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Figura 1: Estádio em concreto protendido, Sidnei, Austrália

Um pouco da história do uso


do aço no concreto protendido
no Brasil e no mundo
Maria Regina Leoni Schmid
Rudloff Sistema de Protensão Ltda.

O uso aliado de aço à pedra ou argamas- qüência de fabricação: a armadura era cortada,
sa, com o objetivo de se aumentar a resistência dobrada e amarrada antes, e a “pedra” era feita
do conjunto às solicitações, é bastante antigo. posteriormente. Foi a partir de então que se
Em 1770, surgiu a primeira associação do aço deu realmente o desenvolvimento do concre-
com pedra natural, em uma igreja em Paris, to estrutural (concreto armado e protendido)
cujas vigas deveriam transferir cargas elevadas mundialmente. Não só os ingleses, mas também
da superestrutura para as fundações. A estru- franceses e alemães partiram para a fabricação
tura foi construída a partir da pedra natural do cimento e para o desenvolvimento de suas
preparada (cortada, furada para enfiação das próprias tecnologias para isso, de tal forma que,
barras de aço e com a superfície tratada), na em meados do século 19, a possibilidade de se
qual a armadura foi colocada posteriormente. reforçar peças de concreto com armaduras de
Com o surgimento do cimento Portland, aço já era conhecida mundialmente.
em 1824, na Inglaterra, chamado de “pedra A primeira aplicação da protensão do
artificial”, tornou-se possível se inverter a se- concreto se atribui ao engenheiro norte-ame-

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Figura 2: Cordoalhas de 3 e 7 fios

ricano P. A. Jackson, cuja patente foi registrada Foram, então, diversas as tentativas de
em 1872. Tratava-se de um sistema de passar se aplicar a protensão no concreto, incluindo
hastes de ferro através de blocos e de apertá- inclusive o uso de cordas de piano tensionadas
los com porcas. na fabricação de pranchas de concreto, por K.
Em 1877, o americano Thaddeus Hyatt Wettstein, em 1919. Porém, foi somente em
tirou conclusões importantes a respeito do 1928 que surgiu o primeiro trabalho consistente
concreto, principalmente no que diz respeito sobre concreto protendido, quando foi realiza-
ao seu funcionamento em conjunto com o aço da a introdução do aço de alta resistência na
e ao efeito da aderência entre os dois materiais, execução de protensões, pelo engenheiro fran-
comprovando hipóteses sobre a posição correta cês Eugene Freyssinet. Ate então, outras expe-
da armadura nas peças de concreto, em sua riências com concreto protendido haviam sido
região tracionada. feitas tracionando-se aço doce, cujo resultado
Em 1886, o alemão Matthias Koenen era insatisfatório ao se considerar as perdas len-
desenvolveu um método empírico de dimen- tas de protensão. Porém, o resultado alcançado
sionamento de alguns tipos de construção em por Freyssinet foi uma verdadeira revolução,
concreto armado. Foi ele quem concluiu que, considerada inclusive por muitos engenheiros
no concreto armado, o ferro deveria absorver como uma idéia que não daria futuro.
as tensões de tração, enquanto o concreto as Freyssinet conseguiu superar algumas
de compressão. deficiências até então existentes no uso da pro-
No final do sé- tensão de estruturas,
culo 19, houve diversas chegando a resulta-
tentativas de se criar dos excelentes, tanto
métodos de protensão, no sentido de se eco-
porém sem êxito, uma nomizar aço, quanto
vez que a retração e a tecnicamente. Os aços
fluência do concreto por ele usados tinham
ainda eram desconhe- forma de arames trefi-

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cidas e causavam a lados, com resistência
perda da protensão. à ruptura de 15.000 a
No começo do 18.000 kgf/cm² e pos-
século 20, a partir dos sibilidade de traciona-
estudos iniciados por mento sob tensões de
Koenen, Mörsch desen- até 12.000 kgf/cm². As
volveu os fundamentos perdas lentas costu-
da teoria do concreto mavam chegar a apro-
armado, cuja essência ximadamente 20%
é válida até hoje. da tensão inicial de
Foi também no protensão, de forma
início do século que que a tensão restante
Koenen e Mörsch per- nos cabos, de 8500
ceberam que a retra- a 10000 kgf/cm², foi
ção e a deformação considerada eficien-
lenta do concreto eram te e econômica para
os fatores responsáveis justificar o emprego
pela perda do efeito desta tecnologia, cujo
da protensão em casos princípio é usado até
diversos já ensaiados. Figura 3: Tipos de barras de aço os dias de hoje.

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Aplicacão do nhecidos como cabos
protendido e sua de 20 t de força.
fabricação Em 1952, foi
iniciada no Brasil a
fabricação do aço de
O emprego do protensão, através
concreto protendido do fio de diâmetro
em obras tornou-se 5 mm. As proprieda-
possível com o lança- des elásticas do aço
mento de ancoragens eram caracterizadas
e equipamentos espe- por dois números de
cializados para proten- unidade kgf/mm2, que
são, por Freyssinet, em representavam o seu
1939, e Magnel, em limite de escoamento
1940. A partir daí, o a 0,2% de deforma-
desenvolvimento do ção permanente e o
concreto protendido limite de resistência.
evoluiu rapidamente Existiam então três
no mundo todo, prin- categorias de aço:
cipalmente no final da 115/125, 125/140 e
década de 40. A escas- 140/160. Os fios eram
sez de aço provocada fornecidos em rolos
pela Segunda Guerra de diâmetro peque-
Mundial na Europa no (60 ou 85 cm) e
abriu o caminho para necessitavam de um
o uso do concreto pro- Figura 4: Cordoalha engraxada e plastificada endireitamento antes
tendido no período de sua utilização, por-
de reconstrução que que possuíam tensões
seguiu a guerra, uma vez que uma tonelada internas que prejudicavam o seu comporta-
de aço de protensão possibilitava a construção mento na peça protendida.
de muito mais estruturas do que o aço comum Em 1958, o desempenho do aço de pro-
possibilitaria. tensão melhorou consideravelmente, devido
A aplicação do aço de alta resistência ao tratamento térmico de alívio de tensões que
na protensão de estruturas tornou possível passou então a ser feito. Nesta mesma época,
novos métodos de construção e permitiu a passou-se a produzir também os fios de aço com
construção de novos tipos de estruturas em diâmetros 7 mm e 8 mm.
concreto, as quais não poderiam ser concebi- De 1958 a 1968, existiam duas indústrias
das sem a protensão. que fabricavam o aço duro de ø 5 mm para
A primeira obra oficialmente realiza- concreto protendido, dividindo o mercado.
da com concreto protendido foi projetada Posteriormente, estas empresas se fundiram e
por Freyssinet, em 1941 – a ponte sobre o rio atualmente só existe um fabricante nacional de
Marne em Lucancy, cuja construção terminou aços para concreto protendido.
em em 1945. As cordoalhas, ou fios encordoados, sur-
No Brasil, a primeira obra em concreto giram na década de 60, sendo então constituídas
protendido foi a Ponte do Galeão, executada por dois, três ou sete fios – as cordoalhas que
em 1948, no Rio de Janeiro (ligando a Ilha do usamos atualmente, inclusive, surgiram naquela
Governador à Ilha do Fundão), com 380 m de época. As cordoalhas em geral tiveram grande
comprimento – na época a mais extensa do aceitação, devido ao fato de serem mais econô-
mundo. Todos os materiais e equipamentos micas que os fios, o que justificou, na pós-tensão,
para a protensão do concreto foram impor- a substituição dos fios paralelos pelas cordoalhas
tados da França, na ocasião. Os cabos de de sete fios com diâmetros de 12,7mm e 15,2
protensão eram fios lisos envolvidos por duas mm. Se anteriormente os cabos de fios de 5
ou três camadas de papel Kraft. Os fios e o mm, como usados na Ponte do Galeão, eram
papel eram pintados com betume e a técnica capazes de apresentar uma força final de 20 t de
representava o que conhecemos atualmente protensão, as cordoalhas de sete fios permitiram
como a protensão “sem aderência”. Foram se chegar a cabos com capacidades de carga
usados na obra cabos de 12 fios φ 5 mm, co- algumas dezenas de vezes maiores.

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Até 1974, eram fabricados no Brasil so- escoamento. Podem ser agrupados nos seguin-
mente aços de protensão de relaxação normal tes grupos principais: fios trefilados, cordoalhas
(RN), também chamados aços “aliviados”. Estes e barras.
aços são retificados por um tratamento térmico Fios trefilados de aço carbono: com
que alivia tensões internas de trefilação, através diâmetro em geral de 3 mm a 8 mm,
do qual os fios são passados em chumbo derreti- podendo atingir até 12 mm, fornecidos
do entre 250 e 500ºC, o que resulta na melhora em rolos ou bobinas. A trefilação produz
da linearidade do diagrama Tensão x Deforma- encruamento do aço, aumentando a
ção. Contudo, o fio de aço esticado tende a sua resistência. Obtém-se resistências mais
ceder com o tempo e conseqüentemente perder elevadas para fios de menor diâmetro.
parte da tensão introduzida com a protensão, Cordoalhas: produtos formados por fios
fenômeno conhecido como relaxação. enrolados em forma de hélice, como uma
Parte desta relaxação pode ser provo- corda. As mais comuns são constituídas
cada propositalmente durante o alívio das por três ou sete fios. A cordoalha de 3
tensões, elevando-se a temperatura entre 350 fios é constituída de fios de mesmo
e 400ºC e provocando um alongamento no fio diâmetro nominal, encordoados juntos,
de, aproximadamente, 1%. Esta etapa é conhe- numa forma helicoidal com passo
cida como estabilização e os aços produzidos uniforme. A cordoalha de 7 fios é
e sujeitos a este tratamento termo-mecânico constituída de seis fios de mesmo diâmetro
são denominados estabilizados ou de relaxa- nominal, encordoados juntos, numa
ção baixa (RB). forma helicoidal, com um passo uniforme
A partir de 1974, os aços de relaxação e em torno de um fio central reto de
baixa passaram a ser fabricados nacionalmente, maior diâmetro – seu diâmetro é pelo
uma vez que apresentavam melhores caracterís- menos 2% maior do que o dos fios
ticas elásticas e menores perdas de tensão por externos. Atualmente, as cordoalhas de
relaxação do aço que os aços do tipo RN. Este três e sete fios são produzidas
avanço justificou a preferência para os aços de nacionalmente sempre na condição de
relaxação baixa, valida até hoje. relaxação baixa. O processo de fabricação
Os aços utilizados atualmente para a das cordoalhas deve garantir que, ao serem
protensão caracterizam-se por suas elevadas cortados com discos, os seus fios
resistências e pela ausência de um patamar de componentes não saiam de sua posição

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Figura 5: Piso protendido em Victoria, Austrália

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Figura 6: UHE Mascarenhas de Moraes, Ibiraci – MG

original ou que, caso saiam, possam ser os esforços de protensão efetivos atuando
reposicionados manualmente. sobre o concreto, deverão representar cerca
Barras de aço: liga de alta resistência, de 70% a 80% do esforço inicial instalado.
laminadas a quente, com diâmetro superior As tensões nas armaduras protendidas são
a 12 mm, fornecidas em peças retilíneas de entretanto limitadas a certos valores máxi-
comprimento limitado. mos, a fim de se reduzir o risco de ruptura dos
As propriedades mecânicas mais impor- cabos, e também de evitar perdas exageradas
tantes dos aços de protensão são as seguintes: por relaxação do aço.
a) Limite de escoamento convencional à As cordoalhas devem ser fornecidas em
tração: tensão para a qual o aço apresenta rolos firmemente amarrados um a um, com diâ-
uma deformação unitária residual de metro interno não inferior a 750 mm. Ao serem
0,2%,após descarga. desenroladas e deixadas livremente sobre uma
b) Resistência à ruptura por tração; superfície plana e lisa, as cordoalhas não devem
c) Alongamento de ruptura; apresentar uma flecha permanente superior a
d) Limite de elasticidade: tensão que 15 cm em comprimento de 2 m.
produz uma deformação unitária de 0,01%. Atualmente, além dos aços convencio-
e) Módulo de elasticidade, inclinação da nais para concreto protendido, são também
parte elástica do diagrama. fabricadas no Brasil:
Cordoalhas engraxadas e plastificadas:
são cordoalhas com características
Especificações mecânicas idênticas às das cordoalhas
convencionais (sem revestimento), porém
possuem em sua superfície uma camada de
Os aços de protensão são geralmente graxa e cada cordoalha engraxada é
designados pelas letras CP (Concreto Proten- revestida por um plástico de espessura
dido), seguidas da resistência característica mínima 1,0 mm, o PEAD (polietilieno
à ruptura por tração, em kgf/mm². Devem de alta densidade). Este plástico permite
ser sempre instalados com tensões elevadas, o movimento livre da cordoalha em seu
pois as perdas de protensão são inevitáveis e interior.
não podem representar um percentual muito Cordoalhas especiais para estruturas
elevado da tensão aplicada. Após as perdas, estaiadas: são produzidas com três

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Figura 7: Ponte Prince Edward, EUA

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camadas protetoras contra a corrosão: 1,5 mm, resistente aos raios ultravioleta
seus fios são galvanizados a quente antes Estas cordoalhas são submetidas a
do encordoamento e da estabilização, ensaios específicos de tração e de
as cordoalhas recebem um filme de fadiga, para comprovar a sua resistência
cera de petróleo e são encapadas na cor e aplicabilidade para as estruturas
preta, com plástico de espessura mínima estaiadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Requisitos, NBR 7483. Rio de Janeiro, 2004
[06] Belgo – Grupo Acelor. Catálogo Técnico de Produtos. Belgo, 2004.

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