.
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A associação livre é o método mais importante para a produção do material na
Psicanálise. É utilizada em momentos pré-estabelecidos naqueles tipos de psicoterapia que
buscam certa dose de volta do reprimido, as assim chamadas
Nunca se deve perder de vista: Freud muitas vezes repetiu que o método simbólico
desempenha em Psicanálise um papel absolutamente secundário. É de admirar que apesar dos
protestos reiterados do mestre de Viena, o público, mesmo científico, vê na Psicanálise muitas
vezes apenas uma chaves dos sonhos.
Esta objeção repousa numa grave confusão, que importa dissipar. Uma relação de
causalidade pode ser conseguida de duas maneiras muito diferentes. No primeiro caso, a
reação de causalidade tem um valor inteligível e impõe-se diretamente à razão. Basta comparar
a marca deixada por um pé humano nu sobre a areia úmida e a forma desse pé para apreender
intuitivamente a relação de causalidade, mesmo se se dispõe apenas de um único espécime de
marca. Vimos que, em condições favoráveis, o método associativo conduz a uma certeza desse
gênero.
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Num segundo caso, a relação de causalidade não é compreensível diretamente, sua
existência só pode ser demonstrada estatisticamente. Assim é que os médicos gregos
reconheceram que a orquite podia ser uma complicação da cachumba. Ela não acompanha
sempre a cachumba, nem apenas a cachumba, mas sua freqüência nos homens em geral. O
redator do Primeiro Livro das Epidemias, da coleção hipocrática, não fala explicitamente no
princípio lógico da comparação das freqüências, não deixando esse princípio porém de ser o
fundamento de sua asserção. Aqui a causalidade é apreendida graças à lei dos grandes
números, mas poder-se-ia percebe-la com certeza com um único exemplo.
Capítulo 4
REAÇÕES TRANSFERENCIAIS
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A teoria da transferência é uma das mais importantes contribuições de Freud à ciência
e também o pilar do trabalho psicanalítico. Ela precisa ser entendida como um falso enlace, que
tem, em princípio, dois objetivos, ambos inconscientes:
Não importando o caso, a transferência poderá ser encarada como uma fraqueza de
caráter, como “safadeza” do paciente, porém algo inevitável às pessoas mais sérias. É sempre
um problema da personalidade no que diz respeito às neuroses, carências etc. As pessoas que
sufocam as manifestações transferenciais conseguem plasmar mais uma carência, fortalecendo
assim o patrimônio neurótico.
Contra-transferência
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Como abordaremos no item relativo à aliança terapêutica que deve ser uma evolução
da transferência, a própria transferência racional, de certa forma postulamos o mesmo para a
contra-transferência. Neste caso, quando interpretamos, quando identificamos os motivos
dessa afetividade etc., transformamos esse sentimento intenso no correspondente a aliança
terapêutica que chamamos descendente. A aliança terapêutica descendente, que vem do
psicanalista, é igualmente um importante instrumento do processo, porque liga o psicanalista
ao paciente, sem interdependência em nível de sentimento.
Aliança Terapêutica
Este delicado assunto, por muitos é confundido com transferência. A transferência ocupa uma
parte definida do universo psicanalítico. Nem tudo o que ocorre na situação analítica é
transferência. Devemos, contudo, reconhecer que a linha divisória entre aliança terapêutica e
transferência é muito tênue.
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Uma outra situação importante é que, na transferência, a luta do psicanalista é para
interpretá-la, afastá-la, dando lugar à possibilidade da instalação da dinâmica interpretativa. Na
aliança terapêutica ocorre exatamente o contrário: o psicanalista a reforça. Ele precisa da
manutenção desse clima para sustentar a confiabilidade. Finalizando, diremos que o ideal da
transferência é que se transforme ou evolua para aliança terapêutica. Uma coisa não se
encontrará ao mesmo tempo em um paciente. Outra coisa se discute: pode existir aliança
terapêutica sem o processo inicial da transferência?
Capítulo 5
AS RESISTÊNCIAS
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assimilar a compreensão interna (insight), que agem contra o ego racional do paciente e contra
seu desejo de mudar; todas as forças devem ser consideradas resistências (Freud, 1900, p. 517).
a) consciente;
b) pré-consciente;
c) inconsciente.
Elas podem ser expressas por meio de emoções, atitudes, idéias, impulsos,
pensamentos, fantasias ou ações. A resistência, em essência, é uma força opositora no
paciente, agindo contra os procedimentos e processos analíticos.
Para analisar uma resistência temos de conhecê-la. Ela aparece de formas variadas,
complexas e sutis, em combinações ou em formas misturadas, e os exemplos individuais e
isoladas não constituem a regra.
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perceber apenas que não há nada em sua mente. Apesar do silêncio, algumas vezes o paciente
pode revelar, involuntariamente, o motivo do seu silêncio, pela postura, movimentos ou
expressão facial. Virando a cabeça para não ser visto, cobrindo os olhos com as mãos,
contorcendo-se no divã, enrubescendo – tudo isso pode indicar embaraço.
O silêncio, contudo, pode também indicar outros significados, como uma repetição de
um fato passado no qual o silêncio desempenhou um papel importante. Pode descrever a sua
reação à cena primária. Nessa situação o silêncio não é apenas uma resistência, mas também o
conteúdo de parte de uma recordação. Existem muitos problemas complexos ao redor do tema
silêncio. De modo geral e por objetivos bem práticos, o silêncio é uma resistência à análise e
tem que ser manejado como tal.
Esta é uma variação da situação anterior. Ele não está totalmente silencioso, mas está cônscio
de que não está com vontade de falar. O estado de „não sentir vontade de falar‟ tem uma ou
mais causas. O trabalho do analista consiste em fazer o paciente trabalhar a respeito destas
causas. É, basicamente, tarefa semelhante à investigação de “alguma coisa” inconsciente que
provoca o “nada” inconsciente na mente do paciente silencioso.
Do ponto do ponto de vista das emoções do paciente, a indicação mais típica de resistência
será notada quando o paciente se comunica verbalmente, mas existe uma ausência de afeto.
Suas observações são secas, insípidas, monótonas e apáticas. Tem-se a impressão de que o
paciente está alheio e desligado do que está relatando. Isto é particularmente importante
quando a ausência de afeto diz respeito a fatos que deveriam estar cheios de profunda emoção
do que ele está relatando.
Capítulo 6
32
PROCEDIMENTO ANALÍTICO
a) Confrontação;
b) Esclarecimento;
c) Interpretação;
d) Elaboração.
a) Confrontação
b) Esclarecimento
33
c) Interpretação
Capítulo 7
1) O Método Associativo
a) o desrecalcamento;
34
b) a interpretação.
35
controlam normalmente as funções inferiores. Trata-se de fazer cessar momentaneamente esse
controle, de modo a obter a emersão no campo da consciência do psiquismo inferior.
O vocabulário de Pavlov permite definir essa operação com uma precisão perfeita. A
provocação artificial da inibição interna do psiquismo superior acarreta necessariamente a
desinibição externa do psiquismo inferior.
Para obter a inibição interna do psiquismo superior podem empregar-se três processos:
b) A hipnose;
Cabe a Pierre Janet o mérito imperecível de ter sido o primeiro a mostrar ao mundo
científico o valor da hipnose para a exploração do psiquismo inconsciente. Esta parte da obra do
grande psicólogo francês parecia comprometida em conseqüência da crítica de Babinski e das
negações radicais de Dupré.
Durante alguns anos a hipnose foi considerada – na França pelo menos – como
fenômeno inautêntico. Pierre Janet escrevia:
36
Há vinte anos, expunha-me ao desprezo ao dizer que a sugestão hipnótica não era tudo e
hoje vou tornar-me risível dizendo que ela é alguma coisa. Pouco importa. Esta posição
modesta parece-me mais interessante, para chegar à descoberta de algumas verdades e,
se meu estudo não é lido hoje, o será um dia, quando a moda tiver mudado e trouxer os
tratamentos pela sugestão hipnótica, como trouxe à popularidade os chapéus de nossas
mães.
Entre outros sintomas histéricos, Maria apresentava uma cegueira absoluta e contínua do
olho esquerdo. No estado de vigília, pretendia que isto era assim desde o nascimento.
Janet a hipnotizou e soube que na idade de seis anos Maria havia sido forçada, apesar de
seus gritos e protestos, a deitar com uma criança de sua idade que tinha um eczema em
todo o lado da face esquerda.
(Janet, A. P., p. 439-440)
Tanto mais complexo é o relaxamento psíquico, quanto mais a associação livre, no estado
de repouso passivo, se aproxima do modo de pensar, que caracteriza o sonho e a hipnose.
A ligação mercê de proposições começa a desagregar-se, a expressão verbal das idéias
cede visivelmente às imagens reais, à contemplação direta e intuitiva das cenas e figuras
37
vivas que surgem interiormente. Ao mesmo tempo em que não percebe o caráter
absolutamente passivo de suas experiências internas, o paciente perde noção do tempo:
sente como atuais lembranças relacionadas com o passado e desejos relativos ao futuro.
Pode-se dizer, uma vez esse grau alcançado, que o paciente se encontra no limite extremo
do pensamento desperto. À medida que o desafogo, que o relaxamento psíquico se
acentua, a consciência se torna mais perturbada e mais crepuscular; o paciente, que já
perdeu a noção do tempo, perde também a noção de espaço; deixa-se insinuar entre
grupos de imagens cenicamente ordenadas, de elementos fantásticos cada vez mais
numerosos” (Kretschmer, M.P.M., pp. 202-203).
Reproduzir essa descrição tão viva é importante pois muitos autores desconhecem
completamente o papel capital da inibição interna voluntária do psiquismo superior, no curso
da exploração analítica. Von Monakow Mourgue e
Mourgue dizem, por exemplo, que Freud se apóia sobre “conversas com uma certa categoria de
doentes”.
Algumas páginas adiante, tornam a dizer ainda que as emoções desencadeadas pelos
símbolos de acontecimentos penosos passados podem ser postos em evidencia “como Freud
mostrou no curso da conversa”. A expressão “conversa” para designar a exploração analítica é
muito mal selecionada, tende a transviar completamente todos os que na sua experiência
pessoal não permitem verificar a diferença manifesta que separa o pensamento da vigília do
que resulta da suspensão voluntária da autocrítica e da auto-condução A aproximação entre a
inibição psicanalítica permite ter-se uma idéia exata da natureza desta última.
Vê-se que o desrecalcamento comporta uma dupla desinibição externa: a primeira que
é uma conseqüência imediata da inibição interna voluntária do psiquismo superior, a segunda
38
que é um resultado da dissolução dos recalques automáticos mercê de sua interpretação e de
sua penetração no campo da consciência.
Deve ser notado que um analisado se encontra em níveis psíquicos diferentes quando
compreende uma interpretação e quando se entrega às suas associações. Isso pode verificar-se
quando se analisam os próprios sonhos sozinhos, e fracassa-se, muitas vezes, porque se procura
ao mesmo tempo associar e interpretar. Essas duas operações só podem ser sucessivas.
O que acaba de ser explicado sobre dissolução das resistências pela interpretação
mostra que há causalidade recíproca entre o desrecalcamento e a interpretação. Um mínimo de
desrecalcamento realizado voluntariamente permitirá obter um material associativo no qual a
interpretação discernirá e dissolverá resistências automáticas, cujo desaparecimento permitirá
um desrecalcamento mais completo. Eis por que dizíamos ao início que os dois processos
desrecalcamento e interpretação não devem ser separados.
Um sinal desse gênero é um sinal natural; não temos necessidade de estudar aqui os
sinais artificiais ou convencionais. Entre os sinais naturais é preciso, além dos efeitos-sinais, dar
um lugar às causas-sinais. Diz-se, por exemplo, que uma nuvem negra é um sinal de chuva. Mas
a Psicanálise, por assim dizer, não se preocupa com as causas-sinais.
39
No primeiro grupo o sinal e o significado são todos os dois orgânicos. É o caso da
maioria dos sinais estudados em semiologia médica, aos quais se dá habitualmente o nome de
sintoma objetivo. O sinal de Babinski, por exemplo, é o sintoma de uma perturbação da via
piramidal.
No quarto grupo, o sinal e o significado são ambos de ordem psíquica. Por estranho
que possa parecer, os sinais deste grupo foram quase completamente desprezados ou
desconhecidos até Freud. Para separá-los nitidamente de todos os outros, nós os designamos
pela denominação de expressão psíquica.
Objetar-se-á talvez que há casos em que o psíquico é o efeito do orgânico e será citada
como exemplo a sensação, na qual uma realidade material é, ao mesmo tempo, causa e objeto
do conhecimento sensório. O condicionamento da sensação por uma realidade material não
poderia, na verdade, ser contestado, mas daí concluir que essa realidade material é a causa
total, vai uma grande distância. A experiência por si só não pode evidentemente cortar uma
questão desse gênero. A exigência racional de homogeneidade permanece, pois, intacta e
conduz a ver na sensação o efeito de uma dupla causalidade: a do objeto e a do sujeito. Ao
objeto a sensação deve seu conteúdo; ao sujeito, seu caráter psíquico.
40
Se uma sensação é dolorosa podemos considerá-la como um sinal do terceiro grupo e
ver nela o sintoma subjetivo de uma lesão orgânica. Mas a lesão não sendo causa total da
sensação, esta requer uma causa psíquica. Está-se, pois também autorizado a considerar a
sensação dolorosa como um sinal do quarto grupo. Este ponto de vista é cientificamente estéril,
pois conduz a ver na sensação o efeito-sinal psíquico de uma “faculdade”, mas de um estado
anterior. Desta vez não estamos mais no terreno da metafísica, mas no da ciência. Eis um
exemplo que faz compreender perfeitamente o alcance da distinção que acabamos de indicar.
Uma doente de Minkowski sonha que alguém lhe faz “uma injeção na gengiva e ela
tem a convicção de que é seu irmão. No dia seguinte ou no outro apresenta um abscesso
dentário” O abscesso dentário explica perfeitamente o aparecimento no sonho da imagem de
uma injeção. Mas de nenhum modo explica a atribuição dessa injeção ao irmão. Minkowski nos
informa que “o conflito com esse irmão atravessa a vida da paciente como um traço vermelho”.
Seria, pois, absolutamente insuficiente considerar esse sonho como apenas um sinal do terceiro
grupo.
Quando decidimos perscrutá-lo como sinal do quarto grupo, aparece como revelador
de um complexo importante. Refletindo a respeito, percebe-se que o mesmo se deve passar em
todos os sonhos cenestéticos. Uma vez que eles não se reduzem a puras sensações, a parte
imaginativa que contém não pode ter por causa o estado do organismo. Deve, pois, ser efeito
de estados psíquicos anteriores.
Havelock Ellis viu isso muito bem. Ele distingue sonhos presentativos e sonhos
representativos. Ele dá ao “presentativo" o sentido de ligado a uma excitação sensível no
presente imediato, enquanto representativo tem o sentido de ligado por associação à vida
desperta do passado” (Le monde des rèves, p. 31). Estabelecidas essas definições, enuncia sua
conclusão:
41
As considerações nos parecem justificar completamente a noção de expressão
psíquica. Colocando-se de lado a sensação que, considerada como expressão psíquica só
apresenta interesse metafísico, todos os estados psíquicos são, ao menos parcialmente, efeito
dos estados psíquicos anteriores, dos quais eles permitem retroceder por via de inferência
causal, o que é a própria definição de sinal. Todos os estados psíquicos são, pois, sinais do
quarto grupo, expressões psíquicas, e podem ser estudados sob este aspecto.
Então se é levado a perguntar por que a noção de “expressão psíquica” foi tão
desprezada até Freud. As únicas utilizações feitas antes dele, nesse setor, são os exames e os
testes. Nestes dois tipos de provas há, inevitavelmente, uma expressão material pela palavra ou
pela escrita. Mas ela aqui não nos interessa e podemos abstraí-la. Esta expressão material
atesta a existência de certo conteúdo psíquico. É desse conteúdo psíquico que nos devemos
ocupar.
42
No que tange ao pensamento lógico, seu aspecto de verdade, de conformidade com o
real, mascara quase totalmente o aspecto de expressão psíquica. É muito natural que em
psicologia normal o estudo da função cognitiva eclipse o da função expressiva. A menos que se
delimite seu papel respectivo, com a mais rigorosa precisão filosófica, arrisca-se muito ao
considerar, por exemplo, uma descoberta como efeito sinal das preocupações anteriores do
examinando, de desconhecer o que há nela de mais importante, a saber, seu aspecto de
verdade nova.
Uma cliente do Dr. Allendy contou-lhe um dia que jantara num restaurante. Havia
tapetes vermelhos, notara nas mesas copos de groselha ou de framboesa, estava nesse dia de
muito mau humor etc. Admirado pela importância que o vermelho representava nas
associações de sua paciente, o psicanalista perguntou-lhe se não estava regrada nesse dia. A
paciente respondeu-lhe que estava nesse dia preocupada com uma menstruação difícil
(Allendy, P., p. 56; Allendy, P., pp. 97-98).
A lembrança dessa mulher podia, pois, ser considerada sob dois pontos de vistas. Do
ponto de vista do objeto, é um conhecimento verdadeiro do passado; do ponto de vista do
indivíduo, é uma expressão de suas preocupações íntimas. O mau humor devido à menstruação
difícil não criou uma pseudo-lembrança de frutas vermelhas e de tapetes vermelhos que não
43
teriam existido, mas ele criou uma fixação e uma conservação da lembrança dos objetos
vermelhos, entre as numerosas minúcias que se podem observar num restaurante.
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O livro de Meunier e Masselon, Les rèves et leur interprétation, é um bom exemplo do
estado de espírito dos psiquiatras anteriores a Freud ou que não sofreram sua influencia. Esta
obra é de 1910, posterior, por conseguinte, à Traumdeutung. A Psicanálise não é aí mencionada
uma única vez. Os dois autores a ignoram ou não lhe deram valor. Seu livro pode, pois, ser
considerado como uma espécie típica da psiquiatra pré-freudiana.
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todas as suas interpretações. Os psicanalistas utilizam, sobretudo, os dois conceitos de sentido e
símbolo, que serão discutidos adiante.
2) Sentido
Por que se diz que uma palavra tem um sentido? Porque sua enunciação é o efeito-
sinal de uma idéia. A palavra é um sinal do segundo grupo, porque é de ordem material e seu
significado é de ordem psíquica. Não se pode parar aí. A linguagem não é uma série de átomos
sonoros significando átomos conceituais. As relações têm, no pensamento racional, um papel
extremamente importante. Pode-se desconhecê-lo e este foi o erro dos empiristas clássicos.
Mas pode-se também sobreestimá-lo e este é o erro de um bom número de psicólogos
contemporâneos.
De nossa parte, não vemos mais razão para sacrificar o ser à relação como para
sacrificar a relação ao ser. Assim, pensamos que o sentido da linguagem possui duas gradações:
a palavra exprime o conceito e as relações entre as palavras exprimem as relações entre os
conceitos.
46
“sentido” reveste sob a pena de Freud uma acepção radicalmente nova. Coisa estranha: Freud
não parece perceber-se disso.
Acabamos de explicar com que corretivos poder-se-ia dizer que o sonho tem um
“sentido”, como a linguagem a possui. Infelizmente a palavra “sentido” não serve somente para
designar a propriedade que tem a linguagem de exprimir o pensamento; serve também para
designar a propriedade que o pensamento tem de conhecer o real, de atingir a verdade, o que é
absolutamente diferente. Quando se diz a alguém: “O que você afirma não tem sentido” não se
pretende fazer-lhe uma critica lingüística, mas uma critica lógica, não se visa a relação de sua
linguagem com o seu pensamento, mas a relação de seu pensamento com o real.
A palavra “sentido” tem, pois, duas acepções diferentes. Ora nem uma nem outra é
aplicável sem corretivo ao sonho ou, de um modo mais geral, aos produtos derreísticos. A
acepção lógica da palavra “sentido” não é aplicável ao sonho que, propriamente dito, não é
conhecimento; a acepção lingüística da palavra “sentido” não lhe convém melhor, pois o sonho
não é algo material. Na realidade, quando Freud declara que o sonho tem um “sentido” dá a
essa palavra uma terceira acepção, ignorada até por ele. Deve-se recriminá-lo de não ter sido
capaz de destrinçar claramente o alcance de sua inovação.
Se a palavra “sentido” reveste uma acepção nova, quando se fala do “sentido dos
sonhos” ou dos produtos derreísticos, o mesmo se deve dizer da palavra “símbolo”. No rigor
psicanalítico, só há um simbolismo, o coletivo. Mas a maioria dos autores alarga o sentido
freudiano da palavra e não falam de um simbolismo individual. Na discussão que se segue,
tomaremos a palavra símbolo no sentido amplo, visando tanto os símbolos individuais como os
símbolos coletivos.
Para apreciar se Freud tem ou não razão de falar em simbolismo dos sonhos,
precisamos partir de exemplos de símbolos aceitos por todos. A linguagem corrente não hesita
em fazer do branco o símbolo da inocência e do preto o símbolo do mal moral. Vê-se logo que a
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idéia de uma relação causal direta entre o símbolo e o simbolizado não é essencial ao
simbolismo. Toda semelhança exige uma causa. É evidente que se o símbolo e o simbolizado
não têm relação causal direta, eles possuem ao menos uma relação causal indireta.
A brancura material não é efeito da inocência moral, como a inocência moral não é
efeito da brancura material. Isto basta para cavar um abismo entre a noção do símbolo e a de
sintoma ou, como preferimos dizer, de efeito-sinal. O sintoma prova a existência de sua causa, o
símbolo não prova a existência do simbolizado. A distinção que acabamos de estabelecer não é
pessoal.
Esta definição mostra bem que certa relação causal é mais ou menos claramente
implícita no sentido primitivo, o sentido forte da palavra “sinal”. Ademais, é absolutamente
característico que o primeiro “símbolo”, seu sentido A é assim definido.
“O que representa outra coisa em virtude de uma correspondência analógica”. (Lalande,
Vocabulaire de Philosophie, artigo “signe”, tomo II, p.768).
Decorre daí que o conceito de símbolo implica um aspecto de arbitrariedade que exclui
o conceito de efeito-sinal. Importa aqui evitar mal-entendidos. De nenhum modo pretendemos
afirmar que a relação de semelhança seja subjetiva. Queremos simplesmente dizer que ela se
pode degradar ao infinito. Entre duas realidades quaisquer, pode-se sempre descobrir um
aspecto de semelhança, não fosse o que atribuiu a uma e outra a palavra realidade. Um ser
tem, pois, uma infinidade de símbolos possíveis, ao passo que só pode haver um número
limitado de efeitos e de causas.
48
A semelhança não é arbitrária e os graus de semelhança também não se situam numa
ordem arbitrária, mas seu número é ilimitado. Uma realidade qualquer podendo ser
simbolizada de uma infinidade de maneiras, a noção de simbolismo apresenta uma
indeterminação tal que seria praticamente inutilizável, se não interviesse uma escolha. Mas
como deixaria de ser consciente essa escolha?
Dito isto, esperamos que se concorde sem dificuldades que Freud modificou
completamente o sentido usual da palavra “símbolo”. O simbolismo psicanalítico constitui a
contraposição do simbolismo ordinário. A respeito dos três pontos que acabamos de
considerar, a oposição entre a acepção corrente e acepção freudiana da palavra “símbolo” é
flagrante.
Em primeiro lugar, enquanto o símbolo ordinário não implica qualquer relação direta de
causalidade com seu simbolizado, o símbolo freudiano é essencialmente, por definição,
um efeito de seu simbolizado. Jung viu perfeitamente a falta cometida por Freud ao
aplicar aos sonhos e aos sintomas neuróticos o termo de símbolo, enquanto na sua
doutrina eles exercem simplesmente o papel de índices ou de sintomas do processo de
retaguarda e de nenhum modo o de verdadeiro símbolo; por este último se deve entender,
49
na verdade, um meio de expressar uma intuição para a qual não se podem encontrar
outras ou melhores expressões. (C.G. Jung, Essais de Psychologie Analytique).
Em segundo lugar, enquanto as relações simbólicas ordinárias, pelo fato de não serem
fundadas na causalidade, apresentam uma indeterminação infinita que só pode ser solucionada
por uma comparação consciente, as relações simbólicas freudianas, fundadas na causalidade,
são determinadas por este simples fato e não requerem qualquer comparação consciente.
Quando Freud descreve o trabalho do sonho, permanece plenamente fiel ao seu ponto
de vista casualista e, então, ele é verdadeiramente ele mesmo. Mas quando empreende explicar
o simbolismo produz-se em seu espírito uma confusão prejudicial entre o sentido vulgar da
palavra e o sentido novo, que se lhe quer atribuir. Esta flutuação do pensamento é manifesta no
texto seguinte: “Estamos – escreve o psicólogo vienense - em presença do fato de que o
sonhador tem à sua disposição o modo de expressão simbólica que não conhece e não
reconhece desperto. Isto é capaz de vos deixar tão admirados, como saber que vossa criada
compreende o sânscrito, quando sabeis que ela nasceu numa aldeia da Boêmia e nunca
estudou essa língua”.
50
objetos, comparações em conseqüência das quais um dos objetos se vem instalar de modo
permanente um lugar de outro. Essas comparações não são feitas cada vez, à medida da
necessidade causal, elas estão inteiramente prontas e para sempre. Disso temos a prova no fato
de que elas são idênticas nas pessoas as mais diferentes, apesar das diferenças de língua.
É evidente que Freud errou gravemente aplicando aos sonhos e aos outros produtos
derreístas o qualificativo de símbolos. Isto quer dizer que a pesquisa psicanalítica é ilegítima e
sem finalidade? De nenhum modo. O próprio exemplo do nascimento de Minerva basta para
prová-lo. É absolutamente legítimo interrogar quais são as representações anteriores que
condicionaram a representação da saída de Minerva do crânio de Júpiter e ninguém poderá
contestar que a representação do nascimento craniano não derive da do nascimento vulvar.
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Se a admissão da validez do conceito de expressão psíquica conduz a pensar que é
legítimo procurar interpretar causalmente os produtos derreísticos, pelo contrário ela não
fornece qualquer critério para a legitimidade da interpretação. Que os elementos do sonho e os
sintomas neuróticos dependam de uma infra-estrutura psíquica, eis o que consideramos de ora
em diante como certo. Mas esta dependência se exerce somente de um elemento manifesto
para um elemento latente.
As relações dos elementos manifestos entre si são devidas apenas ao puro acaso? Ou,
ao contrário, as relações dos elementos manifestos são expressivas de um tematismo complexo
subjacente? A noção de expressão psíquica não no-lo ensina. A questão só pode ser resolvida
indutivamente, examinando o resultado de um número suficiente de interpretações
reconhecidas como certas.
O problema que se levanta agora diante de nós é, pois, o dos critérios da interpretação
concreta. Esse problema foi muito desprezado pelos psicanalistas e compreende-se facilmente
por que a lógica e a metodologia são posteriores à ciência. O ser humano raciocina a principio
instintivamente, se é que se pode usar essa expressão. Só mais tarde reflete sobre o mecanismo
do raciocínio. Isso é absolutamente marcante em matemática.
52
produziram. Daremos aqui apenas um fragmento, não visando oferecer uma interpretação
completa, mas ilustrar o princípio de constância psíquica inconsciente.
Sonho – “Vejo numa árvore um texugo, que é mais amarelo do que o habitual nesses
animais. Ele desce da árvore. Depois há uma história de peixe, que ele vai procurar para comer”.
[“Numa árvore”] – “Não creio que os texugos subam em árvores. Em meus livros de
infância, li histórias de glutões trepados nas árvores. Há alguma semelhança entre essas duas
espécies de animais”.
[“Mais amarelo”] – “Os texugos são pardos. O único animal amarelo é a raposa”.
“Ele desce da árvore”] – “não me lembro de ter tido medo durante o sonho, ou de
haver atirado; isto é muito curioso dado meu amor à caça”.
“Há uma história de peixe”] – “O texugo se nutre de raízes, parece-me, muitas vezes de
pequenos animais, há pouca probabilidade que se alimente de peixes”. Talvez tenha lido há
alguns dias alguma coisa sobre esse animal, mas onde e quando?
O curso dessas associações emite os três julgamentos seguintes que exprimem minha
opinião consciente.
53
3. “É pouco provável que o texugo coma peixe.” – Ainda aqui as imagens de meu
sonho me parecem bizarras. Certamente no estado de vigília não teria afirmado que o
texugo come peixe.
54
A estabilidade das ligações psíquicas é independente não só da verdade do julgamento
consciente do indivíduo sobre as ditas ligações, mas ainda de sua sinceridade. Tomemos o caso
de um paciente que procura enganar o psicanalista, criando inteiramente um sonho artificial,
que apresenta como um real. Se para estudar o pseudo-sonho, o psicanalista se colocasse do
ponto de vista indicial ou causal (notemos de passagem que todo progresso da polícia científica
consiste em substituir cada vez mais a prova indicial à prova testemunhal). Os produtos
psíquicos que lhe são apresentados não o interessam como testemunhas verdadeiras ou falsas
dos acontecimentos exteriores, mas como efeitos-sinais de estados psíquicos passados. Mesmo
que o conjunto de imagens tenha sido sonhado pelo paciente ou por ele criado, no estado de
vigília, com um fim qualquer, o caso é psicanaliticamente o mesmo. Este conjunto de imagens
emana do psiquismo do paciente e, por conseguinte, o exprime.
55
Para opô-las francamente uma à outra, é necessário reportar-se à divisão clássica das
associações: por semelhança, por contraste e por contigüidade. Os autores de tendências
empiristas procuram reduzir a semelhança e a contigüidade, mas sua redução é geralmente tida
como falha. Invertendo seu ponto de vista poderse-ia dizer que a contigüidade constitui uma
semelhança extrínseca. Haveria assim duas espécies de semelhanças. O verde e o azul
apresentam uma semelhança intrínseca, um e outro são cores. Seja agora um quadrado verde:
o quadrado e o verde só tendo em comum ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, sua
semelhança se cinge em possuir o mesmo ponto de referência espaço-temporal, é puramente
extrínseca.
Quando uma imagem onírica evoca uma série de outras imagens, eles consideram que
o simples fato da evocação basta para provar que as imagens evocadas pelo trabalho
associativo entretêm uma relação de causalidade, que pode ser direta ou indireta, com as
imagens a analisar. Diremos que eles consideram o critério de evocação ou critério extrínseco
como suficiente, isoladamente. Tal é a primeira resposta à questão que examinamos, acerca da
constância das ligações psíquicas. Esta maneira de resolver o problema deixa o flanco aberto a
graves objeções.
56
autêntico? Se se responde que esse resultado é obtido graças à transferência e à dissolução das
resistências, é claro que um novo critério é necessário para discernir o fracasso do sucesso.
Não se trata de reversibilidade propriamente dita, quando se diz que o sonho manifesto
e o material associativo que ele evoca são, um e outro, produtos dos complexos inconscientes,
que permitem interferir, dado que a causa procurada não é mais diretamente evocada, mas
concluída, e se torna indispensável um critério diverso do critério da evocação.
As críticas que acabamos de formular – e que são clássicas nos escritos dos
contraditores da Psicanálise – conduzem a propor uma segunda resposta ao problema da
constância das ligações psíquicas. O critério extrínseco ou de evocação sendo insuficiente, é
necessário recorrer ao critério intrínseco ou de semelhança. Os psicanalistas desprezam muitas
vezes mencioná-lo ou, se o indicam, não destacam sua importância capital. “As associações –
escreve, por exemplo, Saussure – trazem freqüentemente acontecimentos recentes que têm
tanta analogia com a imagem onírica como sendo a hipótese mais provável aquela que liga os
dois fatos por um laço de causalidade”. O critério de semelhança é empregado, fora da
Psicanálise, passando pela Lingüística e nas quais se propõe filiar um índice à sua causa.
57
comum. Mas se considerarmos um acontecimento traumático e a imagem onírica que o
reproduz mais ou menos deformado, é evidente que a hipótese de uma causa comum ao
trauma e ao sonho não tem sentido. Fica, pois perfeitamente valido o critério de semelhança.
Uma interpretação falsa pode produzir um efeito sugestivo, mas não um efeito
catártico. Só a interpretação verdadeira pode ter uma ação psicanalítica, mas importa notar que
ela deve sua eficácia ao fato de ser verdadeira e não ao de ter sido demonstrada. Uma
interpretação correta, cuja exatidão o doente sente intuitivamente, pode trazer-lhe um alívio
considerável. Contudo, para o lógico que olha as coisas de fora, o critério terapêutico é
inaceitável e é preciso reconhecer que seu emprego abusivo levou a Psicanálise a um impasse
científico.
As interpretações freudianas deixam cética a maioria dos espíritos que exigem o rigor
lógico. Portanto a segunda solução deve ser adotada quando se quer apresentar resultados
demonstrativos. Quando se visa um fim puramente científico, é preciso limitar o conceito de
expressão psíquica à associação intrínseca. Importa não esquecer que assim procedendo,
elimina-se certamente um bom número de ligações autênticas entre elementos psíquicos. Toda
a doutrina dos reflexos condicionados mostra a importância das associações extrínsecas.
58
É desagradável só chegar ao demonstrativo eliminando ligações psíquicas reais. Parece
que há meio de salvar um certo número, recorrendo ao que chamaremos o critério de
freqüência. Quando uma associação extrínseca se repete muitas vezes no curso de uma análise,
fortalecem-se as presunções em seu favor. Notemos que o critério de freqüência não é
autônomo, mas complementar. A freqüência não é distinta e separável da evocação como o é a
semelhança; ela é apenas uma modalidade de evocação.
Uma interpretação em geral não se baseia numa única evocação, mesmo repetida,
nem sobre uma única semelhança. Ela se apóia na maioria das vezes sobre a convergência num
mesmo sentido de todo um conjunto de índices. Ainda aqui, tratase de um critério
complementar e não de um critério autônomo. Por isso a convergência não é uma relação
primária como a evocação e a semelhança, mas uma modalidade de um conjunto de evocações
e de semelhanças. Sob esta reserva temos o direito de falar de um critério de convergência. Ele
é muito aparentado ao critério de freqüência, mas, tal como o definimos, distingue-se por
maior complexidade. Aliás, é difícil precisar, no domínio dos fatos psíquicos, o papel do um ou
do múltiplo.
Como não se recorre em tais casos ao psiquismo do analisado, mas a fontes exteriores, seria
muito natural falar aqui em critério externo; no entanto esta expressão correria o risco de ser
confundida com a de critério extrínseco que empregamos para designar o critério de evocação.
Por isso nos serviremos da expressão critério de verificação. A verificação foi ainda mais que a
semelhança desprezada pelos psicanalistas.
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Freud fala dela repetidas vezes. Mas a maioria de seus discípulos desembaraça-se com
algumas linhas da descrição das verificações que tiveram ocasião de fazer. O critério de
verificação deve, ao contrário, ser pesquisado sistematicamente caso se queira apresentar a
Psicanálise de modo científico.
Os cinco critérios que acabamos de estudar permitem, se forem utilizados com todo
rigor, eliminar completamente a acusação de arbitrárias muitas vezes lançadas contra as
interpretações psicanalíticas. As dificuldades suscitadas a propósito da reversibilidade ou da
ação de causas intercorrentes, especialmente da sugestão, podem ser inteiramente resolvidas.
Suponhamos que a sugestão perturbe as evocações, que ela conduza um paciente a evocar a
propósito de uma imagem onírica uma lembrança exata, mas sem relação etiológica com ela: a
ausência de semelhança suficientemente estreita entre os elementos em questão obrigará o
analista verdadeiramente crítico a suspender seu julgamento. Suponhamos que a sugestão crie
uma falsa lembrança muito semelhante à imagem onírica, de modo a poder ser sua causa, o
recurso sistemático ao critério de verificação, desde que haja a menor suspeita, permitirá ainda
evitar o erro.
Suponhamos enfim que o produto psíquico a analisar seja ele mesmo efeito de
sugestão. É claro que os nossos critérios permitem filiar à sua causa sugestiva à imagem ao
estudar. Não atinge a verdade de interpretação o fato de o material submetido à investigação
psicanalítica ser ou não devido à sugestão. O trabalho analítico é tão objetivo, no caso de
ascender de um sintoma neurótico ao traumatismo psíquico da infância como no de partir da
realização de uma sugestão pós-hipnótica para a lembrança esquecida da dita sugestão.
A correta filiação do presente ao passado é obra verídica, quer este passado seja devido
à natureza ou ao artifício. Quando se faz questão de trabalhar apenas com materiais indenes de
qualquer sugestão proveniente do analista, basta apenas escolher sintomas ou sonhos
anteriores ao início da análise.
Quanto aos sonhos que se produzem no curso de uma Psicanálise de longa duração é
incontestável que podem estar mais ou menos sob a dependência da sugestão. Mas importa
saber exatamente o que é a sugestão. Pode-se dar-lhe a seguinte definição: realização
inconsciente e involuntária do conteúdo de uma representação. Por exemplo, um soldado fica
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paralisado porque no momento do choque emotivo produzido pela explosão da bomba, teve a
idéia de que iria ficar paralisado.
Se, por exemplo, um doente lê durante a cura que muitas vezes o analisado sonha com
o analista e se na noite seguinte tem um sonho desse gênero, ninguém contestará que interveio
a sugestão. Mas, o aparecimento espontâneo do analista nos sonhos do paciente, que ignora
completamente a teoria psicanalítica, se demonstra uma repercussão psíquica indiscutível. Não
é, porém, uma sugestão no sentido exato da palavra, pois de outro modo se deveria computar
como devidos à sugestão todos os sonhos em que figuram pessoas, que por uma ou outra razão
nos interessam.
No fundo, os sonhos de transferência não são mais artificiais que os sonhos feitos
durante a vida comum; eles podem fornecer resultados válidos, se nos apoiamos nos critérios
indicados. O hábito deplorável dos freudianos, seguindo, aliás, a trilha de seu próprio mestre, de
identificar transferência positiva, realiza as condições as mais favoráveis para a entrada em cena
da sugestão, mas de nenhum modo com ela se identifica.
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é artificial ou fingido. É evidente que a pura ficção é algo inconcebível e impossível. Sempre e
por toda parte o fictício traz consigo um mínimo intangível de natural. No caso atual esse
mínimo de natural é o poder motor das imagens, a influência do psiquismo sobre o organismo.
Seria um círculo vicioso declarar que o poder do psiquismo sobre o organismo é sugerido: a
sugestão só é possível graças à sua existência.
Para bem apreender o papel exato dos cinco critérios, seria útil examinar com
pormenores a maneira pela qual eles entram em jogo nos dois casos fundamentais, que sempre
separamos: a inconsciência das causas (sempre acompanhada pela das relações) e a
inconsciência limitada às relações. Para simplificar a exposição, suporemos um efeito único
derivando de uma única causa.
No primeiro caso, partimos de uma imagem I. Nosso fim será desencavar a lembrança
do L, da qual depende, e estabelecer a relação de causalidade entre I e L. Essa procura é um
processo real, dinâmico que se opera no psiquismo do paciente. É devido à inibição voluntária
da autocrítica e da auto-condução, à dissolução da resistência à transferência. Ela leva ao
aparecimento de uma lembrança esquecida no campo da consciência do analisado. Este
aparecimento é realizado, o mais das vezes, graças à associação. Vemos, pois, entrar em jogo o
critério de evocação. Pode ser contestada a historicidade da lembrança, o critério de evocação
pelo testemunho de outras pessoas. Pela utilização de fotografias, de documentos etc. se
decidirá a questão. Trata-se agora, estando a lembrança recuperada e verificada, de estabelecer
seu papel etiológico. O critério de evocação nos fornece uma primeira indicação nesse sentido;
ele deverá ser completado pelo recurso ao critério de semelhança, sobre o qual repousa, em
suma, a certeza da interpretação.
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O caso esquemático que examinamos não se presta à utilização dos critérios de
freqüência e de convergência. No máximo se poderia falar de convergência entre o resultado do
critério de evocação e do critério de semelhança.
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As quatro combinações que acabamos de considerar: desrecalcamento e verificação,
desrecalcamento sem verificação, verificação sem desrecalcamento, ausência de
desrecalcamento e de verificação esgotam o primeiro caso fundamental, o da inconsciência das
causas. É inútil considerar à parte o segundo caso fundamental, o da inconsciência das relações,
porque, quando há inconsciência das causas, há sempre, ao mesmo tempo, inconsciência das
relações. O segundo caso fundamental é apenas uma simplificação do primeiro.
É fácil concluir das considerações precedentes que o papel de cada um dos cinco
critérios é muito diferente. A evocação fornece ao mesmo tempo o fato causal e a relação de
causalidade. A verificação só pode servir para estabelecer o fato causal, mas nada nos ensina
sobre a relação de causalidade. A freqüência e convergência têm apenas o papel de reforçar a
probabilidade de relação da causalidade.
Caso se considere a imagem do texugo amarelo como uma totalidade, tendo uma
unidade própria, dir-se-á que a atribuição da origem desta representação onírica da obra do Dr.
Chenu apóia-se sobre o critério de semelhança ou critério intrínseco. Mas nada nos impede de
separar a forma do texugo de sua cor, e isto é tanto mais legítimo quanto o texugo, amarelo na
sua penugem pós-natal, torna-se cinzento na idade adulta. E entre a forma do texugo e a cor
amarela, há apenas uma associação extrínseca, uma conjunção espaço-temporal. Deste ponto
de vista a presença do livro do Dr. Chenu e no sonho da conjunção da forma do texugo e cor
amarela é apenas a repetição de uma ligação extrínseca. É devida, pois, ao critério de evocação
e ao critério de freqüência. As considerações desenvolvidas mais acima sobre a distinção entre
o critério de evocação e o critério de semelhança estão em xeque.
Para aprender o vício dessa objeção, basta ter presente que o critério de evocação só
intervém quando um elemento manifesto evoca um elemento latente. Para que assim seja no
caso atual, seria preciso ou que a forma do texugo, figurando isolada no conteúdo manifesto,
evoque sua cor amarela pertencente ao conteúdo latente ou que a cor amarela, figurando
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isolada no conteúdo manifesto, evoque a forma do texugo, pertencente ao conteúdo latente.
Quando se filia a forma do texugo no conteúdo manifesto à sua forma no conteúdo latente e
sua cor amarela no conteúdo manifesto à sua cor amarela no conteúdo latente, em vez de
relacionar a imagem manifesta total do texugo amarelo à imagem latente total do texugo
amarelo, levanta-se o problema do caráter mais ou menos arbitrário da decomposição em
elementos psíquicos de uma representação global. Mas isto de nenhum modo atinge a distinção
do critério de evocação e do critério de semelhança.
Vamos agora aplicar as regras metodológicas que acabamos de estabelecer a uma série
de exemplos inéditos. Começaremos por uma observação excepcionalmente simples.
Mme. X, uma mulher jovem, de uns trinta anos, em conseqüência de uma conversa
comigo sobre Psicanálise e em particular sobre a interpretação dos sonhos, empreendeu
analisar sozinha algumas de suas produções oníricas ou oniróides. Mal acordava, entregava-se
ao fio das associações espontâneas, num estado que ela mesma qualifica de “meio-sono” ou de
“meia-sonolência” ou de “meio-sonho”. Em seguida redigia seus resultados e os comunicava a
mim. Encorajada pelos sucessos das duas primeiras análises de sonho, empreendeu investigar
um primeiro “sonho acordado” e, depois, um segundo. Eis o que ela me escreveu a esse
respeito: “Outro „sonho acordado‟. A palavra é talvez aqui imprópria. Acontece-me às vezes
sonhar com altura (janela, escada etc.) ou quando vejo alguém inclinar-se num lugar elevado,
de ter a visão, ou antes, a impressão da queda de um corpo (algumas vezes com os braços
cruzados). Isto me dá um calafrio e me deixa gelada... Devaneando a esse respeito, uma dessas
manhãs, revi uma cena que estava completamente esquecida, da época em que tinha seis ou
sete anos. Na praça X em Z, onde brincávamos todos os dias, olhava uma tarde um operário, no
alto de uma escada, arranjar um bico de gás do coreto da música ou de um poste de
iluminação, não me lembro bem. A escada escorregou e com terror vi o homem cair, com os
braços cruzados e permanecer imóvel no solo. O povo correu e carregou-o na escada como
uma padiola.
Há correlação entre essas duas cenas e os meus “sonhos”? Esta cena saíra inteiramente de
minha memória. No meio-despertar, ela se apresentara claramente ao meu espírito. Revi a cena
e agora, desperta, recordo-a muito bem. Ficara gelada de terror com a queda desse homem
que julgava morto”.
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Uma verificação se impunha. Escrevi a Mme. X, para pedir-lhe que interrogasse as
pessoas que haviam assistido ao acidente, precisando-lhe que devia usar perguntas não
sugestivas. A carta continha todas as explicações desejadas sobre as perguntas sugestivas e o
modo de evitá-las. Alguns dias depois, recebi a seguinte resposta: “Comecei por me desesperar,
ao tentar a reconstrução pedida. Minha mãe (aliás, ela não se lembra de nada) nunca ia à praça
X, era a criada alemã que nos levava a passear. Só meu irmão Estevão poderia lembrar-se.
Quanto ao meu irmão Luís, ele tinha quatro ou cinco anos. Em todo caso perguntei-lhe se se
lembrava da Praça X e pedi-lhe que me contasse as recordações que ele guardava desse lugar.
Imediatamente ele me disse: “Os pára-quedas, V. se lembra que V. fazia pára-quedas, eu ficava
maravilhado”. E V. se lembra daquele homem que arrumava alguma coisa no alto do coreto; ele
caiu da escada e foi carregado para a farmácia ao lado da praça. Interrompi aí suas recordações,
tive desejo de abraçá-lo, fizera precisar que o homem estava “em cima do coreto”, pois não
sabia se era coreto ou poste de iluminação e agora me lembro muito bem da farmácia ao lado
da praça. Na verdade eu esquecera tudo isso e foi o meio-sonho que fez surgir tudo isso a
propósito da impressão já citada.”.
Uma outra jovem senhora, que igualmente realizou para mim auto-análises,
confirmou-me as impressões de Mme. X; ela também só podia obter associações interessantes
no momento do despertar. Entre os pacientes que eu mesmo analisei, vários me assinalaram
espontaneamente ter tido consciência de encontrar-se num estado especial distinto do estado
de vigília. Um deles era obrigado a fazer esforço para continuar a falar, um outro apenas se
apercebia de minha presença ao passo que eu me transformava num personagem semi-onírico.
Esse último caso suscita um problema prático muito sério.
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Evidentemente a experimentação psicológica não deve ser levada até ao ponto de
tornar-se prejudicial ao examinado, que aceita submeter-se a isso. Importa aqui levar em conta
a diversidade dos temperamentos e dos caracteres. Diversas vezes foi assinalada a contra-
indicação do tratamento psicanalítico para os esquizofrênicos. Na experimentação psicanalítica
convém ser particularmente prudente e reservado em face de indivíduos de tendências
esquizóides e desconfiar dos perigos da cultura do sonho acordado.
esta distinção vai até a separação. O desrecalcamento mesmo o mais feliz não consegue ocupar
o lugar da interpretação.
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do irmão de Mme. X e que ela mesma não tivesse conseguido recuperar a lembrança. A
interpretação, contudo, se teria imposto.
Para concluir a discussão do caso de Mme. X direi que julgo que a interpretação está
certa. Bem entendido, não se trata aqui de uma certeza matemática, mas daquela que se pode
pretender no estabelecimento de um fato concreto.
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Após este exemplo de uma simplicidade esquemática, vamos passar a uma análise um
pouco mais complexa. Marcelo é um estudante de Medicina que pretende especializar-se em
Psiquiatria. Tendo assistido a uma conferência que fiz sobre os métodos de exploração do
inconsciente, contou-me um sonho que tivera três ou quatro vezes, por volta dos na idade de
mais ou menos dez anos. Este sonho lhe chamara muito a atenção, anotara-o em seu diário,
mas nunca pudera explicá-lo. Propus-lhe analisá-lo, o que aceitou com açodamento. Para dar
uma idéia mais concreta do trabalho de interpretação, vou reproduzir integralmente as
associações do paciente, tais como foram anotadas à medida de sua produção. Esta anotação
absolutamente não equivale a uma estenografia, mas quase. Eu escrevo muito depressa,
resumidamente posso dizer que praticamente nada de importante me escapa.
Sonho – “Parece-me uma noite escura. Penetro pelos W. Cs. que estão no fundo do
jardim, não me lembro se são W. Cs. de fossa séptica. Desço pelos buracos do W. C. Encontro-
me diante de uma porta de vidro vermelho ou talvez verde, vejo um gramado, cercado de uma
orla verde escura, formada de ervas que se inclinam para uma erva central, não excêntrica. A
grande erva central se inclina para o meu lado”.
Peço ao paciente para repetir o sonho. Esta segunda narrativa fornece-me as seguintes
precisões:
“Era uma grande porta com traves em losango, numa espécie de vestíbulo, com
quadrados em losangos vermelhos e verdes. Não era um jardim, mas antes um gramado. Ervas
ou plantas com flores, sim, de preferência plantas com flores. Uma muito comprida, muito alta,
que me espia, todas as outras viradas para a grande”.
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triangular passando por cima dos W. Cs. Fizemos muitas sujeiras com ácido prússico e caroço de
ameixas. Muitos dias de chuva passamos aí”.
(Penetro pelos W. Cs.) – “Muitas vezes eu olhei pela abertura. Havia uma trave
inclinada. Pretendia subir encima dela. Tinha medo. História de pessoas que se haviam afogado
em latrinas. Impressão de terror. Assoalho oscilante. Uma vez o assoalho afundara. Havia dois
W. Cs. um ao lado do outro. Quando um afundou, só o outro era utilizado. O esvaziamento era
muito difícil, não havia bomba a vapor. Tinha a impressão de que se podiam fazer coisas muito
bonitas sobre essa trave a meiaaltura, que sustentava o assoalho dos W. Cs. Muitas vezes
projetei durante o brinquedo de esconder colocar-me entre a trave e o assoalho. A cobertura
me causa muita impressão. Afundara uma vez que fora usado. Esses W. Cs. eram idênticos aos
da casa de minha avó. Tinham comunicação com um galinheiro, uma espécie de nicho, onde
eram colocadas as galinhas para chocar. Eu confundo os dois W. Cs.; eles eram muito parecidos.
As paredes destas instalações sanitárias eram de pedra friável que se destacavam e faziam
muito barulho ao se destacarem, caindo através do assoalho”.
[Encontro-me diante de uma porta] – “Esta porta me faz lembrar duas outras portas. A
porta que se comunicava com o pátio de nossa casa e o interior, igualmente com cruzetas, com
quatro vidros transparentes; várias vezes trabalhei com fotografias lá dentro. Em meu sonho, a
porta tinha três batentes, dois móveis e um fixo, de madeira envernizada. Tenho uma vaga
lembrança da porta da casa da Sra. L., de vidro transparente, em losangos, não vidro opaco, e
losangos transparentes, caneluras transparentes. Uma outra porta parece-me idêntica e que
tinha igualmente três batentes e uma parte superior mais semelhante à daquela com que
sonhei. Lembrome de uma porta semelhante em B., numa visita que fiz com minha avó em casa
da Sra. B., diante de uma grande cortina de pérolas de madeira, um grande encadeamento;
fazia muito barulho quando batia. Uma porta com dois lados fixos num corredor sombrio e a luz
que passava através entrava no interior por uma janela de face.”
[Abro a porta] – “Nada via através da porta antes de abri-la, ela era opaca. Quando a
abria uma onda de luz penetrava, numa rajada de ar fresco. Uma espécie de impressão. Tenho a
impressão de entrar em pleno campo. Música, como um murmúrio. O vento fazia as plantas
ondularem. Um murmúrio doce. A porta tinha uma maçaneta oval de porcelana, ela rangia
como uma porta que havia em minha casa. A maçaneta tinha uma mola que era idêntica às
outras, oscilava sobre um prego que a fixava ao seu eixo e, quando usada, sacudia. A porta era
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difícil de abrir, era presa em cima, fazia um barulho de vidro, quando era aberta, como um vitral
que se agita”.
[Vejo um gramado] – “Diante da porta, havia uma grande alameda arenosa, feia, de
pedrinhas. Um gramado com uma elevação de mais ou menos cinqüenta centímetros. A
cercania era formada de plantas verdes muito escuras, quase estranhas como hera, como em
casa da Sra. L. A hera fazia todo o contorno, penetrava no gramado e cobria-o totalmente,
como um montículo. O gramado da casa da Sra. L. era redondo, o do sonho, oval. Em casa da
Sra. L ele tinha quatro metros de diâmetro, no sonho, era imenso. Entretanto o jardim era
cercado de muros estreitos, muros fechados. O gramado era muito chato quando era olhado
por comparação, um pequeno gramado sem importância, verde, coisa pequena, um grande
círculo de plantas”.
[Um grande círculo de plantas] – [Em que pensa V.?] – “Penso que, se fosse artista,
gostaria de pintar um jardim. Em livros de história vi desenhos de Le Nore: um grande jardim
desenhado como nas rosáceas. Meu primo G. V. desenhava rosáceas e as coloria,
ornamentação, plantas muito moles, cardos. Houve concurso de desenhos, desenhos de
plantas, fúcsias, muito bonitas, no jardim de minha avó plantas compridas com folhas em
espiral, monocotiledôneas, deitadas, não, antes hirtas, inclinadas. Havia também iúcas que me
faziam muito medo porque picavam. Admirava-me muito dessas flores trepadas num cabo de
vassoura. As pessoas me diziam que elas floresciam a cada sete anos. Havia dois grandes
gramados, um reservado à erva, onde se enterravam os cães mortos, um outro, circular, que
era cercado de gramíneas com folhas, muito altas. Esse canto era escuro. Havia uma grande
árvore que sombreava tudo, uma pequena vereda que fazia toda a volta. Uma iúca no meio,
roseiras cercadas de azevinho, uma iúca ao lado, depois um flox. Nesse gramado havia um
grande ramo de flores, cravos, depois um bucho que fazia a volta, como espigas numa planta
cheia de folhas. O canteiro era muito bem tratado por minha avó que gostava muito dele. Havia
uma outra grande árvore, mas esse gramado não era grande”.
[A erva central] – “Muito grande, quase nua, muito longa, com um ramo de flores
encima, uma espécie de bola, algumas folhas embaixo, lisa como uma espécie de “coucou” ou
de jacinto, parece-me maior do que eu, e as outras tinham trinta centímetros; aliás, tinha a
impressão de ser saudado por essas plantas, muito lisonjeado por ver a grande planta inclinar-
se diante de mim, enquanto as pequenas se inclinavam diante da grande. Entretanto, quando ia
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ver as plantas, ela não se movia, gostaria que ela me olhasse. Penso que gostaria de ter sido
aquelas plantas, porque tinha a impressão de que ali se estava muito bem, que era quente,
agradável, tudo calmo e, ao mesmo tempo, amplo e eu me sentia perdido, apertado apesar de
tudo. Via-me especialmente na vereda da frente, queria ficar ali, ser uma planta do meio. Vejo o
canteiro abaulado, mais alto para o lado da grande flor do lado que eu queria estar. A vereda
era muito larga, e estreitava-se na direção da planta maior; entretanto o meu lugar era
quadrado. A grama em torno era... havia plantas muito chatas, muito baixas, Parece-me que à
direita elas eram baixas e à esquerda eram curvas, não, à direita mais curvas, lianas que caíam
de um muro carcomido, sujo, reboco, pedras amontoadas a um canto”.
[A erva central] – “Ela tinha o ar de reinar sobre as outras. Invejava meu irmão como
invejava essa planta que me parecia dominar como dominava ela as demais plantas. Ele era
muito forte, mas destro. Contudo eu lhe obedecia. Julgava-o belo, grande, superior a mim. Nas
disputas de corrida de salto ele era também superior a mim. Era meu irmão mais velho, minhas
irmãs lhe obedeciam, e quando não lhe obedeciam ele batia nelas. Não, não vejo mais nada”.
[A grande erva inclinava-se de meu lado] – “Com uma espécie de respeito ela estava
curvada, como submissa. Quando andava pelo caminhozinho do lado, em que ela se
encontrava, gostaria que ela se virasse para mim, ficava decepcionado, como quando acreditava
que se curvaria diante de mim por respeito. Eu chegara pela frente, não, eu fiquei e teria
vontade de voltar, não voltei, fiquei no caminhozinho do lado, não, não sei bem. Vejo bem a
explicação, vejo que invejava meu irmão, eu queria ser admirado e como não o era isso me
decepcionava”.
Podemos distinguir três partes no sonho; a descida nos W. Cs, a saída dos W. Cs, a cena
da grande erva.
Não proporei interpretação para a descida nos W. Cs, penso que o material recolhido
não permite fazê-la com suficiente certeza. O que é indubitável é a mistura de atração e de
repulsa, a ambivalência da criança, de dez anos em face dos W. Cs. Pode-se falar de complexo
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anal sem forçar os fatos. Mas sobre as origens deste complexo, as associações nada nos
informam. Sei perfeitamente que um freudiano ortodoxo proporia interpretar a descida nos W.
Cs como fantasia de volta ao seio materno, mas meu fim é demonstrar o que se pode tirar
desse sonho, aplicando-lhe o método associativo com espírito estritamente crítico. Da descida
aos W. Cs e das associações relativas a essa imagem, quero concluir apenas a existência no
sonhador de uma curiosidade mais ou menos intensa e contrariada pelas impressões de medo
em face da função de defecação.
Também interpretei melhor a saída dos W. Cs. Um crente do freudianismo não deixaria
ainda aqui de apoiar-se na simbólica geral para afirmar que a saída dos W. Cs significa
nascimento. Aproximando essa saída da descida que a precedeu, ele diria que se trata de um
sonho de volta ao seio materno seguida de renascimento e acrescentaria que o sonhador em
sua infância deveria ter admitido a teoria do nascimento pelo ânus. Tudo isso, sendo
indemonstrável pelo material associativo de que dispomos, deve ser afastado.
Quanto à cena da grande erva, creio que é racional aceitar a interpretação descoberta
pelo próprio sonhador. A princípio, poder-se-ia crer que ela repousa unicamente no critério de
evocação, pois entre a grande erva e o irmão a semelhança é evidentemente longínqua.
Portanto, na segunda narração do sonho, há uma frase muito significativa: “Uma erva muito
comprida, muito alta, que me olha.” Se nas imagens do próprio sonho a erva olha, no sentido
estrito da palavra, o analisado podese considerar como certo que ela é o substituto de um ser
humano, nada nos levando a supor que seja o de um animal. Se eu tivesse podido verificar esse
pormenor no diário do sonhador, eu o teria feito, infelizmente, ela o havia deixado em casa de
seus pais, numa outra cidade. Pode-se ainda acrescentar que se as pequenas ervas se inclinam
diante da grande e se a grande erva se inclina diante do analisado, a origem desses
movimentos, muito insólitos nos vegetais, só se pode explicar aceitando que eles representam
seres humanos. Os estados afetivos do paciente durante o sonho confirmam essa
interpretação: ele está satisfeito de ver a grande planta inclinar-se diante dele, e ele gostaria
que ela se voltasse para o seu lado quando mudasse de lugar.
As plantas do sonho possuem vários caracteres que só convêm aos seres humanos.
Pode-se dizer que sua interpretação se apóia nos critérios de semelhança e de convergência. O
ponto decisivo é evidentemente a identificação da grande erva com o irmão mais velho. Ela
combina perfeitamente com os índices que acabamos de apurar. Demais, as características da
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grande planta constituem uma excelente representação figurada do irmão mais velho. “Ela
tinha o ar de reinar sobre as outras. Invejava meu irmão como invejava essa planta, que me
parecia dominar, como dominava ela as pequenas plantas” etc.
É preciso notar que a evocação do irmão pela grande planta foi absolutamente
espontânea. De nenhum modo intervim durante as associações, só fiz dar às palavras indutoras,
que reproduzem as imagens oníricas e uma vez disse: “ Em que V. pensa?”. É, pois, plausível
aceitar que a ligação entre a grande erva e o irmão preexistia no psiquismo do sonhador. Resta
examinar se a sugestão não poderia ter intervindo entre o sonho e a sessão de análise. O
analisado não sabia grande coisa das doutrinas de Freud e é bem provável que a principal fonte
de seus conhecimentos em matéria psicanalítica fosse a minha conferência sobre os métodos
de exploração do inconsciente.
Em seguida à minha conferência, tivemos uma conversa no curso da qual eu lhe contei
o sonho do cachorrinho branco da doente de Ferenczi. Devem estar lembrados que neste sonho
o cachorrinho branco representava a cunhada da analisada. É legitimo indagar se este exemplo
de representação de uma pessoa por um animal não poderia ter orientado o espírito de meu
examinado para a representação de uma pessoa por uma planta. A evocação teria sido mais ou
menos influenciada pela sugestão. É claro que a interpretação deste sonho nos leva ao fim das
contas ao critério de semelhança. O comportamento onírico das plantas é um comportamento
humano, elas são, pois, o substituto de pessoas humanas. Tal é o argumento fundamental sobre
o qual repousa toda a interpretação.
À guisa de conclusão diremos que a análise deste sonho nos conduz por duas primeiras
partes à verificação de um complexo anal. A terceira parte se interpreta de modo mais plausível
fazendo da grande erva o substituto do irmão mais velho, mas a prova estrita da exatidão dessa
interpretação não foi obtida.
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Começou me dizendo que o sonho que tivera não tinha qualquer relação com a questão que o
preocupava. Fiz-lhe notar que o problema da interpretação me concernia e ele me contou o
sonho que se segue.
[Leproso] – “Rémy de Gourmont que, dizia-se, era leproso. Um romance desse autor,
Um Coração Virginal”.
Fiz notar ao sonhador que na pena dos moralistas cristãos a lepra é um símbolo
clássico da falta sexual. Meu camarada respondeu-lhe que não havia pensado nisso, mas que
era muito plausível. Propus-lhe então considerar que seu sonho seria o desejo de descarregar
noutro seu papel de conselheiro, a intenção de adotar em face da jovem senhora em questão
uma atitude mais reservada, menos sentimental. A segunda interpretação pareceu-lhe mais
plausível.
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dias após a análise. Ver-se-á mais adiante que há interesse para a interpretação saber-se se o
monge onírico estava vestido de burel castanho como um capuchinho.
Após ter relembrado suas associações – em perfeito acordo, aliás, com a minha
redação – meu correspondente acrescentava a propósito do meu comentário sobre o
simbolismo da lepra. Chamou-me a atenção um outro pormenor não menos significativo. A
lepra é uma doença que contamina quem dela cuida. Simbolismo muito claro, como não pensou
V. nisso? Mas eis o alcance moral de meu sonho singularmente comprometido. Parece-me
antes simbolizar o pensamento, por finalidade a um compromisso, aprovado por um homem de
caráter sagrado, de cuidar de um mal que tem toda a probabilidade de contrair também.
Evoco a esse propósito um fato que francamente pôde inspirar-me esse pensamento: o
padre Pedro declarou que eu desempenhava junto a Luísa um papel indispensável, no qual
ninguém podia substituir-me. Seguramente mais tarde eu concebi este pensamento: como ele
não previu o perigo que esse papel representava para mim? Eis que me parece a própria raiz do
sonho exteriorizada. Note que descobri o pensamento simbolizado de maneira mais ou menos
incontestável. Há nesse sonho, em sua origem, temor, ou desejo,ou necessidade de desculpa?
Nada me parece permitir destrinçar essas hipóteses.
Pode-se objetar a essa análise que eu sugestionara meu antigo colega, primeiramente
afirmando que o sonho conduz às preocupações íntimas do examinando, em seguida propondo
ver na lepra um símbolo da falta sexual. Esta dupla objetação nos obriga a não nos apoiarmos
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no critério de evocação, mas não poderá ter valor contra o critério de semelhança, a menos que
as diversas lembranças encontradas sejam falsas. Admitir isso seria ultrapassar os limites da
influência normalmente atribuída à sugestão.
Aliás, a intervenção do padre Pedro junto de meu camarada, para encorajá-lo no papel
de salvador, é um fato estabelecido e o núcleo da interpretação. O oficial sonha que assume
perante o religioso o compromisso de cuidar de leprosos. De outra parte, alguns dias antes, o
padre Pedro o animara a ocupar-se de Luísa. É plausível supor que a conversa com o padre
Pedro é da mesma origem da conversa onírica com o religioso. Ademais, o compromisso de
cuidar dos leprosos, em si mesmo absurdo e inexplicável, compreende-se perfeitamente caso se
admita o simbolismo da lepra, simbolismo ao qual o sonhador não pensara, mas que
perfeitamente conhecia, como pude convencer-me.
Até aqui os exemplos que demos foram tomados de casos, em que não houve
Psicanálise seguida e regular, seja terapêutica, seja didática, mas somente uma ou várias
sessões com o fim de pesquisa. Agora será preciso que mostremos com uma longa série de
sessões que é possível obter interpretações que escapam a acusações arbitrárias. Se a
transferência é, em certo sentido, aliás, muito limitado, um fenômeno que se pode qualificar de
artificial, a interpretação dos sonhos de transferência pode, contudo, ser logicamente válida.
Ensaiemos mostrá-lo com um exemplo.
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submeteu-se à análise com grande resistência. Na trigésima primeira sessão, ela trouxe o
seguinte sonho, excepcionalmente anotado por escrito.
Sonho – “Num corredor em casa de amigos. A amiga com quem falo, interrompe-se
para saudar um visitante que ela me apresenta (falta etiqueta que me abala). Ele é pequeno,
atarracado, de bigodes pretos. Tivemos uma conversa interessante e longa. Depois esta moça
(sua aparição não é explicada) que tem direitos sobre ele (ela o conheceu antes de mim e
melhor que eu) leva-nos a passear. Eles conversam todo o tempo juntos. De tempos em tempos
ele procura muito gentilmente associar-me à conversa. Presto-me de má vontade a isso. Quero
afastarme e deixá-los sós, visto que demonstram tanto prazer em estar juntos. Mas cada vez
que vou me afastar, ele me chama gentilmente. Passeio interminável, ele conversa com todas
as pessoas e sempre com o mesmo bom humor, o que me choca. Ele é muito falador e faz
amizades em toda parte. Visitamos ruínas. Conheço-as muito bem, muito melhor que a outra
moça e poderia dar explicações pormenorizadas. Mas guardarei para mim as coisas muito belas,
muito preciosas que sei. Ela fica inteiramente livre de contar-lhe as pobrezas que lhe parecem
agradar tanto. Punha-me ao lado dela, mas várias vezes ele mudou de lugar para colocar-se no
meio, portanto perto das duas. Por que ele não me deixa ir embora de uma vez? Sofro muito
em vêlos! Que ele me deixe em paz!”.
“Estamos agora num navio a caminho da África. Estou de pé num longo corredor,
esperando penosamente que ele passe diante de mim, para que possa vê-lo sem mostrar que o
estou procurando. Ele conversa com todos. Todas as coisas dos outros o interessam. Ele
também é muito bom para mim. Ele quer sempre arrancar-me a mim mesma, ao meu
retraimento altivo e me pôr em contato com os outros. Mas prefiro ficar só, mesmo se não
devo vê-lo por causa disso. Olho a paisagem. Uma vez ele vem para mim e me diz: “Por que V.
fica sozinha? Venha comigo”. Recuso, porque com ele não estaria só. Estou triste. Penso que
matar-me seria bom para castigá-lo.
Então ele saberá como eu o amava e não irá mais conversar com as moças a bordo. Uma outra
vez, passando diante de mim, ele me olha com grande ternura e me diz:
“Não quero mais morrer. Julgo-o bom, oh! Tão bom! E me é indiferente que ele
converse com as outras moças. É muito tarde. Todo mundo foi dormir. Não todos; o corredor
em que estou está cheio de pessoas indiferentes. Eu ficaria toda a noite saboreando a minha
78
felicidade. Neste momento ele se dirige para mim, olha-me muito tempo, conversa comigo,
depois, num dado instante, sem que isso absolutamente se impusesse, ele me beija nos lábios,
longamente. Impressão estranha, agradável, mas estranha, muito inesperada. De novo ele
recomeça. Chamam-no. Ele vai embora.
Acotovelo-me na balaustrada pensando em Gastão, que amo bruscamente, com paixão, com
doçura, depois que o traí. Mas espero o outro. Era a felicidade intensa de estar no mesmo navio
para ir para o mesmo destino: a África”.
79
precedentes, o personagem principal muitas vezes representou o analista; pode-se, pois, em
virtude do critério de freqüência esperar encontrá-lo aqui. 3ª – Os caracteres físicos do homem
do sonho (pequeno, atarracado, bigodes pretos) cabem perfeitamente ao analista (critério de
semelhança). 4ª – A identificação do jovem do sonho e da doente desprezada conduz
igualmente a fazer do herói do sonho um substituto do analista (critério de
convergência). É absolutamente característico da paralógica afetiva da resistência que Emília
tenha visto nisso uma objeção à identificação do homem do sonho e do analista. 5ª – A
evolução subseqüente da transferência constitui sem dúvida o elemento mais comprovante.
Este sonho, se realmente fosse um sonho de transferência, permitiria prever que Emília não
tardaria a destacar-se de Gastão graças a uma violenta transferência positiva para o analista. Foi
na verdade o que se produziu. 6ª – À luz desses fatos posteriores do sonho, certos de que seus
pormenores adquirem toda sua significação e, reciprocamente, vêm reforçar a prova por
convergência. Se a cena de amor se passa a caminho da África, é que o desejo de reunir-se a
Gastão se descarrega na transferência. A ambivalência do fim do sonho
em que Emília está dividida entre Gastão e o personagem onírico dá testemunho no mesmo
sentido.
Examinemos agora que papel pôde a sugestão exercer aqui. Pode-se supor, caso se
atribua uma grande eficácia à sugestão, que o conteúdo latente, o amor de transferência de
Emília para o psicanalista, é devido em parte à sugestão. Pode-se supor que o conteúdo
manifesto, a saber, que a aparição no sonho de um personagem semelhante ao analista,
depende igualmente, numa certa medida, da sugestão. Mas por mais extensas que sejam as
concessões feitas à hipótese sugestiva, elas não poderiam destruir nem o valor do sonho como
elemento de diagnóstico e de prognóstico, nem o caráter natural e inconsciente do trabalho do
sonho.
80
É preciso ir mais longe: este sonho permite prever que Emília continuaria a destacar-se
de Gastão de um modo cada vez mais completo e foi o que sucedeu. Levando até os últimos
limites a hipótese de um papel exercido pela sugestão objetarse-á que este destacamento mais
acentuado foi devido a novas sugestões posteriores ao sonho, o que embota o valor deste
último como valor prognóstico. A isso pode responder-se que o sonho indicava com toda
certeza uma tendência a desprendimento mais completo e que toda tendência pode ser ou
favorecida ou contrariada por causas diversas.
A sucessão dessas diversas cenas não ilustra tipicamente a lei enunciada por
81
Freud: “A necessidade somática se exprime de um modo progressivo e sempre mais claro”. Ora,
esta lei não tinha sido exposta a Emília nas sessões precedentes de análise; tudo permite crer
que ela a ignorasse. Estamos, pois com o direito de pensar que o dualismo estrutural do sonho
de transferência e o desenrolar progressivo das cenas que o compõem são naturais e não
produto artificial.
Após dez meses de análise, a propósito do tema de temor inspirado pela injustiça
paterna, o paciente encontrou a seguinte lembrança: “Estou junto com meu irmão gêmeo, mais
ou menos na idade de dois anos. Revejo muito a platibanda diante das latadas de pessegueiros
abrigados por um alpendre. Meu irmão fica de gatinhas para morder um grande tomate. Meu
pai chega e nos bate com tal violência que minha mãe grita: “Estás maluco, tu os matas”. Minha
avó chega pela frente do telheiro, segurando a cabeça com as duas mãos, aflita por ver a
violência de meu pai”.
82
ficou atordoado, ao ver minha irmã cair, jogou-me longe para correr em socorro de minha irmã.
O terraço descia numa escarpa, coberta de ervas, muito íngreme até uma plantação de
coníferas. Rolei nessa erva até um abeto. Minha mãe veio socorrer-me. Revejo minha irmã que
tinha uma ferida na testa”.
A exatidão desta lembrança é atestada pela cicatriz em estrela que a irmã tem na testa.
O acidente, além disso, foi confirmado pela mãe.
Outras lembranças, recuperadas pelo paciente não foram confirmadas por sua mãe.
Em particular, algumas das lembranças relativas à curiosidade sexual infantil não o foram. Um
adversário da Psicanálise concluiria disso que se trata de pseudolembranças devidas à sugestão
da dogmática freudiana. Um partidário de Freud responderia que a mãe, imbuída de rigorismo
moral – o que, aliás, é exato – recalcou as histórias em questão. Este desrecalcamento não se
podendo demonstrar, o leitor nos dispensará de comunicar-lhe nossa opinião.
3) O Método Simbólico
O longo estudo que acabamos de fazer do método associativo nos permitirá examinar
de forma mais breve o método simbólico. Nunca se deve perder de vista que, como Freud
muitas vezes repetiu, o método simbólico desempenha em Psicanálise um papel absolutamente
secundário. É de admirar que, apesar dos protestos reiterados do mestre de Viena, o público,
mesmo científico, vê na Psicanálise apenas uma chave dos sonhos.
83
Objetar-se-á talvez que invertemos a ordem lógica dos problemas; É preciso,
primeiramente, estabelecer a validez da interpretação simbólica num certo número de casos
concretos e só em seguida poderemos generalizar.
Esta objeção repousa numa grave confusão que importa dissipar. Uma relação de
causalidade pode ser conseguida de duas maneiras muito diferentes. Num primeiro caso, a
relação de causalidade tem um valor inteligível e impõe-se diretamente à razão. Basta comparar
a marca deixada por um pé humano nu sobre a areia úmida e a forma desse pé para aprender
intuitivamente a relação de causalidade, mesmo que se dispuser apenas de um único espécime
de marca.
Vimos que, em condições favoráveis, o método associativo conduz a uma certeza desse
gênero. Num segundo caso, a relação de causalidade não é compreensível diretamente; sua
existência só pode ser demonstrada estatisticamente. Assim é que os médicos gregos
reconheceram que a orquite podia ser uma complicação da cachimba. Ela não acompanha
sempre a caxumba, nem apenas a caxumba, mas sua freqüência nos homens atingidos por esta
moléstia era superior à sua freqüência nos homens em geral. O redator do primeiro livro das
Epidemias da coleção hipocrática não fala explicitamente no principio lógico da comparação das
freqüências, não deixando esse principio, porém de ser o fundamento de sua asserção. Aqui a
causalidade é aprendida graças à lei dos grandes números, e não se poderia percebê-la com
certeza com um único exemplo.
O mesmo sucede para os símbolos oníricos. Sua lista só pode ser estabelecida pelo
estudo de um grande número de casos. Os símbolos sinestésicos não sexuais não levantaram
dificuldades. Os autores que afirmaram sua existência não publicaram estatísticos afirmando
sua asserção. Delage, por exemplo, escreve:
“Em muitos casos, o sonho determinado pela impressão sinestésica não tem, com esta,
qualquer semelhança ou apenas uma tão longínqua, que só reconhece a relação de causalidade
pela constância da relação de sucessão”.
Meunier e Masselon após terem citado um certo número de exemplos no curso de sua
obra, escrevem em sua conclusão: “A visão do vermelho – seja imóvel, seja em movimento, seja
diferente, seja aterrador – encontra-se nas fases pré-meningíticas nas afecções inflamatórias do
olho e na aura dos epiléticos”. Resultados desse gênero foram admitidos sem discussão, mas
84
quando Freud julgou notar que o tic-tac de um relógio ou de um pêndulo “pode ser
considerado como uma representação simbólica do batimento do clitóris, no momento da
excitação sexual”, não se lhe quis dar crédito. É, portanto, ilógico, quando se aceita que as
sensações proprioceptivas de todas as partes do corpo têm símbolos oníricos relativamente
fixos, fazendo exceção apenas para as sensações genitais.
O exame da evolução dos ideogramas que eles iniciaram por cópias muito vizinhas da
realidade e que, por esterilização progressiva, chegam a símbolos seriam irreconhecíveis, caso
se ignorasse sua história. Encontra-se uma elaboração desse gênero na escrita assíria. Como ela
se manifesta para todos os sinais e não é absolutamente particular aos que designam os objetos
85
sexuais, é claro que não é devida a um crescente pudor. Ela certamente se explica pela
substituição da argila pela pedra, mas até agora os assiriólogos não chegaram a descobrir as leis
da evolução da escrita cuneiforme. É o caso de relembrar que para o próprio Freud o
simbolismo é um “fator de deformação dos sonhos independentemente da censura”.
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Sonho – “Estou sentada na cozinha, bate a campainha, o patrão me chama. Vou ao
quarto. Ele me convida para sentar. Vejo muitas bananas numa mesa. O patrão me convida a
comer. Tomo uma e tiro a casca. Pareceu-me bom”.
Sonho – “Sonhei que meu pai me havia dado uma grande mala, uma mala de cabine.
Ao mesmo tempo me deu uma chave, uma chave muito grande. Parecia a chave do portão de
uma casa. Durante essa fase tive um sentimento de angústia, ao mesmo tempo admirei-me de a
chave ser tão grande, isso não podia estar certo. Em seguida abri a mala. Então uma serpente
pulou dela para minha boca. Dei um grito e perdi os sentidos.” É claro que Raffenstein escolheu
uma paciente ignorando inteiramente a Psicanálise.
Fragmento de prosa – “Uma menina vai passear sozinha no campo. Surge um rapaz;
atira-se sobre ela, derruba-a; a menina se defende sem sucesso, o rapaz levanta sua saia e
introduz seu pênis em ereção na vagina dela. Após o coito, ele a deixa chorando e foge”.
Reprodução por um doente – “Duas meninas subiam uma escada, dois rapazes vieram
depois e também subiram também a mesma escada. Em seguida eles casaram com as meninas,
porque uma estava grávida, a outra voltou para casa”. É sabido que a ascensão por uma escada
é um símbolo freudiano para o coito. Uma segunda doente substituiu a reprodução da frase
ensinada. “Introduz seu pênis em ereção na vagina” por “introduz a faca na bainha”. A tradução
portuguesa não dá uma idéia exata deste exemplo, pois a palavra Sheide foi empregada para
designar bainha e vagina. Alguns dias após a doente, de novo interrogada sobre essa história
respondeu: “ela o espetou com uma faca” e mais tarde ainda: “eles se atiraram sobre ela”. Uma
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terceira doente, ao repetir a história ensinada, substituiu as palavras “pênis em ereção” por
“cigarro”.
Estabelecer uma lista de símbolos oníricos não basta, é preciso, quando nos
encontramos em face de uma imagem de sonho suscetível de revestir um sentido simbólico,
mostrar que assim é na verdade. Esse problema concreto é muito próximo do que tratamos ao
examinarmos os critérios de interpretação associativa. Para resolvê-lo, distinguiremos dois
casos.
No primeiro caso, a lista dos símbolos típicos fornece apenas ao psicanalista uma
hipótese de trabalho, o paciente fornece as associações e essas o levam à solução. É claro que
nesta hipótese não se pode falar de método simbólico autônomo.
No segundo caso, ao contrário, quando Freud muitas vezes insistiu, o paciente não
fornece associações ou as fornece insuficientes. A interpretação repousa então em primeira
aproximação sobre a lista de símbolos típicos e definitivamente sobre o tematismo dos fatos e
circunstancias na falta do tematismo das associações. É evidente que este caso é extremamente
desfavorável do ponto de vista de administração da prova.
No primeiro caso, os cinco critérios que nós formulamos podem ser utilizados
exatamente como na interpretação associativa clássica.
88
No segundo caso, quando os critérios de evocação e de freqüência das evocações
estão fora de causa por hipótese, poder-se-á apenas apoiar-se nos critérios de semelhança, de
convergência e de verificação, aplicados a um material extra-associativo.
Vamos tentar ilustrar esses princípios metodológicos por dois exemplos inéditos. Eis
um fragmento de sonho contendo um símbolo freudiano típico, cuja interpretação foi obtida
pelo método associativo.
Uma mulher casada traz, na nona sessão de Psicanálise, um sonho, cujo início é só o
que nos interessa. A seqüência do sonho, muito importante para o conhecimento dos
complexos da analisada que não se liga ao problema do simbolismo, não é aqui reproduzida.
Fragmento do sonho – “Estamos não sei quem e eu, numa quermesse qualquer.
Queríamos ir ao buffet. Em lugar de chá propuseram-nos leite de cabra.
Fomos ver ordenhar as cabras e havia tanto leite que escorria pelo chão”.
[Vê nisso um incidente da véspera relacionado com o sonho?] – Não. [Não esteve
ontem domingo na confeitaria?] Sim, certamente. [Tomou leite lá?] – Não, chocolate, isso não
tem relação.
[Quermesse] – Festa qualquer, vaga lembrança com esta moça, ah! sim!
Interrompo aqui a seqüência das associações que giram em torno da última parte do
sonho, não reproduzida aqui. No curso da sessão, a propósito de um tema desagradável, o
analista, tendo dito à paciente que era preciso atirar-se à água com coragem, esta exclamou
“Senhor!”, sentou-se no divã como que movida por uma mola e vestiu seu casaco dizendo:
“Não há nada a fazer”. O analista insistiu para que ela não fosse embora antes do fim da hora.
Ela recusou deitar-se. Ele lhe disse para sentar-se, ela se sentou e permaneceu silenciosa.
Diante desta resistência, ele lhe propôs retomar a um sonho anterior, ela aceitou e a hora
terminou.
Na décima sessão, a paciente falou de outra coisa. Na undécima sessão, o fim do sonho
não reproduzido voltou à baila. No momento de sair, ela manifestou sinais nítidos de choque
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emotivo. Na décima segunda sessão, persistiu sua resistência. Na décima terceira sessão trouxe
um sonho em que o analista lhe dizia: “Deixo cair muito pouca coisa.” Na segunda narração do
sonho, acrescentou que ela dizia ao analista:
“É bom que isto tenha sucedido.” As associações relativas a essas palavras levaramna a
confessar que dissimulara alguma coisa a propósito do sonho da nona sessão. Chora.
Finalmente, se decide a contar que, se quisera sair no decorrer daquela sessão, foi porque
naquele momento surgira em seu espírito uma associação entre o leite que escorria pelo chão e
o seguinte incidente que se passara na véspera entre ela e seu marido. O casal não queria filhos,
o marido saíra antes de ejacular e ela vira o esperma cair no chão.
Eis agora um sonho a propósito do qual não foram fornecidas associações segundo a
técnica clássica, mas que foi contado espontaneamente no curso de uma conversa por uma
mocinha, inteiramente ignorante de Psicanálise. Ela se apaixonara por um rapaz que não
parecia prestar-lhe atenção. Algum tempo depois, sua família propôs-lhe um projeto de
casamento com um outro rapaz. Antes de aceitar uma entrevista, ela pediu a um amigo da
família para ter um entendimento com o rapaz que amava. Ele pediu para refletir e finalmente
fez transmitir uma resposta negativa. A mocinha caiu num estado de depressão típico. Foi
nessas condições que recebeu uma visita de um outro amigo de sua família, muito a par da
Psicanálise. Ele lhe pediu notícias de sua saúde. Ela se queixou de diversos sintomas,
especialmente de desordens do sono, de pesadelos e ela mesma assinalou que, na primeira
noite após ter recebido a má notícia, tivera o seguinte sonho: “Encontro-me à beira de um rio.
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Vejo no mato uma espécie de congro ou enguia. O animal parece ter a cabeça cortada, ele se
encaminha para a água e desaparece debaixo do capim como uma serpente.”.
91
Capítulo 8
Perversões sexuais
Masoquismo - Anomalia caracterizada pelo desejo de ser maltratada (a) como prévia
condição de gratificação sexual. A flagelação estimulante pode ser infligida por si próprio (a) ou
pelo parceiro(a), levando ao orgasmo (prazer atingido). A dor constitui a única condição de
satisfação sexual.
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Sadismo - É a prática que consiste em maltratar e até agredir fisicamente a(o)
parceira(o), chegando até, em alguns casos, a requintes de perversidade. Somente assim o
sádico encontra compensação sexual (orgasmo).
Pedofilia – É a atração sexual que o adulto tem por crianças. Deseja ter relações sexuais
com elas, e as violenta compulsivamente.
93
e 5 anos de idade, e acreditou, por algum tempo, que todas as neuroses podiam originar-se em
experiências ocorridas em período anterior àquele.
O mito do herói grego que perpetra parricídio (assassinato do pai) e vive em relações
incestuosas com a mãe, crime de tão horríveis conseqüências que Édipo desejou expiar
provocando a própria cegueira, parecia provar a tese freudiana de que os impulsos incestuosos
presentes em todas as crianças, de modo velado e desfigurado; desta forma o código secreto do
mito (aquilo que Jung chamara de mitologema) corroborava os estudos de Freud, que assim
escrevia na Interpretação de Sonhos: “O destino do rei Édipo comove-nos ainda hoje também
porque poderia ter sido o nosso, porque um oráculo fez recair sobre nós, antes do nascimento,
a própria maldição que sobre ele tombara. Talvez estivéssemos todos destinados a dirigir os
nossos primeiros impulsos sexuais para a nossa própria mãe, e nossos primeiros impulsos de
ódio e resistência para o nosso pai”.
Algo semelhante se passa com a menina (complexo de Electra), que coloca o pai no
centro do interesse erótico, mas, no caso dela, o medo de castração desempenha papel
reduzido, visto que não possui pênis, que possa ser amputado. Esse remoto interesse sexual em
relação aos pais, pensou Freud, era a fonte de fantasias neuróticas dos adultos relativas à
sedução na infância. As fantasias eram manifestações de um desejo de gratificação dos
interesses edipais sem culpa.
Na realidade Freud verificou haver mais implicações na história das neuroses do que do
complexo de Édipo. Havia provas crescentes de que algumas condições tinham inicio em idade
ainda mais recuada, o que levou ao estudo daquilo que Freud designou por “estágios pré-
genitais da libido”. O complexo de Édipo e as neuroses adultas dele resultantes tinham
94
explicação exclusivamente sexual (daí, o pansexualismo freudiano, ou seja, a tese de que toda
neurose tem por etiologia problemas sexuais mal resolvidos ou simplesmente reprimidos).
Jung distanciou-se de Freud ao formular uma teoria da libido em que o fato sexual será
apenas uma forma da libido primordial – uma energia psíquica que atribuiu o significado de
uma força vital. O complexo de Édipo é encarado como um símbolo dos laços infantis com os
pais, é certo, mas negando Jung que a sexualidade fosse fator de importância decisiva na
infância. Considerou esse período dominado pelos fatores de nutrição e crescimento. A mãe
seria o primeiro objeto de amor, mas o interesse da criança por ela não é sexual: a mãe
representa, sim, a fornecedora de alimento, o ser nutriente. Por outras palavras, a primeira
dedicação da criança não se relaciona com o sexo, mas com a auto-preservação.
A mais recente interpretação do complexo de Édipo foi formulada por Erich Fromm: o
esforço da criança para libertar-se de sua dependência infantil e tornar-se um indivíduo. O
aspecto sexual pode ser importante, mas não é, em qualquer caso, a causa da luta de Édipo
com o pai. A verdadeira causa, que o mito procurou descrever (Édipo não mata o pai por
rivalidade pela mãe e, sim, porque ela estava lhe impedindo a passagem numa estrada,
desconhecendo nessa altura que Laio fosse seu pai), a luta do indivíduo numa sociedade
patriarcal e autoritária que deseja moldar-lhe a vida de acordo com os desejos dela.”
As Neuroses
Esse termo, que data da segunda metade do século XVIII, significa originalmente uma doença
dos nervos. Depois, no século XIX, foi utilizado para descrever “distúrbios funcionais”, isto é,
doenças que se acreditava serem devidas a distúrbios funcionais do sistema nervoso que não se
95
faziam acompanhar por mudanças estruturais. Desde que Freud descobriu que uma das
neuroses, a histeria, constituía um distúrbio da personalidade e não dos nervos, o termo foi
empregado para descrever exatamente os distúrbios mentais que não são doenças do sistema
nervoso. A teoria clássica distingue os seguintes tipos de neuroses:
Neuroses Atuais - Devidas a causas atuais e explicáveis em função dos hábitos do paciente. Em
seus primeiros trabalhos, Freud fazia distinção entre psiconeuroses e neuroses atuais. As
primeiras devem-se a conflitos psicológicos e acontecimentos passados, sendo as últimas as
conseqüências fisiologias de distúrbios atuais no funcionamento sexual. Distinguiu
posteriormente duas formas de neuroses atuais: a neurastenia, resultado de excessos sexuais, e
as neuroses de angústia, resultado de estimulação sexual não-aliviada (Freud, 1894).
96
Neuroses de Transferências ou Transferenciais – É ou uma neurose em que o paciente
é capaz de transferência, ou o interesse obsessivo pelo analista que o paciente desenvolve
durante o curso do tratamento psicanalítico.
A noção de histeria deriva dos antigos gregos que aplicavam o termo apenas a doenças
de mulheres, explicadas como devidas ao mau funcionamento do útero (hysteron). Segundo
determinada teoria, o útero constituía um órgão móvel, capaz de movimentar-se pelo corpo e
pressionar outros órgãos; de acordo com outra teoria, a abstinência sexual conduziria à
“inanição do útero” ou a retenção de espíritos animais não utilizados, que saíam para fora do
útero, provocando a perturbação de outros órgãos. Um dos efeitos da Psicanálise foi demolir as
teorias uterinas da causa da histeria, enquanto retinha a idéia de que, de certa maneira, ela se
vincula à sexualidade. (Para a história do conceito v. Veith, 1965).
A teoria clássica distingue entre duas formas de histeria: a histeria de conversão que
corresponde ao conceito médico tradicional, e a histeria de angústia, hoje mais comumente
conhecida como fobia. A histeria ocupa lugar importante na história da Psicanálise, já que esta
começou com a publicação dos Estudos sobre a Histeria (1895), de Freud e Breuer, livro em que
os sintomas histéricos são explicados como resultado de lembranças reprimidas e da conversão
de idéias em sintomas físicos.
97
curioso, para o qual Wisdom chamou a atenção, é que Freud jamais formulou definitivamente
seus pontos de vista sobre a histeria, e que é extremamente difícil descobrir qual seja a teoria
clássica dessa doença. Existe, contudo, tendência a supor que o ponto de fixação histérico
ocorre durante a fase edipiana e seus mecanismos de defesa característicos da repressão e a
dissociação.
Melanie Klein também silenciou sobre o tema da histeria, e o único adepto da teoria
dos objetos a interessar-se por ela foi Fairbairn, que denominou uma de suas técnicas
defensivas de “histéricas” e sustentou que as origens da histeria residem na posição esquizóide.
Segundo Veith, a histeria é doença quase extinta, que só ocorre entre “as pessoas sem
instrução, dos extratos sociais inferiores” [4].
Capítulo 9
98
exteriorizadas evidenciam necessidade de um aprofundamento do ponto em questão. Por isso a
necessidade de anotação dos pontos, principalmente, que antecedem tais manifestações.
Cada resistência deverá ser isolada e confrontada. Devemos levar o paciente a uma
condição de consciência externa de suas inibições. Oferecer-lhe a consciência daquilo que até
então se encontrava inconsciente, ainda que constitutiva de sua mais íntima realidade.
O psicanalista deve colocar o paciente totalmente à vontade para tratar dos assuntos
que evidenciou evitar. Sobretudo, o psicanalista deve ter plena consciência que todo ser,
mesmo em silencio, está a pensar, respeitando assim as elaborações silenciosas do paciente.
Devemos anotar os temas e pontos que julgamos desencadear elaborações silenciosas,
buscando esclarecer, reforçar e evidenciar tais elaborações.
99
anotar sempre, confrontar e esclarecer, sendo que este esclarecimento pode ocorrer em
momento e sessões posteriores que tiveram suas manifestações anotadas pelo psicanalista.
A elaboração (...) possibilita que uma compreensão interna (insight) provoque uma
mudança (...), ocorre depois de uma compreensão interna.
100
A elaboração, segundo Ralph Greenson, é o fenômeno que mais tempo ocupa na
terapia psicanalítica. Ocorrendo, quase em sua totalidade, fora da sessão, utilizando-se dos
elementos desencadeados pelo procedimento anterior de interpretação.
O paciente poderá ser arrastado por níveis outros de estímulos, advindos dos meios
externos. Meios estes, novos, por sua súbita mudança, podendo, pela falta de respostas
compatíveis, sustentáveis e equilibradoras serem devolvido aos meios e padrões anteriores,
mais leves, havendo estes sido “teoricamente” e por “elaboração” interna, já ultrapassados.
Necessitam, contudo, do elemento “reforço” à sustentabilidade e harmonia “equicopartícipe”
interacional.
Capítulo 10
101
ALIANÇA DE TRABALHO
A aliança de trabalho é favorecida pelo ambiente de trabalho, pela presença do analista, o divã
e fundamentalmente pela necessidade e busca pessoal do paciente em ser ajudado, em querer
descobrir e livrar-se de elementos que acredita bloquearem sua evolução, seja esta material,
física, espiritual, social. Enfim, quer e busca ser ajudado, vendo no psicanalista, o psicoterapeuta
que, pelo “status” conceitual pessoal de “Psicanálise” irá curá-lo.
102
As primeiras sessões conduzem paciente e psicanalista a uma série de pontos que
necessariamente auto-exigem rastreamento. O paciente, na primeira sessão, deverá receber,
por parte do psicanalista, toda atenção de quem julga merecer seus “indecifráveis problemas”.
É comum o paciente não saber por que procurou o psicanalista. É comum o paciente
não conseguir falar quase nada em uma sessão. É comum, nas primeiras sessões, o paciente
não querer nem mesmo relaxar no divã. Alguns levam muito tempo para se entregar
totalmente.
Ele tem medo de ser “desmascarado”. Vê o psicanalista como o único ser capaz de
descobrir tudo sobre ele, ainda que este “tudo” não represente erros. Todavia, receia ser
invadido, dominado. Estas são as bases das “resistências”.
103
Capítulo 11
ABRANGÊNCIA DA PSICANÁLISE
104
Psicose Maníaco-depressiva – psicose caracterizada por desequilíbrios mentais
(ciclotimía), com períodos de excessiva exaltação ou profunda depressão.
Vícios – desarmonia com os meios por hábitos insalutares, podendo ser aprendidos.
Análise de Experiência
105
Preliminarmente, a primeira sessão objetiva demarcar limites,
conceitosexperimentais: paradigmaximizar o mundo conceitual e experimental do paciente,
bem como sondar os seus principais traumas, responsáveis pelos níveis tensionais de aceitação
e rejeição “axio-catéxicos”, campos onde a cliniocoterapia psicanalítica evoluirá em sessões
seguintes.
▪ Os mais cultos, sem profundo conhecimento, sabem que a Psicanálise trata o ser a
partir de relatos de problemas pessoais. Estes sabem da existência de um “divã” onde
“a pessoa se deita” e relata ao psicanalista suas angústias, medos, traumas, frustrações
e também seus prazeres, sonhos e ideais;
Capítulo 12
RESISTÊNCIA
107
A Psicanálise, também pela análise das associações livres, ainda apoiada nas
resistências e transferências, amplia os horizontes internos dos pacientes que “limitados”,
“inconscientes” e, sobretudo, “carentes” de respostas aos seus sofrimentos e desajustes sociais,
desarmonias familiares, perturbações econômicas e toda a ordem de “problemas
psicossomáticos” até a “psicogênese”, estejam dispostos a entregarem-se a uma clínico-terapia
psicoterapêutica psico-estabilizadora, psicoconfrontadora, psico-libertadora, psico-
reprogramativa, psico-projetiva e psicocriadora. Deve a Psicanálise sustentar as bases internas
do ser. É um tratamento com força de antibiótico e com poder de cura e rejuvenescimento,
capaz de tirar um jovem das drogas e fazer um idoso nadar, sorrir. Tudo isto, a partir da
libertação do ser, das amarras internas.
A Psicanálise, por trabalhar nas bases dos conceitos, traumas, atrações, valores e
pensamentos reprimidos, torna-se um método de indispensável preparação do paciente para os
desafios que no seu decorrer, inevitavelmente surgirão, resultando em evolução
psicomaturacional.
Resistência quer dizer oposição. Todas aquelas forças dentro do paciente que se opõem
aos procedimentos e processos da análise (...) que impedem a associação livre, que
bloqueiam as tentativas do paciente para recordar, obter e assimilar a compreensão
interna, que agem contra o ego racional do paciente e contra seu desejo de mudança (...).
(Freud, citado por Ralph Greenson)
E ainda:
A resistência pode ser consciente, pré-consciente ou inconsciente e pode ser expressa por
meio de emoções, atitudes, idéias impulsos, pensamentos, fantasias ou ações (...), em
108
essência, uma força opositora no paciente, agindo contra o progresso da análise, contra o
analista e contra os procedimentos e processos analíticos.
Vemos tal força opositora, como a necessidade de o paciente manter sua individualidade,
manter-se senhor de si mesmo. Continuar no domínio pleno do comando de sua vida. A
resistência não é algo ruim, funciona como uma defesa sobre campos da consciência que,
se aflorarem podem colocar em risco a vida do paciente. Por esta razão, somente um
psicanalista pode trabalhar tais energias.
“Antes que possamos analisar uma resistência devemos estar aptos a reconhecê-la”.
Nossa consciência acusa que para uma melhor demonstração teórica do conceito concreto de
“resistência”, devemos oferecer diversas e múltiplas citações de Ralph Greenson.
Sugerimos aos pesquisadores lerem todas as citações a seguir, retomando-as uma a uma, até
que o conceito de resistência fique bem identificado. Não há porque se autocobrar um
entendimento na primeira, segunda ou terceira citações. Acreditamos que ao término da
leitura, os colegas terão como evidentes os conceitos gerais das “resistências”.
109
(...) as resistências aparecem numa variedade de maneiras complexas e sutis, em
combinações ou formas misturadas e que os exemplos individuais e isolados não
constituem a regra (...).
(...) um paciente pode descrever animadamente alguma atividade agressiva durante uma
sessão com o objetivo de bloquear a narração de uma experiência que poderia
demonstrar que ele está enfrentando (...).
“(...) parece que você transformou alguma coisa em nada, o que seria”?
Todo o ser, mesmo em silencio, está a pensar, a elaborar situações, ler ambientes,
observar gestos e movimentos, identificar sons, lembrar e recordar, projetar e planejar.
110
Resistências
“(...) o silêncio é uma resistência à análise e tem que ser manejado como tal
(...)”.
Devemos aqui bem interpretar Ralph Greenson, quando diz ser o silencia uma
resistência. O silêncio, como toda resistência, é um elemento importantíssimo para a análise. A
partir das resistências, o psicanalista colherá o conteúdo latente (enquanto silêncio manifesto),
todavia elaborado em silêncio e, se permitida sua elaboração pelo psicanalista, colherá os
resultados dessas elaborações para o aprofundamento interpretativo e esclarecedor da
Psicanálise.
(...) Nossa tarefa é a mesma: investigar por que ou o que é que o paciente não está
com vontade de falar (...). O estado de não sentir vontade de falar, tem uma causa ou causas e
nosso trabalho consiste em fazer o paciente trabalhar nessas causas (...). É, basicamente, tarefa
semelhante à investigação do – alguma coisa – inconsciente que provoca o – nada – consciente
na mente do pacientes silencioso.
(...) Suas observações são secas, insípidas, monótonas e apáticas (...). Temse a
impressão de que o paciente está alheio e desligado do que ele está relatando. Isto é
particularmente importante quando a ausência de afeto diz respeito a fatos que deveriam estar
cheios de profunda emoção. Em geral, a inconveniência da emoção é um sinal bem
impressionante de resistência. Há uma qualidade bizarra no que o paciente diz quando a
ideação e a emoção não estão de acordo (...).
111
Ralph Greenson, após suas palavras da citação supra, relata brevemente um exemplo
de “afetos indicando resistência”.
Ilustra Greenson com o episódio de um paciente que mesmo relatando haver vivido sua maior
experiência sexual, mantinha um mesmo tom de voz, sem passar nenhuma emoção. Greenson,
ao questionar o aspecto felicidade de seu paciente, comprovou que tal experiência havia sido
frustrante, já que o paciente confessou haver se tratado de uma despedida, o que justificava
seu relato com total ausência de emoção.
A postura do paciente...
(...) Muitas vezes, os pacientes vão demonstrar a presença da resistência pela posição
que assumem no divã. Rigidez, contração muscular, o corpo encolhido como proteção contra
uma ameaça. Tudo isso pode indicar defesas. Acima de tudo, qualquer posição inalterada, que é
mantida durante toda uma sessão ou sessão após sessão, é sempre um sinal de resistências, a
sua postura muda um pouco durante a sessão. Movimentos excessivos também indicam que
alguma coisa está sendo descarregada em movimentos e não em palavras.
Fixação no tempo...
(...) Em geral, quando um paciente está falando com relativa liberdade, haverá
oscilações entre o passado e o presente em suas produções verbais. Quando um paciente fala,
firme e inalteradamente, sobre o passado sem entremear qualquer coisa sobre o presente ou
112
se, ao contrário, um paciente fala continuadamente sobre o presente sem mergulhar
ocasionalmente no passado, há alguma resistência em ação. Prender-se a um determinado
período de tempo é uma fuga, semelhante à inalterabilidade no total emocional, postura (...).
Segundo Ralph Greenson (p. 73 F ) quando um paciente está entediado, significa estar
reagindo contra alguma fantasia. Quando o tédio é do analista, ele está bloqueando fantasias
113
em relação ao paciente. A este tipo de bloqueio do analista, Ralph Greenson chama de
contratransferência.
Atuação
Quando os segredos são conscientes por parte do paciente, está ele a “evitar” algo.
Cabe ao psicanalista respeitar a reserva do paciente. Se, no entanto, os segredos forem
inconscientes, podem criar reservas na personalidade do paciente, interferindo inclusive em seu
comportamento. Para estes comportamentos, devemos utilizar um dos passos de
aprofundamento investigatório psicanalítico, confrontando e esclarecendo tais pontos (...).
Dos acidentes físicos, doenças em geral, perdas econômicas, lutos, entre outros
elementos constitutivos da vida sócio-conjuntural, física e social e, mesmo natural, surgem
traumas. Estes traumas que se arraigam no âmago do ser, em profundezas extremas, formam
114
as psicopatologias. Estas podem ser removidas pela Psicanálise através de “cirurgia
psicotraumatosugestiva”.
Capítulo 13
A TEORIA DA RESISTÊNCIA
Segundo Fernichel, citado por Ralph Greenson (p. 83-F), devemos diferenciar o fato:
115
• como ele o faz?
• um perigo;
O comportamento defensivo sempre criará uma fonte de descarga para aquilo que
está sendo protegido. Fernichel, citado por Greenson, afirma que todo comportamento tem
defensivos e impulsivos. Esta impulsividade, pelo que podemos observar, são reações de
descargas para desviar a atenção do objeto, do ser, da coisa ou mesmo do conceito e, ainda, do
comportamento que queremos preservar. O trabalho do psicanalista exige muita atenção e
preparo para detectar estas armadilhas defensivas.
Observe-se que estas “defesas” objetivam preservar o ser. Todavia, sob análise, o
psicanalista desempenhará o papel da “parede de retorno”, desbloqueando pensamentos e
lembranças, interpretando-as em conjunto com o paciente e, sobretudo, permitido ao paciente
reorganizar seus valores internos.
Tente imaginar uma bibliotecária que se propõe organizar uma biblioteca onde
diversos alunos não repõem os livros nos seus devidos lugares. Pior ainda é que em muitas
situações psicanalíticas, a reorganização assemelha-se a uma biblioteca (mente) cujos livros,
depois de usados, foram colocados aleatoriamente nas prateleiras.
116
O psicanalista, tal como a bibliotecária, primeiramente fará um levantamento de todos
os livros, assuntos e autores para, só então, propor-se arranja-los corretamente. Uma vez
retirados os livros dos lugares, o elemento tempo é imprescindível para a reorganização da
biblioteca. Da mesma forma, a mente investigada na Psicanálise, deverá sofrer impactos e uma
momentânea desorganização. Gradativamente, o paciente respirará os frutos da boa
Psicanálise, da “faxina mental” a que está sendo submetido.
As Resistências
Ao contrário das “defesas”, segundo Anna Freud, citada por Ralph Greenson, as
“resistências” não são apenas obstáculos ao tratamento, mas também importantes fontes de
informação sobre as funções do ego em geral. São as “defesas” que vêm à tona durante o
tratamento, como resistência, realizando importantes funções para o paciente em sua vida
externa. Estas defesas também se repetem nas reações transferenciais.
Greenson cita Anna Freud e Fernichel para bem relacionar os motivos e mecanismos
de defesa com os motivos e mecanismos de resistência, segue: (...) Ao falar de motivo de
defesa, estamos nos referindo àquilo que fez uma defesa ser ativada, A causa imediata é
sempre a fuga de alguma emoção dolorosa como a ansiedade, a culpa ou a vergonha. A causa
mais longínqua é o impulso instintual subjacente que instigou a ansiedade, culpa ou vergonha.
Capítulo 14
117
O PERIGO E A EVOLUÇÃO PSICOTRAUMATOSUGESTIVA
(...) As situações de perigo que podem despertar um estado traumático, passam por
uma seqüência de desenvolvimento e mudança com as diferentes fases de maturação (...) (p.
87-F).
Medo do Abandono
118
Este também é um estágio conseqüente do primeiro, e se manifesta
concomitantemente às primeiras experiências rejeitivas amorosas. A rejeição se manifesta pela
necessidade de individualismo e defesa contra o domínio pleno e total daquele ser que pensa
estar sendo rejeitado. Todavia, ele próprio é quem impõe barreiras a serem superadas por
quem acredita amar. Estas barreiras são paradigminimizativas à acomodação limitatória de
quem se busca auxiliar. No entanto, isto se dá de forma inconsciente, ainda que sempre
conseqüente. Nesse momento, tanto limitamos a trajetória de seres que se encontram sob o
nosso raio de ação, quanto sofremos os efeitos experimentais avançados reativos equivalentes
a nossa própria força e exigências.
Medo da Castração
119
Na menina e na mulher este medo manifesta-se como na fase de amamentação, o
medo de não dispor de alimentos, de faltar-lhe o próprio ar, luz, água (evoluções inconscientes
de alimentos). Falta de ar e uma série de incontáveis desdobramentos surgem e manifestam-se
como reações físicas, psicossomatológicas, podendo alcançar o “status” de patologias leves,
crônicas e mesmo fatais. A ameaça da perda do alimento na fase de amamentação poderá
desdobrar-se de tal forma na vida futura do ser que tudo o que abordamos e levantamos nesse
tocante pode não representar um por cento das possibilidades reais de seus desdobramentos e
manifestações como reflexas da insegurança, medo e iminência de perigos.
Repetição
120
“Do ponto de vista técnico, a compulsão à repetição pode ser mais bem manejada
terapeuticamente identificando-a como uma tentativa de domínio atrasado de uma situação
traumática antiga” (p. 88-F).
Resistência e Regressão
Regressão caracteriza-se pelo retorno a uma forma mental mais primitiva e antiga.
(Freud, por Ralph Greenson, p.88-F).
(...) A pessoa tem a tendência de retornar àqueles pontos de bloqueio que foram
pontos de fixação em outros tempos (...) (p.88-F).
121
encontre dificuldades em seu caminho, vai voltar àqueles pontos onde deixou as tropas de
ocupação mais fortes (...) (p. 89-F).
122
Compulsão, repetição e adesividade da libido, estas, por exigirem elaboração. Para
Freud, eram resistências do id.
• malvadeza;
• provocação;
• teimosia;
• vergonha;
• sadomasoquismo;
123
▪ passividade;
▪ introjeção;
▪ identificações;
▪ fantasias de suicídio;
▪ vício em drogas;
▪ anorexia e bulimia;
▪ choro;
(...) A repressão entra na situação analítica quando o paciente “esquece” seu sonho ou
a hora da sessão ou sua mente se esvazia, esquecendo-se de experiências decisivas ou as
pessoas chaves do seu passado ficam encobertas (...) (p.98-F).
Para aqueles que buscam estudar isoladamente os tipos de defesa, Ralph Greenson
recomenda-nos a leitura e pesquisa em Anna Freud (1936, pp. 45-48) ainda em Fernichel,
(1945, cap. IX).
124
Atuação e Resistências de Caráter
Atuação - (...) representação de um fato passado, mas no presente, que é uma versão
ligeiramente distorcida do passado, mas que parece coesa, racional e egossintônica para o
paciente. Todos os pacientes entram em alguma atuação durante a análise. Nos pacientes
inibidos isto pode ser um sinal positivo. Alguns, contudo, são propensos a atuações prolongadas
e repetidas, o que dificulta ou então impossibilita a análise (...) (p. 99-F)
Resistência Transferencial
125
aquelas desenvolvidas por pacientes porque eles têm reações transferenciais;
aquelas desenvolvidas por pacientes para evitar reações transferenciais.
Capítulo 15
126
As principais neuroses transferenciais observadas por Freud e confirmadas por Ralph
Greenson, são:
As Histerias
Depressões Neuróticas
127
Neuroses de Caráter
▪ Crises nervosas: momentos de alta ação. Por elevação da freqüência cíclica cerebral,
motivada por lembranças, quanto por reação a estímulos externos. A
“alta ação” pode ocorrer sem que notemos variações comportamentais, reservando ao
enfermo: reações conversivas, sono, paralisia; catalepsia e anestesia.
▪ toda a defesa, sabemos, encobre, protege algo. Logo, os seres convivem com múltiplos
problemas, sendo que alguns necessitam, para sua equação, contar com fatores outros,
que somados, formarão os elos à feliz e ideal resolução;
▪ até que se formem os elos necessários, muitos problemas, são armazenados em níveis
profundos de memória. Tão profundos são que, às vezes, os elos que os ligam com a
consciência se perdem. Centenas de outros problemas cujas soluções acreditamos
possuir são depositadas sob as bases do problema maior não solucionado;
▪ muitas fortunas são formadas sob bases de tensões inequacionáveis. Todavia, após a
equivalência tensional, a solução pode emergir facilmente;
129
▪ A Psicanálise preocupa-se em substituir as bases tensionais, oferecendo o mais
próximo, e também o mais sólido elo a sustentar os ideais que impulsionam o existir
daqueles que dela lançam mão para evoluir vertohorizontalmente;
(...) Tais resistências são, portanto, difíceis de serem identificadas pelo analista e pelo
paciente e é mais difícil estabelecer uma aliança de trabalho em relação a elas (...) (p. 102-
Fonte).
130
eles invadem seu corpo (...). (Ocorrido em Boa Vista , RR, em 26 de abril de 2000). Reservo-me
não citar o nome do médico e hospital.
Esta moça, a partir deste momento, sofrerá uma série de abalos psíquicos agravantes,
tanto de sua alergia quanto de distúrbios biofisiológicos, sejam esfincteriais, sejam dispnéias,
sejam de insônia, entre uma infinidade de fobias.
Esta indefesa paciente, durante sua consulta, perguntou à médica pediatra se poderia
praticar exercícios físicos (musculação). A médica disse sim, todavia, sem nenhum
aprofundamento histórico investigatório (anamnese), prescreveu uma série de medicamentos
para ser administrado antes dos exercícios.
Não houve por parte da médica nenhuma maldade ao criar o quadro de terror que
deverá transformar-se em pesadelos noturnos, acompanhados de sudorese, malestar, elevados
pela fobia ali iniciante, base para implicações futuras em distúrbios do pânico e histerias.
131
Uma pessoa alérgica conta com um sistema imunológico perfeito, como um imenso
radar capaz de acusar distúrbios em uma fase precoce, servindo de base a uma medicina
preventiva (...).
Capítulo 16
132
Anti-depressivos: tabagistas, alcoólatras (dipsomania), coffea arábica, carmellia
sinense, barbitúricos.
(...) para se analisar uma resistência, o paciente, primeiro, deve estar sabendo que há
uma resistência em ação. A resistência tem que ser demonstrável e o paciente tem que se
defrontar com ela. Em seguida, a variedade especial ou o detalhe preciso da resistência tem que
ser muito bem enfocados. A confrontação e o esclarecimento são adjuntos necessários à
interpretação (...) (p. 106-F).
133
Forças que são Favoráveis ao Psicanalista, aos Processos e aos Procedimentos
Psicanalíticos
▪ O ego racional consciente do paciente que não perde de vista os objetivos de longo
alcance e tem uma noção da base lógica da terapia;
▪ O id, o reprimido e seus derivativos; todas aquelas forças dentro do paciente à procura
de descarga e com tendência para aparecer nas produções do paciente;
134
▪ O superego irracional que exige sofrimento a fim de expiar uma culpa inconsciente;
▪ Os ganhos secundários da doença neurótica que tentam o paciente a ficar preso à sua
neurose.
(...) Estas são as forças que a situação analítica mobiliza no paciente. Quando se ouve
um paciente, convém trazer em mente esta divisão bem simplificada de forças. (p. 108-Fonte).
Capítulo 17
135
(...) O analista escuta com atenção flutuante uniforme. Não se faz uma tentativa
consciente para se lembrar. O analista vai se lembrar dos dados importantes se ele presta
atenção e se o paciente não está despertando as reações transferenciais do próprio analista. A
atenção não-seletiva, não-direcionada governará nossas próprias tendências especiais e
permitirá que o analista acompanhe a conduta do paciente. Dessa atenção flutuante uniforme o
analista pode oscilar e fazer misturas com o que veio de suas associações livres, empatia,
intuição introspecção, raciocínio solucionador, conhecimento teórico (...) (p. 108-109-F).
Anotar tudo quanto o paciente diga é negativo à boa análise. Contudo, são importantes
as anotações, desde que não prejudiquem o fluxo da atenção flutuante do psicanalista.
Um paciente cujo pai faleceu de infarto tem ele medo de morrer (tanatofobia) do
mesmo mal do pai, com freqüentes sufocações, sudorese e oscilações na pressão arterial. No
momento em que o psicanalista “confronta”, isto é, faz esta associação, é comum, o paciente
dizer: “não, o que eu sinto não tem nada a ver com a morte do meu pai”. Exatamente aí está
uma resistência a ser trabalhada, aprofundada, esclarecida, interpretadas e sofrer elaboração.
136
Para se deixar elevar e mesmo evidenciar uma resistência, o psicanalista deve ser capaz de
açular, resistir e suportar. Estes elementos são pré-requisitos indispensáveis ao bom
psicanalista.
Uma jovem de vinte anos, após quarenta e cinco minutos de sessão, sempre chorando
e soluçando, com sérios transtornos oriundos de incompreensões, desafetos, drogas... Nos
últimos cinco minutos, sem saber onde encontrar o ponto inicial a ser trabalhado, com um
mínimo de possibilidade para saber a origem de tamanha lamúria, coloquei-lhe o seguinte
problema: estamos em um navio que está afundando e você só pode salvar uma pessoa. Quem
você salvaria? Perguntou-me: - “qualquer pessoa, mesmo sem ser da família?” Reforcei - o
tempo está se esgotando, quem você salvaria? – Minha mãe! – Continuei: - sobrou um lugar,
quem mais você irá salvar? Respondeu-me a jovem sem pestanejar: - Obi. Indaguei: - quem é
Obi? – “Um amigo que conheci quando eu tinha onze anos”. Pedi que me falasse sobre ele.
Atendendo-me: “Eu o conheci no enterro de seu pai. Ele chorava muito. Hoje ele tem vinte e
sete anos. É uma pessoa muito problemática. Tem muito problema interior”.
Nesse momento, encerrei a sessão, pois, uma senhora de setenta anos aguardava na
sala de espera. Pude, contudo, encontrar um forte elo que deverá nortear as próximas sessões.
Obi pode ser real ou fantasia, todavia, é a maneira que a minha jovem paciente encontrou para
falar de si própria. Sendo Obi real, suas impressões marcaram profundamente a jovem;
possivelmente, ela o tenha invejado, ainda que inconscientemente. Em uma situação como a
que foi por ela colocada, Obi deveria ter o universo girando ao seu redor. Criança, onze anos, no
enterro do pai. Tanto ela pode tê-lo invejado pelo universo que o cercava, como por estar ele
livre do seu pai, já que ela, pelo menos na atualidade, sofre muito com as trocas hostis entre o
pai e a mãe, o que pode acontecer desde sua remota infância. Certamente, estando todas
refutadas, Obi é o que de concreto possuo para investigar as origens de tanta tristeza da jovem.
O Esclarecimento da Resistência
137
relacionado com a morte por infarto de seu pai) evidenciam-se três caminhos para o decurso da
análise, sendo:
Greenson (p.116 do mesmo livro-fonte) alerta-nos que devemos estar conscientes que
o motivo imediato da defesa e da resistência é evitar o sofrimento (afetos dolorosos).
(...) Se o paciente parece estar vivenciando um afeto como se fosse uma criança (...):
“Você parece assustado”. Porque essa é uma palavra infantil. Jamais diria: “Você parece
apreensivo” porque não seria um modo de falar adequado, essa é uma palavra adulta. Além
disso, “assustado” é evocativo, desperta cenas e associações ao passo que “apreensivo” é banal
(...) (p. 117-F).
138
Procedimentos Gerais na Análise das Resistências
▪ Que o paciente pensa que para ser bom paciente, ou melhor, pensando erroneamente
que um bom paciente não tem resistência, fala o tempo todo, ainda que de
banalidades;
▪ O paciente tem, nestes casos, medo de se encontrar com novas resistências, tendo que
enfrentar novos esclarecimentos.
O psicanalista, para o bem do próprio paciente e da boa análise, deve ser exigente em
relação aos segredos. Nenhuma exceção deverá ser feita ou concedida para segredos do
paciente. Um segredo pode tornar-se o véu ou cortina atrás dos quais tantos outros irão
esconder-se.
139
O Paciente Determina o Assunto da Sessão (p. 161-F)
Deixar o paciente começar cada sessão com um conteúdo manifesto que o está
preocupando e não forçar seus interesses sobre ele. Se o material da sessão anterior
parecia muito importante para você, você deve deixar de lado seu interesse e acompanhá-
lo enquanto estiver trabalhando produtivamente.
O paciente escolhe o material com que vai começar a sessão, mas nós
selecionamos do seu material aquilo que achamos ser ou que deveria ser sua preocupação
real. Por exemplo: o paciente nos fala de seus prazeres sexuais, mas nós selecionamos seu
embaraço ao falar de sexo. Escolhemos aquilo que achamos que está realmente
preocupando o paciente, embora ele possa estar inconscientemente desligado disso. Pode
fazer-se uma analogia com sonho e dizer que o paciente escolhe o conteúdo manifesto e
nós agarramos o material latente significante.
Resistências Secundárias
140
voltar, voltar atrás e analisar o significado, o objetivo ou o conteúdo de cada resistência. Isto é
verdadeiro enquanto o paciente parece superar sozinho a resistência e se consegue comunicar
de maneira significativa (...) (Ralph Greenson, p. 161-F).
Diante da verificação dos temores reais dos pacientes, Greenson adotou a seguinte
postura: Não se preocupe, não vou deixar que você se machuque ou machuque a mim...
141
Toda escola psicanalítica divergente pode ser descrita por alguma aberração na maneira pela
qual se lida com a situação transferencial.
Greenson (p.171 a 180 do livro fonte) define cinco características gerais dos quadros
clínicos, sendo:
1. Inadequação;
2. Intensidade;
3. Ambivalência:
4. Inconstância:
142
5. Tenacidade.
143
Elementos de Transferência
3. Transferência e repetição;
4. Transferência e regressão;
5. Transferência e resistência;
6. Neurose de transferência.
144
2. Transferência e funções do ego. Nesta situação, o paciente abandona,
temporariamente, algumas de suas funções que testam a realidade.
Existem dois pontos gerais que devemos ter em mente quanto à regressão na
transferência. No paciente neurótico em tratamento vemos regressões temporárias e
progressões temporárias. O paciente analisável pode regredir e sair dessa regressão. Os
fenômenos regressivos são, em geral, circunscritos e não-generalizados. Por exemplo, podemos
ver uma regressão no id manifestada por impulsos sádico-anais em relação às figuras com
autoridade. Ao mesmo tempo, os impulsos instintuais por um objeto amoroso podem estar
agindo num nível mais elevado, e determinadas funções do ego podem estar bem evoluídas.
145
cuidado. A explanação de Anna Freud sobre a regressão ilumina e esclarece muitos desses
problemas.
O que parece ser auto-suficiência pode ser uma resistência contra a revelação de uma
dependência subjacente. O desejo de ser amado pode provocar benefícios terapêuticos
superficiais, ao passo que pode encobrir um medo profundamente enraizado de perda objetal.
Em geral, a natureza regressiva das relações transferenciais se manifesta pela inadequação, pela
ambivalência e pelo predomínio relativo das tendências agressivas.
A regressão das funções do ego que ocorre nas reações transferenciais pode ser
demonstrada de várias maneiras. A própria definição de transferência o mostra. O
deslocamento denota que no presente está sendo parcialmente confundido com um objeto do
passado. Fica temporariamente perdida a função discriminatória do ego, o teste da realidade.
Aparecerão mecanismos mentais primitivos como a projeção, a introjeção, a divisão e negações.
146
Os aspectos regressivos da transferência também influenciam o superego. E o indício
mais comum desse fato é o aumento da severidade nas reações do superego do paciente que
são deslocadas para o psicanalista. No início há, em geral, um predomínio das reações de
vergonha.
Antes de encerrar esta breve explicação sobre regressão devemos salientar, ainda uma
vez, que o cenário e procedimentos analíticos desempenham um importante papel para
aumentar ao máximo o aparecimento dos aspectos regressivos dos fenômenos transferenciais.
147
em que não se pode confiar porque têm altos e baixos e também provoca “melhoras
transferenciais” superficiais que são decepcionantes.
148
cotidiana. Tais traços estão de tal forma enraizados na estrutura de caráter do paciente e estão
racionalizados de forma tão primorosa que se tornam difíceis de ser analisados.
149
do paciente, mas é uma doença artificial e é acessível à nossa intervenção em todos os pontos.
É uma nova edição de uma doença antiga.
(...) O núcleo seguro da aliança de trabalho é formado pela motivação do paciente para
superar sua doença, sua sensação de desamparo, sua disposição racional e consciente em
cooperar e sua aptidão para seguir as instruções e compreensões do analista (...). A aliança real
se forma basicamente entre o ego racional do paciente e o ego analisador do analista (...).
150
Capítulo 18
O primeiro objetivo do tratamento continua sendo fazer com que ele (o paciente) se
prenda a ele (rapport) e à pessoa do médico. Para garanti-lo nada é preciso fazer a não
ser dar tempo ao paciente. Se alguém mostra um interesse sério por ele, supera
cuidadosamente as resistências que brotam no início e evita cometer determinados
erros, ele, por si mesmo, criará este apego... Certamente é possível desperdiçar este
primeiro êxito se, desde o início, for adotado qualquer ponto de vista que não seja o da
compreensão compassiva.
(...) O termo “real” na frase “relacionamento real” pode significar realista, voltado para
a realidade ou não-distorcido, se comparado com o termo “transferência” que conota irreal
distorcido e inadequado (...) (p. 240-F).
151
Problemas na Visão Psicanalítica
152
Maior problema – menor é a capacidade de solução, a „tomada de
decisão‟ de quem o administra.
Denominamos “problema” aquilo para o qual não temos solução ou, ainda, sabendo
existir solução, existem complexidades, particularidades, implicações e ramificações. Não se
encontram definidos e claros todos os “trechos” a serem trilhados até a equação efetiva da
questão.
153
A franqueza do psicanalista é fundamentalmente em questões políticas e sociais. A
franqueza do psicanalista é fundamental à boa análise. Este deve colocar de forma clara ao
paciente suas impressões pessoais sobre assuntos dos quais discorde dele e, ao mesmo tempo,
seja de interesse do paciente, por questões econômicas e políticas, manter-se contrário ao
analista. Particularmente acredito ser possível, em contextos de divergências sócio-políticas e
econômicas, o psicanalista utilizar-se dos princípios elementares à condição clínica terapêutica
ou seja “acumular", “resistir”, “suportar”.
▪ Acumular - O psicanalista deve ter, como uma de suas principais condições e pré-
requisitos para a análise, a capacidade de acumular. Esta capacidade, literalmente,
consiste em reter informações, ainda que, algumas, contrárias ao seu ponto de vista.
Deve, contudo, valer-se dessa divergência, para confrontar os pontos que sustentam o
psicanalisado, oferecendo ao mesmo, pelo aprofundamento e confrontação, maior
fundamentação e argumentação à defesa dos ideais que o mantém e ao seu statu quo.
▪ Resistir – Deve o psicanalista resistir às pressões do meio analítico, consciente que ele
próprio e sua condição privilegiada são os geradores de tudo quanto emergir do
interior do ser. Portanto, pode o clínico psicanalista resistir à vontade e impulsos
pessoais. Respirar um pouco mais fundo e dar tempo ao paciente quando em frente a
questões políticas, econômicas e sociais, permitindo-lhe experimentar o rearranjo
psico-reativo natural, sendo este, direta e inversamente inter-reativo com suas
vivências e experiências de ensaio-erro e acerto. O psicanalista pode, isto sim, diante de
tal problemática, buscar no interior do paciente os elos em tempos passados e
presente, onde houve sucesso e retorno favoráveis, sem conflitos obviamente e
distorções de valores básicos e essenciais à existência e ao evoluir humano.
154
Dentre uma infinidade de observâncias técnicas e práticas em Psicanálise, devemos
destacar o “achismo”: o psicanalista nunca deve utilizar-se desta terminologia. O “acho” deve,
entre tantas outras variáveis, ser substituído por... “cientificamente” – “em Psicanálise...” –
“dou por” – “tenho como – “vejo” – “é válido” – “observo” – “concluo” – “pressuponho” –
“relaciono” – “é possível”, expressões que indicam maior de certeza científica.
Capítulo 19
155
de ideais sublimes em busca da saúde e equilíbrio de seus pacientes poderá efetivamente
remover as angústias, medos e tensões depositadas no âmago do ser, bem como, passar a
segurança àqueles que dependem de drogas e outros tantos que sofrem das mais variadas
perturbações, esquizofrenias e neuroses, todas, sempre com profundas e dolorosas
repercussões psicossomáticas.
Com o amor conseguimos curas que sem ele tornam-se crônicas e incuráveis.
1. Transferência positiva;
2. Transferência negativa;
3. Transferência objetal;
4. Transferência libidinal;
5. Transferência estrutural;
6. Transferência identificativa;
7. Transferência gratificativa;
8. Transferência defensiva;
9. Transferências generalizadas.
156
Diante das confissões e paixões, amor e desejos deve o psicanalista manter o silêncio, preservar
sua condição de clínico, sobretudo consciente que qualquer passo em direção a atender às
buscas e anseios do paciente acarretará um bloqueio total das possibilidades de análise. Se
cobrado pelos pacientes quanto a um posicionamento sentimental deve ser capaz de retornar
ao paciente dizendo ser o seu papel entender, interpretar e permitir a elevação e expansão
psicomaturacional de seus impulsos.
Quando questionado por pacientes do sexo feminino, um tanto sofisticadas, tais como:
“Doutor, quando é que vou apaixonar-me por você?”, deve haver uma resposta objetiva: tudo o
que o paciente deve fazer é seguir a regra da associação livre, deixar os pensamentos e
sentimentos fluir livremente sem censura e relatar com o máximo de precisão possível os
pensamentos e sentimentos.
Não existe um padrão individual para aquilo que um paciente deve sentir, já que cada
indivíduo é diferente. Não há jeito de saber quais sentimentos vivenciarão os pacientes, em
especial, num determinado momento, em suas reações ao analista.
À paciente sofisticada o analista deve dizer: Eu, consciente, farei a minha parte para
que sua evolução seja leve e possível de ser visualizada. Você deve seguir a “associação livre”,
relatando tudo quanto se passar em sua mente, por mais complexo e difícil que possa parecer.
O objetivo é você caminhar livremente, sem deixar que barreiras se agigantem em sua trajetória
evolucional, mesmo que uma dessas barreiras sejam seus “sentimentos pelo analista”. Da
mesma forma seus sentimentos pelos pais e irmãos, ex-namorados e outras situações amorosas
não podem e não devem refrear sua escalada psicomaturacional.
157
Uma pedrinha recolhida por nós passa a ser diferente das outras e, por ela,
interiorizamos sentimentos, os quais são qualificados e dimensionados em energia libidinal,
assumindo valor catéxico.
158
Os pacientes e clientes querem e buscam referenciais, esclarecimentos,
direcionamentos. Os pacientes e clientes de Psicanálise, precedentemente, acreditam que o seu
psicanalista é perfeito, alguém que pode auxiliá-lo na auto-realização. Ele é alguém que
evidenciará caminhos, que os tirará dos problemas.
Pelas razões supra, e pela fisiologia detalhadamente exposta, o analista vem a formar sozinho a
parede de retorno total do ser, conquistada ao longo de uma existência. A partir dele conceitos
serão validados ou refutados. Ela passa a ser o referencial de verdade, de real e irreal, de
mentira, de medo, de bem- estar, de certo e errado, de possibilidades concretas...
Verificamos que o ser sob análise está vulnerável às interpretações e tendências do seu
psicanalista. Utilizamos “seu” exatamente porque, para o paciente, o psicanalista pertencer-lhe,
assim como sua própria consciência.
159
2 – Transferência Negativa - O termo transferência negativa é empregado por
Ralph Greenson, para designar sentimentos de transferências que se baseiam no ódio em
qualquer de suas modalidades, seus antecedentes e seus derivativos.
O método supra para classificar transferências, para uma maior aplicabilidade, deve ser
aprofundado. Para tanto é indicada a leitura de Freud (195d), Abraham (1924), Fernichel
(l945a), Erikson (1950) e A. Freud (1965). Preocupamo-nos tão somente em apresentar
160
extratificadamente a possibilidade da análise a partir desse prisma, evidenciados por Ralph
Greenson (p. 267-F).
161
perspectivas: a) seus fins por não receber o paciente a gratificação esperada; b) o
psicanalista interromper a análise, conscientizando o paciente que a gratificação
física e concreta não é o objeto da análise. O analista poderá, contudo, continuar a
análise utilizando-se desse deslocamento transferencial para exigir cada vez mais
do paciente em relação ao esclarecimento profundo de seu universo interior,
vigiando, para não gratificar sob hipótese alguma sua transferência gratificativa,
sob a ameaça de ter sua proposta analítica invadida pela apropriação do paciente,
perdendo a identidade de clínico, para dar lugar a uma identidade usurpadora,
aproveitadora e, sobretudo, abusiva da condição sempre receptiva em que se
encontram todos os pacientes.
Perde o psicanalista se vir a gratificar o paciente, perde o paciente por não mais crer na
clínica psicanalítica. Perde toda a classe psicanalítica, pelos efeitos multiplicadores e
devastadores da difusão negativa a partir de um gesto imaturo e, podemos mesmo dizer,
irresponsável.
162
recordações passadas (...); é uma defesa contra a memória (...); os pacientes atuam suas
reações transferenciais em vez de comunicá-las com palavras e sentimentos (...) (p. 287-F).
(...) como a técnica psicanalítica clássica tem por objetivo facilitar o desenvolvimento
máximo de todas as variedades e intensidades das reações transferenciais e, como os
fenômenos transferenciais surgem espontaneamente no paciente, nossa técnica deve incluir a
espera não-intrusiva e paciente (...). O uso criterioso da espera em silêncio é uma das
ferramentas mais importantes para facilitar o desenvolvimento da transferência (...). O silêncio,
no analista, pode ajudar o paciente a desenvolver e sentir uma intensidade maior das suas
reações transferenciais (...) (p. 299-F).
(...) A sugestão também tem seu lugar no manejo da transferência. Pedimos aos nossos
pacientes que associem livremente e que deixem seus sentimentos fluir espontaneamente.
Dessa maneira sugerimos que seus sentimentos são manejáveis e admissíveis. Nosso silêncio
também pode sugerir ao paciente que esperamos que ele suporte determinados sentimentos
por mais dolorosos que sejam e que isso vai levar a um final proveitoso (...) (p. 299-F).
163
O Que a Técnica Psicanalítica Deve Abranger
164
verdade Freud estava tentando evitar que o paciente fizesse uma fuga prematura para a saúde,
efetuando uma assim chamada “cura transferencial”.
Análise de Transferência
O ponto técnico importante é: sempre que uma reação transferencial de qualquer tipo
se opõe ao trabalho analítico, quando sua função predominante é resistência ou quando ela
auxilia um objetivo obstrutivo importante ainda que não predominantemente. Neste caso,
conclui Ralph Greenson a transferência, tem que ser analisada.
Mas esta regra deve ser modificada de acordo com nossos conhecimentos sobre a
aliança do trabalho. Só analisamos a resistência transferencial quando um ego racional, uma
aliança de trabalho está presente. Se a resistência à transferência é importante, mas não
demonstrável, nosso primeiro trabalho consiste em nos assegurarmos que ela se torne
demonstrável. Em outras palavras, antes de analisar devemos ter certeza da presença de um
ego racional, de uma aliança de trabalho. Para agir assim, a técnica utilizada é exatamente a
mesma que foi descrita para lidar com outras resistências.
165
Se estes dois métodos não forem eficientes, pode-se tentar intensificar a
resistência transferencial fazendo perguntas sobre aquele setor que o paciente está
tentando evitar.
Os Níveis de Intensidade
Outra regra útil relacionada com a pergunta “Quando é que devemos intervir na
situação transferencial?” – é a seguinte: o analista permitirá que a reação transferencial evolua
até atingir um nível ideal de intensidade. Mas é necessário definir o que queremos dizer com
este termo “nível ideal de intensidade”. Isto não se refere a uma quantidade delimitada, mas
depende do estado do ego do paciente e o que o analista está tentando alcançar num
determinado momento. Basicamente, queremos que a experiência transferencial seja
emocionalmente significativa para o paciente, mas não que ele seja oprimido por ela. O objetivo
é gerar impacto e não trauma.
166
Algumas vezes pode ser uma experiência significativa para o paciente mostrar o mais
leve traço de um sentimento transferencial. Este será o caso quando, ao lado de uma reação
transferencial moderadamente forte, pudermos detectar um vestígio de outra, de tonalidade
oposta.
Uma compreensão interna nova pode vir à tona enquanto estamos tentando analisar
uma resistência transferencial ou só depois que foi alcançada uma intensidade ótima.
167
Ponderações essenciais são o estado da aliança de trabalho do paciente e a clareza do
material do qual devemos fazer a interpretação ou esclarecimento. O estado do ego racional do
paciente será determinado pela natureza e quantidade das resistências. A clareza do material
transferencial a ser analisado vai depender de uma variedade de fatores. Um dos elementos
mais importantes será a intensidade e complexidade dos afetos ou impulsos em relação ao
analista. (p. 322-F).
Afetos Internos
Repetições
O paciente observa tudo por um só prisma, tanto pode ser otimista, fatalista,
negativista, positivista, cientista, místico, crente, casuísta, causualista, casualista, espiritualista.
Este paciente mantém uma linha única de entendimento. Mudam os personagens e situações,
contudo a visão causa e efeito é somente um segundo sua concepção repetitiva.
Semelhanças
168
Um paciente complacente e dócil descreve, numa sessão analítica, como se havia
descontrolado com um amigo. Estavam andando de carro por quase uma hora e o paciente
tentou fazer o amigo entrar na conversa, mas o amigo continuou quieto, dava apenas uns
grunhidos e se recusava a participar. Mas que egoísmo, que falta de consideração, que frieza! E
foi continuando a desabafar sua raiva. Quando se acalmou, Ralph Greenson lhe mostra que,
como analista, também passava quase uma hora com ele e raramente contribuía para a
conversa, exceto com um ou outro grunhido.
O paciente reage com uma risada rápida e fica em silêncio. Depois de uma pausa longa,
sorri e diz resignadamente: “Bem, nessa você me pegou”. E acrescenta com um riso engasgado:
“Juntos por quase uma hora, nada de conversa, apenas grunhidos, recusando-se a participar –
certo, você realmente parece que acertou em alguma coisa (...)”, e Greenson lhe responde:
“Você foi capaz de demonstrar uma raiva de verdade pelo seu amigo mas parece incapaz de
ficar com raiva de mim pelo mesmo motivo”. O paciente então parou de sorrir e começou a
trabalhar. (p. 326-F).
Simbolismo
A jovem fala dela mesma, cria, contudo, um veículo simbólico para pedir ajuda ao
psicanalista. Não admite ser viciada, mas no simbolismo confessa. Em outro momento, essa
mesma jovem vê um lago, depois, lá no fundo, encontra os Alpes e uma grande ponte de tabuas
falhas ligando grandes penhascos. É uma forma simbólica de admitir estar entrando ou
aprofundando seus sentidos em níveis de profunda inconsciência para dizer-nos do medo que
169
sente em relação à vida e à insegurança que sente em relação aos caminhos, aos meios e às
diversas instâncias e possibilidades que a vida oferece.
Associações-chave
Às vezes é uma única associação que nos fornece a pista mais importante para saber se
devemos interpretar a transferência, e qual aspecto dessa transferência é preciso escolher para
ir em frente.
170
algumas outras medidas técnicas se fazem necessárias devido a peculiaridades específicas dos
fenômenos transferenciais. A seguir apresentamos uma descrição geral do procedimento para
analisar a transferência.
Se, por qualquer motivo, o paciente não percebe as reações transferenciais que
desejamos investigar, temos que demonstrá-las a ele. Nesse ponto, existem muitas medidas
técnicas que nos podem ajudar (p. 330-F).
Silêncio e Paciência
Em toda a análise existem ocasiões em que se torna necessário que o próprio paciente
se conscientize de suas reações transferenciais. Nestas ocasiões seria errado o analista
demonstrá-las para o paciente. Isso é particularmente evidente quando a intensidade já não é
mais de um iniciante e quando há o risco de que esteja tirando alguma gratificação passiva ao
deixar de participar totalmente do trabalho analítico.
171
Algumas vezes a simples confrontação do paciente em sua luta para exprimir seus
sentimentos transferenciais pode ajudar a superar temporariamente a resistência. Nossa
atitude tolerante e a verbalização ajudam o paciente a perceber que sua luta é inadequada e
desnecessária. Em outras ocasiões, a confrontação constitui apenas o primeiro passo para
analisar a resistência. Teríamos, então, de passar pelas fases de esclarecimento e interpretação.
O problema decisivo é se num determinado ponto da seqüência dos fatos o procedimento
indicado será o de superar a resistência ou analisá-la.
Em outras palavras, fazemos o paciente se defrontar tanto com a resistência como com
os sentimentos que estão provocando a resistência, começando sempre pelo lado da
resistência. Assim, eu poderia dizer ao paciente: “Você parece estar lutando com sentimentos
de amor (ou ódio ou sexo), a meu respeito”. Talvez, “Você parece ter dificuldade para expressar
o seu amor (ou ódio ou sexo)”. Observe, mais uma vez, a linguagem e o tom de voz. Além disso,
Ralph Greenson sempre acrescenta a frase “a meu respeito” ou “em relação a mim”. Greenson
justifica por não querer que o paciente evite o fato de que os sentimentos em questão visam a
mim, à pessoa, não “a análise” ou a qualquer outro conceito mais impessoal (p. 331-332-F).
O Uso da Evidência
Só se utiliza uma evidência para convencer um paciente de que está tendo uma reação
transferencial no caso em que este viesse a achar que o analista tem poderes mágicos. Utilizo
esta abordagem principalmente no começo da análise como uma forma de mostrar ao paciente
como o analista trabalha para superar suas idéias mágicas sobre o analista e para ajudá-lo a
estabelecer uma aliança de trabalho. O uso da evidência, segundo Ralph Greenson, é um apelo
à inteligência do paciente (p. 332F).
172
Esclarecimento da Transferência
Uma vez que o paciente reconheceu que está envolvido numa reação transferencial,
estamos prontos, portanto, para o procedimento técnico seguinte, ou seja, o esclarecimento
técnico da transferência. Desejamos, agora, que o paciente torne mais aguçado, esclareça mais,
aprofunde mais e preencha o quadro transferencial.
Outro método valioso para esclarecer uma reação transferencial determinada consiste
em descobrir que característica ou detalhe de comportamento, no analista, funcionou como
estímulo desencadeador ou estopim. É muito comum os pacientes perceberam
espontaneamente que um determinado traço ou atividade do analista despertou uma reação
especial. Em outras ocasiões, este desencadeador transferencial não só permanece
desconhecido para o paciente como terá resistências muito fortes para identificá-lo.
Algumas vezes o comportamento do analista fará aparecer no paciente uma reação que
não só é um fenômeno transferencial porque é uma reação adequada. Finalmente, deve
compreender-se que, algumas vezes, nós, analistas, podemos ser inibidos demais para
investigar com o paciente quais das nossas idiossincrasias pessoais pode ter servido de estímulo
transferencial.
173
A Interpretação da Transferência
É preciso, algumas vezes, fazer com que o paciente enfoque diretamente suas
fantasias, particularmente quando os afetos, impulsos ou objetos transferenciais parecem
vagos, inacessíveis ou improdutivos.
174
Elaboração das Interpretações Transferenciais
Considerações Teóricas
Procedimentos Técnicos:
A Busca e a Reconstrução
175
O material precedente é um exemplo típico de como se interpretam e se trabalham
(parcialmente) as reações transferenciais de um paciente. Uma interpretação eficaz e completa
não pode ser alcançada numa única intervenção, mas exige repetição e trabalho minucioso:
▪ O psicanalista deve estar atento com o que está acontecendo na situação transferencial
depois que tiver feito uma interpretação transferencial nova ou diferente. Isso não
significa, necessariamente, que ele vá continuar com sua interpretação para o paciente;
▪ Ele pode agir assim se o paciente mostrar que está trabalhando positivamente com
aquela interpretação;
▪ Ele pode perguntar ao paciente qual é sua opinião sobre as últimas interpretações.
(Isto, se ele, analista, não vê conexões ou derivativos palpáveis no material do
paciente).
176
“Uma explosão emocional aguda pode levar o paciente a embarcar em alguma
atuação (atem out) perigosa de sentimentos transferenciais” (p. 363-F).
Nos últimos vinte anos, muitas mudanças têm ocorrido na perspectiva analítica. O tipo
de paciente que procura o tratamento é uma delas.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Psicanálise clínica ganhou forte projeção no mundo
inteiro devido às “psicotraumatosugestões” sofridas pelos combatentes diante do convívio
diário com a possibilidade de morte e também pelas fortes impressões emocionais vividas
naquele momento.
Os pacientes na atualidade são, em sua maioria, seres que querem se encontrar cem
por cento. Não buscam meias verdades. Resistem aos tratamentos químicos, com
administração de tranqüilizantes e psicotrópicos gerais. Querem simplesmente ser “normais”,
não sentindo quaisquer emoções que os desestabilizem. Querem negar a própria ordem natural
de agressões psicotraumatosugestivas.
177
Não vamos chegar ao nível máximo na busca da verdade como consta na filosofia de
Edgar Hudson, onde: “O que não é plenamente verdadeiro, não é meia verdade. O que não é
plenamente verdadeiro é plenamente falso”.
Necessitamos construir calma e equilibradamente nossa trajetória, sobretudo, com “fé nas
pequenas coisas”, pois, como bem consta da filosofia de Celso Derivi: “A fé nas pequenas coisas
é como grãos de areia, com ela removemos montanhas e construímos nosso próprio caminho, e
nem nos damos conta”.
“De vez em quando, pude ver pacientes esquizofrênicos que eram analisáveis, e
psiconeuróticos que não o eram” afirma Ralph Greenson (p. 377-F).
178
Os casos que até um passado próximo eram tidos como intratáveis, passam a sê-lo com
a abertura de um parêntese na Psicanálise, pelo clínico, e a intervenção psicoterapêutica
instrumental para, só então, retomar o método clássico analítico.
Capítulo 20
O que vai acontecendo dentro de sua própria mente acaba sendo o instrumento mais
importante de que dispõe o psicanalista para compreender a mente de outro ser humano.
Como resultado, a aptidão de um psicanalista está diretamente ligada a sua própria mente
inconsciente e à proporção em que esse inconsciente se torna acessível para ser utilizado pelo
seu ego consciente.
Exige-se realmente do analista uma inteligência e nível cultural elevados, porém, mais
importante ainda, é uma mente inconsciente compreensível e disponível.
A exigência para que todos os psicanalistas tenham feito terapia psicanalítica antes de
ter permissão de tratar psicanaliticamente um paciente não visa apenas a dar ao analista uma
convicção pessoal da validade dos fatores inconscientes e dessensibilizá-lo nas áreas em que
seus próprios problemas poderiam distorcer seu julgamento.
179
vida infantil e seus derivativos posteriores. Alguns desses conflitos estarão solucionados, outros
se terão modificado para formas mais adaptativas, outros permanecerão inalterados, mas
acessíveis.
O grau de solução desses conflitos vai, sem dúvida alguma, influenciar a aptidão que o
psicanalista será capaz de usar. Sua capacidade para alcançar satisfação instintual sem conflito
aumentará a capacidade do seu ego para neutralizar determinadas funções, intensificar as
funções autônomas do ego e a adaptatividade. O mesmo é válido para os conflitos intra-
sistêmicos (p. 406-F).
Compreensão do Inconsciente
A aptidão mais importante que o psicanalista deve possuir é sua habilidade para
traduzir os pensamentos, sentimentos, fantasias e impulsos conscientes do paciente para seus
antecedentes inconscientes (do próprio paciente). Deve ser capaz de sentir o que há por trás
dos vários assuntos de que está falando seu paciente nas sucessivas sessões analíticas.
180
1 – Intuição heurística – pensamentos que se formulam em níveis subconscientes,
aflorando repentinamente à consciência. Surgem como se do nada.
Muitos chamam estes pensamentos de “clarividência”, “vozes do além”, entre uma infinidade
de criações imaginativas. Na realidade, os pensamentos “heurísticos” formulam-se a partir de
fragmentos múltiplos armazenados ao longo da vida, aflorando à consciência repentinamente
diante de elementos e estímulos que correspondam aos elos à continuidade, expansão ou
conclusão daqueles já armazenados.
Um copo d‟água serve sempre como exemplo para uma infinidade de situações e
tentativas de visualização de processos conceituais e de expressões psicocinergéticas. Neste
exemplo, também será válido:
Imagine-se cada gotinha que se armazena em um copo vazio, enchendo-o gota a gota.
Estas gotas seriam os fragmentos múltiplos a que nos referimos. Em dado momento,
este copo estará cheio e, assim, se derramará. Este transbordar seria,
representativamente, a passagem dos níveis subconscientes para a consciência. Só se
manifestará após um limiar mínimo como suporte a vencer a parede de retorno. Até
então, nada conseguirá pinçar aqueles fragmentos tão profundamente armazenados.
Obviamente, se penetrarmos no copo, conseguiremos tocar a água. Da mesma forma,
se aprofundarmos a introvisão de algum ponto a partir consciente, formando os
devidos elos sucessórios à ligação em profundidades maiores de consciência,
conseguiremos um bom nível de “regressão”. O copo representa as “cápsulas
neurodificadoras" humanas, capazes de armazenar até dois bilhões e duzentos milhões
de imagens e palavras. Conseguem associar pensamentos e imagens de uma mesma
natureza. Conseguem regular a freqüência, tanto de armazenagem quanto de
impulsos. Interagem entre si para rearranjarem tais potenciais, possibilitando uma
infinita capacidade aos seres. Nenhum segundo ou, ainda, nenhum mícron de milésimo
de segundo, consegue ser igual a outro em toda uma existência. Dessa forma,
conseguimos nos especializar conscientemente em determinadas áreas do
conhecimento e, sob a lei da vontade e da razão, mantemo-nos em determinadas
freqüências para atender alguns chamados dos meios. Todavia, “como um navio sem
âncoras, não conseguimos parar, nos acomodar”.
181
A lembrança e referência a um navio sem âncoras, devo a Geraldo Antunes Maciel,
professor da Universidade do Amazonas.
(...) A empatia é uma forma de compreender outro ser humano através de uma
identificação parcial e temporária (R. Greenson, p. 425-F)
Da semente das pequenas compreensões, podem surgir grandes mudanças (p. 441-F).
(...) “A fé nas pequenas coisas são como grãos de areia: com ela removemos
montanhas e construímos nosso próprio caminho, e nem nos damos conta”. (Derivi, 1987, por
MC, p. 8, 1992).
182
ao término de uma sessão, ou parte da sessão, desviar, por alguns segundos, totalmente a
atenção anteriormente dedicada ao paciente.
Ainda que não queiramos tal visão por parte dos pacientes, devemos estar conscientes
que eles não estão em nosso divã por nossos olhos ou outra razão que não a sua própria busca
pessoal de respostas aos problemas que se os afligem. Assim, podemos fazer algumas
observações tecnicamente bem fundamentadas, mas nunca inverter os papéis com o paciente.
Quem está ali pagando para programar-se é o paciente. Não podemos fazer exposições
longas ou mesmo médias. Devemos acumular, resistir e suportar a vontade de transformar a
análise em um bate-papo, superficialmente gerado e superficialmente conduzido. Devemos
permitir ao paciente a associação livre, descomprometida e liberta. Com a total exteriorização
das emoções, poderemos estar ajudando efetivamente os pacientes. É útil lembrá-los de que
nos pensamentos onde aparentemente não existam elementos de análise podem esconder-se
grandes elos com as buscas de uma evolução contínua e crescente.
183
dominado, antes de se fazer ouvir; permitir ao paciente a minuciosa e complexa elaboração e às
vezes até mesmo, a reconstrução de conceitos e perspectivas objetais sistêmicas.
Logo, ainda que não sejam formas de comunicação com o paciente, podem sim,
determinar o estado médio de estabilidade do paciente. Dessa forma, sempre que for difícil a
abordagem de determinados temas, em níveis e escalonamentos de estímulos, de euforia e
apatia, devemos estar conscientes que estes necessitam de uma maior elaboração antes de sua
confrontação e esclarecimento.
184
As bases e limiares de nossos pacientes devem ser reforçadas e mesmo preparadas a
quaisquer novos conceitos e esclarecimentos. Deve ser previsto um tempo de maturação entre
a exposição descomprometida, todavia com efeitos sobre as bases emocionais dos pacientes e
o esclarecimento por parte do psicanalista.
Ainda que observemos, por exemplo, uma jovem senhora que, separada do marido há
três anos, não consiga livrar-se de suas lembranças devido a um relógio que carrega como uma
“algema” em um de seus braços, presente dado pelo exmarido, no passado, no dia dos
namorados, devemos, nesse momento, acumular, resistir e suportarmos a vontade de
comunicar ao paciente que parte significativa de suas lembranças estão relacionadas àquele
relógio.
Se o fizermos, devemos estar também conscientes que esta paciente deverá negar tal
observação do psicanalista e afastar-se por algum tempo das sessões. Seu ego presente está de
certa forma tão ligado ao prazer do id passado que, dificilmente a jovem paciente aceitaria
calada tamanho chamado à quebra da falsa estabilidade que a mantém ligada ao ex-marido. Ela
quer, sim, se livrar das lembranças do exmarido, todavia, não consegue libertar-se dos objetos
que compõem os elos daquela fase de sua vida. Distraidamente, acaricia o relógio durante as
sessões, o que evidencia um pensamento inconsciente com exteriorização tácita ao culto das
impressões do Antigo companheiro.
Se o psicanalista mantém sob essa mesma mesa alguns aparelhos como o utilizado para
verificar a pressão arterial ou um estetoscópio, o paciente sentir-se-á mais seguro, convicto de
que o psicanalista detém bases sólidas de intervenção clínica ambulatorial, se durante as
sessões ele necessitar. Isto repercutirá na própria condução ou libertação das emoções por
parte dos pacientes.
185
Somos favoráveis à introdução nos cursos de formação da disciplina de
“Procedimentos Ambulatoriais de Urgências e Instrumental à Formação em Psicanálise”. Dessa
forma, garantiremos aos psicanalistas as bases para eventualidades no tocante a situações
múltiplas enquanto da análise.
186
Capítulo 21
O PSICANALISTA
O analista deve compreender seu paciente para adquirir compreensão quanto ao seu
comportamento, fantasias e pensamentos.
187
Não podemos esquecer que um dos deveres do psicanalista é o de se comportar para o
paciente como uma tela vazia, relativamente não-reagente, de tal forma que este possa
projetar para aquela tela as imagens não solucionadas e reprimidas do passado.
188
Apresentamos dois componente básicos do trabalho de um analista:
Como o enunciado dos dois pontos fala por si mesmo, não sentimos a necessidade de
aprofundar tais conceitos elementares e básicos, de fácil interpretação e aplicabilidade na
situação psicanalítica.
Após uma intervenção de urgência o analista deve sempre avaliar o ego racional do
paciente, estudando a possibilidade de administração ou retorno ao método puramente
psicanalítico. É importante evidenciar a perspectiva sempre presente de o paciente,
dependendo do método utilizado na situação emergencial, colocar-se inconsciente e
deliberadamente naquela mesma condição, exigindo do psicanalista, intervenções e
procedimentos semelhantes. Isto ocorre, sobretudo, quando o paciente sente gratificação na
práxis-equilibradora, capaz de resgatar seu ego racional. Poder deixar-se levar àqueles estados
primitivos de deliberação de emoções, pode comprovar, experimentalmente, ser o psicanalista
capaz de reconstruir-lhe o equilíbrio.
189
CONCLUSÃO
Através das transferências dos pacientes, o psicanalista deve ter o poder de acumular,
resistir e suportar as tensões despejadas pelos pacientes sobre ele. Gradativamente, o
psicanalista dará retorno, uma-a-uma aos pacientes. Deverá dosar este retorno, a fim de não
sobrecarregar as bases e limiares de suporte dos pacientes.
190
O psicanalista assume, em determinado momento da análise, a partir de uma aliança
de confiança de trabalho entre ele e o seu paciente, as funções do ego de seus analisados.
Nenhum ser, por mais frágil e aparentemente perturbado, está à margem das reações
impostas pelos seus meios de convívio. Os meios de nossas interações são os pólos irradiadores
de todas as nossas dúvidas e convicções.
191
A técnica e a prática da Psicanálise debruçam-se sobre os ombros da experiência,
tolerância, preparação científica e cultural do psicanalista, sem desconsiderar, sua bagagem e
suportes de conhecimentos ambulatoriais, elementares ao exercício de quaisquer atividades
ligadas diretamente ao diagnóstico e cura de enfermidade biopsicofísicas e mesmo social.
Todo o ser, direta ou indiretamente, está sob análise, ainda que não técnica e
profissional, mas nos próprios meios onde interage. Ora desempenha o papel do psicanalista,
ouvindo e buscando interpretar seus interlocutores, como assume o papel de analisado,
depositando suas tensões sob ombros “em sua totalidade” despreparados para suportar tais
tensões. E pelo medo ou pela falta de preparo formativo e técnico, jogam, muitas vezes, seus
“confessores” em uma perspectiva sem retorno, podendo, até mesmo, precipitarem
acontecimentos irreversíveis de ordens máximas existenciais.
A maior técnica e prática que pode um psicanalista receber encontra-se em sua própria
análise por um psicanalista clínico com didática, experiente e comprometido com a evolução
verto-horizontal da Psicanálise Clínica.
Esperamos que, todos aproveitem o que até aqui conseguimos paradigminimizar deste
ramo.
192
Que todos os nossos companheiros, psicanalistas clínicos, usufruam das novas
tendências das especialidades. Aos futuros doutores e àqueles que já atuam clinicamente,
nossos respeitos e votos de muito êxito em seus consultórios, clínicas, hospitais e sobretudo em
seus avanços e pesquisas.
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DALBIEZ, Roland. O Método Psicanalítico e a Doutrina de Freud, Trad. José Leme Lopes,
Tomo II – Discussão . Rio de Janeiro, Agir, 1947 .
GREENSON, Ralph R The Technique and the Practice of the Psychoanalysis. 1967. A Técnica
e a Prática da Psicanálise, São Paulo, Imago. Trad. Marina Camargo Celidônio.
SEMEON, Michel & ARIEL, Robert. Freud – A Aventura Psicnalítica. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira.
194
SHARP, Ella Freeman. Análise dos Sonhos. São Paulo, Imago.
ANEXOS
Anexo 1
195
empatia são formas de conhecimento que nos colocam na intimidade nuclear do objeto,
diferentemente da simples percepção e do raciocínio lógico que nos mantêm no seu exterior.
Da mesma forma que, em Biologia, a ontogenia repete resumidamente a filogenia, na minha
evolução repeti o desenvolvimento da psicanálise. Estou, pois, falando concomitantemente de
duas evoluções: a minha e a da psicanálise. A pessoalidade desta formulação é proposital. O
conhecimento psicanalítico deve passar pela personalidade do terapeuta, o que não o impede
de ser objetivo.
Por que e para que a expressão "postura terapêutica"? O que pretendo abranger e
significar? Não se cogita de pensar sobre a maneira particular que cada terapeuta tem de se
relacionar com seus clientes. Isto pertence à ordem do idiossincrásico e será deixado nas
sombras da subjetividade. Penso, sim, em posturas que emanam de desenvolvimento e
elaborações técnicas e teóricas e que, portanto, apresentam uma certa generalidade. Mas,
então, por que falar de postura? Será que as recomendações encontradas nos artigos sobre
técnica, de Freud, já não incluem a postura terapêutica a ser adotada? Quando se prescreve
neutralidade, abstinência, incognição, reserva, atenção flutuante etc., não decorre daí uma
postura? Para uma mesma técnica caberia mais de uma postura?
Reportemo-nos a Kanzer e Blum (1967): "A atitude (dependente) com que o paciente
se apresenta para o tratamento encontra uma disposição complementar na função diatrófica
(Spitz, 1956), isto é, nas intenções de curar que reproduzem 'as atitudes acalentadoras que
emanam da mãe verdadeira durante o desenvolvimento primitivo da criança'." (p. 164). E mais
adiante: "Gitelson acredita que a função diatrófica é suficientemente inerente à técnica
clássica, usada com flexibilidade, para tornar desnecessárias modificações específicas." (p. 165).
Segundo Gitelson, portanto, a introdução e valorização de temas pré-edípicos na teoria e
técnica psicanalítica não requerem nenhuma modificação explícita desta última. Porém, algo se
introduz e, portanto algo tem que mudar. Esta mudança se nos apresenta não como uma
mudança de comportamento, mas como urna modificação ou um acréscimo nos propósitos e
intenções. Modifica-se então a postura. A postura-espelho, inicialmente indistinguível da
técnica psicanalítica clássica, evolui para uma outra postura: a postura-continente. Tenho a
impressão de ter pinçado de modo aparentemente arbitrário um momento de um continuum
que vai da postura-espelho, passa pela postura-continente e segue adiante. Temos aqui
evidenciada a importância da experiência própria, a qual, enquanto não validada
consensualmente, permanece subjetiva. É um risco que temos de correr. O ponto "continente"
196
foi selecionado por atender às necessidades terapêuticas de um certo tipo de cliente: o
"borderline". O paciente neurótico pode ser atendido dentro dos limites da posturaespelho.
Esta tem a vantagem ou desvantagem de ser a mais limpa, a mais higiênica, a mais ascética das
atitudes, aquela que menos envolve e perturba o terapeuta. Porém, as situações "borderline"
exigem uma participação afetiva maior do terapeuta, uma sensibilidade aumentada para as
necessidades não-verbalizadas do cliente, o que pode ser conseguido mais facilmente quando
nos colocamos em uma postura-continente. Como já foi dito, tanto a postura-espelho quanto a
continente estão cobertas pela técnica analítica clássica. Esta técnica tem como seu principal
instrumento a interpretação. Por isto mesmo podemos denominar a conduta do terapeuta,
dentro das duas posturas já assinaladas, como um comportamento ínterpretativo. Não há,
porém, como ignorar, desde o início da psicanálise, a experiência de uma outra perspectiva: a
vivencial. Esta permanece grande parte do tempo em segundo plano, atrelada ao
comportamento interpretativo. Aos poucos, contudo, ganha um extraordinário
desenvolvimento, especialmente no trato com psicóticos, adolescentes e crianças, a ponto de,
em certas situações, sobrepujar e substituir o comportamento interpretativo, constituindo-se
em uma entidade de direito próprio: o comportamento co-vivencial. Veremos, no decorrer
deste trabalho, mais apuradamente, as suas características. Por enquanto adiantarei que o
comportamento co-vivencial compartilha com o comportamento interpretativo, a postura-
continente e admite roais duas: a postura-simbionte e a postura-dialogai Como veremos, a
primeira é particularmente adequada para o trato com as situações psicóticas, enquanto a
segunda tem o seu uso preferencial nas relações terapêuticas com adolescentes.
O Comportamento Interpretativo
1. A Postura-espelho
Esta denominação deriva-se de uma frase de Freud (1912) que se tornou famosa: "O
médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada,
exceto o que lhe é mostrado" (p. 157). Esta posição, olhada de certo ponto de vista, levaria o
terapeuta a adotar uma atitude onipotente, negando os seus sentimentos e fantasias e
tornando-o um "devolutor de material", pouco cuidadoso, sem maior compreensão ou
sutileza. Poderíamos então, talvez, inspirados em Birman (1984), tomar esta frase como um
197
eco de um período em que "... o psicanalista funcionaria como alguém inteiramente
analisado, que realizou um processo analítico do qual nada restou de insólito e de não
representável. O psicanalista seria, portanto, a própria imagem da razão absoluta
recuperada...". (p. 16). "... O terapeuta era portador de um código absoluto, dotado de uma
concepção racional do processo interpretativo, que lhe caberia aplicar para o desvendamento
do sentido estruturado nos sintomas. Mesmo com a descoberta da atividade fantasmática,
que relativizou a teoria traumática da neurose,... não se transformou imediatamente este
modelo da prática psicanalítica". (p.32). Se este modelo pertence ao passado, porque falar
dele? Birman dá-nos a resposta: "Por mais que possam nos espantar as linhas mestras
sublinhadas no esboço da sua caricatura, sem dúvida, se observarmos o nosso campo
psicanalítico poderemos assinalar como este modelo não é tão estranho como possa parecer
à primeira vista. Este modelo é muito mais presente e difundido do que possa inicialmente
parecer". (ibid., p.!7). Voltemos agora à frase de Freud sobre o espelho. Uma leitura
onipotente deste trecho pode ter a ver com uma certa ambigüidade de Freud. É possível que
nos textos sobre técnica tenham penetrado fragmentos de uma atitude pretérita. Ou que
estivesse ainda em curso de um processo de transformação. Sabemos quão difícil é superar o
passado. De qualquer forma, o uso inadequado, onipotente, da posturaespelho pode ser
compreendido, na atualidade, primeiro, peia tendência que tem os analistas de repetir
resumidamente a história da psicanálise e, segundo, pela necessidade defensiva que
permanece em alguns. Ã frase acima presta-se admiravelmente bem para racionalização de
uma atitude defensiva em que o terapeuta se coloca em uma posição onipotente-intocável.
As palavras do cliente batem na superfície espelhada do analista e voltam como se fossem
"boomerangs". O terapeuta não permite que elas o penetrem, não se deixa tocar em sua
intimidade. A devolução tende a ser imediata. Esta atitude defensiva encontra um reforço em
um outro parágrafo de Freud (1912): "Não posso aconselhar insistentemente demais os meus
colegas a tomarem como modelo, durante o tratamento psicanalítico, o cirurgião, que põe de
lado todos os sentimentos, até mesmo a solidariedade humana, e concentra suas forças
mentais no objetivo único de realizar a operação tão competentemente quanto possível... A
justificativa para exigir esta frieza emocional no analista é que ela cria condições mais
vantajosas para ambas às partes: para o médico, uma proteção desejável para sua própria
vida emocional e, para o paciente, o maior auxílio que lhe podemos hoje dar" (p. 153). Aí
estão todos os ingredientes para uma mistura defensiva: pedaço de pau ou pedra de gelo
raciocinante, superfície lisa, polida, brilhante e impenetrável, máscara rígida, nua, sem
198
expressão, que nada deixa perceber de si, insensibilidade, impenetrabilidade, incógnito.
Resultado: um terapeuta que se considera possuidor de um código infalível, que não empatiza
nem se identifica; um terapeuta com uma atitude intelectual que se defende das
perturbações nele introduzidas pelo cliente, devolvendo indiscriminadamente o material
apresentado; um terapeuta que interpreta em excesso ou, reativamente, pouco ou nada fala.
Em contrapartida temos um cliente afogado em suas próprias produções por não ter
encontrado um escoadouro na compreensão de outro ser humano; ele então se cala, guarda
para si o potencialmente derivei para não ser esmagado e fragmentado pelo inaudível. Nessa
pantomima, o passo seguinte é um terapeuta desgostoso, interpretando as "resistências" do
cliente, ou não as interpretando, mas delas se lamentando. Reação terapêutica negativa?
Entramos em um beco sem saída, em uma armadilha produzida pelo mau uso da
posturaespelho. A saída, nós a encontramos no próprio Freud. Não só no que ele próprio
escreveu e que modula as citações anteriores, como também no conhecimento de quem foi o
homem Freud, trazido pelo testemunho escrito de clientes seus. Vejamos o que Freud (1912)
nos diz: "... o médico deve colocar-se em posição de fazer uso de tudo o que lhe é dito para
fins de interpretação e identificar o material inconsciente oculto, sem substituir sua própria
censura pela seleção de que o paciente abriu mão. Para melhor formulá-lo ele deve voltar seu
próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do
paciente... Mas se o médico quiser estar em posição de utilizar seu inconsciente desse modo,
como instrumento de análise, deve ele próprio preencher determinada condição psicológica
em alto grau. Ele não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua
consciência o que foi percebido pelo inconsciente". (p. 154). Ora, temos aqui um terapeuta
não mais impenetrável; ao contrário, deverá estar permeável às produções do cliente até o
ponto de se deixar tocar no mais íntimo de si mesmo: seu inconsciente. Ainda mais: deverá
ser suficientemente sensível para transformar as obscuras sensações inconscientes em um
pensamento articulado e então separar o que a ele pertence e o que é território do
analisando. Atingida esta meta poderá cuidar de apenas interpretar o inconsciente do
analisando, sem revelar o seu próprio. O momento da interpretação é o momento
privilegiado do funcionamento em espelho.
Para que todo esse processo ocorra precisamos de um terapeuta sensível. Como então
explicar a recomendação de frieza? Esta noção também deve ser modulada: o pleno
desenvolvimento das fantasias e afetos do terapeuta perturbaria de tal forma a sua serenidade
que ele não poderia mais exercer uma ação terapêutica. Porém, uma inibição completa de tais
199
fantasias e afetos o impediria de compreender o que se passa com o cliente. Deve-se, pois,
permitir que eles ganhem suficiente corpo para que o analista tenha notícias do que está
acontecendo consigo. A sensibilidade é, portanto, necessária, mas o desenvolvimento dos
afetos e fantasias decorrentes deverá ser limitado a uma sinalização. Este modelo é antigo em
Freud. Aparece no Projeto (1895) em referência à dor e às relações entre processo primário e
secundário; na Interpretação dos Sonhos (1900), quando coloca a necessidade da inibição do
desprazer para que a idéia possa ser investida. Vejamos a frase correspondente: "Por
conseguinte, o pensamento tem de visar a libertar-se cada vez mais da regulação exclusiva pelo
princípio do desprazer e a restringir o desenvolvimento do afeto na atividade do pensamento ao
mínimo exigido para agir como sinal" (p.641). Reaparece em "Inibições, sintomas e ansiedade"
(1926) como ansiedade-sinal evocada pelo ego diante de uma perspectiva de perigo, (p. 187).
Também sobre o incógnito há algo a ser dito: como Lipton (1977) nos mostrou, esta
recomendação refere-se exclusivamente ao momento do trabalho analítico. Fora destas
ocasiões, Freud se comportava simplesmente como o homem que era. Existem alguns fatos
bastante divulgados, tais como a refeição oferecida ao "Homem dos Ratos"; a ajuda pecuniária
que Freud prestou ao "Homem dos Lobos", a interrupção de uma sessão para brindar um
"insight" obtido; o presente de suas obras oferecido a um analisando etc. Mesmo no momento
da terapia, Freud fazia comentários a respeito de si próprio. "Freud me contou - diz-nos o
Homem dos Lobos - que acabava de receber a noticia que seu filho menor havia machucado
urna perna enquanto esquiava, mas que felizmente a lesão era leve e não havia perigo de dano
permanente. Freud continuou dizendo que de seus três filhos o menor era o mais semelhante a
ele por seu caráter e temperamento. Mais adiante Freud voltou a falar de seu filho menor em
relação com outra coisa. Nessa ocasião contou-me que também seu filho menor tinha querido
ser pintor, mas que depois havia abandonado a idéia para dedicar-se à arquitetura". (Gardiner,
1971, p. 169). Blanton (1975) traz-nos também o seu testemunho: "Falei de dinheiro e de meus
problemas financeiros, dizendo que tenho vinte mil dólares. - Quando eu tinha a sua idade não
tinha tanto". (p.7).
"Eu solicitei um dia a Freud - conta-nos Kardiner (1978) - que falasse como se via como
analista. 'Estou contente que você tenha-me proposto esta questão; para falar francamente, os
problemas terapêuticos não mais me interessam. Eu sou atualmente uma pessoa muito
impaciente. Eu sofro de uma série de handicaps que me impedem de ser um grande analista.
Entre outras, eu sou demasiadamente um pai. Em segundo lugar ocupo-me de questões
200
teóricas; nas ocasiões que se me apresentam para trabalhar eu trato mais de desenvolver
minha teoria que de questões de terapia. Em terceiro lugar eu não tenho paciência de ficar com
uma pessoa por longo tempo. Eu me canso dela e prefiro expandir a minha influência'." (p.
103). O incógnito fica assim confinado ao exato instante da interpretação, quando o
inconsciente do terapeuta não se deve revelar, e não mais. Finalmente, mais duas citações: "A
única coisa que posso dizer é que em minha análise com Freud eu me sentia mais na situação
de colaborador que de paciente; sentia-me como o companheiro mais jovem de um explorador
experimentado que embarca no estudo de um território novo e recém descoberto". (Gardiner,
1971, p. 164). "Em todos os momentos parecia estar próximo do que eu estava dizendo. Eu
sentia que ele estava interessado, que estava recebendo o que eu lhe dava. Não havia esse
distanciamento frio que, segundo eu imaginava, era a atitude que um analista deveria ter".
(Blanton,975. p.3). (Trata-se da primeira sessão de Blanton com Freud).
Doolittle (1918), uma analisanda de Freud, reproduz uma fala de seu analista: "É
preciso que eu lhe diga (você foi franca comigo e eu serei com você), eu não gosto de ser a mãe
na transferência. Isto sempre me surpreende e choca um pouco". (p. 65). Esta fala, articulada
com aquela anterior, reportada por Kardiner, onde Freud se declara "demasiadamente um pai",
são sugestivas de um elo entre a personalidade do criador da psicanálise e a postura-espelho.
Confrontada com a postura-continente, evocadora de uma função materna, a postura especular
se nos apresenta ligada à função paterna. A postura-continente não foi desenvolvida por Freud,
mas por alguns de seus discípulos que valorizaram as situações pré-edípicas, aprofundando a
sua compreensão.
2. A Postura-continente
202
transferência, acolhendo imparcialmente as manifestações de transferência positiva e negativa,
à medida que aparecem...Poder-se-ia dizer, em conseqüência disso, que não há lugar para o
termo 'técnica kleiniana‟?". Segai (op.cit.) responde: "Ela (M. Klein) enxergou aspectos do
material que não haviam sido vistos antes e, ao interpretar esses aspectos, descobriu mais
naturalmente o que não poderia ter sido conseguido de outra maneira e que, por sua vez,
impôs novas interpretações, raramente ou nunca utilizadas na técnica clássica". (p. 35-36). Nem
uma palavra sobre uma nova atitude do analista, que decorreria naturalmente das noções de
identificação projetiva/contra-identifícação projetiva. Poder-se-ia até pensar em uma formação
reativa. Como a teoria kleiniana conduz inelutavelmente à postura-continente, esta tem de ser
veemente negada, para evitar que a parte da comunidade psicanalitica mais conservadora
encontre brechas por onde atacar. Bion (1962) retoma a noção de identificação projetiva, e
introduz o conceito de "continente": "Melanie Klein descreveu um aspecto da identificação
projetiva relativo à modificação dos temores infantis. A criança projeta parte da psique, isto é,
de seus sentimentos maus, dentro do seio bom. Daí, são, no devido tempo, removidos e
reintrojetados. À permanência deles no seio bom faz com que pareçam modificados de tal
maneira que a psiquê da criança tolera bem o objeto reintrojetado. Da teoria acima, para uso
como modelo, abstraio a idéia do continente em que se projeta o objeto e a do objeto
projetado dentro do continente. A este último designarei de conteúdo". (p. 108). Mais adiante
Bion usa os seus próprios termos para descrever a mesma interação: "Na situação em que a
criança projeta o elemento-beta, ou seja, o medo de estar morrendo, e o continente o recebe
de modo tal que o 'desintoxica', isto é, modifica-o, já a criança pode recebê-lo de volta dentro
de sua personalidade, sob forma tolerável. A operação assemelha-se àquela que a função-alfa
realiza. A criança precisa da mãe para atuar como a função-alfa". (p. 145). Bion acrescenta que
para exercer esta função de continente a mãe deve estar em um estado psicológico especial, ao
qual ele deu o nome de "devaneio": "... o devaneio é o estado da mente para receber quaisquer
'objetos‟ do objeto amado e é capaz, portanto, de receber as identificações projetivas da
criança, quer ela as sinta como boas ou más. Em suma, o devaneio é um fator da função-alfa da
mãe". (p. 52). Até aqui as citações referem-se à relação mãe-filho. Bion, porém, fala-nos
também da relação analista-analisando:
"Houve sinais de confusão que aprendi a associar com a identificação projetiva. Admiti,
portanto, que eu era o depositário de parte de sua personalidade, tal como sua sanidade ou a
parte não-psicótica de sua personalidade". (p. 36). E mais adiante: "Cumpre ao psicanalista,
todavia, intervir com as interpretações, e isto implica em exercício de julgamento. O estado de
203
devaneio conducente à função-alfa, ao surgimento do fato selecionado, e a invenção do
modelo, junto com o equipamento restrito a algumas teorias essenciais, assegura como pouco
provável a interrupção súbita da observação que Darwin tinha em mente. As interpretações
ocorrem, ao analista, com um mínimo de interferência sobre a observação". (p. 104). Temos
pois o cenário todo montado para a aparição da idéia de postura-continente no palco
psicanalítico. No entanto, não será Bion quem levantará o pano. Ao contrário, o que ele
explicita é o seguinte: "Não me afastei do procedimento psicanalítico que usualmente emprego
nos neuróticos, tendo sempre o cuidado de tornar ambos os aspectos, positivo e negativo, da
transferência". (1954, p. 39).
204
para o terapeuta intervir, despejando os seus conteúdos psíquicos. O terapeuta, na
posturacontinente, ouve-o tranquilamente, sem se assustar ou ficar ansioso. O cliente sente
então que os seus conteúdos psíquicos encontraram guarida: um lugar que recolhe os
fragmentos dispersos do discurso, do comportamento e dos sentimentos, mantendo-os unidos.
Isto o tranqüiliza. A postura-continente possibilita o aparecimento e o gradativo
desenvolvimento das emoções, sentimentos e afetos, até então sentidos como proibidos, e por
isso mesmo inibidos. A emoção incipiente precisa ser acolhida e tratada como um broto
delicado e precioso que necessita de cuidados adequados para crescer. Se a emoção for
prematuramente desenvolvida através da interpretação, o paciente a recolherá e terá um
medo multiplicado de deixá-la reaparecer. A postura-continente é particularmente adequada
para a relação terapêutica com "borderlines". Para uma melhor compreensão deste elo, será
necessário expor algumas das características do "borderline". Este tipo de organização de
personalidade contém em si, em proporções visíveis, elementos neuróticos e elementos
psicóticos. No entanto, o seu ponto de equilíbrio não se encontra nem no pólo neurótico nem
no pólo psicótico, mas entre ambos. E por isso que podemos falar do "borderline" como uma
estrutura própria. Seu aspecto neurótico pode ser reconhecido na existência de um eu
observador, na capacidade de testar a realidade, no reconhecimento e aceitação (peculiar) das
normas culturais e das hierarquias sociais; seu aspecto psicótico encontra-se nos distúrbios de
identidade, na onipotência, na impulsividade e na impossibilidade de evitar que intensos afetos,
emoções e fantasias, derivados do inconsciente, o invadam e se transformem em atos
transgressores. Estas características respondem bem a uma ação terapêutica que tem como
base a postura-continente: focalizaremos as questões de identificação/identidade e a questão
da transgressão.
Não sei se ficou bem caracterizada a postura-continente. Talvez uma imagem ajude a
compor melhor esta figura: o terapeuta é como se fosse um caldeirão que cozinha, ao fogo da
relação, o material recebido, só devolvendo-o quando suficientemente cozido. O ponto ótimo
deste cozimento lhe é informado através da contratransferência que, na postura-continente,
207
está apurada e dirigida não só para os aspectos edípicos da relação, como também para os pré-
edípicos, incluindo-se aí as situações as mais primitivas. Por isso mesmo é necessária uma
flexibilidade maior do terapeuta; ainda por esse motivo sua mobilização emocional é mais
intensa e alcança núcleos mais primitivos da sua própria personalidade. A partir destas
condições o terapeuta poder-se-á organizar em torno da intervenção interpretativa (ou à volta
da experiência sendo vivida, como veremos mais adiante no comportamento co-vivencial). Em
qualquer destas circunstâncias não existe a intenção de viver plenamente uma relação
fantasmática e real com o cliente, o que só irá ocorrer na postura-simbionte.
O comportamento co-vivencial
1. A Postura-continente
Farei aqui uma breve recapitulação clarificadora. Fizemos uma viagem pelas terras da
psicanálise dirigindo o nosso olhar para as posturas que o terapeuta adota em relação ao seu
paciente. Falamos das posturas-espelho e continente, as quais se passam dentro de um
comportamento interpretativo, e vamos em seguida examinar aquelas posturas que ocorrem
dentro de um comportamento co-vivencial: a posturasimbionte, a dialogal e ainda a própria
continente, que já havíamos visto dentro do outro comportamento. A postura-espelho
confunde-se com a técnica analítica básica, aquela que foi desenvolvida por Freud para atender
a pacientes neuróticos (neuroses transferenciais). Vimos que o espelhamento refere-se
unicamente ao momento da interpretação quando se torna importante evitar a interferência
indevida dos conteúdos inconscientes do terapeuta. Falei do mau uso da postura-espelho, que
se presta, aliás, como qualquer outra postura, a ser usada defensivamente.
A postura-espelho liga-se à função pai e, por isso mesmo, suas interpretações são
realizadas de tal maneira que facultam ao paciente sair das situações regressivas. A postura-
continente liga-se à função mãe e suas interpretações facilitam a regressão, o que permitirá que
208
lhe sejam revelados conteúdos, dinamismos e mecanismos pré-edípicos primitivos. Vimos que a
postura-espelho e a postura-continente estruturam-se em tomo da intervenção
interpretattva/obtenção de "insight". As situações vivenciais são usadas para se poder
desvendar os conteúdos, mecanismos e dinamismos inconscientes do paciente. A postura-
espelho tem o seu ponto de convergência na relação triangular, enquanto a postura-continente
centralizase na relação diádica. Postura-espelho e postura-continente pertencem ao
comportamento interpretativo. Porém, a postura-continente pode ser considerada o local de
transição do comportamento interpretativo para o comportamento covivencial. A situação
continente fez emergir fatos e efeitos de tamanha importância clínica que, embora ignorados
ou até combatidos pela teoria da técnica da época, tiveram de ser reconhecidos, e acabaram
por ser operacionalizados no modo de comportamento co-vivencial. Aos poucos realizou-se a
passagem do comportamento interpretativo, que em sua formulação explícita desconsidera a
importância terapêutica maior do aspecto vivente da relação, para um comportamento
covivencial, o qual se ocupa basicamente com as possibilidades evolutivas existentes no viver
situações terapêuticas. Grosso modo, referimos a adequação da posturaespelho às neuroses e
da postura-continente a "borderlines", deixando claro, porém, não se tratar de uma divisão
rígida, já que em um mesmo tratamento pode tornar-se necessário alternar as posturas.
Sigamos adiante. A postura-continente pode, portanto, ser usada dentro do modo co-vivencial
do comportamento terapêutico. Mas o que é isto de comportamento co-vivencial? Afinai de
contas, não se vive a relação analítica? E, em vivendo-a, não se têm vivências? Como então falar
de comportamento co-vivencial em análise? Não inclui toda a análise um comportamento co-
vivencial? É claro que sim. Só que este aspecto da relação é desconsiderado no modo
interpretativo do comportamento terapêutico. Tentemos caracterizar a perspectiva embutida
no comportamento interpretativo: o paciente procura fazer associações livres; a sua produção
verbal e não-verbal é encarada como um material cujo significado oculto pode ser captado por
um terapeuta em estado de atenção flutuante. Ao realizar a "gestalt" deste material o analista
apresenta-o ao cliente sob a forma de uma interpretação verbal na esperança de que ele
obtenha "insight" e amplie o seu campo de consciência.
209
encaradas como resultantes da relação. Através do viver a relação e dela falar, obtém-se uma
ampliação da experiência com um aumento do sentimento de segurança e confiança básica.
Freud, apesar de seu comprometimento com a interpretação, aponta, como não podia
deixar de ser, para aspectos vivenciais da terapia analítica, sem que eles componham aquilo que
chamei de comportamento co-vivenciaL Já na situação fundamental da psicanálise, o dado
vivencial mostra-se necessário. O momento correto da interpretação ("timing") exige uma
sensibilidade especial do analista para perceber que a ligação transferencial está propícia e que
o material está próximo do consciente. (Freud, 1910. p. 211). Sabemos hoje que o "insight" que
verdadeiramente funciona é aquele não-intelectualizado (Freud, 1913 A , p. 184) e que,
portanto, se acompanha de uma carga afetiva. A vivência está, pois, valorizada, mas tem um
papel secundário em relação à conscientização, servindo de veículo para esta. Freud (1913 B, p.
343) fala-nos também de uma atitude de "carinhoso interesse e simpatia" para estabelecer uma
"transferência aproveitável", "um rapport". (1913 B, p. 343). Trata-se aqui do estabelecimento
de condições básicas para que a terapia analítica possa ocorrer. Funciona como um pano de
fundo que mantém o "rapport", necessário à produção de associações livres e à recepção das
interpretações com os ouvidos da sensibilidade. Não se enquadra, portanto, dentro da noção de
comportamento co-vivencial. Transferência e contratransferência são também fenômenos
vivenciais., respectivamente, do cliente e do terapeuta. Não se trata, porém, daquilo que
convencionei chamar de comportamento co-vivencial, pois neste há uma interpretação espacial
210
terapeuta/paciente, enquanto a conotação teórico-prática que os termos acima trazem é de
paciente e terapeuta separados por um espaço interpretativo.
Talvez aqui seja o melhor momento para introduzir a contribuição de Ferenczi. Ele foi
um pesquisador ousado, inquieto, sensível e perspicaz que percorreu variadas sendas na
tentativa de descobrir meios para ajudar o seu paciente. Jamais desistiu de encontrar maneiras,
modos e métodos para dar prosseguimento ao tratamento, desde que o paciente assim o
desejasse. "Eu tenho uma espécie de crença fanática na eficácia da psicologia profunda, e isto
levou-me a atribuir os ocasionais fracassos não tanto à 'incurabilidade' do paciente, mas sim à
nossa própria falta de perícia, uma suposição que necessariamente leva-me a tentar alterar a
técnica nos casos severos...". (Ferenczi, 1931, p.128). Através desta sua busca incessante,
tornou-se Ferenczi o introdutor e precursor de muitas técnicas terapêuticas, resultando uma
rota de evolução que, de certa maneira, reproduz a percorrida neste trabalho. Ele se apresenta
como analista clássico entre 1909 e 1926. Mas já em 1924 publica um livro em co-autoria com
Rank (The developmental aims of psychoanalysis), onde chama a atenção para a necessidade de
se "dar muito mais atenção às formas muito primitivas de relação como, por exemplo, entre
uma mãe e seu filho" (Ferenczi, in Balint, 1967, p.23) se desejarmos compreender os
fenômenos contratransferenciais. Em 1931, Ferenczi descreve uma situação na qual o analista
se comporta como mãe diante de um paciente que age como uma criança pequena. "O
comportamento do analista é, deste modo, um pouco como o de uma mãe afetuosa que não
irá dormir até que tenha conversado com o filho sobre todas as suas preocupações atuais –
grandes ou pequenas – seus medos, suas más intenções, e seus escrúpulos de consciência,
relaxando-o para que possa descansar. Desta maneira podemos induzir o paciente a regredir a
todas as primitivas fases do amor passivo, quando, justamente como uma verdadeira criança a
ponto de dormir, ele murmurará coisas que nos darão 'insight' do seu mundo de sonhos".
(Ferenczi, 1931. p. 137). Em outro artigo Ferenczi continua a desenvolver o seu pensamento
nesta mesma direção: "O paciente, entrando em transe, é uma criança mesmo, a qual não
reage mais a explanações intelectuais; talvez responda somente ao afeto materno; faltando
este afeto o paciente sente-se sozinho e abandonado na sua maior necessidade, e, portanto na
mesma situação intolerável que o levou uma vez a uma divisão de sua mente e eventualmente
à sua doença; assim, não é de admirar que o paciente não possa mais que repetir no agora da
situação analítica, exatamente a mesma formação de sintoma que surgiu no momento do inicio
de sua doença". (Ferenczi, 1933, p. 160). Esta situação regredida, se por um lado permite um
211
trabalho profícuo, por outro levará o paciente a fazer demandas excessivas que não poderão
ser atendidas: "No entanto, mesmo em análise, esta relação delicada não pode ser eterna.
L'appettit vient en mangeant. O paciente, que se transformou numa criança, vai cada vez mais
adiante com suas reivindicações e assim tende a adiar mais o advento da situação de
reconciliação, a fim de evitar ser deixado só, isto é, para escapar ao sentimento de não ser
amado... Quanto mais profunda e satisfatória for a situação de transferência, maior será,
naturalmente, o efeito traumático do momento quando finalmente o analista é compelido a
colocar um término à sua licença irrestrita". (Ferenczi, 1931, p. 137). Quando colocar os
limites? "Pacientes adultos, também, devem ter liberdade na análise para se comportarem
como crianças desobedientes (isto é, descontroladas); porém, se o adulto cai no erro, o qual às
vezes nos atribui, quero dizer, se ele renuncia ao seu papel no jogo e passa a atuar a sua
realidade infantil em termos de comportamento adulto, torna-se necessário mostrar-lhe o mal
que faz à terapia mudar as regras do jogo. Precisamos lidar com esta situação, ainda que muitas
vezes seja um árduo trabalho, de maneira a confinar a espécie e extensão de seu
comportamento dentro dos limites do comportamento de uma criança". (Ferenczi, 1931, p.
132). Diante da situação de frustrações imposta pelo terapeuta o cliente poderá apresentar
reações extremadas. "Palavras ditas com tranqüilidade e tato, talvez reforçadas por uma
pressão encorajadora na mão, ou, se isto não for suficiente, por um amigável carinho na
cabeça, ajudam a mitigar a reação a um ponto em que o paciente se toma novamente
acessível". (Ferenczi, 1931, p. 138). Temos aí todo um roteiro de comportamento terapêutico
que nos lembra a postura continente. Ferenczi apontou também para as dificuldades pessoais
do terapeuta, as quais, ocultas do paciente, dão origem ao que ele chamou de "hipocrisia
profissional". É extraordinário como a renúncia à 'hipocrisia profissional' – uma hipocrisia vista
até agora como inevitável – ao invés de ferir o paciente, conduz a uma melhora de sua
condição". (Ferenczi, 1931, p. 132). Porém, diante de certo tipo de agressividade, recomenda
outra conduta: "... é melhor admitir honestamente que achamos a conduta do paciente
desagradável, porém que sentimos ser nosso dever controlarmo-nos, já que sabemos que ele
não se daria o aborrecimento de ser inadequado, se não houvesse alguma razão". (Ferenczi,
1931, p.133). A mesma sinceridade é preconizada no que diz respeito aos erros do terapeuta:
"... a admissão dos erros do analista produz confiança no seu paciente". (Ferenczi, 1933, p.159).
Vemos, portanto, Ferenczi encaminhando-se na direção do comportamento co-vivencial.
"Devo-lhes lembrar que estes pacientes não reagem a frases teatrais, porém somente a uma
simpatia real e sincera ... eles mostram um extraordinário, quase clarividente, conhecimento a
212
respeito dos pensamentos e emoções que passam pela mente do analista. Tentar enganar o
paciente a este respeito, parece ser quase impossível, e se alguém o tenta, colherá apenas más
conseqüências". (Ferenczi, 1933, p. 161). Tal qual Beethoven que, no espaço de uma vida,
conduziu a música do classicismo ao romantismo, chegando em seus últimos quartetos às
portas do modernismo, Ferenczi percorreu todo o caminho que, iniciando-se na postura-
espelho, passou pela postura-continente e chegou à beira do comportamento co-vivencial.
Franz Alexander é um autor que se aproxima do comportamento co-vivencial. Na
"experiência emocional corretiva" (Alexander, 1946) o cliente deve reviver com o terapeuta
situações primitivas, e este deve comportar-se de modo diferente das figuras significativas do
passado, a fim de que, através de novas experiências, possa o paciente corrigir as suas
distorções. "... Se bem que seja necessário que o terapeuta mantenha em todo momento uma
atitude objetiva e de ajuda, esta atitude encerra a possibilidade de uma grande diversidade de
respostas em relação ao paciente. As reações espontâneas às atitudes deste não são com
freqüência desejáveis para a terapia, pois podem repetir a impaciência do genitor ou a
solicitude que originaram a neurose, e não podem, em conseqüência, constituir a experiência
corretiva necessária para a cura". (Atexander, 1946, p. 84-85). Alexander, portanto, preconiza a
assunção deliberada de papéis, o que, na verdade, retira o terapeuta de uma verdadeira
participação, de uma autêntica co-vivência com o cliente. A este respeito Greenson faz uma
crítica pertinente: "O deliberado assumir de papéis e atitudes é antianalítico porque cria uma
situação não-analisável. Há um elemento de perfídia enganadora e decepção que desemboca
numa desconfiança realista do terapeuta". (1967, p, 50). Veremos mais adiante como no
comportamento co-vivencial as emoções do analista são genuínas. É como nos diz Searles: "...
em minha experiência o terapeuta não expressa nestas atuações afetos que são meramente
uma espécie de representação, deliberadamente assumida e empregada como uma manobra
técnica indicada para o momento. Em minha experiência, os afetos são autênticos, espontâneos
e por vezes quase engolfantes de tão intensos". (1965, p. 345/6).
213
para ajudá-la, Renée respondeu à oferenda de maçãs que ela lhe fazia da seguinte maneira:
"Sim, mas estas são as maçãs que são vendidas, maçãs das pessoas grandes, e eu desejo as
maçãs da mamãe, como estas" - e ela apontou para os seios de Sechehaye. - "Estas maçãs a
mamãe só as dá quando se tem fome". - continuou Renée. Mme. Sechehaye compreendeu a
mensagem; ela sabia que a mãe da paciente tivera dificuldades em amamentá-la. Cortou então
um pedaço de maçã e a ofereceu a Renée, dizendo: "É hora de beber o leite bom das maçãs da
mamãe; mamãe vai te dar".
(Sechehaye, 1947, p. 33). Então Renée apoiou-se sobre a espádua da analista, colocou a maçã
sobre o seu peito e comeu de olhos fechados, cheia de compulsão, com uma intensa felicidade.
Outro exemplo: "Renée tinha uma mancha de tinta vermelha na mão. Ela exclamou: 'Eu cometi
um crime!'. Então abrimos a sua mão, e soprando-a dissemos: 'Veja! o crime foi embora!' A
culpabilidade se dissipou, e a agitação foi quase inteiramente suprimida". (Sechehaye, 1947, p.
71). Sem dúvida, Mme. Sechehaye desempenhou nestes dois episódios o papel de Mãe-
BoaOnipotente-Adequada, aquela que atende aos apelos angustiados de um ser desamparado e
necessitado. Trata-se, porém, de um desempenho realizado com alma, convicção e veracidade.
Seus sentimentos matemos foram, efetivamente, mobilizados. O simbólico é vivido por Renée
muito concretamente, não da maneira 'como se‟ mas 'sendo'. E certamente Mme. Sechehaye
deve ter vivido estas ocasiões de forma plena, de maneira que o simbólico para ela era
acompanhado de sentimentos vivos, um simbólico para ela também quase concreto. Sem
dúvida, estamos aqui no comportamento co-vivencial.
214
relação se enriquece e progride – e aí está o seu efeito terapêutico. Mas então, em que difere a
relação terapêutica de uma relação comum? Nesta não existe, também, nos casos mais
afortunados, uma abertura mútua, um progresso, um desenvolvimento de duas
personalidades? Sem dúvida que sim. A diferenciação estaria principalmente no objetivo
terapêutico específico da relação (Armony, 1978-A, p. 29-30), que se centraliza no cliente, na
formação especializada do analista.
215
ambiente terapêutico que permita ao paciente regredir o quanto necessite, e, em regredindo,
utilizar o terapeuta como objeto primário indestrutível, aquele com quem poderá viver uma
relação primitiva, na qual as comunicações não se realizam através das palavras, mas através
dos atos e atitudes. Há, porém, que tomar cuidado com a regressão maligna. Diz Balint: "O
problema real não está no gratificar ou frustrar o paciente regredido; a questão coloca-se na
maneira pela qual a resposta do analista à regressão influenciará a relação paciente-analista e,
portanto, o curso posterior do tratamento. Se as respostas do analista satisfazem as
expectativas do paciente, criando a impressão no paciente de que o analista é competente,
bordejando, porém, a onisciência e a onipotência, esta resposta será considerada arriscada e
inconveniente; seria como incrementar a desigualdade entre paciente e analista, o que pode
levar à criação de um estado de dependência por exacerbação no paciente da falha básica".
(Balint., 1968, p. 168). "Tenho dois objetivos em mente quando escolho minha resposta. De um
lado tento prevenir o desenvolvimento de relações indesejáveis, tais como as que ocorrem
entre alguém inferiorizado ou frustrado por uma autoridade severa ou superior, que conhece
melhor o que é certo, ou entre alguém fraco e que necessita de um suporte carinhoso, e uma
autoridade generosa e benigna – tudo levando para um reforço da desigualdade entre sujeito e
seu necessitado objeto. Por outro lado, eu tento estabelecer uma relação na qual nenhum de
nós seria todo-poderoso, na qual ambos admitem as suas limitações na esperança de que por
este caminho uma colaboração frutífera possa estabelecer-se entre duas pessoas que não são
fundamentalmente diferentes em importância, peso e poder." (Balint, 1968, p. 171).
2. A Postura-simbionte
219
Winnicott, Balint e Searles são terapeutas representativos do comportamento co-
vivencial. Os dois primeiros empenham-se em manter um setting adequado para o
desenvolvimento do cliente; o campo de atuação preferencial na minha opinião, seriam os
"borderlines", especialmente na modalidade narcísica. Searles necessita de uma conduta
terapêutica mais radical pára tratar de seus pacientes psicóticos; realiza então a simbiose
terapêutica. Aqui já não se trata de um manejo adequado do "setting" em uma situação
regredida, nem de tolerância com relações primitivas. Trata-se de o terapeuta participar com os
seus fantasmas e com o seu eu real-objetivo da relação. A distancia terapeuta-cliente
praticamente desaparece. Ambos estão igualmente envolvidos numa relação fantasmático-real.
"... e eu sugiro que uma segunda e igualmente saudável fonte de sentimento partilhado pelo
terapeuta é o gradual desenvolvimento da relação real, a qual tem o seu próprio curso
relacionado e paralelo, porém não inteiramente abrangido pelo gradual desenvolvimento da
relação transferencial através dos anos de trabalho conjunto". (Searles, 1965, p. 378).
Evidentemente o terapeuta continua sendo o guardião dos objetivos terapêuticos da relação.
Ainda uma observação antes de partirmos para mais uma revisão esclarecedora do
comportamento co-vivencial: todos os três autores concordam que, em uma mesma terapia,
possam e devam ocorrer mudanças na postura e no comportamento, segundo as necessidades
do cliente.
3. A Postura-dialogal
221
decodificar desde o começo". (Kusnetzoff, 1975, p.43). Na minha opinião, o adolescente,
trazendo dentro de si o sentimento de estar subjugado pelo poder familiar, reage à assimetria
evidente do comportamento interpretativo. "A interpretação das resistências, como se poderia
propor, não resolve o problema. Ao contrário, submerge o adolescente e o terapeuta em uma
escalada simétrica de mútuas agressões". (Kusnetzoff, 1975, p. 43).
222
O terapeuta dialogai funciona como uma base segura para futuros empreendimentos,
como uma plataforma móvel capaz de fantasmaticamente penetrar nos diversos segmentos da
sociedade, à qual "O adolescente conduz e sobre a qual se apoia Logo que puder, ele deixará o
veículo para seguir o seu caminho com os próprios pés.
Maio 1985
Referências
BLANTON, S. Diário da minha análise com Sigmund Freud. São Paulo, Cia. Editora Nacional,
1975.
223
BREUER, J. e FREUD, S. Estudos sobre a histeria. Rio de Janeiro, Edição Standard Brasileira,
Vol. 2, 1893.
DOOLITTLE, H. Visage de Freud. In Kardiner, A. Mon analyse avec Freud Paris, Ed. Pierre
Belfond, 1978.
GARDINER, M. El hombre de los lobos por El hombre de los lobos. Buenos Aires, Ediciones
Nueva Vision. 1971.
KARDINER, A. Mon analyse avec Freud. Paris, Ed. Pierre Belfond, 1978.
LIPTON, S, The advantages of Freud's technique as shown in his analysis of the rat man.
International Journal of Psychoanalysis, 58, 1977.
225
ANEXOS
Uma idéia pode estar presente à consciência num determinado momento e ausente no
momento seguinte. [Imagine-se, por exemplo, a lembrança de um sonho, que é logo
esquecido]. Poder-se-ia dizer que, nesse intervalo, ela não foi uma realidade psicológica mas
esteve presente apenas corno uma disposição física. Isso, no entanto, incorre no erro de igualar
o que é psicológico [apenas] com o que é consciente.
Nós chamamos de consciente o que está presente na mente e de que nos damos conta.
Quanto às idéias latentes, chamamo-las inconscientes e delas não nos damos conta, embora
possamos nos convencer da existência delas pelos seus efeitos. O experimento da sugestão pós-
hipnótica não só nos convence disso como nos permite tirar outras conclusões:
• não só essa idéia assoma à mente, mas torna-se ativa, [e produz efeitos].
226
A sugestão pós-hipnótica é um fenômeno experimental, mas a clínica mostra que na
histeria também ocorrem idéias que são inconscientes, mas ativas: todos os sintomas dela
procedem de tais idéias. É um dos fatos mais característico da mente histérica que ela seja
dominada por tais idéias.
Se a mulher histérica vomita, o faz graças à idéia de estar grávida, embora ela não se
dê contas disso. Se apresenta os arrancos e movimentos de seu ataque, também não tem
conhecimento do que representam. A análise, não obstante, demonstra que estavam
reproduzindo algum acidente dramático de sua vida.
Em outras formas de neuroses acontece a mesma coisa. As neuroses mostram que não
é por serem fracas que as idéias latentes deixam de penetrar na consciência. Delas pode-se ter
provas tão sólidas quanto as que a consciência fornece a respeito das idéias conscientes.
Podemos, então, distinguir dois tipos de idéias latentes: as que penetram facilmente na
consciência e que são pré-conscientes e outras que não o fazem e que são inconscientes. O
termo inconsciente, que até aqui se usara simplesmente num sentido descritivo, para abarcar
tudo aquilo que era latente, na mente, adquire agora um sentido dinâmico, referindo-se a
idéias que não têm acesso à consciência, apesar de suas forças.
227
patologia [e só validas naquele campo]?
Com relação à primeira, deve-se dizer que não se pode dar ao termo consciência uma
extensão tão grande que inclua uma consciência da qual seu possuidor não se dê conta;
quanto à segunda, pode-se responder com outros fenômenos mais bem conhecidos e que
ocorrem em pessoas normais, graças á força das idéias que os sustenta: o lapsus linguae, os
erros de memória, de fala, os esquecimentos, etc. [Ou seja, os atos falhos, de modo geral].
Precisamos levar em conta relações funcionais e dinâmicas entre ações psíquicas que
descrevemos:
228
os pensamentos sofrem uma deformação; os pensamentos
[Esse texto foi publicado pela primeira vez em dezembro de 1937, reconceituando a
antiga noção de interpretação. Enquanto a interpretação se dirige a um fragmento de
comportamento, a um impulso, a um símbolo, a construção (ou reconstrução) visa reconstituir
todo um período da vida. Freud fez isso com o Homem dos Lobos, com Leonardo da Vinci, com
a jovem homossexual etc.].
229
A análise visa conseguir que o paciente abandone as repressões e as substitua por
reações maduras e para isso ele deve recordar certas experiências e impulsos que já se
esquecera. Seus sintomas e inibições são conseqüências de tais repressões e constituem um
substituto para as coisas esquecidas.
Que tipo de material o paciente põe à nossa disposição, para que o levemos à recuperação das
lembranças perdidas?
Estamos à procura de um quadro dos anos esquecidos do paciente que seja completo e
digno de confiança. A pessoa que está sendo analisada tem de ser induzida a recordar o que foi
experimentado e reprimido. O dinamismo desse processo é tão interessante que a tarefa do
analista deve vir em segundo plano. Qual é a sua tarefa? É a de completar o que foi esquecido a
partir dos traços que [esse material] tenha deixado atrás de si ou, mais corretamente, construí-
lo. O vínculo entre o papel do analista e o do paciente é constituído pela ocasião e modo como
aquele transmite aos analisandos suas construções, bem como as explicações com que as faz
acompanhar. Seu trabalho de construção assemelha-se à escavação, feita por um arqueólogo.
Os dois processos são de fato idênticos, mas o analista trabalha em melhores condições e tem
mais material à sua disposição para ajudá-lo, já que aquilo com que está tratando não é algo
destruído, mas algo vivo. Mas assim como o arqueólogo ergue as paredes do prédio a partir dos
alicerces que permaneceram, determina o número e posição das colunas pelas depressões no
chão e reconstrói as decorações e pinturas a partir dos restos encontrados nos escombros,
também o analista extrai suas inferências de fragmentos de lembranças, de associações e dos
comportamentos do sujeito da análise. Ambos reconstroem a partir de restos.
230
Um dos problemas com que se defronta o arqueólogo é a determinação da idade de
seus achados. Se um objeto aparece [soterrado] em determinado nível [geológico], resta decidir
se ele pertence a esse nível ou se foi carrregado para ele devido a alguma ocorrência
subseqüente. [Um terremoto, por exemplo, ou uma erupção vulcânica]. É de imagina-se que
dúvidas [análogas] surgem no caso das construções analíticas.
O analista dispõe de [um] material que não tem [um] correspondente nas escavações:
as repetições, na transferência, de reações que datam da tenra infância.
O escavador lida com objetos destruídos, dos quais grandes partes se perderam. Pode ser
que nenhum esforço leve a uma descoberta e [que] os restos que permaneceram não
possam mais ser unidos. O único recurso que se acha franqueável a ele é o da reconstrução
que, com freqüência, só pode atingir [um] certo grau de probabilidade. Mas, com o objeto
psíquico é diferente. Aqui, os elementos essenciais estão preservados. Mesmo as coisas que
parecem esquecidas estão presentes e simplesmente foram enterradas e tornadas
inacessíveis ao indivíduo. Nenhuma material psíquico é vítima de destruição total. Depende
do trabalho analítico obtermos sucesso em trazer à luz o que está oculto. Há apenas dois
fatos que pesam contra a vantagem que é desfrutada pela análise. A saber:
II
A construção não é, porém, preliminar no sentido de que a totalidade dela deve vir
antes que o trabalho seguinte possa começar, tal como, por exemplo, é o caso com a
construção de casas, onde todas as paredes devem estar erguidas e todas as janelas inseridas
antes que a decoração interna das peças possa ser empreendida. Todo analista sabe que
231
ambos os trabalhos são executados lado a lado. O analista completa um fragmento da
construção e o comunica ao sujeito da análise; constrói então um outro fragmento a partir de
novo material, lida com este da mesma maneira e prossegue, de modo alternado, até o fim. Se
nas descrições da técnica analítica se fala tão pouco sobre construções, isso se deve ao fato de
que se fala de interpretações. Mas acho que construção é a descrição mais apropriada.
Interpretação aplica-se a algo que se faz a um elemento isolado, tal como uma associação ou
uma parapraxia. Deve-se falar de construção quando se põe diante o sujeito um fragmento
esquecido de sua história primitiva, aproximadamente da seguinte maneira: 'Até os onze anos
de idade, você se considerava o único e ilimitado possuidor de sua mãe; apareceu então um
outro bebê e lhe trouxe uma séria desilusão. Sua mãe abandonou você por algum tempo e,
mesmo após o reaparecimento dela, nunca mais se dedicou exclusivamente a você. Seus
sentimentos para com ela se tornaram ambivalentes, seu pai adquiriu nova importância para
você...', e assim por diante.
232
O 'sim' do paciente de modo algum deixa de ser ambíguo. Pode significar que
ele reconhece a correção da construção que lhe foi apresentada, mas pode também
ser 'hipócrita', uma vez que pode convir à sua resistência fazer uso de um assentimento
de uma verdade que não foi descoberta. O 'sim' não possui valor, a menos que o
paciente, após ele, produza lembranças que a complementem e a ampliem. Apenas em
tal caso consideramos que o 'sim' refere-se completamente ao assunto em debate.
Portanto, as falas do paciente, depois que lhe foi oferecida uma construção, fornecem
muito poucas provas de acertos ou erros. [Contudo, há outras] formas indiretas de
confirmação. Uma delas é uma forma de expressão utilizada com muito pequena variação pelas
mais diferentes pessoas: „Nunca pensei nisso'. Isso pode ser traduzido por: 'Sim, o senhor está
certo'. Infelizmente, essa fórmula se verifica com [maior] freqüência depois de interpretações
isoladas do que depois de uma construção. Confirmação igualmente valiosa é aquela em que o
paciente responde com uma associação que contém algo semelhante ou análogo ao conteúdo
da construção. Em vez de extrair um exemplo disso de uma análise, prefiro fornecer um relato
de uma pequena experiência extra-analítica que apresenta uma situação semelhante. Certo dia,
um de meus colegas que me escolhera como consultor em sua clínica médica, trouxe sua jovem
esposa para me ver, pois ela estava causando problemas para ele. Recusava-se a ter relações
sexuais com ele e o que ele esperava de mim era que expusesse a ela as conseqüências de seu
comportamento. Ingressei no assunto e expliquei-lhe que sua recusa provavelmente teria
resultados desafortunados para a saúde de seu marido, ou o deixaria exposto a tentações que
poderiam conduzir ao rompimento de seu matrimônio. Nesse ponto, ele subitamente me
233
interrompeu com a observação: 'O inglês que você diagnostico» como sofrendo de um tumor
cerebral morreu também. A princípio, a observação pareceu incompreensível; o 'também' em
sua frase era um mistério, pois não faláramos de ninguém que tivesse morrido. Pouco depois,
porém, compreendi. Evidentemente o homem estava querendo dizer 'Sim, você certamente
tem toda a razão. Seu diagnóstico foi confirmado no caso do outro paciente também.' Era um
paralelo às confirmações que, na análise, obtemos a partir das associações. Não nego que,
postos de lado, havia outros pensamentos que tinham sua parte na determinação da
observação dele.
234
Mal vale a pena ser descrito [de que maneira] essa conjectura nossa se transforma em
convicção do paciente. Apenas um ponto exige explicação: o caminho que parte da construção
do analista deveria terminar na recordação do paciente, mas nem sempre ele conduz tão longe.
Em vez disso, se a análise foi corretamente efetuada, produzimos nele uma convicção da
verdade da construção, a qual alcança o mesmo resultado terapêutico que uma lembrança.
Se uma crença em sua presença concreta se tivesse somado à sua clareza, essas
recordações poderiam ser descritas como alucinações. A importância dessa analogia pareceu
maior quando observei que alucinações verdadeiras ocorriam ocasionalmente no caso de
outros pacientes não psicóticos. Talvez seja uma característica geral das alucinações que algo
que tenha sido experimentado na infância e depois esquecido retorne deformado e deslocado,
devido às forças que se opõem ao seu retorno. Pode ser que os próprios delírios em que as
alucinações são incorporadas não sejam independentes do retorno do reprimido. No
mecanismo de um delírio, via de regra, acentuamos apenas dois fatores: (1) – o afastamento do
mundo real e suas forças motivadoras e (2) – a influência exercida pela realização de desejo.
Mas não pode ser que o impulso ascendente do reprimido explore o ato de afastamento da
realidade e force seu conteúdo à consciência, enquanto as resistências e a realização de desejo
partilhem da responsabilidade pela deformação e pelo deslocamento? Esse é, afinal, o
mecanismo dos sonhos, o qual, desde tempos imemoriais, a intuição igualou à loucura.
Essa visão não é nova. A essência [nova] dela é que tanto há método na loucura, mas
também um fragmento de verdade histórica, sendo plausível supor que a crença que se liga aos
delírios derive sua força de fontes infantis desse tipo. Tudo o que posso produzir em apoio
235
dessa teoria são reminiscências, não impressões novas. Valeria a pena fazer uma tentativa de
estudar o distúrbio em apreço com base nas hipóteses aqui apresentadas e efetuar seu
tratamento segundo essas linhas. Com isso abandonar-se-ia o vão esforço de convencer o
paciente do erro de seu delírio e reconhecer-se-ia seu núcleo de verdade. Isso permitiria um
campo sobre o qual o trabalho terapêutico poderia desenvolver-se, trabalho que consistiria em
libertar o fragmento de verdade histórica de suas deformações e ligações com o presente e em
conduzi-lo de volta para o passado a que pertence. Essa transposição do passado para o
presente ou para uma expectativa de futuro é uma ocorrência tão habitual nos neuróticos como
nos psicóticos. Quando um neurótico é levado a esperar a ocorrência de algum acontecimento
terrível, por um estado de ansiedade, ele está sob a influência de uma lembrança reprimida; de
algo de terrificante que realmente aconteceu na ocasião da [repressão]. Acredito que
adquiriríamos um valioso conhecimento a partir de um trabalho desse tipo com psicóticos,
mesmo que não conduzisse a qualquer sucesso terapêutico.
Estou ciente de que é pouco útil tratar um assunto tão importante da maneira
apressada que empreguei aqui. Contudo, não pude resistir à sedução da analogia [com o
arqueólogo]. Os delírios parecem-me ser os equivalentes das construções que fazemos num
tratamento analítico, embora seja verdade que nas psicoses elas não podem fazer mais do que
substituir o fragmento de realidade que está sendo rejeitado. É tarefa de cada investigação
revelar as conexões existentes entre o material da rejeição atual e o da repressão original. Tal
como nossa construção só é eficaz porque recupera um fragmento de experiência perdida,
assim também o delírio deve seu poder convincente ao elemento de verdade histórica que ele
insere no lugar da realidade rejeitada. Dessa maneira, uma proposição que originalmente fiz
apenas quanto a histeria se aplicaria também aos delírios, a saber, que aqueles que lhes são
sujeitos, estão sofrendo de suas próprias reminiscências. Nunca pretendi, através dessa breve
fórmula, discutir a complexidade da causa da doença ou excluir o funcionamento de outros
fatores.
236
FASES DE DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL EM FREUD
INTRODUÇÃO
A teoria psicanalítica sugeriu que a personalidade é mais estabelecida aos cinco anos
de idade. As primeiras experiências desempenham um grande papel no desenvolvimento da
personalidade e continuam a influenciar o comportamento mais tarde na vida.
1
Professor Universitário, Psicanalista, Doutorando em Psicologia, Mestre em Educação (Pesquisa em
Formação Psicanalítica e Educação). Coordenador do Núcleo de Formação de Psicanalistas e Mestres em
Psicanálise. Co-coordenador da Clínica Social de Psicanálise – Instituto GAIO. Contato:
consultoriodr.aeuzebio@gmail.com ou Instagram: https://www.instagram.com/aeuzebio.psi
237
Desse modo, Freud estabeleceu os períodos e fases e acreditava que as crianças passavam
durante suas vidas, fases que eram interrompidas com a chegada de outra nova fase.
238
Todas os indivíduos passarão por essas fases acima na infância!
Algumas pessoas são incapazes de superar um estágio e passar para o próximo. Uma das
razões para isso pode ser que as necessidades do indivíduo em desenvolvimento não foram
supridas de modo adequado e, nesse caso, ocorre frustração. Ou as necessidades foram tão bem
satisfeitas que a pessoa reluta em deixar para trás os benefícios psicológicos de um dado estágio,
ocorrendo assim excesso. Tanto a frustração quanto o excesso (ou alguma combinação dos dois)
podem levar ao que os psicanalistas chamam de fixação em um estágio psicossexual particular.
Fixação refere-se à noção teórica que uma parte da libido da pessoa é investida permanentemente
em um (ou mais) estágio particular de seu desenvolvimento. Assim a pessoa irá exibir
comportamentos característicos da infância.
REFERÊNCIAS
.
NUNES, César. A educação sexual da criança: subsídios teóricos e propostas práticas para uma
abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas, São Paulo: Autores
Associados, 2000.
239
240
Seja bem-vindo(a) E-book do curso de Psicopatologia Psicanalítica do
INSTITUTO GAIO
Este e-book faz parte dos materiais (apostila, vídeos, podcasts e materiais
complementares) do curso completo de “Psicopatologia Psicanalítico – EAD” que
integra aos cursos livres e de aperfeiçoamento do “Núcleo de Formação Psicanalítica
com abordagem clínica e de formação de mestres em psicanálise do Instituto GAIO”.
Quem somos?
O Instituto GAIO Ensino Superior é uma Instituição de Ensino Superior e Profissional que
atua conforme permissivo legal do MEC – Parecer nº 64/2004 – CEDF e a Deliberação
CEE 14/97 (Indicação CEE 14/97) em consonância ao Decreto Presidencial nº 5.154 e
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educacional com fins de cursos livres profissionais, graduação e pós-graduação entre
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241
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SUMÁRIO
242
13. PERVERSÕES .............................................................................................................. 295
13.1. PERVERSÃO COMO ESTRUTURA CLÍNICA ................................................................. 296
13.2. Subcategorias (tipos) das perversões sexuais em psicanálise .................................... 298
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 308
Apresentação
Hoje, não resta dúvida sobre a imensarevolução. científica que significou a entrada em
cena da psicanálise no início deste século. A sistematização dos seus modelos para a
compreensão da conduta normal e anormal do homem, assim como a interpenetração
de fatores biológicos, psicossociais e culturais na produção sintomatológica, foram — e
continuam sendo — de valor inquestionável.
Siga-nos em nossas redes sociais e fique por dentro de nosso e-books gratuitos.
https://www.instagram.com/institutogaio/
243
1. INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA GERAL
244
Figura: Origens dos termos de psicopatologia - INSTITUTO GAIO
245
buscando não reduzir o sujeito a conceitos patológicos, enquadrando-o em padrões
baseados em pressupostos e preconceitos.
Uma das primeiras, e talvez uma das mais importantes, discussões sobre psicopatologia
diz respeito à questão da normalidade. Como vimos na disciplina anterior (Estrutura e
Funcionamento do Psiquismo). Existem várias definições sobre o que é "normal".
A saúde mental, por sua vez, seria então uma condição ideal ou desejada para que essa
normalidade possa vir a existir, com qualidade e capaz de oferecer as melhores
condições para que as pessoas vivam satisfatoriamente, produzam com eficiência e
possam gozar de certo grau de felicidade para com as pessoas próximas a si. Segundo a
OMS, a saúde mental refere-se a um amplo espectro de atividades direta ou
indiretamente relacionadas com o componente de bem-estar, que inclui a definição de
um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de
doença. Este conceito engloba não apenas o comportamento manifesto, mas o
sentimento de bem-estar e a capacidade de ser produtivo e bem adaptado à sociedade.
Por exemplo, considera-se que a tristeza seja normal e esperada na vida de qualquer
pessoa, e é mesmo necessária em determinados momentos da vida (p. ex., em situação
de luto). Entretanto, num quadro depressivo estabelecido, a tristeza é mais intensa e
mais duradoura do que seria esperado numa situação normal e transitória. Assim, uma
situação normal e esperada torna-se patológica não por ser uma experiência ou
vivência qualitativamente diferente, mas por ser mais ou menos intensa do que se
espera em situações normais. Neste sentido o trabalho do psicanalista na compreensão
dessa desordem vai na busca da construção de um processo analítico (entre
paciente/cliente e analista) capaz de conduzir ao "tratamento" dessa psicopatologia.
247
4. PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA
Para mim a resposta é "não somente desse instrumento", o que eu quero dizer
com essa resposta é que o psicanalista precisa ter como base que o seu instrumento
para psicodiagnóstico de uma desordem mental é inicialmente é por meio "da escuta
subjetiva de um sujeito", por meio dos sintomas, do caráter, da inibição e do
estereótipo, ou seja, não existe uma regra "geral" ou mesmo o termo propriamente dito
psicodiagnosticar em psicanálise. Casa pessoa tem a sua subjetividade e esse olhar para
o "Outro" e seu sofrimento psíquico. É, portanto, esse olhar que nos faz psicanalistas,
bem como difere do psicognóstico psiquiátrico e em muitos casos psicológicos.
(ALESSANDRO EUZÉBIO, 2019)
248
4.2. AS NEUROSES
No início de sua obra, Freud dividiu os transtornos emocionais, que então ele
denominava psiconeuroses, em três categorias psicopatológicas:
249
compreensão genético-dinâmica e paralelamente os autores foram ampliando,
subdividindo, diversificando, construindo novos modelos e, portanto, aumentando a
complexidade nosológica, tal como aparece nas modernas classificações diagnósticas,
como o DSM ou o CID.
Seguindo o planejamento dessa disciplina, fica evidente que este conteúdo não
ficará reduzido à simplória (vista de hoje) classificação original de Freud, porém
tampouco pretenderá, sequer de perto, abranger a totalidade dos tópicos nosográficos
daquelas classificações oficiais
Neuroses atuais
A neurose atual, segundo Freud, não é produzida por conflitos históricos, mas
sim por motivos atuais, de modo que ela não depende estritamente de fatores
psicológicos. Antes disso, a neurose de angústia seria resultante de fatores biológicos
que agiriam através de substâncias químicas, sendo que o acúmulo dessas “toxinas
sexuais” produzidas pelas excitações frustradas manifesta-se diretamente por sintomas
de angústia livre, como taquicardia, palpitações, respiração ofegante, etc., que, diz
Freud, são aquelas mesmas que estão presentes no ato sexual.
Freud deixou o tratamento das neuroses atuais de lado. Segundo ele, tanto os
sintomas das psiconeuroses como das neuroses atuais são o resultado de um uso
anormal da libido:
250
cuja origem estão ausentes todos os complicados mecanismos mentais que já
conhecemos.
Neste último caso, teria havido uma excessiva descarga de substâncias sexuais,
como aconteceria no exagero da prática da masturbação, sendo que como decorrência
dessa hemorragia de substâncias sexuais, a neurastenia caracteriza-se por um quadro
sintomático de fraqueza, apatia, cansaço, etc. Posteriormente, em 1911, ao estudar o
“Caso Schreber”, Freud descreveu um terceiro tipo de neurose atual: a hipocondria,
que poderia estar representando um núcleo “atual” de uma esquizofrenia.
251
5. NEUROSES ATUAIS: NEUROSES DE ANGÚSTIA
Conceituação
252
Habitualmente, os psicanalistas empregam os termos “angústia” e “ansiedade”
de forma indistinta, porém que cabe alguma distinção.
O termo ansiedade (talvez tenha alguma relação com “ânsia”, isto é, um desejo
desmedido) designa alguma descompensação da harmonia psíquica interna, no
entanto, nem sempre ela é visível ou perceptível porque, por meio de recursos
defensivos que constituem os mais diversos tipos de negação da referida ansiedade, o
sujeito pode estar impregnado por uma ansiedade latente sem que ela seja manifesta.
Como exemplo disso, pode ser o caso de uma fobia específica a utilizar um
elevador, sendo que essa pessoa nada sentirá enquanto puder administrar bem as suas
técnicas evitativas dessa situação fobígena, porém um enfrentamento direto da
situação ansiogênica pode fazer vir à tona, de forma ruidosa, aquela angústia que
estava latente, aparentemente inexistente.
Por sua vez, a palavra angústia deriva do latim angor, que quer dizer “angustura,
estreitamento, apertamento”, o que traduz fielmente os sintomas que emergem e
ficam livremente manifestos nos sintomas opressivos acima assinalados. Na maioria das
vezes, tais sintomas indicam que está havendo uma falha do mecanismo de repressão,
diante de um – traumático – excesso de estímulos, externos e/ou internos.
253
mais diretamente que o sujeito não está conseguindo processar um excesso de
estímulos que, na realidade e na atualidade, estão acossando ao seu ego.
ATENÇÃO: O termo “neurose de angústia” caiu em certo desuso visto que ela
ora se confunde com a síndrome do pânico, ora com a neurose atual, ora com a
angústia dos fóbicos diante de situações especificamente ansiogênicas. Aliás, nos
primeiros tempos, Freud designava as fobias com a denominação de “histeria de
angústia” o que evidencia a sua percepção de que a neurose de angústia e a fobia são
parentes íntimos.
6. FOBIAS
Uma complexa e diversificada combinação de pulsões, fantasias, angústias,
defesas do ego e identificações patógenas pode determinar na personalidade do sujeito
uma estruturação de natureza fóbica. Pelo fato de que essa estrutura fóbica axial
costuma ser multideterminada e variar intensamente de um indivíduo para outro, tanto
em intensidade como em qualidade, ela configura-se clinicamente com uma ampla
gama de possibilidades, desde as mais simples e facilmente contornáveis até as mais
complicadas, a ponto de serem incapacitantes e paralisantes.
254
Assim, desde uma situação em que estão presentes alguns traços fóbicos na
personalidade (sob a forma de inibições, por exemplo), passando pela possibilidade de
uma caracterológica fóbica, caracterizada por uma modalidade evitava de conduta,
aliada a um típico estilo de comunicação e de lógica, pode-se atingir uma configuração
clínica de uma típica neurose fóbica, sendo que em certos casos é tal o grau de
comprometimento do sujeito, que não é exagero designar como psicose fóbica.
255
Pelo fato de que não há uma explicação unitária para a formação das fobias,
cabe tentar classificá-las de acordo com a pluralidade causal, segundo a enumeração a
seguir:
256
etc., etc. e que refletem uma excessiva carga de identificações projetivas dos temores
dos pais na mente da criança.
• É evidente que essa ação fobigênica dos pais vai depender diretamente do
grau de insuficiência das funções do ego da criança em poder discriminar e pensar
sobre aquilo que está sendo invadido no seu psiquismo.
• Basicamente, o que define uma condição fóbica é o uso, por parte do paciente,
de uma “técnica de evitação” de todas as situações que lhe pareçam perigosas. Essa
sensação de perigo decorre do fato de que a situação exterior fobígena (por exemplo,
257
um elevador, um avião, uma viagem, um tratamento analítico...) está sendo o cenário
onde estão sendo projetados, deslocados e simbolizados os aspectos dissociados das
pulsões e objetos internos, representados no ego como perigosos.
Muitas outras vezes, a fobia não aparece manifestamente, e ela somente pode
ser detectada pelo seu oposto, isto é, de sua conduta contrafóbica.
É útil assinalar que a grande “união” que muitos casais e famílias se vangloriam
de possuir (“estamos sempre juntos, nunca nos separamos seja qual for a circunstância,
etc.”) muitas vezes pode estar expressando uma modalidade fóbica, na qual predomina
a “técnica de um controle mútuo”.
• Uma outra decorrência de ordem prática é que os pacientes fóbicos, nos quais
predomina a “ansiedade de engolfamento”, podem responder muito
258
persecutoriamente à insistência do analista em interpretar sistematicamente no “aqui-
agora-comigo”, não sendo poucos os casos que interrompem a análise em função disso.
7. NEUROSE OBSESSIVO-COMPULSIVO
Conceituação
259
3) Neurose obsessivo-compulsiva.
Vale lembrar que o termo “obsessão” refere-se aos pensamentos que, como
corpos estranhos, infiltram-se na mente e atormentam o indivíduo, enquanto, por sua
vez, o termo “compulsão” designa os atos motores que o neurótico executa como uma
forma de contra-arrestar a pressão dos referidos pensamentos.
260
perfeccionismo, porém nada adianta; não vem a recompensa imaginada e com
facilidade ele fica aprisionado em um estado de decepção e depressão.
261
esfincteriana da criança, quando adequadamente exercida pela mãe, representa um
importante fator de estruturação do psiquismo.
262
negar os sentimentos que lhe despertem ansiedade), racionalização e intelectualização
(especialmente na situação analítica, são muito empregadas a serviço das resistências).
Mais ainda, existe a defesa inconsciente que consiste em utilizar um sistema de pensar
ruminativo, cavilatório, com uma nítida preferência pelo emprego do “ou”, disjuntivo,
no lugar do “e”, integrativo, de sorte que a presença compulsiva e recorrente de certos
pensamentos obsessivos visam justamente anular a outros pensamentos que estão
significados como sendo desejos proibidos.
264
8. HISTERIAS
O próprio nome “histeria” (de “histeros” que, em grego, quer dizer “útero”) já dá uma
idéia clara de como os antigos atribuíam unicamente às mulheres a condição de serem
as portadoras desse transtorno psicológico e, mais ainda, havia a crença de que elas
estariam sendo presas de “maus espíritos” e, por isso, deveriam ser banidas da
comunidade ou submetidas a rituais de exorcismo por meio de torturas.
Na época em que Freud publicou Estudos sobre histeria (1895), quando ele recém
estava esboçando as suas ideias psicológicas ligadas ao dinamismo do inconsciente, a
comunidade médica ficou chocada porque até então a histeria era considerada uma
doença degenerativa, que seria causada principalmente pela sífilis. No referido livro,
escrito juntamente com Breuer, em quatro pacientes histéricas, Emmy von N. Lucy R.,
Katherina e Elisabeth, Freud começa verdadeiramente a encontrar o berço da
psicanálise, e assim abrir as portas para novos descobrimentos em sucessivos trabalhos,
sendo que o seu estudo mais notável acerca da histeria, publicado em 1905, é
conhecido como o célebre Caso Dora.
265
narcisista”, que caracterizava, sobretudo, uma forte agressividade viril, caiu em desuso,
e as suas características clínicas foram absorvidas dentro da categoria mais ampla de
“caráter histérico”.
Lacan retorna a Freud, mas ele o faz postulando que não é o pênis (como órgão
anatômico) que a histérica busca de forma afanosa, mas, sim, o falo (símbolo do poder
que, comumente, mas não exclusivamente, a criança atribui ao pênis do pai). No
imaginário da criança, o falo designa justamente aquilo que falta à mãe, e que vem a
ficar representado no seu ego como uma ausência, falha, falta e, por essa razão, ela
pode passar a vida inteira acossada por desejos e demandas para preencher esse vazio
imaginário.
Em resumo, na atualidade, à medida que escasseiam cada vez mais as histerias com os
sintomas dramáticos dos primeiros tempos de Freud, em uma proporção inversa,
abundam os escritos sobre os transtornos da “personalidade histérica”. No entanto, os
autores não rejeitam as descobertas anteriores e tampouco deixam de lado o desejo
edípico com toda a sua constelação de consequências, embora esteja havendo uma
crescente ênfase na organização narcisista da estrutura histérica.
Conceituando histeria
Caro aluno (a) o conceito de histeria abrange muitas modalidades e graus de quadros
clínicos dentro da categoria de “neurose histérica”, porém também permite ser
abordado de outros vértices, como o de uma “personalidade (ou caracterologia)
histérica” ou o da possível presença de “traços histéricos” em praticamente todas as
personalidades normais ou psicopatológicas, inclusive em psicóticos. Pode servir como
exemplo o fato de que, considerando unicamente a “neurose histérica”, a mesma
costuma ser descrita por múltiplos pontos de vista: assim, do ponto de vista
psiquiátrico, essa histeria costuma ser dividida em dois tipos, a conversiva e a
dissociativa, mais adiante explicitadas.
266
2) Outras, também “verdadeiras”, com casamentos complicados, geralmente de
natureza sadomasoquística, que não conseguem manter por muito tempo um
satisfatório compromisso com a análise.
3) Aquelas pacientes que manifestam sintomas histéricos, que lhes confere uma
fachada de pessoa histérica, mas que, na verdade, encobre uma subjacente condição
bastante depressiva, sendo que essas pessoas não se completam em nenhuma área da
vida.
O terceiro aspecto consiste no fato de que a histeria é tão plástica e proteiforme, que
de alguma forma, ela está presente em todas as psicopatologias, sendo que a
compreensão dos psicanalistas deixou de ser unicamente da psicodinâmica dos
conflitos sexuais reprimidos, mas também como uma expressão de problemas
relacionais e comunicacionais. Um espectro assim tão largo leva, inevitavelmente, a
uma confusão conceitual e semântica, o que justifica o questionamento: uma histeria
ou muitas?
Como antes foi frisado, a histeria é tão plástica que, a rigor, pode-se dizer que, de
alguma forma, ela está presente em todas as psicopatologias; no entanto, o termo
histeria deve ficar restrito para aqueles quadros sintomatológicos e caracterológicos
que obedecem a uma estruturação própria e conservam uma série de pontos em
comum.
A própria classificação nosológica das doenças mentais (DSM) não fica restrita a um
único eixo: assim, partindo do eixo I (sintomas, psicopatologia) as histerias mantêm a
velha divisão nos dois tipos, denominados como conversivas e dissociativas, enquanto
que, visto do eixo II (caracterologia, transtornos da personalidade), o conceito é mais
abrangente e inclui as denominações de transtornos de personalidade histérica;
267
personalidade infantil dependente; personalidade fálico-narcisista; traços histéricos em
outras personalidades; transtornos de personalidade histriônica.
Diz respeito ao fato de que os conflitos sofrem uma “conversão” nos órgãos dos
sentidos (cegueira, surdez, perda do tacto, alucinoses, etc.), e no sistema nervoso
voluntário (contraturas musculares, paralisias motoras, etc.).
A conversão segue a mesma deformação simbólica dos sonhos, sendo que muitas vezes
os sintomas conversivos deixam transparecer com relativa facilidade o conflito
subjacente.
Um determinado sintoma conversivo pode conter muitos significados, como pode servir
de exemplo a tosse que acometia a célebre paciente Dora, e que representava três
aspectos: um simbolismo de sentimentos sexuais, agressivos, narcisistas e melancólicos,
uma forma de identificação com a tosse da sra. K., sua rival sexual, e a aquisição de um
ganho secundário.
Por outro lado, vale consignar mais três aspectos acerca da conversão: ela não é
específica das histerias, o diagnóstico diferencial, com doenças orgânicas, hipocondria
ou manifestações psicossomáticas, nem sempre é fácil e, por fim, a constatação de que
a psiquiatria moderna inclina-se acentuadamente para a postulação de que não há uma
direta relação clínica ou dinâmica, entre os sintomas histéricos conversivos e os
“transtornos de personalidade histérica”.
268
8.3. Histerias Dissociativas
269
8.4. Transtornos de Personalidade Histriônica
Esta denominação refere-se a uma forma mais regressiva de histeria, sendo que as suas
manifestações são muito mais floridas que as das “histéricas”, a ponto de alguns
autores apontarem para um íntimo parentesco entre o histrionismo e os estados
borderline.
Sintomas
Necessidade de atenção
270
A pessoa com transtorno de personalidade histriônica fica tentando continuamente ser
o centro das atenções e com frequência fica deprimida quando não é. Ela
frequentemente é uma pessoa cheia de vida, dramática, entusiasmada e paqueradora
e, às vezes, encanta novos conhecidos.
A pessoa com esse transtorno com frequência se veste e age de forma indevidamente
sedutora e provocante, não apenas com potenciais interesses românticos, mas em
muitos contextos, incluindo no trabalho e na escola. Ela quer impressionar os outros
com sua aparência e, assim, frequentemente fica preocupada com o visual.
As emoções podem ser ligadas e desligadas rapidamente e, com isso, a pessoa pode dar
a impressão de ser supérflua. Ao mesmo tempo, as emoções costumam ser
demonstradas de maneira exagerada. A pessoa com esse transtorno fala de forma
dramática, expressando opiniões fortes, mas com poucos fatos ou detalhes para dar
respaldo às suas opiniões.
Outros sintomas
Ela frequentemente acredita que seus relacionamentos são mais próximos do que eles
de fato são. A pessoa com transtorno de personalidade histriônica anseia por novidade
e tende a se aborrecer facilmente. Assim, ela pode trocar de emprego e de amigos com
frequência. Ela se sente muito frustrada com a demora em ser gratificada e, por isso,
suas ações são frequentemente motivadas para obter satisfação imediata.
271
8.5. Personalidade Infantil (Transtorno de Personalidade Infantil) ou Psicoinfantil
272
dos filhos pode aumentar no caso em que o pai é desqualificado pela mãe, já
que “pai é alguém reconhecido como tal pela mãe, é aquele que tem autoridade
e exerce a lei no seio da família”, o que nem sempre acontece nesses casos. As
pacientes histéricas com frequência têm um pai insatisfeito com a esposa, que
se voltou para a filha em busca da satisfação e da gratificação que não foi
possível no casamento. A experiência clínica comprova o quanto é frequente na
mulher histérica que o pai era o seu centro do universo, enquanto a sua mãe
restou desvalorizada, em um misto de amor e ódio.
273
inconscientes (apelo às fantasias, provocação de certos papéis nos outros, etc.)
a fim de conservar a crença imaginária de que ele continua sendo todos os
personagens que habitam dentro dele, o que fica ainda mais complicado porque
comumente as identificações são também feitas com figuras imaginárias.
274
9. PRÁTICA DE ATENDIMENTO ANALÍTICO COM PACIENTES HISTÉRICOS: (Artigo –
INSTITUTO GAIO)
https://www.institutogaio.com.br/wp-content/uploads/2020/03/A-PRÁTICA-
ANALÍTICA-NO-ATENDIMENTO-DE-PACIENTES-HISTÉRICOS.pdf
Atualmente não somente vemos nas redes sociais, como artigos em revistas,
jornais e até campanha temos. Em nossa área de saber psicanalítico o tema relativo às
depressões sempre teve um lugar muito importante, desde Freud até os teóricos
modernos, uma aprofundada e crescente valorização e investigação a partir de
múltiplos vértices de abordagem. Temos então duas considerações a fazer conceituais,
tais que diferenciam depressão de melancolia.
275
Ambas apresentam sintomatologias semelhantes, como a perda da capacidade
de amar, falta de interesse por si próprio ou atividades rotineiras, entre outras, sendo
que o principal fator que as diferenciam corresponde ao objeto específico do sofrimento,
pois na depressão tem-se algo que causou o comportamento tal sofrimento (exemplo o
luto), enquanto na melancolia o sujeito não sabe ao certo o porque de tal sofrimento,
não encontra-se um objeto ligado a isto. Não fugimos da possibilidade então em
psicanálise de afirmar que o sujeito que esta em depressão, está em um estado de
melancolia.
276
psicanálise, assim como, e principalmente, de uma elaboração de prática clínica por
psicanalista do Instituto GAIO e referências.
Conceituando Depressão
Uma primeira observação é que, diante do largo espectro clínico dos estados
depressivos, torna-se indispensável que se reconheça a distinção que há entre
melancolia, luto, tristeza, posição depressiva e depressão, a qual está sempre
subjacente às diversas organizações neuróticas e psicóticas da personalidade. Neste
capítulo, cada um destes termos designa um estado psíquico próprio e diferenciado
entre si.
Assim, tristeza indica um estado de humor afetivo que pode estar presente ou não nos
estados depressivos.
Depressão-melancólica
Por sua vez, a depressão melancólica – a que mais diretamente será aqui
estudada – também apresenta uma ampla gama clínica de variações tanto quantitativas
como qualitativas. Assim, é comum que tenhamos pacientes portadores de uma
277
depressão crônica cujos sinais clínicos possam ser tão insidiosos e pouco aparentes que,
muitas vezes, iludem o nosso conhecimento e, daí, que nem sempre merecem a devida
valorização por parte dos psicanalistas. Em outro extremo, é sabido o quanto podemos
confrontar-nos com bruscas e inesperadas irrupções de surtos melancólicos agudos,
com sério risco de suicídio.
E assim por diante. Apesar dessa variação de forma e de grau das depressões,
alguns de seus sintomas e sinais clínicos são de presença constante, como, por
exemplo: baixa auto-estima, sentimento culposo sem causa definida, exacerbada
intolerância a perdas e frustrações; alto nível de exigência consigo próprio, extrema
submissão ao julgamento dos outros, sentimento de perda do amor e permanente
estado de que há algum desejo inalcançável.
278
Em 1914, Freud (p. 107) estudou a “escolha narcisista do objeto”, juntamente
com a escolha “anaclítica”, em cujo caso o indivíduo está em busca de alguém que
venha a preencher um vazio de mãe original. Spitz (1965) estudou, desde a década de
50, a “depressão anaclítica”, a partir da observação de bebês que, quando eram
separados de suas mães, entre o sexto e o oitavo mês, apresentavam uma
sintomatologia que “assemelha-se de forma impressionante aos sintomas que nos são
familiares na depressão adulta”.
279
10.2. Depressões por perdas
280
perderem-nas, sentem a terrível sensação que é inerente a quem fica sem as
imprescindíveis muletas.
281
Vale destacar as seis seguintes fontes culpígenas, que são devido:
282
Não há recusa da realidade, mas uma ferida da narcísica. O depressivo é atacado
por muitos lados: pelo objetal, pelo narcísico e pela ambivalência. Trava uma batalha
pulsional. No deprimido, ilusão e desilusão coexistem. Acredita na viabilidade de ser
amado por alguém ou fica à mercê de nova frustração, nova desilusão. A desilusão
exibe um lamento, uma incerteza, a vulnerabilidade e o vazio de um ego assombrado
por objetos internos escassos e falhos em termos de provisão narcísica. A fala do
desiludido alude a uma queixa contra aquele que foi incapaz de socorrer os primeiros
pedidos. A alteridade é a causa da dor psíquica, da alienação de si mesmo, da angústia
de não ser, da desintegração.
A pessoa mostra um medo difuso, uma cicatriz em que coexiste uma imagem
grandiosa de si mesma e uma intensa necessidade de ser amada e admirada. Ela
demonstra dificuldade de reconhecer os desejos e os sentimentos dos outros. Fala em
nome próprio, não quer formar ou manter vínculos por desesperança, ausência de
projetos, carências que variam de acordo com as histórias e experiências vividas.
A psicose implica um processo deteriorativo das funções do ego, a tal ponto que
haja, em graus variáveis, algum sério prejuízo do contato com a realidade. É o caso, por
exemplo, das diferentes formas de esquizofrenias crônicas.
284
Para Sigmund Freud no caso da psicose, há uma regressão a um modo de
funcionamento inconsciente, cuja consequência é tomar as palavras como se fossem
coisas.
285
reservatório de energia instintiva. Dela se deriva as outras duas estruturas psicológicas,
o ego e superego. O id consiste numa estrutura psíquica 'exigente', repleta de desejos e
pulsões e não é influenciada pelas demandas do mundo exterior, ou seja, a realidade. O
id é movido pelo princípio do prazer.
2) estados psicóticos;
3) condições psicóticas.
Veremos cada uma separadamente, mas antes portanto, vejamos que a psicose tem
como núcleo estruturante central a prevalência do princípio do prazer sobre o princípio
da realidade. Dessa forma, as funções do ego são prejudicadas, caracterizando o
contato do indivíduo psicótico com seu mundo externo como um ambiente restrito ao
seu universo intrapsíquico, ou seja, um mundo só seu.
286
11.1 Psicoses propriamente ditas
Em relação a essas referidas psicoses, tal como elas são descritas na psiquiatria,
é consensual que há uma evidente lacuna entre os profundos avanços de nossa
metapsicologia e os limitados alcances de nossa prática clínica.
A maior parte dos quadros que parecem ser neuroses “muito típicas” costuma
ser de transtornos limítrofes (ou seja limite entre a neurose e psicose): as histerias
288
graves, bizarras; as neuroses obsessivas que se limitam com a psicose ou certas fobias
graves, com grande infiltração de pensamento delirante.
289
(8) raiva descabida e intensa ou dificuldade para controlar a raiva (por exemplo,
exibições frequentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes);
290
11.3. AS CONDIÇÕES PSICÓTICAS
291
12. PACIENTES SOMATIZADORES (PSICOSSOMÁTICA)
A primeira vez que o termo “psico-somático” (exatamente com essa grafia, com
um hífen nitidamente separador de psique e soma) apareceu na literatura médica foi
em 1818, em um texto de Heinroth, clínico e psiquiatra alemão, no qual o autor buscava
adjetivar uma forma particular de insônia, sendo que tal concepção foi fortemente
atacada por parte do conservadorismo científico da época. Outras vozes tímidas
apontavam para essa direção, sendo interessante consignar o alto grau de intuição de
William Motsloy que há mais de 100 anos, em Fisiologia da mente, escreveu: “Quando o
sofrimento não pode expressar-se pelo pranto, ele faz chorarem os outros órgãos”.
Desde o final da década de 1940, o termo “psicossomático” adquiriu essa grafia
unificadora e passou a ser empregado como substantivo, para designar, no campo da
medicina, a decisiva influência dos fatores psicológicos na determinação das doenças
orgânicas, embora já admitindo uma inseparabilidade entre elas.
Para Lacan os estudos desse genial e polêmico autor, relativos à fase evolutiva
do espelho, remetem a três noções fundamentais: a do “corpo espedaçado” (corps
morcelé, no original), que designa uma sensação de que, tal como uma criança por
volta dos seis meses de vida, o sujeito em estado regressivo é capaz de vivenciar o seu
corpo como que feito de, ou em, pedaços dispersos. A segunda conceituação de Lacan,
também oriunda dessa “fase do espelho”, corresponde à crença da criança de que ela
está alienada no corpo da mãe, com ela ficando confundida corporalmente. Uma outra
vertente muito importante descortinada por Lacan é a que se refere ao discurso dos
292
pais na modelação do inconsciente da criança, sendo que esse discurso pode inscrever
significantes de natureza psicossomática.
A ciência ainda não encontrou uma resposta precisa e definitiva para essa
importante questão. No entanto, é certo que a psicanálise não mais pode ignorar os
inegáveis avanços de outros ramos científicos, como a biologia, psicologia experimental,
neurologia, psicofarmacologia, psicoimunologia, e das neurociências em geral. Levando
em conta todos os aspectos que até agora foram destacados no presente curso e à
guisa de síntese, a psicanálise clínica e a de investigação fundamentam-se nas seguintes
vertentes:
293
(2) Um possível estancamento da libido, ligado aos conflitos da sexualidade
edípica, continua sendo um fator considerável, porém muito longe do peso que lhe era
atribuído nos primeiros tempos da psicanálise.
(6) Alguns outros autores, como Bion, vão mais longe e situam as raízes da
sensibilização dos órgãos aos estímulos existentes no período gestacional intra-uterino,
que também geram as primeiras inscrições no ego incipiente do ser humano.
294
(12) Essa condição de insuficiência para “pensar” (ler) os sentimentos e poder
estabelecer uma devida comunicação entre eles, constituindo a base conceitual das
modernas noções de alexitimia e de pensamento operatório que acompanham as
psicossomatoses.
13. PERVERSÕES
295
“desvio”. Freud (1905), em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", remete à
criança enquanto ser sexual e à sua característica perverso-polimorfa, que pode
permanecer no adulto, trazendo também as neuroses como o “negativo” da perversão.
A partir de 1919, Freud começou a relacionar perversão e o complexo de Édipo, o que
trouxe contribuições para os estudos lacanianos da perversão enquanto estrutura
psíquica. E em 1927, Freud inaugura “O Fetichismo”, que culmina na
recusa (Verleugnung) da castração e nas divisões do ego.
A partir de 1919, Freud começou a relacionar perversão e Édipo nos textos "Uma
criança é espancada: Contribuição ao estudo da origem das perversões”, "A dissolução
do complexo de Édipo”, e "A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da
sexualidade". Nesses textos, ele procura responder a questão da perversão a partir da
articulação entre o complexo de Édipo e o complexo de castração, o que proporciona
um avanço considerável na solidificação dos seus estudos.
296
No entanto, é Lacan quem inaugura uma psicanálise na qual a perversão se coloca
como um paradigma estrutural, mesmo que essa noção não admita uma só
interpretação, trazendo o conceito de estrutura como um “conjunto de elementos que
se constituem na relação, que são exclusivamente interdependentes e que se regem
por determinadas leis que fazem parte de uma constituição interna”.
(2) Em uma segunda afirmativa, Freud diz que a perversão sexual resulta de uma
decomposição da totalidade da pulsão sexual em seus primitivos componentes
parciais, quer por fixações na detenção da evolução da sexualidade, quer por
regressão da pulsão a etapas prévias à organização genital da sexualidade.
Este último aspecto permite uma importante diferenciação conceitual, qual seja:
separar as perversões sexuais em dois tipos de personalidades:
(1) Um se refere àquelas que apresentam uma parte madura, que coexiste com
uma parte imatura (essa última corresponde à “parte psicótica da
personalidade”, se utilizarmos a terminologia de Bion), a qual, diante de
determinadas angústias intoleráveis, induz o sujeito a “atuações perversas” que
são sentidas pelo sujeito como egodistônicas.
(2) O segundo tipo diz respeito àquelas pessoas que conhecemos como
“personalidades imaturas” (como nas histerias com elevado grau de
regressividade) que, de forma egossintônica, atuam predominantemente com
perversões.
297
(1) a qualidade dos impulsos sexuais (como acontece nos casos de sadismo,
masoquismo, exibicionismo, escopofilia e o travestismo);
(2) E o objeto para o qual aquelas pulsões são dirigidas (como nos casos de
homossexualidade, pedofilia, zoofilia, necrofilia...) nos quais, segundo ele, o
objeto normal seria substituído por um outro antinatural. A etimologia da
palavra “perversão” resulta de “per” + “vertere” (quer dizer: pôr às avessas,
desviar...), o que designa o ato de o sujeito perturbar a ordem ou o estado
natural das coisas. Assim, os sujeitos com perversão consideram essas
alterações como sendo boas e normais para a ética do mundo onde ele vive, o
que implica em uma escolha, da qual ele é consciente, de uma conduta oposta a
da normal, desafiando as leis, sabendo que com os seus atos ele ultraja a de
seus pares e a ordem social.
298
Necrofilia - É a compulsão (desejo incontrolável) de ter relações sexuais com
cadáveres devido a uma atração irresistível, principalmente com mulheres
recentemente sepultadas, não importando a idade. O necrófilo não consegue resistir
nem dominar tão asqueroso impulso.
Pedofilia – É a atração sexual que o adulto tem por crianças. Deseja ter relações
sexuais com elas, e as violenta compulsivamente.
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masturbação ou onanismo. Traz desgaste mental e físico, pela canalização excessiva de
suas energias; debilita mentalmente, trazendo impotência em raciocinar, vergonha após
o ato, e dependência, nas suas manifestações de extremas e fora de controle.
300
RESUMÃO
ESTRUTURAS CLÍNICAS DE PERSONALIDADE
301
NEUROSE, PSICOSE E PERVERSÃO
302
• MECANISMO DE REJEIÇÃO OU REPÚDIO: próprio da psicose
• RECALQUE:
• COMPLEXO DE CASTRAÇÃO
(1) Traz resposta ao enigma posto a criança pelas diferenças anatômicas entre os
sexos o
(2) ANGÚSTIA DE CASTRAÇÃO: em uma série de experiências traumatizantes
intervém igualmente um elemento de perda e separação de um objeto: seio,
desmame, mãe, fezes, falo;
(3) O fundamento da angústia da castração está na categoria de separação, de perda
de um objeto narcisicamente valorizado. o Recalque da percepção das diferenças
anatômicas entre os sexos.
303
• REPÚDIO DA CASTRAÇÃO
(1) O indivíduo rejeita o falo enquanto significante do complexo de castração,
ficando no universo do simbólico não sendo integrado ao ics do sujeito como
ocorre no recalque.
• RENEGAÇÃO DA CASTRAÇÃO
(1) O indivíduo recusa a reconhecer a realidade de uma percepção negativa, ou
seja, a ausência do pênis na mulher.
• REJEIÇÃO X RECUSA
(1) A rejeição estaria ligada a um processo primário que compreende duas
operações complementares: a introdução do indivíduo (processo de
simbolização), em consequência disso, a expulsão para fora do indivíduo o
Não simbolizar o que deveria ser (a castração) é uma abolição simbólica.
• NEUROSE
(1) o Histeria, neurose obsessiva e fobias tem sua origem na dissolução do
complexo de édipo e o motor do recalque em todas elas são a angústia de
castração;
(2) No caso da histeria está em jogo da perda do amor;
(3) No caso da fobia é a castração o Na neurose obsessiva;
(4) Por meio do recalque, o ego suprime a pulsão oriunda do id.
(5) O neurótico se distancia de um fragmento da realidade.
(6) Neurose histérica: crise emocional é mais comum; somatização dos
sintomas. Está em jogo o investimento somático do afeto que se transforma
em um sintoma conversivo e esse sintoma funciona como uma parte
análoga ao órgão sexual. O sintoma é inconsciente.
(7) Na fobia há a conversão da angústia em um terror imotivado. Desloca-se a
angústia à um objeto fóbico que será escolhido de acordo com a história do
paciente
(8) Neurose obsessiva tem origem num conflito psíquico infantil que se exprime
por sintomas compulsivos.
(9) Ideias obsessivas, compulsão a realizar atos indesejáveis, luta contra estes
pensamentos e tendências, ritos esconjuratórios (se eu não fizer isso... vai
acontecer isso...).
(10) Modo de pensar caracterizado pela ruminação mental.
(11) Neurose obsessiva do ponto de vista dos mecanismos: deslocamento,
isolamento e anulação retroativa. Do ponto de vista pulsional: ambivalência
304
de sentimentos, fixação na organização anal da libido, regressão. Do ponto
de vista tópico: relação sadomasoquista interiorizada sob a forma de tensão
entre o ego e o superego (superego muito severo).
(12) Não recalca o afeto, mas há o isolamento do afeto que gera sentimento
de culpa.
• PERVERSÃO
(1) Predomínio da recusa, obstrução ao mecanismo do recalque, com a respectiva
perturbação da trama edípica, o que favorece a confusão entre papeis e
contornos sexuais: desaparecem as diferenças, limites e normas.
(2) A criança se depara com as diferenças sexuais anatômicas, renega e neutraliza
as diferenças: não aceita a castração.
(3) A perversão é pensada a partir da divisão do eu (ou clivagem do eu)
(4) FETICHE é uma presença que substitui uma ausência, significando, portanto, a
realização de um desejo, o que não coincide, mas é semelhante a alucinação do
falo como ocorre na experiência psicótica de alucinação de desejos o Pares
sadismo-masoquismo∕voyeurismo-exibicionismo
(5) A perversão existe tanto no homem quanto na mulher, mas não se distribui da
mesma maneira entre os dois sexos no que se refere ao fetichismo.
• PSICOSE
(1) Na psicose há um processo deteriorativo das funções do ego, a tal ponto que
haja, em graus variáveis, algum sério prejuízo do contato com a realidade
(2) Há uma ruptura com a realidade: a castração é a realidade que é preciso rejeitar
e que se constitui como o protótipo de todo rompimento posterior com o
mundo.
(3) Esquizofrenia: dissociação é o sintoma fundamental. Incoerência do
pensamento, da ação, da afetividade. Afastamento da realidade e
desdobramento de si mesmo. Predominância da vida interior. Atividade
delirante mais ou menos acentuada e mal sistematizada. Caráter crônico,
deterioração intelectual e afetiva, pode resultar em demência ou catatonia.
(4) Melancolia: estado depressivo profundo capaz de levar ao suicídio.
Manifestações de medo e desanimo que podem adquirir o aspecto de um
delírio. Psicose maníaco-depressiva, proveniente da melancolia.
(5) Luto e melancolia: Freud mostra que o trabalho do luto é um processo psíquico
que se segue à perda de alguém amado ou alguma abstração que tomou seu
lugar, e por isso, para liberar a libido do objeto perdido é preciso uma tarefa
psíquica (não cai na prova).
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• PSICOSE E PERVERSÃO
(1) Tanto na perversão quanto na psicose podemos falar de uma patologia do ego;
(2) FETICHE X ALUCINAÇÃO: a ausência na realização alucinatória de desejos é a de
um objeto real, enquanto que no fetichismo é uma ausência vivida sobre a base
uma presença ilusória o FETICHE = CRENÇA o PSICOSE = “TRANSTORNO” DA
PERCEPÇÃO.
• NEUROSE E PSICOSE
(1) No caso da neurose em um primeiro momento o ego se coloca a serviço da
realidade, procedendo ao recalque de uma moção pulsional. Entretanto, ainda
não é a neurose em si, tendo em vista que a mesma provém do fracasso do
recalque e não de seu sucesso, pois caso contrário não haveria efeitos no nível
da cs como os sintomas (retorno do recalcado). Portanto, a perda da realidade é
consequência não do recalque, mas do retorno do recalcado, que procurando
de algum modo satisfazer a moção pulsional recalcada, acaba afastando o ego
do fragmento da realidade que exigiu o recalque.
(4) A alucinação tem função de fornecer percepções que tem função de fornecer
percepções que correspondam a realidade a ser reconstruída na exata medida
em que o acervo de registros da informação perceptiva anterior (memória)
havia sido anulado pelo processo defensivo. Aqui vai assumindo o relevo de um
substituto da realidade.
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o psicótico tenta impô-lo ao mundo exterior, enquanto que o neurótico
contenta-se em refugiar-se nele para uma satisfação simbólica.
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uma relação sádica, em que o pai impõe dor à mãe, identificando-se ora na
posição de um, ora na posição de outro.
(2) O perverso tende a ridicularizar a Lei paterna e para isso usará do desafio e
sua consequente transgressão.
• A LÓGICA ESTRUTURAL DO PROCESSO PERVERSO: o desafio e a transgressão
são as principais armas que o perverso usa no agir necessário ao
desenvolvimento do seu gozo. Prioriza a lei paterna como limite existente,
demonstrando habilmente no instante seguinte que talvez não o seja.
Obrigado!
REFERÊNCIAS
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