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3º Ano
Teoria 2
Texto 03
A truta e a Corrente
(Arquitectura e Arte Concreta)
Alvar Aalto
1947
Publicado em:
Domus nº 225, Milão, 1947.
Arquitectura nº 46, ano XXIV, 2ª série, Lisboa, 1953, [com o título “O Ovo de Peixe e o
Salmão”].
La humanización de la Arquitectura (ed.: Xavier Sust). Barcelona:Tusquets Editores, 1982, p. 37-
45
Skethes . Aalvar Aalto (ed.: G. Schildt). Massachusetts: MIT, 1976, p. 96-98.
Arquitectura nº 291, revista do COAM, Madrid, 1992, p. 23-25.
En Contacto com Alvar Aalto, catálogo de exposição. Sevilla, Valencia, Barcelona, 1993, p. 14-
16.
SCHILDT, Göran, Alvar Aalto in his own words. New York: Rizzoli, 1998. p. 107-109.
Alvar Aalto. De palabra y por escrito. Madrid: El Croquis Editorial, 2000.
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Como praticante das artes, é, para mim, difícil escrever sobre problemas da
arte sob o ponto de vista com que o faria um crítico ou um teórico situado à
margem da profissão. Em presença do trabalho criativo actual ou dos seus
colegas, o profissional tão pouco tem a imparcialidade que se entende como
própria de um historiador de arte. Nessa medida, o que faço evoluir de seguida
não passa de um modesto conjunto de reflexões, sobretudo sobre o meu
próprio trabalho.
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Quando pessoalmente tenho que resolver algum problema de arquitectura,
defronto-me, constantemente – na verdade, quase sem excepção – com um
obstáculo difícil de transpor, uma espécie de “valor das três da madrugada”. A
causa parece radicar na complicada e pesada tarefa decorrente do facto do
desenho arquitectural envolver infinitos elementos, muitas vezes
contraditórios. Exigências sociais, humanas, económicas e técnicas, a par dos
problemas psicológicos que afectam o individual e o grupo, os movimentos e
as fricções internas de massas e indivíduos, tudo isto combinado forma uma
teia emaranhada impossível de desenredar de modo racional ou mecânico. O
elevado número de requisitos e problemas parciais formam um labirinto tal
que a ideia arquitectónica base tem dificuldade em aparecer. Nessas
circunstâncias, por vezes de forma totalmente instintiva, eis o que faço: depois
de ter gravada no subconsciente a atmosfera própria do trabalho e a
diversidade das exigências a este ligadas, esqueço, por um momento, a
imensidão de problemas. Então, passo por um método de trabalho muito
semelhante ao da arte abstracta. Desenho guiado inteiramente pelo instinto;
não sínteses arquitectónicas, mas antes o que, muitas vezes, se assemelha a
composições de criança. A partir dessa base abstracta, a ideia mestra toma
forma gradualmente. Algo como uma substância universal que me ajuda a
harmonizar as múltiplas variáveis em conflito.
Quando projectei a Biblioteca de Vipuri (tinha muito tempo, uns cinco anos),
passava longos períodos exercitando assim a mão, fazendo desenhos naïve.
Desenhei todo o tipo de paisagens fantasiosas de montanhas, de ladeiras
iluminadas por muitos sóis em diversas posições, e daí, gradualmente, a ideia
principal do edifício foi-se libertando. A ordenação arquitectónica da
biblioteca compreende diversas áreas de leitura e de empréstimo, em
diferentes níveis e ligadas por escadas, e, no topo, o centro administrativo e de
supervisão. Os meus desenhos infantis estavam ligados, apenas indirectamente,
ao pensamento arquitectónico, mas, eventualmente, conduziram a um
entrelaçamento do corte e da planta, e a uma espécie de unidade construtiva
entre horizontal e vertical.
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uma raiz que de algum modo é abstracta mas baseada, não obstante, no
conhecimento e nas análises armazenadas no nosso subconsciente.
Tal como uma ova de peixe necessita de tempo para converter-se em peixes
adultos, também nós necessitamos de tempo para tudo o que se desenvolve e
cristaliza no nosso mundo de ideias. A arquitectura necessita ainda mais de
tempo do que outros trabalhos criativos. Como um exemplo pequeno da
experiência própria, posso dizer que daquilo que parece ser não mais do que
brincar com as formas, pode, inesperadamente, muito mais tarde, surgir uma
forma arquitectónica.
Como se gerou o capitel da coluna jónica? A sua origem está nas formas
maleáveis da madeira e no modo como as suas fibras torcem e curvam sob
pressão. Mas o produzido em mármore não é uma cópia naturalista do
processo inicial. As suas formas polidas e estáveis encarnam qualidades
humanas inexistentes na forma construtiva original.
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“A propriedade principal da arte abstracta é, em minha opinião, a sua natureza
puramente humana”, disse-me um pintor checo que esteve a falar comigo no
meu escritório durante uma visita. “Posso não poder explicá-lo, mas o meu
instinto e experiência dizem-me que assim é”, continuou ele.
“Entweder fühle ich oder fühle ich nicht” (Ou o sinto, ou não o sinto), disse-me
um médico suíço, um homem que tinha experimentado a severa escola da
tragédia humana, tentando expressar a sua própria relação com a arte.