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Rosana Paulino

Parede da Memória

Fundamentos da Pesquisa - 2º semestre - Helena Modé


Rosana Paulino
São Paulo, SP, 1967
Parede da Memória, 1994-2015
Wall of Memory

aquarela, impressão digital, linha de algodão, microfibra e tecido/ watercolor,


digital printing, cotton thread, microfiber and fabric

Doação da/ Donated by Associação Pinacoteca Arte e Cultura - APAC, 2015

Uma das primeiras obras da carreira de Rosana Paulino, Parede da memória é


composta por cerca de 1.500 patuás que carregam onze fotografias do arquivo
familiar da artista em um monumental registro afetivo e genealógico. Elemento
presente nas religiões afro-brasileiras, os patuás são amuletos feitos em tecido
para guardar unguentos ou outros elementos ritualizados, com a função de
proteger quem os porta. Aqui, no entanto, a forma do amuleto é deslocada. O que
confere proteção não é alguma matéria ou elemento da natureza, mas a própria
reconfiguração dessas imagens, na busca por compor uma memória coletiva. A
obra reafirma a importância da reconstrução do indivíduo como parte de uma
coletividade, além de reivindicar o direito à dignidade para as subjetividades
negras, o que passa inclusive por defender outros modos de autorrepresentação.
(transcrição da ficha técnica)
A artista
Nascida em São Paulo em 1967, Rosana Paulino é
doutora em Artes Visuais pela Universidade de
São Paulo (USP), especialista em gravura pelo
London Print Studio e bacharel em gravura
também pela USP. Rosana se destaca pela sua
produção relacionada a questões raciais, étnicas e
de gênero. A artista busca explorar a condição da
mulher negra na sociedade e as diversas formas
de violência racial que decorrem do passado
escravocrata brasileiro.
A obra Parede da Memória de Rosana Paulino está situada em uma das salas da
nova Pinacoteca Contemporânea. O espaço expositivo é enorme e reúne diversas
obras que fazem parte do acervo da Pinacoteca. Situada logo na entrada da sala em
uma comprida parede rosa chiclete, a obra de Rosana se destaca, ao mesmo tempo,
Descrição pelo seu tamanho monumental e pela delicadeza de seus elementos. As onze
fotografias de seus familiares retiradas de um arquivo pessoal são distribuídas
visual do repetidamente em 1.500 patuás enfileirados em 19 fileiras.

espaço O processo de criação se inicia quando Rosana seleciona essas onze imagens
expositivo tiradas de uma caixa de fotografias da casa de seus pais. Partindo do preto e
branco, essas fotografias - de seus avós, pais e até mesmo de Rosana em sua
e da obra infância - ganham cores através da pintura em aquarela. Essas novas imagens com
intervenções de cor são então transferidas para um tecido utilizando a técnica de
fotocópia. Finalmente, Rosana costura pequenos patuás - saquinhos de tecido
recheados de enchimento que contém algum amuleto dentro - com uma linha de
algodão.
Em Parede da Memória, Rosana Paulino reúne onze
fotografias em preto e branco retiradas de um arquivo
familiar. Aqui o interesse de Rosana pela fotografia de
O arquivo arquivo se faz presente. Segundo a artista, as fotos "já
fotográfico para tiradas" carregam um afeto maior, em um vídeo sobre a
obra ela pontua a frase de André Bazin: "as fotos são como
Rosana Paulino
pequenas múmias de papel". Desde criança Rosana
procurava em uma caixa de fotografias sua identidade
através das imagens de seus parentes e antepassados.
A costura na vida de Rosana Paulino carrega muitos significados. Sua mãe foi
costureira e a artista diz se lembrar de épocas em que sua mãe costurava dia
e noite para poder bancar os seus estudos e de sua irmã.

Ao lidar com o bordado, Rosana resgata memórias afetivas e maternas e traz


A costura a tona o debate do bordado como gesto doméstico, feminino e artesanal.
Esse gesto, percebido pela sociedade como algo de natureza amadora,
para Rosana sempre fruto do trabalho de mulheres e apropriados sempre à casa, é

Paulino subvertido e exposto em um dos maiores museus da América Latina.

Rosana problematiza e transmuta a própria técnica utilizada em sua obra,


dando um sentido próprio até para a materialidade. A costura deixa de ser
doméstica e desvalorizada e é colocada, com toda sua delicadeza e
imperfeição, em um museu.
"Tem uma questão da multidão, essa coisa de ignorar. Você ignora uma
dessas pessoas na multidão, mas não ignora mil e quinhentos olhos em cima
de você".(ANTONACCI, 2014)

Análise Ao criar esse enorme "jogo de memória", onde as 1.500 imagens repetidas se
destacam pela sua grandiosidade de ocupação do espaço, Rosana provoca o

da obra: a espectador à encarar seus familiares - pessoas pretas e marginalizadas


geração após geração. Ao meu ver, é como se Rosana nos obrigasse a olhar
para a negritude e entendê-la em toda sua complexidade, sem tentar

multidão contorná-la ou diminuí-la. De forma muito eficaz ela prende a atenção de


quem passeia pelo espaço e exige um momento de reflexão, principalmente
para seus espectadores brancos. Encarar a obra partindo de um lugar de
privilégio branco é forçoso, eu precisei parar ali e prestar atenção naquilo,
encarar a branquitude e lidar com ela.
"Parede da Memória tem a propriedade de ligar, não apenas
simbólica, mas também fisicamente, os componentes da família e das
origens das quais derivo". (PAULINO, 2011, p.25)

Para mim foi muito perceptível a semelhança do mural de patuás com

Análise da uma árvore genealógica. Durante a pesquisa busquei muito por uma
fala de Rosana onde ela mencionasse esse significado de resgate de

obra:
sua ancestralidade, que ao meu ver é um dos destaques da obra. Em
um vídeo gravado por Célia Antonacci, Rosana levanta essa dor e
incerteza de não saber ao certo quem são seus familiares, qual é sua

ancestralidade
história e como veio parar aqui. A diáspora forçada imposta pela
escravidão no Brasil iniciou um longo processo de apagamento
cultural dos escravizados, além de romper definitivamente seus laços
familiares. Como admiradora da obra, acredito que Rosana resolve
primorosamente esse motivo. Além de remontar e reescrever toda
uma memória pessoal e familiar da artista, a obra também serve como
um símbolo de memória coletiva.
"Os artefatos materializam saberes, práticas, significados, regras mas também
ideologias e crenças e por meio da interação com esses artefatos, reificamos
todos esses significados construídos na cultura". (SILVEIRA, 2010, p.43)

Análise Normalmente, os patuás - artefatos de proteção do Candomblé - são


confeccionados em tecidos com cores que representem um orixá, carregam
dentro de si ervas ou outros objetos, como amuletos, com a finalidade de
da obra: proteger seu dono. Todavia, em Parede de Memória a sua função protetora é
deslocada: aquilo que está do lado de fora do patuá - as imagens de seus

os patuás
familiares - é o que protege. Em meu entendimento, a obra procura criar uma
memória coletiva negra que sirva de escudo contra o apagamento de sua
história e cultura. Rosana não se vale só da estética para se consagrar como
uma das grandes artistas da arte contemporânea brasileira, mas sim de uma
imagem política, que denuncia a marginalização histórica e dá protagonismo a
esses tantos rostos que poderiam ser facilmente esquecidos.
ANTONACCI, Célia. Parede da Memória - Rosana Paulino. Youtube, 2021.
Disponível em: <https://youtu.be/vkFdzF4y6c0 - "Parede da Memória - Rosana
Paulino". 2014. > Acesso em: 29 de Março de 2023.

QUINTELA, Pollyana. Rosana Paulino. Revista Continente, 2020. Disponível em:


<https://revistacontinente.com.br/edicoes/234/rosana-paulino> Acesso em: 29
de março de 2023.

PAULINO, Rosana. Sobre Rosana Paulino. Rosana Paulino. Disponível em:


Bibliografia <http://rosanapaulino.com.br> Acesso em: 29 de Março de 2023.

GRAICHEN, Georgia et al. Da caixa ao cubo: análise da obra "Parede de


Memória" de Rosana Paulino. Paraná. 2019.

SILVEIRA, Luciana Martha. Cor, Design e Consumo. In: QUELUZ, Marilda Lopes
Pinheiro (org.). Design & Consumo. Curitiba, PR: Peregrina, 2010.

PAULINO, Rosana. Imagens de sombras. 2011. Tese (Doutorado em Poéticas


Visuais) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2011.

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