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Internet e mercado erótico: notas sobre pornografia e controle
Carolina Parreiras1
Resumo
Introdução
Desde seus primórdios nos anos 1990, a internet vem sendo associada
à veiculação de materiais ditos pornográficos: imagens, textos e vídeos. Nos
últimos anos, este processo passou a receber maior atenção, visto que o online
deixou de ser visto apenas como espaço onde vídeos e imagens podem ser
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Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Área de Gênero e
Sexualidade) com orientação da professora doutora Maria Filomena Gregori e financiamento
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
carolparreiras@gmail.com
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alocados e passou a ser também um local de geração de produções muito
específicas e possíveis apenas a partir das novas tecnologias.
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classificatórias e também sobre a própria ideia contida na denominação
“alternativo”.
2
Para maiores detalhes ver Parreiras (2008). No primeiro e no segundo capítulos descrevo e
analiso os caminhos que me levaram à escolha de apenas uma comunidade, bem como minha
entrada no grupo.
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prova a medida em que conseguiria acompanhar as possíveis redes e
deslocamentos.
Optei por tentar realizar um mapeamento de parte das discussões
realizadas sobre pornografia. Para isso, cadastrei algumas palavras-chave em
uma ferramenta disponibilizada pelo Google – o Google Alerts – e passei a
receber diariamente em meu e-mail as menções que estas palavras recebiam
em sites ou blogs. Foi deste modo que cheguei às associações entre
pornografia e pornografia infantil e à decisão de discutir na tese as variadas
tentativas nacionais e transnacionais de regular o conteúdo veiculado na web,
bem como tipificar o que seriam cibercrimes e como policiar as atividades. De
certa maneira, as questões relativas à regulamentação das atividades online
fornecem um contexto mais amplo para aquilo que pretendo discutir: as
interfaces possíveis entre pornografia e internet.
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Estas pesquisas são realizadas anualmente com os mais diversos fins. Em geral, os
responsáveis pelos levantamentos são empresas de consultoria, órgãos governamentais,
organizações anti-pornografia (a principal delas é a National Coalition for the Protection of
Children & Family, sediada nos Estados Unidos), jornais e revistas ou mesmo as empresas
envolvidas na produção e distribuição de conteúdo pornográfico. Sem dúvida, os dados primam
pela inexatidão e muitas vezes pela falta de neutralidade, o que faz com que devam ser
olhados com cuidado. Isto se deve aos interesses envolvidos na execução dos levantamentos
e na já apontada dificuldade de mapear a web. Para maiores informações ver
www.nationacoalition.org; http://www.cnbc.com/id/29960781/;
http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/porn/business/.
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internacionais, afetará a maneira como a internet passará a ser utilizada,
criando um domínio de condutas permitidas e legítimas. Tudo que estiver fora
deste domínio poderá ser enquadrado como violação à norma e, portanto,
criminalizado e punido.
As reflexões realizadas por Rubin (1984) podem ser valiosas para ajudar
a entender este contexto de discussões sobre direitos sexuais. Ela mostra que,
durante o século XIX na Inglaterra e nos Estados Unidos, houve o surgimento
de diversos movimentos sociais de combate aos vícios: movimento pró-
castidade, eliminação da prostituição, anti-masturbação, ataques à literatura e
condutas obscenas, anti-aborto e anti-controle de natalidade. Havia, como ela
afirma, uma cruzada pela moral apoiada em todo um aparato social, médico e
jurídico. Ela mostra que na década de 50 foi feita uma revisão das leis e
moralidades do século XIX. É neste período também que surgiu a figura do
“criminoso sexual” (sex offender), termo utilizado para nomear estupradores e
praticantes de abusos contra a criança.
Na década de 70, houve um aumento do que Rubin chamou de “histeria
erótica”, sendo que o grande alvo de proteção passou a ser as crianças.
Apesar da revisão de várias leis anti-obscenidade – a nudez e atividade sexual
per se não eram mais consideras obscenas -, ocorreu um incremento das
cruzadas pró-moralidade, graças ao pânico moral gerado por quaisquer
atitudes que ferissem a sexualidade de crianças e adolescentes. As primeiras
leis sobre pornografia infantil são deste período e definem como obsceno
qualquer representação de menores nus ou envolvidos em atividade sexual. A
posse destes materiais é, assim, considerada crime.
Uma observação a ser feita é que o atual pânico moral em torno da
chamada pornografia infantil – ou pedofilia4 – não é algo novo ou recente. A
caça às bruxas promovida atualmente contra os pedófilos também não o é.
Talvez o que esteja acontecendo agora é uma atualização destas situações,
4
Landini (2004) propõe pensar sobre os termos pedofilia e pornografia infantil a partir do modo
como são utilizados pelos operadores do direito e também em reportagens veiculadas pela
mídia impressa. Ela mostra que pornografia infantil e pedofilia não são sinônimos: pedofilia está
ligada a uma classificação clínica, enquanto pornografia infantil a uma classificação legal. Outro
texto importante é o de Ian Hacking (2002) no qual ele mostra como a categoria abuso de
crianças foi construída e socialmente moldada. De acordo com ele, a criação da categoria foi
seguida de uma nova legislação e outras práticas de diversos profissionais.
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com a introdução da internet, dotada de alto potencial agregador e que permite
uma acessibilidade e comunicação sem precedentes. Isto facilita, por exemplo,
a formação de redes de pedófilos. Eles têm a possibilidade de se organizar em
comunidades hospedadas em fóruns ou programas de relacionamento e, deste
modo, podem trocar experiências e materiais – fotos e vídeos - com mais
facilidade. Também se utilizam grandemente de ferramentas como torrents5 e
sites de compartilhamento6 de arquivos para disponibilizar conteúdos com
pornografia envolvendo crianças.
Nesta caçada à pornografia infantil os grupos pró-moralidade estão
bastante atuantes em várias partes do mundo. Sua principal bandeira é a
defesa da família, considerada o bastião da sociedade, e de sua integridade.
Muitas destas organizações possuem ligação com doutrinas religiosas e, em
muitos locais, conseguem exercer um papel político importante. Um ponto a se
considerar é que muitos destes movimentos vem se dedicando ao combate dos
vícios e da imoralidade na internet. Os principais argumentos são o combate à
pornografia e à pornografia infantil, responsáveis, no primeiro caso, por destruir
casamentos/relacionamentos e no segundo por atacarem a inocência infantil.
Como se pode ver, a preocupação em torno da internet só tem crescido
nos últimos anos. Os pais são constantemente alertados para os perigos em
potencial que as relações estabelecidas on-line podem trazer aos seus filhos e
são ensinados a adotar métodos de segurança – que normalmente bloqueiam
páginas consideradas impróprias – e de controle nos acessos. Tem sido cada
vez mais comum se deparar com notícias de prisões de pessoas pegas
fazendo troca de materiais com pornografia infantil ou formando redes de
distribuição destes materiais. A ordem do momento é que a internet precisa ser
controlada.
Outro modo de fazer valer este controle é a criação de leis específicas
para as relações e condutas on-line. As iniciativas neste sentido são globais e
há uma pressão popular para que algo de concreto seja feito contra a
proliferação do abuso sexual de crianças e sua visibilização na internet. Mas
5
Os torrents funcionam a partir da transferência direta de dados entre redes de computadores,
conhecidas como P2P (peer to peer). O arquivo vai sendo baixado em partes de diferentes
usuários (chamados de seeds) que estiverem on-line naquele momento.
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Os mais conhecidos são o Rapidshare, Megaupload, 4shared, Badongo, MediaFire.
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estas iniciativas se defrontam com um grande problema: é bastante complicado
estabelecer controle sobre algo não mensurável e que é marcado por uma
grande dose de imanência. Legislar sobre um espaço, uma mídia, um ambiente
de sociabilidade que nem mesmo se consegue tipificar é uma tarefa das mais
árduas e polêmicas. A pornografia infantil na internet é uma realidade. Os
efeitos causados por ela também o são. Mas como estabelecer até onde o
controle deve ir? Até onde o Estado tem o direito de legislar? E depois de se
estabelecerem leis, como operacionalizar seu cumprimento?
No Brasil há uma grande mobilização no sentido de investigar e punir os
acusados de pedofilia. Desde março de 2008, está em atividade a chamada
CPI da Pedofilia, uma iniciativa do senador Magno Malta. Uma das primeiras
frentes de ação desta CPI tem sido o policiamento da internet. Em dezembro
de 2008, foi sancionado pelo presidente Lula o projeto de lei que aumenta a
punição e a abrangência dos crimes de pedofilia on-line: aumento de 6 para 8
anos na pena para crimes de pornografia infantil; criminalização da posse,
distribuição, aquisição e divulgação de material pornográfico envolvendo
crianças. Outra ação da CPI foi o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
entre o Governo brasileiro e a empresa Google. O objetivo do Termo é policiar
o Orkut, programa de relacionamentos do Google e um dos meios mais
utilizados no Brasil para troca e distribuição de materiais com pornografia
infantil. O Google se comprometeu a enviar à Polícia Federal e ao Ministério
Público dados7 de usuários que supostamente estivessem violando as regras
de conduta e se engajando em redes de pedofilia. Além do Google, foi firmada
uma parceria com provedores de acesso, sendo que eles tem que enviar aos
órgãos governamentais as informações solicitadas sobre usuários sob
investigação de pedofilia. A CPI conta ainda com o apoio – primordial a meu ver
– de uma Ong chamada Safernet. Através dela podem ser feitas denúncias de
uma série de crimes cometidos on-line (os cybercrimes): pornografia infantil,
racismo, apologia e incitação de crimes contra a vida, xenofobia, neo-nazismo,
maus tratos contra animais, intolerância religiosa, homofobia e tráfico de
pessoas.
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O Termo prevê que estes dados devem ser armazenados por 6 meses. Normalmente a
identificação dos usuários é feita pelo IP, número de protocolo gerado toda vez que um
computador se conecta à rede e que permite sua localização geográfica.
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Em relação à pornografia infantil ela é assim tipificada na atual
legislação brasileira:
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Utilizo o termo “lado negro” utilizando a nomenclatura sugerida pelo pesquisador norte-
americano Michael Bergman. Este lado negro da internet – também chamado de “internet
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internet. De algum modo, os X-sites 9ou programas que permitem a troca de
vídeos pornográficos podem ser atingidos e isto afetaria os futuros rumos desta
investigação. Por fim, é uma preocupação também metodológica porque nos
sites de pornografia mainstream e gratuita que me propus a estudar, já me
deparei repetidas vezes com vídeos de pornografia infantil. Por mais que se
tente controlar sua proliferação, eles estão presentes e me colocam
importantes questões éticas10 que influem em meu posicionamento em campo.
profunda” ou “internet invisível” - seria formado por plataformas paralelas que distribuiriam
anonimamente todos os tipos de conteúdos. Um exemplo é o Freenet, um software que permite
diversas atividades e tem sido local para hospedagem de pornografia infantil, troca de vírus,
agregador de grupos terroristas, entre outros. De todo modo, é um local da internet ainda
pouco estudado e de difícil definição.
9
Termo genérico para nomear os sites que veiculam pornografia.
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Como a pornografia infantil é crime e qualquer apologia ou conivência com tais atitudes
também seriam, sempre que me deparo com fotos ou vídeos envolvendo crianças recorro ao
Safernet e efetuo a denúncia, indicando o link do site, uma breve descrição do conteúdo, data,
horário e meu IP de acesso.
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que estas pessoas e seus atos estariam mais próximos daquilo que as pessoas
realmente fazem em suas intimidades.
Para explicar minha opção por alguns sites, acredito que faz sentido
pensar em uma diferenciação dos materiais pornográficos encontrados online.
Paasonen (2010) chama a atenção para a existência de duas possibilidades –
estéticas, políticas, econômicas e tecnológicas: o porn on the net e o netporn.
O porn on the net seria uma reciclagem de vídeos, textos e imagens
pornográficos e sua alocação em sites. Não são materiais pornográficos
produzidos especificamente para a internet e podem ser facilmente
encontrados em sites de acesso gratuito similares ao YouTube. Associado
comumente com o que se chama de indústria pornográfica, é marcado pela
estandardização, consumo passivo e lógica da mesmice.
Já o netporn se caracteriza por representar pornografias próprias das
plataformas e redes online. Os maiores exemplos são o altporn e os vídeos
amadores. Alguns pontos são marcantes quando se fala em pornografia
produzida especificamente para a internet e com as possibilidades fornecidas
pelas novas tecnologias: revisão das fronteiras entre produtores e
consumidores, crescimento na quantidade de manifestações alternativas ou
independentes, tentativa de modificação nas convenções do pornô mais
convencional, referencial queer e não-normativo, busca de quebrar com
práticas consideradas opressoras e encontradas no mainstream (exemplo é a
pornografia feminista), resistência à comodização.
Ainda que se estabeleçam estas duas tipificações cabe salientar que as
fronteiras entre elas são tênues e estão sendo negociadas em diferentes
contextos. Não é possível dizer, por exemplo, que toda pornografia alternativa
não visa ser comercial ou gerar dividendos. O que ocorre é a formação de
novos mercados com um público consumidor de cada um dos vários tipos de
produções e das estéticas próprias de cada uma delas. Assim,
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O nome da produtora, bem como de todos os colaboradores da pesquisa foram modificados
para evitar ao máximo sua exposição. Ao longo do texto eles serão assim referidos.
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Criado em 2006, o Twitter foi concebido para ser um programa de microblogging, permitindo
postagens de até 140 caracteres. De maneira geral é uma rede de informações em tempo real
construída através das postagens de seus usuários. Deste modo, se caracteriza por ser
bastante dinâmico e permitir uma interligação global de pessoas que produzem e consomem
informações em tempo real. Vem do princípio de gerar e propagar informações a aplicação do
termo mídia social para nomeá-lo. Inicialmente, a cada postagem a pessoa respondia à
pergunta “What are you doing”, mas a partir das apropriações diversas que os usuários
passaram a fazer da ferramenta – compartilhar não apenas seu cotidiano, mas também fotos,
links, sua localização, trocar mensagens e estabelecerem conversações - esta pergunta foi
substituída em 2009 por “What's happening?”.
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imagens (e mesmo a montagem do site) a fim de entender parte do processo
necessário até que os vídeos cheguem ao online. Acredito que cabe aqui
contar um pouco da história da produtora e descrever os sites, a fim de
entender suas atuais propostas.
Não são novidade pesquisas que tentam entender o modo como as
representações pornográficas são produzidas e concebidas, focalizando nos
momentos que acontecem longe das câmeras e das edições pelas quais os
vídeos e imagens passam. No Brasil, o principal estudo é o de Benítez (2010),
no qual ela mostra os bastidores da indústria pornográfica mainstream
nacional.
Confesso que não estava nos meus planos de pesquisa enfocar a
produção, os bastidores ou qualquer contexto fora do online. Mas ao longo do
campo, o que aconteceu foi exatamente isto: acabei tendo acesso ao processo
de produção dos vídeos e construção dos sites de pornografia alternativa. Ao
acompanhar os trânsitos, os fluxos e as circulações das pessoas envolvidas na
concepção e realização do altporn acredito que acabo tendo um momento
privilegiado para compreender o modo como tudo isto chega ao online e pode
existir a partir dele.
A XXXP – descrita em uma postagem do Twitter como um “experimento”
- foi criada em 1998 por três amigos (Rufião, Barbellax e Tatão) que resolveram
abandonar sua banda de punk e fazer um vídeo pornográfico, chamado “Plastic
Lesbians”, com bonecas Barbie. O fazer vídeos só se tornou um negócio nos
anos 2000, sendo que durante alguns anos eles produziram materiais que
eram distribuídos em DVD por empresas ligadas ao mainstream. No item
“About” no site eles tentam definir o que fazem:
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O termo Web 2.0 foi criado nos anos 2000 por uma empresa norte-americana chamada
O'Reilly Media e veio para nomear uma segunda geração de comunidades e programas da
Internet. De maneira geral, o termo web 1.0 designa as chamadas ponto.com, sendo que há
um grupo de pessoas que produzem sites, programas, aplicativos e uma grande massa de
consumidores. A inflexão contida no conceito de web 2.0 é a possibilidade de expandir a ideia
de produção, sendo que cada usuário passa a ser um potencial produtor e consumidor. A Web
passa a ser vista como plataforma e permite o surgimento das wikis (exemplo é a wikipedia), o
desenvolvimento de redes sociais diversas e a “folksonomia” (ou processo de usar marcadores
– tags – como forma de indexar informações). Entre os princípios centrais da Web 2.0 estão a
colaboração; a confusão de fronteiras entre produção e consumo; a possibilidade de ampliar os
conceitos de comunidades e interação online para englobar variadas ferramentas geradoras de
redes sociais e também as chamadas mídias sociais; revisão da questão dos direitos autorais,
com o surgimento de alternativas como as licenças Creative Commons; utilização de
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plataformas abertas (API).
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site onde as pessoas poderão comprar pornografia, a XXXP será também uma
rede social na qual os assinantes (será cobrada uma assinatura anual) terão
como criar perfis e interagir com as outras pessoas participantes.
O site atual é composto das seguintes partes:
- Xgirls: Além da nudez, além da atitude, corpos como forma de expressão,
você controla sua nudez . São perfis das mulheres que participam nos vídeos e
fotos encontrados no site. Neles estão disponíveis ensaios fotográficos, algum
contato e sites onde elas podem ser encontradas.
- Xlab: xLab é um hub subculltural onde pessoas mostram suas criações e
compartilham suas loucuras. É uma parte do site onde as pessoas podem
propor parcerias, dar ideias e sugerir criações. Está dividido em categorias e ao
clicar em cada uma a página é redirecionada para o local onde os vídeos
podem ser adquiridos. Alguns deles são produzidos pela própria Red Light e
outros por terceiros. São estas as categorias: Kink; Geração Perdida;
Libertinos; Fetishboxxx; Pornolândia; QueerFiction; Amigas; Candy;
Indulgência; Nerd Sex; Inexistência; Darling.
- Blog: ao clicar a pessoa é conduzida ao blog da produtora onde são postadas
notícias, curiosidades e quaisquer outros assuntos relacionados à pornografia.
O tom das postagens é mais descontraído.
- Shop: ao clicar há o direcionamento para uma empresa de vídeos que hoje
realiza a comercialização do material produzido pela Red Light. É possível
adquirir vídeos mais curtos e cenas no próprio site da XXXP, mas os DVDs com
cenas agrupadas são vendidos de modo terceirizado.
- Entrevistas: parte do site dedicada a agrupar entrevistas de pessoas ligadas
ao pornô ao redor do mundo - cineastas, atrizes e atores, produtores,
escritores, bandas, performers.
- Bandas: local de divulgação das bandas que cedem suas músicas como trilha
sonora das cenas e vídeos. No geral, são bandas independentes e conhecidas
por circularem em nichos muito específicos (o que está atrelado a esta ideia de
uma estética para além da pornografia).
- Vídeos: local onde é possível adquirir os vídeos da produtora. No geral são
cenas de duração mais curta. Cada vídeo vem acompanhado de uma
descrição e uma foto. Todos eles são comercializados pelo mesmo valor:
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R$4,99.
- Podcast: espaço onde convidados são chamados a falar de temas relativos à
pornografia. Eu mesma participei de dois podcasts: um deles sobre pornografia
e estudos acadêmicos e o outro sobre mulheres e pornografia (neste atuei mais
como mediadora da conversa). Estas conversas são por áudio ou vídeo.
Algo que me intrigava desde o início era saber se eles conseguiam ter
uma ideia de quem era o público consumidor de pornografia alternativa no
Brasil. Ao inquirir Lola e Rufião sobre o assunto recebi respostas muito
parecidas: a de que havia certo núcleo de pessoas interessadas neste tipo de
vídeos e que a maioria delas tinha uma relação muito próxima com a internet e
as plataformas digitais. Nos dizeres de Lola, a Xplastic era “pornografia de
nerds”. Acredito que isto corrobora o que venho dizendo até aqui: quem
consome altporn também está consumindo um estilo de vida específico e
ligado a certas tendências que seriam consideradas alternativas,
independentes ou mesmo modernas. Por isto a necessidade de modificar o
site, transformá-lo em um lugar mais interativo e que possa funcionar quase
como uma comunidade, unindo pessoas com gostos semelhantes e às vezes
geograficamente distantes.
Em relação aos outros dois sites ligados à Red Light cabem algumas
considerações, mesmo que iniciais. O Fetxxx tem uma proposta muito clara:
trazer vídeos e fotos que envolvam pornografia fetichista. Se assim podemos
dizer, este gênero de produções é chamado de kink. O nome quer designar
práticas sexuais não-normativas e é comumente ligado a cenas fetichistas
como BDSM, fendom, pet play, leather, spanking, podolatria, pissing. A grande
referência internacional neste tipo de produções é o site Kink.com, divulgado
em várias partes do Fetxxx. Os vídeos também estão à venda e abaixo da foto
em miniatura de cada um deles há uma descrição de que fetiches a pessoa irá
encontrar ao assistir. Algo que me chamou a atenção é que todo o site está em
inglês, bem como as tags que marcam os vídeos e permitem que eles sejam
localizados pelos mecanismos de busca. Além disso, uma loja virtual
estrangeira é indicada para os que estão fora do Brasil e quiserem adquirir os
vídeos. Ao contrário da XXXP, parece que é esperado um público que não está
apenas no país.
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Outras partes do site são:
- Kinksters: indicação de mulheres que atuam como modelos, instrutoras de
práticas fetichistas ou dominadoras profissionais.
- Pornstars: breve perfil de atrizes brasileiras que fizeram ou fazem vídeos
fetichistas.
- Projects: funcionam como as categorias de classificação dos vídeos. São os
seguintes - “ass worship”, “balloon”; “fetishboxxx”; “FetishDolls”; “smoking
fetish”; “tatari gami”; “unknow feet”; “we <3 kink” e “xxxp”.
Já o FSxxx flerta com o amadorismo, mas o mescla com algo mais
profissionalizado. A ideia subjacente é a de que a pornografia pode ser feita por
qualquer um e por meio de quaisquer equipamentos. A definição contida do
“About” esclarece melhor a proposta:
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Utilizar palavras de marcação mais conhecidas é uma estratégia para aumentar a audiência
dos sites. Entre as que A FSxxx utiliza estão: amador, amadora, anal, anus, arrombada, atriz
pornô, belladonna, buceta, bunda, camel toe, cinema, cu, flagra, gostosa, lesbicas, loira,
peituda, perva, pornochanchada, putaria, rabo, safada, vadia.
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mostrar, ainda que de modo inicial, é como a internet permite a circulação de
pessoas, imagens, vídeos, convenções e categorias. Altporn, kink, mainstream,
bizarro, feminista, snuff, amador, gonzo são apenas algumas das várias
categorias classificatórias com as quais tenho me deparado no decorrer da
pesquisa. Entender o que elas significam e o que nomeiam é essencial para
explicar os muitos modos como a pornografia encontra o online.
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