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JUSTIFICATIVA
Morrer. Dormir. Não mais. É um sono apenas.
-Willian Shakespeare, Hamlet
Marcado por uma experiência trágica na infância (seus irmãos foram tragados por uma
enchente em Minas Gerais) e, posteriormente, chocado com o efeito das bombas que se
abateram sobre Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial, o artista brasileiro
Farnese de Andrade (1926-1996), dedicou uma vida a concretizar de forma plástica a
existência da dor e do sofrimento que é imposta a todos os seres humanos sobre a face da
Terra.
As assemblagens de Farnese beiram o inexplicável. Como na esfera dos sonhos, tão
prezada pelos surrealistas, elas não copiam a realidade, mas recriam uma inteiramente nova.
Contemplar os objetos do artista é se deparar com imagens fantásticas, oníricas, é ser invadido
por uma sensação de estranheza só comparável ao nos encontramos, face a face, com o
enigmático, com o inesperado, mas ao mesmo tempo com o obscuro, com o monstruoso da
existência. É, para o artista, a realização estética da sua visão fantástica e pessimista da vida,
essa vida que para ele, tal qual a Esfinge de Édipo, parece exigir de todos o seu “decifra-me
ou te devoro”.
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JÚNIOR, Olívio Tavares. Vídeo Farnese. Encartado no catálogo Farnese, São Paulo: Cosac & Naify, 2002
Este projeto pretende voltar seus olhos as assemblagens do artista mineiro Farnese de
Andrade, detendo-se no que talvez sejam os componentes mais inquietantes das suas caixas,
oratórios, e resinas: as bonecas. Escolhidas pelo artista como simulacros trágicos do destino
humano, essas bonecas, que dentro do imaginário coletivo, a despeito de serem relacionadas a
certa pureza de infância, carregam uma aura sinistra e inegavelmente mórbida. Ao
conhecermos mais profundamente o processo artístico de Farnese, no qual ele alegava muitas
vezes adentrar um transe ritualístico (no qual incinerava e enxertava essas bonecas em seus
suportes, o que já confere a elas um estofo fantasmático e sobrenatural), ao nos depararmos
frente a frente com elas, caberá a pergunta: o que nos dizem os seus imóveis olhos vítreos de
cadáver?
Assim, dissecando esses objetos, este trabalho pretende trazer a luz o caráter trágico
dessa coleção de bonecas, ao mesmo tempo em que, possivelmente, relaciona essa coleção
com a de outros artistas, como Arthur Bispo do Rosário (cujas assemblagens “para o fim do
mundo”, também continham essa tragicidade), as bonecas mutiladas do artista alemão Hans
Bellmer, ou até mesmo até mesmo com a literatura, como “O Homem da Areia” de
Hoffmann, ou “Frankenstein” de Mary Shelley (seria essa “caça” as bonecas de Farnese, por
praias e antiquários, a mesma busca do Dr. Victor Frankenstein por pedaços frescos de
corpos?), dois romances notoriamente trágicos.
Farnese, por ter uma produção que seguiu ao largo da matriz geométrica que
predominava na arte brasileira de sua época, não galgou, por muito tempo, a notoriedade
merecida a sua produção tão instigante. Minha monografia da graduação, sobre a poética
romântica em Farnese de Andrade e, posteriormente, meu mestrado em Literatura, onde
pesquisei a genealogia de narrativas, literárias e cinematográficas, onde um protagonista se
apaixona por um simulacro (incluindo aí, principalmente, bonecas), me fizeram ensejar essa
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NAVES, Rodrigo. A Grande Tristeza, in: Farnese. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. pp.17
pretensa pesquisa. Volto-me sempre, e apaixonadamente, a produção de Farnese, tendo escrito
inclusive, um tempo atrás, um ensaio com o mesmo título desse projeto3.
Tendo sido então, Farnese, objeto desta minha pesquisa, que abraçou a questão de
como a melancolia romântica vai perpassar quase incólume todo o processo de racionalização
dos Modernismos, e conseguirá se cristalizar, conceitualmente e poeticamente, num artista
brasileiro da contemporaneidade (que ainda, em pleno auge das produções concretistas
brasileiras, estava no contrário da maré, preocupado em uma produção confessional,
enigmática, de caráter irracionalista). Devo admitir que, mais que calcado numa familiaridade,
meu critério de escolha foi feita baseada no fascínio mesmo pelas obras do artista.
3
http://lounge.obviousmag.org/no_escuro_alguma_falena/2014/07/casa-de-bonecas-casa-da-dor.html
DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA
Essa pesquisa lhe dedica um olhar mais detido e afetivo (como eram afetivos os
próprios objetos do artista).
Assim, este projeto se vale das bonecas, como um dos objetos mais intrigantes dessas
obras, para jogar luz sobre certos conceitos do trabalho de Farnese de Andrade, e com isso
trazer à tona toda a profundidade de uma série de objetos que merecem figurar dentre as mais
potentes e instigantes produções da arte brasileira.
HIPÓTESE
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No documentário “Farnese” de Olívio Tavares de Araújo, em determinado momento o artista afirma que
detestava crianças, pois elas eram fonte de desassossego e perturbação na vida, para mais adiante dizer que
achava um ato crueldade colocar uma criança no mundo, e impor a esse ser, a miríade de sofrimentos de que a
vida é constituída.
OBJETIVOS
Objetivo geral
O objetivo geral desta pesquisa é empreender uma leitura dos objetos de Farnese de
Andrade sob uma ótica de tragicidade, sobretudo as bonecas que ele inseria em suas
assemblagens. Mergulhar nessa produção que inegavelmente se aferra ao sombrio, aos
recônditos da existência humana, se valendo desses simulacros de plástico com
representações deste corpo frágil e destinado à morte e ao sofrimento. Essa pesquisa pretende
refletir sobre essa mórbida coleção, para no fim, entender que a obra de Farnese de Andrade
fala mais de vida que de qualquer outra coisa.
Objetivos específicos:
Reconhecer, e ler, as bonecas de Farnese como uma coleção melancólica e trágica;
Adentrar no caráter mórbido e ritualístico da inserção dessas bonecas em seus objetos;
Dar voz a essas bonecas: o que elas falam? O que presenciaram nesse tempo
insondável em que andaram abandonadas? Que saudades trazem?
Confluir sua produção com outras, seja de artes visuais ou não, com as quais essas
bonecas, formal ou simbolicamente, possam conversar, para assim reafirmar Farnese
com um artista de seu tempo.
METODOLOGIA
Pretendo utilizar fontes escritas, livros e periódicos, já publicados sobre a obra do
artista. Além disso, almejo visitar acervos e coleções que contenham a obra do artista para
coletar impressões in loco destes objetos de estudo (fazendo fotografias, se possível). Tenho a
intenção de entrevistar teóricos e pesquisadores que em algum momento se detiveram sobre a
produção de Farnese. Recolhido esse material, selecionado e depurado, será possível dar
corpo ao projeto proposto.
Ofélia, 1985
Assemblage (resina, braço de santo de roca, imagem impressa e oratório), 87,5 x 46,5 x 35,5 cm
Museu de Arte Moderna de São Paulo
Anjo de Hiroshima, 1968-1978
ANDRADE, Farnese de. A Grande Alegria. In: Farnese (objetos). São Paulo: Cosac & Naify,
2005
ARAÚJO, Olívio Tavares de. O Insondável Mistério da Criação. In: O Olhar Amoroso. São
Paulo: Momesso Edições de Arte, 2002
______________, Indagação Existencial. In: O Olhar Amoroso. São Paulo: Momesso Edições
de Arte, 2002
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 9ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2004
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São Paulo: Brasiliense, 1985
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DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998.
ANDRADE, Farnese de. A Grande Alegria. In: Farnese (objetos) São Paulo: Cosac & Naify,
2005
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1996
GERHEIM, Fernando. linguagens inventadas palavra imagem objeto: formas de contágio. Rio
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GINSBURG, Jacó. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 2005.
GOMBRICH, E.H. A História da Arte. 16ª edição. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e Literatura. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes,
2003
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Arte Romântica. In: O Belo na Arte. São Paulo:
Martins Fontes, 1996
MASTROBUONO, Marco Antônio. Todo Humano. In: Farnese (objetos). São Paulo: Cosac
& Naify, 2005
NAVES, Rodrigo. A Grande Tristeza, in: Farnese. São Paulo: Cosac & Naify, 2002
PONTUAL, Roberto. Entre Dois Séculos / Arte Brasileira do Século XX na Coleção Gilberto
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R. C. Botelho e R. P. Cabral, Lisboa, KKYM, 2012.
• PERIÓDICOS
GOMES, Alair O. Farnese: o Espaço do Sonho. In: Revista Cultura nº 7. Brasília: Ministério
da Educação e Cultura, julho a setembro de 1972
• VÍDEO
JÚNIOR, Olívio Tavares. Farnese. Encartado no catálogo Farnese, São Paulo: Cosac & Naify,
2002