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REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 28
BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................................ 28
ELETRÔNICAS ................................................................................................................................................. 30
JURISPRUDENCIAIS ........................................................................................................................................ 30
PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 31
NEGOCIAÇÃO E FORMAÇÃO DO CONTRATO
Neste segundo módulo, trabalharemos uma das partes mais importantes do programa, trata-
se da formação do contrato, isto é, do nascimento do vínculo entre as partes que irá obrigá-las ao
cumprimento de prestações, ao longo do período de execução daquilo que foi programado entre
elas. Durante a formação do contrato, espera-se que as partes consigam transportar as suas
expectativas para o contrato, de modo que a utilidade dele advinda seja a maior possível.
Processo contratual
Obrigação como processo dinâmico
Como visto anteriormente, a obrigação não comporta mais uma visão meramente estrutural,
mas como um processo dinâmico que se desenvolve por meio de diversas condutas coordenadas das
partes credora e devedora, que objetivam o adimplemento, como expressão da satisfação das
legítimas expectativas.
Nesse contexto, concebendo a obrigação como um processo e sabendo-se que é por meio do
contrato que nasce a imensa maioria das obrigações, induvidoso que também o contrato deva ser
interpretado como um processo dinâmico e concreto, que se desenvolve em fases.
Fase pré-contratual
Etapa negociatória: tratativas e punctação
Na fase pré-contratual, a etapa negociatória é aquela que abrange os atos preparatórios, sem
intenção vinculante. Vai dos primeiros contatos entre as partes até a apresentação de uma proposta.
A partir daí, isto é, a partir da apresentação de uma proposta por qualquer das partes, os atos passam
a ser de conteúdo decisório, já contendo a obrigação unilateral quanto ao seu conteúdo.
No dizer de Caio Mario:
É de fundamental importância nesta etapa a análise de risco do negócio, por meio da consulta
da documentação necessária, antes da celebração do contrato.
Documentos pré-contratuais
Denominam-se documentos pré-contratuais todos os documentos produzidos antes da
celebração do contrato, cuja conclusão as partes pretendem, mas ainda não estão obrigadas a fazê-lo.
Como identificado por Angela Cristofaro,2 a finalidade preponderante desses documentos é:
traçar regras básicas de negociação para um acordo;
registrar etapas, pontos importantes ou acordos parciais da negociação e
retratar a completude da tratativa e subordinação a determinado evento do início da
vigência do contrato.
1
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 32. v. 3.
2
CRISTOFARO, Angela Lima Rocha. Memorando de entendimento: efeitos jurídicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3.701,
19 ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25097>. Acesso em: 1 mar. 2015.
8
Os documentos pré-contratuais mais frequentes são: memorandos de entendimento (MOU),
carta de intenções, termo de exclusividade, termo de confidencialidade (NDA), pré due diligence,
proposta, oferta e aceitação.
Na confecção dos documentos pré-contratuais, são pontos relevantes a considerar:
a inexistência de obrigação de contratar;
a possibilidade ou não de cessão;
a responsabilidade pelos custos pré-contratuais;
o tratamento das informações compartilhadas durante as tratativas;
se haverá ou não cláusula de exclusividade;
se haverá ou não direito de preferência;
condições suspensivas ou resolutivas e
sanções pré-fixadas ou pós-fixadas.
9
A aceitação, por sua vez, torna celebrado o contrato. O contrato se dá por celebrado a partir
da aceitação. O momento exato em que se considerará celebrado o contrato depende da teoria eleita
pelo legislador. As principais teorias são:
Teoria da Cognição ou Informação – forma-se o vínculo obrigacional com o
conhecimento, pelo proponente, da aceitação.
Teoria da Declaração propriamente dita – forma-se o vínculo no momento em que o
aceitante manifesta a sua vontade.
Teoria da Expedição ou Transmissão – forma-se o vínculo com o envio da aceitação, com
a realização pelo aceitante de todos os atos que lhe competiam.
Teoria da Recepção – o vínculo se forma quando a aceitação chega materialmente às mãos
do proponente.
O Código Civil Brasileiro adotou como regra a Teoria da Expedição (art. 434, do CCB). O
contrato conta como celebrado desde quando constar a expedição, salvo se estiver expresso o prazo
de validade ou se esse tiver se expirado. A Teoria da Recepção, contudo, aparece no art. 434, II, do
CCB, quando o proponente se compromete a esperar o recebimento da resposta para dar por
celebrado o contrato, e não apenas a expedição dela.
Não significa, entretanto, que inexistam deveres entre as partes durante a fase pré-contratual,
pois as partes são obrigadas a observar os deveres de probidade e de boa-fé independentemente de
terem concluído a contratação. Como se vê do Enunciado nº 170, da III Jornada de Direito Civil
promovida pelo CJF, a seguir transcrito: “170 – Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas
partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência
decorrer da natureza do contrato”.
3
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie. 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 77. v. 4.
10
Observa-se a viabilidade de se imputar responsabilidade antes mesmo de se formar o contrato
sob o fundamento da violação dos deveres de probidade e boa-fé (art. 422, do CCB), também
exigíveis na fase das negociações preliminares.
Das lições de Menezes Cordeiro sobre boa-fé objetiva, podemos extrair que tais deveres são
divididos em deveres de lealdade, deveres de proteção e deveres de esclarecimento ou informação.
Em obra específica sobre o tema, Fichtner nos aponta as seguintes hipóteses de cabimento de
responsabilização pré-contratual:
4
PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 102.
11
TOMATES, QUE DISTRIBUI SEMENTES, NO TEMPO DO
PLANTIO, E ENTÃO MANIFESTA A INTENÇÃO DE ADQUIRIR
O PRODUTO, MAS DEPOIS RESOLVE, POR SUA
CONVENIÊNCIA, NÃO MAIS INDUSTRIALIZÁ-LO, NAQUELE
ANO, ASSIM CAUSANDO PREJUÍZO AO AGRICULTOR, QUE
SOFRE A FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DE VENDA DA
SAFRA, UMA VEZ QUE O PRODUTO FICOU SEM
POSSIBILIDADE DE COLOCAÇÃO. PROVIMENTO EM PARTE
DO APELO, PARA REDUZIR A INDENIZAÇÃO À METADE DA
PRODUÇÃO, POIS UMA PARTE DA COLHEITA FOI
ABSORVIDA POR EMPRESA CONGÊNERE, AS INSTÂNCIAS DA
RÉ. VOTO VENCIDO, JULGANDO IMPROCEDENTE A AÇÃO.
(12FLS – D.)
(Apelação Cível Nº 591028295, Quinta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em
06/06/1991)
12
O modelo liberal perfeito pressupunha equilíbrio e liberdade entre as partes envolvidas,
assumindo, quando bilaterais e onerosos os contratos, obrigações recíprocas e (supostamente)
equivalentes. No entanto, a produção de bens superava a capacidade de escoamento, em parte por
inadequação do modelo contratual, então vigente, às novas necessidades.
A proposta ou oferta, fase que antecede à celebração dos contratos, deixa de ser dirigida à
pessoa determinada e passa a dirigir-se ao público. Ganha relevo a figura do oblato indeterminado,
cuja personificação somente acontecerá se e quando aceitar a proposta. Aliás, algumas vezes, a
personificação do oblato somente ocorrerá se descumprido o contrato por uma das partes. 5
A proposta, então, adquire contornos gerais, capazes de atingir um número indeterminado
de indivíduos e de adequar-se às necessidades básicas do negócio. Tal recurso pré-negocial muitas
vezes constituirá o chamado estado de oferta permanente, reclamando a formação de um instrumento
à altura dessa generalidade e despersonificação.
Oferta e adesão
O modo massificado de contratação não se restringe somente às relações de consumo, muito
embora este seja o seu ambiente mais frequente. Também em relações contratuais entre
empresários, pode-se observar a presença de oferta massificada, como no caso das franquias
empresariais em que o franqueador elabora uma circular de oferta de franquia (COF), dirigida a
todos os eventuais interessados em se tornar franqueados da marca.
No Código Civil de 2002, a oferta é tratada no art. 429, a saber:
Seção II – Da Oferta
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada
por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e
serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular
ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
5
Caio Mario (ob. cit., p. 21) cita como exemplo a oferta afixada nas máquinas automáticas, em que a manifestação do
oblato depende de simples inserção da moeda na ranhura respectiva.
13
A força vinculativa da oferta no CDC é claríssima, afastando prática comercial abusiva,
por parte do fornecedor, de recusar ou modificar unilateralmente a oferta, à revelia da adesão
do consumidor.
14
O fornecedor deverá entregar o orçamento, o que significa, em uma interpretação literal, que
não basta a negociação verbal, exigindo-se a prova documental do orçamento entregue ao
consumidor e por ele expressamente aprovado.
6
Apud RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, [20--]. p. 983.
7
FERNANDES, Wanderley. Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
15
Já o Código de 2002 não veda a cláusula de arrependimento, que pode ser pactuada, exigindo,
porém, que o direito de arrependimento esteja previsto expressamente (art. 462) e na sua ausência
caberá execução específica.
Mesmo quando prevista de forma expressa, a cláusula de arrependimento, para ser exercitada,
deve coadunar-se com a boa-fé objetiva, a afastar a abusividade do seu exercício, bem como a vedar
tal arrependimento depois do adimplemento substancial ou integral do contrato.
Questão polêmica é a da cláusula penal em caso de arrependimento, a funcionar como uma
compensação devida à outra parte pelo desfazimento do negócio. A possibilidade de previsão de
cláusula dessa natureza em si não suscita maior divergência. Já o seu quantum é o ponto central
da controvérsia.
Segundo o Código Civil, no seu art. 412, a cláusula penal não pode superar o valor da
obrigação principal. Em que pese à tamanha abertura para fixação da pena, a imposição de cláusula
penal manifestamente desproporcional impõe ao juiz o dever de reduzi-la equitativamente,
exercendo controle sobre a excessiva onerosidade, na forma do art. 413.
Já no âmbito das relações de consumo é expressamente proibida cláusula penal que imponha
o perdimento total dos valores pagos, vedação que se encontra no art. 53, do CDC. O referido
diploma legal não estipula, contudo, qual seria o percentual de perda admitido, nem define o prazo
para a respectiva restituição da diferença.
16
Na sistemática do Código Civil de 1916, o Supremo Tribunal Federal (STF), em meados do
século XX, editou as Súmulas 167 e 168, 8 considerando o registro essencial para a propositura da
ação de adjudicação compulsória.
Posteriormente, superando a posição do STF, o STJ passou a considerar o registro apenas um
fator de eficácia em relação a terceiros, sendo dispensável o registro prévio para a execução do
contrato entre as partes contratantes: “Súmula 239 – O direito a adjudicação compulsória não se
condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
A doutrina tem defendido majoritariamente a continuidade do entendimento firmado pelo STJ,
como se observa dos enunciados aprovados pela I Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF:
Conteúdo do contrato
Elementos essenciais
O primeiro elemento essencial de um contrato é a pluralidade de partes capazes e
devidamente legitimadas para o contrato que irão celebrar. O contrato pressupõe ao menos duas
partes, sendo o autocontrato apresentado como uma exceção à pluralidade de sujeitos. Na verdade,
dá-se o autocontrato quando alguém, por exemplo, recebe poderes de representação com a
autorização para atuar em causa própria, sendo então admitida a possibilidade de, na qualidade de
representante de alguém, o agente firmar um contrato como representante de um lado, e em causa
própria do outro, havendo assim unicidade de interesses já que o representante atua em causa
própria (interesse próprio).
Exemplo: posso ser procurador de alguém com poderes para transferir a propriedade de um
imóvel, cujos poderes já me foram transferidos por meio do mandato e cujo comprador seja eu
mesmo, hipótese em que serei o único interessado no negócio.
8
167 – Não se aplica o regime do Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937, ao compromisso de compra e venda não
inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro.
168 – Para os efeitos do Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937, admite-se a inscrição imobiliária do compromisso de
compra e venda no curso da ação.
17
Como bem observa Silvio de Salvo Venosa, nas situações em que o representante conclui, ele
mesmo, o contrato por si e pelo representado, existe uma configuração formal de autocontrato: “Se
o representante pode tratar com terceiros em nome do representado, poderia, em tese, contratar
consigo mesmo, surgindo aí a figura do autocontrato. Temos no caso a figura de dois contratantes
numa só pessoa”. 9
A capacidade de direito ou aquisição é a capacidade que se tem para adquirir direitos e
contrair obrigações na ordem civil. É a capacidade para figurar nas relações jurídicas.
A capacidade de fato ou de exercício, por sua vez, é a possibilidade de atuar por si mesmo nas
relações jurídicas, manifestando a vontade diretamente, não se confundindo com a possibilidade de
meramente figurar nessas relações jurídicas.
Quando se fala em agente capaz, há de se ter em mente que a capacidade a ser aferida é a
capacidade de fato, muito embora se admita excepcionalmente a legitimidade de entes
despersonalizados para figurarem como parte em certos contratos.
Exemplo 1: quem tem menos de 16 anos necessita ser representado para ter a sua vontade
considerada válida para a formação do vínculo contratual, seja pelos pais ou tutor. Nesse caso, a
presunção de incapacidade é absoluta, pelo fator idade, de modo que o agente não poderia figurar
sozinho na relação jurídica sob pena de nulidade (art. 166, I, do CCB).
Exemplo 2: a pessoa que tem um grau de deficiência que gera a necessidade de nomeação de
curador. Embora neste caso não haja uma situação de presunção absoluta, pois depende de prova
da necessidade, uma vez constatada, somente com a assistência do curador os contratos envolvendo
a pessoa com deficiência serão considerados válidos.
Enquanto a capacidade de direito confere ao ente a aptidão genérica para ser sujeito de
direitos e de deveres na ordem civil (art. 1º, do CCB) aproximando-se da própria noção de
personalidade jurídica, a capacidade de fato ou de exercício exprime a medida da aptidão da pessoa
para a prática, em concreto, dos atos da vida civil.
Já a legitimação negocial se refere a uma exigência específica do ordenamento jurídico para
determinados atos ou, como preferem Caio Mario e Washington de Barros, a legitimação negocial
representa limitações legais à prática de determinados atos pela natureza especial dos interesses
envolvidos. Desse modo, a legitimação negocial para a realização de negócios jurídicos é tão
importante quanto a verificação da capacidade de exercício do agente.
O segundo elemento essencial é o objeto. O contrato, como qualquer negócio jurídico, para
a sua validade, depende de objeto lícito, possível, determinado ou determinável (art. 104, II, do
CCB). Negócio jurídico sem objeto é inexistente. Negócio jurídico com objeto ilícito, impossível
ou indeterminável é, por sua vez, nulo.
9
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 428. v. 2.
18
A licitude do objeto está relacionada não somente com a sua não contrariedade à norma
expressa, mas também com a moral e os bons costumes. Assim é que um contrato pode ser
considerado nulo pela contrariedade à moral, prevalente naquele meio social.
Já o requisito da possibilidade do objeto diz respeito tanto à possibilidade jurídica quanto à
fática. A possibilidade fática é aquela que alcança a força humana ou à própria natureza, ou seja, o
fato pode ou não acontecer segundo as limitações naturais. Ela pode ser absoluta e atingir a todos,
por exemplo, como a contratação de alguém para remover o morro do Pão de Açúcar do lugar onde
se encontra com a força do próprio corpo.
Outras vezes, a impossibilidade atinge apenas uma pessoa em especial, o devedor. Por
exemplo, um prefeito resolve contratar um surdo-mudo para executar uma ária de ópera no
réveillon. Para o devedor (surdo-mudo), é impossível executar essa tarefa.
A possibilidade jurídica ou impossibilidade jurídica não se confunde, por sua vez, com a
ilicitude do objeto, pois o negócio não é ilícito, mas também não é fisicamente impossível. Existe
um obstáculo legal que impede a execução da tarefa contratada que, em si, não é ilícita.
Exemplo: um despachante é contratado para desmembrar um terreno que mede 1.000 m2
em quatro lotes de 250 m2. É fisicamente possível? Sim. Desmembrar terreno ou contratar
despachante para esse serviço é lícito? Sim. Porém, quando o despachante inicia a execução da
tarefa, depara-se com a legislação municipal que, naquela área, limita o lote mínimo em 360 m2.
Então, será juridicamente impossível executar a tarefa contratada.
O terceiro elemento essencial diz respeito à forma como deve ser manifestada a vontade.
Quanto à forma, a regra está prevista no art. 107, do CCB, que assim dispõe: “A validade da
declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir”.
Pode ser tácita ou expressa, verbal ou escrita, por instrumento público ou escrito particular,
podendo até mesmo ser obtida por meio do silêncio circunstanciado. Todavia, quando houver a
exigência legal e o contrato for celebrado sem observar a forma, ter-se-á um contrato nulo para o
fim ao qual se destina. É exemplo a exigência feita pelo legislador no art. 108, do CCB, que exige
escritura pública para a validade dos negócios jurídicos que envolvam direitos reais sobre imóveis,
cujo valor supere 30 salários-mínimos.
O exercício de alguns direitos, quando têm por fundamento um contrato, pode prescindir
de força probante ou mesmo de validade se determinada forma foi utilizada, como a forma
verbal, por exemplo.
Quando se trata de contrato, o objeto deve conter, ainda, patrimonialidade, pois o fim
econômico é típico dos contratos. As prestações de dar, fazer e não fazer originadas no contrato
devem ser aferíveis em pecúnia, de modo que, em se tornando inútil ou impossível a prestação por
culpa do devedor, o credor terá o direito de exigir o equivalente pecuniário dessa prestação, além
das outras perdas e danos que o caso ensejar.
O quarto elemento essencial é o consenso. Tratando-se de negócio jurídico bilateral ou
plurilateral, a formação do contrato válido exigirá consenso quanto ao seu conteúdo e aos seus efeitos.
19
A contratação, idealmente, não é imposta, mas, sim, uma manifestação de vontade livre e
consciente do contratante e outra do contratado que convergem para o mesmo ponto. Por essa
razão, é equívoco achar que a doação, enquanto contrato, não depende da aceitação do donatário.
Apenas em algumas hipóteses, presume-se aceita pelo silêncio, em razão das circunstâncias.
É de tamanha importância a vontade na formação do contrato que a sua ausência implica a
inexistência do negócio, como ocorre no contrato celebrado sob coação física (vis absoluta).
A vontade deve ser livre, consciente e de boa-fé, para ser apta a formar um vínculo contratual
válido. Vontade livre é uma vontade que não está motivada pela coação, nem premida de necessidade,
não está sendo exercida em estado de perigo, vontade de quem não foi conduzido coercitivamente para
aquela posição contratual. Vontade consciente requer conhecimento do que se está contratando. A
falta de consciência vai alterar a validade desse contrato. Vontade de boa-fé, pois não se admite
manifestação de vontade simulada, valendo-se de ardil para obter um ganho que não é justificado ou
que admita a onerosidade excessiva de quem passa por uma premente necessidade.
Como visto anteriormente, afetam o consentimento e tornam anulável o contrato: vícios na
manifestação da vontade – estado de perigo (art. 156, do CCB), lesão (art. 157, do CCB), erro (art.
138, do CCB), dolo (art. 145, do CCB) e coação (art. 151, do CCB).
Uma vez que o consenso se apresenta como requisito essencial para a formação do contrato,
é oportuno tecer mais algumas considerações sobre a vontade. Autonomia da vontade é o princípio
pelo qual se reconhece na vontade o poder criador de efeitos jurídicos. No dizer do mestre Caio
Mario da Silva Pereira, “o indivíduo é livre para, pela declaração de sua própria vontade, em
conformidade com a lei, criar direitos e contrair obrigações”.
Entretanto, quando a vontade é confrontada com uma lei, qual verdadeiramente seria
responsável pelos efeitos jurídicos do negócio? Não se tratando de matéria de ordem pública, a
vontade é que direcionaria o negócio rumo aos efeitos desejados pelos agentes, tendo as partes de
suportar as consequências asseguradas pelo ordenamento jurídico à sua disciplina.
O art. 112, do CCB, na esteira do que dispunha o art. 85 do Código Civil de 1916, dá o tom
da importância da manifestação de vontade na interpretação dos contratos.
Doutrinariamente, aponta-se, ainda, a causa como elemento essencial do contrato. Apesar de
o art. 104 ter silenciado a esse respeito, o art. 421 faz menção à razão (causa) de contratar,
relacionando-a com a função social do contrato. A divergência maior está em se atribuir à
autonomia privada a causa que integra essencialmente o contrato, ou à função social como sendo
essa causa.
Para aqueles que defendem a autonomia privada como causa essencial,10 a justificativa do
contrato existir seria justamente a autonomia conferida às partes para criarem as suas próprias
estruturas jurídicas e estabelecer os efeitos que desejam ver produzidos entre elas. Assim, a razão do
contrato existir seria justamente essa autonomia.
10
Neste sentido, Flávio Tartuce, Giselda Hironaka, Antonio Junqueira de Azevedo, entre outros.
20
Por outro lado, seguindo o movimento de funcionalização dos direitos subjetivos e ancorados
na literalidade do art. 421, os autores que defendem a função social como causa essencial ao
contrato 11 justificam que, para o direito contemporâneo, a existência de uma vontade não alinhada
a uma função social conduziria a um contrato nulo, sendo, portanto, essencial que a liberdade
contratual seja exercida em razão da função social do contrato.
11
Entre outros, Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes, Nelson Rosenvald e Paulo Lobo.
12
A doutrina costuma distinguir, embora não uniformemente, os contratos desta natureza, previamente elaborados,
classificando-os em Contratos de Adesão, contratos sujeitos a Condições Gerais, Contratos-tipo e Contratos Dirigidos. Cf.
MARQUES, Ob. cit., p. 55; PEREIRA, Ob. cit., p. 44; GOMES, Ob. cit., p. 111; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. São Paulo:
Atlas, 2001. p. 343. v. 2.
21
Como leciona Cláudia Lima Marques:
Como se extrai dos conceitos acima, para a autora, os contratos de adesão e os sujeitos às
condições gerais possuem algumas características que os distinguem, de forma que as expressões
condições gerais e contratos de adesão não são sinônimas, podendo a primeira expressão englobar
não só os contratos de adesão, como todos aqueles contratos (tipo, dirigidos, formulários)
compostos de cláusulas prévia, unilateral e uniformemente elaboradas.
Orlando Gomes critica a expressão condições gerais, visto que, a seu ver, haveria impropriedade
técnica tanto na escolha do substantivo (condição), quanto do adjetivo (geral). Nas suas palavras:
13
Ob. cit., p.53.
14
Idem, p. 59.
15
Ob. cit., p. 111 e 112.
16
Idem, p. 112.
22
É verdade que os contratos de adesão (ou por adesão) são formados por condições (ou cláusulas)
gerais, não passíveis de qualquer modificação pelo aderente, cláusulas estas elaboradas unilateral e
uniformemente pelo ofertante e, no mais das vezes, dirigidas ao público de modo geral. 17
O próprio legislador brasileiro, aliás, conceituou o contrato de adesão de forma abrangente,
não se prendendo a distinções e classificações doutrinárias, como se observa da leitura do art. 54,
da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo
fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Elementos naturais
Além dos já mencionados elementos essenciais e dos elementos acidentais, os contratos
possuem também elementos naturais, assim considerados aqueles que se verificam presentes
independentemente de expressa menção a eles no contrato, em virtude da sua natureza jurídica.
Por exemplo, em um contrato comutativo, as partes esperam que as prestações recíprocas
sejam equivalentes, de modo que a descoberta posterior de um vício oculto naturalmente irá frustrar
essa legítima expectativa. A garantia legal quanto aos vícios ocultos é, portanto, um elemento natural
em contratos comutativos (art. 441, do CCB).
Contratos eletrônicos
Conceito de contrato eletrônico
Contrato eletrônico é antes de tudo um negócio jurídico com os mesmos elementos
essenciais, os mesmos requisitos de validade e de eficácia dos contratos em geral. O que vai
caracterizá-lo como eletrônico é o fato de ser celebrado por meio de redes, equipamentos e
programas que possibilitam o encontro das vontades das partes na formação do negócio.
É, portanto, o meio eletrônico utilizado pelas partes para interagirem no momento da
conclusão do contrato que vai determiná-lo como sendo um contrato eletrônico.
17
Neste sentido: MARQUES, Claudia Lima. Ob. cit. p. 61.
23
Inegavelmente, a facilidade de comunicação entre as pessoas propiciada principalmente pela
internet, diminuiu substancialmente as fronteiras comerciais, e o comércio eletrônico passou a
realizar-se entre partes situadas nos mais diversos países, adquirindo direitos e assumindo
obrigações entre si.
Todavia, tal liberdade territorial apresenta-se como um desafio ao jurista, na identificação da
lei aplicável, do juízo competente, na criação de mecanismos que deem efetividade a contratos dessa
natureza, etc.
Observamos hodiernamente os próprios agentes econômicos buscando fornecer ferramentas
on-line de resolução de conflitos entre as partes, como no caso do Alibaba. Afinal, uma das grandes
barreiras ao comércio eletrônico ainda é a desconfiança na outra parte e na eficácia dos meios de
execução dos contratos.
24
Princípio da identificação – devida identificação das partes que celebram um contrato
pela internet – e
Princípio da verificação – todos os documentos eletrônicos relacionados devem ser
armazenados, para possibilitar a sua verificação futura.
25
Seção VIII
Dos Documentos Eletrônicos
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo
convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação
de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não
convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e
conservados com a observância da legislação específica.
A legislação específica, por sua vez, trata da certificação digital, na forma seguinte:
26
Por fim, as relações contratuais entre fornecedores e consumidores é regida, ainda, pelo
Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013.
Smart contracts
A expressão smart contracts ou contratos inteligentes tem sido utilizada para designar contratos
eletrônicos que se caracterizam por serem autoexecutáveis, isto é, por alcançarem os seus efeitos
dentro do próprio sistema, como ocorre nas transações com criptomoedas, por exemplo.
Os smart contracts são escritos do mesmo modo como são escritos os códigos de programação
e podem ser executados em um ambiente digital, sem a necessidade de geração de documentos
impressos. Esse código pode definir regras estritas e consequências da mesma forma que um
documento legal tradicional, estabelecendo as obrigações, os benefícios e as penalidades que podem
ser devidas a qualquer das partes em várias circunstâncias diferentes. Porém, ao contrário de um
contrato tradicional, ele também pode estar programado para transferir os benefícios, debitar os
pagamentos e gerar as penalidades, sem que a questão precise sair do ambiente eletrônico.
A tecnologia block chain, por exemplo, apresenta grande potencial de aplicação nos contratos
inteligentes, tanto públicos quanto privados.
27
REFERÊNCIAS
Bibliográficas
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao Novo Código Civil: da extinção do contrato.
Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 6. t. 2.
ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais,
1916.
BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000.
BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo: Malheiros,
2002.
CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di diritto processuale civile. p. 188. apud FORGIONI, Paula.
Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
COSTA, Mário Júlio de Almeida. Noções fundamentais de direito civil. 4. ed. rev. e atual. Coimbra:
Almedina, 2001.
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Jurisprudenciais
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Aguiar. DJ, 14 de outubro de 1996. p. 39.015.
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 95539/SP. Quarta Turma. Relator: Ruy Rosado de
Aguiar. DJ, 14 de outubro de 1996. p. 39.015.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 591028295. Quinta Câmara Cível.
Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Julgado em 6 de junho de 1991.
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PROFESSOR-AUTOR
André Roberto de Souza Machado é sócio sênior e fundador do escritório SMGA
Advogados, atua principalmente na área de Direito Civil, com ênfase em contratos e em Direito
Patrimonial. Possui 21 anos de experiência no mercado. É mestre em Direito das Relações
Econômicas (2002) e advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de
Janeiro (OAB/RJ) desde 1995. É também professor de Direito Contratual dos programas de pós-
graduação da Fundação Getulio Vargas (LLM e MBA), expositor da Escola Nacional da
Magistratura (ENM) da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), entre outros.
Coordenador do Núcleo de Direito Civil do Instituto Brasileiro de Direito dos Negócios (IBDN),
é membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr).
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