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Considerações sobre a Arte Contemporânea:

Uma análise das obras Reflexion (Christian Boltanski) e Cicatrizes (Rosângela Rennó)

TEORIA DA IMAGEM

THIAGO DE JESUS CATARINO

ARTES CÊNICAS

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IMAGEM 1

CHRISTIAN BOLTANSKI

IMAGEM 2

ROSANGELA RENNÓ

Vê-se acima duas imagens de trabalhos fotográficos de Christian Boltanski e


Rosangela Rennó, respectivamente. Na Imagem 1 a obra presente em
“Reflexion” de 2000. Na imagem 2 a obra presente em “Cicatrizes” de 1995.
Ambos iniciaram suas carreiras na segunda parte do século XX e seguem suas
trajetórias artísticas até hoje.

Christian Boltanski é um multiartista francês, e a obra demonstrada na Imagem


1 é uma instalação fotográfica com imagens em preto e branco. As imagens
exibem retratos de pessoas. Esses retratos, por serem expostos em P&B,
remetem a uma outra época anterior à nossa. Conhecendo os anseios
artísticos de Boltanski entende-se em “Reflexions” um momento de sua
pesquisa continuada em torno da identidade e da memória. Nesta obra ele vai
de encontro a pessoas em cenas cotidianas, e expõe seu pensamento sobre
uma estética de memorial.

Rosangela Rennó é uma artista brasileira, conhecida pelo trabalho que se


apropria e conceitualiza imagens de autores anônimos. Na obra “Cicatrizes”
ela se utiliza de imagens encontradas no Complexo Penitenciário Carandiru,
todas também em preto e branco, fotografadas entre 1920 e 1939.

Ambos os artistas trabalham em suas obras o conceito de identidade e


trataram, com frequência, daqueles que são marginalizados em nossa
sociedade. Este olhar é dado como uma aproximação daquele que é oprimido,
seja em Boltanski e sua relação seminal com as perdas, as memórias, as dores
do holocausto, ou Rennó, em sua visão sobre as marcas do sistema prisional
brasileiro, ou a reinvenção na fotografia de espaços urbanos territorializados
pela violência, dando-lhes o olhar aprofundado para suas vivências cotidianas,
que não são apenas de dor e descaso, como vê-se na obra visitada no IMS,
“Rio Utópico”.

Existem semelhanças e diferenças estéticas nas obras. Por um lado, ambas se


utilizam da imagem em preto e branco, que reforça uma leitura de memória,
lembrança para as imagens captadas. Ambas estão embasadas em retratos,
de pessoas “anônimas”, sobre as quais o nosso olhar constrói uma narrativa
particular. Como diferença estética, observa-se a maneira como cada artista
escolheu expor seus trabalhos. Se Rosângela opta pelo modo de exposição
fotográfica tradicional, em quadros acoplados à parede que dispõem as obras
para uma visualização quase conjunta, Boltanski maximiza o olhar sobre cada
fotografia, na estrutura de instalação, e nos faz descobrir as imagens em
caminhos próprios pelo espaço.

É importante frisar, ainda, o comprometimento de ambos os artistas em


constituir uma narrativa que, mesmo vindo por vezes de um lugar de fala
1
distanciado, consegue estabelecer uma leitura que converge, compactua, com
a dor daquele que é retratado.

Em RENNÓ(2003):

Naquele momento eu estava interessada em reforçar que


aqueles indivíduos não são anônimos. Mesmo sem saber
nomes, meu propósito era provocar no espectador o desejo de
conhecer e compactuar com aquela dor, ou as várias dores.
Então por isso escolhi deliberadamente certos textos do
Arquivo Universal, para atuarem junto com as imagens, quer
dizer, tirá-las de uma espécie de limbo coletivo do presídio. Os
textos não têm nada que ver com os presos, mas tratam
igualmente de singularidades, de situações extremamente
particulares. (...) Gosto da idéia de fazer você descobrir o
indivíduo, se relacionar com ele ou recuperar através dele sua
própria história pessoal. (RENNÓ, 2003, p.17)

Eu, homem negro, artista e pesquisador universitário e também homem negro


periférico outrora marginalizado, quando sento em uma sala de aula de um
espaço como a PUC-Rio, que não foi feito para me receber, mas hoje, por uma
sequência de reflexões históricas me acolhe nas minhas diferenças vejo uma
imagem tal qual a obra de Adriana Varejão “Cena de Interior II” e me pergunto
qual prerrogativa, qual discurso por trás daquela imagem. Pergunto-me se seria
daquela artista uma imagem que não se compadece nem compactua com a
minha dor. Aquela imagem abre minhas cicatrizes à navalha. O que para uma
banca universitária pode ser tratada como imagem histórica, para minha carne
é memória, é vivência. É necessário ainda que parte dos intelectuais da arte
contemporânea possam se compadecer e sensibilizar com a dor, com a
humilhação vividas por aqueles que, até hoje, seguem tendo menos voz do que
os prestigiados artistas internacionalmente conhecidos. Estes que passam de
mãos em mãos, de gerações em gerações, o monopólio da narrativa histórica e
artística sobre o mundo. Sendo esta, uma obra presente na exposição
Queermuseu é preciso reiterar aqui como artista meu total desacordo com
qualquer dispositivo de Censura à obra de arte. Mas se esta obra for feita para
1
Conceito filosófico desenvolvido por Djamila Ribeiro na obra “O que é lugar de fala?” (2017)
atacar a memória e a dor daqueles que hoje ocupam espaços para contar suas
próprias histórias, eu não poderei aceitar sem me manifestar.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
RENNÓ, Rosângela. Rosângela Rennó – depoimento. Belo Horizonte: C/Arte
[Coord. Marília Andrés Ribeiro, Fernando Pedro da Silva; Org. Janaina Melo],
vol. 20, 2003.

GALLERY, Marian Goodman. Coming and Going Part II. 2001. Disponível em:


<http://archive.mariangoodman.com/exhibitions/2001-03-21_christian-
boltanski/>. Acesso em: 3 jul. 2018.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. São Paulo: Letramento, 2017.


(Feminismos Plurais).

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