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O Diagnóstico Psicopedagógico da Criança com Dificuldade de


Aprendizagem na Língua Escrita

Graciete Maria de Oliveira1

DOI: 10.15601/2237-0587/fd.v7n1p5-23
Resumo
A avaliação diagnóstica da linguagem escrita possui uma relevância especial por constituir
uma das intervenções mais frequentes entre os profissionais da psicopedagogia. Isso ocorre
pelo fato da aprendizagem escolar apoiar-se de forma quase exclusiva na linguagem escrita. O
objetivo proposto neste artigo é discutir o processo do diagnóstico psicopedagógico da
linguagem escrita e descrever técnicas e orientações de caráter preventivo que ajudem na
intervenção educativa. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Os autores
escolhidos, além de abordar alguns recursos de grande relevância nesse processo diagnóstico,
refletem sobre as especificidades que promovem a interação entre o psicopedagogo e o seu
cliente. Conclui-se no artigo a relação direta entre a clareza conceitual e rigor metodológico
no processo diagnóstico mostrados pelo psicopedagogo e o êxito da intervenção terapêutica
junto à criança que apresenta dificuldades de aprendizagem.
Palavras-chave: Diagnóstico psicopedagógico. Linguagem escrita. Dificuldades de
aprendizagem.

The Psycho-pedagogical Diagnosis of Children with Learning Disabilities in Language


Writing
Abstract
The diagnostic evaluation of written language has a special significance because it represents
one of the most frequent interventions among practitioners of Psycho-pedagogy. This occurs
because of school learning rely almost exclusively on written language. The goal in this paper
is to discuss the process of psycho-pedagogical diagnosis of writing and describe techniques
and preventive guidelines that help in the educational intervention language. The
methodology used was the literature research. The authors chosen, besides addressing some
features of great relevance in this diagnostic process, reflect on the specifics that promote
interaction between the psycho-pedagoge and his client. We conclude the article direct

1
Pedagoga, Psicopedagoga e Mestre em Teologia, na área “Religião e Educação”. Docente no Centro
Universitário Metodista Izabela Hendrix (CEUNIH) e Coordenadora Geral do Colégio Metodista Izabela
Hendrix. E-mail: graciete.oliveira@izabelahendrix.edu.br
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relationship between conceptual clarity and methodological rigor in the diagnostic process
shown by educational psychologist and successful therapeutic intervention with the child with
learning difficulties.
Keywords: Psycho-pedagogical diagnosis. Written language. Learning difficulties.

Introdução

Entre o conjunto de competências ou capacidades que podem ser objeto da avaliação


psicopedagógica na clínica, os relacionados à linguagem escrita possuem uma relevância
especial e constituem uma das intervenções mais frequentes entre os profissionais da
psicopedagogia. A aprendizagem escolar apoia-se quase de forma exclusiva na língua escrita.
As dificuldades de aprendizagem se convertem, consequentemente, em dificuldades de
aprendizagem.

Quando as crianças não conseguem atender às expectativas da professora supõe-se que


elas têm problemas. A escola constrói um modelo de bom aluno, mas nem todas as crianças se
adaptam dentro desse modelo. Esse momento os professores recorrem às muletas para
explicar tal situação: “estas crianças não podem aprender porque não há ajuda familiar falta
maturidade, suposta lesão cerebral mínima ou transtornos do tipo: psicomotora, na fonação,
percepção” (FERREIRO, 1989, p.73).

O chamado fracasso escolar guarda uma relação muito direta com as dificuldades e o
domínio insuficiente da linguagem escrita. Suas consequências negativas não só afetam o lado
intelectual, mas também o desenvolvimento emocional e social da criança, colocando esta
numa situação de desvantagem. As pessoas nunca são hábeis ou competentes em todos os
momentos de sua vida. Porém, quando a carência afeta de forma importante a capacidade de
ler e escrever adquire em nossa sociedade uma conotação distinta, pois pode impedir – ou
pelo menos dificultar – a plena incorporação à cultura letrada em todas as suas manifestações
do sujeito. O fato de ser letrado não necessariamente garante o êxito social, mas não sê-lo
certamente reduz as oportunidades e limita as possibilidades de enriquecimento pessoal. Para
Magda Soares (2010, p.37) “a pessoa letrada já não é a mesma, ela passa a ter uma outra
condição social e cultural”. O sujeito muda de “lugar social”, isto é, muda seu modo de viver
em sociedade, inserção na cultura, relação com os outros, com o contexto e com os bens
culturais.
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Assumida, pois a importância desta aprendizagem compreende-se que a escola tem


diante de si o compromisso de conseguir que seu alunado aprenda a ler e escrever. É
necessário que a aprendizagem lhe permita acender conhecimentos diversos (a linguagem
escrita como utensílio de aprendizagem), para chegar a converter-se em sujeito alfabetizado
de pleno direito, participando de todos os usos e funções que a cultura escrita tem em nossa
sociedade. Este processo é para algumas crianças um caminho repleto de dificuldades para
aprender a ler e escrever ou, iniciado o processo de alfabetização, na compreensão e
expressão escrita que acabam atrapalhando seu desempenho escolar geral.

Avaliar este saber é uma tarefa certamente complexa. Uma das causas dessa
complexidade fundamenta-se na grande diversidade de componentes que a integram,
independentes, mas interconectados entre si e em constante relação com fatores como a
inteligência, a memória e a aprendizagem. Uma segunda causa se encontra na tomada de
decisões que gera a avaliação diagnóstica da escrita: Que aspectos concretos avaliar? Com
que instrumentos? Que decisões pedagógicas tomar baseadas nos resultados da avaliação?

Conscientes da complexidade e amplidão do tema o artigo definiu o seguinte roteiro:


definição dos objetivos e os critérios do processo de diagnóstico psicopedagógico da
linguagem escrita; descrição dos passos a seguir a partir da demanda do diagnóstico a fim de
confirmar ou descartar determinadas hipóteses; exposição do procedimento e metodologia
para diagnosticar as competências da criança na compreensão leitora e na expressão escrita,
descrevendo técnicas específicas; análise dos diversos tipos e graus de déficit que nós
podemos encontrar sobre a base das hipóteses do resultado do diagnóstico; e, finalmente,
orientações de caráter preventivo que ajudem na intervenção educativa.

Marco conceitual

A avaliação diagnóstica da linguagem escrita pode responder a demandas e objetivos


diversos. Pode se incluir dentro de um diagnóstico global da criança que apresenta
necessidades educativas especiais. Em tal caso, as dificuldades de aprendizagem da língua
escrita que a criança em questão apresenta fazem parte de um quadro de dificuldades mais
amplo e, em consequência, será também global a abordagem posterior. Para a pesquisadora
Sara Paín (1996) às vezes também é preciso avaliar o contexto escolar e assessorar o centro
educativo a respeito de decisões relativas à promoção de série ou de ciclos de certos alunos,
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ou também a respeito da adaptação mais adequada segundo as suas características e


competências. Este tipo de decisão costuma elevar sempre implícita uma valorização do nível
do domínio da linguagem escrita.

Diante de finalidades diversas a avaliação diagnóstica será também diferente. O foco


deste artigo é a criança que preocupa por causa de suas dificuldades para compreender e/ou
expressar-se por escrito. Especificamente diferenciamos dois níveis: por um lado, o aluno que
mostra dificuldade ou demora em adquirir a alfabetização inicial (aprender a ler e escrever);
pelo outro, o aluno para o qual ler e/ou escrever, mesmo havendo adquirido o código, se
converte em uma tarefa tão árdua e difícil que pode chegar a comprometer seriamente sua
aprendizagem geral (dificuldades para usar a linguagem escrita). Os dois tipos de
problemática nem sempre se encontram relacionadas e afetam à mesma criança.

Os conteúdos da avaliação nunca são neutros, pois detrás de uma atuação avaliadora
há implícitas as concepções pedagógicas e éticas específicas. Sendo assim é importante
explicitar os pressupostos dos que partimos neste trabalho:

a) A linguagem escrita é entendida desde uma perspectiva comunicativa e global.


b) O modelo de leitura utilizado é interativo: entre o texto e o leitor e entre as estratégias
de compreensão e as habilidades de decodificação, entre o “saber” e o desejo de
conhecer do aprendiz e sua necessidade de “dar sentido” ao que o rodeia e a si mesmo.
c) A avaliação das dificuldades é situada dentro do processo educativo da criança.
d) São contempladas conjuntamente as variáveis da criança e de seus contextos familiar,
social e escolar.
e) A leitura e escrita comportam procedimentos e mecanismos de aquisição específicos.
São processos diferentes, porém indissociáveis. Há que ter presentes estas diferenças
no momento de analisar e situar concretamente as dificuldades da criança.
f) O processo de avaliação diagnóstica foca-se em observar o que a criança faz quando lê
e escreve, mas tem caráter aberto e “dinâmico” (VYGOTSKY, 1984). Isto significa
que vai além da constatação da deficiência da criança para indicar em quais condições
e com que tipo de ajuda poderá superá-la.
g) Os instrumentos e as técnicas deveram são preparados em função do que nos interessa
observar de forma a escolher técnicas que sejam suficientes para extrair a informação
necessária e evitar análises e interpretações precipitadas ou superficiais.
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h) A competência linguística é considerada uma aprendizagem circular que se amplia. A


ênfase na avaliação das diferenças ligadas ao desenvolvimento da criança não está nos
conteúdos, mas nos instrumentos concretos e na complexidade demandada pelas
crianças: compreensão de textos progressivamente mais complexos em tema e
tipologia e produções escritas com um progressivo aumento da precisão léxica,
adequação a situações de comunicação, coerência e estruturação textual.

Os processos da avaliação diagnóstica

Quando nos pede a avaliação diagnóstica de uma criança que não aprende a ler e
escrever desconhecemos as causas do problema e as possíveis interferências de outros fatores
cognitivos, socioculturais, pedagógicos ou emocionais. Determinar isso será um dos objetivos
do processo de avaliação diagnóstica.

O habitual é que as dificuldades já tenham sido detectadas previamente pela professora


em sua relação educativa diária. No início do processo diagnóstico esta informação prévia
deverá ser recolhida para ser contrastado com outros dados complementares como nos sugere
Sara Paín (1985) com a entrevista da “História Vital”. Ela nos permite levantar dados
relativamente objetivos vinculados às condições do problema e detectar o grau de
individualização que a criança tem em relação à mãe, a conservação de sua história nela e
possíveis fraturas no seu desenvolvimento.

É usual que ao detectar dificuldades na criança no âmbito da linguagem escrita o


professor utilize algumas estratégias de ajuda. É ao não observar melhoria ou não
compreender o que ocorre que procuram uma avaliação mais específica e exaustiva. Convém,
pois, conhecer que estratégia utilizou e quais foram os resultados, assim como observar
diretamente questões como o estilo de aprendizagem da criança, a interação com o adulto, a
ajuda que este lhe proporciona, a significação das tarefas que lhe propõe, se parte dos
conhecimentos prévios, etc. Também é útil analisar trabalhos escritos da própria criança
(textos, ditados, produções...) e recolher informações relativas à sua competência em outras
áreas como a matemática. Igualmente importante é averiguar qual o enfoque que se dá a
linguagem oral e escrita na aula e o projeto linguístico da instituição escolar. A experiência
nos mostra a diferença qualitativa que existe na resposta das crianças que trabalham a língua
numa perspectiva significativa e funcional, menos centrada nos aspectos gramaticais e mais
nos comunicativos.
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Estas informações iniciais relativas à criança e a seu contexto nos permitirá elaborar as
hipóteses iniciais e começar a discernir se as dificuldades são específicas, ou se formam um
quadro de dificuldades mais gerais, no qual suporia repensar tanto a avaliação diagnóstica
como as decisões posteriores. Porém a de se ter claro que a coleta de informações tem um
caráter cíclico, quer dizer, que se poderá ir ampliando e reconduzindo as bases das hipóteses
que vamos elaborando ao longo de todo o processo de avaliação diagnóstica. De acordo com
Weiss (2004, p.28) “busca-se do clínico exatamente a unidade, a coerência, a integração que
evitaram transformar a investigação diagnóstica numa ‘colcha de retalhos’[...]”.

As condições em que se realiza a avaliação diagnóstica também influência em seus


resultados. A necessidade de estabelecer um bom vínculo com a criança com dificuldades na
língua escrita, é fundamental. Tal como citamos na introdução, a conotação de fracasso
existente por trás de suas dificuldades nesta área do conhecimento – mais acentuada quanto
maior for à criança – faz com que qualquer pedido supõe para ele mostrar a alguém este
fracasso gerando uma resposta de angustia, a qual devemos ser muito sensíveis.

Há que estabelecer, pois, um bom vínculo com a criança, dar-lhe confiança, valorizar
seus pontos mais fortes. Para que a aprendizagem ocorra, há necessidade da participação de
dois personagens: quem ensina e quem aprende. Além do vínculo que se estabelece entre
ambos. Dar-lhe uma explicação – adequada a sua idade – do porque se encontra ali, e para
fazer o quê. Sempre que possível, permitir-lhe escolher atividade por qual vai começar: isso
lhe dá confiança e aumenta seu nível de implicação na tarefa. Quando em uma situação de
avaliação diagnóstica se consegue este clima e este vínculo positivo, a criança o vive de modo
incluso gratificante: a prática nos permite constatar como a grande maioria das crianças
abandona qualquer resistência inicial e aceita de muito bom grado que alguém interesse por
eles de uma forma tão personalizada.

Metodologia

Alguns anos atrás, as dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita se


detectavam ao final do ciclo inicial. Tampouco se podiam detectar antes essas dificuldades em
alguma área do conhecimento. Faz pouco tempo, na Educação Infantil e primeiro ano do
Ensino Fundamental essas dificuldades eram restringidas por não dizer ignoradas, já que as
atividades chamadas pré-requisitos (pré-leitura, pré-escrita) que se realizavam nestas etapas
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pouco tinham a ver com a aprendizagem da linguagem escrita tal como a entendemos na
atualidade.

Hoje sabemos que a aquisição do sistema alfabético é um processo cognitivo. Foi


descrito (FERREIRO; TEBEROSKY, 1979; FERREIRO; GOMEZ, 1982), e se inicia
precocemente e se constrói mediante o estabelecimento de relações e diferenciações
progressivas. Emília Ferreiro (1996, p.66) afirma que:

A construção de um objeto de conhecimento implica muito mais que mera coleção


de informações. Implica a construção de um esquema conceitual que permita
interpretar dados prévios e novos dados (isto é: que possa receber informações e
transformá-la em conhecimentos) um esquema conceitual que permita processos de
inferência acerca de propriedades não-observadas de um determinado objeto e a
construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi
verificado.
A identificação deste processo tem produzido inovações na prática educativa, já que
não se restringe apenas em oferecer contato das crianças com a linguagem escrita e seus usos
reais, sendo preciso proporcionar situações e atividades diversas para ajudá-los a avançar
pelos sucessivos níveis deste processo de alfabetização. No QUADRO 1 descreveremos
resumidamente os níveis mencionados.2

Quadro 1 - Níveis de aquisição da linguagem escrita


Inicialmente, a escrita é indiferenciada (garatujas)
Posteriormente, vão se modificando e utilizam letras
Nível pré-silábico convencionais, com um repertório mais ou menos amplo dentro de
cada palavra e que se modifica para produzir palavras distintas.
Não existe correspondência sonora.

Começam a relacionar partes sonoras da fala com partes escritas


Nível silábico
(um signo ou uma letra por cada sílaba pronunciada).

A representação da linguagem oral é feita alternadamente sendo


Nível silábico-alfabético mesclada por signos que representam as sílabas ou com signos que
representam fonemas.
A representação é feita correspondendo um signo para cada
Nível alfabético fonema. Quando o signo escrito corresponde com o fonema oral,
falamos de escrita com “valor sonoro convencional”.
Fonte: Ferreiro (1996)

Em condições normais, este processo que conduz a aquisição do sistema de escrita


alfabética inicia-se nos primeiros anos e se desenvolve ao largo de toda a etapa infantil e no
começo da educação básica. Dizemos “em condições normais” porque a variabilidade entre os

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Dentro de cada um dos níveis, se podem encontrar diferentes subníveis que surgem gradativamente. Na
bibliografia que citamos, detalha-se amplamente todo este processo, com exemplos ilustrativos.
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sujeitos é bastante ampla, de modo que é habitual que coexistam em um mesmo grupo de
crianças níveis de aquisição distintos, no qual exige planejar situações e atividades de
aprendizagem adaptadas para tal diversidade. Em todo caso, acostumamos a nos preocupar
que determinadas crianças sigam uma progressão relativamente mais lenta que outras e
quando isto vai perdurando.

Quando começa, pois, a preocupar o desenvolvimento de uma criança? No momento


em que, apesar de dispor de um potencial cognitivo normal, de pertencer a um meio familiar
alfabetizado e de participar de situações de ensino e aprendizagem em que tem todos os
elementos ao alcance para adquirir este conhecimento não progride como era desejável.
Crianças que demoram muito, primeiro em reconhecer e escrever seu próprio nome, ou em
adquirir a correspondência sonora, o que demora mais do que previsto no nível silábico, o que
não relaciona os sons com as grafias correspondentes...

Estas são crianças que podem requerer uma avaliação diagnóstica. O processo de
avaliação será, em princípio, para levantar as hipóteses do não aprender. Permitindo-nos
ampliar aspectos, e, sobretudo, descobrirmos melhor em que e por que não aprende, quais são
suas respostas e que informação específica nos passa. Não podemos duvidar que as
concepções infantis sobre o que se escreve, como se escreve o que produz em determinado
texto, etc. Seguem uma lógica que, especialmente no início do processo, se assemelha a do
adulto alfabetizado. Portanto, não podemos classificar como erros o que são ideias
particulares e próprias do pensamento infantil.

Na concepção de Fernandez (1991) não há aprendizagem que não esteja registrada no


corpo. Para que o ser humano aprenda há necessidade de presença de quatro fatores
constitutivos do sujeito: seu organismo individual herdado; seu corpo constituído
especularmente (a partir do desejo do outro); sua inteligência construída na interação com
outros seres humanos; e seu desejo que está relacionado ao desejo do outro ser humano.
Somente na integração destes fatores é que a aprendizagem ocorre e se adquire o saber.

A aprendizagem inclui sempre o corpo, porque inclui o prazer a este; sem o corpo o
prazer desaparece. Sem uma boa matriz de aprendizagem (representada em sua maioria pela
mãe), o vínculo com as aprendizagens futuras estará prejudicado, pois se encontra fraturas em
suas origens.

Os aspectos concretos a que convém trabalhar dependeram das dificuldades detectadas


na avaliação diagnóstica. Um novo método não resolve os problemas, é necessário reanalisar
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as práticas e compreender o sujeito cognoscente, que pensa que constrói interpretações, que
age sobre o real para fazê-lo seu. Explicar detalhadamente todas e cada um das técnicas
possíveis sobrepassaria as exigências deste artigo, de modo que nos centraremos em algumas,
uma vez que nos remeteremos à bibliografia colocada.

a) Técnica de análise da escrita

Para conhecer qual o nível de conceitualização da escrita em que uma determinada

criança se encontra, podemos fazer a técnica do ditado de palavras como a qual se especifica

(QUADRO 2).

Quadro 2 - Exemplo de uma técnica de escrita (etapa infantil – começo da educação


básica)
Ditar para a criança, de uma em uma, palavras de um campo semântico determinado (animais,
brinquedos, alimentos, etc.) que tenham 4, 3, 2 e 1 sílaba respectivamente, e logo uma frase na qual
apareça uma das palavras anteriores.
Exemplo: mariposa, esquilo, gato, peixe; o gato bebe leite.
Fonte: Ferreiro e Teberosky (1979)

O objetivo desta técnica é observar como a criança realiza esta tarefa. Convém anotar
as perguntas feitas, a fim de diferenciar claramente o que é capaz de fazer sozinha e o que
pode realizar com ajuda, e com que tipo de ajuda. Logo podemos pedi-la que leia (se assinala
com o dedo) cada uma das produções realizadas, a fim de observar de que modo relaciona sua
produção oral com os signos escritos, com que conflitos se encontram ao tentar resolver um
ou outro que coincida.

Esta técnica pode nos dar uma série de informações importantes. Por exemplo:

a) O nível que se situa dentro do processo de aquisição (indiferenciado, diferenciado,


silábico, silábico-alfabético, alfabético...)
b) O tipo de repertório de grafias que utiliza (pseudoletras, letras convencionais) e se
este repertório é amplo ou reduzido.
c) Como domina as diferentes grafias: pelo nome, pelo som e se lhes ortoga o seu
valor sonoro convencional.
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d) A separação de palavras em frases, tendo em conta que ao ditar não se devem


marcar as separações.
e) Em que aspectos relacionados com o anterior apresentam conflitos: se é de
segmentação fonética, falta de repertório (desconhecimento das grafias
convencionais de nosso alfabeto), etc.

A análise destes aspectos nos informará sobre a importância das dificuldades e o seu
grau com relação ao que seria esperado para sua idade no contexto escolar e social. Também
nos pode conduzir a contemplar outras questões: se diferencia as letras de outros signos (por
exemplo das cifras); se é mais competente com letra maiúscula ou com a cursiva; se conta
com um repertório limitado de grafias porque tem dificuldades na sua realização, porém
quando lhe são mostradas pode reconhecê-las; como é a realização gráfica: o alinhamento, a
direcionalidade...

b) Técnica de análise da leitura e interpretação de textos

Antes de ler, no sentido convencional do termo, as crianças pequenas também


constroem hipóteses próprias sobre o significado das palavras e dos textos escritos. Este
processo de interpretação também foi escrito pelas autoras citadas anteriormente.

Para avaliar em qual dos distintos níveis de interpretação de textos se situa determinada
criança se pode fazer de diversas formas. Uma delas é mediante a observação de como
interpreta sua própria produção escrita (por exemplo, as palavras e a frase que lhes foram
ditadas antes) ou também outros escritos que tenhamos ao alcance. Porém obteremos uma
informação mais precisa sobre como solucionar os conflitos de interpretação se utilizarmos o
material que contempla diferentes tipos de correspondência entre um texto e a ilustração ou
imagem que o acompanha. Ferreiro e Teberosky (1979) propõem a seguinte prova (QUADRO
3):
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Quadro 3 - Exemplo de técnica de leitura e interpretação de textos com suporte de


imagem (etapa infantil – começo da educação básica).
Procedimento: mostra-se a criança uma série de textos (palavras e frases), cada uma delas acompanhada
de uma imagem relacionada com seu significado, e lhe pergunta: “O que estás vendo aqui?”. Logo, que
tenha emitido uma resposta: “Como se lê?”.
O material específico que se utilizará está formado por distintas combinações:
- Imagem com um único objeto e texto com uma só palavra.
- Imagem com um único objeto e texto com várias palavras ou uma frase.
- Imagem com vários objetos e textos com uma só palavra.
- Imagem com vários objetos e texto com uma frase ou várias palavras.
Fonte: Ferreiro e Teberosky (1979)

A técnica pode ser desenvolvida com este material específico ou com outros mais
informais (logotipos, título de contas com apoio da imagem, etc.), observaremos em que nível
se encontra entre a progressão seguinte (QUADRO 4):

Quadro 4 - Progressão na leitura de um texto acompanhado de ilustração ou imagem


Níveis evolutivos de interpretação
1. A interpretação está totalmente regida pela imagem ou ilustração que acompanha o texto. A criança
nomeia a imagem sem ter em conta nenhuma das propriedades ou características do texto em si.
2. A imagem segue prevalecendo, porém começa a considerar alguns elementos do texto, sejam
quantitativos (por exemplo, sua longitude) ou qualitativos (busca das letras que acredita que deve ter) a
fim de ajustar sua leitura a hipóteses sugerida pela imagem.
- A interpretação se rege pelo texto. A imagem serve para antecipar o significado, porém esta
antecipitação é confrontada e, se for preciso, modificada, segundo a informação que o texto
aponta. Mediante o decifrado – e ao princípio das dificuldades lógicas de integração – se chega
de forma progressiva a extrair o significado literal do texto, quer dizer, a leitura convencional.
Fonte: Ferreiro e Teberosky (1979)

Seja qual for a estratégia que se use, teremos que levar em conta o esforço da criança
na busca do significado (compreensão) mesmo que acerte ou erre. Segundo Japiassu (1977, p.
57), é assim que se estrutura o conhecimento, “na dialética dos ensaios e dos erros, nas
retificações que introduzem as diferenças, nos fracassos que fazem surgir às contradições e
nas sínteses que promovem os progressos”. Chegar ao último nível supõe saber aprendido a
ler no seu sentido convencional, e é precisamente neste ponto que pode aparecer dificuldades.
Por isso é importante observar como a criança realiza a decodificação (se o faz pelo som, por
sílaba, se o faz corretamente ou com alterações ou substituições de fonemas...) e, sobretudo
estar atento às estratégias que as crianças põem em jogo para autocorrigir-se durante o
processo de leitura.
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c) Avaliação diagnóstica da leitura

Para entender as dificuldades de uma criança, precisamos conhecer em que nível de


leitura se encontra e quais são seus pontos fortes e fracos frente um texto escrito. Dado aos
componentes que a leitura apresenta relacionada com a decodificação e o reconhecimento de
letras, sílabas e palavras e outros que se referem à compreensão propriamente dita. Teremos
que discriminar em qual dos níveis está o problema (ou talvez em ambos) e se interferem
entre si e em que medida.

A leitura pode ser avaliada mediante procedimentos diversos, tanto na forma


(silenciosa, oral...) como nas demandas referidas a compreensão (reconto, interpretação oral,
ordenar textos, classificar, relacionar, dramatizar...). O uso de diferentes formas de avaliação
nos permitirá extrair dados distintos e complementares: em um dos casos nos apontará uma
informação relacionada mais com o produto (a compreensão do que havia lido) e nos outros
nos informará sobre os aspectos da forma e mais relacionados ao processo, quer dizer, como
lê e decifra um texto: a velocidade, a fluidez, a entonação, o respeito aos signos de
pontuação...

Para começar, situaremos especificadamente na compreensão. Sabemos que na leitura


de um texto interrelacionam (sua facilidade ou complexidade, a intencionalidade do autor,
etc.) e o que o leitor aporta (conhecimento do assunto, experiências prévias, e também
habilidades linguísticas como vocabulário, construção sintática, etc). A compreensão é, pois
um processo complexo na qual se interrelacionam diferentes subprocessos: entender o
significado das palavras e das frases, conectar estas frases entre si, integradas dentro de um
significado global e de uma estrutura textual determinada, relacionada com o próprio
conhecimento. Esta complexidade faz com que ao iniciarmos um processo de avaliação da
compreensão leitora precisaremos ter presente duas questões prévias:

1. Em primeiro lugar, é preciso analisar muito bem o texto que propusermos para ser
lido, a fim de prever as dificuldades do assunto do qual se trata e também as
existentes quanto a sua estrutura, porque diferentes modalidades textuais requerem
distintas exigências cognitivas. Se tomarmos como exemplo duas das tipologias
mais usuais (a narrativa e a expositiva), observaremos que a estrutura da narração
apresenta um caráter sequencial, e uma organização muito convencional que as
crianças incorporam desde muito pequenas e facilita a compreensão; os textos
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expositivos, apresentam a informação de modo hierárquico, mais difícil de


ordenar; também contém informações novas ou desconhecidas e, portanto
oferecem geralmente mais dificuldade para sua compreensão.
2. Em segundo lugar, se deve avaliar o conhecimento prévio que a criança tem do
tipo de texto e de um assunto determinado, como elemento fundamental da
compreensão da leitura. Esta sondagem nos apontará assim informações sobre seu
nível de linguagem, sua habilidade para responder perguntas e, em geral, uma
estimativa dos conhecimentos prévios que possui.

Em qualquer caso, devemos ter claro que os resultados de compreensão da leitura


estarão sempre sujeitos aos assuntos e a tipologia concreta do texto com que utilizamos para
avaliar. Embora isto nos permita forjarmos uma hipótese sobre o grau de compreensão leitora
da criança, não podemos tirar conclusões sem avaliar esta compreensão através de um suporte
de textos mais amplos.

Quando uma criança mostra dificuldade de compreensão, resulta necessário observar a


sua maneira de ler. Embora a leitura silenciosa ofereça alguns elementos observáveis (se
move só à vista ou toda a cabeça para seguir a linha, se move os lábios ou vocaliza, se
acompanha com o dedo...) em geral nos informa pouco sobre esta questão. Frente as
dificuldades de compreensão é imprescindível observar a competência da criança na leitura
expressiva, quer dizer: como decifra, de que modo acessa o léxico, pois este é o primeiro
passo que conduz a compreensão. Recordemos que a decifração do léxico conduz ao
significado das palavras e das orações, e estas, ao significado global do texto, como um todo,
e se vai relacionando com o conhecimento prévio, tal como apontamos antes.

Ler em voz alta costuma trazer um nível de ansiedade mais elevado que fazê-lo
silenciosamente. Porém para fins de diagnóstico, também é útil observar com a criança se
comporta numa leitura oral. Assim, pois, podemos combinar ambas as modalidades mediante
a um texto em que uma parte pode ser lida silenciosamente e outra em voz alta. Deste modo,
obteremos informações sobre a competência da criança frente às duas situações.

Com isto, a leitura oral nos permite observar vários aspectos: como decifra os códigos
escritos, se efetua repetições, substituições, omissões ou adições de palavras, sílabas ou
fonemas, se perdem ou salta de linha; se respeita os signos de pontuação, que ritmo e
velocidade mantêm (impulsivo, lento, vacilante...) e se esta forma de ler tem a haver ou não
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com sua capacidade de compreensão; valorizaremos se usar sinais contextuais, quer dizer, se
as substituições que realiza têm ou não significado no contexto da frase; que tipo de palavra o
leva a entalar, e também quais lê bem; outros elementos que é aconselhável observarem: se
move a cabeça ou não, se vai seguindo as palavras com o dedo, se se mostra nervoso,
inseguro, etc.

Quando entalar ao ler, lhe ajudaremos a seguir, porém não imediatamente, pois o que
interessa observar é se utiliza por si mesmo estratégias de autocorreção. Como sabemos, o
leitor vai construindo o significado de um texto enquanto o está lendo; em consequência, um
dos principais indicadores de competência leitora é precisamente a capacidade de regular a
própria compreensão, porque muitas das dificuldades na leitura são devidas a falta de tal
estratégia de regulação.

Uma vez realizada a observação sobre como lê a criança, poderemos contrastá-la com
sua compreensão leitora e avaliar a correlação que há entre um e outro aspecto. Compreensão
e destreza leitora se influem mutuamente, porém pode existir certa defasagem entre elas: há
crianças que decifram bem, porém não compreendem, enquanto que outras são capazes de
gerar compreensões mesmo mostrando uma decifração dificultosa. Precisamente – e como
comentamos antes – os fatores que intervém na capacidade de ler são tantos e tão complexos
que é possível estas contradições.

Avaliação diagnóstica da escrita

Como no caso da leitura, os âmbitos da escrita, encontram também muitos e diferentes


componentes que podem ser avaliados. A criança pode apresentar dificuldades de tipo gráfico,
ortográfico, morfológico sintático, semântico, etc. E deveremos centrar mais em uma ou outra
função do caso. E logicamente, as dificuldades se avaliam também de diferentes formas
segundo a idade e a etapa que se encontra.

Em grande parte, a avaliação diagnóstica da expressão escrita pode acontecer de forma


indireta, através de produções escritas pela criança – textos, ditados, reescritos... Que o
psicopedagogo pode propor. Porém além destas avaliações de produção, também convém
analisar o processo que segue a criança para escrever, tanto nos aspectos mais propriamente
cognitivos (generalização e planificação das ideias, estruturação das informações...) como
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motores e sensoriais (a realização das grafias, a organização do espaço gráfico, a


decodificação da informação auditiva, etc.).

Na realidade, existem tantas formas de avaliar a expressão escrita como diferentes


formas de trabalhar um texto: resumindo-o, transformando-o, completando ou continuando
um texto – atividade que permite a reescrita e a criação – implica gerar ideias e expressá-las
respeitando a coerência com a parte do texto e a escrita.

Por outro lado, se propusermos diferentes tipologias textuais, poderemos observar à


capacidade de adequação a estrutura e a linguagem própria de cada um. Observaremos, pois
em qual destes componentes a criança apresenta dificuldades e em que se mostra mais
competente. Porém também nos interessa analisar sobre a forma como escreve. Por exemplo,
se:

a) há planejamento a priori (pensa, aponta ideias, elabora algum esquema...) ou se vai


gerando o discurso sobre a elaboração.
b) revisa e introduz modificações enquanto escreve, e que tipo (sintáticas, léxicas,
ortográficas, ...) e também se efetua ou não revisão final.
c) o ritmo como escreve: se é lento, se se precipita se para e por que (para pensar
sobre o tema? Por bloqueio?).
d) quando escreve: se mostra tensão, se cansa, de que modo usa o lápis, o controle da
letra...

Finalmente e tendo em conta a relação que existe entre as diferentes capacidades


linguísticas, assim como entre a linguagem e o pensamento, na avaliação diagnóstica da
expressão escrita devemos contrastá-la com a capacidade de a criança expressar-se oralmente.
Este contraste se pode obter de modo mais ou menos informal, através das conversações que
tenhamos mantido ao longo do processo ou pedindo-a para verbalizar previamente o texto que
vai escrever.

Este contraste é necessário por vários motivos: a pronúncia incorreta de determinados


fonemas pode repercutir – embora nem sempre - na escrita das palavras. A falta ou pobreza de
vocabulário, ou um discurso sintaticamente desorganizado ou pouco estruturado se
manifestará sem dúvida na redação de um texto e pode ter relação com certas dificuldades
para estruturar o pensamento. Porém também se dá em caso inverso: crianças e adultos que
escrevem melhor do que falam, porque o fato de escrever ajuda a organizar as ideias, e
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também permite conter a impulsividade, ou a ansiedade. Assim, pois, quando confluem as


dificuldades em ambas as formas de expressão (oral e escrita), podemos pressupor a
existência de um déficit subjacente mais global.

Os resultados da avaliação diagnóstica: hipóteses interpretativas

Seja mediante os instrumentos e as técnicas de avaliação diagnóstica que temos


descrito ou mediante outras, uma vez aplicadas, teremos o nível de competência da criança
em relação às tarefas de compreensão e expressão escrita com as quais se depara
habitualmente. Seus resultados, e as informações recolhidas sobre o contexto familiar e
escolar, deveram nos permitir determinar uma série de hipóteses:

a) Confirmar – ou descartar – que a criança apresenta dificuldades para aprender ou


usar a língua escrita, e em que grau. Isto implica ter clara a diferença entre um
leitor ou escritor competente e de um que não lê.
b) Distinguir se estas dificuldades vêm associadas a outros sintomas de aprendizagem
e, portanto, se afetariam a outras áreas não propriamente linguísticas (por exemplo,
a matemática) ou se são específicas da linguagem escrita, e as relações com a
linguagem oral o que se pode fazer.
c) Encontra-se mais centrado na leitura, que na escrita ou em ambas, e que aspectos
concretos há nesta situação.
d) Se existe causas não propriamente linguísticas na base das dificuldades, o que está
interferindo de forma importante.

Quando os problemas de compreensão ou expressão não são atribuídos à forma como


a criança lê escreve, o primeiro procedimento a fazer é confirmar ou descartar as causas que,
incidem na leitura e na escrita, sobrepondo este conhecimento, configurando um quadro de
“dificuldades de aprendizagem” mais generalizado. Nestes casos, é preciso aplicar uma
avaliação ampla, que contemple todos os aspectos que consideramos que pode estar
comprometendo: capacidade cognitiva – concretamente o consciente intelectual – aspectos
sensoriais – visão, audição – motores, neurológicos, psicológicos, socioculturais, história
escolar... e, por pressuposto, a competência linguística oral.
21

Se as dificuldades em algum ou vários destes aspectos se confirmam, teremos que


intervir neles na medida do possível, de forma paralela a intervenção concreta sobre as
dificuldades para ler e escrever. Falaremos neste caso de uma intervenção interdisciplinar
como cita Alícia Fernandez no livro “A inteligência aprisionada” (1991).

Considerações finais

Mesmo que a finalidade deste artigo seja a avaliação diagnóstica e não a intervenção,
nos parece pertinente sugerir algumas orientações de caráter geral que se desprenderam no
que foi exposto até aqui.

Em primeiro lugar, não resta a menor dúvida que a influência familiar no processo de
alfabetização das crianças é fundamental. Cremos que o tratamento que se faz da língua na
escola e nas aulas é um fator determinante para evitar muita das dificuldades apresentadas.
Segundo Parente (2000, p. 43) “a instituição escola a rigor, tem a função de preparar a criança
para ingressar na sociedade, promovendo as aprendizagens tidas como importantes para o
grupo social ao qual esse sujeito pertence”. Por esta razão convém que, a etapa infantil, as
aulas se impregnem de um ambiente alfabetizador que, unido às interações orais, permitam as
crianças familiarizarem-se com a escrita e seus usos, mediante uma reflexão sobre a
linguagem que surge nas situações comunicativas e funcionais.

Conforme aponta Fernandez, “não pode haver construção do saber se não se joga com
o conhecimento” (1991, p. 165), pois o saber é a incorporação do conhecimento pessoal
relacionado com fazer. Isto requer, pois, condições e formas de ensinar que se adaptem as
dificuldades e ritmos das crianças, priorizando textos funcionais e significativos assim como
atividades mais abertas e globais com outras mais estruturadas, destinadas a melhoria de
déficits concretos.

Haverá casos que, por suas especialidades, vão requerer alguma técnica educativa
específica. Assim, a relação psicopedagogo-cliente é medida por atividades bem definidas,
cujo objetivo é “solucionar rapidamente os efeitos mais nocivos do sintoma para logo depois
dedicar-se a afiançar os recursos cognitivos” (PAIN, 1986, p.77). Apontaremos algumas
recomendações que vão nesta linha: a) motivá-los para ler e escrever será um dos objetivos
fundamentais na relação com a criança, posto que suas dificuldades a conduzam ao abandono
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e a curto prazo a rejeição total. Há que ajudá-las a encontrar leituras que lhes interessem e
constituem para elas desafios quanto a sua complexidade. Convém ter sempre presente que,
quanto menos competência leitora mostra uma criança, mais conhecimento prévio necessitará
para compreender o significado do texto; b) quando planejarmos atividades mais específicas
ou estruturadas, destinadas a melhorar o déficit concreto, o faremos de forma mais
contextualizada ou lúdica possível. Referimos-nos, por exemplo, a atividades relacionadas
com a segmentação fonética quando os problemas se encontram na consciência fonólogica, ou
atividades de aproximação global das palavras (memorização visual das palavras) em crianças
cujas dificuldades se encontra na via ortográfica ou léxica. Todas estas atividades podem-se
realizar através de jogos de linguagem (jogo da memória, caça-palavras, trilha, etc.); c)
potenciaremos o uso de toda classe de apoio ou instrumentos de aprendizagem que resultem
facilitadores, compensadores ou alternativos (uso de esquemas, gráficos, computador, vídeos,
televisão...); d) temos que ter especial cuidado com os aspectos relacionados ao afetivo e
emocional que podem estar interferindo: interesse, motivação, autoestima... Devemos
proporcionar muita segurança e confiança, e, animá-los a pedir ajuda sempre que necessitem;
e) não devemos forçá-los a viver situações comprometidas (como por exemplo, ler em voz
alta) se não se sentem capazes. Devemos potencializar publicamente tudo que pode fazer com
êxito; f) o papel da família é fundamental, tanto pela ajuda que pode proporcionar como pelo
tipo de reação que mostra frente ao problema da criança. As atitudes de excessiva proteção
ou, ao contrário, de demasiada exigência, a negação das dificuldades, um elevado nível de
ansiedade, etc. nos ajudam a situar o problema – sintoma PARA a família, isto é, as reações
comportamentais de seus membros ao assumir a presença do problema; e NA família ou, com
maior precisão, articulação funcional do problema de aprendizagem. Portanto, dar espaço para
a família enfrentar o problema de forma construtiva é imprescindível.

Seguindo estratégias deste tipo, gerando – e transmitindo – as expectativas de


progresso “num nível em possa integrá-los ao seu repertório intelectual” (PAIN, 1986, p.85)
as dificuldades de aprendizagem da língua escrita talvez não desapareçam completamente,
porém poderão sem dúvida melhorar e diminuir em grande medida. Porque se todas as
crianças aprendem, os que têm dificuldades também o podem conseguir. Conforme Silva
(1998, p. 57) “é o modo de agir do eu cognoscente frente ao objeto, no processo
psicopedagógico, que permite que ele re-signifique como sujeito capaz, criativo, interessante
e autônomo”.
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Portanto, a avaliação psicopedagógica é uma ferramenta para tomar decisões que


melhore a resposta dos problemas de ensinar e aprender das crianças, porém também deve
promover aos indivíduos trocas e o desejo de “enfrentar o desconhecido para descobrir o
novo, enfim suportar a dor de não-saber para chegar ao prazer de saber”.

Referências

BOSSA, Nadia A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto


Alegre, Artes Médicas, 2000.

FERNANDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991.

FERREIRO, Emilia. Alfabetização em processo. São Paulo, Cortez/Autores associados,


1989.
______. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo, Cortez, 1996.

FERREIRO, Emilia; GOMEZ, Palacio Margarita. Os processos de leitura e escrita. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1982.
FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1979.

JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves,


1977.

PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre,


Artes Médicas, 1986.

______. Subjetividade e objetividade: relação entre desejo e conhecimento. Porto Alegre,


Artes Médicas, 1996.

PARENTE, Sonia Maria B. A. Pelos caminhos da ignorância e do conhecimento:


fundamentação teórica da prática clínica dos problemas de aprendizagem. São Paulo: casa do
Psicólogo, 2000.

SILVA, Maria Cecília Almeida e. Psicopedagogia em busca de fundamentação teórica.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

SOARES, Magda. Letramento: um tema de três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

VYGOTSKY, L, S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984.

WEISS, Maria Lucia L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de
aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP & A, 2004.

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