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Organizadora
Larissa Michelle Lara
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Dança: dilemas e desafios na
Doutora em Educação (UNICAMP). Líder do
Grupo de Pesquisa Corpo, Cultura e Ludicidade contemporaneidade é resultado
(CNPq). Autora de As danças no candomblé:
corpo, rito e Educação e Corpo, sentido
Os dilemas que tocam a dança na de pesquisas e experiências
docentes de
ético-estético e cultura popular. E-mail:
contemporaneidade remetem aos desafios
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lmlara@uem.br.
professores/pesquisadores que
Rita Ribeiro Voss é professora da Universidade que os diferentes sujeitos precisam integram a Rede de Cooperação
Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em
enfrentar no intuito de concretizar ações Acadêmica, Cultural e Artística
A
Educação (UFRN). É pesquisadora do Grupo de
Pesquisa Dança: Estética e Educação, na em Dança por meio de três
UNESP. E-mail: riberita@gmail.com.
que venham a contribuir com a grupos de pesquisa vinculados a
LO
Marcio Pizarro Noronha é professor da
Universidade Federal de Goiás. Doutor em produção/disseminação de conhecimento Programas de Pós-Graduação e
História (PUCRS) e em Antropogia (USP). um grupo vinculado à graduação
Psicanalista. Líder do Grupo de Pesquisa e com o campo de atuação profissional. em dança. Produção de
Interartes (CNPq) – Processos e sistemas
interartísticos e estudos de performance. E-mail:
marcio.pizarro@hotmail.com.
A sociedade atual exige esforços no conhecimento em dança
sentido da radicalidade dos saberes (dimensão epistemológica);
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Alba Pedreira Vieira é professora da
conceitos operacionais do campo
Dança
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livro digital Educação para as artes. E-mail: abordagem de corpo e métodos de
apvieira@ufv.br. promover o diálogo necessário para o ensino; concepções de dança por
Kathya Maria Ayres de Godoy é professora da
Universidade Estadual Paulista (UNESP/IA). estabelecimento de processos profissionais com formação no
stricto-sensu; dança coral como
intercomunicacionais que conduzam ao
O
Doutora em Educação (PUC/SP). Líder do
Grupo de Pesquisa Dança: Estética e Educação.
Autora e organizadora do livro Movimento e mecanismo de congraçamento dos
cultura na escola: dança (Instituto de Artes da pensamento crítico e interventor. sujeitos; processo de
dilemas e desafios
UNESP, 2010) e Oficinas de dança e expressão
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corporal para o ensino fundamental (Cortez, mercadorização da dança são
2009). E-mail: kathya.ivo@terra.com.br.
temas que integram a obra. A
na contemporaneidade
Eliane R. C. Tortola é mestre em Educação Física compilação visa discutir esses
(UEM) e membro do Grupo de Pesquisa Corpo,
Cultura e Ludicidade (CNPq). E-mail: Larissa Lara assuntos apontando para dilemas
EE
eli-tortola@hotmail.com. existentes no campo da dança e
Maristela Moura Silva Lima é professora Titular para os desafios que demandam
do Curso de Dança do Departamento de Artes e
Humanidades da Universidade Federal de Viçosa ações interventoras. Interessa,
(UFV). Doutora em Educação pela Temple Larissa Michelle Lara especialmente, a professores,
University (EUA). Membro do Grupo de
Pesquisa Transdisciplinar em Dança (CNPq). Organizadora pesquisadores, estudantes de
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E-mail: teinha@ufv.br graduação e pós-graduação em
Rita de Cássia Franco de Souza Antunes é mestre dança, arte, teatro, educação
e doutora em Educação Física (UNICAMP).
Pós-doutorada em Artes pelo Instituto de Artes
ISBN 978-85-7628-481-9
física e demais áreas voltadas às
(UNESP-SP). Membro pesquisador do Grupo de discussões propostas por essa
Pesquisa Dança: Estética e Educação (CNPq).
E-mail: antunes@fc.unesp.br. coletânea.
9 788576 284819
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DANÇA:
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EDITORA DA U N I V E R S I D A D E E S TA D UA L DE MARINGÁ
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Reitor: Prof. Dr. Júlio Santiago Prates Filho. Vice-Reitora: Profa. Dra. Neusa Altoé. Diretor da Eduem: Prof. Dr. Alessandro Lucca Braccini.
Editora-Chefe da Eduem: Profa. Dra. Terezinha Oliveira
CONSELHO EDITORIAL
Presidente: Prof. Dr. Alessandro Lucca Braccini. Editores Científicos: Prof. Dr. Adson C. Bozzi Ramatis Lima, Profa. Dra. Ana Lúcia
Rodrigues, Profa. Dra. Angela Mara de Barros Lara, Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer, Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva, Profa. Dra.
Cecília Edna Mareze da Costa, Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim, Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli , Prof. Dr. Eduardo Augusto
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Tomanik, Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto, Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso, Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes, Profa. Dra.
Larissa Michelle Lara, Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista, Profa. Dra. Luzia Marta Bellini, Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado,
Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima, Prof. Dr. Rafael Bruno Neto, Prof. Dr. Raymundo de Lima, Profa. Dra. Regina Lúcia Mesti, Prof.
Dr. Reginaldo Benedito Dias, Profa. Dra. Rozilda das Neves Alves, Prof. Dr. Sezinando Luis Menezes, Profa. Dra. Terezinha Oliveira,
Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco, Profa. Dra. Valéria Soares de Assis.
EQUIPE TÉCNICA
Fluxo Editorial: Edilson Damasio, Edneire Franciscon Jacob, Mônica Tanamati Hundzinski, Vania Cristina Scomparin. Projeto Gráfico e
Design: Marcos Kazuyoshi Sassaka. Artes Gráficas: Luciano Wilian da Silva, Marcos Roberto Andreussi. Marketing: Marcos Cipriano da Silva.
Comercialização: Norberto Pereira da Silva, Paulo Bento da Silva, Solange Marly Oshima.
LARISSA MICHELLE LARA
Organizadora
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DANÇA:
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DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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Prefácio
Donald S. Blumenfeld-Jones
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Maringá
2013
Copyright © 2013 para os autores
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico,
eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, dos autores.
Todos os direitos reservados desta edição 2013 para Eduem.
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Revisão textual e gramatical: Maria Dolores Machado
Normalização textual e de referência: Simone Lima Lopes Rafael
Projeto gráfico/diagramação: Marcos Kazuyoshi Sassaka
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Capa - foto/arte final: Luciano Wilian da Silva
Ficha catalográfica: Edilson Damasio (CRB 9-1123)
Fonte: GoudyOlSt BT, Times New Roman
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Tiragem - versão impressa: 500 exemplares
D173
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Dança : dilemas e desafios na contemporaneidade / Larissa Michelle Lara (organizadora) ;
prefácio Donald S. Blumenfeld-Jones. -- Maringá : Eduem, 2013.
265 p. : il. (color.)
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Vários autores.
ISBN 978-85-7628-481-9
Editora filiada à
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Preface ..................................................................................... 7
LO
Prefácio.................................................................................... 13
Apresentação .......................................................................... 19
1 N
Dimensão epistemológica da dança: leituras, prospecções e
W
incompletudes
Larissa Michelle Lara ............................................................... 29
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2
Desafios epistemológicos e políticas de ação na graduação e
D
pós-graduação em dança
Rita Ribeiro Voss ...................................................................... 57
3
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4
Reflexões em estudos de teoria da arte e dança cênica
Marcio Pizarro Noronha .......................................................... 115
5
Dança, educação e contemporaneidade: dilemas e desafios
sobre o que ensinar e o que aprender
D
Alba Pedreira Vieira ................................................................. 155
A
6
Transformações nas concepções sobre dança de profissionais
LO
atuantes no meio artístico e educacional
Kathya Maria Ayres de Godoy ................................................. 185
7
Dança coral: fazer e dançar
N
Maristela Moura Silva Lima, Alba Pedreira Vieira .................. 207
W
8
A mercadorização da dança nas noites urbanas: dilemas
O
contemporâneos
Eliane Regina Crestani Tortola, Larissa Michelle Lara ............ 237
D
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FR
Preface
D
A
As I share my thoughts with you in this Preface, allow me to
LO
set the context of those thoughts. This context will involve my
initial introduction to the conference out of which the papers you
find in this collection grew and my thoughts prior to attending the
conference. Those thoughts have changed since my attendance and
I want to share with you what I experienced at the conference and
N
the meaning value of what you will find within the pages of this
book.
W
In the summer of 2011 Dr. Alba Pedreira Vieira of the
Universidade Federal de Vicoşa invited me to deliver the keynote
address for the 3rd ENGRUPEdança meeting to be held in Maringá
O
were gracious hosts, making my visit with the various dance scholars
very fruitful as well as having many conversations about dance
research outside the context of the meetings.
Drs. Vieira and Lara, in presenting the conference theme, asked
EE
D
Society is no longer a coming-together of people in community but has
become an assemblage of stand-alone individuals. Choreographers
A
are encouraged to allow any influence to be used and transformed
without attention the deep wisdom and values that may be associated
LO
with the cultural tradition out of which the particular dance influence
emerged. In brief, the Western world has encouraged us to raid any
tradition we want for any purposes we have. In my talk I suggested
that our research needed to be a hedge against imperialism, having,
instead, a greater focus on those forms of dance not traditionally
N
explored within university settings. I explored various ways in which
dance traditions have become exploited for their content without
necessarily honoring the history of those traditions. When such
W
traditions have been explored they have been treated as a kind of
exotic flower to be admired but which was not necessarily allowed
to influence us in its ways of seeing and understanding the world
O
around us.
As I pursued my research into Brazilian dance I came to know
D
dominating the rest of the world. These were some of the thoughts I
brought with me to the conference.
The conference presentations and evidence of outreach to
rural poor communities noted in the DVDs that were shared with
FR
8
PREFACE
D
are practicing the kind of dance involvement for teachers pioneered
by Sue Stinson, the US leading figure in dance for children, among
A
others. These efforts evidence a concern for the kind of ‘care for
culture’ to which I was pointing in my remarks and show that there
LO
is some sense on the part of the Brazilian dance researchers and their
students that the Brazilian way needs to be remembered and fostered
for its value for the rest of the world rather than allow itself to be
supplanted by these external forces and influences. The task is to
carry forth to others what is being done in Brazil.
N
In that interest I want to briefly address the chapters in this
book for their specific contributions to international dance thinking
W
and practice. These comments will echo Dr. Lara’s introduction but,
I hope, add an international scholar’s perspective to the book.
O
dance can make to other fields. This is an important agenda for us.
Dr. Rita Voss continues this line of thinking as she presents the idea
that dance uniquely hybridizes the natural body, art and culture. She
argues that the university should find ways to actively honor that
uniqueness and make official spaces for it. This suggests, of course,
FR
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
the children from place to place in the classroom, is thoughtless in
terms of body experience. So much of school life is cerebral, leaving
A
the body, emotions, and imagination to one side. Dr. Antunes’
work in establishing the importance of the body in education is
important and would be welcome in many other countries outside
LO
of Brazil. Dr. Marcio Noronha’s critical work on contemporaneity
shows that Brazil does not live in an isolated fashion but is open
to the trends in the world and his critique of contemporaneity is a
welcome cautionary study that reminds me of the important work of
N
Lewis Mumford who worried that we live as if we continue to leave
the errors of the past behind. Mumford noted, for instance, with
technology that as technology develops the old technologies do not
W
merely disappear but persist and continue to fruitfully affect how we
live. Dr. Noronha’s showing the archaic in the present reminds me
of this important truth.
O
Bond.
In Drs. Lima and Vieira´s chapter on ‘Dancing Coral: expanding
access of society to dance’, the central issue of what is dance today in
Brazil is explored and critiqued. The question raised is: what is being
lost through the media exposure to and emphasis upon Western
10
PREFACE
forms of dance. The authors explore this issue as they discuss the
impact of technology on how we live with each other and with the
physical world around us. The chapter alerts us to some of the issues
I raised about rampant hyper-individualism and a sort of imperialism
D
of the west upon the dance traditions of other places. They pursue
my concerns of culture loss and exoticization and do so in a way that
A
attends to the issues of a neo-liberal world. They present the kind of
thinking that challenges us to re-think what we are doing in dance.
LO
In this vein, Dr. Kathya Godoy presents the results of a study
of graduate dance students to better understand how people are
thinking about their involvement with dance as scholars of dance.
This is very important as, until we can understand the ground state
of the situation, there is little we could do to move the situation
N
forward. Dr. Godoy is presenting the field to itself and I consider
such reflection crucial to the health of the field. Lastly, the chapter
W
by Eliane Regina Tortola and Larissa Michelle Lara explores dance in
the social setting (a leisure setting) as alienated using Horkheimer’s
and Adorno’s notion of alienation. In so doing they show us that what
appears to be liberating (the club scene and so forth as expressions
O
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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to you.
A
Donald S. Blumenfeld-Jones
Arizona State University, AZ, USA
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Prefácio1
D
A
Ao compartilhar minhas reflexões com vocês, nesse prefácio,
LO
permitam-me situar o contexto desses pensamentos. Este contexto
envolverá minha introdução inicial ao evento no qual os artigos
que você encontra nessa coletânea foram apresentados, e também
minhas ideias antes de participar desse encontro. Estes pensamentos
N
mudaram desde minha participação, e quero compartilhar com vocês
o que vivenciei durante o evento e o valor significativo do que vocês
encontrarão nas páginas desse livro.
W
No verão de 2011, a Drª. Alba Pedreira Vieira, da Universidade
Federal de Viçosa, convidou-me para fazer a conferência de abertura
O
1 Prefácio escrito em língua inglesa por Donald Blumenfeld-Jones e traduzido por Loraine
Paiva de Souza Lora. Revisão da tradução por Alba Pedreira Vieira.
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
na reflexão sobre a dança, tomando cuidado, em minha discussão,
para não me posicionar, mesmo que acidentalmente, contra relações
A
internacionais que poderiam prejudicar as tradições culturais de dança
do Brasil. Falei das formas pelas quais cultura e história, em nosso
crescente mundo capitalista neoliberal e globalizado, são colocadas
LO
de lado em favor de agendas com valores mais individualistas –
que são o coração do neoliberalismo – para a dança. A sociedade
não é mais uma união de pessoas em comunidades, mas se tornou
um grupo de indivíduos solitários. Coreógrafos são encorajados a
N
permitir que qualquer influência seja usada e transformada sem a
devida atenção ao conhecimento e aos valores profundos que talvez
estejam associados à tradição cultural que influenciou o surgimento
W
daquele gênero específico de dança. Em resumo, o mundo ocidental
nos encoraja a atacar qualquer tradição a fim de conseguir o que
desejamos e alcançar nossos propósitos. Em minha fala, sugeri que
O
mais e mais de sua rica tradição, bem como que a dança está no cerne
do país. Preocupei-me com a ‘saúde’ dessa tradição dada a presença
gigantesca e pressão psicológica, em particular, do Hemisfério Norte
– a cultura norte-americana domina o resto do mundo. Essas foram
algumas das reflexões que eu trouxe para a conferência.
14
PREFÁCIO
D
grupo de estudantes de dança afro-brasileira, mostraram-me que
minhas preocupações estavam sendo abordadas, diariamente, nas
A
universidades. Além disso, havia vídeos sobre crianças cujas vidas
nas cidades eram comprometidas pela pobreza e falta de acesso a
LO
recursos. Por fim, havia vídeos de membros do ENGRUPEdança
ensinando professores generalistas a trazerem a dança para suas
aulas. Estes dois últimos vídeos demonstram as maneiras pelas quais
a dança brasileira já está conectada com o mundo fora do Brasil,
uma vez que esses pesquisadores estão praticando o modo de ensino
N
de dança para professores, iniciado por Sue Stinson, que é destaque
na América do Norte em dança para crianças, entre outros. Esses
W
esforços evidenciam a preocupação pelo tipo de ‘cuidado com a
cultura’, o qual eu discuti em minha palestra, e demonstram que há
alguma preocupação, por parte de pesquisadores de dança brasileiros
O
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
quando apresenta a ideia de que a dança exclusivamente hibridiza o
corpo natural, a arte e a cultura. Ela argumenta que a universidade
deve encontrar formas para honrar ativamente essa singularidade
A
e criar espaços oficiais para esse fim. Isso sugere, é claro, que tais
espaços não existam atualmente. É importante saber que, enquanto
LO
a dança nos Estados Unidos pode ter alguns departamentos de
renome e encontra um status mais oficial, o argumento da Drª. Voss
ainda é único; ela está buscando aquilo que faz a dança mais do
que apenas uma forma de arte, mas um casamento com um projeto
humano maior.
N
Drª. Rita Antunes propõe uma linha diferente, uma crítica à
falta de corpo em nosso sistema de ensino, destacando a importância
W
de reconhecer o corpo como uma entidade que marca a presença
humana no cotidiano da escola. Nas escolas dos Estados Unidos,
mesmo quando há movimento das crianças de um lugar para o outro
O
16
PREFÁCIO
D
Ela também apresenta o conceito de ‘“perca produtiva’” – o que
precisamos deixar de lado a fim de que haja crescimento, o qual
A
vem desenvolvendo desde seu doutorado nos Estados Unidos. A
Drª. Vieira apresenta algo único em seu estudo: valoriza as vozes de
LO
estudantes brasileiros do ensino básico para que estes apresentem
seus significados sobre dança, assim como tem sido feito por
pesquisadores internacionais da área como Eva Antilla, Sue Stinson
e Karen Bond.
N
No capítulo das Doutorasªs Lima e Vieira em ‘Dança Coral:
ampliando o acesso da sociedade à dança’, a questão central do que
é a dança hoje no Brasil é explorada e questionada. A questão que se
W
coloca é: o que está sendo perdido via exposição da mídia e a ênfase
nas formas de dança ocidentais? ª Em capítulo conjunto, as Drªs.
Lima e Vieira discutem o impacto da tecnologia sobre a forma como
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vivemos uns com os outros e com o mundo físico ao nosso redor. Este
capítulo nos alerta para algumas das questões que levantei sobre
D
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
liberdade (uma cena de casa noturna como expressões de juventude
élan e de liberação das restrições sociais), e que na verdade é distração
A
de nossos corpos e do mundo político e econômico ao nosso redor.
Elas apresentam um exemplo concreto da noção de Horkheimer
LO
e Adorno que a indústria cultural se desenvolveu para nos fazer
indiferentes e incapazes em perceber os problemas do mundo. Isso
reflete minhas preocupações de que a dança contemporânea nos
dias de hoje, com seu foco no hiperindividualismo e na ‘liberdade’
de tomar qualquer coisa de qualquer pessoa e transformar o que é
N
tomado da maneira como bem deseja, é um tipo de violência cultural.
O que é valioso também, nesse último capítulo, não é somente o uso
W
de Adorno e Horkheimer, mas do sociólogo francês Roger Caillois,
demonstrando caminhos para que pesquisadores brasileiros possam
se aproveitar de influências externas sem perder a especificidade de
O
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Apresentação
D
A
Os dilemas que tocam a dança na contemporaneidade
LO
remetem aos desafios que os diferentes sujeitos precisam enfrentar
no intuito de concretizar ações que venham a contribuir com a
produção/disseminação de conhecimento e com o campo de
atuação profissional. A sociedade atual exige esforços no sentido
N
da radicalidade dos saberes produzidos e do compromisso com sua
propagação e recepção, a fim de promover o diálogo necessário
para o estabelecimento de processos intercomunicacionais que
W
conduzam ao pensamento crítico e interventor.
A inserção do Brasil no campo da produção mundial,
O
D
ganhos obtidos por meio dela, mas a olhar para ela com cautela, uma
vez que a rápida produção que alavanca a inserção internacional
A
não é sinônimo de qualidade. Daí que ao mesmo tempo em que se
incentiva essa difusão do conhecimento torna-se necessário criar
mecanismos capazes de avaliar essa produção, os quais possam
LO
garantir o ‘produzir bem’ e não o ‘produzir muito’.
Em meio às exigências contemporâneas relacionadas ao
fazer científico faz-se mister sobreviver, buscando alternativas
para que a produção do conhecimento tenha sentido e
N
relevância social sem perder o potencial humano. Para tanto,
estratégias são criadas no sentido de ações colaborativas que
W
possam transcender o plano individual rumo a formas solidárias
de exercer o pensamento crítico. Uma dessas ações se refere
à construção de redes de cooperação acadêmica, em que a
O
20
APRESENTAÇÃO
D
o diálogo e o trabalho em equipe no sentido da construção de
políticas colaborativas e trabalhos de cooperação interinstitucional;
A
superar dificuldades com as estruturas de organização universitária
e institucionais com relação ao ensino, à pesquisa e à extensão;
incentivar e realizar pesquisas de cunho multidisciplinar na interface
LO
dança e educação, acrescido de conhecimentos sobre corpo, ética,
estética, formação profissional, processos criativos, históricos,
políticos, culturais e sociais; constituir um fórum permanente de
discussões teóricas, epistemológicas e metodológicas por meio da
N
divulgação dos trabalhos científicos e acadêmicos; refletir sobre os
laços que unem pesquisa e arte, valorizando a relação teoria e prática,
artista-educador-pesquisador, professor-artista e artista-professor;
W
fomentar uma política de reconhecimento científico da produção
em arte e cultura.
O
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Essa obra é resultado desse diálogo em rede e marca iniciativas
acadêmicas que buscam espaços interinstitucionais como meios
A
de sobrevivência e crescimento. O trabalho isolado intensifica a
competição e acirra disputas. O trabalho compartilhado amplia
saberes e promove a qualificação dos grupos envolvidos. Daí buscar
LO
alternativas para que a produção do conhecimento em dança transite
pelo ensino, pesquisa e extensão que possam ser compartilhados e
sirvam como orientações possíveis de ser potencializadas por outros
atores sociais.
N
Os textos que constituem essa coletânea representam ações
iniciais para a materialização dos objetivos da rede de cooperação.
W
São marcos que evidenciam, primeiramente, a nossa abertura para
esse diálogo e para outras ações já realizadas ou em andamento, como
a participação de pesquisadores da rede em bancas do stricto-sensu, o
O
22
APRESENTAÇÃO
D
o III ENGRUPEdança realizado em Maringá, no ano de 2011.
A
Alguns dos dilemas que perfazem essa coletânea e que tocam
preocupações emergentes nos grupos de pesquisa que integram
a rede voltam-se para: a) a produção de conhecimento em dança
LO
(problemas epistemológicos); b) os desafios epistemológicos e
políticas de ação na graduação e pós-graduação em dança; c) a
fragmentação na abordagem de corpo e conteúdos de ensino; d)
os conceitos operacionais que perpassam a construção da arte na
N
contemporaneidade; e) o que ensinar e o que aprender de dança
hoje; f) as concepções sobre dança de profissionais atuantes no meio
artístico e educacional após a formação no stricto sensu; g) a dança
W
coral como meio de educação e congraçamento de sujeitos; h) o
processo de mercadorização da dança na sociedade atual que deturpa
o sentido da dança como arte. Tais dilemas conduzem diretamente
O
23
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Em ‘Desafios epistemológicos e políticas de ação na
graduação e pós-graduação em dança’, Rita Ribeiro Voss discute
A
a relação entre poder e conhecimento, implícita na construção
epistemológica da dança com o objetivo de propor políticas de
ação para a formação universitária. Recupera historicamente
LO
a fundação das ciências naturais, sua constituição política, a
formação de espaços de publicidade de suas ideias, bem como
a emergência dos institutos de pesquisa financiados pelos
governos europeus no século XVIII. Toma a dança como saber
N
singular em que convergem corpo, arte e cultura, o que a
torna híbrida. Daí entender que políticas de ação na formação
W
universitária em dança devem criar espaços em que sua
singularidade possa ser apreciada, seus resultados divulgados
de maneira que a exprima e se possa influir na organização de
O
seu conhecimento.
Com o texto intitulado ‘Corpoarte: releitura do corpo na
D
24
APRESENTAÇÃO
D
[Performance? Body Art?], paradigma audiovisual enquanto conceitos
para a dança cênica’, o autor desenvolve um tema historiográfico e
estético acerca das relações entre as artes e suas linguagens. O texto
A
conta a história das artes do ponto de vista das relações entre as artes
e as suas formas fusionadas, o momento histórico da diferenciação
LO
das artes e a estética contemporânea do intervalo. Aponta ainda para
a presença do elemento sensorial como articulador das diferentes
manifestações artísticas da atualidade e disso ressalta o uso de
conceitos operadores para a leitura de obras artísticas. Na segunda
parte, denominada de ‘O conceito de contemporaneidade: uma
N
versão filosófica para o campo do estudo da arte’ trata da elaboração
do conceito de contemporâneo e o seu uso frequente para a definição
W
e conceituação de certas manifestações da dança cênica no cenário
do tempo presente. Aqui se trata de enfrentar os limites e os desafios
do uso do termo contemporâneo e revelar nele uma relação com a
O
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
‘Transformações nas concepções sobre dança de profissionais
atuantes no meio artístico e educacional’ traz dados sobre a formação
A
continuada de profissionais atuantes no meio artístico e educacional,
identificando as concepções que eles possuíam sobre dança e arte,
bem como as possíveis reformulações conceituais decorrentes da
LO
formação no contexto da pós-graduação stricto sensu. Kathya Maria
Ayeres de Godoy apresenta reflexões oriundas do desenvolvimento
de um projeto de pesquisa pautado na elaboração teórica e prática
das relações existentes entre educação e estética na área de dança no
N
campo das artes e áreas afins. De modo específico, o texto identifica
quais as concepções que esses profissionais possuem sobre arte e o
que pensam sobre a área de dança; como eles visualizam a dança
W
no meio educacional e, em especial, se a passagem pelo mestrado
(formação continuada) traz contribuições a essa reflexão e atuação.
O
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APRESENTAÇÃO
D
reflexões, sobretudo pela possibilidade de diálogo das categorias agon
(competição), ilinx (vertigem), alea (sorte) e mimicry (simulacro)
A
com a dança, as quais sinalizam para a dança no lazer noturno como
jogo, praticado por diferentes atores sociais no intuito de satisfazer
LO
necessidades imediatas relacionadas ao prazer potencializado pela
indústria da diversão.
As reflexões dispostas nessa coletânea representam uma
ação dos pesquisadores envolvidos no sentido de contribuir com
N
o campo de conhecimento da dança, materializando esforços para
empreender a rede de cooperação acadêmica. Dilemas e desafios
perfazem os textos e se colocam como inquietações dos autores que
W
integram essa compilação, ávidos em expressar, por meio da escrita,
sua racionalidade e experiência sensível. O ensejo é compartilhar
essa produção, reconhecendo sua incompletude e propensão a outras
O
interlocuções.
Larissa Michelle Lara
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FR
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O
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N
LO
A
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1
D
Dimensão epistemológica da dança:
A
leituras, prospecções e incompletudes
LO
Larissa Michelle Lara
Introdução
N
Que é feito, ó almas livres, da vossa liberdade? Quase
eu vos julgaria semelhantes aos que longamente
presenciaram danças lascivas de jovens nuas: até as
W
novas almas dançam, agora (NIETZSCHE, [1988],
p. 303).
O
1 O conceito de atividade epistemológica utilizado nesse texto parte dos estudos desenvolvidos
por Fensterseifer (2010-2011, p. 3). O autor esclarece que a atividade epistemológica “[...]
busca compreender a lógica de produção dos saberes das ciências nas inter-relações com o
contexto em que se legitimam (ou não) estes saberes, mas persegue também uma melhor
compreensão dos arranjos internos do fazer científico que, na sua demanda por objetivações,
‘esquece-se’ do não-dito no dito, ou seja, que toda pretensão de verdade, como sabiam os
gregos, vela ao desvelar”. Já o conceito de sentido ético-estético é cunhado em Lara (2011,
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
que as razões de sua existência possam ser compartilhadas e refletidas
por diferentes atores sociais. Nesse estudo, as reflexões perpassam
as necessidades conceituais em dança na tentativa de definir seu
A
campo, bem como a constituição da produção de conhecimento na
área e as instituições que se configuram como espaços de organização,
LO
produção, poder e difusão de saberes.
Trazer apontamentos sobre a dimensão epistemológica da dança
é fornecer subsídios que orientem para a percepção de como esse
campo de conhecimento tem se constituído, seja na área de Ciências
N
da Saúde, seja nas Ciências Humanas, Letras e Artes. Tais discussões
pretendem fomentar o debate sobre a produção do conhecimento,
W
instigando à configuração de processos intercomunicativos que
identifiquem problemas, apontem limites, estabeleçam desafios e
incitem ações coletivas com fins de aprimoramento intelectual,
O
científico e de intervenção.
O exercício de entender o processo de construção de um dado
D
p. 21), entendido como “[...] a própria evidência do humano, em sua existência individual/
coletiva por meio das formas pelas quais o homem constrói e internaliza valores e regras,
assim como desenvolve sua sensibilidade, racionalidade e capacidade criadora” em meio a
formas morais, transgressoras, criativas ou disciplinadas.
30
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
percebida como conhecimento inferior, de uma rotina ‘não séria’
e de uma materialidade superficial. Sua densidade como arte e seu
A
potencial crítico são encobertos pelo senso comum predominante,
caracterizado, em muitos casos, pela dificuldade em percebê-la
LO
para além de um ‘fazer prático’. Daí se estabelecem dicotomias não
fáceis de ser sanadas, capazes de deturpar sentidos, finalidades e
avanços que possam aprimorar o debate acadêmico e o espaço de
intervenção.
N
A diversidade de manifestações dançantes existentes conduz a
dificuldades no trato conceitual do que seja dança. Aliás, esse dilema
não é próprio da dança. Muitos pesquisadores têm esboçado conceitos
W
que possam, minimamente, orientar o trâmite por determinada
temática no intuito de refinar seu discurso, contribuindo com seu
processo de legitimação junto à sociedade. Caillois (1986), por
O
similar pode ser feita em relação à dança, uma vez que ela congrega,
sob uma única nomenclatura, formas distintas de expressão do corpo,
desde uma perspectiva mecânica e reprodutora até uma ação crítica,
que objetive alguma transformação.
EE
31
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
de epistemologia que zela por um imperturbável
modelo de cientificidade forjador de verdades
definitivas diante das quais nos prostramos e que,
A
muito provavelmente, assim serão ensinadas. Afinal,
os professores não abrem mão de suas verdades se
não compreendem o caráter de construção (sócio-
LO
histórico) dessas verdades (FENSTERSEIFER,
2009, p.1, grifo do autor).
2 Aproximações entre dança e epistemologia foram desenvolvidas por Katz (2010) e por
FR
Kleinubing, Saraiva e Melo (2011), embora com enfoques distintos. A primeira salienta o
processo de construção do saber científico e como ele se processa para entender a dança.
As demais autoras apresentam ideais estéticos e sociais compreendidos no balé clássico
para discuti-los, após, nas danças Moderna e Contemporânea. Vale ressaltar ainda que,
além desse texto escrito por mim sobre dança e epistemologia, o texto seguinte, de Rita
Ribeiro Voss também se envereda por essas questões, com abordagens distintas e também
complementares.
32
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
se vislumbrar a dança numa perspectiva da transformação, volta-
se para formas de expressão que se distanciam de um vocabulário
A
musical massivo empobrecedor, como o que apela para o erotismo
desnecessário, com letras frágeis, movimentos repetitivos e não-
criativos, e com manifestações artísticas que se constroem como
LO
engodo de alegria e distração. Como descreve Fabiano (2001, p.
145), a
N
gigolôs emergentes do capital e seu séquilo de
alegres imbecis, que invadem a mídia atual como
ratos de esgotos culturais mais abjetos – às custas do
W
esvaziamento da consciência das massas engordam,
a não caber, as suas contas bancárias.
O
33
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
(1994, p. 30) ao afirmar que “a dança consiste na repetição de certos
movimentos rítmicos executados pelo corpo, especialmente pelas
pernas”. Ressalvado o tempo histórico desse conceito, observa-se
A
sua fragilidade e orientação ao tratar a dança a partir de um recorte
corpóreo (pernas) como representativo do ato em si, incapaz de
LO
abarcar as inúmeras formas de expressão do corpo.
O entendimento conceitual do que seja dança é uma
das necessidades acadêmicas no sentido de delimitar o objeto
investigativo. Entretanto, nem sempre essa façanha acadêmica é
N
suficiente para que o foco de pesquisa seja cunhado adequadamente.
Dar a essa iniciativa sua provisoriedade é entender que somos
históricos e que, num determinado momento, tal conceito pode
W
não mais responder de modo satisfatório aos anseios investigativos
e nem mesmo explicitar o que seja dado fenômeno para a sociedade.
Entretanto, esboçar preocupações e formas de pensar um dado objeto
O
3 Alguns desses temas foram desenvolvidos por pesquisadores reconhecidos por sua
contribuição ao campo da dança, como Portinari (1989), Bourcier (1987) e Garaudy
(1980) e auxiliam no entendimento histórico e/ou filosófico dessa manifestação.
34
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
geral, tais percepções de dança estão voltadas ao entendimento dessa
manifestação nos campos artístico e educacional4.
A
Por vezes, a diversidade conceitual gera interrogações nem
sempre passíveis de serem solucionadas, uma vez que transcendem a
LO
experiência pessoal na tentativa de apreensão do objeto. Entretanto,
mais do que trazer alguns desses conceitos é preciso entender o que
leva as pessoas a conceituar dança de determinada maneira, quais
suas bases teóricas, como o fazem e quais as instâncias motivadoras
N
dos caminhos escolhidos. Nas palavras de Britto (2008, p. 20), “por
falta de recursos teóricos competentes para lidar com questões
conceitualmente sofisticadas, os temas difíceis relativos à sua
W
especificidade artística mantiveram-se alojados no campo dos
clichês e das licenças poéticas”. É o que ocorre, por exemplo, com
conceitos de dança pautados numa condição naturalizada do corpo
O
empírica presente na dança como movimento. Gehres (2005, p. 125) conclui o verbete
afirmando que “[...] uma dança é uma forma de existência humana, a qual não pode
ser nos limites de uma descrição, demonstração ou apresentação – apesar da constância
‘aparente’ da sua forma – , pois se reconstrói a cada existencialização/execução nos corpos
dos dançarinos e das dançarinas”. Embora esse verbete traga singularidades para se pensar
esse campo, acaba restringindo o entendimento da dança a essas duas possibilidades
conceituais, camuflando, inclusive, sua análise como elemento de educação.
35
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Entretanto, o esforço empreendido para essa finalidade conduz a
conceitos por vezes específicos, que não dão conta de agregar muitas
das manifestações dançantes. Por outro lado, os conceitos gerais
A
acabam por abarcar, além das danças, outras práticas corporais, dada
sua amplitude. Com isso, não se consegue, ao menos, delimitar o que
LO
seja dança, uma vez que se houver apropriação da mesma definição
conceitual para dança em outro conceito (teatro, por exemplo),
há o risco de se constatar um ajuste perfeito, o que demonstra a
incapacidade de precisão conceitual.
N
As tentativas de definição do objeto dança ocorrem a
partir daquilo que cada profissional se utiliza como alicerce
W
para pensá-la e refleti-la. A base teórica que sustenta
determinado conhecimento em dança é que se configura como
forma legitimadora dos saberes. Daí que, em dança, é possível
O
única teoria legitimadora desse campo. Há sim, várias teorias que têm
a sua força, singularidade e que se tornam base para investigações de
determinado pesquisador no exercício cotidiano de fundamentar sua
profissão e/ou produção de conhecimento. O dogmatismo em dança
não dá conta de explicitar o que seja dança, além de desconsiderar
36
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
mesmo de um corpo de teorias acima das ideologias, não implica
desprezar o seu valor como um conjunto organizado e dinâmico de
idéias [...]”.
A
Por mais que o dogmatismo não seja o caminho orientador da
percepção do que seja dança, também é essencial lembrar que o
LO
relativismo é tão perigoso quanto o primeiro. Assumir o relativismo
é partir do pressuposto que toda teoria contém verdades (morais,
religiosas, políticas, científicas) que variam conforme a época, o
lugar, o grupo social e os sujeitos. Entretanto, ao fazê-lo, criamos
N
caleidoscópios de ‘verdades’ que impossibilitam, sobretudo, a
configuração de padrões mínimos de convivência em sociedade e que
tocam diretamente a vida. Assim, trabalhar com a fragmentação das
W
verdades em dança é dificultar formas organizacionais que garantam
um consenso mínimo para o trabalho cooperativo nesse campo,
favorecendo a convivência, a pesquisa em rede e o diálogo entre
O
saberes distintos.
Dos inúmeros conceitos eregidos sobre dança, passam a
D
5 Martín-Barbero (2009, p. 154) esclarece que a diversidade deixou de ser apenas afirmação
da ‘pluralidade’ banalizada para assumir a ideia de alteridade e interculturalidade. O
estudioso assim esclarece: “Em poucas palavras, a diversidade cultural nos faz pensar e
intervir nas diversas formas de assimetria e de dominação que perduram e se renovam nas
contemporâneas formas de neutralização, funcionalização e destruição do que por meio da
‘alteridade’ tira nosso chão e desestabiliza as nossas habituais políticas culturais”.
37
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
sobre a temática eleita necessitam de constantes revisões e
refinamento.
A
As escolhas conceituais, metodológicas e aplicativas
implicadas num estudo histórico definem-se,
LO
portanto, pela regência lógica de uma dada
concepção de tempo: explicitada ou não, é ela o fator
de determinância do sentido de historicidade que
dá suporte às abordagens de análise e organização
ao procedimento interpretativo (BRITTO, 2008, p.
24-25).
N
Nos esforços em conceituar dança há, certamente, exercícios
W
racionais e escritos sensíveis. A tensão racionalidade/sensibilidade
marca formas de escrita e expressão do pensamento no campo da
dança. Há professores/pesquisadores que se utilizam da linguagem
O
38
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
determinado fenômeno.
A
Trazer reflexões sobre modos próprios de exercer o pensamento
acadêmico não é instaurar novas dicotomias, como se um campo
não sofresse a influência do outro. Também não é pensá-los
LO
como autônomos. Ao vislumbrar o ser humano, vejo formas
constitutivas que o perfazem e que se coadunam para compor
o todo. O que procuro ressaltar é que, no exercício acadêmico
há formas de escrita diferenciadas que procuram discutir um
N
mesmo objeto. Pode haver densidade ou fragilidade em qualquer
das formas adotadas, seja ela no enfoque da racionalidade, seja
ela no plano sensível. Entretanto, numa sociedade marcada pelo
W
pensamento racional e pelo entendimento de que os sentidos
enganam, a produção do conhecimento em dança que se alicerça
num modus operandis racional tende a sobreviver com menos
O
39
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
crítico é algo a ser considerado e esperado no processo educacional
de qualquer sujeito e, notadamente se coloca como exigência ao
professor/pesquisador que trabalha com o campo da produção de
A
conhecimento e da formação.
LO
Panorama da dança na sociedade e produção de
conhecimento
N
Discutir dança e produção de conhecimento relacionada a
esse tema é ingressar num campo multidisciplinar que envolve
W
música, teatro, educação física, educação, arte, história,
antropologia, entre outros. Isso implica em não tratar de um
objeto que tenha ‘dono’, que seja propriedade de alguém,
O
outro.
A produção de conhecimento em dança acompanha
as transformações sociais e se perfaz de uma multiplicidade
EE
40
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
histórico-filosóficas para se pensar a dança, questionando suas
configurações e instigando o debate.
A
Na tentativa de propiciar visualizações sobre o que vem
sendo produzido em dança, com base no levantamento realizado
LO
por Villar (2011) e na base de dados do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
temas recorrentes em teses e dissertações realizadas no Brasil
são apresentados no Quadro 1 7. Tal produção, atualmente,
N
caracteriza-se pela diversidade temática e teórica, constituída
por profissionais de diversos campos do conhecimento (filósofos,
historiadores, professores/profissionais de educação física,
W
dança, teatro, música, psicólogos, pedagogos, entre outros). A
formação distinta desses pesquisadores, aliada aos campos de
conhecimento em que buscam sua formação, amplia a capacidade
O
41
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Eixos aglutinadores de
Temas recorrentes em teses e dissertações sobre
categorias de pesquisa
dança
em dança
D
Corpo do bailarino-pesquisador-intérprete,
improvisação em dança, gestualidade em técnicas
específicas a partir de seus idealizadores (Delsarte,
A
Graham, outros), criação coreográfica, estudo
semiótico do corpo e seus códigos, literatura e
dança, teorias psicológicas e dança, emoção e
LO
voz, consciência corporal e meios eletrônicos,
Criação-improvisação- drama no corpo, crítica do juízo estético e
consciência em dança prática no processo de composição coreográfica
em dança, dança e estados de ânimo, dança
e linguagem corporal expressiva, biodança,
vivências corporais e autoconscientização,
N
criatividade e dança, dança e voz, dança e ritmo,
animações em labanotation, dança e poesia,
aspectos posturais de bailarinas clássicas, dança
W
e autoconceito da criança.
Continuação .../
42
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
/... Continuação
D
Dança-educação- ensino médio, dança em aulas de educação física,
formação-campos filosofia, estética e educação em dança, mulher
profissionais e dança, dança e ensino superior, dança e gênero,
A
dança e terceira idade, personal dance, danças e
brincadeiras.
LO
História-memória- memórias da dança, política cultural em dança,
comunicação-crítica da clubes do gênero dance. music, dança e mídia,
dança política da dança, dança e novas tecnologias, pós-
modernidade e dança, semiótica do gesto.
N
* Quadro elaborado pela autora do texto.
W
Se antes da década de 1980 a preocupação sobre o campo de
conhecimento da dança recaía em estudos que primassem por seus
O
43
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Se por um lado a diversidade de conhecimentos existentes sobre
um mesmo fenômeno requer esforços na tentativa de criação de
espaços em comum para debate, diálogo e organização da produção,
A
por outro, essa diversidade na produção gera a constituição de locus
que conduz à configuração de blocos de poder que esboçam, por
LO
vezes, formas antidemocráticas de ação. A ânsia por espaços não
conquistados em determinadas associações, instituições, entre outros,
faz com que profissionais criem locais de obtenção da visibilidade
almejada, contribuindo, muitas vezes, para novas fragmentações no
N
âmbito das relações interpessoais e em âmbito acadêmico. Por outro
lado, se as forças em uma dada instituição inviabilizam a criação de
espaços comunicativos, a resistência se dá com a configuração de
W
outros tempos-espaços de debate e diálogo8.
Dificilmente passou despercebido a qualquer profissional que
O
44
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
a necessidade de intensificar o debate relativo à profissão. Aliás,
restabeleceu a dúvida sobre a necessidade de um conselho para
pensar por seus profissionais e se não haveria formas autorreguladoras
A
da profissão9.
Vale ressaltar que o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
LO
(CBCE), criado em 1978, antecede a criação do Conselho Federal
de Educação Física, sendo a entidade científica a congregar
pesquisadores ligados à área de Educação Física/Ciências do Esporte,
com liderança da Direção Nacional e colaboração de secretarias
N
estaduais e grupos temáticos. O Colégio veio, até então, sendo visto
como representativo da área, sobretudo em universos políticos, com
ampla representação do momento de democratização do país na
W
década de 1980. Foi a entidade que fomentou muitos dos debates
epistemológicos da educação física brasileira, contribuindo com a
criação de espaços para amplas discussões. A dança, nesse colégio,
O
45
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
artísticas, divulgar estudos, fomentar o intercâmbio
e a cooperação científico-artística entre grupos de
pesquisa, programas de pós-graduação e cursos de
A
graduação, identificar temas prioritários de pesquisa,
prestar serviços técnicos e viabilizar instrumentos
jurídicos que concorram para a realização destes
LO
objetivos10.
46
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
científicos dentre outros formatos de reuniões;
IV. promover, incentivar e divulgar trabalhos de
pesquisa relacionados com a dança; V. promover,
A
incentivar e divulgar a publicação, em seus
variados suportes, de pesquisas sobre dança; VI.
divulgar, de forma ampla e pública, as atividades
LO
desenvolvidas pela Associação; VII. prestar
colaboração a entidades públicas e privadas
em programas relativos à pesquisa em dança,
indicando assessorias, comissões, júris e curadorias,
dentre outros; VIII. promover acordos, contratos,
convênios e intercâmbio com entidades congêneres,
N
órgãos federais, estaduais, municipais e entidades
de caráter privado nacionais e internacionais; IX.
apoiar o desenvolvimento das pesquisas em dança
W
em nível de pós-graduação, pós-doutoramento e
também nos programas de iniciações científicas11
O
47
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
na Unesp realizou um diagnóstico dos grupos de pesquisa no
Brasil certificados pelo CNPq e que pesquisavam dança numa
A
dimensão multidisciplinar. Mais de 20 grupos atenderam aos
chamados, 12 confirmaram presença em evento e apenas sete
compareceram. Desses, quatro passaram a compor uma rede
LO
de cooperação acadêmica em pesquisa, cultura e arte com a
finalidade de qualificar as produções decorrentes dos grupos
em nível de pós-graduação, saindo do isolamento e buscando
práticas colaborativas. Ações de intercâmbio foram realizadas no
N
tocante a financiamento que pudesse alavancar a rede, embora
não hesitosas em alguns aspectos pela negação de fomento que
pudesse dinamizar esse processo.
W
A rede de cooperação, até o presente momento, vem se
colocando como um mecanismo de auxílio aos grupos constituintes
O
48
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
é necessariamente a produção de conhecimento que não estabelece
um processo comunicativo, mas os atores sociais que se encontram
em campos opostos e se reconhecem como opositores, trazendo suas
A
vaidades como bandeiras de luta.
É praxe, em ciência, a necessidade de segmentar para pesquisar
LO
com densidade determinado fenômeno, fazendo o caminho inverso
(em alguns casos) para a reconstrução da totalidade a partir das
particularidades investigadas. A ideia das partes que constituem o
todo e do todo que se forma pelas partes é uma das configurações
N
para a construção de conhecimento crítico e interventor. Isso quer
dizer que a fragmentação por si mesma, sem retorno ou diálogo com
o todo, torna-se enfraquecida e desprovida de sua função social.
W
Campos específicos da produção do conhecimento que dialoguem
com diferentes frentes do conhecimento podem trazer contribuições
às pesquisas e ao meio profissional. Entretanto, torna-se crucial
O
existentes.
Mas, como administrar esses dilemas? Como lidar com as
vaidades acadêmicas que teimam em brotar nas relações interpessoais
e institucionais? Quais seriam as formas de resistência?
FR
49
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
dança se comparado à graduação em dança procuram ampliar esse
tempo com cursos e saberes que vêm a somar a essa formação,
contribuindo para refiná-la. A graduação é um passo importante,
A
mas inicial. O professor/pesquisador se faz continuamente, em sua
prática cotidiana, escolhendo e aprimorando as temáticas que lhes
LO
são próprias, aprimorando sua prática de ‘laboratório’ e o exercício
intelectual.
Como forma de exemplificar os territórios de poder
constitutivos de um determinado campo, lembro o relato de
N
um professor universitário que teve seu nome contestado ao
participar de banca de concurso público para a disciplina dança
W
em universidade pública por ter a formação em Educação Física.
Tal problemática somente foi resolvida com o envio do curriculum
lattes do professor, em que constava sua trajetória de envolvimento
O
Considerações finais
50
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
refletir esse campo.
As considerações aqui realizadas, embora sinalizem para
A
temas emergentes na contemporaneidade, revelam sua amplitude
e incompletude. Mostram apenas parte de um cenário porque
também se inscrevem em uma base que alicerça verdades. A
LO
pesquisadora/autora que aqui se expressa tem o seu próprio
locus, o que possibilita exercer sua racionalidade e capacidade
criadora. Posiciona-se em um ângulo e dele visualiza formas e
conteúdos. Daí a incompletude textual. O diálogo com outros
N
atores sociais pode gerar percepções diferentes que, por vezes,
levam à reconfiguração do todo.
W
Tematizar a dimensão epistemológica da dança é considerar que
os conhecimentos produzidos têm sua densidade e sua temporalidade.
As verdades partem de bases teóricas que alicerçam a construção de
O
51
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
produções decorrentes de pesquisa no Brasil e pela pós-graduação.
Isso nos leva a reconhecer espaços profícuos de articulação acadêmica
A
na dança que, embora sejam vistos em seus limites, carecem de
configurações efetivas das intersubjetividades envolvidas. Não é a
área que advoga competências e habilidades para a pesquisa e atuação
LO
em dança, mas a formação qualificada de cada sujeito na busca de
conhecimento. Se determinada formação na área de dança amplia
as possibilidades dessa qualificação, ela não a garante, o que exige
sapiência para transcender reservas de mercado rumo à capacidade
N
de perceber nichos de construtores de conhecimento que possam ser
parceiros acadêmicos.
W
É mister que as instituições que congregam profissionais da
dança materializem ações de modo a contribuir para a ampliação
e qualificação da área, evitando a fragmentação do conhecimento
O
Referências
52
1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA DA DANÇA
D
BOURCIER, P. História da dança no ocidente. São Paulo: Martins Fontes,
1987.
A
BRASILEIRO, L. T.; MARCASSA, L. Linguagens do corpo: dimensões
expressivas e possibilidades educativas da ginástica e da dança. Pro-
LO
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<http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n3/v19n3a10.pdf>. Acesso em: 12 fev.
2011.
N
contemporânea. Belo Horizonte: FID, 2008.
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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GEHRES, A. F. Dança. In: GONSÁLEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E
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(Org.). Dicionário crítico de educação física. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. p.
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LO
KATZ, H. A dança e suas epistemologias. In: SETENTA, J. S (Org.).
Encontro Nacional de Pesquisadores em Dança, 1. Salvador: UFBA,
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Unijuí, 2003.
Cortez, 2001.
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PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes curriculares da
educação básica: Arte. Curitiba, 2008.
A
________. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da
Educação Básica: Educação Física. Curitiba, 2007.
LO
PORTINARI, M. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1989.
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SIQUEIRA, D. C. O. Corpo, comunicação e cultura: a dança
contemporânea em cena. São Paulo: Autores Associados, 2006.
W
TOMANIK, E. A. O olhar no espelho: conversas sobre a pesquisa em
ciências sociais. 2. ed. rev. Maringá: Eduem, 2004.
O
55
FR
EE
D
O
W
N
LO
A
D
2
D
Desafios epistemológicos e políticas de
A
ação na graduação e pós-graduação
LO
em dança1
Rita Ribeiro Voss
Entrando em cena
N
W
A dança revela-se híbrida por sua atividade mesma. É: corporal,
artística, cultural. Sua configuração como conhecimento acadêmico,
científico, deve desvelar a relação onde convergem o biológico, o
O
D
singularidade em relação aos demais saberes científicos e às artes.
O que não é pouco. É tarefa para uma geração, pelo menos, mesmo
considerando-se que as oportunidades para estudos e pesquisas são
A
promissoras com a abertura de cursos de graduação e pós-graduação
em dança, principalmente nas Universidades Federais, nos últimos
LO
anos.
Mas a importância da reflexão epistemológica não é apenas por
se tratar de uma questão de desvelamento de um fenômeno que se
quer estudar e compreender. Quando se propõe pensar numa ciência
N
está, também, posicionando-se com relação a seus fazeres e produtos.
A constituição e consolidação de um conhecimento novo implicam
em práxis diferenciadora dos demais saberes. É com o fazer, isto é,
W
com a organização do conhecimento da dança de maneira que teoria
e(m) prática produzam resultados, que estes podem ser publicizados,
trazidos à coletividade científica e à sociedade em geral. Isto é ocupar
O
58
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
áreas que estabeleceram políticas científicas cujo grau de sucesso das
ações mede-se pelo número de bolsas de professores e alunos, pelo
A
montante em dinheiro para financiamento de pesquisa, pela ocupação
de espaços acadêmicos e institucionais, sejam públicos ou privados.
LO
Isto significa ocupar lugares estratégicos em que os enunciados de
uma determinada área adquirem legitimidade pela ação política e se
materializam em realizações acadêmicas e científicas. É desta forma
que o conhecimento se relaciona com a política. E se o conhecimento
em dança se dá num lugar onde se insinua a sua hibridez é neste
N
terreno também que os resultados devem ser produzidos e marca a
sua singularidade em relação ao conhecimento, enquanto saber que
W
busca uma legitimidade.
No Brasil, os órgãos e agências de fomento de pesquisa
normatizam a produção acadêmica ao arrolar os itens necessários
O
59
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
que o das demais ciências. Requer uma linguagem multimidiática,
para produzir comunicação, ao mesmo tempo, de natureza reflexiva e
experiencial. Estes meios atendem à natureza polissêmica, imagética,
A
comunicativa da dança. Como linguagem não verbal, o sentido dessa
arte se dá pelo não-dito, está implícito no dançar, daí a força que a
LO
imagem oferece à reflexão.
Um equívoco que salta aos olhos quando examinamos
as produções em Artes é que obviamente não produzirão os
denominados resultados esperados como os órgãos e agências
N
anteriormente referidos recomendam para as Ciências Naturais.
Pois enquanto as primeiras têm pressupostos abertos, as últimas
seguem um modelo cujos princípios estão assegurados pela
W
verificação, portanto toda experiência arrola resultados previsíveis,
o que não é o caso das Artes. Tal tratamento, então, não se revela
isonômico, porque a isonomia requer tratamento das necessidades
O
60
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
dos enunciados em que os conceitos aparecem,
se definem, se aplicam e se transformam […]
finalmente um saber se define por possibilidades de
A
utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso.
(FOUCAULT, 2008, p. 204).
LO
No entanto, a padronização do que deve ser um projeto de
pesquisa está longe de considerar, no que se refere a uma política
científica, as especificidades das diversas áreas do conhecimento.
A consequência de tal padronização pode ser observada no site da
N
Capes QUALIS que qualifica revistas e livros de programas e cursos
universitários do país. Ao utilizar os mesmos critérios de divulgação
científica para todas as áreas, o órgão entende que os conhecimentos
W
produzidos são equivalentes. Compreende-se então porque a maioria
das revistas na área das Artes é classificada como B5, que significa
uma pontuação baixa de produção só melhor do que C, que não
O
pontua.
As investigações em dança não só discutem e refletem sobre a
D
61
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
natural e social, ao controle e ao isolamento, a exemplo do que
faziam os nazistas, com o objetivo de verificação científica para
explicar o humano. A produção das Ciências Humanas é de outra
A
ordem. Depende de uma maturidade reflexiva, de discussões dos
princípios formadores de seus saberes, de paciência do pesquisador
LO
para se dedicar a um assunto que pode se abrir à cognição de maneira
lenta. No caso da Antropologia, da observação etnográfica, por
exemplo, uma investigação pode levar anos e o mesmo tempo para
uma elaboração importante em termos de resultados.
N
A produção em Artes se revela ainda mais complexa. Depende
de uma produção na interface do gráfico e imagético, das linguagens
W
verbais, não-verbais e sincréticas, em que o tempo de produção
depende em grande parte de uma variedade de meios de divulgação
disponíveis. É interessante notar que os pesquisadores em dança
O
62
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
Sobre política e políticas
A
Política é uma palavra problema, com várias acepções, desde
a do senso comum a da mais refinada filosofia, a depender da
LO
perspectiva sob a qual se emprega. Refere-se à pólis, ou à cidade, em
seu sentido grego, revelando ao mesmo tempo ação pública e relação
de poder entre os homens. No sentido clássico, o público se opõe ao
privado; significa que o cidadão é aquele que em uma determinada
N
coletividade, num período histórico, entende-se ser apto para agir
em benefício da cidade, como os homens livres, nela nascido, no
caso grego.
W
O poder na pólis estava relacionado à política, mas não àquele
da força bruta, da submissão de alguém ou de um grupo ao mais forte.
O
63
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
jurídico. Está abstraído, regulado por um acordo. O poder difuso,
de que fala Foucault só pôde ser pensado como realidade concreta
porque o processo histórico o trouxe à baila.
A
Outra consideração de suma importância no âmbito desse texto
é a relação entre poder e saber. Desde a Grécia Antiga tal relação é
LO
explorada pela filosofia, que principia nos embates entre os sofistas
e os socráticos, assinalando uma paulatina passagem da mera
opinião para o discurso como argumentação sistemática, mediado
por uma lógica. A democracia sempre revelou uma relação com
N
o poder intangível, com o conhecimento, que na época moderna
se identifica com a ciência, cuja construção é narrativa. Certo
conhecimento, que depende da vontade individual e necessita do
W
convencimento da maioria, que se constitui em discursos legítimos
sobre o mundo.
O
64
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
fundações características destrutivas dos demais saberes, o que
reforça seu caráter hegemônico:
A
Vê-se que este ‘povo’ difere completamente daquele
que está implicado nos saberes narrativos tracionais,
LO
os quais, como se disse, não requerem nenhuma
deliberação instituinte, nenhuma progressão
cumulativa, nenhuma pretensão à universalidade:
são eles os operadores do saber científico. Não
deve causar espanto que os representantes da
nova legitimação pelo ‘povo’ sejam também os
N
destruidores ativos dos saberes tradicionais dos
povos, percebidos de agora em diante como minorias
ou como separatismos potenciais cujo destino não
W
pode ser senão obscurantista (LYOTARD, 1988, p.
55).
O
65
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
interferir nas relações de poder, na organização do agrupamento
político, no Estado.
A
É nesse sentido que a palavra adquire uma dimensão mais
‘prática’. Se tomada com ‘p’ minúsculo, no sentido mais costumeiro
e cotidiano, a política refere-se à organização das coisas, quer
LO
seja no domínio do Estado ou de uma associação. Nesse sentido,
a política está sempre identificada com a ação. Como traduzem as
filosofias orientais, o homem está destinado à ação, a intervir no
mundo onde habita. A política responde à seguinte questão: com
N
que instrumentos podemos organizar as coisas e os fazeres de um
grupo, de uma coletividade, de uma associação humana? Assim,
toda política tem o objetivo de ordenar as ações, administrar e alocar
W
recursos, por meio de uma organização com o objetivo de produzir
resultados. Portanto, podemos falar de políticas de ação de um ponto
de vista bem pragmático, de avaliação dos meios adequados de ação
O
66
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
ela estão associados? Como relacionar saber e poder, de modo a
esclarecer as políticas científicas em relação à formação em dança?
A
Em suma, política, poder, conhecimento são aspectos que
precisam ser considerados quando se fala de políticas de ação em
dança. É preciso identificar princípios, pressupostos, que na verdade
LO
delineiam epistemologias no que se refere especificamente à dança,
como área do conhecimento. No entanto, é preciso assinalar
que a discussão em torno das questões anteriormente discutidas
não significa adotar axiomas, pressupostos fechados, verdades
N
engessadas. Implica em discutir e da discussão emergir epistemologias,
instrumentos teóricos, necessidades de pesquisa, objetivos e meios
W
adequados ao que ser quer alcançar com as pesquisas em dança no
Brasil, possibilitando a adoção de estratégias adequadas para a ação,
e no que se refere ao tema aqui considerado, influir na organização
O
67
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Ao abrir mão da força bruta para convencer pelo discurso, pelo
verbo, a pólis grega inventa a filosofia, estudo e desenvolvimento
A
das regras lógicas para o debate, o convencimento e a dissuasão:
necessidades da política. Também é política a fundação da ciência
moderna com seus modelos racionais, suas hipóteses explicativas
LO
do mundo, empiricamente verificáveis pela experimentação, que
constituiu seu campo de discurso e ação na sociedade por meio
confronto de duas verdades em disputa por hegemonia: a religiosa
e a científica. Seu discurso foi legitimado por uma nova forma de
N
provar uma verdade por meio da verificação e experimentação.
Embora não se trate, aqui, de reduzir tudo ao político, é no mundo
que as ideias mostram a sua inscrição corpórea, como revela o título
W
francês do livro Francisco Varela, L’inscription corporelle de l’esprit,
em que investiga a relação mente e experiência.
O
68
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
na forma de pensar, de conhecer que ensejaram a constituição
da ciência como discurso-verdade sobre o mundo. A intenção
aqui é lembrar, de forma sucinta, como a cultura científica das
A
ciências naturais entra na universidade e estende seu modelo,
metodologias, seus procedimentos formais às ciências humanas e
LO
também às pesquisas científicas em Artes. Com isso, se pretende
esclarecer que modelos e procedimentos científicos se referem ao
poder e aos territórios que influem no conhecimento em geral
e colocam sob suspeita outros saberes, não normatizados pela
ciência convencional.
N
Com relação a isso, verifica-se historicamente a mudança dos
fazeres científicos, da comunidade científica nos últimos quatro
W
séculos. Para Stengers (2002, p.18):
O
69
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
de todo recurso à autoridade política ou ao
público, aparece acompanho de uma coorte de
aliados, todos aqueles cujo interesse foi capaz
A
de criar uma diferença nas controvérsias que o
opõem aos seus rivais (STENGERS, 2002, p. 18-
19).
LO
Discursos e fazeres revelam um domínio linguístico e, ao mesmo
tempo, práxis segundo políticas de ação, em que está em jogo uma
verdade hegemônica sobre o mundo. Se uma reflexão, que retome a
N
fundação de tais discursos que se traduzem no mundo como fazeres
científicos, destrói os tijolos de uma história heroica que a ciência
e seus historiadores insistem em contar, por outro lado, ilumina a
W
compreensão de que se trata de uma política científica segundo uma
disputa hegemônica no interior das Ciências Naturais e sobre as
demais áreas de saber.
O
Discursos retomados
FR
70
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
devem ser assinaladas para entender a posterior ruptura ou corte
epistemológico que ensejará a constituição da ciência moderna. As
A
universidades eram corporativas e seu papel era o de transmissão de
conhecimento e não de descoberta, “os professores se limitavam a
expor as posições das autoridades (Aristóteles, Hipócrates, Tomaz
LO
de Aquino e outros)” (BURKE, 2003, p. 38). Com isso, pode-se
ver que o objetivo das universidades era o de conservação de um
conhecimento para manter a estrutura medieval, reproduzir a
sociedade e sua hierarquia social. Nela, nobres e clero acessam um
N
conhecimento proibido para aqueles que estão na base da pirâmide
social.
W
As disciplinas ministradas eram fixas e se restringiam às sete artes
liberais (autônomas em relação às atividades práticas) (LAUAND,
2000). Essas características revelam o caráter essencialmente teórico
O
71
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
forma também uma disputa política; uma luta por hegemonia, entre o
modelo medieval, influenciado pela verdade do dogma, e o científico,
cuja verdade deveria estar em consonância com a verificação de
D
natureza empírica, validação pela experimentação fundada pela
prática científica de Galileu. São emblemáticos para se falar dessa
fase, cujo apogeu foi o Renascimento, a filosofia natural de Francis
A
Bacon (1562 - 1626) e o nascimento das sociedades científicas, cujo
cerne encontra-se no denominado humanismo, em contraposição
LO
ao caráter teocrático da concepção de mundo medieval. Segundo
Burke, a nova forma de pensar
N
quanto da medieval, inclusive de uma visão do
mundo baseada de Aristóteles e Ptolomeu. As
novas ideias estavam associadas a um movimento
W
em geral conhecido (a despeito de dúvidas sobre a
propriedade do rótulo) como Revolução Científica
(BURKE, 2003, p. 42).
O
72
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
Novas disciplinas ganham autonomia apenas para
fragmentar-se, como as novas nações do século XX.
A
Em sua história da Academia Francesa de Ciências
(1709), seu secretário, Bernnard de Fontenelle,
comparou o estado da física em 1650 ao de um
LO
‘grande reino desmembrado’ (un grand royaume
dénembré), no qual províncias como a astronomia,
a óptica e a química tinham sido ‘virtualmente
independentes’ (BURKE, 2003, p. 94).
N
Mas essa reestruturação aconteceu de diversas formas em
diferentes universidades. Em algumas universidades a mudança
foi gradual. Nas universidades de Bolonha e de Roma, por
W
exemplo, o quadrivium foi se sobrepondo ao trivium. Mas em
muitas universidades foi adotado um sistema alternativo, que,
ainda segundo Burke, “invadiu e infiltrou o currículo”, o sistema
O
73
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
É preciso, no entanto, marcar uma diferença entre o sistema
A
studia humanitatis das ciências humanas que, na esteira das ciências
naturais empreenderá a construção de uma ciência sobre o homem
em suas positividades. Segundo Foucault, nada há nos séculos XVI
LO
e XVIII que legasse ao século XIX uma preocupação com o ‘homem’
entendido como positividade, para a constituição de um saber
científico: “nenhuma filosofia, nenhuma opção política ou moral,
nenhuma ciência empírica, qualquer que fosse, nenhuma observação
N
do corpo humano, nenhuma análise da sensação ou das paixões”
(FOUCAULT, 1999, p. 475). Para o filósofo, a articulação de várias
ciências nos domínios da biologia, da linguística e da economia que
W
delimitaram as positividades do homem que vive, fala e produz é um
acontecimento da ordem do saber:
O
74
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
ao delimitar a sociologia ao estudo dos fatos sociais. Estes podem ser
identificados nas estatísticas, na história, enfim onde quer que se
possa olhar a vida social em sua positividade. O saber sobre o homem
A
é construído historicamente do ponto de vista de sua objetividade, de
positividades, que funda um discurso sobre a verdade: a científica.
LO
Para Boaventura de Souza Santos, a ciência moderna é um
modelo global que institui uma forma hegemônica de explicação do
mundo. Para ele,
N
a nova racionalidade científica é um modelo
totalitário, na medida em que nega o caráter
racional a todas as formas de conhecimento que não
W
se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e
pelas suas regras metodológicas (SANTOS, 1995,
p. 11).
O
75
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
interior das ciências físicas (informação, computação e inteligência
artificial), das ciências biológicas (o sistema nervoso central, a
A
filogênese e a ontogênese do cérebro), das ciências humanas (a
linguística, a psicologia cognitiva, as diferentes psicanálises, a
LO
psicossociologia, a antropologia cultural, as sociologias da cultura,
do conhecimento, da ciência, as histórias das culturas, das crenças,
das ideais, das ciências) na filosofia (a teoria do conhecimento) e
entre ciência e filosofia (a lógica e a epistemologia) (MORIN, 1999,
p. 21). Morin denominou tal organização do conhecimento de novo
N
obscurantismo, uma patologia do saber que “cresce no coração
do saber, permanecendo invisível para a maioria dos produtores
W
desse saber, que sempre creem produzir unicamente para as Luzes”
(MORIN, 1999, p. 22).
O que dizer, então das Artes? Talvez sejam arredias às fronteiras,
O
76
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
pilares políticos de sua fundação e consolidação. Dizer que há uma
forma correta e verdadeira de fazer ciência é legitimar um modelo
que limita o humano e suas possibilidades de criatividade humana,
A
as flutuações que ensejam a mudança e a história, segundo a visão de
Ilya Prigogine (2001).
LO
É na investigação genealógica da fundação das Ciências
Modernas que as suas faces políticas, de confronto e luta por
consolidar suas verdades são desveladas. Só uma prática ritualística
de voltar ao ponto primordial da fundação da ciência impede de
N
perpetuar a sua crença na verdade única de suas descobertas
e nos livra dos mesmos enganos. Para Helena Katz e Christine
W
Greiner:
77
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
não se impõe por verdades absolutas. O engano estaria em querer
identificar uma única perspectiva definidora de um fenômeno humano
A
tão arredio à delimitação e respostas conclusivas, o que implica em
pensar ontologicamente uma epistemologia ou epistemologias da
dança. De uma perspectiva fenomenológica, como observa Umberto
LO
Eco:
N
de abertura perceptiva, transforma-se no problema
de relação do fenômeno com a plurivalência das
percepções que dele podemos ter. […] Tais são os
W
problemas que a fenomenologia (da percepção de
Merleau-Ponty) coloca na própria base de nossa
situação de homens no mundo; propondo ao artista,
assim como ao filósofo e ao psicólogo, afirmações
O
78
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
De uma perspectiva antropológica, a dança é tão antiga como
a própria humanidade, está nos ritos, nas práticas de sociabilidade,
A
nos costumes de um povo, nas religiosidades e nas artes. Está num
lugar, onde a simultaneidade de natureza e cultura no homem
acontece, isto é, onde o corpo, indisciplinar por natureza, adquire
LO
uma condição simbólica, encontra a cultura, que a tudo quer regrar,
disciplinar. Como Nietzsche (2007) nos fala de forma contundente,
em suas reflexões sobre a origem da tragédia, pode-se dizer com este
exemplo que a dança expressa o excesso de Dionísio e, ao mesmo
N
tempo, o regramento de Apolo. Como tudo que é humano não escapa
de sua condição e manifestação no mundo, até mais do que em as
outras artes, esta simultaneidade constitui o fenômeno da dança. E
W
por assim revelar-se está longe de constituir fronteiras rigidamente
demarcadas – e como se viu anteriormente tal delimitação é sempre
O
79
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
de organização do pensamento dão os contornos das práticas
pedagógicas, já que o objetivo de ensinar a dança na escola não é a
A
de preparar um profissional. Por extensão, os cursos de graduação
têm a tarefa de capacitar formadores nos cursos de licenciatura e
LO
também de formar seres humanos mais plenos e felizes a partir da
experiência do corpo:
N
de percebê-los), é o de permitir a vivência de
possibilidades infinitas do universo do movimento,
estimulando a experiência do sistema corporal em
W
um amplo sentido: experiência, criação/produção e
análise/fruição artística (RENGEL, [2010?]).
O
80
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
social. A dança então adquire uma dimensão que pode ser a de
engajamento com a vida, a sociedade e a natureza, uma dimensão
antropoética, na expressão de Edgar Morin (2002). Um exemplo
A
desta face socioambiental são os projetos de ação social na extensão
universitária, como o realizado pela Unesp em uma escola da
LO
periferia de São Paulo ‘Movimento e Cultura na Escola’ (GODOY;
ANTUNES, 2010) em que a dança assume os temas transversais
para crianças e jovens experimentarem e apreciarem a dança, por
meio de um ‘corpoarte’ (ANTUNES, 2010) inserido no mundo e
N
na sociedade. Sobressaem-se aqui questões axiológicas fundamentais
para a educação contemporânea.
W
O caminho que vai da universidade às escolas, isto é, da teoria
à sala de aula requer um tipo de pesquisa que se concentre no
corpo, o que requer técnicas. Mas, mais que uma questão técnica,
O
81
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
seu universo estético; suas transformações, rupturas, tecituras com a
realidade. Criação, expressão e apreciação artísticas estão imbricadas
A
na arte e seu sentido não é o da ordem do desvelamento, mas ao
contrário do mistério, das indagações e dos questionamentos. Por
isso, sua singularidade não se dá no fechamento sobre si mesma, mas
LO
numa prática poética, cujas reflexões suscitam a criação artística.
Ensinar e aprender uma arte como a dança é uma atividade
recursiva e reflexiva que recorre a uma aberta fundamental para
organizar dinamicamente os conteúdos dos cursos de graduação e as
N
possibilidades de pesquisa nos programas de pós-graduação.
W
Espaços para a dança: políticas e epistemologias
emergentes
O
82
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
científica com vistas a intervir na organização curricular dos cursos
de graduação e nas possibilidades de pesquisa na pós-graduação,
na captação de fomentos de pesquisas e à ocupação dos espaços
A
acadêmicos e científicos, consolidando as relações com as outras
áreas do conhecimento e influindo na tomada de decisões com
LO
relação à dança e nos instrumentos de avaliação de seus resultados.
A ocupação destes espaços requer a formação de fóruns
permanentes que garantam uma discussão epistemológica cuja
tarefa é fazer emergir as epistemologias que norteiam os projetos de
N
pesquisa. Importante ainda é a criação de espaços onde a publicidade
e comunicação das pesquisas possibilitem a divulgação de trabalhos
que fazem uso das mais diversas mídias além da divulgação tradicional
W
(artigos, livros) etc com a criação de espaços virtuais, como portal na
Internet. Os portais permitem uma comunicação em que os diversos
meios possibilitam a apreciação do fenômeno da dança. Como eu
O
83
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
não seja fácil, é uma garantia daquilo que caracteriza as sociedades
complexas: as diferenças quer sejam culturais, territoriais ou
A
individuais.
Por fim, os saberes da dança fornecem uma abertura para pensar
LO
uma ciência mais alegre, que arrefece os delírios hegemônicos e seu
desdém pelas outras formas de saber:
N
Dorsos de ondas, malícias de ondas –
Salve quem novas danças cria!
Livre – seja chamada a nossa arte
W
E gaia – a nossa ciência!
(NIETZSCHE, 2001, p. 313).
O
Referências
D
84
2 DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS E POLÍTICAS DE AÇÃO...
D
2008.
A
e cultura na escola: dança. São Paulo. Instituto de Artes da UNESP,
2010.
LO
JAPIASSU. H. Como nasceu a filosofia moderna e as razões da filosofia.
Rio de Janeiro: Imago, 2006.
85
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
SANTOS, B. de S. Conhecimento prudente para uma vida decente: um
discurso sobre as ciências revisitado. Porto: Afrontamento, 1995.
A
STENGERS, I. A invenção das ciências modernas. São Paulo: Editora
34, 2002.
LO
TOCQUEVILLE, A. de. Democracy in America. [S.l.]: Project Gutemberg
E-book, 2006. Disponível em: <http://www.gutenberg.org/ebooks/815>.
Acesso em: 10 out. 2011.
VOSS, R. R. Que dança é essa? reflexões sobre corpo, arte e cognição In:
N
GARCIA, W. (Org.). Corpo e interatividade. São Paulo: Factash, 2008.
v.1, p. 129-146.
W
VOSS, R. R.; ANTUNES, R. de C. F. S. Espiral dos setes saberes e
experimentações do Corpoarte. In: CONFERÊNCIA SETE SABERES
PARA A EDUCAÇÃO DO PRESENTE, 1., 2010, Fortaleza. Anais...
O
86
3
D
Corpoarte: releitura do corpo na
A
educação a partir da plataforma
LO
educação física, arte, dança
Rita de Cássia Franco de Souza Antunes
Introdução
N
W
Este trabalho resulta da inquietação em relação à persistente
fragmentação na abordagem do corpo e dos conteúdos de
ensino, na escola; destacam-se aqui os da educação física, artes
O
e dança.
Vivendo esta época de mudanças constantes, profundas e
D
D
Dentre os temas a serem investigados no sentido da superação
de tamanho desafio, com este texto procuro contribuir para a
A
pesquisa em dança, conforme proposto no capítulo anterior,
dentro do eixo aglutinador da dança-educação-formação-campos
LO
profissionais; persistindo nos propósitos da rede de cooperação da
qual esta publicação é fruto, com ênfase no de superar dificuldades
com as estruturas organizacionais e institucionais com relação ao
ensino e à pesquisa, na interface dança e educação, acrescidos de
conhecimentos sobre corpo, ética, estética, formação profissional,
N
processos criativos, históricos, políticos, culturais e sociais. O
compromisso é estabelecido com a educação humanística para uma
W
vida criativa, proposta por Tsunessaburo Makiguti (1994) e Ikeda
(2001).
O fato recente que se destaca é a inclusão da dança no currículo
O
88
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
Abrindo caminhos
D
olhar, quanto o pensar e agir acadêmicos, sob os quais professores
são formados inicial e continuadamente; assim como fazê-los refletir
A
sobre a adoção do corpo como mote à abertura e/ou ampliação de
possibilidades interativas entre os saberes do ser e do mundo, assim
LO
como entre os que ensinam e aprendem.
Em 2007, com o vínculo estabelecido com o Grupo de Pesquisa
Dança, Estética e Educação, do Programa de Pós-Graduação
do Instituto de Artes da Unesp – GPDEE/IA/Unesp, busquei
N
aproximações entre educação física e artes, tendo a dança como
ponte e sem perder de vista os demais componentes curriculares,
tratando-os como saberes abraçados, assim como as vidas que se
W
encontram em determinada época, numa determinada sala de aula,
onde se desvelam fenômenos em meio a processos intencionais
do prodígio humano, como o conhecimento do mundo e a sua
O
89
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
pelo fato de se afinarem com os valores maiores de
preservação do planeta, da integridade bio-psíquica
do sapiens-demens e do respeito à diversidade
A
das formas de vida? Como realimentar um sujeito
social capaz de se perceber como um conjunto de
partículas desejantes? Como nos nutrir da auto-
LO
crítica, de forma a avaliar se o que dizemos em casa,
na escola, na rua e a nós mesmos, vale a pena ser dito
porque fecunda, gera esperança e produz vontade?
Como injetar no nosso sistema sangüíneo, de forma
individual e coletiva – mas nunca compulsoriamente
nem por decreto – enzimas e substâncias capazes
N
de constituir antídotos à ‘crueldade do mundo’
conforme a expressão de Edgar Morin? Se estamos
insatisfeitos com a gestão da sociedade, com a
W
instituição universitária, com a família e o mundo
do trabalho, como impedir que o discurso da
‘vitimização’ (Brucker) nos imobilize? Como fazer
valer as condições propriamente humanas de sonhar
O
90
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
modo eficaz, teria convocado as famílias e a sociedade para apurar o
quanto a quem de fato compete tamanha responsabilidade.
A
Resultados de pesquisas aplicadas evidenciam o ambiente
escolar como pouco acolhedor das necessidades de movimento
e expressão de seus protagonistas. Os principais indicadores
LO
apontados, a partir de estudos de distintas áreas, encontram-se o
tipo de construção e organização do espaço físico escolar; o currículo
e a grade horária (não obstante o pleno sentido da palavra ‘grade’),
passando pela seleção e modo de apresentação de conteúdos e; o
N
modo em que se estabelecem as próprias relações profissionais e
humanas na escola. O destaque cabe à recorrência da observação
dos componentes curriculares diretamente relacionados a essas
W
necessidades aparecerem coadjuvantes, distorcidos e degenerados.
São mantidos por força de lei e pressões de categorias profissionais,
como as de educação física e artes.
O
preocupação:
91
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
em um país que enfrenta vários problemas sociais,
econômicos e políticos. Aquela inclusão também
aumenta a necessidade de que elaboradores de
A
políticas educacionais entendam o conhecimento,
perspectivas, bem como filosofias, significados e
experiências pedagógicas de professores em todos os
LO
níveis de ensino.
N
formais. E ainda, demanda reformulações na postura do professor
neste aspecto, por ser o sujeito que detém a responsabilidade de
W
decidir e determinar a inserção dos conteúdos e o rumo do processo
ensino-aprendizagem.
Esses aspectos podem ser compreendidos quando se consideram
O
92
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
A ruptura com o aprisionamento corporal e a mera busca de
resultados quantitativos na escola demanda posicionamentos que
A
abraçam o diverso, o singular e as incertezas no trato, criação e
construção de distintos saberes e suas aproximações. Conforme
conclui Ribeiro (2006, p.18), impõe superar “o desafio para a
LO
complexidade: distinguir sem separar”.
No bojo das rupturas paradigmáticas recentes, que também
alcançaram a educação, a que se refere à visão de corpo na escola
no Brasil sofreu grande impulso com reflexões e reformulações
N
teóricas, até mesmo de denominações, disseminadas com a
produção científica em Educação Física, a partir das décadas
W
de 1970 e 1980, principalmente as inspiradas na Motricidade
Humana, trazidas pelo filósofo português Manuel Sérgio (1989),
como pesquisador visitante da Faculdade de Educação Física da
O
93
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
aberto a diferentes enfoques e agregando em seu ‘corpus’ uma
diversificada linha de atuação, estudo e pesquisa. O mesmo pode-
A
se afirmar em relação à educação física, quando se examinam
trabalhos críticos a essa fase, como os realizados por Bracht (2003)
LO
e Caparroz (2005).
Traçando um paralelo entre o entendimento extraído das
publicações desses quatro autores, é notória a semelhança quanto
aos entraves, embates e discussões travadas. O reconhecimento do
N
ensino tanto da educação física quanto de artes passa pelo mesmo viés
político, até ser admitida sua obrigatoriedade no currículo escolar.
Na gênese das justificativas para tal, existe em comum a visão liberal
W
de Rui Barbosa sobre a inclusão desses conteúdos com o objetivo
primordial de preparar o povo para o trabalho, influenciado ainda
pela concepção positivista de contribuição para a ciência. Nesse
O
94
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
física, sucederam-se períodos de predominância da visão higienista,
técnico-desportivista, humanista e progressista, em ambos os casos,
atuando a influência de correntes histórico-filosóficas e formações
A
ideológicas.
Mas, também no ensino, não faltam exemplos de pontos de
LO
aproximação vivenciados entre educação física e artes.
Almeida e Pucci (2002) evocam o esforço em conjunto de todas
as áreas do conhecimento e convidam particularmente os professores
de educação física a fazerem parte do projeto Outras terras, outros
N
sons, reconhecendo o valor da integração de conteúdos no ensino
de arte, pois entendem que em todos os níveis de aprendizado da
W
música, “não devemos nos afastar do objetivo essencial que é o
desenvolvimento do próprio homem como um todo” (p.16). No
prefácio desse trabalho, Kater (2002) ressalta o importante papel
O
95
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
pesquisa. Criou um curso de especialização de mesma denominação,
que contou com autores representantes desses saberes, dentre eles
A
Arantes (1990) e Marques (1999), as quais focaram a educação, a
escola e a formação do professor no que se refere ao corpo, o prazer,
LO
à educação física e a dança.
Na Proposta Curricular para a Educação Infantil do Município
de Bauru-SP (Bauru, 1996), uma equipe composta de profissionais
de Educação Física e Artes elaborou o capítulo “Conhecimento
N
Artístico”. Nessa publicação, corpo e movimento aparecem como
eixos de uma integração fluida, principalmente porque não estiveram
em pauta nem técnicas nem desportos. Corpo e movimento aparecem
W
imersos no universo da formação de pessoas realizadas – escolares a
tornarem-se versados na vivência de conceitos básicos que levam à
compreensão do que faz a presença do homem no mundo ser notada
O
96
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
A inter e a transdisciplinaridade e a transversalidade no
ensino, propostas nos PCN (BRASIL, 1997, 1997a, 1997b),
A
buscam essa mesma aproximação, incluindo todos os componentes
curriculares. Mas até o momento é um desafio colocá-las em
prática; talvez em decorrência do antagonismo entre a formação
LO
profissional obtida sob influência de um sistema cartesiano, em
que são cobradas mais respostas que perguntas, mais memorização
em meio a tantos outros elementos e recursos cognitivos para o
transbordamento de capacidades. E, também, porque os temas
N
sugeridos se referem ao contexto e não a subjetividades inerentes
aos sujeitos do processo ensino-aprendizagem; além da patente
carência de uma competência-chave implícita nos PCN: a
W
criatividade.
Na época da publicação dos PCN, Cury (1996) procura
O
autor):
97
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
[...] quem exerce a docência é quem ‘sente’ o peso
A
dessa tarefa, e nesse ‘sentir’ o professor ‘sabe’ um
caminho que nem sempre chega a quem entende
que ‘entende’ do assunto, mas nem sempre ‘sente’. É
LO
possível uma proposta curricular, em qualquer nível
administrativo, em que a legitimidade da proposta
não passe pela subjetividade dos profissionais da
educação? (CURY, 1996, p. 5, grifo do autor).
N
O Parecer CEB 04/98, de 29/01/1998, das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998) ressalta a
impossibilidade de o indivíduo renunciar a esse serviço a ser prestado
W
pelo poder público, sob pena para ambos, uma vez que ao último cabe
impô-la como obrigatória a todos e a cada um. Segundo termos em
que a relatora se coloca, “a magnitude da importância da Educação é
O
98
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
que compete a cada unidade escolar do país concretizar a parte
diversificada do currículo (BRASIL, 1996).
A
Forquin (1993, p. 25) transcreve trecho em que P. W. Musgrave
(1972) afirma que o currículo constitui “um dos meios essenciais
LO
pelos quais se acham estabelecidos os traços dominantes do sistema
cultural de uma sociedade”. Considera que a quantidade de
conhecimento disponível, sua legitimação, avaliação, transmissão
e conservação exigem uma gestão. “Entre os principais processos
N
e procedimentos graças aos quais o currículo contribui para esta
gestão social dos saberes, vários autores atribuem uma importância
capital aos fenômenos de seleção”. Imediatamente se pergunta sobre
W
o quê e como proceder à seleção de conteúdos curriculares – seleção
necessária até porque o tempo de escolaridade é determinado.
Destaca, então, que “Denis Lawton (1975 apud FORQUIN, 1993,
O
99
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
curricular estão se referindo a uma forma de organizar princípios
éticos, políticos e estéticos que fundamentam a articulação entre
áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã.
A
Desse modo, a intencionalidade entra em cena acompanhada
do respeito às individualidades dos participantes e dos processos
LO
educativos criativos, justamente por ser via de energia vital, som e
luz circulantes, que evidenciam a presença desses seres no mundo
– entidades de vida. Faz também se elevar o nível do compromisso
individual nas relações pessoais estabelecidas a partir do
N
conhecimento de si, do conhecimento/reconhecimento do mundo
e do “outro”, colocando o corpo não só do aluno, mas, em primeiro
lugar o do professor desde a sua formação profissional inicial, visando
W
à ampliação de sua capacidade comunicativa e de apropriação/
recriação do mundo (ANTUNES, 1997; GODOY, 2003).
O
D
100
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
iniciativa vem do exemplo trazido pela pesquisa realizada por Sgarbi
(2009), atenta à dança na prática pedagógica da Educação Infantil no
A
Ensino Público do Estado de São Paulo, que captura o momento em
que as professoras, cuja formação continuada fazia parte da pesquisa
e incluía um programa de atividades corporais, aproveitaram a visita
LO
à escola feita por um dirigente do sistema oficial de ensino, para
reivindicar a cessão de uma sala para que pudessem realizar essas
atividades nos horários instituídos, dentro do espaço escolar. Ao
mesmo tempo constatou que essas mesmas professoras começaram a
N
mudar a postura frente à dança nas suas próprias vidas, entendendo
a importância desse conteúdo na vida de todas as pessoas, dando
W
inclusive sinais de transferência deste saber para suas aulas.
Nesse mesmo âmbito, outro estímulo veio dos resultados
alcançados por Oliveira (2010) com a presença do Kung Fu no
O
101
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
continuidade, resultou na experiência do Projeto Movimento e
Cultura na Escola, em que se trabalhou com o corpo das crianças
e dos professores a partir de temas idênticos com abordagens
A
distintas adequadas às respectivas características e expectativas dos
grupos. Em que se considere ainda a influência de Godoy (2003),
LO
líder desse grupo, desde seu trabalho com alunas em formação para
o magistério, o antigo Cefam, levanta depoimentos da direção da
escola, coordenação e das próprias alunas, reconhecendo o valor do
ensino de Artes no contexto escolar.
N
A compreensão, portanto, é de que a valoração do ser em
movimento no cotidiano escolar trata de romper com um ciclo vicioso
W
presente na cultura escolar, que pode começar pela apropriação
dos objetos de trabalho e estudo comuns à educação física e artes,
favorecendo essa ruptura, estabelecendo a materialização de
O
102
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
Paulo, baseada nessas proposições, e Ribeiro (2006) realizou estudo
das proposições de Makiguti, do ponto de vista epistemológico,
A
amparado pela incursão no Grupo de Pesquisa e Estudos da
Complexidade – Grecom, da Universidade Federal do Rio Grande
LO
do Norte (UFRN), que se alinha com o pensador Edgar Morin.
Ambas autoras focaram aspectos afeitos à reforma do sujeito com
base no sistema do bem, benefício e beleza em que se fundamenta
a Educação Soka. O ‘bem’ entendido como valor social ligado à
existência grupal coletiva; o benefício, como valores pessoais ligados
N
à existência individual voltada para si mesmo e; beleza, conceito
que inclui valores sensoriais ligados a partes isoladas da existência
W
individual (MAKIGUTI, 1994, p. 94).
Kazanjian Júnior (2001, p. v) inicia a apresentação que faz
à obra de mesmo nome, afirmando que a Educação Soka é um
O
103
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Ter a Educação Soka, na base de um sistema de ensino significa
dispô-lo a ser protagonizado por professores e alunos, que, assim
A
como na reprodução do Lótus, são simultaneamente flor e semente
da cultura, principalmente em relação aos círculos mais próximos:
família, comunidade escolar e vizinhança. O planejamento escolar
LO
prevê o empreendimento de ações que possam gerar múltiplos
interesses permeados de apreço pela vida; o que o justifica propósitos
altruísticos visando a experiências de vida compartilhada, solidária e
feliz enquanto cada pessoa, por ser única, realiza o que ninguém mais
N
poderá fazer em seu lugar. Tudo isso se volta ao objetivo da Educação
Soka, que é a felicidade do aluno enquanto estuda, felicidade a ser
entendida como a capacidade de evitar problemas e de enfrentá-
W
los quando inevitáveis, mantendo o estado de vida na rota do que
é favorável ao bem-estar pessoal e coletivo, incluindo o ambiente
natural de modo inseparável, interdependente; um viver a vida
O
104
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
onde a educação formal ocorre. Desse modo, para que o corpo, ‘o ser
em movimento’, seja colocado em evidência como um desses eixos
para o ensino, depende da visão e escolhas que o professor faz como
A
autoridade da prática pedagógica.
De acordo com Parlebás (1987), o objeto de estudo em aulas
LO
de educação física deve deslocar-se do ‘movimento’ para o ‘ser que
se move’. Indo além, dentro dos propósitos deste estudo, ter o ‘ser
que se move’ integrando os componentes curriculares a partir da
educação física e artes, significa abrir a sala de aula à comunicação e
N
expressão – artes, literatura, o ser sensível – adentrando um campo de
significação abrangente, onde interagem com a sensibilidade fontes
e repositórios de saberes, como acionadores e operadores cognitivos
W
vivos no ‘corpoarte’.
Almeida (2005) aponta o fato de que os lugares oficiais de
O
105
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
da repetição e da ordem, experimentaram outras
verdades (ALMEIDA, 2005, p. 1).
A
Essa autora parte de dois argumentos, que são: a) o ato de
sonhar acordado, que se acha “na base da construção do sujeito, na
LO
sua projeção identitária para além dos condicionamentos biossociais”
(ALMEIDA, 2005, p. 1), pois funda sua aptidão para gerar utopias e
desejos e dialogar com a realidade e; b) a emoção, que não se reduz a
um aspecto afetivo, nem a um estado subjetivo do agenciamento de
estados psíquicos (supersensibilização diante de uma obra de arte, de
N
um filme, de um encontro afetivamente forte e inusitado), mas
W
[...] pode desdobrar-se no afetual mas não se reduz a
ele. É mais precisamente o atributo que impulsiona
as ações humanas e estrutura o sujeito como
argumentam Humberto Maturana e Boris Cyrulnik.
O
106
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
transversal do ensino.
Se o desejo é enfatizar o currículo em ação e o entendimento é
A
que ele começa pelo currículo formal que se forma por seleção, o que
fica em evidência são os critérios e, por conseguinte os valores que
os configuram.
LO
O que determina o nível de relevância reconhecido
entre sujeito e objeto são os critérios do sujeito que
avalia, e não a natureza do objeto avaliado. Uma
N
pessoa pode avaliar o mesmo objeto de inúmeras
maneiras, fazer diversas correlações e julgá-lo
(MAKIGUTI, 1994, p. 94).
W
Desse modo, se o que se almeja é a revitalização do ensino, uma
revitalização voltada à criação de valores humanos para a convivência
feliz e pacífica, o planejamento – lembrando o curriculum planning
O
107
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
quantidade de importância atual reconhecida de um objeto material
ou simbólico, físico ou mental, na balança dos meios e fins.
A
Makiguti (1994) traz à tona, ainda, o contraponto ‘verdade e
valor’, mostrando que diferente da verdade, que é absoluta, implica
reconhecimento, exige provas, o valor é mutável, implica julgamento,
LO
e exige avaliação; a verdade é solitária; já os valores podem coexistir
até certo ponto. “A verdade não varia de acordo com a pessoa
ou o tempo, mas o valor não pode ser desvinculado das pessoas”
(MAKIGUTI, 1994, p. 74). Portanto, o que permeia escolhas, um
N
processo de seleção de conteúdos, sequências e estratégias de ensino,
por exemplo, não é a busca nem a definição de verdades, mas de
W
valores. Até porque, lembrando Makiguti (1994, p. 90), “o valor não
é inerente ao sujeito nem ao objeto; ele se manifesta na força da
atração ou repulsão entre os dois” [...]. “É reconhecido pelo sujeito
O
108
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
D
conceito a ser questionado, assim como o de transdisciplinaridade,
porque mantendo o radical disciplinar, guarda-se a herança cartesiana
A
no trato do conhecimento na escola. Aqui se propõe a visualização do
‘corpoarte’ em teia e em movimentos espirais, que podem se iniciar
em diversos pontos, como por exemplo, o da consideração da vida,
LO
do ser em que ela emana como corpo que a faz presença humana;
uma presença capaz de sentir e imaginar com recursos inerentes;
origem do arcabouço de saberes já construído e a ser (re)organizado
de modo a, conforme sugere Mariotti (2005), reaprendemos a ver,
N
esperar, conversar, amar e abraçar.
O ‘corpoarte’ converge para a temática desta obra no que tange
W
ao ensino da dança na escola, não como técnica, mas como arte em
movimento. Pois é na presença e expressão corporais que vislumbro
não só o ponto que aglutina conteúdos de ensino, mas que os
O
109
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Entidade, a essência da vida que integra natureza
e aparência; [...]. 4) Poder, a energia potencial da
vida; 5) Influência, ação e movimento produzido
A
quando o poder inerente da vida é ativado. 6) Causa
interna, a causa latente na vida produz um efeito da
mesma qualidade, bem, mal e neutro. 7) Relação: a
LO
relação de causas indiretas com a causa interna. As
causas internas são também externas que auxiliam
as internas na produção de seus efeitos. 8) Efeito
latente: o efeito é produzido na vida quando uma
causa interna é ativada através de suas relações
com várias condições. 9) Efeito manifesto: o efeito
N
tangível e perceptível que emerge em tempo como
expressão de um efeito latente e, por essa razão, de
uma causa interna, outra vez, em relação a várias
W
condições. [...] O décimo fator, ‘consistência do
início ao fim’, diz respeito a um sujeito integral,
resultado da individuação e de sua singularidade no
mundo.
O
110
3 CORPOARTE: RELEITURA DO CORPO NA EDUCAÇÃO
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O
114
4
D
Reflexões em estudos de teoria da arte
A
e dança cênica1
LO
Marcio Pizarro Noronha
N
Body Art?], paradigma audiovisual enquanto conceitos
para a dança cênica
W
O que mais importa agora é redescobrir nossos
sentidos. Devemos aprender a ver mais, a ouvir
mais, a sentir mais. Nossa tarefa não é procurar o
O
1 Este ensaio é a segunda versão do capítulo do livro sobre Pesquisa em Dança, organizado
FR
pelo coletivo Engrupe, que reúne pesquisadores da área de Dança no Brasil. A introdução
deste texto foi originalmente escrita como parte de uma conferência para o Colóquio de
Estética da Universidade Federal de Goiás e aqui foi desdobrada e articulada, numa
re-escritura, com o texto que estava sendo escrito especialmente para este livro. Trata-
se de um texto de caráter teórico para o campo da pesquisa da Teoria e Historiografia
Interartes e estudos de Estética, enfatizando aspectos relacionados ao estudo da dança
cênica.
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Introdução
A
Os estudos no campo das artes têm se dedicado à eleição
dos modelos que irão funcionar como meios explicativos e
LO
compreensivos (interpretativos) dos fenômenos, das obras,
dos processos e das teorizações decorrentes no domínio das
artes. Neste sentido, foram desenvolvidos diferentes modos de
tratamento da arte, envolvendo aí os relacionamentos entre as
diferentes linguagens (e o estatuto da arte enquanto linguagem),
N
o estudo das formas artísticas, as relações estruturais, as
abordagens de cunho semântico (e os problemas do conteúdo na
arte), os recursos à expressividade e às relações no campo sígnico.
W
Compreende-se assim que, tradicionalmente, as problemáticas
com as quais se depara o historiador e o teórico da arte – e,
neste caso, da dança enquanto arte – se refere aos problemas
O
de EAD – Artes Visuais, da FAV UFG, reconheço uma vertente fundada na concepção
das teorias contextuais da arte, relacionadas de modos diversos a um campo expandido
da cultura. Estas poderão enfatizar correlações com o debate marxista, com a Escola de
Frankfurt, com as leituras estruturalistas, pós-estruturalistas, com a hermenêutica, bem
como, na atualidade, com as vertentes e desdobramentos do pensamento pós-moderno,
dos Estudos Culturais e do multiculturalismo, gerando temas que serão desenvolvidos nos
estudos da Cultura Visual.
116
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
quando da retomada do debate em torno do Ut Pictura Poesis
– cuja contribuição está em já enunciar no cerne do primeiro
A
pensamento moderno uma relação entre as linguagens, domínios
e fazeres artísticos, questionando a ordem e o fundamento do
LO
pensar-fazer artístico a partir das relações e hierarquias entre
a poesia e a pintura, ou seja, entre o texto e a imagem. As
relações evocadas se referem, em sua centralidade, aos aspectos
tecnopoiéticos (da técnica e da ‘poiética’) e da retórica, que daria
a matriz ou o campo disciplinar da época para afigurar o tema
N
das relações entre as artes. Assim, nas inversões entre pintura
e poesia, o tema se distende até o século XIX. De Leonardo a
W
Lessing, passando pelos simbolistas-alegoristas dos séculos XVI-
XVII, os textos nos dão um informe do modo como a arte pode
ser integrada ao conhecimento, bem como os deslocamentos
O
117
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
encetou uma virada na direção de uma teoria circunscrita aos
objetos estético-epistêmicos (D’ANGELO, 1997; BENJAMIN, 2002;
ROSEN, 2004).
A
Vejamos como um contemporâneo trata esta problemática,
demonstrando as relações tecidas entre o conceito de crítica
LO
(romântica) e a obra do filósofo Walter Benjamin, para uma nova
perspectiva de tratamento da história na arte.
N
respeitando sua função essencial de se descolar do
tempo e do espaço históricos em que foi produzida.
O feito de Benjamin foi ter reconhecido e explorado
W
essa tensão, ter encontrado um meio de interpretar a
significação histórica de uma obra que não contesta
sua integridade supra-histórica [...].
E
O
118
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
remete, mas também a que irá criar e desenvolver, as prés e as pós-
histórias de uma obra.
A
O elemento é fundamental para o entendimento de como
certas operações artísticas irão desenvolver seus conceitos
internos, que descrevem as estruturas e processos que estão sendo
LO
propostos pela própria obra – raciocínio comum aos artistas e aos
pesquisadores das poéticas cênicas e visuais. É, portanto, desta
tradição da crítica romântica e da modernidade enviesada que
se retira a ideia de conceitos que, subsumidos aos momentos
N
produtivos, possam ultrapassar os procedimentos e servirem
enquanto operadores na e da linguagem, a fim de promover o
desenrolar de uma tradição (de um encadeamento de obras).
W
Conceitos operadores de obras e processos artísticos não são vistos
apenas como circunscritos às técnicas que permitem o desenvolver
de um trabalho, mas funcionam enquanto conceitos para além,
O
119
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Este breve histórico enuncia uma parte daquilo que se afirmará no
século XX, acompanhando as abordagens teóricas desta formulação,
em que a problemática passou para o campo das correspondências
A
(incluem-se aqui as abordagens da estética comparada e o importante
estudo de Ettiénne Souriau) e para as diferentes abordagens formais-
LO
estruturais das linguagens (indicamos especialmente os estudos de
Praz e de Lévi-Strauss, com enfoques e correlações entre os diversos
estruturalismos e as também diversas semióticas).
As leituras simbólicas e as leituras em torno das teorias
N
das linguagens permitiram criar modelos sistêmicos – como o
estrutural e os semióticos – e modelos não-sistêmicos – algumas
das hermenêuticas, filosofias da suspeição, filosofias ‘esotéricas’ da
W
linguagem – que passaram a dominar o campo das teorias, da história
e da crítica de arte e das artes cênicas.
O
obras-processos-constructos e historicidades-encadeamento.
Ainda dentro deste enquadre, na perspectiva que adotamos
e investigamos na atualidade, a do trajeto e desenvolvimento de
EE
120
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
nas e das artes contemporâneas – artes visuais, audiovisuais, do
corpo e cênicas.
A
Desse modo, a perspectiva da historicidade adotada por uma
teoria interartes-intermídias se refere à formulação de um modelo
LO
que permita uma ‘re-situação’ do ponto de vista das linguagens e
um lugar adequado para os tratamentos designados como sendo da
forma-estrutura-semiótica – mantendo-se na cadeia desenvolvida
para a cultura do signo de Agostinho aos nossos dias (TODOROV,
N
1996). O tema já foi tratado em artigo publicado e aqui só cabe como
revisão3.
W
Nos termos de um debate promovido nos anos 1990, na vertente
francesa (representados pelos textos produzidos pela ESCOLA
DE IRCAM, de Dubois e de Rosalind Krauss), a reflexão sobre as
O
a configuração de uma reflexão que se amplia na direção das relações entre a ética e a
estética ou, na esteira do surgimento de uma ético-estética como disciplina nova bem como
raciocínio interdisciplinar e que compromete o campo ético na promoção de uma estética
da ética das imagens. Esta reflexão de ordem teórica, resultante da produção de filósofos
(em sua maioria, pós-estruturalistas, desconstrucionistas, pragmatistas) se refere às formas
de uma arte que se enuncia no campo da produção pública e que pode ser identificada
numa certa ordenação histórica.
121
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
no domínio artístico abrangente, fazendo a função de um cenário
ou enquadre: a ‘fusão’ (criação de uma nova forma-arte pela soma
A
de todas as artes; modelo da ópera – Richard Wagner e a obra de
arte total; discurso da teatralização das artes – Michael Fried;
circo enquanto arte; artes conceitual e romance experimental,
LO
quando métodos filosóficos são incorporados à tessitura das
obras-produtos; arquitetura como modelo para a arte), a
‘diferenciação’ (princípio moderno da autonomia da obra de arte,
com fundamentos na estética kantiana e suas leituras aplicadas
N
ao alto modernismo; desenvolvimento de uma teoria da arte na
abordagem da crítica, nas inter-relações entre as metalinguagens
e a crítica interna da obra) e o ‘intervalo’ (como o termo já
W
enuncia, uma lógica do inter, do entre, num vai-e-vem do aquém
e do além ao através, demonstrando interesse pela determinação-
ultrapassagem-deslocamento de fronteiras, raciocínio topológico
O
122
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
NORONHA, 2007b; NORONHA, 2007c), sendo algo que
está entre, no intervalo, aquém e além e por meio dos corpus
A
já constituídos. O raciocínio aqui é o de entender a situação
evocada pela obra-processo como geradora de uma estrutura
LO
num espaço descontínuo e num tempo múltiplo, promovendo, na
simultaneidade, diversos níveis de realidade.
Desse modo, a circunscrição de conceitos-enquadres
aos moldes de caminhos traçados por Yve-Alain Bois (2007)
N
indica que um formalismo estrutural (e não-morfológico) não
é superável e representa um passo na direção das questões
especiais ao campo estético e àquilo que fará a História da Arte.
W
E que, portanto, não devemos confundir a morfologia simples e
as analogias visuais com o que seja um efetivo estudo histórico-
teórico das artes5. Para este historiador-teórico, analogias
O
5 O termo morfologia é do século XIX e está associado aos estudos da Biologia, da Linguística
e da Sociologia bem como à formação da disciplina da História da Arte. A análise
morfológica se refere à aparência externa dos objetos, uma configuração (figura, forma). A
forma de um objeto é na perspectiva do historiador italiano Ginzburg, o modo construído
da figura.
123
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
ganha em complexidade, já que não se trata apenas de pensar com
um modelo analógico, o da fusão das artes, que culminaria na linha
A
das artes integradas (modelos da ópera ao circo e, portanto, tendo
como pano de fundo a dimensão do espetáculo e não dos operadores
LO
artísticos), mas se tratam efetivamente de objetivos, condições (de
produção) e estratégias de realização (processualidades) das obras
artísticas.
Após a circunscrição conceitual, estariam enunciadas as
N
condições para uma leitura da bacia semântica – e ai, todos os
temas, objetos e conteúdos adjacentes. Sendo assim, entendemos
que fusão, diferenciação e intervalo criam três grandes grupos
W
conceituais. Dentre eles, o que se avizinha como sendo o nosso
contemporâneo – a estratégia do tempo recente (para dar uso
ao termo, na perspectiva de uma historicidade e, questionar-
O
intervalo 6.
O intervalo, a lógica do entre-dois, entre-mais, mais
ainda, necessita de um desdobrar-se em operadores internos
EE
6 A opção pelo termo intervalo segue esta linhagem francesa, mas também acena para
outras leituras em torno do uso do termo fronteiras entre as artes. O termo fronteira,
FR
124
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
em associação à ‘visão háptica’) e o ‘audiovisual’ (desdobrado em
termos como ‘paradigma do filme, paradigma cinemático ou efeito-
A
cinema, artes espacio-visuais’). Este três elementos de caráter
conceitual se apresentam de modo forte nas obras artísticas –
LO
visuais, audiovisuais, do corpo e cênicas – ditas contemporâneas.
No âmbito de um ensaio, trataremos apenas de enunciar algumas
das questões em pesquisa e alvo de um texto de maior fôlego em
preparação.
N
Scinestesia, performance, audiovisual: inter-relações
W
/ interpelações de operadores da / na arte cênica
contemporânea. Conceitos operadores na dança
contemporânea
O
125
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
ampla continuidade multicultural. Desse modo, campos como
o da estética relacional, acabam por enunciar um novo modo
A
da configuração das relações entre estética e ética, entre arte
e política, entre intervenção artística e educação em arte e
LO
educação estética. Nicolas Bourriaud aponta para a articulação
entre modos de viver e modos de agir, no interstício social-
cultural.
A arte – agora tida num todo como relacional – passa a ser
N
pensada aos moldes de vestíveis / comíveis / palpáveis, em suma,
atravessáveis. A arte é um tipo particular de trajeto, em que algo
se formaliza, retomando assim os problemas da forma sob outra
W
perspectiva. A forma é uma espécie de bloco afectual, reunificando
e enfrentando as divisões entre forma, conteúdo e expressividade.
As formas são formações, promovidas por objetos incompletos e/
O
126
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
Os artistas querem o Corpo e Um Corpo – uma unidade
individuada e que faça presença material. A ideia de corpo suporte
A
para a coreografia e para a espetacularização está muito distante
daquilo que se torna uma preocupação central nas artes cênicas (e
paradigmaticamente na dança cênica). Trata-se de tornar presente
LO
o corpo do artista ou aproximar, por contiguidade e metonímia ou
metáfora, o corpo da obra dos restos e do cotidiano do corpo do
artista. Esta presença marcada deve se confrontar inevitavelmente
com o Vazio e com a condição de seu isolamento no Tempo-
N
Espaço, tornando-se obrigatoriamente um início e um fim para
uma investigação que procura dar a sustentabilidade do tempo e do
W
espaço na existência de uma realidade última e precária, o que resta
do corpo próprio.
Assim, o corpo material-real-presencial e sujeito cênico é
O
127
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
médiuns e codificação, ou seja, não se trata de mimese-representação,
mas de como se pode, nas zonas de produção, explicitar mais ou
menos, de acordo com as premissas de interatuação nas obras, das
A
condições que as instituem.
LO
Nestas zonas de produção em arte – e nas artes cênicas em
particular –, o vídeo – e suas combinações em intervalos tais como,
vídeo-arte, vídeo-dança, vídeo-performance – tem demonstrado ser
uma mídia de grande capacidade de exploração, por conta de ser
uma zona entre-imagens e um modo de promover uma visualidade-
N
visibilidade – de fazer ver algo da ordem do registro –, transformando-
as em visualidades estáveis em torno do mundo contemporâneo. Mas
W
não somente o vídeo, a presença de sensores eletrônicos e outros
dispositivos de tecnologia de registro, de controle e de localização
em rede tornaram-se marcantes no cenário cênico contemporâneo.
O
hodierno.
Assim, ao observarmos diferentes manifestações,
EE
Bruno (2007), esta inflexão tem uma dívida para com o conceito de
corpo e seu projeto historiográfico de realizar um Atlas of Emotion
128
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
9 Háptico é um termo que foi proposto pelo teórico da arte Alois Riegl. Ele desenvolveu
o termo a partir do seu trabalho enquanto curador de Museu de Arte e Indústria (artes
aplicadas), em Viena, no contexto da segunda metade do século XIX. A visão táctil é o que
A
caracteriza a sensibilidade para além da perspectiva óptica enunciada do Renascimento
para cá. Seu trabalho influenciou grandemente as teses de Walter Benjamin acerca da
teoria da forma da arte cinemática. Benjamin amplia as teses de Riegl e deixa de fazer a
LO
distinção entre óptico e háptico, compreendendo que esta perspectiva estava centrada
num uso limitador do termo, demonstrando a apreensão tátil de todo espaço que é, sem
dúvida, a investigação do nosso movimento no espaço. Nestes termos, consideramos que,
neste ponto temos uma grande contribuição das teorias modernas da dança para uma
nova apreensão de categorias como tempo e espaço no campo das pesquisas em artes e em
humanidades, pois é da dança moderna, nas viradas do final do século XIX e da primeira
N
metade do século XX, que a categoria do movimento e a dança enquanto investigação
do movimento no espaço que surgirão também novas teorizações para a arte, a história
e a cultura. A procura tomou a forma de um desenvolvimento das articulações entre
categorias da dança e as categorias do cinema (paradigma cinemático ou audiovisual) como
W
meio de pensar novas teorias e novas metodologias para a pesquisa. Estas observações não
resultam apenas de leituras advindas do campo da teoria, mas também são efeitos das
próprias criações contemporâneas e dos desafios por elas propostos para o desenvolvimento
de sistemas de crítica. Cf: BRUNO (2007), RYAN (2004), AUDET et al. (2007).
O
processos e nos sistemas de apreensão (fruição, leitura, recepção) das artes e de espetáculos,
definindo as novas posições do artista, do teórico e do público. Por háptico entenderemos
aqui a transição de uma perspectiva óptica (centrada na categoria do olhar) e sua
passagem para uma visão ampliada para uma (e) motion [emoção-movimento] espacial-
temporal, em que a visão [paradigma visual hegemônico na organização dos sentidos] é
EE
do sentido e outro domínio evocado. Esta discussão pode ser ampliada na história das
relações interartísticas para o tema retórico (desde a doutrina do Ut Pictura Poesis) ou para
o que pode ser denominado de hibridação conceitual (quando características semióticas
de um meio específico são transpostas para outro). O segundo termo, cinestesia, tem um
sentido de reintegrar aqui a perspectiva do corpo, pois o termo se refere à percepção dos
movimentos musculares, da massa corpórea e das posições dos membros, resultando em
jogos de: (des) equilíbrio e movimento-estático. Assim, se integramos ambos os termos
129
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
dança com o cinema e o vídeo, bem como a arquitetura (das salas
escuras) e o cinema, a arquitetura e a dança, convocando a uma
existência e uma rota háptica no espaço escuro, a da visão tátil (visão
A
carnalizada, embodied vision).
A scinestesia é também elemento integrado à performance [BODY
LO
ART] como prática poético-artística, expandindo a definição do
termo, tanto no plano semântico-linguístico12 quanto no das práticas
artísticas e nos circuitos institucionais13 – o que tenho denominado de
‘performance em campo expandido’, na paráfrase a Krauss. No plano
N
das práticas artísticas, a abertura da definição acaba por ganhar um
lugar próprio e expandir-se no contexto do mundo da arte afetando
as formas tradicionais de organização das práticas artísticas (como a
W
pintura, a escultura, dança clássica, teatro etc), enquanto ocupação
dos espaços (galerias de arte, museus), nas formas experimentais dos
O
num único termo scinestesia, tal como é a proposição na atualidade, estamos fortalecendo
os laços desta perspectiva propugnada pela arte compreendendo que a tela de projeção
é sempre um espaço geográfico habitável, ampliando-se a cada nova configuração da
D
aqui enquanto uma teoria da linguagem. Ver aqui os trabalhos de autores como Walter
Benjamin e as teses recentemente recuperadas dos filósofos do romantismo, com ênfase
aqui para os artistas-teóricos do romantismo alemão.
12 No plano semântico, a noção de performance desdobra-se em concepções de Live Art
(experimentos de unificação da percepção com o psíquico e do pensamento com a ação,
incluindo interação e participação do público), Performance Art, Performance (Theater And
FR
130
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
ela própria um Departamento, a Performance Studies. A performance
tornara-se ponto de encontro entre artes, no qual formas de diálogo
não-convencionais confluiriam; zonas de entrelaçamento entre arte
A
e vida e a disposição a uma experimentação de fusão dos agentes/
artistas/interatores com a totalidade intertextual, multissensorial
LO
(visual, sonora, verbal, tátil) e experiencial do evento (HANNS,
2005, p. 43-44). Nestes termos, os Estudos de Performance tornaram-
se um tipo de conceito operacional e de crítica que toma posições em
relação a uma disciplina da tradição do século XIX, a História da
N
Arte, produzindo um metacomentário de ordem artística e de ordem
conceitual (do conceitual filosófico ao conceitual artístico) 15. E,
ainda mais, garante o reconhecimento de um estatuto intersemiótico
W
na produção artística, um estado comunicacional entre as diferentes
linguagens, privilegiando as ‘zonas de intervalo’ entre as artes16 e os
O
da história.
16 Esta noção de fronteira entre as artes e o seu trânsito permite o reconhecimento de uma
estética dos intervalos (ESCOLA DA IRCAM), com base na fundação de uma zona de
vazio entre uma arte e outra e o reconhecimento deste não-lugar enquanto possibilidade
de produção e manutenção do mistério, aos moldes de uma busca do sentido do sentido,
nos termos desdobrados da ontologia da obra de arte (hegeliana), passando por Nietzsche,
FR
131
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Neste escopo, o paradigma fundacional da ‘performance’ é
anterior a ela e se refere justamente a esta experiência constituída
A
no cinema e da formação de um paradigma audiovisual (o que
gerará uma cultura audiovisual). Segundo Jean Lauxerois e Peter
LO
Szendy (IRCAM), no prefácio da apresentação dos textos-colóquio
sobre a diferença entre as artes (ou a diferença das-nas artes), o
cinema é, historicamente, a ‘forma(ção) interartística e intermidial’,
superando os modelos de fusão das artes que tinham como mote uma
teatralização na integração de todas as artes (a obra de arte total)17.
N
Assim, ‘performance’ pode ser observada como forma integrante do
paradigma do audiovisual e deste modo devemos pensar na abordagem
W
de sua documentação18. Se pensarmos desse modo, um procedimento
de identificação por indeterminação ocorre no paradigma do cinema,
ou seja, instala-se uma zona e uma estética típica do intervalo, um
O
Pizarro Noronha e Rosemary Fritsch Brum, tem como intuito a crítica de uma abordagem
historicista que privilegia a relação do cinema com os conteúdos sociais e culturais,
valorizando e marcando a forma-cinema como sendo um tipo complexo de arquitetura
e forma-meio relacional. Em artigo especialmente escrito para o simpósio desenvolvo a
crítica dos caminhos tomados por diferentes disciplinas no uso do cinema (ou melhor, dos
filmes em vídeo e em DVD) em espaços como a sala de aula e a maneira como estes estão
reduzidos a algo que não constitui a experiência-cinema.
132
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
contemporânea). E as demais artes abrir-se-ão a este procedimento
do pensamento. Dos happenings (live events) às instalações, o que é
exposto é o próprio olhar – e a escuta – e as condições da produção
A
de uma sensibilidade audiovisual – uma sensibilidade ótico-sonora.
Esta forma-linguagem pode então sofrer a expansão do seu campo
LO
(fazendo referência aqui ao termo cunhado por Rosalind Krauss).
Se desde a fotografia nos referimos à arte do tempo, com o cinema,
o vídeo, a vídeo-arte e a arte digital aperfeiçoamos o controle desse
tempo19. Entendemos a interatividade como uma interferência do
espectador na temporalidade da obra (MACIEL, 2005).
N
No caso particular da dança, a fotografia, o cinema e, logo
depois, o vídeo, todos eles realizaram uma grande transformação e
W
ampliação-amplificação do conceito de dança, nas relações entre
dança e visualidade, entre corpo e imagem. Ainda temos de considerar
a nova consciência do espaço cênico enquanto espaço arquitetônico
O
133
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
e o que faz dela a ‘arte contemporânea’ (conceitualmente falando).
Este formato do texto histórico tem-se como veio ou fio condutor
a perspectiva enunciada logo no início do texto, de re-encontrar
A
estruturas e conceitos que integrados às obras possam delas sair e
definir seu contorno, tal como o fizeram nossos precursores críticos
LO
do romantismo alemão.
Na segunda parte deste ensaio, adentraremos nas relações entre a
teorização da dança cênica denominada de dança contemporânea e o
desafio particular de (re)pensar o conceito de contemporaneidade.
N
W
IIa. Parte. O conceito de contemporaneidade: desafios e
dilemas de uma versão filosófica para o campo do estudo
da arte e da dança cênica
O
134
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
contemporaneidade do corpo na dança. São arranjos variáveis de
um tripé de termos que deverão estar correlacionados aos conjuntos
teóricos do campo artístico-intermidial. Mas todos eles insistem
A
numa problemática comum de que existe um corpo, existe um corpo
que dança e um corpo da dança, e existe um corpo contemporâneo e
LO
que, portanto, existiria assim, por relação, um corpo contemporâneo
na dança, que se torna, também ela, contemporânea, manifestando
o universo sintomal do presente, saltando dele, para aquém e para
além do próprio tempo, mesmo quando situada nele, sob a forma de
uma posição diacrítica ou do que poderíamos tratar como sendo um
N
mal-estar da contemporaneidade e do corpo e, mais ainda, o mal-
estar do estado atual da arte ou da arte na atualidade.
W
Isto parece remeter a um conjunto de tautologias, jogos de
linguagem. Mas não se trata exatamente disso. Trata-se da condição
de descrever as conjugações possíveis e elencadas pela trinca dos
O
135
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
A contemporaneidade, portanto, é uma singular
relação com o próprio tempo, que adere a este
A
e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias, mais
precisamente, essa é a relação com o tempo
que a este adere através de uma dissociação e
LO
de um anacronismo. Aqueles que coincidem
muito plenamente com a época, que em todos
os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são
contemporâneos porque, exatamente por isso, não
conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar
sobre ela (AGAMBEN, 2009, p. 59).
N
Vejamos que, de início, o filosófico já nos indica que falar em
W
contemporaneidade é tratar de uma relação com o tempo e a partir
de uma noção de tempo. Para Agamben, esta premissa se encontra
nas notas de aula de Roland Barthes quando este afirma que, aos
O
136
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é
verdadeiramente contemporâneo, aquele que
não coincide perfeitamente com este, nem
A
está adequado às suas pretensões e é, portanto,
nesse sentido inatual; mas, exatamente por isso,
exatamente através desse deslocamento e desse
LO
anacronismo, ele é capaz, mais do que outros, de
perceber e apreender o seu tempo (AGAMBEN,
2009, p. 58-59).
epígrafe:
137
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
pois trata exatamente de um mal-estar para com sua própria época,
um desejo de fugir e a impossibilidade de fugir e daí o nascimento de
A
um modo crítico de se situar e um modo carnal e intenso de existir
no mundo. Ser contemporâneo trata de uma aderência mal resolvida
LO
ou de um ato de extirpação incompleto do qual resulta a marca e
a presença constante de um afeto. É nestes termos que Agamben
convoca a figura exemplar do poeta para pensar esta relação entre
sujeito e tempo que funda a condição da contemporaneidade e daí
entender que só existe contemporaneidade pelo fato de existir uma
N
posição subjetiva e sua exemplaridade evocada aqui na figura do
artista (poeta). Pois uma relação artística com uma época é sempre
W
marcada por um princípio vital e numa troca simbólica na qual o
sujeito ferido se constitui na mesma medida em que paga o óbolo
da sua carne. Agamben, ao analisar um poema russo, mostra que o
O
para oferecer a este Deus Cronos devorador a sua própria carne, pois
as artes tal qual a História são musas netas do Cronos (Tempo) e
filhas de Zeus e de Mnemosine (Memória).
O que se revela enquanto arte é a fratura e o que faz a sutura
é a operação que revela na historicidade uma continuidade possível
138
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
e futuro.
Olhar para o tempo e para o seu próprio tempo impede a
A
banalização da continuidade, permite fazer reverberar (retornar)
o passado no presente (retorno do recalque) e como alucinação
da duração contínua, espiral do tempo eterno do passado no
LO
presente, um prolongamento do passado no presente (Bergson).
Mas é também um modo de valorização do instante presente e do
Real (bachelardiano). O Tempo olhado de frente só permitiria ver
a imaginação da memória – e a memória como sendo ela própria da
N
ordem ficcional – e um estado permanente de acesso ao mundo pela
via dos seus fragmentos imaginários.
W
E, mais ainda, aos moldes de Agamben, um modo de encarar a
obscuridade de cada época, a densificação e a expansão do campo de
luz para a zona de trevas e sombras que cada época deseja ocultar.
O
139
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
depois do acontecimento, sempre deslocados, desalinhados com o
tempo e com os acontecimentos.
A
Desse modo, a contemporaneidade é um modo particular de
tratar a época na qual se vive, vendo nas trevas a luz que se esconde
LO
num encontro marcado e impossível de acontecer, uma obliquidade
do encontro. É uma ‘descronização’ do tempo cronológico que
não nega a inexorabilidade da diacronia e, ao mesmo tempo, se
sente nela desconfortável, desalinhado, anacrônico, desordem das
N
temporalidades no presente e não apenas atualização do passado no
presente (continuidade entre passado e presente, tradição), mas dos
fundamentos arcaizantes revelados no presente. Não o passado, mas
W
o arcaico.
Assim, na qualidade do nosso tempo presente, tempo dos
O
colado ao presente, mas que já não pode ser usado ou que mesmo
sendo usado não é considerado paradigmático. É o que ocorre
no paradigma imperante da superação contínua dos dispositivos
EE
140
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
aponta para a relação entre poesia, sagração e profanação. Um lugar
que no tempo presente foi ocupado em grande parte pelo artista e
A
pela ideia mais ampla de uma ‘vida como obra de arte’, como sendo
a posição representativa da contemporaneidade. Experimentando o
desafio propugnado pelas mídias, modas e dispositivos em geral, a
LO
vida como obra de arte numa ideia de um constante projetar-se /
lançar-se, mostrando-se como o que ainda não é, mas um vir-a-ser
(que é tanto abertura para a infinitude transcendente quanto para
a infinitude de todos os passados acumulados), e, neste movimento,
N
dizendo também o que já não é, ainda que esteja presente.
Ser contemporâneo é transgredir o tempo do presente no
W
presente, na pluralidade dos ‘aquis-e-agoras’ (Anne Cauquelin),
atual-inatual, vislumbrando as formações do tempo não apenas
como espetáculo da memória (narrativa; rememoração), mas como
O
141
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
instantaneamente ao inatual, eles se encontram unificados, às vezes
justapostos, reunidos, às vezes sobrepostos, em ocultamentos, mas
A
sempre identificados. A temporalidade presente carrega consigo,
portanto, o presente atual (o hodierno) e uma inatualidade do
tempo que não é exatamente a mesma coisa que a abertura ao
LO
passado (pela via da rememoração, recordação), mas um modo de
se relacionar ao passado que passa pelo arcaico, pela atualidade
presente do que já foi vivido e sentido. Assim, mais uma vez se
confirma a ideia de uma memória do afeto, uma memória que
N
tem seus fundamentos num corpo vivido-experimentado (corpo
Real, corpo material, corpo carne, corpo sensorial) e num corpo
emocional (a internalização psíquica do vivido-experimentado, sob
W
a forma de uma imagem psíquica das emoções, entendida como
sendo uma imagem rítmica).
O
142
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
para renunciar a representá-la sob a forma visual. A
imagem da emoção não é visual, mas essencialmente
rítmica; ela é o traço de um ritmo, a marca em relevo
A
das variações ritmadas da intensidade emocional
(NASIO, 2009, p. 34-35).
LO
Combina-se assim, um arcaico remetido a uma memória do
afeto que se estabelece numa forma de imagem rítmica, uma imagem
que pode ser pensada aos moldes de um funcionamento partitural-
coreológico.
N
Nestes termos, o senso do arcaico contido na noção de
contemporaneidade convoca efetivamente a presença de uma
dimensão corporal, dos estados afectuais vividos pelo e no corpo. É
W
de um estado do corpo a uma revivescência que se pode falar, para
que surja não o passado rememorado (memória narrativa, memória
imaginarizada), mas o arcaísmo de todas as temporalidades, ou
O
143
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
operar neste, como o embrião continua a agir nos
tecidos do organismo maduro e a criança na vida
psíquica do adulto. A distância – e, ao mesmo tempo,
A
a proximidade – que define a contemporaneidade
tem o seu fundamento nessa proximidade com
a origem, que em nenhum ponto pulsa com mais
LO
força do que no presente [...].
Os historiadores da literatura e da arte sabem que
entre o arcaico e o moderno há um compromisso
secreto, e não tanto porque as formas mais arcaicas
parecem exercitar sobre o presente um fascínio
N
particular quanto porque a chave do moderno
está escondida no imemorial e no pré-histórico.
Assim, o mundo antigo no seu fim se volta, para
W
se reencontrar, aos primórdios; a vanguarda, que se
extraviou no tempo, segue o primitivo e o arcaico.
É nesse sentido que se pode dizer que a via de
acesso ao presente tem necessariamente a forma
O
estivemos.
144
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
ou do momento espectral, o que ele denomina de ‘sobrevida’. Nestes
termos, a cadeia de leituras de Benjamin-Freud, Benjamin-Agamben
e Freud-Lacan-Derrida nos informa da presença espectral que
A
desarticula a identidade (a si) do presente (vivo). Há algo para fora do
presente e do acontecimento que faz vivificar o arcaísmo. Portanto, o
LO
arcaico só pode falar de espectros e fantasmas, fantasmagorias (Freud,
Benjamin, Derrida). O que é Isto (novamente)? O Fantasma é o que
desarticula a presença do presente e que demonstra a nós a diferença
entre o presente em relação a si mesmo, ou seja, a inatualidade do
tempo presente a si-mesmo.
N
Em 1915, Freud já falava desta transitoriedade e isto poderia
W
já afirmar que há um trabalho do luto que se inicia no fantasma,
no espectro. A primeira atividade do luto é a espectralização do
tempo presente, fazendo contemporâneo aquilo que não está no
O
presente. Mais uma vez, como já afirmamos mais acima, isto é uma
definição ética e política e não prioritariamente histórica do tempo,
pois não trata de reclamar do luto apenas a reparação, a recuperação
D
algo que possa ser simplesmente escavado. Ele volta dentro e por
trás de toda instância repressora (recalque). Ele opera justamente
no retorno do recalcado, naquilo que volta, surpreendendo-nos,
desarticulando tempo-espaço, vindo do futuro para ocupar o lugar
da própria instância repressora. Um pensamento das heranças, do
145
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
do fantasma apenas pela compreensão da Imagem e do Imaginário.
A questão posta pelo Arcaico se refere justamente a um sujeito
A
mergulhado no Irreal (não no Imaginário, aquilo que é da ordem da
cultura e do aprisionamento do Desejo na pequena esfera do ‘objeto
a.’). No Irreal, só há espaço para convocar o Mito, o correlato de todos
LO
os Fantasmas. O Fantasma não é necessariamente imaginarizável,
ele está atrás da cortina, acompanhando o medo, incomunicável,
inapreensível, impossível de ser encontrado ao fim da história, não
sendo alvo de negociação ou troca (cultural). Como avisa Derrida, o
N
Fantasma só surge. Ele aparece quando olhamos para o que não podia
ter sido visto – um intervisto do interdito. Ele só aparece quando o
que vemos nos olha – a nossa imagem no espelho abre a fenda para
W
encontro com o próprio Olhar. E essa imagem autônoma – fantasmal
– faz todos os Duplos. Esta condição demonstra o caráter mítico e
onírico do histórico. A história labiríntica é também mítica e, fusiona
O
o tempo da história com o tempo dos mitos, saída que não é apenas
do Imaginário, mas do Fantasma.
D
146
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
de temporalidades (tempos desarticulados, tempos fraturados) e
heterogeneidade de espaços (heterogênese dos lugares, clivagens
admitidas, fragmentação do espaço) mantendo sempre a abertura ou
A
a fratura, cujo preço a ser pago é devido com a própria carnalidade
que exige um apontamento para uma forma da memória que não
LO
exclusivamente imaginária e narrativa (memória rememoração),
mas como memória emocional, advinda de uma revivescência. A
convocação aqui é mais do Mito do que da História, o correlato do
Fantasma. E isto enuncia a presença do caráter mítico que cinde
toda a temporalidade histórica.
N
Assim, pensamos que, no caso específico das artes cênicas e da
dança cênica, há uma relação arcaica e anacrônica do corpo. O corpo
W
presença pode e deve ser olhado na perspectiva do corpo-fantasma, o
fantasma do corpo infantil e de nossa memória arcaica ou anacrônica,
memória emocional e rítmica, relacional, partitural e coreológica. Um
O
corpo que deve ser percebido não apenas enquanto a imagem visual
do corpo em cena. Um corpo que deve ser apreendido enquanto
D
147
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Esta outra linguagem interna e rítmica dança e faz nascer um
corpo tal como um acontecimento, uma invenção de corpo (a noçao
A
de invenção de corpo encontra-se na esteira do pensamento de
Nietzsche e terá seguimento em Deleuze, bem como sua abordagem
crítica em Badiou e Didier-Weill). Diz Didier-Weill que se trata
LO
de um empuxo íntimo na extimidade, uma captura pelo Gozo em
toda a sua singularidade, a revalorização do passo-a-passo de uma
experiência. Este empuxo faz acontecer um corpo pela dança, como
linguagem rítmica que nasce na anterioridade do sujeito da língua,
N
num corpo que nasceu por ser habitado por uma pulsão invocante.
O que, aos moldes de Badiou, se traduz na figura do corpo pensante,
um corpo que se produz num estado (experiência) antes do Nome
W
(e das representações) e, mais ainda, antes do tempo cronológico
(sequencial) e dentro do tempo do Aion (acontecimentos). Mas
uma história sim, uma história afirmada pelo viés do Real e dos
O
acontecimentos.
A dança e a música comemoram, a imagem e a fala rememoram.
D
148
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
tensão que se expressam na forma-movimento).
Deste modo, ao acionar nosso olhar fruidor e crítico, de
A
pesquisador e de audiência, devemos inverter a questão de como
se pensa o corpo que dança para a pergunta: o que pensa enquanto
dança o corpo? E enquanto pensa celebra a religação e a continuidade
LO
– a sutura – do corpo sonoro no corpo falante.
Se em ensaio anterior, reconhecemos os sinais da
contemporaneidade em categorias estéticas e de produção (e do
biotech body, como enuncia Anne Cauquelin), aqui, olhamos a
N
contemporaneidade enquanto lógica do tempo, não apenas um
coreografar dos movimentos – seja por relação, seja por interação –
W
mas um coreografar do tempo, coreografar das origens (arké, arcaico)
e também do Aion, pois a chave do contemporâneo se encontra no
imemorial e no arcaico. Estamos diante de uma perspectiva do fazer
O
149
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
corpo falante e revela uma exterioridade íntima provocada justo pela
potência do ser dançante e dionisíaco que nos habita, segredo íntimo
do corpo e seus ritmos internos e grau de exposição máxima deste
A
mesmo corpo na exterioridade encenada do mundo.
LO
Referências
AUDET, R. et al. Narrativity: how visual arts, cinema and literature are
telling the world today. Paris: Disvoir, 2007.
150
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
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DERRIDA, J. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971.
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soberana crueldade. São Paulo: Escuta 2001.
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Janeiro: Forense Universitária, 2001.
W
FRANÇA, M. I. Psicanálise, estética e ética do desejo. São Paulo:
Perspectiva, 1997.
O
151
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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réunis par Jean Lauxerois et Peter Szendy. Paris: IRCAM – Centre
Georges-Pompidou: L’Harmattan, 1997.
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LO
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em: <http://www.psicanaliseefilosofia.com.br/adverbum/Vol3_1/merleau-
O
2007b.
152
4 REFLEXÕES EM ESTUDOS DE TEORIA DA ARTE E DANÇA CÊNICA
D
Janeiro: Contracapa, 2001.
A
Editorial, Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 2004.
LO
Lincoln and London: University of Nebraska Press, 2004.
N
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153
FR
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A
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5
D
Dança, educação e
A
contemporaneidade: dilemas e
LO
desafios sobre o que ensinar e o que
aprender
Alba Pedreira Vieira
Introdução
N
W
Quando refletimos sobre dilemas e desafios da dança na
educação, não há como deixar de lado o processo ensino-
O
D
Vieira (2008) comenta a inclusão da dança nos Parâmetros
Curriculares Nacionais em Arte e o aumento significativo do número
A
de cursos superiores de Dança no Brasil; Strazzacappa e Morandi
(2006) discutem a vontade de professores de escolas aprenderem
LO
‘receitas prontas’ de coreografias a serem ensinadas aos alunos para
que esses se apresentem nas datas comemorativas (festa junina, festa
de encerramento do ano escolar e outras); Marques (2010) enfatiza
a necessidade de ensinarmos a partir do contexto dos nossos alunos;
Lara e Vieira (2010) ressaltam a necessidade de se estabelecer um
N
‘jogo’ colaborativo entre professor e alunos no processo educacional
em dança.
W
A fim de contribuir com essa temática, esse texto tem o
objetivo de abordar dilemas e desafios nas relações entre dança,
educação e contemporaneidade, focando especificamente sobre
O
156
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
desafio que nos estimula a trilhar novos caminhos e desafios. Sem
reflexão, os aspectos positivos da ação são fugazes. Sem a ação –
que em dança inclui o movimento – a reflexão é postura intelectual
A
sem implicações no mundo real (SIMPSON; MILLER, BOCHER,
2006).
LO
Em meio às descrições das ações e resultados que apresento, e
das reflexões que desenvolvo, muitas camadas vão sendo reveladas,
como quando se descasca uma cebola. Compartilho significados
e elementos da educação da fruição e usufruição em dança
N
experienciada por estudantes da educação infantil e do ensino básico
de instituições não-particulares, e também discuto como esse estudo
e jornada educacional foram nutridos pela minha filosofia pedagógica
W
inicial, que mudou ao longo do caminho.
Foi a partir de uma filosofia pedagógica crítica (FREIRE, 1996)
O
157
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
de políticas públicas em arte. O principal objetivo dessas iniciativas
é manter, desenvolver e difundir a cultura. Esta é uma forma
A
de melhorar o acesso das pessoas à cultura e à arte, com base na
compreensão da importância da valorização cultural para o país.
LO
Para desenvolver uma discussão ampla e atualizada sobre
políticas que envolvem cada uma das linguagens artísticas, conselhos
foram criados e representantes setoriais da dança, em particular,
foram nomeados. Só no ano de 2010, até o momento, foram
N
realizadas a 9ª Reunião do Conselho Nacional de Políticas Culturais,
a Pré-conferência Setorial de Dança, a II Conferência Nacional de
Cultura, e a I Reunião do Colegiado Setorial de Dança. Como se
W
pode observar, há diversas iniciativas para permitir que a população
brasileira tenha acesso, experiencie e aprecie manifestações culturais
e artísticas. Como educadora e pesquisadora de dança, no entanto,
O
2 Eu moro em uma cidade universitária, Viçosa, Minas Gerais, que tem uma população de
aproximadamente 80.000 pessoas.
3 Este termo denuncia uma discussão em que se afirma que nas relações de troca de
mercadorias, as quais todas as relações sociais são reduzidas, o trabalho cultural perde seu
brilho, sua singularidade e suas qualidades específicas. Ao tornar-se um valor de troca, há
uma dissolução da verdadeira arte e cultura.
158
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
diversidade, e tem papel importante na formatação da sociedade por
meio do processo de padronização. Claro que há, nesse movimento,
A
iniciativas de resistência na apropriação cultural e fatores subjetivos
de parte da população, o que faz com que os meios de comunicação
LO
não sejam de todo hegemônicos. Mas esta discussão não é o objetivo
deste trabalho. Esse estudo foi realizado em Viçosa, MG, uma cidade
em que a maioria das crianças e adolescentes não tem a dança como
disciplina do currículo escolar.
N
Antes de a pesquisa ser iniciada, em conversas informais com
os alunos de muitas escolas, fiquei sabendo que a maioria preferia
hip-hop ou dança de rua, cujos elementos, tais como os passos,
W
são importados de culturas estrangeiras, sem uma reflexão mais
aprofundada sobre este tipo de atitude.4 Os alunos não percebem
que estão se colocando à margem da sua própria cultura. Portanto,
O
4 Uma observação semelhante foi feita pelas pesquisadoras brasileiras Medrano e Valentim.
Ver seu artigo ‘A indústria cultural invade a escola brasileira’ (MEDRANO; VALENTIM,
2001).
159
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
dança contemporânea. Outros ainda têm a ideia de que o virtuosismo
é uma prioridade na dança. Assim, na concepção e desenvolvimento
deste projeto, tentei encontrar estratégias que pudessem melhorar o
A
apoio à valorização e difusão cultural.
LO
Trajetórias nas escolas
5 Os subprojetos de ensino, pesquisa e extensão que são articulados com esse amplo projeto
contam com apoio financeiro do CNPq, Capes e Fapemig.
6 O desenvolvimento real, para os autores, já foi consolidado pelo sujeito e lhe possibilita
tornar-se capaz de resolver situações lançando mão de seu conhecimento de forma
autônoma. O nível de desenvolvimento real é dinâmico, e aumenta com os movimentos
do processo de aprendizagem.
160
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
tiveram duas oficinas de dança (50 min cada). Em 2008, o
projeto assim se desenvolveu: no primeiro semestre o trabalho
foi realizado com alunos do Ensino Médio, e no segundo semestre
A
foi desenvolvido com os alunos do sexto ao nono ano; em 2009,
no primeiro semestre, trabalhamos com os alunos do primeiro ao
LO
quinto ano; em todo ano de 2010, trabalhamos com educandos
do primeiro ao quinto ano, e do sexto ao nono ano; em 2011,
desenvolvemos o trabalho com discentes do primeiro ao quinto
ano. Durante dez meses de 2008, 2009 e 2010, os educandos
N
da Educação Infantil participaram das atividades do projeto. As
oficinas teórico-práticas desenvolvidas com os participantes lhes
ofereceram possibilidades de criar, recriar e valorizar o universo
W
da dança, além de serem apresentados a diferentes formas
e expressões artísticas, tais como dança de salão e do ventre,
flamenco, dança contemporânea, improvisação, dança de salão
O
161
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
participantes do projeto em que alunos apreciam a dança de seus
colegas; a Figura 2 ao alto e à esquerda apresenta participantes
A
da Educação Infantil assistindo apresentação de dança-
teatro na própria instituição educacional; a Figura 3 abaixo
LO
e à direita demonstra estudantes em oficina prática de dança
contemporânea na escola; a Figura 4 abaixo e à direita mostra
participantes do projeto assistindo performance em dança no
teatro com bailarinos profissionais.
N
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162
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
participantes do projeto no palco.
A
LO
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163
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Procedimentos metodológicos
D
Este estudo combina uma abordagem de ‘pesquisa
multi-metodológica’ (SCHUTZ et al., 2004, p. 227)
A
ao adotar a abordagem quanti-qualitativa que incluiu
a pesquisa-ação (KEMMIS; McTAGGART, 2005),
fenomenologia interpretativa (VAN MANEN,
LO
1997), a teoria de análise do discurso de Michel
Pêcheux (1982), e orientações socioconstrucionistas
(SARBIN; KITSUSE, 1994). Pode parecer uma
contradição mesclar métodos investigativos que
são aparentemente antagonistas. Na verdade, o
esforço é avançar o entendimento em pesquisa ao
N
usar princípios diferenciados de maneira que eles se
complementem.
W
Observações sistemáticas foram registradas ao longo do trabalho
de campo. Os alunos também responderam às mesmas perguntas,
sob a forma de dois questionários ‒ o primeiro foi aplicado antes
O
164
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
atribuídos pelos sujeitos e grupos de acordo com
suas formas de vida. Seriam estas ‘formas de vida’
que levariam aos ‘jogos de linguagem’, de acordo
A
com os usos das palavras, que não são os mesmos
entre as diferentes comunidades. Significados não
universais, permeados pelos sentidos atribuídos
LO
pelos sujeitos de acordo com o uso das palavras, em
seus contextos.
165
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
referentes à dança como arte e cultura. Respostas assim são
particularmente significativas, uma vez que indicam que houve
A
uma ampliação dos olhares sobre esta linguagem artística, que não é
mais vista apenas como forma de “mexer o esqueleto” ou “suar para
ficar em forma” como dito inicialmente. Por seu caráter eclético, as
LO
aulas do projeto foram capazes de ampliar o interesse dos alunos, na
medida em que lhes revelou aspectos desse universo dançante, até
então inusitado.
O surgimento do termo cultura nas respostas é interessante,
N
uma vez que cultura e arte caminham juntas. Em nossa
prática, discutindo sobre os diferentes vocabulários de dança,
W
invariavelmente nos deparamos com culturas diferentes. Assim,
o projeto aumentou tanto o interesse pela dança quanto pela
cultura em geral. Também acreditamos que muitos participantes
O
166
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
Todo este processo parece ter levado este participante a ver a
dança como espaço de ‘amadurecimento’, como possibilidade de
atuar no crescimento pessoal.
A
As respostas “É uma forma da pessoa se expressar”; “um
jeito de se expressar”, presentes no questionário final, ilustram
LO
ressignificações da dança, a qual passou a ser vista como forma
de expressão. As respostas que aliaram dança à linguagem,
comunicação, expressão tiveram vários desdobramentos,
chegando mesmo a serem divididas nas subcategorias: [Dança é
N
se expressar...] “Com estilo” [leia-se gênero], “Com gestos”, “Com
os movimentos dos corpos” e “Com música”. A mudança pode ser
W
vista como positiva pelo simples fato de indicar diversificação da
forma que se pensa a dança, que não é mais somente percebida
como mero entretenimento.
O
167
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
perspectivada como “uma aspiração”. Ser objeto de uma
aspiração indica algo que se deseja alcançar. Se no questionário
A
final da pesquisa um/a participante declara que a dança para
ele/a é uma aspiração, isso indica uma semente plantada. O
seu sonho, possivelmente, foi alimentado pelas experiências
LO
que viveu, o que nos faz refletir sobre a gratificação do nosso
trabalho. Dentre tantas dificuldades encontradas (e foram
várias) houve o brotar de uma aspiração. Essa pode ser uma
aspiração do educador.
N
Tanto no questionário inicial como no final, outra pergunta, ‘Qual
dança você já assistiu?’, buscou revelar que danças os participantes
W
conheciam – antes e após o trabalho de campo. No questionário
inicial as respostas apontaram, em grande parte, as danças da moda na
atualidade, tais como: funk, dança de rua, forró e axé. A análise final
O
168
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
significância por interagir diretamente com o contexto vivido pelos
alunos. A experiência com a fruição e a usufruição da dança na
A
escola não é esquecida facilmente, pelo contrário, permanece in-
corporada às lembranças da vida escolar. Essa relação criada é um
LO
ganho significativo. Por sua dimensão e significância, nós, educadores
na área, somos instigados por esses resultados a refletir sobre a
importância da escola trabalhar além da socialização de saberes
científicos, visando proporcionar uma formação ampla, também
cultural e artística, do sujeito8.
N
W
Desenhos dos participantes
O
8 Para outros artigos e informações sobre os projetos que englobam o programa ‘Educação
para as Artes’, vide os seguintes sites e blogs: <http://www.educacaoparaasartes.ufv.br/
index.php>; <http://educacaoparaasartes.blogspot.com/>; <http://www.facebook.
com/#!/profile.php?id=100002536470092¬if_t=friend_suggestion_accepted>.
169
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
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170
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
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171
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
A
LO
Figuras 11 e 12: dança e saber sensível.
N
Na Figura 13, a criança desenhou pessoas dançando em
W
meio às carteiras da creche. Parece ser um novo olhar sobre
a possibilidade desse espaço para a dança, ou seja, a dança
O
172
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
das oficinas de improvisação com objetos lúdicos). Esta relação de
brincadeira e dança é um excelente resultado do projeto que teve
como um dos objetivos específicos aliar a ludicidade à dança.
A
LO
N
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O
D
173
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
A
E a artista-pesquisadora/educadora nisso tudo?
LO
‘dança’ com a complexidade e a riqueza da pesquisa em alfabetização
em dança ou educação da apreciação da dança. Transformações na
minha filosofia educacional aconteceram em momentos decisivos
desse trabalho. Compartilho a seguir um desses momentos.
N
Um dia, após muitas aulas em que os alunos foram expostos
a diversos gêneros de dança, um dos estudantes de seis anos me
W
disse: “Eu ainda amo hip-hop, e odeio todas as outras danças que
você nos mostra.” Nesse instante, o meu sangue ferveu, senti minha
face vermelha e inchada, e um nó imediatamente se formou no
O
9 Para van Manen (1997), a experiência humana só se torna vivida quando a revisitamos e
refletimos sobre ela.
10 Entendo o corpo como experiência que aglutina afetos, afeições, habitus (Thomas Csordas,
1994, em sua discussão sobre o embodiment).
174
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
Será que esse aluno aprendeu o oposto do que tínhamos ensinado (ou
tentado ensinar) durante todo o trabalho de campo da investigação?;
Quantos alunos/participantes tiveram a mesma sensação?. Essas
D
perguntas foram cruciais para duvidar da eficácia do meu olhar
crítico que normalmente não quer aceitar apenas a preferência dos
estudantes para as culturas ditas ‘midiáticas’, principalmente as de
A
origem estrangeiras como hip-hop, dança de rua ou street dance,
funk.
LO
Também questionei: Como respeitar a preferência dos estudantes
e ainda desafiá-los a ir além de suas zonas de conforto – as quais são
dançar e assistir hip-hop e dança de rua? Essa questão foi seguida
por muitas outras: O que fazer com aqueles alunos que continuavam
N
não gostando de dança ‘de jeito nenhum’, mesmo depois de terem
sido expostos a tantos gêneros e vocabulários diferentes da dança?
Como posso auxiliar, da melhor forma, os alunos a melhorarem suas
W
capacidades para questionar suas tendências acríticas, pelo menos a
meu ver, de apreciar somente determinados gêneros de dança – os
favoritos divulgados na indústria cultural? Como lidar com alunos
O
175
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
transformação está relacionada com a descoberta de uma nova
maneira de encarar a vida. Assim, a transformação pessoal foi
A
ocorrendo, em um processo de embodiment (VIEIRA, 2007) à
medida que as seguintes perguntas me perturbavam mais e mais:
Preciso ampliar minha abertura para preferências das outras pessoas
LO
e ser menos autoritariamente crítica? Se sim, como equilibrar isso
com uma postura e proposta que abarca, simultaneamente, respeito
às preferências e estímulos para novos conhecimentos e gostos? O
que perdi quando o meu foco era, principalmente, o produto da
N
investigação e o cumprimento fiel dos seus objetivos?
Nessa investigação, trabalhando com muitos estudantes e
W
suas diversas realidades, descobri o ensino como, também, um
caminho heurístico de autodescoberta. Enquanto aprendi sobre os
outros, aprendi sobre mim mesma e minhas filosofias de ensino.
O
pedagógicas mais deu certo com alguns estudantes, mas não com os
outros? Quais abordagens educacionais tiveram maior potencial para
qualificar as possibilidades de práxis artístico-pedagógica? Algumas
das propostas de ensino funcionaram melhor do que outras? Quais?
FR
176
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
Acredito que precisamos ‘dançar entre os dois polos’ (como sugeriu
a dançarina e coreógrafa alemã Mary Wigman), considerando
o contexto de ambos, artista-educador e discente, para que
A
possamos então desenvolver um trabalho artístico-educacional
que seja significativo para educandos e educadores.
LO
Considerações finais – Aprendendo ... sempre!
N
Esse artigo revelou a diversidade de propostas desenvolvidas em
um programa educacional em dança: os participantes, educandos do
ensino básico e da educação infantil não-fomal, participaram de aulas
W
semanais teórico-práticas de gêneros diversificados da linguagem, e
fruição de vídeos, apresentações e espetáculos ao vivo de diversos
estilos. Eles observaram aulas práticas dos alunos do Curso de
O
177
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
outros). Ao assistirem espetáculos de diferentes vocabulários,
incentivamos os alunos a desenvolverem suas potencialidades de
sensibilização, análise, contextualização, senso crítico e estético de
A
obras de arte. Os resultados obtidos após o desenvolvimento desse
intenso e variado trabalho de campo, revelaram ampliação do saber
LO
artístico dos participantes, colaborando assim, para a qualificação do
alfabetismo em dança.
Concordo com Clark Moustakas (2000) ao afirmar que ao
compreendermos as experiências, os sentimentos e os valores de
N
outras pessoas, podemos também experienciar autoconscientização e
autoconhecimento. Então, a descoberta e a reflexão fenomenológica
de novos significados nas experiências de participantes de uma
W
pesquisa, por exemplo, a aprendizagem dos participantes desse
estudo, pode trazer “possibilidades de autocompreensão individual
e coletiva bem como práxis reflexiva” (VAN MANEN, 1997, p. xi),
O
aula são mais benéficos para que aqueles alunos atinjam sucesso
pessoal e coletivo.
Aprendi a tomar posse do meu ensino por ‘ser’ eu mesma, ou
seja, exercitei minha autoridade interna (FORTIN, 2010), ao invés
FR
178
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
ser. Foi difícil para mim, assim como deve ter sido para o estudante
de seis anos que amava hip-hop, sair da minha zona de conforto. A
busca por formas alternativas de ‘ser’ me ensinou que, como eu tinha
que definir objetivos para esta pesquisa (especialmente porque ela
D
é financiada por agências de fomento), eu também tinha de pensar
o que mais importa: Que os objetivos da pesquisa fossem realizados
A
completamente ou o bem-estar dos alunos/participantes? Ou ainda,
como equilibrar ambos?
LO
Essas reflexões fazem parte do processo de autorreflexão que
procurei desenvolver concomitantemente às reflexões sobre os
dados coletados nessa pesquisa. É importante esclarecer que não
estou defendendo o isolamento do professor de dança, fechado em
N
seu próprio mundo, e se privando das riquezas das trocas. Porém,
realmente acredito que a reflexão autônoma é fundamental no
nosso cotidiano educacional, principalmente quando estamos
W
diante de situações imprevisíveis em que não há tempo para
consultar o conselho de amigos, colegas ou sugestões de teorias
educacionais. Como educadores em dança, precisamos desenvolver
O
179
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
produzido no corpo (emoções, sentimentos e sensações) daquele
da mente (razão). O que é produzido pelo corpo e entre corpos
faz parte do processo de embodiment, a meu ver. Esse diálogo
A
constante faz parte das formas de se construir conhecimento no
mundo.
LO
Acredito, ainda, que para que fatos, acontecimentos,
experiências e vivências fiquem embodied ou façam realmente
parte do nosso ser, das nossas memórias e histórias de vida,
é necessário que estejamos corporalmente engajados no
N
momento que vivemos. Nossos múltiplos sentidos precisam
estar conectados ao dentro-fora, pois para mim não existe essa
separação rígida que se acredita ter no senso comum entre o
W
que é externo e interno. Há sim uma química que permite haver
ligação indissolúvel nas trocas constantes entre o conhecimento
que se processa no meu corpo e o conhecimento processado nas
O
180
5 DANÇA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
D
não há mundo estável. Sob esta perspectiva, embodiment se faz,
se constrói, ‘dança’ de acordo com a interminância existencial.
A
Os participantes desse estudo me ensinaram o que preciso
abrir mão, a fim de crescer. Eu denomino isso de ‘perda
LO
produtiva’ (VIEIRA, 2007). Acredito que nossos valores como
arte-educadores podem ser modificados (para melhor) quando,
por exemplo, desistimos de algo como a voz autoritarista do
pesquisador e do professor, do ensino centrado no conteúdo, e da
N
investigação centrada no cumprimento dos objetivos. Ao aceitar
‘perda produtiva’, como parte da vida investigativa- pedagógica,
podemos aprender a descobrir ou redescobrir os valores humanos
W
a partir da intensificação das relações intra e intersubjetivas. São
aspectos poderosos e vitais para que nós, como agentes sociais,
provoquemos transformações e que o nosso mundo contemporâneo
O
181
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Referências
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184
6
D
Transformações nas concepções sobre
A
dança de profissionais atuantes no
LO
meio artístico e educacional1
Kathya Maria Ayres de Godoy
Introdução
N
W
Os dilemas e desafios postos à área da dança nos últimos anos
têm gerado reflexões sobre o papel que essa linguagem desempenha
nos meios acadêmicos favorecendo uma ampliação, no cenário
O
1 Esse texto conta com a colaboração do pesquisador Ivo Ribeiro de Sá, da PUC/SP.
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança – ANDA
em 2008, O I Congresso da ANDA (2010) e os Seminários de
Dança (2007, 2008, 2009 e 2010) que são eventos agregados ao
A
Festival de Dança de Joinville (o maior encontro mundial da área).
Esses eventos discutiram a dança como área de conhecimento e
LO
suas produções artísticas dentro e fora das Instituições de Ensino
Superior (IES).
Tendo em vista tal panorama, no início de 2006, foi criado, pela
Profª. Drª. Kathya Maria Ayres de Godoy, o grupo de pesquisa Dança:
N
Estética e Educação (GPDEE). Este grupo aglutina estudantes e
pesquisadores da área de dança e afins. Esses profissionais atuam no
cenário da dança de diferentes maneiras. São professores da Educação
W
Básica, do Ensino Superior, bailarinos, diretores e coreógrafos que
têm em comum a busca da reflexão sobre sua atuação artística e
educativa.
O
2 Neste programa foi criada a Área de Concentração Artes e Educação que tem como uma das
linhas de pesquisa – Processos artísticos, experiências educacionais e mediações culturais,
que se propõe a estudar os diversos processos artísticos em suas dimensões educacionais nas
perspectivas históricas e culturais.
186
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
formação continuada de profissionais atuantes no meio artístico e
educacional, identificando as concepções que eles possuíam sobre
A
dança e arte e as possíveis transformações destas a partir da passagem
pelo mestrado.
LO
Mas como existe grande procura para o ingresso no Programa
de Pós-Graduação – Mestrado – em Artes e o ingresso de 30
pesquisadores em média todo ano, para tal pesquisa, foram estudados
apenas os integrantes do Grupo de Pesquisa GPDEE em função do
N
acompanhamento longitudinal que a investigação exigiu.
Ao longo da pesquisa houve o ingresso de outros pesquisadores
W
que participaram de todas as ações propostas no estudo, mas seus
dados não foram considerados para análise, pois não houve a
participação no processo como um todo3.
O
3 Vale a pena salientar que a análise dos dados foi feita em parceria com o pesquisador Ivo
Ribeiro de Sá que pertence à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
e Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), porque tais dados revelaram
concepções sobre arte e dança que dialogam com o estudo das Representações Sociais, que
são objeto de estudo do pesquisador.
187
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
A construção dos passos metodológicos da pesquisa
A
Optamos por trabalhar com uma metodologia voltada a um
estudo qualitativo (porque os participantes foram os alunos do
LO
programa de pós-graduação que estão integrados ao grupo de
pesquisa Dança: Estética e Educação) por meio da pesquisa-ação
porque o pesquisador desempenhou seu papel profissional numa
dialética que articula a imaginação e o distanciamento, a afetividade
N
e a racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio,
a autoformação e a heteroformação, a ciência e a arte (BARBIER,
2002), que se aproxima do papel que desempenhamos como líder do
W
referido grupo.
Como procedimentos metodológicos, definimos quatro etapas
O
alunos especiais.
188
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
Graduação, como aluno regular ou especial, contaríamos com sete
participantes. Assim, estabelecemos que todos os integrantes fariam
parte da pesquisa. Essa escolha também foi feita porque avaliamos
A
que esse procedimento não constrangeria nenhuma das pessoas.
A segunda decisão se deu em função da primeira. Como os
LO
participantes não estavam regularmente matriculados, decidimos que
ao invés de procurarmos nos arquivos do Programa de Pós-Graduação
os documentos que forneceriam o perfil pessoal e profissional dos
participantes e o projeto de pesquisa, seria prudente, embora mais
N
trabalhoso, usar outros instrumentos para a coleta desses dados.
Com tais informações elaboramos um questionário para obtermos
W
os perfis e agregamos a esse instrumento questões que permitiram
a análise inicial das concepções que esses participantes possuem
sobre arte, dança e educação. Denominamos esse instrumento de
O
189
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
dadas pelo grupo, como uma forma de exercício de síntese de ideias.
Com isso, pudemos sintetizar cada projeto individual. Esses relatos
foram aproveitados na análise final do estudo.
A
Na segunda etapa (2007), aplicamos o questionário 1 e
organizamos os relatos pessoais colhidos durante as reuniões do
LO
GPDEE. Esse material foi analisado e complementou os dados
obtidos na aplicação dos questionários 1 e 2.
A terceira etapa privilegiou a análise preliminar do questionário
1 que procurou dividir as questões em categorias a posteriori. Isso
N
quer dizer que foi necessário um olhar distanciado da pesquisadora
para o objeto de análise – questionário 1 –, para que fosse delimitado
W
um termo identificador do objetivo da pergunta. Por exemplo: O que o
levou a procurar o grupo de pesquisa? A categoria criada foi: Motivos
da procura pelo grupo de pesquisa.
O
190
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
Segue abaixo um exemplo de organização dos quadros
interpretativos:
A
O que o levou a procurar o grupo de pesquisa?
LO
Participantes Motivos da procura pelo grupo de pesquisa
M. C.
área de Dança).
N
acontece a pesquisa acadêmica (metodologia, epistemologias na
191
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
motivo aparente é a identificação com a linha de pesquisa. Somente
uma participante relatou a afinidade entre as pessoas que pertencem
ao grupo.
A
Passamos então para a quarta e última etapa. Nesta, aplicamos
e analisamos o que denominamos de questionário de coleta 2. Este
LO
terceiro instrumento manteve as mesmas questões do questionário
de coleta 1, acrescido da atuação profissional em 2007 e 2008.
Adotamos o mesmo procedimento de análise usado no
questionário de coleta 1 para o Instrumento 3 (questionário de coleta
N
2), ou seja, procuramos dividir as questões nas mesmas categorias a
posteriori adotadas anteriormente.
W
Das respostas dos participantes também foi feita a análise a partir
do grifo dos termos, palavras e expressões que mostrassem relação
direta com o que foi perguntado. Os termos, frases e expressões que
O
192
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
Segue abaixo alguns exemplos do que perguntamos e das
interpretações feitas a partir das respostas dadas pelos participantes:
A
Para compreendermos o entendimento dos participantes sobre
a arte, perguntamos ‘O que é arte para você?’ Definimos como
LO
categoria a ‘Opinião pessoal sobre Arte’. As respostas mostraram
que o ser humano se expressa por meio das linguagens artísticas.
Os participantes também disseram que a arte é comunicativa.
Concretização e transmissão de ideias, sentimentos, pensamentos e
emoções também são recorrentes no discurso dos participantes. E a
N
criatividade é o elemento que traduz esta manifestação.
Os discursos também revelam que a concepção de arte para
W
os participantes vincula-se à relação do homem com o mundo por
meio da sensibilidade e das técnicas (virtuosismo, destreza, criação
do objeto estético etc.). Um só participante mencionou a arte como
O
área de conhecimento.
Os participantes mantiveram a manifestação criadora e a
D
193
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Mas a dança, para eles, ainda é definida como uma linguagem
artística que usa o corpo e o movimento expressivo como forma de
comunicação. Esses termos são recorrentes em todas as respostas.
A
Os elementos que a compõem são espaço, ritmo, forma, gestos que
também estão presentes nos discursos. Os termos técnica, estilos,
LO
métodos e sequências coreográficas revelam que, na opinião dos
participantes, essa linguagem possui uma característica voltada para
a especialização e codificação do movimento corporal.
Por outro lado vemos que dois participantes percebem a dança
N
como um componente de suas vidas quando se referem a ela com os
termos poesia, oração, sensibilidade fundamental e instrumental de
ações corporais cotidianas.
W
Outro aspecto que nos chama a atenção é a possibilidade do
trabalho individual e coletivo e o caráter lúdico que a dança traz
O
definição.
O primeiro é que é necessário um conhecimento do corpo por
parte de quem a pratica, bailarino/intérprete/aluno/professor, ou seja,
EE
194
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
quê?, foi a pergunta que revelou que todos os participantes concebem
a dança como uma área de conhecimento e admitem que ela pode
A
identificar uma cultura, um grupo social e uma época (tempo
histórico) por ser uma linguagem artística. Eles também relacionam
a dança a um aprendizado e ao ensino, pois consideram que esta
LO
linguagem possui conceitos que são sistematizados e interagem com
outras áreas (interdisciplinar).
Curiosamente, embora a maioria dos participantes compartilhe
da ideia que a dança é uma área de conhecimento que exige pesquisa,
N
aprendizado, amadurecimento, conceitos próprios, um deles vê
a dança como uma subárea da arte. O caráter interdisciplinar é
W
mantido, mas é fortalecida a visão da dança como elemento cultural
que constrói a história e a sociedade humana porque dá visibilidade
aos valores e às tradições de um povo.
O
195
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
do mesmo. A forma, o gesto e o tempo somam-se, articulam-se,
interligam essa maneira de comunicar uma ideia.
A
A comunicação e a expressividade são elementos recorrentes na
definição de dança. As respostas também sugerem que a comunicação
e a expressão se dão por meio do corpo e do movimento que conta
LO
algo, narra uma história, ligada ao meio e à cultura.
Então as respostas obtidas na questão ‘Você acha que para se
trabalhar com dança é preciso uma formação específica? Por quê?
Qual?’ mostrou que para os participantes praticar dança, não garante
N
o ensino da dança, pois a construção de uma narrativa do corpo
necessita de imersão cultural e formação específica adquirida ao
W
longo da profissionalização na área. Por isso todos os participantes
admitem que é necessário um conhecimento específico.
Parecem concordar também que a experiência prática é
O
prática).
O ensino técnico (estilos, técnicas específicas, métodos) aparece
como fator relevante para o professor que pretende trabalhar com
EE
196
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
para professores do Ensino Infantil para se trabalhar com essa
linguagem específica.
A
Há consenso entre os participantes que é preciso uma
formação específica para se trabalhar com dança. A experiência
prática é necessária. Alguns veem que essa prática pode ser
LO
adquirida anteriormente à graduação e outros sugerem que exista
uma formação graduada na área ou afins que o habilite a trabalhar
com dança.
Ao indagarmos ‘O que você pensa da dança na educação?’
N
as respostas dos participantes colocam que a dança na educação
proporciona o desenvolvimento corporal (motor), a exploração dos
W
movimentos, o reconhecimento do corpo e a criatividade. Outro
ponto destacado se refere à relação da criança consigo, com o outro
e com o meio sociocultural por meio do ensino da dança.
O
197
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
explorado – a dança na educação.
Para os participantes, a dança deveria fazer parte do currículo
A
da escola. Isso mostra a relevância que essa linguagem possui para
eles e como eles passaram a encará-la em relação à educação e a
sua inserção no espaço escolar. Esse espaço é algo a ser conquistado
LO
e explorado. Nesse sentido percebemos a necessidade da dança
estabelecer um diálogo com a educação.
Quando arguimos como os participantes enxergam a inserção
da dança no meio educacional, eles responderam que a linguagem da
N
dança no meio educacional é pouco explorada. Isso se deve à falta de
profissionais qualificados para esta área de atuação.
W
Os cursos superiores de arte e de pedagogia ainda não possuem
a linguagem da dança nos seus currículos. Há poucas graduações
em dança no país. Em uma década (2000 a 2010) passamos de 12
O
extracurricular.
As respostas ainda revelaram que é preciso a capacitação dos
professores que já atuam nas escolas. Estes professores são pedagogos
e licenciados em educação física, por isso há a necessidade de
propostas de formação continuada em contexto no sentido de
198
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
casos, equivocada. Temos as danças midiáticas como uma ilustração
desse equívoco. Isso ocorre porque de fato é necessário um projeto
A
político voltado para essa questão. Envolve também a mudança de
currículo dos cursos de formação inicial na área educacional, além
do estímulo para a abertura de novos cursos de graduação específicos
LO
na área de dança na cidade de São Paulo. Percebemos um tímido
avanço nesse sentido, isso sem falar que possuímos apenas uma pós-
graduação em dança no Brasil (UFBA). O contexto em relação à
área da dança merece uma discussão apropriada que deve ser feita
N
nos meios acadêmicos, eventos científicos, associações e redes de
cooperação, já citadas anteriormente.
W
Em relação à atuação profissional dos participantes, perguntamos
sobre a inserção em projetos artísticos e educacionais na área de
dança e se isto agregaria algo na formação profissional e pessoal.
O
199
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
si (iluminação, palco etc), o registro dos acontecimentos (vídeos e
fotos), além do trabalho em equipe.
A
Os participantes, em sua maioria, vincularam-se a projetos
artísticos na área de dança. Esses vínculos profissionais
possibilitaram estar em cena atuando e estar fora da cena, nos
LO
bastidores. Enfim, em ambas as atuações houve a reflexão sobre
o dançar, o que é necessário para a construção da cena artística,
desde o estudo e a pesquisa sobre o tema, até os recursos financeiros
para que o projeto aconteça.
N
Os outros projetos mencionados são individuais e bastante
variados e mostram que os participantes têm clareza que existe
W
integração entre os projetos artísticos em dança e a formação pessoal
e profissional, pois citam que é “necessário uma vivência prática a
respeito da dança para dialogar com os conhecimentos teóricos e
O
vice-versa”.
Uma só integrante não pretende se vincular a projetos artísticos
D
200
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
saberes de uma experiência para outra. Tal transposição também
ocorreu de outras formas nos outros participantes, quando foi
A
relatado que o acompanhamento feito em um projeto de extensão
(IAdança) fez com que o participante retomasse alguns conceitos
aplicando-os na sua prática profissional. Essa reflexão também foi
LO
feita no sentido de articular os conceitos teóricos à prática e após
nova reflexão voltar à aplicação prática de outra maneira. Esse é o
praticum reflexivo de Schön (2000).
A opção do tripé ensino, pesquisa e extensão como estratégia
N
de trabalho do grupo de pesquisa também se evidenciou nas
respostas, pois o II Unidança – Encontro Universitário de Dança e
W
o ENGRUPEdança – Encontro Nacional de Grupos de Pesquisa em
Dança mostram que eventos científicos e culturais podem agregar
a extensão e a pesquisa acadêmica de diferentes maneiras e, no caso
O
201
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Considerações finais
D
de atuação de profissionais oriundos do Programa de Pós-Graduação
em Artes da Unesp’ que teve como preocupação a formação
A
continuada dos alunos de Pós-Graduação procurando explicitar
algumas transformações ocorridas nas concepções que eles possuíam
LO
sobre arte, dança e atuação profissional na passagem pelo mestrado.
A universidade é uma instituição cujas finalidades e estruturas
refletem o momento de desenvolvimento de uma sociedade, nas suas
coerências e contradições, e por isso, não pode se furtar em pensar
N
sobre a formação continuada dos alunos de Pós-Graduação. Ela é
uma agência que pode desencadear transformações na sociedade,
pela produção e socialização do conhecimento científico e pela
W
elaboração de valores em uma perspectiva crítica e independente,
tanto quanto possível (GODOY, 2003). A Pós-Graduação se coloca
como possibilidade de busca de informações que proporciona a
O
formação de formadores.
O termo formação continuada passou a ser utilizado para
englobar a maneira pela qual os profissionais da educação podem
EE
202
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
formação inicial e continuada e as experiências vividas pela pessoa
(MIZUKAMI et al., 2002).
A
As respostas dadas pelos participantes da pesquisa fortalecem
a ideia de busca de processo permanente colocada pela autora e
também revelam que as expectativas em relação à essa formação
LO
sofreram mudanças ao longo da pesquisa porque houve a ampliação
desse espaço de construção e reconstrução de novos saberes advindos
das relações sociais promovidas pelo convívio com os colegas do
Programa de Pós-Graduação em situações pedagógicas e artísticas e
N
com o grupo de pesquisa Dança: Estética e Educação.
As questões que nortearam esse estudo procuram trazer
W
aspectos que identifiquem quem são os alunos que procuram uma
formação continuada e como pensam a arte, a dança e a relação
delas com o meio educacional. A identificação de transformações
O
pesquisa.
Embora a arte e a dança se configurem como áreas de
conhecimento, elas também se particularizam na medida em que
EE
203
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
As concepções que os participantes revelaram sobre arte e
dança e a inserção destas no meio educacional se transformaram
A
na passagem pelo mestrado. A alteração se expandiu em função da
interpretação dos participantes sobre as informações obtidas ao longo
desse processo. O contato com o meio acadêmico especificamente na
LO
Pós-Graduação (em Artes) favoreceu o acesso a novos códigos que
se somaram a outros trazidos das vivências anteriores e da formação
inicial.
A atuação em projetos artísticos e educativos os auxiliou
N
no trânsito entre a produção artística individual e coletiva.
As respostas revelaram que a construção coletiva pode ser
W
individualizada nos projetos de pesquisa e que os saberes
advindos da ação refletida no coletivo podem subsidiar uma
ação diferenciada (SCHÖN, 1997). As situações de incerteza e
O
Referências
204
6 TRANSFORMAÇÕES NAS CONCEPÇÕES SOBRE DANÇA...
D
Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília, DF,
2000.
A
DURKHEIM, E. Sociologia e Filosofia. Rio de Janeiro: Forense, 1970.
LO
GODOY, K. M. A. Dançando na escola: o movimento da formação
do professor de arte. 2003. Tese (Doutorado em Educação)-Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
N
processos de investigação e formação. São Carlos: EdUSFCar, 2002.
1993.
205
FR
EE
D
O
W
N
LO
A
D
7
D
Dança coral: ampliando o acesso da
A
sociedade à dança
LO
Maristela Moura Silva Lima, Alba Pedreira Vieira
O ócio e a tecnologia
N
A vida do homem contemporâneo é permeada de realidades
contrastantes. A tecnologia e a ciência oferecem rapidez, saúde e
W
conforto, mas ao mesmo tempo, demandam-lhe mais trabalho,
concentração e flexibilidade para satisfazer as exigências do
cotidiano. Neste contexto, as pessoas passam mais tempo envolvidas
O
D
aspectos em detrimento de outros. Na perspectiva de que tudo na
vida é relativo e de que depende do equilíbrio e do bom senso do
ser humano, o uso da máquina e das novas tecnologias para um
A
propósito benéfico tem alterado o uso do tempo e espaço do homem
contemporâneo.
LO
A rapidez com que se constroem edifícios e pontes, o deslocamento
para países distantes, a internet, as transmissões televisivas, fizeram
o mundo encolher, dando a impressão de que toda a humanidade
desfruta dos mesmos bens, apesar das diferenças étnicas e éticas. Por
N
outro lado, a aceleração do maquinário destruidor de seres humanos
e da natureza tem se tornado preocupante. O ruído perturbador
das motosserras, os aviões de guerra, as máquinas mortíferas de alta
W
precisão e amplitude, os hackers e navegadores expurgos da internet,
aceleram a destruição do planeta e da serenidade entre os homens.
O
208
7 DANÇA CORAL
D
uma parcela da sociedade global, observa que as atividades mentais
prevalecem sobre as corporais. Entre as atividades intelectuais mais
A
apreciadas, a criatividade tornou-se um elemento fundamental
associada aos conceitos estéticos inovados pela rapidez que a
LO
transformação tecnológica permite. Arbitrariamente, se o homem
sobrevive com menos esforço físico e possui mais tempo para desfrutar
de momentos de lazer, o que o impede de se inteirar com outras
pessoas? Como a dança pode interferir e possibilitar o relacionamento
entre as pessoas em uma sociedade em que as pessoas estão muito
N
preocupadas em produzir e desfrutar dos bens materiais? Como a
dança pode qualificar a dimensão humanística que cada ser humano
W
possui de se doar e compartilhar coletivamente momentos de alegria,
prazer e felicidade? Um estudioso da arte da dança que aborda essas
questões é Rudolf Laban, cuja proposta será discutida nesse texto.
O
D
SOS ao Brasil
209
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
educacionais competirem com a rapidez das informações que têm
afetado a noção de tempo e espaço, sugerindo novos modos de vida
A
e de relacionamentos. A perda de identidade se dá pelo rompimento
com as tradições em simples aspectos culturais que ao longo do
LO
tempo vão influenciando a língua, costumes e tradições (ALVES,
2004). Historicamente, o Brasil tem recebido enorme influência de
países europeus e norte-americanos, assim como em outros países
da América Latina fato que tem impedido a valorização da nossa
própria cultura.
N
O povo brasileiro apresenta características muito distintas e
manifestas na linguagem, na alimentação e nas tradições culturais,
W
pela sua dimensão continental e diversidade geográfica. A arte de
Jobim, por exemplo, traz uma verdade incontestável, quando afirma
que “O Brasil não conhece o Brasil, o Brasil, SOS ao Brasil”. Falta
O
210
7 DANÇA CORAL
D
e a programação destes meios de comunicação não valorizam a arte e
as autênticas manifestações culturais do povo brasileiro.
A
É claro que os aparelhos de TV, rádio e computador não têm
vida própria e não se impõem nas salas de estar das famílias. Mas é
o homem que tem o domínio, o livre arbítrio para ligar ou desligar
LO
o aparelho acionando um simples botão. Entretanto, falta a este
homem espírito crítico, educação, para avaliar o que deve ser feito
e quando, e entender que pode fazer suas escolhas. Segundo dados
do IBGE (2000), o Brasil possui 34 milhões de jovens na faixa de
N
idade entre dez e 19 anos.1 Considerando esse patrimônio humano
fantástico, é inconcebível que em uma sociedade de população tão
jovem não haja investimento financeiro nessa faixa-etária, no campo
W
da educação e das artes, na busca de se promover uma conscientização
social, artística e cultural.
O
D
comunicação.
O brasileiro, fruto de uma combinação étnica, renega o vestuário
de tecidos estampados com motivos desenhados impregnados de
211
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
e norte-americana, a moda brasileira, principalmente no inverno,
segue uma linha clássica e monótona, fazendo uso de cores neutras
e escuras. No imaginário social dos países de primeiro mundo parece
A
ser inconcebível o traje com estampas diferentes, o que é considerado
brega e de mau gosto.
LO
No entanto, obedecemos, muitas vezes cegamente, às regras
de países que sofrem inverno rigoroso e frio por mais de seis meses,
anualmente. Nestes países as cores escuras são usadas por seu aspecto
prático e funcional, pois atraem o calor do sol e aquecem o corpo dos
N
seus usuários. Temos o nosso clima tropical, o nosso jeito de ser,
nossa ginga, a natureza exuberante em cores e formas e deveríamos
usufruir desta realidade.
W
A safra de produção de carros brasileiros de cores neutras é outro
exemplo de imposição do gosto estrangeiro. Atualmente, predomina
O
212
7 DANÇA CORAL
D
brasileira, tão rica e apreciada pelo mundo inteiro.
Comercialmente analisando, observamos que o turismo
A
nacional não é valorizado. É mais fácil, em termos de oferta e
economicamente falando, engajar-se numa viagem ao estrangeiro
do que a muitos lugares no Brasil. Entretanto, nosso Brasil é
LO
vendido lá fora a preços módicos e muitos estrangeiros vêm até
nós em busca do exótico, ansiosos também por apreciar nossos
ritmos e danças. Eles procuram pelo que é nosso, enquanto nossos
brasileiros se ocupam em se ‘atualizar’ com a cultura globalizada
e sem identidade.
N
W
Brasil: cultura rica em ritmos e danças
O
213
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
cultural que nasceu nos guetos americanos, como um movimento
genuinamente negro, que se configura como expressão da identidade
A
das comunidades negras que representam um percentual de 48%
da população norte-americana. Associado ao rap (rhythm and
poetry), uma linguagem musicada que denuncia as mazelas sociais
LO
da sociedade americana em versos rimados, o hip-hop, tomou uma
dimensão de movimento cultural de protesto e reivindicação em
vários países. No Brasil, o hip-hop foi rapidamente absorvido pelas
populações da periferia das cidades, que se identificaram com a
N
problemática racial dos negros norte-americanos, e adotaram o
mesmo estilo para protestarem contra o sistema discriminatório da
sociedade brasileira. Na fusão do hip-hop com o ‘tempero’ rítmico
W
brasileiro surgiu a hibridização deste tipo de dança com a batida
do samba, divulgado pelo compositor e cantor Marcelo D2, entre
outros. Podemos afirmar que o rap não é nada mais que uma releitura
O
214
7 DANÇA CORAL
D
Espírito Santo, surgiu como novo formato no sentido da execução
exigindo os passos e deslocamentos da dama na ponta dos pés e
um posicionamento da cabeça dos parceiros fora do eixo central
A
do corpo, comprometendo a boa postura do casal. O autêntico
forró nordestino envolve os parceiros em um contato íntimo, com
LO
deslocamentos em passos miúdos, enfatizando o movimento dos
quadris de ambos, sem o exagero de figuras e giros estereotipados.
Ao som dos trios constituídos pelo acordeom, zabumba e o triângulo,
ou mesmo motivados por sons eletrônicos, os casais desfilam pelo
salão, dançando com modesta descrição.
N
Cabe aqui fazer alusão às danças de festas familiares e às
realizadas em locais públicos como discotecas e galpões. As danças
W
de salão estiveram em vanguarda durante muito tempo até que
com o advento das grandes guerras mundiais os pares, por falta
principalmente do parceiro masculino, se descaracterizaram. A
O
215
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
um contexto que permite a exibição do seu modo de ser. Uma festa
onde as pessoas dançam assemelha-se à uma sessão de catarse,
A
de terapia em grupo. Neste momento são deixados de lado os
maneirismos e comportamentos socialmente aceitos, adequados à
LO
representação teatral da vida na sociedade, cedendo lugar à livre
expressão corporal e ao prazer.
Há festas, como as raves, em que música, dança e drogas criam
um clima ‘surrealista’, ‘alogênico’, ‘irreal’, onde os participantes
N
se ‘desligam’ da realidade em nome do prazer. Este ‘prazer’ tem
conotações diferentes para diferentes tipos de pessoas. Frances Rust
(1969) denomina estas danças de patogênicas.
W
Não é concebível compreender porque, precisamente nesta
fase histórica da humanidade, de tantas incertezas, contradições e
O
216
7 DANÇA CORAL
D
A
Dança: arte da vida
LO
existindo apenas no corpo da pessoa e morrendo com ela. Muita dança
se perdeu no tempo e no espaço e quem dançou reconheceu o seu
poder de expressão. Muita dança se multiplicou no tempo e no espaço
e quem dançou se apaixonou pelo que viu e ouviu. As evidências que
N
o homem primitivo dançava estão registradas em pinturas nas pedras
e vasos encontrados em cavernas e sítios arqueológicos com milhares
de anos de existência. Provavelmente, a batida de pés no chão devia
W
caracterizar a dança dos povos primitivos, costume mantido até hoje
como tradição dos ancestrais pelas tribos remanescentes em lugares
distintos da civilização moderna.
O
expressão dos povos que não usam a escrita para perpetuarem suas
tradições (KRAUS; CHAPMAN, 1981).
A dança está inserida em toda obra de arte, porque é por
meio do movimento de segurar a palheta, pincel, caneta, folha de
FR
217
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
a liberdade de usar o corpo como instrumento da interpretação dos
conceitos de energia corporal, ritmo, espaço, valores estéticos e
A
culturais, bem como emoções de um povo, concretizadas por meio
de danças executadas individualmente, em pequenos ou grandes
grupos.
LO
A Arte do Movimento de Rudolf Laban
N
No final do século XIX, no tempo da efervescência dos
questionamentos sobre a mecanização da força de trabalho humano,
W
e os números de horas dedicadas à produção nasceu em Bratislava,
na Hungria, o filósofo e dançarino Rudolf Laban (1879/1958). Ele
revolucionou as artes cênicas no início do século XX e desenvolveu
O
218
7 DANÇA CORAL
D
em que se vive e as circunstâncias que se enfrenta no cotidiano
(LABAN, 1951). As surpresas de cada dia acontecem com o
movimento dos seres vivos e objetos que se deslocam no entorno
A
de pessoas, com seus ritmos próprios, oferecendo espetáculos
gratuitos de ação e drama. O balanço das folhas e flores, as ondas
LO
do mar, o passar das nuvens, o batimento cardíaco, a luta pela
sobrevivência são manifestações de dança.
Movimento é sinônimo de ritmo, de vida. Enfrenta-se nova
situação constantemente e essa novidade torna a vida interessante
N
e desafiadora. Cabe a todos deleitarem-se com a dança espontânea
que se cria a cada momento em casa, no trabalho, na rua, ao se
W
perceberem ocorrências momentâneas com a visão de um artista
que capta as cores, ritmos e movimentos do ambiente privado ou
público. No ambiente rural, pode-se observar o movimento das
O
219
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
A dança coral2
D
movimentos é pouco comum, apesar de ser muito antigo. É bem
possível que as primeiras danças dos seres humanos foram danças
corais. No processo de individualização as pessoas perderam o hábito
A
de se expressarem em grupos com exceção dos corais e das orquestras
de música.
LO
Um número de dançarinos reunidos em grupo e executando
um trabalho de dança coral produz efeitos que não são possíveis
de serem apresentados por um único dançarino. Esses efeitos são
atribuídos ao impacto artístico causado no público. Certos tipos de
N
dança possuem o objetivo de energizar os dançarinos e possuem,
consequentemente, valores recreativos e educativos aos próprios
dançarinos, independente do olhar dos espectadores. A dança coral
W
recreativa é formada por composições simples o bastante que podem
ser realizadas por qualquer pessoa. As danças corais representativas
da arte do movimento envolvem composições elaboradas, cujo
O
2 As ideias contidas nesta seção do artigo referem-se à tradução do artigo original, Notes on
Choric Dance, publicado no Laban of Movement Guild, Surrey, England, Bartle & Son Ltda.,
1939. Tradução livre feita por Maristela Moura Silva Lima.
220
7 DANÇA CORAL
D
que proporciona a liberação dos efeitos negativos que a repressão
social impinge sobre o indivíduo. Se todas as pessoas ao nosso redor
A
se movimentam não há necessidade de esconder e não há razão para
sentir desconforto, inibição ou medo (é por meio do movimento
que mostramos nossa autêntica maneira de ser, de reagir frente às
LO
diversas situações que enfrentamos no cotidiano). A experiência
com a dança coral pode ser vivenciada em reuniões festivas ou em
encontros com propósitos definidos, cujo movimento improvisado
ou espontâneo não é artisticamente organizado.
N
O sacudir rítmico do corpo inteiro de um dançarino não pode
ser considerado dança no sentido da estética por excelência. Assim,
W
também, uma apresentação homogênea e a repetição de um gesto
rítmico de todos os membros de um grupo não pode ser considerada
uma dança coral de importância artística. A diversidade de temas de
O
Fazer e dançar
221
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
interpretar essa afirmação em um sentido amplo, metafórico e
poético, olhando-se o mundo em que se vive e as circunstâncias
que se enfrenta no cotidiano. Dança, no sentido amplo de recrear,
A
de recriar momentos, sensações agradáveis, ou apenas sentir
prazer de viver o momento presente. Dança, no sentido de estar
LO
vivo, aberto às situações corriqueiras ou especiais que preenchem
a vida (LABAN, 1959).
As surpresas de cada dia acontecem com o movimento dos seres
vivos e objetos que se deslocam no entorno de pessoas, com seus
N
ritmos próprios, oferecendo espetáculos gratuitos de ação e drama.
O balanço das folhas e flores, as ondas do mar, o passar das nuvens,
o batimento cardíaco e a luta pela sobrevivência são manifestações
W
de dança.
Podemos nos permitir estar despertos e abertos às sensações e à
O
222
7 DANÇA CORAL
D
corpo e na agitação da mente. As pessoas se revelam de forma
única no fazer e dançar, espelhando traços de personalidades e
A
vontades. Fazer é necessário para a sobrevivência do homem.
Dançar, embora não seja diretamente necessário à sobrevivência,
recupera o homem do desgaste do fazer (LABAN, 1939). Dançar
LO
amplia os horizontes do fazer humano, pois considera a natureza
lúdica que o homem possui e lhe permite atingir um equilíbrio
entre o mecânico e o sensível-criativo da alma humana. Neste
contexto, o esporte, as brincadeiras e o dançar são essenciais na
N
recuperação do desgaste do fazer.
A dança exerce efeito restaurador no corpo e espírito de quem
W
imerge na fluência de seus próprios movimentos. Quando uma criança
ou adulto se envolve com a dança, executa uma série de movimentos
que têm o único propósito de expressão pessoal. É esta imersão em
O
223
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
desses eventos artísticos. Laban usava a sua invenção para ajudar
as pessoas a enxergarem além dos estilos formais da época e a
apreciar suas danças, em seus ritmos próprios e de acordo com
A
as suas capacidades individuais (CHAPMAN, 1974). Essas
danças corais forneceram experiências de alegria no movimento
LO
em grupos grandes ou pequenos, que não exigiam habilidades
sofisticadas.
O homem contemporâneo pode usufruir de todas as benesses
dos avanços tecnológicos. Mas o ser humano é, por excelência,
N
um ser social e precisa do outro para sobreviver e se realizar como
pessoa e deveria ter mais tempo para o lazer e o relacionamento
intersubjetivo. Nesse sentido, afirma Laban (1975, p. 85):
W
Na minha opinião, o verdadeiro propósito do
O
224
7 DANÇA CORAL
D
representasse o espírito de união e poder do povo alemão. Outra
versão é que essa proposta poderia ter causado dúvidas ao sistema
tão massificante, que não permitia expressões individuais e tampouco
A
coletivas. Este tipo de manifestação em massa não agradava aos
ideais políticos vigentes e, para exemplificar essa justificativa, há o
LO
fato, citado por Foster (1977) que Laban foi exilado da Alemanha
em 1936 sem direito de levar seus esboços e projetos até então
realizados.
Vieira (2009, p. 14) esclarece que:
N
A Dança Expressionista foi mais divulgada no
Brasil na década de 40, por professores de dança e
W
bailarinos europeus que fugiam da guerra. Ou seja,
o gênero foi difundido no nosso país justamente
em uma época em que as pessoas tinham sede de
O
225
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Brasil em 1946 com experiência e gosto pela dança Expressionista.
Nasceu em Moscou e
A
estudou o Balé clássico tradicional com Olga
Preobajenska e o Balé Clássico mesclado com a
LO
Dança Expressionista com Bronislava Nijinska,
irmã de Vaslava Nijinski. Na Europa, a curiosa
Verchinina estudou também com Rudolf Laban,
absorvendo os ensinamentos revolucionários desse
precursor da Dança Expressionista (VIEIRA, 2009,
p. 12).
N
W
Exemplos de dança Coral
226
7 DANÇA CORAL
D
conhecem e que, voluntariamente, vão se dando as mãos com um
único propósito de dançar juntos.
A
As festas juninas ainda sustentam uma forte tradição que se
impõe como um dos entretenimentos brasileiros mais populares,
mantida pelo incentivo das comunidades escolares, familiares ou
LO
de bairros. Também de origem europeia, sustentadas por uma forte
tradição religiosa católica atribuídas aos santos, estas festas envolvem
comidas e bebidas típicas, e a decoração peculiar do local onde são
realizadas. O grande estímulo para a participação destas festividades
N
são as quadrilhas que podem ser previamente organizadas ou acontecer
espontaneamente, sendo atraentes e fáceis de serem executadas por
crianças, jovens e idosos. Esta integração entre pessoas de diferentes
W
faixas etárias propicia um contentamento grupal que fortalece a
perpetuação desta tradição popular. Na evolução dos participantes
das quadrilhas alguns comandos são realizados com vocábulos da
O
227
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
com o objetivo de unir as pessoas por meio de movimentos realizados
em uníssono com propostas de sensações de júbilo coletivo e com
a interação de pessoas (WOSIEN, 2002). Os focalizadores, assim
A
denominadas as pessoas que promovem a realização deste tipo de
dança, consideram as dimensões holísticas que o poder da dança em
LO
conjunto proporciona aos indivíduos.
Outro tipo de dança coral surgida também na Alemanha, na
década de 1970, é a dança Sênior, criada sob a liderança de Ilse Tutt
e que chegou ao Brasil na década de 1990 como atividade lúdica
N
praticada em grupo, que ajuda a expressar as emoções, estimula a
memória e coordenação, além de ser um bom exercício físico que
pode ser realizado com a pessoa sentada. As coreografias combinam
W
ritmos estrangeiros, como polca e valsa, associados aos ritmos
brasileiros de chorinho, samba e marchinhas carnavalescas.
O
228
7 DANÇA CORAL
D
homem sente, inconscientemente, a necessidade de interromper
seu movimento funcional, respirar fundo, alongar o corpo, olhar
A
pela janela e fugir momentaneamente da intensidade exigida
pelas ações que demandam responsabilidade e competência. Este
LO
mergulho em seus próprios pensamentos, revelado na liberdade
de expressão gestual, revela a necessidade de resgate da sua
individualidade, de acesso à intimidade pessoal, verdadeira e
refrescante.
Nas instituições educativas, nas empresas, em fábricas, nas
N
igrejas ou em todo ambiente onde se concentram muitas pessoas
que trabalham para um bem comum, dançar juntos deveria ser uma
W
prioridade de todo o grupo. É por meio de momentos de alegria coletiva
que as pessoas experimentam vibrações positivas, que energizam o
ser humano. Um provérbio popular afirma que a felicidade plena tão
O
229
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
mais longas que o tronco se movimentava no nível alto, enfatizando
a parte superior do tronco, considerada como o centro de leveza do
A
corpo, executando movimentos mais leves e lentos. Os normolíneos,
de proporções mais equilibradas, se movimentavam com qualidades
mais fluentes e livres no nível médio, com possibilidades de maior
LO
movimentação na área dos quadris e parte superior das pernas.
Aos brevilíneos, pessoas de mais baixa estatura que apresentam
musculatura bem desenvolvida e ossatura mais pesada, eram
atribuídos movimentos mais energéticos, com possibilidades de
N
explosão, tendendo à queda e elevação com mais facilidade (OTTE-
BETZ, 1938).
W
A composição da dança coral compreende uma gama de
elementos derivados dos fundamentos estruturais do Sistema Laban
de Movimento, também designado como Análise de Movimento
O
230
7 DANÇA CORAL
Flexível Expandir
Leve Subir
D
Direto Fechar
A
Livre Controlada
Avançar Afastar
LO
Sustentado Súbito
Descer
Firme
231
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
campos de futebol), diversas instituições (por exemplo, escolas,
empresas, clubes, asilos, hospitais, hotéis) e com todas as faixas
etárias.
A
Vários artistas-educadores no nosso país já têm se valido dos
princípios de Laban para desenvolver o processo educacional em
LO
dança. Nesse sentido, Vieira (2009, p.6) afirma que:
N
Dança, indo ao encontro do movimento mais amplo
que já vinha norteando o trabalho dos artistas das
outras linguagens. Ao mesmo tempo que devia se
W
conquistar o espaço para instauração do novo, as
pessoas na ânsia do que era novo, dispunham-se ao
aprendizado das novas formas de movimentação e
de trabalho corporal das novas propostas.
O
Considerações finais
232
7 DANÇA CORAL
D
de um movimento que envolve todo o corpo em uma unidade
humanizante. Outro exemplo é a expressão coletiva de pessoas que,
quando assistem a um espetáculo musical, acenam com os braços em
A
uníssono em sintonia com a música. Se essas formas de expressão
já acontecem por iniciativas de grupos de pessoas, acreditamos que
LO
essas propostas também devem fazer parte do processo educacional
em dança. As conexões intrapessoais simultâneas às interpessoais
(conexões, colaborações e trocas coletivas) das pessoas que criam
e executam a dança coral, deveriam fazer parte do processo de
N
formação dos brasileiros em ambientes formais e informais.
A partir dos exemplos citados neste texto, podemos refletir
W
e destacar a capacidade que o brasileiro tem de se organizar para
um bem comum que apresenta beleza e compartilhamento. Não
poderíamos agir assim também para erradicar a desigualdade social
O
Referências
FR
233
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social dance and society in England from the Middle Ages to the present
O
235
FR
EE
D
O
W
N
LO
A
D
8
D
A mercadorização da dança nas noites
A
urbanas: dilemas contemporâneos1
LO
Eliane Regina Crestani Tortola, Larissa Michelle Lara
Introdução
N
Os dilemas que tocam o campo da dança na contemporaneidade
ocorrem não apenas por meio de sua compreensão como campo de
W
conhecimento educativo, artístico e expressivo, com a finalidade de
celebrar a vida ou de executar movimentos técnicos que primem pela
beleza e pela estética. Tais dilemas focam, também, a dança como
O
1 As reflexões que constituem esse texto sobre a dança como mercadoria advêm de pesquisa
realizada em casas noturnas na cidade de Maringá-PR, materializada em dissertação de
mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física UEM-UEL.
Cf. Tortola (2011).
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
O entendimento do que vem a ser dança no universo simbólico
das casas noturnas perpassa seu reconhecimento como produto
A
exposto nesses espaços urbanos e de forma atrativa para a conquista
de um número cada vez maior de consumidores. Quem pratica
dança, seja qual for o contexto, o faz por prazer ou por necessidades
LO
diversas como, por exemplo, pertencer a determinado grupo social
ou conquistar o sexo oposto.
Em nome da falsa identidade e democratização que a dança
parece suscitar nesses espaços, ao público é oferecido o consumo
N
padronizado de bens culturais. A produção e a disseminação de bens
moldados para a satisfação de necessidades iguais são justificadas por
W
meio de uma explicação tecnológica, em que a racionalidade técnica
é, na atualidade, racionalidade da própria dominação, o caráter
compulsivo da sociedade alienada em si mesma.
O
2 A indústria cultural é um termo explicado por dois autores da Teoria Crítica da Sociedade
da Escola de Frankfurt, Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, que o empregaram pela
primeira vez, em 1947, de modo a discutir sobre a mercadorização da cultura, sua reificação
e banalização. Esse mecanismo adapta-se como sistema no qual todos os seres humanos
produzem e consomem de forma aligeirada, rompendo com a capacidade de mediação do
conhecimento, promovendo a gratificação imediata.
238
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
demanda está intimamente relacionada ao que está sendo veiculado
pela mídia pois, independente do ritmo, as músicas e danças são
A
repetidamente trazidas ao conhecimento dos sujeitos que, por vezes,
possuem apenas a televisão ou internet como meio de apropriação da
LO
realidade. O processo midiático reproduz o que deve ser consumido e
os consumidores não se furtam em fazê-lo, sem questionamentos.
Os vários tipos de dança são apresentados ao público, na
maioria das vezes, por meio da televisão, de modo a agregar as
N
pessoas mediante uma autoridade emocional que persiste e aliena.
Mas não é só por meio da televisão que as danças são apresentadas.
Elas também são disseminadas no contexto escolar, em academias,
W
clubes e festas. É mediante a repetição das danças, sob os mais
diversos mecanismos, como grupos musicais famosos, programas de
auditório e novelas que elas são aceitas e reproduzidas, confirmando
O
239
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
A dança no lazer noturno
A
De modo a entender a dança como produto em casas noturnas
é necessário pensá-la no contexto do lazer. Como ressalta Marcellino
LO
(2006a), para que uma atividade seja entendida como lazer deve
atender a alguns valores ligados a atitude e tempo, possuindo um
caráter desinteressado, relacionado ao divertimento, ao descanso
e ao desenvolvimento pessoal, bem como a outras esferas da vida
N
social. Entretanto, para o autor, essas características se deturpam
nas “práticas compulsivas, ditadas por modismos ou denotadoras de
status”. (MARCELLINO, 2006a, p. 14).
W
De acordo com as orientações de Marcellino (2006a, p. 15),
devemos levar em consideração os riscos relacionados à utilização
O
240
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
sua prática. Nas relações sociais, a dança como lazer se manifesta por
meio dos interesses sociais, o contato face a face, o relacionamento
e o convívio com outras pessoas, que ocorre em dados contextos, a
A
exemplo das casas noturnas.
Nesses espaços urbanos, a dança se ramifica de acordo com o
LO
estilo musical, com as relações estabelecidas entre os frequentadores
e o entendimento que cada ator social tem sobre o lazer. Nos centros
urbanos não há espaço suficiente para o lazer e tal equipamento se
torna um dos locais utilizados por consumidores de entretenimento,
N
gerando lucro à iniciativa privada. Marcellino (2006b, p. 73) comenta
o quanto o entretenimento deixou de estar tão somente ligado aos
valores de diversão tornando-se “lazer de mercadoria” e afirma ser a
W
falta de espaços vazios urbanizados um dos fatores mais importantes
para esse fenômeno. O autor explica o porquê desse pressuposto:
O
p. 73).
241
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
das casas noturnas no processo de comercialização, disseminação
e padronização de gostos musicais. Janotti Júnior (2004, p. 194)
A
contribui com esse pensamento ao afirmar:
LO
A mundialização da cultura pressupõe segmentação
e circulação dos produtos musicais. Mesmo que de
maneira inconsciente, a mais radical das bandas de
heavy metal ou o mais obscuro dos DJs se valem
da diferenciação e de um circuito estabilizado de
N
consumo cultural para se posicionarem e serem
acolhidos por seu público potencial.
W
Cada espaço tem seu público e seu produto. Os sujeitos
frequentadores são submetidos aos diversos tipos de músicas,
interpretadas pelos mais variados grupos musicais. Por vezes a
O
efêmeros, pois quando uma banda não agrada mais é trocada por
outra, mantendo a regularidade dos sujeitos que procuram novidades
e, consequentemente, a lucratividade dos administradores.
A busca pelo prazer, característica de muitas práticas de lazer,
FR
242
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
que, de início, remete a formas ‘hedonistas’ de vivência do tempo
livre, onde parece imperar o princípio do prazer” (BARRAL, 2006,
p. 24).
A
Para compreender esse fenômeno, recorro às reflexões de
LO
Pimentel (2010b, p. 169) que, seguindo a conceituação de Michel
Maffessolli sobre a compreensão do lazer, explica:
N
transformações no ethos presente, com retorno de
diversos elementos arcaicos que foram reprimidos
na modernidade e atualmente são, paradoxalmente,
W
‘desterritorizados’ e assimilados, graças à tecnologia
moderna, por novas formas de socialidades.
O
desse termo, muito similar à harmonia ou boa disposição antes apontada. Entretanto, como
houve muitas maneiras de entender ‘prazer’, houve também muitas formas de hedonismo.
Já que grande parte das polêmicas sobre o significado de ‘prazer’ e sobre a justificação ou
não justificação de sua busca ocorreram no terreno ‘moral’, considerou-se que o hedonismo
é uma tendência da filosofia moral” (MORA, 2001, p. 1291).
243
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
de temáticas que superam a noção política e
institucional vigente e têm grande apelo na
formação de grupos, tais como as festas, os esportes,
A
as viagens, a moda e a natureza.
LO
para a sobrevivência do sujeito na sociedade. Inserir-se em um dado
grupo social é um dos requisitos para o sucesso de sua procura pela
diversão. O encontro, proporcionado pelo lazer em bares, casas
noturnas, entre outros equipamentos proporciona ao ator social
N
um estado de pertencimento, independente da faixa etária. Porém,
conforme as necessidades vão se modificando, uma busca por novos
grupos de afinidades ocorrem na medida em que os sujeitos perdem
W
o interesse por determinado tipo de entretenimento.
Nesse sentido, podemos refletir sobre o estar junto dançando,
O
244
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
também por esse viés, pois ela se manifesta esteticamente nos mais
diversos contextos, inclusive no das casas noturnas.
A
Entretanto, nesse contexto, a dança presente artisticamente por
meio da criação estética, tornou-se mercadoria, subordinada às leis
LO
da competição. Os sujeitos que praticam dança nas casas noturnas
a subsumem aos mecanismos da indústria cultural, tornando-a
corrompida, banalizada e erotizada para atender às demandas do
mercado midiático, principalmente por se tratar de uma prática de
lazer que, realizada de forma alienada, sofre corrupção de seu sentido/
significado.
N
Ao estudar as práticas de lazer desviantes, Pimentel (2010a)
W
traz contribuições significativas para o entendimento da corrupção
da dança no contexto das casas noturnas. O autor se faz valer das
explicações de Caillois, Csikzentmihalyi e de Rojek sobre o lúdico
O
ruim.
245
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
como falsa necessidade, por meio de uma ludicidade não-racional,
alimentando a indústria da diversão que a coloca como produto,
revelada nas exacerbações e sucedâneos da estereotipia. Assim, a
A
prática da dança, em seus aspectos lúdicos é percebida, nesse estudo,
como ‘jogo’ realizado nas casas noturnas, e, por meio das categorias
LO
trazidas por Caillois (1994), é possível compreender a dança na esfera
do lazer, de modo a elucidar as diferentes intenções que envolvem
sua prática.
N
O jogo da dança como prática de lazer e suas categorias:
W
competência, sorte/azar, representação e vertigem
246
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
a cabo concorrências ideais. Essas estruturas, essas
concorrências são, igualmente, modelos para os
comportamentos individuais. Com toda segurança
A
não são aplicáveis de maneira direta a uma realidade
sempre confusa, equívoca, emaranhada e variada
onde os interesses e as paixões não se deixam
LO
facilmente dominar por ela. Mas onde violência
e a traição são moeda corrente. Contudo, os
modelos sugeridos pelos jogos constituem também
antecipações do universo regrado que deverá
substituir a anarquia natural (CAILLOIS, 1994, p.
13-14).
N
O autor nos atenta para as questões relacionadas à polissemia
W
que cerca a compreensão do jogo. Para ele não se trata apenas
de uma atividade inútil e improdutiva, e sim, uma atividade que
envolve relações entre as intenções do jogo e a vontade de jogar, e
O
247
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
decorrer monótono da existência quotidiana um tempo excitante”
(CAILLOIS, 1994, p. 222).
A
Tomando como norte as afirmações do autor é possível
perceber, no contexto das casas noturnas, que a dança se manifesta
LO
numa dinâmica semelhante. Como jogo, a dança se dá num ritual,
desde o momento da preparação para a entrada no ambiente
dançante até a dança propriamente dita. Pode ser caracterizada
como jogo de destreza, de sedução, de representação de uma dada
N
realidade ou fantasia. Nesse jogo estão presentes os elementos
competitivos, as sensações vertiginosas e a regulamentação,
ou, até mesmo, a própria necessidade de extravasar emoções e
W
estresses cotidianos.
Para propiciar a compreensão do jogo, Caillois (1994) nos
O
apresenta quatro categorias que caracterizam sua prática. São elas: agon,
categoria do jogo que está intimamente relacionada à ‘competência’;
possui como característica o desejo de reconhecer a excelência de
D
sua intenção de ser aceito e admirado elos seus pares. Tal categoria se
corrompe quando a competição torna-se ‘desejo de poder’, ou seja,
quando o indivíduo que necessita não somente de aceitação e sim
de evidência e superioridade, camufla a prática do outro por meio
de movimentos exagerados e violentos, não permitindo aos demais
248
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
(CAILLOIS, 1994, p. 119).
Outra categoria trazida por Caillois (1994), a alea, tem como
A
característica principal o fator sorte, ou ‘acaso’, dado que “o destino
é o único artífice da vitória”. Essa categoria nega o trabalho, as
habilidades e o treinamento. “Coloca todos em pé de igualdade
LO
diante do cego veredicto da sorte” (CAILLOIS, 1994, p. 48-50). O
acaso revela-se no mistério suscitado pelas práticas de lazer noturno,
em que o sujeito, ao sair de sua residência para se divertir, entrega-se
ao inesperado, à sorte da conquista e da inserção em seu grupo de
N
interesse. Ao dançar para conquistar ou para competir, o sujeito se
entrega ao acaso. Sua performance pode ser prejudicada por fatores
ambientais, espaciais e de interesse dos demais sujeitos envolvidos,
W
que podem, ou não, responder às suas investidas. Sua corrupção se
dá quando a superstição torna-se o combustível indispensável para
a prática do jogo e a manifestação livre e comunicativa da dança se
O
249
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
está associada ao prazer etílico, em que o consumo de bebida, por
vezes, potencializa a performance do sujeito que dança, aumentando
os aspectos violentos, negativos e deturpadores do jogo. “O torpor,
A
a embriaguez, a nostalgia do êxtase e o desejo de um pânico
voluptuoso”.
LO
Presente no consumo da dança nas casas noturnas, tais categorias
e a tese de corrupção do jogo trazida por Caillois (1994) auxiliam no
entendimento dessa prática que vem sendo subvertida pelos atores
sociais que a perpetram alienadamente. Pautado nos estudo do autor,
N
Pimentel (2010a, p. 89) contribui para o entendimento da corrupção
da dança como jogo, afirmando:
W
[...] Caillois (1994) considera o jogo como equilíbrio
ideal da satisfação desses impulsos. Porém, as
O
250
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
que incluem os espaços urbanos de lazer noturno. O consumidor é
um sujeito que se apropria do bem cultural dança, sendo essa forma
A
de apropriação diversificada, analisada com base na experiência
etnográfica. Ele busca, por meio da diversão, o prazer e a fruição,
LO
emoções submergidas no cotidiano do trabalho, mas que afloram
durante o consumo da dança como atividade de lazer nas casas
noturnas.
É justamente o prazer, em seu sentido hedônico que atrai o
N
consumidor para a prática da dança nesse contexto. As pessoas lidam
com a descartabilidade por meio de uma satisfação momentânea,
considerando as necessidades de comunicar-se, entreter-se,
W
relacionar-se como fundamentais para sua condição humana. O
sujeito que busca a dança como prazer e como ‘válvula de escape’
para se evadir das agruras do cotidiano massificante o faz sem
O
251
DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
D
Não é por acaso que encontramos atitudes semelhantes, danças
padronizadas, mulheres com a roupa igual a de uma determinada
A
artista da telenovela ou da cantora de sucesso. São muitas réplicas de
Beyonce, Ivete Sangalo, Avril Lavigne, Shakira, Rihanna, entre outras
cantoras nacionais e internacionais da atualidade que influenciam
LO
não só o estilo de se vestir, mas comportamentos e técnicas
corporais, como a forma de andar, dançar, gesticular, entre outras
características.
N
A promessa de dessublimação do homem é uma das
estratégias que garantiram a vitória da propaganda,
cuja eficiência se constitui na voz dominante dos
W
consumidores. Em outros termos, a indústria cultural
constrói seu domínio no homem, através das falsas
promessas de dessublimação, contidas nos estilos de
O
252
8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
D
das “dinâmicas de mudança social e cultural mais importantes da
atualidade” (MACHADO et al., 2003, p. 47).
A
Diferentes atores sociais lotam bares e casas noturnas no intuito
de beber em demasia. Geralmente, no tempo livre, são poucos
que se envolvem em atividades culturais ou esportivas. Os jovens
LO
universitários costumam assistir a programas de televisão ou sair com
amigos. São nas idas a bares ou festas que o uso de álcool torna-
se exacerbado (PEUKER; FOGAÇA; BIZARRO, 2006, p.194). Os
autores explicam que:
N
O uso de álcool entre universitários também
pode ser favorecido de forma indireta. Estudantes
W
influenciam-se mutuamente em termos de beber
pela modelagem, imitação ou reforçamento do
comportamento de beber. A seleção de colegas, a
escolha do tipo de substância, o padrão de uso e
O
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por vezes, restringe-se aos grupos de vizinhos, da própria família
e de religiosos. O idoso tende a participar assiduamente das
atividades que lhe conferem prazer, como é o caso das danças de
A
pares enlaçados.
Apresentados à sociedade como sujeitos pertencentes a um
LO
grupo denominado terceira idade, os idosos concentram suas
atividades nas relações sociais, familiares e no trabalho informal,
em que muitos já estão aposentados. Stucchi (2007, p. 44) define
essa fase da vida como a ‘idade do lazer’, pois a “velhice passou,
N
assim, a ser representada como uma fase a ser aproveitada”. Assim,
esse grupo é movido pelo sentimento nostálgico que é revitalizado
W
por meio de encontros com seus pares. Para eles, a vida na esfera
das associações, por exemplo, é um dos caminhos que permite
restabelecer as relações de amizade e afinidade. O lazer lhes
O
semana.
Outro segmento de público consumidor do produto
dança nas casas noturnas e que possui peculiaridades próprias
e marcantes é o grupo de GLBT (Gays, lésbicas, bissexuais e
FR
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8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
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os pares, como forma de divulgação de suas preferências, é o meio
mais eficaz de atrair GLBTs para um dado espaço urbano de lazer,
A
assim como opiniões emitidas em colunas de jornais direcionadas
a esse público e a distribuição de flyers4 (CROCCO; GUTTMAN,
2006). Uma ramificação desse segmento são as denominadas
LO
drag queens5, que constituem, no universo GLBT, um grupo de
consumidores em potencial. Chidiac e Oltramari (2004, p. 471)
afirmam que:
N
[...] ser drag associa-se ao trabalho artístico, pois
há a elaboração de uma personagem. A elaboração
caricata e luxuosa de um corpo feminino é expressa
W
através de artes performáticas como a dança, a
dublagem e a encenação de pequenas peças. É
relevante mencionar a inserção das drag queens
O
4 São denominados flyers os panfletos de divulgação dos eventos programados para as noites
nas casas noturnas.
5 Personagens do universo GLBT que realizam performances imitando cantoras internacionais
de sucesso.
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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consumidores que também possui suas peculiaridades. São os adeptos
do heavy metal. Eles geralmente não se interessam por nenhum outro
A
tipo de música e são atraídos pelas bandas ditas ‘metálicas’ de seu
universo. Lopes (2006, p. 72), em seus estudos sobre esse gênero
musical, afirma que
LO
No Brasil os fãs de heavy metal provêm
majoritariamente de camadas médias, embora o
ethos blue collar e metalúrgico pareça também estar
N
presente, como sugere a forte presença do gênero
no ABC paulista, área natal do guitarrista do
Sepultura, Andreas Kisser.
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Eles são motivados pelas performances de seus artistas preferidos,
tanto na maneira de vestir quanto na gestualidade adotada. Possuem
O
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8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
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Podemos encontrar desde crianças 9/10 anos até
‘veteranos’ que já passaram dos trinta (as crianças
são bem mais numerosas que esses adultos). Mas o
A
grosso dos dançarinos tem por volta de 18 anos e,
em sua maioria, são negros, moradores das favelas
próximas ao clube (principalmente Morro do
LO
Estado). Eles chegam ao baile sempre em grupos,
acompanhados pelos amigos com quem vão
passar toda a festa juntos. Os grupos são formados
geralmente ou só por homens ou só por mulheres
(exceções: os casais de namorados que já chegam
N
ao baile de braços dados e que passam toda a festa
separados dos grupos maiores). As roupas seguem
um padrão inconfundível.
W
Os funkeiros são consumidores que buscam prazer por meio
das músicas que retratam suas vidas no interior das favelas, como
O
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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Entendendo que o consumo da dança nesses espaços ocorre por
meio de uma teia de significados próprios do universo simbólico que
cerceia as práticas noturnas de lazer, a compreensão da maneira como
A
os consumidores se apropriam desse bem cultural se faz necessária
para que os profissionais que tratam do campo de conhecimento
LO
dança possam intervir em suas ações formativas, seja qual for o
espaço de atuação.
A tarefa educativa não deve se furtar de estabelecer conexões
com o processo midiático, de modo a conhecer os mecanismos que
N
corrompem a dança em sua dimensão artística. Há necessidade
de um diálogo reflexivo sobre o que é oferecido aos sujeitos que
consomem dança em seu tempo de lazer, não no sentido de evitar
W
o confronto, mas de provocar a apropriação consciente dos bens
culturais disponíveis no mercado.
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8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
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processo educativo discriminatório quanto mais operacional em
relação às expectativas socioculturais ele se torna. Isso ocorre pela
dificuldade em transformar as necessidades humanas e a produção
A
midiática em laboratório de reflexão da arte.
O autor discute que o poder cultural não está mais localizado
LO
no contexto escolar. “Ele infiltra-se em qualquer teto, e qualquer
espaço com as telas da televisão” (CERTEAU, 1995, p. 138),
personalizando e introduzindo em toda a parte os seus bens culturais,
fazendo-se íntimo dos sujeitos. Há, portanto, no processo educativo,
N
a incumbência de “formar um núcleo crítico” em que professores
e alunos elaborem uma prática reflexiva própria dessa informação
vinda de outros lugares.
W
A dança como arte é apropriada por meio dos mais diversos
mecanismos, sejam formais ou familiares e, dentre eles, o da indústria
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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A capacidade do ser humano em desenvolver criticidade ocorre
quando lhe é apresentado à reflexão os valores existentes nos bens
A
culturais disponíveis. Ele pode, então, se fazer valer do que lhe é
oferecido, seja a dança nas casas noturnas ou a praticada no contexto
educacional de modo a fomentar seu fazer artístico. Revelar os
LO
mecanismos da indústria cultural é trazer o sujeito à realidade do que
está posto e que lhe é oferecido, sendo a sua apropriação consciente,
o descalçar dos preconceitos, da alienação e da padronização.
Considerações finais
N
W
É notório que a dança está perdendo seu sentido estético de
fruição artística para o suscedâneo determinado pela indústria da
O
todos dançam.
Assim como ocorre no processo de venda de produtos
industrializados, existem também danças para todos os públicos, para
os que ‘gostam’ de funk, sertanejo, pagode, rock, música eletrônica,
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8 A MERCADORIZAÇÃO DA DANÇA NAS NOITES URBANAS
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facilitado. Os atores sociais que frequentam esses espaços urbanos
acreditam estar consumindo o que realmente gostam quando, o
que ocorre, é o gosto produzido e subsumido pelas necessidades dos
A
sujeitos.
As categorias do jogo (agon, alea, mimicry e ilinx) são identificadas
LO
como elementos presentes na indústria cultural, potencializando
o processo de massificação da dança nas casas noturnas, em que
a necessidade de extravasar medos e angústias provocados pelas
mazelas da vida inumana e da exploração capitalista faz o consumidor
N
render-se aos sucedâneos do prazer hedônico. Ele entrega-se ao jogo
dos mistérios que a noite oferece, buscando o acaso, a surpresa, a
imprevisibilidade e a superação de suas próprias habilidades como
W
experiência de fluxo, chamando a atenção dos demais para suas
competências no domínio do movimento, revestindo-se de um
personagem, entregando-se ao simulacro da imaginação mediada
O
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DANÇA: DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
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alienados, os produtos que lhes são oferecidos, indicando-
lhes novos olhares para a dança como arte e entretenimento,
provocando transformações nos modos de apropriação desse bem
A
cultural.
As intervenções podem ocorrer por meio de uma ação educativa
LO
voltada para o entendimento desse mecanismo de banalização
das danças, promovido pelo processo da indústria da diversão. É
necessário entendê-lo para intervir e conhecê-lo para desafiá-lo, de
modo a nos apropriarmos do que é produzido pelo mercado musical
N
e gestual, instigando os sujeitos à reflexão do que está posto. Não
basta olhar com olhos indignados. É preciso, sim, conhecer essa
W
realidade que traz implicações ao campo educacional, sobretudo
quando se desconhece e/ou ignora as investidas midiáticas sobre o
ser humano. Daí ser mister favorecer a construção de um processo de
O
formação não distanciado do ator social, mas próximo a ele, que seja
mediador, interventor e emancipatório, de modo a despertar o fazer
artístico. São desafios que se põem em meio aos dilemas do corpo
D
Referências
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