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Honoris Causa

Oscar Niemeyer
Universidade Técnica de Lisboa
Lisboa, 4 de Dezembro de 2009
Cerimónia de Atribuição do Grau Doutor “HONORIS CAUSA”
Ao Senhor Arquitecto Oscar Niemeyer
Espaço Rainha Sonja da Noruega
Faculdade de Arquitectura
Universidade Técnica de Lisboa

Guião Ceremonial
Os convidados tomam os seus lugares no Espaço Rainha Sonja da Noruega

Preâmbulo
1. O cortejo entra no Espaço Rainha Sonja da Noruega (ao som de um momento musical)
2. Os membros do cortejo dirigem-se aos seus lugares
3. Os membros da mesa da presidência sentam-se, seguidos por todos os presentes
4. O Mestre de Cerimónias levanta-se e anuncia a natureza da cerimónia e a intervenção do
Reitor da Universidade Técnica de Lisboa
5. O Reitor da Universidade Técnica de Lisboa profere a sua alocução
6. O Mestre de Cerimónias anuncia a Madrinha
7. A Madrinha profere o Elogio ao Doutorando
Imposição das Insígnias
A imposição do grau ao laureado reveste-se da seguinte forma:

1. Todos se levantam
2. A Madrinha lê o pedido de atribuição de Doutor Honoris Causa
3. O Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, auxiliado pela Madrinha, impõe as insígnias ao
Doutorando e entrega o diploma
4. O Magnífico Reitor, a Madrinha, o Doutorando e o Presidente da FA assinam o Livro de Actas.
5. Todos se sentam
6. O Mestre de Cerimónias anuncia o vídeo do Laureado
7. Intervenção do Arquitecto Carlos Oscar Niemeyer, representante do Laureado
8. Momento Musical com Rão Kyao
9. O Mestre de Cerimónias anuncia o encerramento da Cerimónia
10. Sessão de Cumprimentos
Encontrar engenho e arte na Obra de Oscar Niemeyer é facto que a realidade
demonstra sobejamente.
Compreender que essa obre transcende o tempo e se instala no espaço como acto
de Criação que a raros é possível, é atitude devida.
Invocar Pessoa para lembrar que “Deus cria, o Homem quer, a Obra nasce”, é
reconhecer em Oscar Niemeyer a dimensão divinatória de quem teve o condão
de modificar as nossas vidas e ascender à categoria dos que, por especial mérito,
enriqueceram a Humanidade.
Superior e simples – ou simplesmente superior – repassa da sua Obra uma
intenção clara de introduzir na vida dos cidadãos a funcionalidade e a estética, a
vontade de superar com o sonho a realidade, a aspiração de alcançar o impossível
numa eterna busca de um Mundo onde instalar a Felicidade.

Fernando Ramôa Ribeiro


Reitor da Universidade Técnica de Lisboa
Poucos são os escolhidos para construir metrópoles.
Ao longo do século que passou, viveu e está presente um que se distinguiu e
concebeu a maior urbe do novo mundo de um só rasgo do seu génio: Oscar Niemeyer.

Não podemos deixar de salientar Brasília como a sua obra de eleição.


Daí a escolha da obra que mais nos emociona ser difícil, pois cada uma é um
paradigma tipológico de originalidade e modernidade. Se por ventura fosse essa
a sua única obra, mesmo assim a sua genialidade ficaria para sempre como a
referência n.º 1 do século XX.
Todos os Arquitectos o reverenciam e a Universidade Técnica de Lisboa através
da Faculdade de Arquitectura, não pode deixar de demonstrar esse apreço senão
através desta homenagem que agora lhe presta, o doutoramento Honoris Causa.

Francisco Gentil Berger


Presidente da Faculdade de Arquitectura
Oscar Niemeyer, arquitecto das formas esplêndidas e do sonho, é uma referência viva
da luta por um mundo melhor, mais justo, mais rico, mais generoso e sobretudo mais
humano, esse é o mundo de Niemeyer.
A sua forma de agir é sempre marcada pela simplicidade e reflecte todo o seu
conhecimento e capacidade.
Niemeyer é mais do que um arquitecto, mais do que um escultor, mais do que um
artista, mais do que um poeta. Niemeyer tem uma visão dilatada do mundo e dos seus
problemas, o que se reflecte, sobretudo, na sua preocupação com o social. A sua
palavra-chave, é “solidariedade”, uma acção concreta em favor dos menos favorecidos.
Artista universal, Óscar Niemeyer é reconhecido e admirado em todo o mundo. O seu
traço é de ousadia. Ousadia na busca da simplicidade e do novo que molda o betão e o
transforma em suave beleza.
Com a junção de linhas curvas e rectas, Niemeyer soube criar um estilo próprio de
Arquitectura, desafiando o espaço na amplitude de grandes vãos livres. Respeitado em
todo o mundo pela sua capacidade de superar obstáculos, imaginar o quase impossível,
e transformar sonhos em matérias, Niemeyer, é não só arquitecto. É também escultor,
cenógrafo, escritor.

Conceição Trigueiros
Madrinha do Doutor Honoris Causa Arquitecto Oscar Niemeyer
MENSAGEM OSCAR NIEMEYER

É uma pena que eu não possa estar presente nesta cerimônia em que,
generosamente, a Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa
me confere o título Honoris Causa, que muito me honra.
Estes agradecimentos vêem acompanhados de um registo, talvez de um lamento:
a questão é que não terei oportunidades de estar com vocês em Lisboa –
estudantes de arquitetura, professores, arquitetos, os técnicos administrativos e
outras autoridades.
Portugal é para mim – para todos os brasileiros – um país muito especial; aí estão
as nossas raízes, o chão em que se plantaram e se têm fecundado nossos laços
fraternais e um amor igualmente partilhado ao português como língua de cultura.
Sempre que me dirijo aos estudantes e aos jovens arquitetos chamo a atenção para
a necessidade de não atuarem como meros especialistas, unicamente voltados para
os assuntos da profissão, e para a importância de cultivarem sempre o hábito da
leitura. Como foi significativo para mim ler os autores portugueses – sobretudo Luís
de Camões, Antônio Vieira, Antônio Herculano, Eça de Queirós e Manuel Alegre!
Travar conhecimento com a poesia multifacetada e polifônica de Fernando Pessoa, a
ficção de Miguel Torga ou a obra do meu amigo José Saramago – tão comprometida
com as mais graves questões do nosso tempo – foi uma experiência fantástica.
Neste momento em que recebo esta láurea é importante frisar que não vejo a minha
arquitetura como uma solução ideal. Ela é tão-somente aquela arquitetura que
prefiro – mais livre, coberta de curvas, voltada para a surpresa, capaz de penetrar
corajosamente nesse mundo de formas novas que o concreto armado oferece. A
meu ver, cada arquiteto deve ter a sua arquitetura. A idéia de uma arquitetura ideal,
obediente a princípios pré-estabelecidos seria a disseminação da mediocridade, da
monotonia e da repetição.
Para finalizar, agradeço, com satisfação, o título que me foi outorgado, e a paciência
com que ouviram as palavras de um velho arquiteto, que continua a acreditar na
intuição criadora. É a intuição que vai descobrindo os segredos da vida e do próprio
ser humano tão desprotegido.

Oscar Niemeyer
Rio de Janeiro, 2 de Dezembro de 2009
Obra do Berço, Rio de Janeiro, 1937
“A obra de Oscar Niemeyer, realizada e em curso, constitui referência incontornável
e contínua ao considerar a evolução da Arquitectura deste e do passado século.
A criatividade inesgotável e a abertura de espírito de Niemeyer reflectem-se numa
obra universal, enraizada na especificidade do ambiente físico e humano do Brasil
e da sua História.
A nomeação como Professor Honoris Causa honra a Faculdade de Arquitectura da
Universidade Técnica de Lisboa”

Álvaro Siza
Conjunto Arquitectónico da Pampulha,
Belo Horizonte, Brasil, 1940
“A arquitectura precisa dos arquitectos para fazerem avançar a disciplina. Oscar
Niemeyer tem sido um desses raros homens. É por isso que lhe reconhecemos o
estatuto de genialidade: é um génio vivo e as suas visões, mesmo as da velhice,
não devem ser levianamente consideradas”.

Ana Vaz Milheiro


Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha
Belo Horizonte, Brasil, 1940
“Se alguma dúvida existisse sobre a capacidade da arquitectura moderna ter criado
a sua tradição cultural, e ser capaz de se tornar tão natural ou anónima quanto as
arquitecturas do passado que nos habituámos a olhar sem preconceitos, então
esta seria a arquitectura de Oscar Niemeyer. Uma das características da sua obra é
habitar em simultâneo o território erudito e ser reconhecida pelas pessoas como
tradução dos traços de uma cultura democrática. Quem quiser pode reduzir a
sua obra à paixão pelo corpo feminino ou pela topografia dramática do Rio. Mas
será sempre mais surpreendente pensar na obra de Niemeyer como aquela que
vindo de uma tradição de radicalidade herdada das vanguardas históricas, parte
livremente para um lugar de invenção avassalador que consegue fazer cidade
com edificios, consegue afrontar a natureza sem agressividade, consegue diluir o
público e o privado sem esforço e sendo inevitavelmente moderna, atravessar o
tempo e estabilizar-se na serenidade da arquitectura clássica.”

Ricardo Carvalho
Edificio Copan
São Paulo, Brasil, 1951
“O sentido estético e estruturante do olhar de Niemeyer, permite-lhe a construção
de um ideário plástico e o forte teor conceptual da sua arquitectura.”

Miguel Arruda
Parque Ibirapuera
São Paulo, Brasil, 1951
“A emotiva e sensual criatividade plástica das formas de expressão simbólica das
arquitecturas de Oscar Niemeyer alia-se a uma insustentável leveza do espaço sob
o entendimento racional das forças tectónicas da matéria.”

Jorge Pinto
Casa das Canoas
Rio de Janeiro, Brasil, 1952
“As formas silhueta como sombras de ave pairando sobre o lago artificial da
Pampulha, a sugestão de nuvens, construções que se elevam do solo vencendo
a gravidade, enfim, a poética da arquitectura de Oscar Niemeyer, foi também
uma força impulsionadora da moderna arquitectura portuguesa. A erudita,
principalmente, mas também a popular.”

Domingos Tavares
Palácio da Alvorada
Brasília, Brasil, 1957
“A arquitectura de Oscar Niemeyer tem uma surpreendente capacidade de dominar
as escalas do lugar e do território.
A expressão sensível das curvas, a força que emana das geometrias moldadas
na plasticidade do betão incorporam a racionalidade liberta do seu pensamento
poético, o amor à vida, as deusas, o sonho e a visão.
A sua arquitectura possui uma dimensão psicológica e confere uma experiência
única e inesquecível dada pela surpresa, leveza e beleza da sua obra.”

Rui Barreiros Duarte


Congresso Nacional
Brasília, Brasil, 1957
“Visitei pela 1ª vez uma obra de Niemeyer aos 16 anos. Lembro-me do espanto
que me causou, que foi, sem dúvida, um momento seminal para quem seguiria
a vida de arquitecto. Desde então, nas posteriores incursões pelas obras
deste extraordinário mestre, confirmei sempre a ideia de ‘gesto’ fluido, elegante,
de sentido territorial e de dilatação das possibilidades. Invariavelmente,
questiona profundamente os padrões da época, reivindicando um grande
sentido de liberdade”

José Mateus
Palácio do Planalto
Brasília, Brasil, 1958
“A ESTÉTICA DO MODERNO BRASILEIRO:
Oscar Niemeyer ofereceu ao seu país uma expressão própria
ao edifício como bem público.”

Michel Toussaint
Supremo Tribunal Federal
Brasília, Brasil, 1957
“Oscar Niemeyer, poeta e mestre eminente das formas que o betão permite,
servindo e provocando belas emoções estéticas aos cidadãos do mundo em geral
e dos brasileiros em particular, desde o menino de escola na favela com as suas
escolas tipo até ao presidente no seu palácio Alvorada.”

António Reis Cabrita


Capela Nossa Senhora de Fátima
Brasília, Brasil, 1957
“Na Arquitectura, como em qualquer outra Arte, comove-nos a liberdade,
possibilidade de um e cada homem alargar as fronteiras do Mundo. Oscar
Niemeyer contribuiu com a sua arte, com possibilidades de ler, compreender ou
propor vida.”

Manuel Aires Mateus


Catedral de Brasilia
Brasília, Brasil, 1957
“Partimos do princípio que Deus deve querer; sabemos que o homem desenha um
rolo inteiro de papel vegetal, sequência a sequência, esquisso a esquisso; temos
então, e só então, a certeza que a obra nasce.
Oscar Niemeyer dedica ao mundo muitos anos de incessantes movimentos de mão
e caneta, à procura da beleza. E encontra-a tantas vezes que faz ressurgir, em todos
nós, a secreta esperança de poder fruí-la, e reencontrá-la, em comunhão holística
com a realidade. É essa a sua grande lição de arquitectura.”

José António Bandeirinha


Sede do Partido Comunista Francês
Paris, França, 1964
“Niemeyer é um dos grandes criadores da arquitectura moderna universal, activo
e inventivo aos longo de décadas e décadas, atravessando dois séculos e até um
milénio com obras notáveis: desde o Ministério corbusiano do Rio de Janeiro,
passando pela Pampulha de Belo Horizonte, pela fulcral Brasília, pelas obras
maiores e urbanas de São Paulo e do Rio, pelo aventuroso Museu de Niterói - e
sem esquecer os passos dados na Europa, desde a Sede do PCF em Paris ao
perturbante Hotel do Casino na Ilha da Madeira, nos anos 1970.”

José Manuel Fernandes


Hotel Pestana Casino Park,
Funchal, Ilha da Madeira, 1966
“No cinzento dos meados do século XX, em Portugal, o sonho de qualquer
estudante de Arquitectura ou jovem arquitecto conduziam-os a um compatriota na
lingua que no Brasil escrevia poesia em desenhos e edificios.
Bem haja, pois, então e hoje.”

Francisco da Silva Dias


Sede da Editora Mondadori
Milão, Itália,1968
“Talvez o trabalho de Oscar Niemeyer seja, entre todos os autores do sec. XX,
aquele que mais expressa a força da utopia. O desejo de uma civilização ideal,
imaginária e fantástica. Não julgo que se possa falar de coisa orgânica ou de
reinterpretação da natureza. Trata-se sim de um pensamento livre, absolutamente
inventivo capaz de condensar o espírito do Brasil Moderno. Raízes plurais e total
liberdade para propor um espaço de futuro. A vulgarização do betão armado como
sistema construtivo, veio amparar de forma absoluta a liberdade criativa de Oscar,
cujo trabalho não se limita a utilizá-lo enquanto suporte estrutural mas sim a
remetê-lo para elemento fundamental do espaço habitado.
Coragem, liberdade, optimismo e utopia constitui um legado a que nenhum
arquitecto pode passar indiferente.”

Ricardo Bak Gordon


Universidade de Constantine
Constantine Argelia 1969
Nada
um traço
um risco
uma curva
um volume
tudo Puro
o Cubo
a pirâmide
eis Niemeyer

Augusto Pereira Brandão


Serpentine Gallery
Kensington Gardens, Hyde Park, London, 1970
“Parafraseando Fernando Pessoa:
‘Se a alma não é pequena ....’ o Oscar merece.”

Mário Krüger
Centro Cultural de Le Havre
Le Havre, França ,1972
NIEMEYER na curva do tempo

“Niemeyer é sinal de um tempo. Como homem e como arquitecto, fez o que tinha
que fazer. Como entendeu que devia fazer. Como o seu e o nosso tempo lhe pediam
que fizesse. Cumpriu. Mas não ficou por aí e fez mais: desenhou o belo, construiu
o útil e deu a toda a sua obra a rara dimensão do eterno! Depois, continua a
acreditar e a lutar com paixão por tudo aquilo em que acredita. E isso é bonito!
Por isso, obrigado Oscar. Mas também por nunca teres desistido!”

Manuel Correia Fernandes


Memorial Juscelino Kubitschek
Brasília, Brasil, 1981
“Qual o aspirante a arquitecto que, no início da aprendizagem, não sentiu o apelo
ao voo livre sugerido, de modo paradigmático, pela magia das formas do Palácio
de Alvorada ou da Catedral de Brasília?
Entre o voo e a queda livre, todavia, dista apenas uma ténue divisória, pois existe
toda uma imensidão na obra de Niemeyer para além das suas inegáveis virtudes
inspiradoras ….
Só muito mais tarde percebi: a densidade de gesto, o desafio face à paisagem,
a insustentável leveza dos equilíbrios, a inigualável originalidade das formas,
a capacidade como poucos de extasiar.
É isto que faz de Oscar Niemeyer um arquitecto genial.

Manuel Salgado
Memorial da América Latina
São Paulo, Brasil, 1987
“Com Niemeyer os princípios e fundamentos da modernidade nunca
verdadeiramente cumpridos parecem encontrar mecanismos inusitados de
renovação ao aliar o desenho e as possibilidades científicas da construção num
projecto único de equilíbrio entre homem e natureza.”

José Fernando Gonçalves


Museu de Arte Contemporânea
Niterói, Brasil, 1991
“A arquitectura nunca é tão livre e próxima, tão alheada do acessório como
acontece na obra de Oscar Niemeyer. Normalmente é resultado de compromissos
que a distanciam da natureza, da própria vida. Em Niemeyer só há proximidade,
deleite, usufruto: uma arquitectura à espera de ser vivida.”

Jorge Figueira
Auditório do Parque do Ibirapuera
São Paulo, Brasil, 1995
“Como é fácil para nós, brasileiros, invadir o mundo de imaginação e de fantasia! O
nosso passado é modesto e tudo nos permite realizar. Como deve ser difícil para vocês
realizarem coisa nova, a circularem a vida inteira entre monumentos!
A nossa tarefa é outra: criar hoje o passado de amanhã.”

“Como arquitecto brasileiro moderno todas as suas obras são fundacionais, na urgência
de criação de uma ordem nova.
Num continente marcado por necessidades vitais insatisfeitas e em que os espaços vazios
e os homens clamam por projectos que lhes tragam sentido, em que o contraste entre
desejo, intenção e possibilidade adquirem tantas vezes aspectos tão dramáticos, pode
haver lugar para a desesperança? É uma exigência ética profunda que impõe a procura
daquele sentido, é a urgência de inventar soluções para o aparentemente insolúvel.
Num continente em parte desconstruído e em parte não construído pode conceber-se
outra opção que não seja a de tentar construir?
É este optimismo que Niemeyer se sente no direito de transmitir aos povos condenados
a cem anos de solidão - de que terão, por fim e para sempre, uma segunda oportunidade
sobre a terra - que deixou marca no Funchal, como obra maior a exibir uma dignidade
arquitectural irrecusável, criativa, diferente, livre do passado distante.”

Alexandre Alves Costa


Museu Oscar Niemeyer
Curitiba, Brasil, 2001
“‘Perceber é receber’, julgo que Heidegger disse isto.
Se o não disse, digo-o eu.
Visitei uma parte ínfima da obra de ‘Oscar’ e, apesar de gostar mais da poesia do
que dos poetas, enamorei-me pelo poeta, pela sua obra, pela generosidade dos
seus espaços, pela sensualidade das suas formas, pela modernidade eterna dos
seus gestos… Será a Beleza uma forma de inteligência, ou a inteligência uma
forma de Beleza?
Se fosse possível haver heróis, neste mundo em que eles nascem e morrem para
além do tempo, ele seria um deles. A Arquitectura narra o arquitecto… desta vez!”

Luís Conceição
DISCURSO DE APRESENTAÇÃO DA MADRINHA DO DOUTORAMENTO
HONORIS CAUSA DO ARQUITECTO OSCAR NIEMEYER CONCEDIDO PELA
UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
Magnífico Senhor Reitor da Universidade Técnica de Lisboa
Ilustres Representantes das Instituições Oficiais
Ilustres Convidados, minhas Senhoras e meus Senhores,

Oscar Niemeyer é autor de uma vasta obra, que vai do design de mobiliário à
escultura. Com a síntese da linha orgânica do seu desenho, culmina na arquitectura,
da casa mínima à grande obra, estendendo-se aos complexos urbanos.
Desde a cidade de Brasília, passando pelo monumental e magnífico palácio da
Alvorada, em Brasília, primeira residência oficial desenhada para um presidente
da república brasileiro, até à casa do seu motorista na favela do Vidigal, no Rio de
Janeiro, a sua obra desenvolveu-se ao longo de mais de setenta anos.
Niemeyer é das referências intelectuais mais importantes do Brasil. A sua obra
transcende fronteiras: é o arquitecto brasileiro que acumula o maior número de
prémios internacionais. Também exibe um conjunto de obras realizadas no Brasil
e no exterior, que o coloca como um dos expoentes da arquitectura universal.
Produziu mais de 500 projectos, dos quais 181 construídos no exterior.
A beleza moderna da arquitectura de Oscar Niemeyer encanta o mundo.
Niemeyer foi reverenciado por grandes nomes da cultura, da literatura e da moda
no século XX, desde o francês André Malraux, ao português José Saramago e ao
italiano Giorgio Armani. Recebeu uma multiplicidade de prémios, entre eles, o
maior prémio de arquitectura do planeta, o Pritzker, que recebeu em 1988.
Dos projectos de Oscar, como gosta de ser tratado, ressuma sempre uma
originalidade inesperada. Quer pelos resultados de uma concepção estrutural
apurada, quer pelas espacialidades e escalas intangíveis, geradoras de formas
delineadas pela sensualidade do desenho e faz com que as suas obras,
frequentemente referenciadas por ligações ao imaginário colectivo, vindas
do barroco mineiro, das montanhas ou das formas femininas, de releituras da
antiguidade ou de si próprio, ou mesmo de inclinações surrealistas, instalam-se
com a força de símbolo e assumem o potencial de ícone urbano.
A cúpula da sua Catedral, com arcos que parecem evocar o gótico, a colunata
do Palácio da Alvorada, as meias esferas equilibradas pelas torres do Congresso
Nacional, remetem-nos para Brasília, O Edifico Copan e a Marquise do Parque
Ibirapuera em São Paulo, o Museu de Arte Contemporânea em Niterói, o Museu
Oscar Niemeyer em Curitiba, são imagens de obras que referenciam o lugar onde
se instalam, edifícios que assumem o status de “marco urbano”. São elementos
urbanos carregados de conteúdo simbólico, que, como afirma Kevin Lynch, são
peças essenciais à orientação urbana e à imagem e identidade da cidade.
Através do seu talento e intelectualidade, Niemeyer implanta cultura nos espaços
em que intervém. As suas obras atingem sempre refinada depuração e conferem
identidade ao lugar em que se implantam. De certo modo condicionam o seu
genius loci.
Para se entender a importância do arquitecto Oscar Niemeyer devemos atender
à coerência de seu percurso, que se instala com uma linha evolutiva constante,
acompanhada de provocações formais, que podem levar à estranheza ou à paixão,
mas não poupam os sentidos de quem as vivência.
A sua obra apresenta oportunidade pela identidade que conquista, pelo potencial
formal e a interlocução espacial que assume perante o observador.
O arquitecto, nascido no Rio de Janeiro, tem como obra mais emblemática o
conjunto de edifícios projectados para Brasília nos anos 50. Relembremos que
esta cidade foi inaugurada em 1960 e classificada Património da Humanidade pela
UNESCO, cujo cinquentenário é em 2010.
Brasília é a cidade modernista que surge como resultado de um período de euforia,
convergências e alianças políticas característicos deste momento de materialização
do ideal moderno. É apoiada num programa de desenvolvimento, que significou
para o Brasil uma experiência radical edificada na utopia modernista da educação
pela forma e representava, no conjunto das intenções que a compuseram, o desejo
de fundar um novo país e uma nova sociedade.

Embora o projecto urbanístico fosse de autoria de Lucio Costa, é o nome de


Niemeyer que se afirma durante mais de meio século de arquitectura brasileira, e é
identificada culturalmente também pelos seus traços e croquis curvilíneos.

Oscar Niemeyer, é referência da maior perfeição para Chico Buarque que conta
uma história relativa a um projecto de Oscar Niemeyer para uma casa para a família
deste músico, que nunca foi construída, e que era sempre referida como a casa
do Oscar. Chico Buarque, que estudava Arquitectura, desistiu para se dedicar à
música, tendo deixado de ser aprendiz do Oscar começou a ser aprendiz do Tom
Jobim.
É a este propósito que Chico Buarque afirma: “Quando a minha música sai boa,
penso que parece música do Tom. Mas música do Tom, na minha cabeça, é casa
do Oscar”
Oscar Niemeyer, arquitecto das formas esplêndidas e do sonho, é uma referência
viva da luta por um mundo melhor, mais justo, mais rico, mais generoso e
sobretudo mais humano, esse é o mundo de Niemeyer.
A sua forma de agir é sempre marcada pela simplicidade e denota todo o seu
conhecimento e capacidade.
Nie¬meyer é mais do que um arquitecto, mais do que um escultor, mais do que
um artista, mais do que um poeta: Niemeyer tem uma visão dilatada do mundo e
dos seus problemas, o que vai reflectir-se, sobretudo, na sua preocupação com o
social. A sua palavra-chave, é “solidariedade”, uma acção concreta em favor dos
menos favorecidos.
Artista universal, Oscar Niemeyer é reconhecido e admirado em todo o mundo. O
seu traço é de ousadia. Ousadia na busca da simplicidade e do novo que molda o
betão e o transforma em suave beleza.
Com a junção de linhas curvas e rectas, Niemeyer soube criar um estilo próprio de
Arquitectura, desafiando o espaço na amplitude de grandes vãos livres. Respeitado
em todo o mundo pela sua capacidade de superar obstáculos e ideias, e transformar
sonhos em matérias, Niemeyer, é não só arquitecto: é também escultor, cenógrafo,
escritor.
Quando iniciou a sua vida de arquitecto, em 1936, na Arquitectura pontificava o
funcionalismo, que recusava a liberdade de criação e a invenção arquitectónica.
Impunham-se sistemas construtivos e limitações funcionais. Mas estas não
convenceram o jovem Oscar, que olhava as obras do passado tão cheias de
invenção e lirismo. Não podia compreender como a Arquitectura contemporânea
permanecia fria e repetitiva, numa época em que o betão armado podia oferecer
formas livres e inesperadas.
Para uns, é só a função que conta; para outros, inclui a beleza, a fantasia, a
surpresa arquitectónica que é para Niemeyer a própria Arquitectura. No começo,
Niemeyer procurou aceitar tudo isso como uma limitação provisória e necessária,
mas depois voltou-se inteiramente contra o funcionalismo, desejoso de ver a
Arquitectura integrada na técnica que surgia, e juntas caminhando pelo campo da
beleza e da poesia.
E essa ideia passou a dominá-lo, irreprimível, decorrente talvez de antigas
lembranças das igrejas de Minas Gerais, das mulheres belas e sensuais que passam
pela vida, das montanhas e dos morros recortados na Baía de Guanabara.
“Oscar, você tem as montanhas do Rio dentro dos olhos”, disse-lhe um dia Le
Corbusier.
Oscar Niemeyer dá um passo em frente no sentido de inaugurar uma obra
desvinculada das leis deterministas do racionalismo puro, fundando uma
arquitetura formada por espaços habitáveis, em contraposição a leis geométricas,
que só se tornou possível através do uso do material de características plásticas
no qual apostou.
Oscar Niemeyer a quem coube a tarefa de romper com a submissão à funcionalidade
e à ditadura da linha recta, é homenageado, em língua portuguesa, pelo poeta
Ferreira Gullar num belo poema, que termina da seguinte forma: “Oscar nos ensina
que a beleza é leve”.
Tudo isto chegava e sobrava para a atribuição do grau honoris causa a Óscar
Niemeyer mas, quero destacar sobretudo, a força espiritual e o carácter do homem
ímpar que como pessoa me faz sentir orgulhosa de ser sua madrinha.

Conceição Trigueiros
Riscos do Imaginário:
desenhos da Obra pelos olhos de alunos

Alunos do 4º Ano de Projecto da Licenciatura em Arquitectura


em visita de estudo ao Brasil, no âmbito de um protocolo entre a
Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e a
Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.

Março 2008
Inês Balsa
Marta Pavão
Sara Brandão

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