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‘BAILADO DO DEUS MORTO’ –

Uma Cerimônia do a.Deus –


ES CRITA
Publicado em 4 de março de 2020 por escritosdevagner
‘BAILADO DO DEUS MORTO’ – Uma Cerimônia do
a.Deus
Em ‘O Bebê de Rosemary’, filme de Roman Polanski, Deus está morto, mas o Diabo
não. Deus só aparece de relance na capa da Revista Time de 1966 onde está
estampada a frase ‘Deus Está Morto?”. Em 1999, a revista “The Economist” publicou
em sua edição do milênio o obituário de Deus. Em ‘Bailado do Deus Morto’ que é de
1933 não só afirma que Deus está morto como revela quem o matou. A morte de Deus
demarca radicalmente a história com A.D e D.D. e Flávio de Carvalho faz com essa
pequena peça-rito uma cerimônia do adeus a Deus.
‘Bailado do Deus Morto’ que foi escrita para a inauguração do Teatro da Experiência
em 1933 e proibida no primeiro dia de apresentação, quando afirma que Deus está
morto, não apenas rompe com tudo aquilo que está vinculado a este Deus morto, incluso
os dogmas artísticos, culturais até então vigentes, como apresenta durante todo o
transcorrer do rito que espécie de arte pode surgir a partir dessa ruptura. O artista vê o
próprio teatro como um problema plástico e estético a ser pensado na sua totalidade sem
dissociá-lo do social. E a peça-rito ao mesmo tempo em que constata a morte de Deus
aponta, no modo como integra várias linguagens, novos horizontes para um teatro que
possa realmente intervir na vida.
Cada linguagem incorporada (música, canto, dança, figurinos, máscara) é tão importante
quanto os atores e na forma como são usadas não permite que o teatro vire mero
entretenimento ou apenas um território pra exibição de dotes artísticos, mas como um
lugar onde a humanidade deve ser confrontada coletivamente, sem subterfúgios, com a
matéria humana, inclusive a orgânica como acontecia na montagem ‘pra dar um fim
no juízo de deus’ de Artaud encenada pelo Oficina.
Em vez de celebrar o nascimento de Deus como a do menino Jesus como acontece todos
os anos no Natal, ‘Bailado do Deus Morto‘ faz da sua anti-celebração um ritual que
liberta o teatro, a arte de tudo aquilo que está morto. Por ser um texto construído ao
longo de muitos anos e por muitas pessoas, por utilizar máscaras, as mesmas da
montagem original, que ocultam as identidades dos atores e pelas repetições constantes
das falas que como um vírus vão se espalhando, o coro remete ao inconsciente coletivo.
O coro diante da constatação de que Deus está morto reage de diversas maneiras, como
tem acontecido atualmente nas redes sociais que a cada declaração bombástica, como
por exemplo, a ‘morte da esquerda‘ proferida recentemente num artigo de Vladimir
Safatle, o inconsciente coletivo movimenta suas placas tectônicas e diante do assombro
ou concordância emerge das profundezas do primitivo pra cair na roda viva do aqui
agora.

A afirmação de que Deus está morto não é como quando alguém diz que a terra é plana,
a base para essa afirmação é científica. Mas mesmo depois de Freud, Einstein, Darwin
ainda estamos lidando com conflitos religiosos e quando se pensava que esse Deus
morto estava fora do Estado, ele ressurge como farsa norteando as políticas públicas
como acontece agora no Brasil.

Gilberto Gil em uma entrevista em fevereiro de 2020 disse ‘Deus é invenção do


homem’ o que leva a pensar quando ele surgiu ou foi inventado. Sendo fisicamente um
ausente, Deus espelha a solidão humana. E penso no homem primitivo só na escuridão
diante da fera.

‘Bailado’ ao demarcar a história com a morte de Deus sugere que só é possível iniciar
uma criação/reflexão a partir do reconhecimento deste fato, assim como não é possível
iniciar um debate sério sem reconhecer que há racismo estrutural, desigualdades
sociais, mudanças climáticas, que a Terra não é plana e não é o centro do universo.

Com atores como Roderick Himeros, o protagonista de ‘Roda Viva’, e Silvya Prado que
inclusive está muito bem, trilha sonora original e deliciosamente estranha composta
pelo diretor-musical Felipe Botelho que é executada ao vivo por ele ao lado de Carina
Iglesias e Amanda Ferraresi, sob a direção de Marcelo Drummond ‘Bailado do Deus
Morto’, a peça mais estranha e enigmática que assisti no Oficina, nasceu pra provar que
pode haver vida após a morte de Deus e que o seu bailado já é a nova estética!
Vagner Luís Alberto

FICHA TÉCNICA
Autor:
Flávio de Carvalho
Elenco
Lamentador – Roderick Himeros
Mulher do Deus – Sylvia Prado
Deus Animal – Marcelo Dalourzi
Coro – Cyro Morais, Danielle Rosa, Fernanda Taddei, Kelly Campello, Kael Studart,
Mayara Baptista, Sonia Ushiyama.
Músicos
Felipe Botelho (baixo, teclado e programação) Amanda Ferraresi (violoncelo) Carina
Iglesias (percussão)

Vídeo – Igor Marotti e Ciça Lucchesi


Direção – Marcelo Drummond
Direção Musical – Felipe Botelho
Figurinos/Objetos – Sonia Ushiyama e Sylvia Prado
Iluminação – Luana Della Crist
Foco Móvel: Angel Taize
Operação de Som – Clevinho
Direção de Cena/Contrarregragem: Vitor Rosa
Fotos e arte gráfica: Igor Marotti
Tradução p/inglês e legendas: Maria Bitarelo
Realização: Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona
Equipe de Administração e Produção do Teatro Oficina: Anderson Puchetti, Ana
Sette e Tati Rommel Arquivista: Thais Sandrini
Fotos: Igor Marotti (primeira e quarta) e Cassandra Mello (segunda, terceira, quinta e
última)

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