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DOI: 10.15601/2237-0587/fd.v7n1p5-23
Resumo
A avaliação diagnóstica da linguagem escrita possui uma relevância especial por constituir
uma das intervenções mais frequentes entre os profissionais da psicopedagogia. Isso ocorre
pelo fato da aprendizagem escolar apoiar-se de forma quase exclusiva na linguagem escrita. O
objetivo proposto neste artigo é discutir o processo do diagnóstico psicopedagógico da
linguagem escrita e descrever técnicas e orientações de caráter preventivo que ajudem na
intervenção educativa. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Os autores
escolhidos, além de abordar alguns recursos de grande relevância nesse processo diagnóstico,
refletem sobre as especificidades que promovem a interação entre o psicopedagogo e o seu
cliente. Conclui-se no artigo a relação direta entre a clareza conceitual e rigor metodológico
no processo diagnóstico mostrados pelo psicopedagogo e o êxito da intervenção terapêutica
junto à criança que apresenta dificuldades de aprendizagem.
Palavras-chave: Diagnóstico psicopedagógico. Linguagem escrita. Dificuldades de
aprendizagem.
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Pedagoga, Psicopedagoga e Mestre em Teologia, na área “Religião e Educação”. Docente no Centro
Universitário Metodista Izabela Hendrix (CEUNIH) e Coordenadora Geral do Colégio Metodista Izabela
Hendrix. E-mail: graciete.oliveira@izabelahendrix.edu.br
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relationship between conceptual clarity and methodological rigor in the diagnostic process
shown by educational psychologist and successful therapeutic intervention with the child with
learning difficulties.
Keywords: Psycho-pedagogical diagnosis. Written language. Learning difficulties.
Introdução
O chamado fracasso escolar guarda uma relação muito direta com as dificuldades e o
domínio insuficiente da linguagem escrita. Suas consequências negativas não só afetam o lado
intelectual, mas também o desenvolvimento emocional e social da criança, colocando esta
numa situação de desvantagem. As pessoas nunca são hábeis ou competentes em todos os
momentos de sua vida. Porém, quando a carência afeta de forma importante a capacidade de
ler e escrever adquire em nossa sociedade uma conotação distinta, pois pode impedir – ou
pelo menos dificultar – a plena incorporação à cultura letrada em todas as suas manifestações
do sujeito. O fato de ser letrado não necessariamente garante o êxito social, mas não sê-lo
certamente reduz as oportunidades e limita as possibilidades de enriquecimento pessoal. Para
Magda Soares (2010, p.37) “a pessoa letrada já não é a mesma, ela passa a ter uma outra
condição social e cultural”. O sujeito muda de “lugar social”, isto é, muda seu modo de viver
em sociedade, inserção na cultura, relação com os outros, com o contexto e com os bens
culturais.
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Avaliar este saber é uma tarefa certamente complexa. Uma das causas dessa
complexidade fundamenta-se na grande diversidade de componentes que a integram,
independentes, mas interconectados entre si e em constante relação com fatores como a
inteligência, a memória e a aprendizagem. Uma segunda causa se encontra na tomada de
decisões que gera a avaliação diagnóstica da escrita: Que aspectos concretos avaliar? Com
que instrumentos? Que decisões pedagógicas tomar baseadas nos resultados da avaliação?
Marco conceitual
Os conteúdos da avaliação nunca são neutros, pois detrás de uma atuação avaliadora
há implícitas as concepções pedagógicas e éticas específicas. Sendo assim é importante
explicitar os pressupostos dos que partimos neste trabalho:
Quando nos pede a avaliação diagnóstica de uma criança que não aprende a ler e
escrever desconhecemos as causas do problema e as possíveis interferências de outros fatores
cognitivos, socioculturais, pedagógicos ou emocionais. Determinar isso será um dos objetivos
do processo de avaliação diagnóstica.
Estas informações iniciais relativas à criança e a seu contexto nos permitirá elaborar as
hipóteses iniciais e começar a discernir se as dificuldades são específicas, ou se formam um
quadro de dificuldades mais gerais, no qual suporia repensar tanto a avaliação diagnóstica
como as decisões posteriores. Porém a de se ter claro que a coleta de informações tem um
caráter cíclico, quer dizer, que se poderá ir ampliando e reconduzindo as bases das hipóteses
que vamos elaborando ao longo de todo o processo de avaliação diagnóstica. De acordo com
Weiss (2004, p.28) “busca-se do clínico exatamente a unidade, a coerência, a integração que
evitaram transformar a investigação diagnóstica numa ‘colcha de retalhos’[...]”.
Há que estabelecer, pois, um bom vínculo com a criança, dar-lhe confiança, valorizar
seus pontos mais fortes. Para que a aprendizagem ocorra, há necessidade da participação de
dois personagens: quem ensina e quem aprende. Além do vínculo que se estabelece entre
ambos. Dar-lhe uma explicação – adequada a sua idade – do porque se encontra ali, e para
fazer o quê. Sempre que possível, permitir-lhe escolher atividade por qual vai começar: isso
lhe dá confiança e aumenta seu nível de implicação na tarefa. Quando em uma situação de
avaliação diagnóstica se consegue este clima e este vínculo positivo, a criança o vive de modo
incluso gratificante: a prática nos permite constatar como a grande maioria das crianças
abandona qualquer resistência inicial e aceita de muito bom grado que alguém interesse por
eles de uma forma tão personalizada.
Metodologia
pouco tinham a ver com a aprendizagem da linguagem escrita tal como a entendemos na
atualidade.
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Dentro de cada um dos níveis, se podem encontrar diferentes subníveis que surgem gradativamente. Na
bibliografia que citamos, detalha-se amplamente todo este processo, com exemplos ilustrativos.
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sujeitos é bastante ampla, de modo que é habitual que coexistam em um mesmo grupo de
crianças níveis de aquisição distintos, no qual exige planejar situações e atividades de
aprendizagem adaptadas para tal diversidade. Em todo caso, acostumamos a nos preocupar
que determinadas crianças sigam uma progressão relativamente mais lenta que outras e
quando isto vai perdurando.
Estas são crianças que podem requerer uma avaliação diagnóstica. O processo de
avaliação será, em princípio, para levantar as hipóteses do não aprender. Permitindo-nos
ampliar aspectos, e, sobretudo, descobrirmos melhor em que e por que não aprende, quais são
suas respostas e que informação específica nos passa. Não podemos duvidar que as
concepções infantis sobre o que se escreve, como se escreve o que produz em determinado
texto, etc. Seguem uma lógica que, especialmente no início do processo, se assemelha a do
adulto alfabetizado. Portanto, não podemos classificar como erros o que são ideias
particulares e próprias do pensamento infantil.
A aprendizagem inclui sempre o corpo, porque inclui o prazer a este; sem o corpo o
prazer desaparece. Sem uma boa matriz de aprendizagem (representada em sua maioria pela
mãe), o vínculo com as aprendizagens futuras estará prejudicado, pois se encontra fraturas em
suas origens.
as práticas e compreender o sujeito cognoscente, que pensa que constrói interpretações, que
age sobre o real para fazê-lo seu. Explicar detalhadamente todas e cada um das técnicas
possíveis sobrepassaria as exigências deste artigo, de modo que nos centraremos em algumas,
uma vez que nos remeteremos à bibliografia colocada.
criança se encontra, podemos fazer a técnica do ditado de palavras como a qual se especifica
(QUADRO 2).
O objetivo desta técnica é observar como a criança realiza esta tarefa. Convém anotar
as perguntas feitas, a fim de diferenciar claramente o que é capaz de fazer sozinha e o que
pode realizar com ajuda, e com que tipo de ajuda. Logo podemos pedi-la que leia (se assinala
com o dedo) cada uma das produções realizadas, a fim de observar de que modo relaciona sua
produção oral com os signos escritos, com que conflitos se encontram ao tentar resolver um
ou outro que coincida.
Esta técnica pode nos dar uma série de informações importantes. Por exemplo:
A análise destes aspectos nos informará sobre a importância das dificuldades e o seu
grau com relação ao que seria esperado para sua idade no contexto escolar e social. Também
nos pode conduzir a contemplar outras questões: se diferencia as letras de outros signos (por
exemplo das cifras); se é mais competente com letra maiúscula ou com a cursiva; se conta
com um repertório limitado de grafias porque tem dificuldades na sua realização, porém
quando lhe são mostradas pode reconhecê-las; como é a realização gráfica: o alinhamento, a
direcionalidade...
Para avaliar em qual dos distintos níveis de interpretação de textos se situa determinada
criança se pode fazer de diversas formas. Uma delas é mediante a observação de como
interpreta sua própria produção escrita (por exemplo, as palavras e a frase que lhes foram
ditadas antes) ou também outros escritos que tenhamos ao alcance. Porém obteremos uma
informação mais precisa sobre como solucionar os conflitos de interpretação se utilizarmos o
material que contempla diferentes tipos de correspondência entre um texto e a ilustração ou
imagem que o acompanha. Ferreiro e Teberosky (1979) propõem a seguinte prova (QUADRO
3):
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A técnica pode ser desenvolvida com este material específico ou com outros mais
informais (logotipos, título de contas com apoio da imagem, etc.), observaremos em que nível
se encontra entre a progressão seguinte (QUADRO 4):
Seja qual for a estratégia que se use, teremos que levar em conta o esforço da criança
na busca do significado (compreensão) mesmo que acerte ou erre. Segundo Japiassu (1977, p.
57), é assim que se estrutura o conhecimento, “na dialética dos ensaios e dos erros, nas
retificações que introduzem as diferenças, nos fracassos que fazem surgir às contradições e
nas sínteses que promovem os progressos”. Chegar ao último nível supõe saber aprendido a
ler no seu sentido convencional, e é precisamente neste ponto que pode aparecer dificuldades.
Por isso é importante observar como a criança realiza a decodificação (se o faz pelo som, por
sílaba, se o faz corretamente ou com alterações ou substituições de fonemas...) e, sobretudo
estar atento às estratégias que as crianças põem em jogo para autocorrigir-se durante o
processo de leitura.
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1. Em primeiro lugar, é preciso analisar muito bem o texto que propusermos para ser
lido, a fim de prever as dificuldades do assunto do qual se trata e também as
existentes quanto a sua estrutura, porque diferentes modalidades textuais requerem
distintas exigências cognitivas. Se tomarmos como exemplo duas das tipologias
mais usuais (a narrativa e a expositiva), observaremos que a estrutura da narração
apresenta um caráter sequencial, e uma organização muito convencional que as
crianças incorporam desde muito pequenas e facilita a compreensão; os textos
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Ler em voz alta costuma trazer um nível de ansiedade mais elevado que fazê-lo
silenciosamente. Porém para fins de diagnóstico, também é útil observar com a criança se
comporta numa leitura oral. Assim, pois, podemos combinar ambas as modalidades mediante
a um texto em que uma parte pode ser lida silenciosamente e outra em voz alta. Deste modo,
obteremos informações sobre a competência da criança frente às duas situações.
Com isto, a leitura oral nos permite observar vários aspectos: como decifra os códigos
escritos, se efetua repetições, substituições, omissões ou adições de palavras, sílabas ou
fonemas, se perdem ou salta de linha; se respeita os signos de pontuação, que ritmo e
velocidade mantêm (impulsivo, lento, vacilante...) e se esta forma de ler tem a haver ou não
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com sua capacidade de compreensão; valorizaremos se usar sinais contextuais, quer dizer, se
as substituições que realiza têm ou não significado no contexto da frase; que tipo de palavra o
leva a entalar, e também quais lê bem; outros elementos que é aconselhável observarem: se
move a cabeça ou não, se vai seguindo as palavras com o dedo, se se mostra nervoso,
inseguro, etc.
Quando entalar ao ler, lhe ajudaremos a seguir, porém não imediatamente, pois o que
interessa observar é se utiliza por si mesmo estratégias de autocorreção. Como sabemos, o
leitor vai construindo o significado de um texto enquanto o está lendo; em consequência, um
dos principais indicadores de competência leitora é precisamente a capacidade de regular a
própria compreensão, porque muitas das dificuldades na leitura são devidas a falta de tal
estratégia de regulação.
Uma vez realizada a observação sobre como lê a criança, poderemos contrastá-la com
sua compreensão leitora e avaliar a correlação que há entre um e outro aspecto. Compreensão
e destreza leitora se influem mutuamente, porém pode existir certa defasagem entre elas: há
crianças que decifram bem, porém não compreendem, enquanto que outras são capazes de
gerar compreensões mesmo mostrando uma decifração dificultosa. Precisamente – e como
comentamos antes – os fatores que intervém na capacidade de ler são tantos e tão complexos
que é possível estas contradições.
Considerações finais
Mesmo que a finalidade deste artigo seja a avaliação diagnóstica e não a intervenção,
nos parece pertinente sugerir algumas orientações de caráter geral que se desprenderam no
que foi exposto até aqui.
Em primeiro lugar, não resta a menor dúvida que a influência familiar no processo de
alfabetização das crianças é fundamental. Cremos que o tratamento que se faz da língua na
escola e nas aulas é um fator determinante para evitar muita das dificuldades apresentadas.
Segundo Parente (2000, p. 43) “a instituição escola a rigor, tem a função de preparar a criança
para ingressar na sociedade, promovendo as aprendizagens tidas como importantes para o
grupo social ao qual esse sujeito pertence”. Por esta razão convém que, a etapa infantil, as
aulas se impregnem de um ambiente alfabetizador que, unido às interações orais, permitam as
crianças familiarizarem-se com a escrita e seus usos, mediante uma reflexão sobre a
linguagem que surge nas situações comunicativas e funcionais.
Conforme aponta Fernandez, “não pode haver construção do saber se não se joga com
o conhecimento” (1991, p. 165), pois o saber é a incorporação do conhecimento pessoal
relacionado com fazer. Isto requer, pois, condições e formas de ensinar que se adaptem as
dificuldades e ritmos das crianças, priorizando textos funcionais e significativos assim como
atividades mais abertas e globais com outras mais estruturadas, destinadas a melhoria de
déficits concretos.
Haverá casos que, por suas especialidades, vão requerer alguma técnica educativa
específica. Assim, a relação psicopedagogo-cliente é medida por atividades bem definidas,
cujo objetivo é “solucionar rapidamente os efeitos mais nocivos do sintoma para logo depois
dedicar-se a afiançar os recursos cognitivos” (PAIN, 1986, p.77). Apontaremos algumas
recomendações que vão nesta linha: a) motivá-los para ler e escrever será um dos objetivos
fundamentais na relação com a criança, posto que suas dificuldades a conduzam ao abandono
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e a curto prazo a rejeição total. Há que ajudá-las a encontrar leituras que lhes interessem e
constituem para elas desafios quanto a sua complexidade. Convém ter sempre presente que,
quanto menos competência leitora mostra uma criança, mais conhecimento prévio necessitará
para compreender o significado do texto; b) quando planejarmos atividades mais específicas
ou estruturadas, destinadas a melhorar o déficit concreto, o faremos de forma mais
contextualizada ou lúdica possível. Referimos-nos, por exemplo, a atividades relacionadas
com a segmentação fonética quando os problemas se encontram na consciência fonólogica, ou
atividades de aproximação global das palavras (memorização visual das palavras) em crianças
cujas dificuldades se encontra na via ortográfica ou léxica. Todas estas atividades podem-se
realizar através de jogos de linguagem (jogo da memória, caça-palavras, trilha, etc.); c)
potenciaremos o uso de toda classe de apoio ou instrumentos de aprendizagem que resultem
facilitadores, compensadores ou alternativos (uso de esquemas, gráficos, computador, vídeos,
televisão...); d) temos que ter especial cuidado com os aspectos relacionados ao afetivo e
emocional que podem estar interferindo: interesse, motivação, autoestima... Devemos
proporcionar muita segurança e confiança, e, animá-los a pedir ajuda sempre que necessitem;
e) não devemos forçá-los a viver situações comprometidas (como por exemplo, ler em voz
alta) se não se sentem capazes. Devemos potencializar publicamente tudo que pode fazer com
êxito; f) o papel da família é fundamental, tanto pela ajuda que pode proporcionar como pelo
tipo de reação que mostra frente ao problema da criança. As atitudes de excessiva proteção
ou, ao contrário, de demasiada exigência, a negação das dificuldades, um elevado nível de
ansiedade, etc. nos ajudam a situar o problema – sintoma PARA a família, isto é, as reações
comportamentais de seus membros ao assumir a presença do problema; e NA família ou, com
maior precisão, articulação funcional do problema de aprendizagem. Portanto, dar espaço para
a família enfrentar o problema de forma construtiva é imprescindível.
Referências
SOARES, Magda. Letramento: um tema de três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
WEISS, Maria Lucia L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de
aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP & A, 2004.