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A PRÁTICA DA ORAÇÃO MENTAL

Baseado na doutrina espiritual de Santa Teresa de Jesus, virgem e Doutora da Igreja.

A oração é essecialmente encontro com Deus. Quanto mais constante e profundo esse encontro, maior e mais perfeita
é a união com Deus, tão desejada pela alma humana, como recorda Santo Agostinho: “Fizeste-nos para Ti e inquieto
está nosso coração, enquanto não repousa em Ti” (Cf. Confissões I).
A definição de Santa Teresa de Jesus pode nortear a vida do orante: “Para mim, a oração mental não é senão tratar
de amizade - estar muitas vezes tratando a sós - com quem sabemos que nos ama.” (Cf. Livro da Vida 8,5). Nesta
definição tão feliz encontramos os elementos constituintes da oração, a saber, o orante que busca a Deus; Deus que se
deixa encontrar, através da feliz chave do amor: ato de vontade maior que meros sentimentos. A prova desse amor é
exposta na frase “estar muitas vezes tratando a sós” porquanto trata-se aqui de buscar a solitude (mais conhecida como
solidão cristã), que é inicialmente um sacrifício para o homem. Esse “estar a sós” não se refere apenas ao afastamento
da companhia humana mas sim a um silêncio profundo quanto a tudo que é exterior e até mesmo quanto às próprias
ideias e sentimentos.1
Embora Santa Teresa não tenha deixado um passo-a-passo de oração absolutamente claro e objetivo, ela sugere sim
um método baseado sobretudo no dito encontro pessoal com a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Jesus Cristo
Nosso Senhor, pelo qual vamos ao Pai (cf. Jo 14,6).
Vale dizer que não podemos restringir o Espírito Santo (que ora em nós), de modo que pode acontecer de o orante se
ver mais facilmente na companhia do Pai ou do mesmo Espírito Santo, ou das Três Pessoas, ou ainda em diálogo filial
com a Santíssima Virgem Maria que nos foi dada como Mãe. No entanto, isto não é muito comum na prática da oração
mental. Menciono isto como recordação de que “o Espírito sopra onde quer” e por isso deve-se caminhar na
oração com muita confiança em Deus, desejo de amá-Lo, humildade e santa liberdade.
Outro aspecto importante frequentemente repetido por Santa Teresa em seus escritos é que o orante não deve se
apoucar nem andar a “passo de galinha”, isto é, a passos curtos (Livro da Vida 13,5), e sim aspirar ao “voo das
águias”, não desejando êxtases ou regalos espirituais, mas cultivando um profundo e sincero desejo de amar a
Deus com toda a perfeição possível.
Essa magnanimidade (desejo generoso das coisas Eternas) sugere uma total conformação da vida do orante com esse
objetivo principal de unir-se a Deus. Desse modo o orante deve trilhar o caminho seguro da fé na Santa Igreja Católica
- em seus pilares: Tradição, Sagrada Escritura e Magistério; deve se dispor para a oração como para uma aventura
interior rumo ao Céu, conformando, portanto, o exterior com tal disposição interior através do cumprimento dos
Santos Mandamentos, ações virtuosas, ou seja, aquisição de hábitos moralmente bons e uma disciplina mínima para a
oração, tudo por amor a Deus e não por mero proveito e vaidade pessoal.
Convém estabelecer um ou dois horários por dia somente para a oração mental e esforçar-se por cumpri-lo.
Inicialmente, pode-se fazer 15 ou 30 min. de oração mental (duas vezes ao dia se for possível), e ir aumentando de 15
em 15 min. até que atinja 1 hora, que seria o ideal normal.
O caminho de oração é íntimo e progressivo, logo, somente a perseverança pode fazer notório o progresso e resultar
numa vida virtuosa “luz do mundo e sal da Terra” (Mt 5, 13s). Os principais frutos da oração mental bem feita serão
a humildade e caridade. O primeiro através de um autoconhecimento cada vez maior unido a um conhecimento de
Deus cada vez mais profundo. E o segundo porque este conhecimento resulta no amor a Deus que é a caridade.
Sem conhecer a Deus é impossível amá-LO. E aquele que busca conhecê-LO conhecerá primeiro a si mesmo, pois o
próprio Deus favorece esse autoconhecimento. É para adquirir esta humildade que Deus permite ao orante
dificuldades e sofrimentos nessa aventura e assim este se vê cada vez mais fraco enquanto se faz cada vez mais forte
1
Os pensamentos e sentimentos nem sempre devem ser ignorados, mas sim se tornarem objeto da mesma oração, num diálogo
filial e amigável com Nosso Senhor Jesus Cristo, expondo a Ele o que o aflige. Mas mesmo essa atitude implica um afastamento
de si mesmo, porque então “tiramos do coração” e colocamos nas Mãos de Deus o que nos ocorre, com confiança de que Ele dará
o remédio conveniente.
em espírito e verdade. Por isso exclarmou São Paulo “quando me sinto fraco, então é que sou forte” porque Cristo
lhe disse “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela a minha força.” (Cf 2Cor 12,9s.). Se o orante
permanece fiel e perseverante no desejo santo de somente amar e servir a Deus e com essa determinação se coloca
em oração, carregará jugo suave e fardo leve e encontrará a fonte de água viva.

A aparente inutilidade da oração é, na verdade, um reconhecimento humilde de que “sem Deus nada podemos fazer”,
muito menos qualquer obra boa. A oração com horário definido é um primeiro passo para que essa amizade profunda e
íntima com o Senhor permeie toda a vida do cristão, tornando mais fácil e frequente a simples elevação do coração a
Deus e o hábito de estar em Sua Presença. Porque quem O serve sem estar em oração é um servo, mas Ele disse “Já
não vos chamo servos[...] mas amigos. Porque vos dei a conhecer tudo quanto ouvi do Pai” (cf Jo 15,15). Embora
possamos conhecer o que Deus disse através da Doutrina Cristã e da leitura orante, não podemos nos considerar
verdaderiamente amigos de alguém sobre quem apenas ouvimos falar, mas com quem nunca ou muito pouco
tratamos. É preciso ir além e buscar Jesus para uma conversa íntima, como fez Nicodemos (cf. Jo 3, 1-21). Destarte
a verdadeira sustentação da vida santa é a virtude da oração.

O “MÉTODO TERESIANO”

Na doutrina mística de Santa Teresa de Jesus encontramos o “método dos métodos”, porque admite diversos modos de
rezar desde que o orante busque encontrar-se com Deus na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. É o encontro
com Deus que caracteriza a oração teresiana. Por isso ela diz “o essencial não é pensar muito mas amar muito.”
(cf. M oradas 4 - 1,7), explicitando que não é em formar muitos ou grandiosos e profundos raciocinios nem em
esforçar-se por entender alguma passagem da Escritura ou outros textos, que está a oração, mas no impulso do coração
em direção a Deus.

Assim convém deixar muito claro que a oração teresiana é baseada em ato de fé e de amor, o que aponta para o fato
de que o sentimento e a emoção não são o mais importante, embora tenham seu lugar, como um dom gratuito de
Deus para nos animar nesse caminho interior. A emoção e o sentimento são realidades inferiores, atividades cerebrais,
enquanto o ato de vontade é muito superior. Do mesmo modo o ato de fé, isto é, a crença na Presença de Nosso Senhor
Jesus Cristo em nós e conosco, é o que nos concede falar com Ele “como a pai e como a irmão e como a Senhor e
como a Esposo; às vezes de uma maneira, outras vezes de outra...Ele vos ensinará o que deveis fazer para O
contentar.” (cf Caminho de Perfeição 28, 3).

Embora não tenha deixado um passo-a-passo claro e objetivo, podemos estabelecer como método as indicações que
ela faz no capítulo 26 do Caminho de Perfeição e em outros trechos do Livro da Vida quando fala do modo como os
principiantes podem agir:

1. Dispondo-se para a oração


Colocar-se num ambiente adequado, com silêncio e sem distrações. Se é possível estar numa capela diante de
Jesus Eucarístico, é muito conveniente. Sentar-se de um modo confortável, nem muito cômodo nem incômodo.
Acalmar-se.

2. Invocação do Divino Espírito Santo - guia da oração


Persignar-se e rezar o Vinde Espírito Santo ou Veni Creator.
3. Breve exame de consciência
Aqui o orante não deve ficar “caçando pecados” mas sim fazer um ato de humildade, vendo sua miséria,
recordando de algumas faltas que tem cometido, confessando-se miserável diante da Infinita Misericórdia de
Deus. Se houver algum vício ou pecado que traz em mente, convém arrepende-ser e pedir perdão; sendo pecado
grave, deve ter o firme propósito de confessar-se logo que for possível. Finaliza esse breve momento com uma
fórmula de oração penitencial: pode ser uma das propostas no Missal ou algum trecho dos salmos penitenciais. E
crer-se perdoado.

4. A oração mental - encontro com Jesus


Então o orante deve buscar encontrar-se com Jesus; o ato de fé pode ser feito em voz alta, por exemplo: “Jesus, eu
creio que estás aqui comigo, creio no Teu amor infinito por mim. Sei que estás feliz que eu vim Te visitar. Eu
também estou feliz de estar contigo e quero Te agradar...”. Repetir uma jaculatória como “Meu Deus eu Vos amo”
ou “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim” também pode ajudar a alma a se concentrar em
Jesus.

Para esse encontro, deve-se usar o meio que mais ajudar: imaginar Jesus junto a si, ou ler e imaginar alguma
passagem do Evangelho - muito ajuda olhar para a Paixão do Senhor -; olhar para uma imagem ou estampa que
cause devoção; olhar para o Sacrário com uma profunda consciência da Presença do Deus-Homem ali; rezar
pausadamente e com concentração alguma oração vocal (já meditando na profundidade de cada frase)...

Deve-se agir como agimos quando temos um amigo ou começamos a ter amizade com alguém: olhamos para a
pessoa, conversamos com ela e vamos “nos soltando” em sua presença, ouvindo e falando, num diálogo. Assim
devemos fazer com Cristo, porque queremos ser Seus amigos íntimos!
Então o orante deve falar para Ele o que desejar, mas sempre com o coração concentrado na Presença dEle,
para não ser um monólogo. Jesus está com o orante e o orante deve estar com Jesus. A oração é justamente o
mometo de ter consciência dessa Presença que é, na verdade, constante.
Esse diálogo pode ser em voz alta ou mentalmente, como é melhor para cada pessoa.

Esse quarto passo é simples assim como foi dito, mas é onde ocorre boa parte dos mal-entendidos! Porque aqui
poder-se dizer que é “meditação discursiva” onde o intelecto trabalha, e é também nesse momento que muitos
utilizam alguma leitura para ajudar no recolhimento. No entanto, deve-se ter cautela! A meditação permitida nesse
“método” é somente um auxílio para melhor concentrar-se na Presença do Salvador. Tal leitura deve levar a pensar
nEle e gerar afetos amorosos para com Ele e não se tornar leitura espiritual nem leitura orante. Esse momento de
oração não é de leitura e sim de oração. A meditação que pode haver aqui apenas precede e/ou auxilia o diálogo
com Jesus, podendo, inclusive, ser assunto de tal diálogo!
Seguem-se dois exemplos práticos do uso de uma leitura durante a oração mental, um “como pode ser” e outro
“como não pode ser”:

COMO PODE SER


Após ter iniciado seu momento de oração, o orante lê o Evangelho do dia com muita atenção e pausa e vai
imaginando aquela cena e percebendo Jesus nela. E então imediatamente vai falando com Jesus sobre o que
percebe, p. ex.:“vejo Sua grande misericórdia aqui, Jesus... Como tratas com amor os que se aproximam de Ti. Eu
também sinto esse Amor e quero amar de volta...” e vai falando com Jesus. A própria dificuldade em realizar isso
pode ser assunto da conversa com Jesus. Muitas vezes não conseguimos “ver nem pensar” nada que preste, mas já
que Ele está ali conosco podemos falar para Ele “Jesus, hoje está bem difícil. Ando preocupado com x e x coisas,
e não consigo pensar em nada além disso. Mas vou ficar com contigo, aceite essa minha simplicidade!” e assim
por diante, com muita espontaneidade e sinceridade.

Em geral, é durante esse diálogo que Jesus dá a entender, às vezes, que está mesmo presente e que ouve à alma; já
o sabemos pela fé, mas Ele em Sua infinita Misercódia presenteia a alma com um sentimento de ternura, com um
sentimento de devoção suave que alegra muito a alma. É esta ternura, esse afeto amoroso, que Santa Teresa
chama de “água” que rega o terreno infértil que Deus tornou fértil e no qual Deus plantou um jardim e nós
somos os jardineiros. (cf Livro da Vida, cap 11ss).

Mas o orante não deve apenas falar, ler ou pensar! Deve ouvir também, silenciando e apenas olhando para
Jesus, deixando os pensamentos fazerem a bagunça que quiserem... Deve se concetrar no ato de vontade de
estar com Jesus. Para os iniciantes muito ajuda ainda usar a imaginação, voltando a “ver Jesus”. É perseverando
que Deus vai, pouco a pouco remediando a distração que pode ocorrer. Muito ajuda, como foi dito, falar com
Jesus sobre a própria distração, confiando-a a Ele e recordando-O do desejo que tem de amá-LO puramente, sem
se distrair com nada.

COMO NÃO PODE SER


Após ter iniciado seu momento de oração, o orante lê o Evangelho do dia e, sem parar para conversar com Jesus
sobre estas palavras, vai adiante no texto, lendo o capítulo inteiro sem se deter em nada. Isso caracterizou uma
leitura espiritual: nem leitura orante nem oração mental!

Se o orante lê o mesmo trecho do Evangelho do dia, pára para meditar mas medita apenas pensando consigo :
“Jesus serviu a todos, não fez distinção de pessoas... Eu não gosto muito de fulano mas vou me esforçar por tratá-
lo bem. Acho que vou pegar isso como meta dessa semana. Jesus era paciente e humilde. Nós precisamos ser
também, só assim a Igreja vai pra frente...”
vemos que ele fez uma boa leitura, meditando um pouco no texto e levando para sua vida, porém ignorou que
Jesus está ali com Ele e que Ele deve estar com Jesus. Esse modo de meditação não consiste em oração mental
porque oração mental consiste no encontro e amizade pessoal com Deus na Pessoa do Filho.

5. Finalizando o momento de oração: ação de graças e propósito de emenda


Em geral, durante o próprio encontro com Jesus o orante já vai percebendo algumas coisas que vão mal em si e
que precisam ser melhoradas: pontos de maior fidelidade, algum “pecado de estimação” a ser vencido, etc., e
tendo desejos de emendar-se. No entanto, pode-se fazer um propósito final de busca de vencer-se num ponto
específico, com a graça de Deus e pedir então o auxílio necessário, também falando com Jesus sobre isso.
Pode-se agradecer por aquele momento e por Jesus ter permitido que ficasse em Sua Presença, tão perto, e por
poder servi-LO cada dia.
É muito conveniente finalizar com a oração “À Vossa Proteção” direcionada à Virgem Maria que será a grande
auxiliadora para que consigamos conformar a vida com a de Jesus Cristo, embora seja possível também finalizar
com outra oração.
Finalmente, devemos buscar no cotidiano, durante os afazeres, recordar da Presença de Deus, rezar jaculatórias,
falar com Ele com a mesma simplicidade, etc. E, sobretudo, levar vida virtuosa, procurando imitar Jesus Cristo,
Nosso Senhor.

Se em algum momento da oração a alma percebe a Presença de Jesus, sentindo com isso uma suavidade e uma
profunda paz, e tem desejo de silenciar ou falar algo a Jesus querendo louvá-LO e agradecê-LO, deve fazer isso, e
manter-se nesse recolhimento, mesmo que a memória e imaginação continuem “falando atrás”. Isto já é um dom de
Deus e não há o que possamos fazer para que dure mais, embora possamos fazer com que dure menos e para evitar
isto convém não fazer coisas que façam perder o recolhimento, exceto se for obrigação de obediência ou caridade,
pois nestes casos a oração se torna concreta.

CONCLUSÃO
Esse momento de oração visa educar a pessoa para estar sempre em oração, assim como Deus está sempre presente!
Por isso Deus vai ajudando quem começa nesse caminho com determinação por O amar e servir sem temer as
dificuldades que aparecerão. O Senhor vai concedendo mais graças e assim vai ocorrendo o que, na doutrina teresiana,
denomina-se “graus de oração”, que nada mais é que a descrição do progresso que a alma tem quando se determina a
seguir essa via de oração. No entanto até certo ponto nós chegamos com nossas diligências e perseverança. A partir de
determinado ponto é Deus que age e só concede tais graças a quem Ele quiser.
Nem sempre o orante consegue perceber seu êxito na oração, por isso, repito, a oração está no ato de vontade e não no
sentimento que temos. Muito importa darmos a Deus o tempo prometido com fidelidade e confiança de que não é à
toa, ainda que pareça ser.
Para os que iniciam nesse caminho é imprescindível um diretor inteligente que possa compreender as situações da
alma ainda que ele mesmo não use muito este modo de oração. Por isso Santa Teresa aconselha que sejam
“experientes, inteligentes e conhecedores da sã doutrina”.

ALGUNS AVISOS

* Quem sentir necessidade de preparar um trecho com antencedência, pode fazê-lo num momento próprio de leitura e
levá-lo para a oração com considerações já prontas e falar sobre aquilo com Jesus, como já exemplificado. No início,
agir assim ajuda muito.
* Convém usar textos já conhecidos para não acontecer de ser levado pela curiosidade e acabar lendo mais do que
orando.
* Muitas pessoas já tem oração mas não o sabem, porque já oravam como aconselha Sta Teresa mas nunca tiveram um
guia nem jamais estudaram isso. A estes ler os escritos de Sta Teresa consolará muito e dará segurança para se adiantar
no caminho.

RESUMO DO PASSO-A-PASSO
1. Dispondo-se para a oração
2. Invocação do Divino Espírito Santo - guia da oração
3. Breve exame de consciência
4. A oração mental - encontro com Jesus
- Ato de fé, buscando conscientizar-se da Presença de Jesus
- Diálogo amoroso tendo como estímulo alguma leitura, imagem, pensamento, imaginação, etc.
5. Finalizando o momento de oração: ação de graças e propósito de emenda

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