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COROA

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Indicado em cursos de Filosofia, Teologia,
Sociologia, Letras, Comunicação e História
A Mente e o
Medo
JlDDU KRISH NAM URTI, teósofo hindu,
nasceu em Madras, índia, em 1895 (ou 1897,
segundo alguns historiadores). Foi educado na
Inglaterra, onde suas idéias despertaram grande
interesse. Em 1923, Annie Besant afirmou ser
ele o Mestre do Mundo, organizando-se na Eu­
ropa a Ordem da Estrela do Oriente, com sede
em Ommen (Holanda) e seções nacionais, in­
clusive no Brasil (Instituição Cultural Krishna-
murti, Rio de Janeiro).
Krishnamurti viveu todo o período de agi­
tação do seu país, presenciando as lutas san­
grentas que dividiram a índia. Seu pensamento
revolucionário logo se impôs, atraindo multidões
para ouvir as suas conferências.
Krishnamurti combate todas as religiões,
cultos e cerimônias, afirmando que não repre­
sentam a total verdade, e que somente através
do pensamento lógico o ser humano pode atingir
um estágio elevado. Comprovando na prática
as suas teorias, dissolveu em 1929 a Ordem
da Estrela do Oriente, criada por seus seguido­
res e que pretendia apresentá-lo como o Mestre
do Mundo.
Krishnamurti percorre o mundo, levando
sabedoria e conhecimento, pronunciando as cé­
lebres conferências que o tomaram uma das
maiores personalidades deste século.
Jiddu Krishnamurti

A Mente e o
medo
Tradução de:
Hugo Veloso

Desenhos de Myoung Youn Lee baseados


em motivos de tapetes indianos.
Direitos cedidos por:
IN STITU IÇÃ O C U L T U R A L KRISHNAM U RTI
Av. Presidente Vargas, 418 sala 1109
Rio de Janeiro — RJ

As nossas edições reproduzem


integralmente os textos originais

ED ITO R A T EC N O PR IN T LTDA.
IN D IC E

O Saber .......................................................... 15
A V erdadeira R eligião ............................ 39
*
V iver c o m Simplicidade .............................. 63
A Busca d a T ranqüilidade Mental .... 81
Sede da Sociedade de Teologia, da qual Krishnamurti se
tomou a figura mais importante. Foto tirada por Krishnamurti,
em 1911.
Londres, Estação Charing-Cross, maio de 1911. Nitya, a
senhora Besant, Krishnamurti e George Arundale.
A senhora Besant, Leadbeater, Krishnamurti e Raja. Renares,
índia, dezembro de 1911.
O Saber

R eputo especialmente permitido — examinar esse


importante compreender-se a problema, para ver se essa
j questão do conhecimento, do atividade de acrescentamento,
saber. por parte da mente, produz
Nós, em geral, parecemos tão liberdade, e se o saber pode
sequiosos de saber; estamos resolver algum problema
sempre a adquirir não só humano.
posses, coisas, mas também O saber poderá resolver
idéias. Andamos sempre de problemas superficiais,
um instrutor para outro, de mecânicos; pode ele, porém,
um livro, de uma religião, de libertar a mente, tornando-a
um dogma, para outro. capaz de perceber de modo
Passamos a vida adquirindo direto o que é verdadeiro? É
idéias, acreditando ser, essa sem dúvida importantíssimo
aquisição, importante para a compreender-se esta questão,
compreensão da existência. porquanto sua compreensão
Desejo, pois — se me é nos levará à revolta contra

15
a mera metodologia, que numerosos problemas que se
constitui um obstáculo, salvo nos antepõem.
quando se trata de alcançar Recorremos aos intérpretes —
algum resultado mecânico. os que dizem compreender
Estou falando a respeito do algo mais — os intérpretes
processo psicológico da mente não só de palestras, mas
e considerando se é possível também dos livros sagrados.
despertar a capacidade Parecemos incapazes de
criadora individual — que ocupar-nos com um problema
naturalmente é da máxima diretamente, sozinhos, sem
importância, não achais? contar com a ajuda de
A aquisição de saber, tal ninguém.
como o entendemos, gera E não é importante averiguar
capacidade criadora? Ou, se a mente, na sua atividade
para tornar-se capaz de acumuladora, é capaz, em
conhecer esse estado criador, algum tempo, de resolver
a mente deve estar livre de algum problema psicológico,
toda atividade acumuladora? espiritual? Não deve a mente
Quase todos nós lemos livros achar-se de todo desocupada,
ou assistimos a conferências, para que possa perceber a
com o fim de compreender; verdade existente em qualquer
quando temos um problema, conflito humano?
estudamo-lo, ou procuramos Espero tenhais paciência para
alguém para conversar sobre examinar este problema não
ele, esperando que assim o tão-só enquanto eu o descrevo,
problema seja resolvido ou pois todos nós somos por ele
possamos descobrir algo novo. atingidos.
Estamos sempre recorrendo a
outros ou à nossa própria Todos nós temos muitos
experiência — que é na problemas, e há evidente
essência conhecimento — na necessidade de uma
esperança de resolvermos os transformação; mas pode a

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transformação realizar-se pelo superficiais nos tornamos. Este
“processo” da mente? Refiro- é um fato óbvio.
me à transformação Pode uma pessoa ler livros
fundamental, e não à mera incontáveis, assistir a
reforma sociológica ou conferências altamente
econômica. intelectuais, acumular vastos
Sem dúvida, foi a mente que cabedais de ilustração; mas
criou os nossos problemas; e se não souber penetrar em si
pode ela resolver os problemas mesma, para descobrir a
que criou? A solução desses verdade, para compreender
problemas se encontra na o processo total da mente, os
aquisição de mais saber, de seus esforços, por certo, só
mais ilustração, no aprender haverão de torná-la mais
novas técnicas, novos superficial ainda.
métodos, novos sistemas de Nessas condições, ser-vos-á
meditação, no passar de um possível não permanecer
instrutor para outro? meramente no nível
superficial, verbal, mas
T udo isso é evidentemente descobrir o processo do vosso
muito superficial; e não próprio pensar e transcender
importa averiguar o que é que a mente? O que estou dizendo
torna a mente superficial, qual não é muito complicado. Estou
é a causa da superficialidade? apenas descrevendo o que se
Para a maioria de nós, o está passando dentro de cada
problema é este, não é? Somos um de nós; mas, se viveis no
muito superficiais, não nível verbal, se a descrição
sabemos examinar vos satisfaz e achais
profundamente os nossos desnecessário experimentar
conflitos e os nossos diretamente, então, estas
problemas; e quanto mais palestras serão de todo
recorremos a livros, a ! inúteis.
métodos, a exercícios, à I
aquisição de saber, tanto mais j Recorrereis, nesse caso, aos

17
Som os muito superficiais, não
sabem os examinar
profundamente os nossos
conflitos e o s nossos
problemas; e quanto mais
recorremos a livros, a
m étodos, a exercícios, à
aquisição de saber, tanto mais
superficiais nos tom am os.
intérpretes, aos que se chegar a esse descobrimento,
propõem explicar-vos o que deve a mente ser capaz de
estou dizendo — coisa penetrar e ultrapassar todas
absolutamente absurda. E as camadas superficiais.
muito melhor “escutar” uma Podemos fazê-lo?
coisa diretamente, do que
pedir a outro que explique a Visto serem todos os nossos
sua significação. Não problemas — políticos,
podemos chegar-nos à fonte sociais, econômicos, pessoais
sem necessitarmos de — essencialmente problemas
interpretação, sem que nos religiosos; visto serem reflexos
guiem para descobrirmos como do problema interior, do
é a fonte? Se somos guiados problema moral, — a menos
para descobrir, isso não é que resolvamos este problema
descobrimento, não achais? central, todos os demais se
Por favor, compreendei bem multiplicarão.
este ponto. Para se descobrir Esse problema não pode ser
o que é verdadeiro, o que é resolvido pelo expediente de
real, não se precisa de seguirmos alguém, pela leitura
nenhuma indicação. Quando de um livro, pela prática de
vos guiam para descobrir, isso uma técnica. No
não é descobrimento: apenas descobrimento da realidade,
vedes o que alguém vos são inteiramente inúteis todos
mostrou. os métodos, uma vez que
Se descobris sozinho, porém, tendes de descobrir por vós
a experiência é então de todo mesmos.
diferente; é uma experiência
original, aliviada do passado, O descobrimento implica
do tempo, da memória, completa independência, e a
inteiramente livre da tradição, mente não pode ser
do dogma, da crença. Esse independente se está vivendo
descobrimento, que é criador, de explicações, de palavras,
é totalmente novo; mas, para praticando algum método ou

20
dependendo da tradução do vosso próprio pensar, quando
problema feita por outro. se vos coloca tal questão: que
faz a mente superficial? Por
Nessas condições, que não pode a mente
compreendendo que, desde a experimentar algo que é
infância, nossa educação, verdadeiro, existente além de
nosso ensino religioso, nosso suas próprias “projeções”?
ambiente social, concorreram Não é principalmente a
todos para tornar-nos satisfação, que cada um de
extremamente superficiais, nós está buscando, que torna
pode a mente pôr de parte a mente superficial?
a sua superficialidade, esse
constante “processo” de Desejamos a todo custo ser
aquisição, negativa ou lisonjeados, encontrar
positiva, — pode ela pôr de satisfação; por essa razão
parte tudo isso e ser, não como procuramos métodos de
uma folha em branco, mas alcançar esse objetivo. E
desocupada, criadoramente existe de fato, em algum
vazia, de modo que não esteja tempo, uma coisa tal, como
mais a fabricar seus próprios seja a satisfação? Embora
problemas e buscando possamos satisfazer-nos
solucioná-los? temporariamente e modificar
Por certo, é por sermos o objeto de nossa satisfação
superficiais que não sabemos conforme a nossa idade, existe
penetrar profundamente, satisfação em algum tempo?
descer às profundezas de nós
mesmos; e imaginamos poder O desejo busca
alcançar essas profundezas constantemente satisfazer-se e,
aprendendo coisas ou ouvindo por isso, estamos sempre a
conferências. passar de uma satisfação para
outra, e quando nos vemos
Ora, que é que faz a mente embaraçados nas complicações
superficial? Por favor, de cada satisfação nova, mais
observai, sede cônscios de uma vez nos tornamos

Z1
insatisfeitos e procuramos de idéias, de crenças, ou a
desvencilhar-nos. respeito do que ela deve fazer
ou do que não deve fazer.
Apegamo-nos a pessoas,
seguimos instrutores, aderimos Enquanto a mente viver
a grupos, lemos livros, absorvida, preocupada,
adotamos sucessivamente empenhada com relação a
várias filosofias; mas o desejo alguma coisa, não será ela
central permanece o mesmo: sempre superficial? Por certo,
queremos satisfazer-nos, estar só a mente que está
em segurança, tornar-nos desocupada, totalmente livre,
alguém, alcançar um não emaranhada em nenhum
resultado, conseguir um fim. problema, despreocupada de
Esse processo não é, todo ele, si mesma, de suas realizações,
uma das causas primárias da dores, alegrias e tristezas, —
superficialidade da mente? só essa mente pode deixar de
ser superficial. E não pode
E não é a mente superficial a mente viver dia por dia,
por pensarmos sempre em fazendo as coisas que tem de
termos relativos à aquisição? fazer, livre dessa
A mente está sempre ocupada preocupação?
ou em adquirir, ou em rejeitar,
despojar-se daquilo que No que respeita a quase todos
adquiriu. Há tensão entre o nós, com que está ocupada
adquirir e o rejeitar, e vivemos a nossa mente? Quando
sempre nessa tensão; e ela não observais a vossa própria
contribui para a mente, quando estais cônscios
superficialidade da nossa dela, com que está ela
mente? preocupada? Está preocupada
a respeito de como tornar-se
Outro fator que ocasiona a mais perfeita, ter mais saúde,
superficialidade é a incessante obter um emprego melhor;
ocupação da mente em torno preocupada sobre se é amada
de suas tribulações, em torno ou não é amada, se está
de alguma filosofia, de Deus, progredindo; sobre a maneira
de sair de um problema sem contra elas, sem procurar
cair noutro; enfim, está afastá-las para o lado?
preocupada consigo mesma, Porque, no momento em que
não é verdade? Por diferentes lutamos, isso, em si, se torna
maneiras, ela está perenemente outro problema, uma nova
a identificar-se com o mais ocupação, que apenas
alto ou com o humílimo. aumenta a superficialidade da
E pode a mente sempre mente.
ocupada consigo mesma, ser Deixai-me expressá-lo assim:
profunda? Uma das nossas se compreendo que minha
dificuldades, talvez a maior, mente é superficial, que devo
não é essa de que as nossas fazer? Percebo, pela
mentes se tornaram observação, sua
sobremaneira superficiais? superficialidade. Vejo que
Surge alguma dificuldade e estou sempre recorrendo aos
logo corremos para alguém, livros, aos líderes, à
pedindo ajuda; não temos autoridade sob várias formas,
capacidade de penetração, de aos Mestres, a algum iogue;
descobrimento; não somos conheceis bem as diferentes
investigadores de nós mesmos. maneiras pelas quais
E pode a mente investigar-se procuramos satisfazer-nos.
e conhecer-se a si mesma, se Percebo tudo isso.
está ocupada com algum Ora, não me será possível pôr
problema? tudo isso de parte, sem
Os problemas que criamos esforço, sem manter-me
com a nossa superficialidade ocupado a seu respeito, sem
exigem, não soluções dizer: “preciso pôr isso de
superficiais, mas a parte, para tornar-me mais
compreensão do que é profundo, mais
verdadeiro; e não pode a compreensivo”? Tornar-nos
mente, conhecedora das algo mais — não é essa a
causas da sua superficialidade, preocupação constante da
compreendê-las, sem lutar nossa mente e uma causa

23
Enquanto a mente tiver o
desejo de satisfazer-se com
alguma coisa, haverá
ambiçáo.
primária de sua na imagem de Deus, imaginá-
superficialidade? Isto é o que la, conjecturar e forjar
todos desejamos: compreender esperanças; mas isso não é a
mais, ter mais posses, maior Realidade.
capacidade intelectual, ser O que se necessita, portanto,
melhores no jogo, ser mais não é de técnica nova, novo
belos, mais virtuosos; sempre grupo social ou religioso, mas,
mais, mais e mais. sim, indivíduos que sejam
Tende a bondade de prestar capazes de ultrapassar o
atenção: quando a mente está superficial; e não se pode
em busca do mais, do melhor, transcender o superficial,
ela é incapaz de compreender quando a mente está ocupada
a si mesma, tal como é; porque com o mais ou com o menos.
está pensando sempre em Se a mente está toda
adquirir mais, em ir mais interessada em ter mais
longe, em alcançar resultados propriedade ou menos
maiores, fica impossibilitada propriedade; se a propriedade
de compreender o seu constitui a sua constante
verdadeiro estado. preocupação, esta mente, por
Entretanto, quando a mente certo, é muito superficial e
percebe o que ela é realmente, muito estúpida. E a mente
sem comparação nem aplicada em tornar-se mais
julgamento, tem então a virtuosa é igualmente estúpida,
possibilidade de se tornar pois está também interessada
profunda, de passar além. em si mesma e nas suas
Enquanto estamos aquisições.
preocupados com o mais, em Assim, pois, a mente é
qualquer nível da consciência, resultado do tempo, que é o
tem de haver superficialidade; processo do mais; e não pode
e uma mente superficial não a mente estar cônscia desse
encontrará nunca o que é real, processo e ser o que é, sem
jamais conhecerá a Verdade, procurar modificar-se? Certo,
Deus. Poderá concentrar-se a transformação não pode ser

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efetuada pela mente. A guias e sem desejarmos algo
transformação se realiza mais?
j quando se vê a verdade. E Nesse estado de
a verdade não é o mais. A percebimento, em que não
transformação — única existe escolha, condenação ou
revolução real — se acha nas julgamento, percebereis tudo
mãos da Realidade, e não na o que se passa, conhecereis
esfera da mente. o processo da mente, tal como
Não importa, por é de fato; e quando a mente
conseguinte, que cada um de está assim cônscia de si
nós não apenas se limite a mesma, ela se torna tranqüila,
ouvir estas conferências, mas despreocupada, serena. E, só
que todos nos tornemos nessa tranqüilidade existe a
cônscios de nós mesmos e possibilidade de se perceber
permaneçamos neste estado de o que c verdadeiro e de
percebimento, sem realizar-se a transformação
recorrermos a intérpretes ou radical.

® Por que será que neste país parecemos sentir tão pouco
respeito pelos outros?

Não sei em que país existe Aqui, como na Europa, há


respeito aos semelhantes. Na respeito ao homem possuidor
índia, as mesmas pessoas que de automóvel caro e palacete;
nos cumprimentam com há respeito para com os
profundas inclinações e nos considerados superiores e
oferendam grinaldas e flores, desprezo aos demais. Mas é
maltratam os vizinhos, os este o problema? Todos
criados e os animais. Isso é queremos sentir-nos iguais aos
respeito? que estão mais alto, não é
verdade? Queremos ombrear de comprar um carro; isso,
com os famosos, os ricos, os porém, é igualdade? O
poderosos. problema, por certo, não se
Quanto mais industrializada refere a como promover a
uma civilização, tanto mais igualdade, economicamente,
prevalece a idéia de que os mas ao descobrimento de se
pobres podem tornar-se ricos, a mente pode ficar livre dessa
de que o homem que vive numa noção de superior e de inferior,
cabana pode chegar a dessa tendência a venerar o
presidente, e, desse modo, homem que tem muito e a
naturalmente, não há respeito desprezar o que tem pouco.
a ninguém; e, acredito, se Acho que o problema é
pudermos compreender o este.
problema da igualdade, Respeitamos os que estão em
estaremos aptos a condições de ajudar-nos, de
compreender a natureza do dar-nos alguma coisa, e
respeito. desprezamos os que não
Ora, existe igualdade? podem fazê-lo. Acatamos o
Embora todos os governos, patrão, o homem que pode
quer da esquerda, quer da proporcionar-nos um emprego
direita, salientem que todos melhor, uma missão política;
somos iguais, somos de fato ou respeitamos o sacerdote,
iguais? Tendes uma cabeça outra espécie de patrão, no
melhor, uma capacidade chamado mundo espiritual.
maior, sois mais prendado do Estamos, pois, sempre
que eu; sabeis pintar e eu não respeitando e desprezando; e
sei; sabeis inventar; eu sou um não pode a mente libertar-se
simples operário. desse estado de desprezo e
de falso respeito?
Pode jamais existir igualdade?
Poderá haver igualdade de Observai bem a vossa própria
oportunidade: nós dois mente, e descobrireis não
podemos ter a possibilidade existir respeito enquanto

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prevalece o sentimento de respeito e outras não, mas,
superioridade e inferioridade. sim, o despertar aquele
E o cjue quer que façam os sentimento, aquela afeição,
governos com o fim de igualar- aquele amor (ou como quer
nos, nunca haverá igualdade, que o chameis) em que cessa
desde que todos nós temos totalmente a noção de “alto”
capacidades diversas, e “baixo”. E isso não é uma
diferentes aptidões; mas o que Utopia, não é um estado que
pode haver é um sentimento se alcança com luta, um
muito diferente, um sentimento exercício que se deve praticar
de amor, talvez, no qual não todos os dias, até chegar à
existe o desprezo, o meta final.
julgamento, a noção de
superior e inferior, o que dá Acredito, o importante é que
e o que recebe. “escutemos” a revelação desse
Senhores, isto não são meras estado, absorvendo-a como
palavras; não estou quem contempla um belo
descrevendo um estado quadro, ou como quem ouve
desejável, visto que o que é o canto de um pássaro; e se
desejável faz surgir o sabemos escutar
problema: “Como chegarei verdadeiramente, o próprio
lá”? — o qual, por sua vez, escutar, a própria percepção
só conduz a atitudes realiza algo radical. Mas no
superficiais. Uma vez, porém, momento em que a mente
percebais a vossa própria interfere com seus inumeráveis
atitude e conheçais as problemas, surge o conflito
atividades da vossa mente, entre o que deveria ser e o que
nascerá, então, talvez, um é; introduzimos então ideais e
sentimento distinto, um a imitação desses ideais, e
sentimento de afeição; e não desse modo nunca descobrimos
é isso que tem importância? por nós mesmos aquele estado
em que não existe o desejo de
O mais importante não é saber ser mais, e não existe, por
por que umas pessoas têm conseguinte, o desprezo.

29
Com o a própria m ente é
produto do temor, o que quer
que ela faça para o afastar de
si, só pode aumentá-lo mais
ainda.
V
I
Enquanto vós e eu andarmos pudermos realmente
em busca de satisfação, não compreender a ambição, o
haverá respeito, não haverá desejo de nos tornarmos mais,
amor. Enquanto a mente tiver de satisfazer-nos, de realizar,
o desejo de satisfazer-se com de brilhar, se pudermos “viver
alguma coisa, haverá ambição; com ele”, conhecer por nós
e é porque quase todos nós mesmos todo o seu alcance,
somos ambiciosos, em olhá-lo como nos olhamos a
diferentes direções, em níveis um espelho, ver exatamente
diferentes, que esse o que somos, sem condenação
sentimento, não de igualdade, — se pudermos fazer tal coisa,
mas de afeição, de amor, se que é o começo do
torna impossível. autoconhecimento, da
sabedoria, haverá então a
Não falo de algo sobre- possibilidade de nascer essa
humano; mas penso que, se afeição.

® O medo é uma qualidade distinta, identificável, da mente,


ou é a própria mente? Pode ele ser eliminado pela mente,-ou
só pode chegar ao seu fim depois que a mente cessar de todo?
O medo é sempre um mal que cumpre vencer, e nunca um bem
disfarçado?
Tentemos juntos descobrir o l emos várias espécies de
que é o medo e se é possível medo, não é verdade? O medo
erradicá-lo. Vamos descobrir existe em diferentes níveis do
a verdade contida nesta nosso ser; há o medo do
questão; mas, para a passado, o medo do futuro
descobrirmos, cumpre-vos e o medo do presente, que
investigar os vossos próprios é a verdadeira ânsia dos
temores, para ver como surje viventes. Ora, que é esse
o medo. medo? Não é produto da

32
mente, do pensamento? Penso começamos a inventar teorias,
no futuro, na velhice, na — que renasceremos, que nos
pobreza, na morte, e esse tornaremos perfeitos pela
quadro me faz medo. evolução, e nestas teorias a
O pensamento “projeta” ( 1 ) mente vai buscar proteção.
um quadro que provoca Porque estamos perenemente
ansiedade na mente; o em busca de segurança,
pensamento, pois, cria o seu edificamos igrejas em torno de
próprio temor, não é verdade? nossas esperanças, nossas
Fiz algo insensato e não quero crenças e dogmas, pelos quais
que se me chame a atenção estamos prontos a lutar; e tudo
para isso, quero evitá-lo, temo isso representa, ainda, o
as conseqüências. Isso, processo do pensar, não é
também, é um processo de exato? E se não podemos
pensamento, não achais? dissolver o nosso temor, nossa
Quero reconquistar a barreira psicológica, vamos
felicidade da juventude; ou, pedir socorro a outro.
porventura, vi ontem algo na Enquanto eu pensar tão-
montanha banhada de sol, somente em termos de
algo que se esvaeceu, e desejo realização, de preenchimento,
tornar a experimentar aquela de não-vir-a-ser, estarei
beleza; ou, quero ser amado, sempre na sujeição do temor,
satisfazer-me, realizar algo, não é verdade? O processo
quero ser alguém; por esse do pensar, como o
motivo há ansiedade, temor. conhecemos, com seu desejo
ÇJ pensamento e desejo, egocêntrico de ser bem-
memória, e süas reações sucedido, de não sentir-se só,
causam temor, não é verdade? vazio, esse mesmo processo
Temendo o amanhã, temendo é a sede do temor. E pode
a morte e o desconhecido, a mente que está toda ocupada
( ' ) “Projetar” (Psicologia): Externar ou objetivar o que, primariamen-
te, é subjetivo (Dic. Webster) (Nota do tradutor).

38
A m ente pode reconhecer
apenas o que já foi
experimentado; não pode
reconhecer uma coisa nova,
pois o que é novo não é
reconhecível.
consigo mesma, que é produto Como é a própria mente
de seus próprios temores, produto do temor, o que quer
dissolver o temor? que ela faça para o afastar
de si, só pode aumentá-lo mais
Suponhamos que um indivíduo ainda. Nessas condições,
tenha medo e reconheça as pode alguém estar somente
várias causas do seu temor. cônscio do seu temor, sem se
Pode aquela mesma mente que ocupar com ele, sem julgá-lo
produziu o temor eliminar o e sem procurar alterá-lo?
temor pelo seu próprio Estar cônscio do temor, sem
esforço? Enquanto a mente condenação, não significa
estiver ocupada com o temor, aceitá-lo, acolhê-lo no
procurando uma forma de coração. Estar cônscio do
livrar-se dele, descobrir o que temor, sem dúvida, significa
deve fazer para vencê-lo, simplesmente observá-lo, olhar
poderá ela, em algum tempo, para ele, saber que está
ficar livre do temor? presente e perceber a verdade
a seu respeito; e o
Por certo, a mente só pode percebimento da verdade
ser livre de temor quando já relativa ao temor dissolve-o.
não está ocupada com ele —
o que não significa fugir ao A mente não pode dissolver
temor, ou tentar ignorá-lo. Em o temor por nenhuma ação
primeiro lugar, precisamos dela própria; em presença do
estar plenamente cônscios de temor, o que ela deve fazer
que temos medo. Em geral, é ficar muito quieta —
não temos completa conhecer, e não agir. Tende
consciência do temor: estamos a bondade de prestar atenção
vagamente cônscios dele: e se a isso. Devemos saber que
chegamos a vê-lo, cara a cara, sentimos medo, devemos estar
ficamos horrorizados e fugimos plenamente cônscios dele, sem
dele, atirando-nos a atividades nenhuma reação, sem nenhum
várias que só levam a novos desejo de alterá-lo. A
malefícios. alteração, a transformação

36
não pode ser operada pela de acordo com algum filósofo,
mente; só pode realizar-se pelo analista ou instrutor religioso,
percebimento da verdade, c mas tal como ele está realmente
a mente não pode perceber funcionando em vós, momento
o que é verdadeiro quando por momento, em todas as
está preocupada a respeito do vossas relações, — quando
temor, quando o está repousais, andais, ouvis
condenando ou desejando alguém, quando ligais o rádio,
livrar-se dele. ledes um livro ou conversais
Toda ação da mente com à mesa.
respeito ao temor, aumenta-o, Estar plenamente cônscio de
apenas, ou ajuda à mente a si mesmo, sem dúvida, é
fugir dele. Só há um estado manter a mente numa
livre de temor quando a mente, extraordinária vigilância; e
de todo cônscia dos seus nessa vigilância há
temores, não está em atividade
com relação a eles. Surge autoconhecimento, o começo
então um estado da sabedoria. A mente que
completamente diferente, um luta contra o temor, nunca
estado que a mente de modo dissolverá o temor; mas,
nenhum pode conceber ou quando há um percebimento
inventar. Eis por que é tão passivo do temor, surge então
importante que se compreenda um estado diferente, no qual
o “processo” da mente, não o temor é inexistente.

37
A VERDADEIRA
RELIGIÃO

Seria muito útil e importante, Para descobrir-se, porém, e


parece-me, considerarmos a experimentar aquele estado,
questão de qual é a verdadeira acho que teremos, em primeiro
religião; e talvez, investigando lugar, de compreender o
esta questão um pouco “processo” ( 1 ) do intelecto,
profundamente, tenhamos a da mente. A mente se constitui
possibilidade de descobrir, de não apenas do consciente, mas
experimentar diretamente, por também das muitas camadas
nós mesmos, aquele estado que daquilo a que chamamos “o
não é produto da mente e que inconsciente”; é um “processo”
deve ser algo desconhecido e total, embora, por
totalmente novo, nunca dantes conveniência, a dividamos em
experimentado. “consciente” e “inconsciente”,

( 1 ) Processo: Toda a série das atividades ou operações de uma faculda­


de (Nota do tradutor).

39
A VERDADEIRA
RELIGIÃO

Seria muito útil e importante, Para descobrir-se, porém, e


parece-me, considerarmos a experimentar aquele estado,
questão de qual é a verdadeira acho que teremos, em primeiro
religião; e talvez, investigando lugar, de compreender o
esta questão um pouco “processo” ( 1 ) do intelecto,
profundamente, tenhamos a da mente. A mente se constitui
possibilidade de descobrir, de não apenas do consciente, mas
experimentar diretamente, por também das muitas camadas
nós mesmos, aquele estado que daquilo a que chamamos “o
não é produto da mente e que inconsciente”; é um “processo”
deve ser algo desconhecido e total, embora, por
totalmente novo, nunca dantes conveniência, a dividamos em
experimentado. “consciente” e “inconsciente”,

( 1 ) Processo: Toda a série das atividades ou operações de uma faculda­


de (Nota do tradutor).

39
com as diferentes gradações descobrirdes, pois o
de consciência existentes entre descobrimento tem de ser
os dois. espontâneo. Deveis descobri-
lo por vós mesmos. I entarei
Para compreendermos as tão-somente descrever como
várias atividades da mente, esse estado aparece; mas, se
devemos, por certo, não apenas seguirdes a descrição,
apenas investigar no nível então, é claro, não
superficial ou verbal, mas compreendereis esse estado,
também penetrar que só pode surgir quando
profundamente no “processo” a mente já não está
do próprio pensamento. “projetando” nem resistindo.
O que desejo fazer, se for Como eu ia dizendo, temos
possível — e não sei se é — em primeiro lugar de
é produzir aquele estado que compreender o intelecto, o
não é concebível, que não é processo da consciência, não
imaginável, que não pode ser apenas a superficial, senão
sistematizado nem também as suas camadas mais
conjecturado; e isso, por certo, profundas; e, para o fazermos,
não requer nenhuma condição precisamos evidentemente,
de auto-hipnose nem de mera começar pelas reações e
auto-sugestão, mas sim, o “respostas” (responses).
gradual desdobrar-se do Além do seu significado
i processo da vossa própria exterior, palavras como
mente. “adeus”, “comunista”,
Podemos descobrir juntos e “capitalista”, “avidez”,
experimentar diretamente “progresso”, “morte”, têm
aquele estado a que aspiram uma grande significação para
todas as religiões — despidas a maioria de nós, não é
do seu eclesiasticismo, dos seus verdade? Têm elas uma
dogmas, dos seus ritos e significação assim neurológica
inumeráveis contra-sensos? como psicológica. As palavras
Não vou guiar-vos para o são símbolos; e se as não
empregamos, temos símbolos onde possa habitar sem ser
sob outras formas, como a cruz perturbada, não é exato?
e os símbolos religiosos da Procura viver
índia. permanentemente em
segurança, numa ideia, numa
E é possível abster-nos de crença, numa experiência,
reagir, de levantar barreiras, numa relação. Tudo isso é
em reação aos símbolos? Pode o processo da mente, do que
a mente, naquele nível chamamos “intelecto”,
superficial, pôr de parte o “inteligência individual”; isso,
processo imaginativo, que faz parte da consciência,
especulativo, verbal, com manifesta ou oculta, é tudo
todas as suas reações? E muito o que sabemos.
difícil fazê-lo, pois, no
momento, a mente só pensa Pois bem. Conhecendo o
dentro do âmbito das processo integral de si mesma,
palavras, dos símbolos, das pode a mente transcendê-lo?
imagens. Pode ela estar serena, a fim
de descobrir o que é
E não devemos investigar o verdadeiro, o gue é real, o
processo do desejo? Sem que é Deus? E isso o que
dúvida, pois o desejo é parte desejo considerar. Pode a
da mente, do intelecto, da mente estar cônscia das suas
inteligência de que nos numerosas camadas, das
servimos no viver cotidiano. reações verbais, dos apetites
O desejo é o autêntico puramente físicos, das
processo da mente, da mente necessidades e impulsos
que acumula, retém, que biológicos, do cunho da
possui inúmeros impulsos, tradição e do ambiente, das
busca sensações, exige mais, lembranças claras e ocultas —
que evita a dor e anseia pelo pode a mente estar cônscia
prazer.. de tudo isso, sem interferir
A mente está sempre em de maneira alguma?
procura de um abrigo seguro, O pensamento é sempre

41
A religião nada tem em comum
com crenças, com sím bolos,
ritos, prom essas, com
esperanças e tem ores, em
tom o dos quais são
construídos os credos e as
igrejas.
condicionado enquanto é a I reconhecer uma coisa nova,
expressão verbal da memória; pois o que e novo nao e
e enquanto a mente não estiver reconhecível.
de todo livre dessa
extraordinária acumulação do Assim, a Verdade, Deus, ou
passado, o desconhecido, como o chamardes, tem de
evidentemente, é inalcançável. ser totalmente novo, não pode
Enquanto não desaparecer o ser reconhecido. Se for
processo de reconhecimento, reconhecido, então já foi
não pode existir o novo. experimentado antes, e o que
já foi experimentado está
Consideremos esta questão um compreendido na esfera do
pouco mais longamente. tempo. Procurai perceber isso
Afinal de contas, o que claramente, e compreendereis
chamamos experiência é um algo. Não é difícil. As
processo de reconhecimento, palavras que estou
não é verdade? Quando vedes empregando podem ser
um certo animal, sabeis que difíceis; porém, o sentido, o
é um cão, porque tendes significado do que digo é muito
conhecimento anterior da simples.
espécie e lhe destes um nome.
Quando vos encontrais com A função da mente é
um amigo, o reconheceis, cognitiva, não é verdade? A
porque tivestes experiência mente reconhece, pensa; e seu
anterior dessa amizade. pensar, seu reconhecer, seu
Quando há uma experiência experimentar procede todo do
psicológica, essa experiência “fundo” (background) ( / )
foi conhecida anteriormente e da memória. Afinal, se sou
lhe destes um nome. A mente hindu ísta, meu
pode reconhecer apenas o que condicionamento limita o meu
já foi experimentado; não pode pensar; penso em Deus, na

( 1 ) Background: Todo o cabedal adquirido pela experiência, instrução,


educação, etc. (Die. Webster) (h o ta do tradutor).

44
moral, em conformidade com A moralidade resultante de
a tradição e tudo o que li nas esforço consciente limita a
escrituras hinduístas. E os que mente. A virtude só é
são cristãos ou budistas, ou necessária porque dá
o que quiserdes, e que têm liberdade; o homem, porém,
inclinações religiosas estão que se esforça para tornar-se
igualmente condicionados por virtuoso, jamais é livre.
tudo o que lhes foi Nessas condições, conhecendo
ensinado. todo o conteúdo da mente,
Pois bem. O que estamos suas recusas, suas resistências,
tentando — não só agora, mas suas atividades disciplinares,
sempre — é descobrir se a seus vários esforços visantes
mente pode libertar-se do seu à segurança, coisas essas que
condicionamento e têm o efeito de condicionar-lhe
experimentar o que nunca foi e limitar o pensar — pode
experimentado anteriormente. a mente, como processo
Sem dúvida, esse é o “integrado”, estar totalmente
experimentar da Realidade e livre para descobrir o que é
a religião verdadeira, não eterno? Porque, sem esse
achais? descobrimento, sem o
A religião nada tem em experimentar dessa realidade,
comum com crenças, com todos os nossos problemas,
símbolos, ritos, promessas, com suas respectivas soluções,
com esperanças e temores, em conduzem tão-somente a novos
torno dos quais são sofrimentos e desastres.
construídos os credos e as Isso é óbvio, e pode-se
igrejas. 1 ão pouco é questão observar na vida de cada dia.
de moralidade. O indivíduo Individualmente,
de princípios morais pode politicamente,
nunca vir a conhecer a internacionalmente, em toda
Realidade — o que não e qualquer atividade, estamos
significa que para conhecer a sempre a criar maiores
Realidade deva ser imoral. malefícios, o que será sempre

4-5
inevitável, enquanto não volição, sem nenhuma ação
tivermos experimentado aquele voluntária. A vontade é ainda
estado de religião, aquele desejo, não é verdade? O
estado que só é possível homem ambicioso, no sentido
experimentar-se quando a mundano, sente um forte
mente se acha de todo desejo de realizar algo, de ser
livre. bem-sucedido, tornar-se
Agora, tomando famoso, e exerce a vontade
conhecimento disto, podeis, para resguardar a própria
ainda que por um segundo, importância. De modo
conhecer aquela liberdade? idêntico, exercemos a vontade
Não podeis conhecê-la apenas para desenvolver a virtude,
por eu a estar sugerindo, pois, para alcançar um estado dito
nesse caso, ela seria espiritual. A coisa de que
unicamente uma idéia, uma estou falando, porém, é de
opinião, sem muito todo diferente, inteiramente
significado. Entretanto, se livre de qualquer desejo, de
tendes acompanhado as qualquer ação, de qualquer
minhas palavras muito compulsão para ser isso ou
seriamente, estais começando aquilo.
a conhecer o processo do vosso Ao examinardes o que digo,
próprio pensar, sua direção, estais exercendo a razão, não
seus intentos, seus móveis; e, é verdade? A razão, todavia,
em vista desse conhecimento, conduz-nos apenas até um
chegareis, por força, ao estado certo ponto, e não mais além.
em que a mente já não está Devemos obviamente exercer
a procurar, a escolher, lutando a razão, a capacidade de
para realizar seus fins. pensar nas coisas de princípio
Depois de perceber todo o a fim, sem pararmos a meio
seu próprio processo, a mente caminho.
se torna tranqüila num grau Mas, quando a razão
extraordinário, sem nenhuma alcançou os seus limites e não
tendência, sem nenhuma pode ir mais longe, então a

46
mente já não é o instrumento sido até agora o resultado do
da razão, da astúcia, dò conhecido. Que sois vós senão
cálculo, do ataque e da defesa, uma acumulação de coisas
desde que o próprio centro conhecidas: vossas tribulações,
de onde procedem todos os vossas vaidades, vossas
nossos pensamentos e todos ambições, dores, realizações
os nossos conflitos deixou de e frustrações? Tudo isso é
existir. conhecido, o conhecido do
Pois bem. Agora começais, tempo e do espaço; e enquanto
por certo, a conhecer a vós a mente estiver funcionando
mesmos momento por dentro da esfera do tempo,
momento, durante o dia, nas do conhecido, jamais poderá
vossas diversas atividades; a ser o desconhecido:
mente está começando a continuará, tão-somente, a
conhecer-se a si mesma, com experimentar o que é
todas as suas tortuosidades, conhecido.
resistências, crenças, suas Senhores, isto não é algo
exigências, buscas, ambições, complicado ou misterioso:
seus temores e ânsia de descrevo fatos evidentes da
preenchimento. Uma vez nossa existência cotidiana.
cônscia de tudo isso, não é Com a carga do conhecido,
possível à mente, ainda que procura a mente descobrir o
por um segundo, ficar desconhecido Como pode
totalmente tranqüila, conhecer consegui-lo? Todos falamos
um silêncio em que existe de Deus; em todas as religiões,
liberdade? E quando há essa em todas as igrejas e templos
liberdade silenciosa, então não esta palavra é empregada;
é a mente, ela própria, o sempre, porém, à imagem do
eterno? conhecido. São pouquíssimos
Para conhecer o os que abandonam todas as
desconhecido, deve a mente igrejas, todos os templos e
ser, ela própria, o livros, e passam além, para
desconhecido. A mente tem descobrir.

47
A virtude só é necessária
porque dá liberdade; o
homem, porém, que se esforça
para tornar-se virtuoso, jamais
é livre.
No momento, a mente é o está libertada no momento em
resultado do tempo, do que percebe a verdade de que
conhecido, e quando a mente, não pode encontrar o Real,
em tais condições, se põe a essa inefável presença do
caminho para descobrir, só desconhecido, quando está
pode descobrir o que já cheia do “conhecido”.
experimentou. Para descobrir O conhecimento, a experiência
o desconhecido, precisa é o “eu”, o “eu” que acumulou
libertar-se de todo do e juntou; por conseqüência,
conhecido, do passado, não todo conhecimento tem de ser
por meio de uma análise lenta, sustado, toda experiência
não por uma investigação posta de parte. E quando há
gradual do passado, o silêncio da liberdade, não
interpretando cada sonho, é então a mente, ela própria,
cada reação, mas pelo o eterno? Ela está então
perceber, completamente, experimentando algo
instantaneamente, a verdade inteiramente novo, que é o
do que estou dizendo. Real; mas, para o
Enquanto a mente for experimentar, a mente deve
resultado do tempo, do sê-lo.
conhecido, nunca encontrará Por favor, não afirmeis ser
o desconhecido, que é Deus, a mente a Realidade. Não
Realidade, ou como quiserdes o é. A mente só pode
chamá-lo. O percebimento da experimentar a Realidade,
verdade a esse respeito, liberta quando está de todo livre do
a mente do passado. Não tempo; e esse “processo” de
traduzais logo a expressão descobrimento é religião.
“libertar-se do passado” como Porque religião não é o que
significando “esquecer-se do credes. Nenhuma relação tem
caminho de casa”. Isto é com o fato de serdes cristão
amnésia. Não o reduzais a ou budista, muçulmano ou
uma maneira de entender tão hinduísta; essas coisas não têm
infantil. Entretanto, a mente significação alguma, sendo,

50
antes, um obstáculo; e a mente entesoura experiência, não
desejosa de descobrir, deve pode viver momento por
despojar-se completamente momento, descobrindo o
delas todas. novo.
Para ser nova, a mente deve Os que sentem verdadeiro
estar sozinha; para que possa interesse, os que não são meros
realizar-se a eterna criação, diletantes, que não estão
deve a mente achar-se no apenas a brincar com estas
estado de recebê-la. Mas, coisas, têm uma importância
enquanto estiver às voltas com extraordinária na vida,
suas tribulações e lutas, porquanto eles se tornarão
enquanto estiver carregada de uma luz para si próprios e,
conhecimentos, embaraçada por conseguinte, para outros
pelos obstáculos psicológicos, também.
nunca estará a mente livre para
receber, para compreender, Falar de Deus, sem se
descobrir. experimentar, sem se ter uma
mente de todo livre, e,
Nessas condições, uma pessoa portanto, aberta para o
verdadeiramente religiosa não desconhecido, é coisa de mui
é aquela coberta por uma pouca valia; é o mesmo que
crosta de crenças, dogmas, pessoas adultas se entreterem
rituais. A pessoa religiosa não com brinquedos; e quando nos
tem crenças; vive de momento entretemos com brinquedos e
a momento, sem jamais chamamos a isso religião,
acumular experiência alguma; estamos criando mais
por conseqüência, só ela é um confusão, causando mais
ente verdadeiramente sofrimento. E só ao
revolucionário. A verdade não compreendermos todo o
é uma continuidade no tempo; processo do pensar e dele nos
é para ser descoberta a cada libertarmos, pode a mente
momento que passa. A mente estar tranqüila; só então se
que acumula, que retém, que manifesta o Eterno.

51
® Para ajudar os meus três filhos, hasta-me observar a mim
mesmo? E como hei de dar-lhes instrução?
A vida, o viver de cada dia, a isso; estou-vos pedindo que
não é um processo de educar descubrais por vós mesmo.)
os nossos filhos e a nós — Significa rodear-nos de
mesmos, também? Senhores, uma porção de aparelhos, de
esta pergunta, com sua coisas, de crenças, a fim de
resposta, não interessa apenas nos protegermos e não termos
a mestres e discípulos; medo? Significa cobrir a mente
interessa-vos a todos, porque com uma simples capa de
sois pais. ilustração? Pois é isso que
Ora, será educação mera chamamos educação, não é
transmissão de conhecimentos? verdade? Fazemos enormes
Consiste, simplesmente, em despesas com a educação de
ensinar as crianças a ler, a um rapaz e, depois, ele vai
somar, a ter possibilidades de acabar numa guerra na
arranjar emprego? Pois é nisso Coréia, na Alemanha, ou na
que estamos interessados, não Rússia.
é verdade? E qual é o Estamos eternamente
resultado? O jovem ou vai deflagrando guerras e
acabar no exército, para ser destruindo-nos uns aos outros,
destruído, ou destrói a si dos tempos mais remotos aos
mesmo num emprego. dias de hoje. A educação,
Que significa, pois, educar- portanto, tal como a
nos a nós mesmos e a nossos conhecemos, falhou, sem
filhos? Significa levarmos anos dúvida nenhuma; já não tem
e anos aprendendo uma significação alguma. Mas se,
técnica, para depois nos para um homem que pensa
convertermos em carne para intehgentemente, a educação
canhão ou numa máquina da não é nada disso, nesse caso,
estrutura social? (Tende a que se entende por educação?
bondade de prestar atenção Significa ela uma perspectiva

52
“integrada” da vida, que nosso orgulho, nossos temores;
produzirá entes humanos devemos prestar atenção às
integrados? palavras que empregamos, e
E óbvio, porém, que ninguém à reação psicológica da mente
pode ser um ente humano a palavras como “americano”,
integrado, se é americano, ou “russo”, “alemão”. Para
russo, ou hinduísta; isso são podermos educar a outros,
meras etiquetas sem muita precisamos começar por
significação. Um ente humano educar a nós mesmos; e não
integrado é aquele que já não é essa a função correta da
está na sujeição do temor, não educação?
moldado pela sociedade, de Há verdadeira educação
acordo com determinado quando o educador está sendo
padrão de pensamento, seja educado ao mesmo tempo que
católico, seja comunista ou os jovens; e isso implica que
outro qualquer. Cada seita, deve haver liberdade tanto
cada grupo nacional ou para a criança como para nós
religioso quer educar os seus mesmos. A liberdade não se
jovens de acordo com certa encontra na conclusão de um
fórmula; e isso é educação? longo curso de disciplina e
Resultarão daí entes humanos coerção. Não há liberdade no
“integrados”? Para educar os fim da compulsão. Se
nossos filhos, não devemos dominais a criança, se a
começar por libertar-nos do obrigais a ajustar-se a um
temor, de todas as limitações padrão, por mais idealista que
do pensamento, tais sejam as seja esse padrão, será livre
do cristão, do comunista, ou a criança depois disso?
do idealista? Se desejamos realizar uma
Certamente, para podermos verdadeira revolução na
educar-nos e a outros, educação, é obviamente
precisamos prestar atenção a necessário haver liberdade
nós mesmos, aos nossos exatamente no começo, o que
pensamentos, nossos móveis, significa que tanto o pai como

53
E stam os etem am ente
deflagrando guerras e
destruindo-nos uns aos
outros. A educação, portanto,
tal com o a conhecem os,
falhou; já não tem significação
alguma.
o mestre elevem estar não mais competidor, não mais 1
interessados na liberdade, e desejoso de bom êxito; um ente
não em como ajudar a criança que compreende o que é e,
a tornar-se isso ou aquilo. por conseguinte, se está
A educação correta libertando do que é.
subentende também que se Entretanto, isso requer
esteja livre do espírito de extraordinária paciência, uma
competição, não é verdade? compreensão “integrada”, que
Damos notas, comparamos os só pode vir com o
jovens, e estimulamos a autoconhecimento; e esta é a
competição, porque, quando razão por que é tão importante
prevalece o espírito de que tanto o educador como
competição, é muito mais fácil o educando, o que ensina e
disciplinar a criança e, pelo o que é ensinado, estejam
temor, obrigá-la a submeter- plenamente cônscios do
se, a estudar mais. processo da mente e do seu
Se desejamos, porém, próprio ser.
inaugurar a educação correta, Creio, devia custar uns vinte
estamos interessados em e cinco centavos para se matar
libertar a mente, para que um soldado romano, ou para
possa considerar a vida com um soldado romano matar
uma visão “integrada”, outro soldado qualquer; hoje,
enfrentar todas as suas para matar-se um soldado, o
complicações, ao surgirem, custo é de cerca de cem mil
momento por momento. Isso, dólares. Continuamos a
por certo, é muito mais desenvolver a pura técnica,
importante do que o árduo as atividades da memória, do
trabalho de aprender. O saber sagaz intelecto, e não há
dos livros pode entrar ou não revolta contra tudo isso. E
no programa, mas o que quando nos revoltamos,
principalmente nos interessa tornamo-nos pacifistas,
é produzir um novo ente idealistas, ou adotamos outro
humano, não mais coagido, rótulo qualquer.

50
Revolução fundamental só é “integrada”, e não podemos
possível quando há uma ter tal perspectiva enquanto
perspectiva “integrada” da permanecerdes americano ou
vida, quando cada indivíduo hindu. Somos entes humanos,
é um ser total; e essa e não podemos compartilhar
totalidade, essa integração do os bens da terra, se vós
indivíduo, não pode existir competis comigo e eu
enquanto há temor, convosco. Enquanto vós e eu
competição, ambição, o tivermos a ambição de
constante impulso de nos realizar, de vir-a-ser,
preenchermos em alguma viveremos necessariamente
atividade — pois tudo isso num conflito constante um com
implica: “eu” contra o todo. o outro. Se perceberdes tudo
O mundo nos pertence, as isso, não apenas verbalmente,
riquezas da terra são vossas mas interiormente,
e minhas. Ninguém pode ser profundamente, garanto-vos
próspero enquanto outros que vos revoltareis; e, então,
morrem de fome. talvez possamos criar uma
Mas, para se perceber tudo nova civilização, um mundo
isso requer-se uma perspectiva novo.

® A luta básica, através da história e corno a presencia­


mos no mundo moderno, parece ser o choque entre as forças da
tradição e o consewantismo de um lado, e as forças progressis­
tas, de outro lado. Que lado devemos apoiar, na grande bata­
lha pela promoção do bem-estar humano?
Não é possível considerarmos livres. Se sois progressista e
este problema sem tomarmos eu conservador, chocamo-nos
partidos? Porque no momento um com o outro, somos
em que tomamos partido, já antagonistas. Em vez de
não temos uma perspectiva considerarmos o problema do
“integrada”, já não somos vosso ponto de vista ou do

57
meu ponto de vista, não seria progressista desejam
preferível descobrirmos o que mudança. Isso é óbvio. Só
é que faz a mente ser o homem mais estúpido e mais
conservadora ou progressista? totalmente cego pode não
Compreendeis o problema? Se desejar mudança nenhuma. Os
eu sou conservador e vós sois que possuem todas as coisas
progressistas, estaremos mundanas — um grande
inevitavelmente em conflito. depósito no banco, conforto,
Eu desejo conservar, reter, luxo — que estão satisfeitos
manter as coisas o mais e querem tudo bem protegido,
possível como estão; e vós esses não desejam mudanças. ;
desejais reformar, Já os que observam, os que
revolucionar. Ficamos numa estão cônscios do problema
batalha constante um contra mundial (não apenas do
o outro e, conseqüentemente, problema americano ou do
jamais resolvemos o problema hindu) os que vêem
problema. toda essa luta humana — todos
esses desejam mudanças.
Mas se vós e eu estamos muito
interessados em resolver o Há miséria na Ásia, de que
problema humano, então não não fazeis idéia. Milhões e
seremos nem progressistas nem milhões de pessoas a
conservadores; estaremos alimentarem-se uma vez por
interessados no problema em dia, e às vezes nem isso
si, e não em como vós o sequer. Há fome, doença,
considerais e como eu o superstição, a degradação da
considero. Espero que a pobreza, excesso de
questão esteja agora clara;
mas a questão nunca estará nascimentos, pletora de
clara, se já tomamos partidos. população, solo pobre. Essas
coisas bradam por mudança.
Examinemos, pois, a E também, obviamente, há
mentalidade conservadora e necessidade de transformação,
a mentalidade progressista. com respeito à guerra. Urge
Tanto o conservador como o fazer-se algo para acabar-se

58
com todas as guerras, a fim indivíduo deixasse de ser
de que os homens sejam livres nacionalista, deixasse de ser
para educar a si mesmos, viver francês, russo, alemão, hindu,
pacificamente, em boa e se tornasse um ente humano
harmonia, criadoramente. integrado.
Assim sendo, todos nós — Nessas condições, quando
conservadores e progressistas investigamos a questão da
— se refletimos um pouco, transformação, da revolução,
temos de desejar mudança. não devemos perguntar se a
O problema, portanto, não mente — sem se levar em
é de se devemos apoiar o conta se ela é conservadora
conservador ou o progressista, ou progressista — é capaz
mas de como promover a de efetuá-la? A mudança, a
mudança. Não é isso? Tende revolução resulta de um
paciência; pode-se responder “processo” da mente, ou
superficialmente; mas eu acontece de uma maneira de
desejo considerar este todo diferente? Já observastes
problema fundamentalmente, como vos modificais, como
profundamente. Qual é o fator indivíduo humano? Quando
da transformação? As vos modificais? Não é
revoluções geram certamente quando estais
transformações? Houve tentando modificar-vos pela
revoluções no passado, a ação do pensamento;
Revolução Francesa, e outras modificai-vos, quer queirais
mais recentes; e elas quer não, quando a mente não
produziram alguma está planeando fazê-lo.
transformação? Poderão ter E importantíssimo
produzido superficiais compreender-se isso, e peço-
modificações políticas, não vos tenhais paciência para
uma transformação básica da investigá-lo. Se sou
mente e do coração, uma ganancioso, invejoso, como
transformação fundamental, posso modificar-me? Posso
“integrada”, na qual o modificar-me por volição?

59
Quando procuro libertar-me não constituem mudança
da avidez, esse próprio esforço nenhuma.
não resulta da avidez, sob
outra forma? Quando digo Nessas condições, se lhes
“não devo ser ávido”, por que interessa a mudança, devem,
o digo? Porque o ser ávido tanto o progressista como o
já não compensa, causa-me conservador, indagar se o
sofrimento, e portanto tenho pensamento é capaz de
agora um móvel diferente, um promovê-la. Realiza-se a
impulso diferente, há uma transformação quando há
sensação nova que desejo percepção do que é
alcançar; por conseguinte, verdadeiro; e a percepção do
rejeitando a avidez, sou ainda que é verdadeiro não procede
ávido. da mente. A mente pode
traduzir a história de acordo
Enquanto a mudança resultar com seus próprios
do pensamento, não é preconceitos, de acordo com
mudança — não importando seus instintos burgueses ou
se esse pensamento é proletários; mas a revolta dos
conservador ou progressista. que nada têm, bem como o
A transformação, a revolução conservantismo dos que têm
só é realizável quando o tudo, é sempre uma reação;
pensamento calculista deixou e reação não é
de existir. Refleti bem sobre transformação.
isso e vede a verdade que
encerra. A modificação Vem a transformação quando
produzida pelo pensamento, a mente percebe o que é
pelo cálculo, é uma verdadeiro; e ela não poderá
continuidade modificada. percebê-lo enquanto continuar
Todas as revoluções políticas a pensar com a mentalidade
são meramente continuidade do progressista ou do
modificada, reação ao conservador. Vós e eu
passado, e, por conseguinte, devemos estar interessados

60
diretamente no problema da de reação, quando já não
transformação. A sonha com Utopias nem deseja
transformação não se pode conservar tudo como está.
operar por nenhum ato de
vontade, por nenhuma Só há transformação quando
aplicação do saber; só se vós e eu somos
realiza quando a Realidade
é percebida por vós e por mim. verdadciramente religiosos.
E a Realidade pode ser Esta é a única revolução, a
percebida apenas, quando a única transformação
mente já não é um instrumento permanente.

SI
V ivercom
S im plic id a d e

A meu ver, uma das coisas nos níveis mais profundos da


mais difíceis é viver com consciência. Parece, que
simplicidade; e talvez nunca podemos livrar-nos de
possamos examinar esta um problema, ou resolvê-lo,
questão, não apenas no nível sem suscitar outros
í superficial, mas problemas.
profundamente, para ver se Mas se pudéssemos
descobrimos o que, em compreender o que significa
essência, significa viver viver simplesmente, pensar
simplesmente. Por pouco simplesmente, então, talvez
ativos que sejamos, a vida nos estivéssemos aptos a produzir
apresenta inúmeros em nós mesmos um “estado
problemas. Cada problema de ser” em que não criássemos
parece gerar muitos outros. problemas e mais
Os problemas parecem surgir problemas.
numa sucessão interminável,
tanto no nível consciente como Por que é que a mente

Ciei
acumula? Por que alguma de maneira nova, mas 1
armazenamos conhecimentos? sempre em conformidade com
Por que nos condiciona a o “velho”, com o que já
experiência? Se pudermos conhecemos. E porque jamais
investigar esse “processo” encaramos um problema
acumulador da mente, talvez diretamente, para
nos seja mais fácil compreendê-lo por nós
compreender o que é pensar mesmos, continuamos a
diretamente, simplesmente; e produzir problemas e a
ao percebermos por que a provocar mais lutas.
mente colhe, retém, acumula, Ora, nossa concepção de uma
talvez nos tornemos capazes vida simples é que devemos
de dissolver as nossas possuir poucas coisas, ou
múltiplas dificuldades, à mesmo nada. Mas isso, por
medida que surgem. certo, não é uma vida simples.
Acreditamos que, acumulando Olhamos com reverência os
conhecimentos e experiência, que levam uma vida simples,
estaremos capacitados para no sentido físico, que têm
compreender a vida com todas poucas roupas e nenhuma
as suas lutas complexas. Mas, propriedade, como se isso
que acontece quando fosse uma coisa maravilhosa.
acumulamos saber e Por quê? Porque nós,
experiência? Ficamos intrinsecamente, somos
traduzindo todo incidente, apegados a coisas, a
toda crise, toda reação, em posses.
conformidade com a nossa Mas o viver uma vida simples
passada experiência, que é requer, meramente, que nos
memória. despojemos de tudo, que
Com essa carga do passado, renunciemos às coisas físicas?
não nos é possível ver as coisas Ou é coisa muito mais
diretamente; e talvez aí se profunda? Embora tenhamos
encontre o nó do problema. muito pouco, interiormente
Nunca enfrentamos coisa estamos sempre juntando,

64
acumulando; estamos cheios a vida momento por momento,
de crenças, de dogmas, de sem que a experiência do
toda espécie de experiência passado lhe empane a
e memória, e há em nós um visão?
conflito interminável entre as Consideremos, por exemplo,
várias necessidades, ânsias, o problema do temor.
esperanças, desejos. I udo isso Podemos, vós e eu,
indica, não uma vida simples, compreender o temor e
mas uma vida interior dissolvê-lo, sem intrometermos
sobremodo complexa. a acumulação do passado? Em
Creio, pois, importante geral, temos medo de muitas
descobrir-se por que a mente coisas: do amanhã, do que
acumula, tanto consciente dizem os outros, da pobreza,
como inconscientemente; da frustração, da morte. Ora,
porque é incapaz de ir ao que é esse temor? Não
encontro de cada incidente, podemos examiná-lo,
de cada reação, como se fosse compreendê-lo de maneira
algo inteiramente novo, muito simples, e desse modo
original. Por que traduzimos libertar-nos dele — não para
cada experiência de acordo todo o sempre, mas a cada
com “o velho”, de acordo com momento, dia por dia — de
o que já é conhecido? modo que a mente fique
A mente está sempre a aliviada da ânsia do amanhã?
acumular experiências, Bem considerado, o temor é
reações, e armazenando-as na uma reação, não é? Fiz algo
memória, com o propósito de que me envergonha, cometi
servir-se delas, como garantia um erro que não desejo seja
de sua própria segurança. E descoberto por outro. O
a compreensão, a inteligência temor, pois, é uma reação,
é resultado de experiências e não adianta lutar contra ele,
inumeráveis? Ou é a procurar subjugá-lo, analisá-lo
capacidade de olhar as coisas ou evitá-lo.
de maneira nova, de encarar O medo é o fantasma do meu

65
S e som os capazes de
considerar a causa do
problema com muita
simplicidade, sem traduzirmos
ou condenarmos, então é
possível estarm os livres de
todos os problemas humanos
inevitáveis.
malfeito. O problema, por história, sem interpretá-la,
conseguinte, não é o temor, sem negá-la ou aceitá-la, sem
senão a maneira como procurar ocultá-la, sem buscar
considero o meu ato. Ora, um abrigo ou fugir-lhe? Daí,
posso considerar esse ato de a meu ver, é que nasce a
maneira nova? Isto é, posso simplicidade, tão essencial à
eu, conhecendo a causa do compreensão.
temor, considerá-lo com toda
a simplicidade, sem acumular, Se somos capazes de
sem converter a compreensão considerar a causa do
da causa numa técnica de problema com muita
dominar o temor? simplicidade, sem traduzirmos
Compreendeis? Quando, ou condenarmos, parece-me
conhecendo a causa do temor, que, então, é possível
a mente procura compreender estarmos livres, momento por
essa causa, a fim de proteger- momento, não só do temor,
se contra novos temores, os mas também da inveja, do
temores de amanhã, põe ela ciúme, do desejo de sermos
em funcionamento o complexo bem-sucedidos e de todos os
“processo” da autoproteção, demais problemas humanos
e, por isso, nunca está em inevitáveis.
. condições de corresponder a Problemas surgirão sempre e
cada experiência com clareza, teremos sempre reações,
simplicidade, de modo enquanto vivermos. Não é,
direto. portanto, necessário tenhamos
a capacidade de enfrentar os
Ora, não pode a mente problemas, ao surgirem, dia
observar a causa, o incidente por dia, sem acumularmos
que produziu o medo, sem experiência, que nos limita o
interpretação e sem pensar e impede-nos a
julgamento? Não pode ela compreensão do problema?
olhar, simplesmente, para a
causa do temor, “escutá-la”, Simplicidade de pensamento
deixá-la revelar toda a sua e de espírito é uma coisa

68
essencial, mas não pode haver interpor todas as sombras da
simplicidade enquanto estiver passada experiência? Sem
em funcionamento o dúvida, este é que é o nosso
“processo” acumulador da problema: considerar cada
autoproteção; e esse incidente, cada reação, sem
“processo” de pensamento, preconceito, sem tendências,
visante à autoproteção, existe sem interpretá-los de acordo
não apenas no nível ; com coisas aprendidas, no
consciente, mas também nos desejo de nos protegermos.
diferentes níveis inconscientes Pode a mente ficar livre de
do nosso ser. tudo isso e considerar
E por querermos proteger- diretamente cada problema
nos, que o saber e a que surge? Se pode, então
experiência se tornam tão já não há morte, e todos os
extraordinariamente problemas humanos podem ser
importantes em nossa vida. resolvidos: mas não para sua
Quando se nos depara um satisfação, seu aprazimento.
problema, nunca estamos j No momento em que
completamente desvencilhados introduzimos o desejo de
do passado. E é-nos possível satisfação, começamos a
— a vós e a mim — aliviar acumular, do que resulta
a mente de todo o passado, temor. Mas, não nos é
do saber acumulado de possível considerar o
ontem? problema, qualquer que ele
Reputo assaz importante seja, sem julgamento, sem
examinarmos esta questão e avaliação?
compreendê-la. Com a carga O avaliar um problema
do passado, a mente cria os implica memória, julgamento,
seus próprios problemas, não pesar, calcular — e tudo isso
é verdade? E pode a mente indica a constante
começar a atender a cada preocupação da mente de
problema de maneira nova, proteger-se. O desejo de nos
observando-o, ao surgir, sem protegermos, de nos

69
resguardarmos, tanto é compreender o que é, de
consciente como inconsciente; observá-lo, de familiarizar-nos
e, ao se tornar conhecedora com ele, de “escutar” todo o
de todo esse processo, pode seu conteúdo, observar-lhe o
a mente aboli-lo e considerar fluir, o movimento.
o problema diretamente? Só Vemos, pois, que a
pode fazê-lo quando vós e eu simplicidade do pensar não
compreendemos a necessidade resulta da acumulação de
de nos libertarmos do conhecimentos. Pelo
temor. contrário, quanto mais
O medo corrompe e nos sabemos, tanto menos simples
ensombra as ações; onde há é a nossa mente; e a mente
temor, não há amor. Sabemos tem de ser sobremaneira
disso teoricamente. Temos simples, para compreender o
lido a seu respeito. Quando, que é. O que é nunca é a
porém, estamos cônscios de mesma coisa, pois varia de
que tememos inúmeras coisas, momento a momento, e o seu
não podemos examinar movimento não pode ser
cabalmente esse fato? Não compreendido por uma mente
podemos descobrir a causa do carregada de condenação,
temor e compreendê-la julgamento, da ânsia de
realmente, sem lutarmos, sem autoproteção e do temor do
traduzirmos, sem julgarmos ou futuro.
interpretarmos o que é? Acredito ser da mais alta
E quando a mente está cônscia importância descobrir se
do que é, não apenas no nível podemos observar o que é,
consciente, mas como o sem sentir desgosto e repulsa.
“processo” total do nosso ser, Afinal de contas, que somos
não há um desafogo, uma nós? Somos o resultado de
libertação da causa que muitas reações, muitas
produziu o temor? Mas não influências condicionadoras,
há libertação quando não desejos, temores, — e nessa
existe a intenção de agitação está sempre envolvida

70
a nossa mente; sempre está sempre escolhendo,
batalhando, sempre em condenando, julgando,
conflito. E para se pôr fim fugindo ou procurando
a essa luta incessante, a esse modificar o que é.
sofrimento e dor, não nos cabe Simplicidade é compreensão
compreender, simplesmente, do que é. E só há compreensão
momento por momento, o do que é quando a mente
movimento do que é? desistiu de lutar contra o que
Se sou ganancioso, colérico, é e desistiu de moldá-lo de
ou invejoso, devo por certo acordo com suas fantasias. Na
compreender essa coisa tal compreensão do que é
como é, em vez de tentar revelam-se-nos os movimentos
dissolvê-la ou dominá-la; pois do eu , do ego ; e isso,
a própria ação de dominar certamente, é o começo do
é uma luta, um novo conflito, autoconhecimento, não só no
e, por conseguinte, não nos nível verbal, mas também
traz nenhuma libertação do naqueles níveis em que o “eu”
que é. se acha profundamente oculto
Mas se estou cônscio não e de onde sai
somente da minha inveja, mas espontaneamente, nas ocasiões
também da sua causa mais em que relaxamos a
profunda, cuja reação ela é, vigilância.
e do desejo de estar livre da Quando estamos cônscios de
inveja; se estou cônscio desse nós mesmos, não é, todo o
“processo” total, sem movimento do viver, uma
julgamento, sem escolha, forma de revelar o “eu”, o
então, acho que esse “ego”? O “eu” é um processo
percebimento esclarece e muito complexo, que só pode
dissolve aquela causa. Requer ser revelado na vida de
isso, não exercício ou relação, em nossas atividades
disciplina, mas vigilância por diárias, na maneira como
parte da mente; e a mente falamos, como julgamos,
não pode estar vigilante, se calculamos, como condenamos

71
O tempo é a mente, que deseja
continuidade. Desejando
continuidade na experiência,
a mente se tom a contínua por
meio da memória e, nestas
condições, nunca pode achar
nada de novo, jamais pode
encontrar a realidade, o
incognoscí vel.
a outros e a nós mesmos. Tudo quando a mente está tranqüila;
isso revela o estado e a mente só pode estar
condicionado do nosso próprio tranqüila quando é simples,
pensar; e não é importante quando já não está
estar-se cônscio de todo esse armazenando, condenando,
processo? julgando, pesando. Apenas
Só pela percepção do que é a mente simples pode
verdadeiro, momento por compreender o Real, e não
momento, se dá o a mente repleta de palavras,
descobrimento do atemporal, de conhecimentos, de
do eterno. Sem ilustração. A mente que
autoconhecimento não pode analisa, que calcula, não é
existir o eterno. Quando não uma mente simples.
conhecemos a nós mesmos, o Para ser criadora, a mente
eterno se transforma em tem de estar despojada de
simples palavra, um símbolo, todas as suas acumulações; e,
uma especulação, um dogma, sem criação, nossa vida é
uma crença, uma ilusão em vazia, ainda que esteja cheia
que a mente pode refugiar-se. de atividades, de resoluções
Se começamos, porém, a e determinações, coisas essas
compreender o “eu” em todas de muito pouca significação.
as suas atividades, dia por Entretanto, a mente que
dia, então, nessa própria percebe todo esse processo de
compreensão, apresenta-se, acumulação para fins de
sem nenhum esforço de nossa autoproteção, que percebe
parte, o inefável, o todo o seu conteúdo, sem
atemporal. procurar alterá-lo ou rejeitá-
Mas o atemporal não é uma lo, essa mente, por ser simples,
recompensa ao está tranqüila e compreende
autoconhecimento. O que é o que é. E nisso há um
eterno não pode ser desafogo extraordinário, uma
procurado; a mente não pode liberdade em que está a
adquiri-lo. Ele se apresenta Realidade.

74
• Só uma mente tranquila pode resolver o problema do temor;
mas, como pode a mente estar tranquila quando tem medo?
Como tranqüilizar a mente a la; o resultado, porém, é uma
fim de dissolver o temor? E mente morta. A mente morta
pode a mente que tem medo está muito tranqüila, mas não
estar alguma Vez tranqüila? pode ser criadora.
E a tranqüilidade da mente Assim, pois, não existe
se obtém por meio de alguma nenhum “como”. O que a
técnica? Afinal de contas, é mente pode fazer é apenas ter
isto que perturba muita gente: consciência de que procura um
o “como”, o método, a técnica método porque deseja algo.
de se alcançar um estado de Se desejais enriquecer, juntais
paz. dinheiro, selecionais os vossos
O “como” implica hábito, a amigos, circulais no meio de
manutenção de certa atitude . gente que possa ajudar-vos a
dia por dia, a repetição de obter o que desejais. Do
certa ação, a observância de ■ mesmo modo, se desejais paz
determinado plano, o de espírito, se sentis a sua
disciplinar da mente para estar urgência, procurais descobrir
tranqüila. E a tranqüilidade, o meio de consegui-la: ouvis
a serenidade da mente resulta vários instrutores, praticais
de hábito? E produto de disciplinas, ledes certos livros,
exercício constante? Ou vem sempre com a intenção de ter
tão-somente quando há paz de espírito; todavia, vossa
liberdade, quando há mente só se torna
compreensão do que é? embotada.
Naturalmente, se desejo paz Se, entretanto, estiverdes
de espírito, não a terei nunca. cônscio desse “processo” do
E por desejar ter uma mente vosso pensar, na sua
tranqüila que pratico vários totalidade, tanto do processo
exercícios, os quais espero inconsciente como do
tenham a virtude de realizá- I consciente; se observardes

75
I todos os vossos pensamentos, batalhar contra a sombra, a
momento por momento, sem reação.
j condenação ou julgamento; se
: simplesmente observardes O “eu” está-se protegendo,
cada pensamento que surge, ansiando, esperando,
sem o rejeitar ou pôr de parte, desejando, lutando; e
achareis então uma liberdade, constantemente compara,
na qual se torna existente a pesa, julga; aspira ao poder,
tranqüilidade, sem volição, e à posição, ao prestígio, aspira
sem nenhuma ação da vossa a ser respeitado; e pode esse
j vontade. “eu”, fonte do temor, deixar
de existir, não para todo o
O problema, por sempre, mas momento por
conseqüência, não é de como momento? Quando se
libertar a mente do temor, ou apresenta o sentimento de
de como tê-la tranqüila, para temor, pode a mente ficar
dissolver o temor, mas: se o cônscia dele, examiná-lo sem
medo pode ser compreendido. condenação, julgamento,
Embora eu tenha medo de escolha? Porque, no momento
várias coisas — de meu em que começamos a julgar,
patrão, de minha esposa ou a avaliar, é uma parte do “eu”
marido, da morte, de perder que está dirigindo, e,
o meu depósito no banco, da portanto, condicionando o
opinião dos meus vizinhos, da nosso pensamento, não é
frustração, de perder minha exato?
importância pessoal — esse
medo, em si, é o resultado Posso, pois, estar cônscio da
de um processo total, não é? minha avidez, da minha
Isto é, o “eu”, o “ego”, em inveja, momento por
sua atividade, “projeta” o momento? Estes sentimentos
medo. A substância é o são expressões do “eu”, do
I pensamento concernente ao “ego”, não é verdade? O
“eu”, e sua sombra é o medo; “ego” é sempre o “ego”, em
| e, evidentemente, não adianta qualquer níüel que o

7ii
coloquemos. Seja “superior”, momento, o crescimento
seja “inferior”, o “eu” está constante do “eu”, com sua
sempre compreendido na presunção, suas
esfera do pensamento. “autoprojeções” — sendo tudo
E posso eu estar cônscio desses isso, basicamente,
sentimentos, ao surgirem, fundamentalmente, a causa do
momento por momento? Posso temor. Mas se não se pode
descobrir sozinho as atividades empreender nenhuma ação
do meu “ego”, quando, por para nos libertarmos da causa,
exemplo, converso à mesa, o que nos cabe fazer, então,
quando jogo, quando escuto, é só estar cônscios dela.
quando me acho num grupo Quando desejamos estar livres
de pessoas? Posso estar do “ego”, esse próprio desejo
cônscio dos ressentimentos faz também parte do “ego”;
acumulados do desejo de tendes, pois, uma batalha
causar impressão, de ser constante no “ego”, em torno
alguém? Posso descobrir que de duas coisas desejáveis,
sou ávido e estar cônscio da entre a parte que deseja e a
minha condenação da avidez? parte que não deseja.
A própria palavra “avidez”
é uma condenação, não Quando nos tornamos cônscios
achais? Estar cônscio da do que se passa no nível
avidez é também estar cônscio consciente, começamos
do desejo de ficar livre dela, também a descobrir a inveja,
e é perceber porque desejamos as lutas, os desejos, os
ser livres dela — é perceber impulsos, as ansiedades
todo o processo. existentes nos níveis mais
Isso não é um modo de agir profundos da consciência.
muito complicado; sua Quando a mente está muito
significação pode ser interessada em descobrir o
apreendida imediatamente. processo total de si mesma,
Começamos, pois, a então cada incidente, cada
compreender, momento por reação transforma-se num

77
S e desejais descobrir o que
é imortal, o que se acha além
da mente, então a mente, que
é o conhecido, tem de acabar-
se; deve morrer para si
mesma.
meio de descobrimento, de segundo, apenas, mas tanto
autoconhecimento. basta. Essa liberdade não é
Isso requer paciente vigilância, produto da memória; é uma
a qual não pode ser exercida coisa viva. Entretanto, a
por uma mente que está mente, depois de prová-la, a
sempre lutando, sempre a reduz a uma lembrança, e
aprender “como” ser vigilante. deseja então mais.
Vereis, assim, que as horas O estar cônscio desse processo
de sono são tão importantes total só é possível pelo
como as horas de vigília, pois autoconhecimento, e o
a vida é então um processo autoconhecimento nasce
total. Enquanto não momento por momento,
conhecerdes a vós mesmo, o enquanto observamos nosso
temor continuará a existir, e falar, nossos gestos, a maneira
todas as ilusões criadas pelo como falamos, e os motivos
“eu” prosperarão. ocultos que nos são
O autoconhecimento, • pois, subitamente revelados. Só
não é um processo que se então podemos ficar livres do
aprende em leituras, ou a temor. Enquanto existe temor,
respeito do qual se pode não há amor. O temor enche-
especular: ele tem de ser nos de sombras o ser, e esse
descoberto por cada um de temor não pode ser lavado
nós, momento por momento, por nenhuma reza, ideal, ou
o que faz com que a mente atividade.
se torne sobremaneira
vigilante. Nessa vigilância há A causa do temor é o “eu”,
uma certa aquiescência, um o “eu” que é tão complexo
percebimento passivo em que nos seus desejos, necessidades,
não existe desejo de ser ou ocupações. A mente tem de
de não ser, e em que se compreender todo aquele
encontra um maravilhoso processo; e essa compreensão
sentimento de liberdade. Pode só pode vir quando há
ele durar só um minuto, um vigilância sem escolha.

80
A BUSCA DA
T r a n q u ilid a d e
M ental

Desejo discorrer sobre um o que eu digo. Pelo contrário,


problema que considero a mera aceitação ou anuência
suficientemente importante: o ao que considerais ser a
problema relativo ao impulso verdade, não tem significação
constante, existente em cada alguma. O que tem
um de nós, a buscar um estado significação é que descubrais
permanente, livre de toda por vós mesmos o que é
perturbação. É um problema verdadeiro; e não podeis
realmente muito complexo. descobrir o que é verdadeiro,
se vossa mente está sempre
Por certo, se queremos agitada pela comparação, ou
compreender um problema pelo lembrar-vos do que outra
muito complexo, requer-se pessoa disse ou do que lestes
uma certa vigilância, em que em vários livros. Tudo isso
a mente esteja passiva, mas tem de ser posto de parte,
não hipnotizada por palavras. inteligentemente, para que se
Isso não implica de modo possa ouvir com um
nenhum que tenhais de aceitar percebimento passivo, em que

81
não haja “autoprojeção”, nem I Se não estamos sujeitos a essa
espírito defensivo ou espécie de mundanidade,
antagônico. buscamos então a permanência
no que chamamos amor, nas
Não podemos descobrir o que relações com certas pessoas;
é verdadeiro, quando estamos e se vamos além, buscamo-la
excessivamente ansiosos ou de na crença, nas idéias, no
algum modo agitados. O saber, no dogma, na tradição.
perceber a verdade relativa E há também o desejo de
a qualquer coisa, requer uma encontrar uma permanência
atenção especial, não achais? em que não haja ação da nossa
Uma atenção isenta de parte. A mente diz: “Deponho
esforço, como acontece a minha vontade nas mãos de
quando estamos escutando Deus; ele sabe mais, portanto
algo que realmente nos deixemo-lo operar”. Imolamo-
agrada. nos ao que consideramos ser
Deus, ou à idéia do grupo,
Não estamos nós, em maioria, da nação.
buscando a permanência, em Quer as nossas atividades
diferentes níveis da nossa sejam impostas pelas
consciência? Se somos
i circunstâncias exteriores,
puramente mundanos, quer, por , mesmos, em
nos
queremos permanência no
nome, na forma, em nossa boa virtude do temor, da
aparência, em nossa mobília, esperança, das várias formas
de ilusão utópica — o desejo
na propriedade. Isto é, o fundamental é de encontrar
desejo procura um estado uma permanência na qual a
permanente onde não haja mente possa refugiar-se e
perturbação de espécie
nenhuma; e se somos muito sentir-se em segurança.
superficiais, procuramos O desejo, pois,
aquela permanência na ordem constantemente busca um
social, da esquerda ou da estaclo de permanência, um
direita. j estado em que encontremos

82
completo preenchimento, por deve investigar e compreender
meio da propriedade, de o processo do seu próprio
pessoas ou de idéias, e no qual desejo. Enquanto buscamos
a mente nunca possa ser qualquer espécie de
perturbada. Não é isso o que permanência, de segurança,
nós, em geral, consciente ou toda experiência se transforma
inconscientemente, em obstáculo à compreensão
procuramos? Desejamos mais profunda, todo saber
preencher-nos, encontrar constitui um empecilho a novos
segurança permanente, e esse descobrimentos. Por
próprio impulso suscita conseguinte, se vós e eu
ansiedade, temor e várias desejamos descobrir se existe
formas de atividade ou não o atemporal, temos
destrutiva, que procuramos em primeiro lugar de
então reformar, controlar, compreender por que a mente
disciplinar. procura, através da
Ora, é possível à mente não propriedade e das relações,
buscar permanência, não uma crença, uma condição na
aspirar a um estado que ela qual possa permanecer em
concebeu como o estado de segurança, dia após dia.
felicidade, de Realidade? Qualquer que seja o disfarce,
Pode a mente ser livre da é isso, em essência, o que
experiência de ontem, de buscamos, não é?
modo que não esteja Nossa vida é muito complexa,
condicionando fluida, variável; há incerteza,
permanentemente o presente? dor, tristeza. Compreendendo
E há alguma ação, algum tudo isso, desejamos,
“estado de ser” não oriundo consciente ou
do desejo, que transcenda o inconscientemente, o oposto,
tempo e seja sem algo inteiramente distinto do
continuidade? que é; por isso, edificamos
Para descobrir se existe esse igrejas, aspiramos a Utopias,
estado, a mente, sem dúvida, e vivemos apegados a dogmas

83
o medo existe em diferentes
níveis do nosso ser; há o medo
do passado, o medo do futuro
e o medo do presente, que é
a verdadeira ânsia dos
viventes. Ora, que é esse
medo? Não é produto da
mente, do pensamento?
e crenças. Podemos das nossas maiores
reconhecer a falácia de tudo dificuldades, não achais?
isso e, conscientemente,
rejeitá-lo; podemos achar pelo
raciocínio que nada existe de A mente, que é pensamento,
permanente — e de fato não está sempre a buscar, de várias
existe nada permanente — e sutis maneiras, um estado
mas, inconscientemente, muito permanente, invariável, no
profundamente, o impulso qual possa subsistir, dia por
humano, o impulso individual, dia. Embora não o digamos,
é sempre no sentido de isso é o que consciente ou
encontrar algo que esteja além inconscientemente desejamos.
do conflito do desejo. E o pensamento acha o meio
de produzir esta permanência:
cria o pensante, que se torna
Ora bem, existe coisa tal como então a entidade permanente
a segurança? Há uma que orienta e controla o
permanência que persiste, pensamento. iMas o pensante
eterna, apesar de todas as é o pensamento; não há
calamidades, apesar da pensador distinto do
morte? Existe algo a que a pensamento.
mente possa apegar-se
definitivamente? Se, em
virtude da nossa educação, O pensamento procura
da civilização, da tradição, segurança em níveis diversos;
do condicionamento de certas e quando busca segurança
crenças, afirmamos que tal exterior, está atraindo a
coisa existe ou que não existe, insegurança. Quando fabricais
essa resposta, naturalmente, armamentos com o fim de criar
não é válida. O homem que segurança para vós mesmos,
de fato deseja investigar esta neste mundo, vossa segurança
questão, deve obviamente é destruída pela guerra. A
libertar-se do seu mente que encontrou uma
condicionamento; e esta é uma relativa segurança se torna

86
conservadora, deseja reter, está sempre evitando a dor,
consolidar, continuar a ser que se esforça constantemente
como é, sem perturbações; para aumentar, vir-a-ser,
modifica-se apenas debaixo de crescer — essa entidade não
compulsão, quando a pressão é mais do que uma idéia, um
do inevitável a obriga a fazê- desejo que se identificou com
lo. Mas não existe essa coisa uma dada forma de
chamada segurança, pensamento.
permanência, isto é, um estado
de inalterável conservação.
Existe, pois, em algum tempo,
preenchimento para vós e para
Interiormente, mim? E enquanto cada um de
psicologicamente, todo o nós se está esforçando para
processo da memória, que é preencher-se, somos
acumulação de experiência, de antagonistas, estamos em
conhecimentos, é um meio pelo competição uns com os outros.
qual o “eu”, o “ego”, pode Desejais preencher-vos pela
achar segurança e perpetuar- beleza, pela harmonia, e eu
se. Profundamente instalado, desejo preencher-me pela
lá está o desejo de preencher- violência, pela
nos, e por isso tentamos várias irresponsabilidade, pela
formas de preenchimento, chamada liberdade. Não
várias atividades, tarefas, estamos em antagonismo um
funções. Pode haver, porém, com o outro? Vós buscais a
preenchimento para o “ego”? paz, eu sou ambicioso.
Posso preencher-me, em algum Podem, o homem que busca
tempo? Certo, o “eu” é só uma a paz e o homem ambicioso,
idéia, não tem realidade. viver juntos, na mesma ordem
social?
O “eu” que busca a
prosperidade, a riqueza, Buscar preenchimento na paz
posição, prazer; o “eu” que ou noutra coisa qualquer não

87
significa ser pacífico, e Começa, assim, um problema
enquanto cada um de nós inteiramente novo, com o qual
estiver em busca de ficamos a debater-nos.
preenchimento, haverá Sem dúvida, o pensamento que
conflito. E entretanto, para a deseja estar tranqüilo nunca
maioria de nós, o desejo de pode libertar-se do conflito,
preenchimento é um impulso visto ser ele o próprio foco do
intenso, exigindo satisfação a “eu”. E o pensamento
qualquer preço. Em todos os identificado como “eu” que se
diferentes níveis do nosso ser, identifica com o grupo, com a
despertos ou dormindo, nação. Procurais esqueer o
estamos constantemente a “eu”, atirando-vos a esta ou
buscar um estado de todo àquela atividade. O “eu” é
imperturbável, uma esquecido, mas resta a
continuidade de pensamento, atividade. Sendo, comoé, uma
como “eu” — o “eu” que possui fuga ao “eu”, a vossa atividade
experiências, o “eu” que tem tem de ser protegida; e há,
sofrido, o “eu” que acumulou assim, antagonismo, há
tanta ilustração e saber. batalha entre várias
Não tendo encontrado atividades, entre vários grupos
segurança exterior, passa o nacionais.
“eu” a procurar aquele estado E se não vos entregais a alguma
noutros níveis, além do nível atividade, ou ao nacionalismo,
superficial. Por isso, vos tornais um ente religioso,
meditamos para alcançar a identificando-vos com
paz, para termos uma mente determinada crença, que se
tranqüila. Pensamos que a torna então imcnsamente
mente tranqüila irá dar-nos o importante, porque sois parte
estado de permanência que não dela.
encontramos em nenhuma
outra direção; e apresenta-se- Ora, sem excesso de
nos, aí, a pergunta: “Como pormenores, tudo o que acabo
posso estar tranqüilo?” de dizer é uma descrição fiel

88
cie um fato óbvio; e se percebeis discipline a si mesma e declare
realmente a verdade do que que deve amar, ser
digo, vossa mente já não se compassiva, bondosa, afável,
acha, por certo, consciente ou continuará muito superficial.
profundamente, em busca de Agora, se a mente perceber a
nenhum estado: vai começando verdade relativa a tudo isso,
a tornar-se cônscia de todas as então, talvez, venha a
coisas, conforme surgem, e descobrir um estado
procurando compreendê-las, inteiramente diferente, um
sem armazenar essa estado de silêncio, que não é
compreensão para uso futuro. “autoprojeção”, que não é
Há, pois, certo sentimento de produto de nenhum desejo,
liberdade, e quando compulsão, ou temor. Nesse
alcançardes esse ponto, silêncio não existe atividade da
verificareis como se desenvolve mente, e por conseguinte não
uma ação não originária do há continuidade. O que é
desejo. contínuo resulta do tempo, é
De ordinário, só conhecemos um “processo” de tempo. O
a atividade do desejo, que é tempo é a mente, que deseja
a atividade da mente, continuidade. Desejando
identificada como “eu”. Esse continuidade na experiência, a
“eu” é muito insignificante, mente se torna contínua por
muito limitado, estreito, meio da memória, e, nessas
superficial; ainda que possa condições, nunca pode achar
expandir-se consideravelmente nada novo, jamais pode
pela identificação, ele continua encontrar a realidade, o
sempre muito superficial e, por incognoscível.
conseguinte, nunca pode achar A mente, pois, é resultado do
o que é real. A mente tempo, produto da memória,
mesquinha que busca Deus, do conhecimento, da
encontará um deus também experiência; e pode essa mente,
mesquinho. A mente estando cônscia de todo o seu
superficial, por mais que próprio “processo”, deixar de

m
A pessoa verdadeiramente
religiosa não é aquela coberta
por uma crosta de crenças,
dogmas, rituais. A pessoa
religiosa não tem crenças; vive
de momento a momento...
descobrindo o novo.
“projetar” e permanecer em para haver tranqüilidade
silêncio? Nesse silêncio, por mental? Nessa tranqüilidade,
certo, podem-se conhecer há profundezas que a mente de
grandes profundezas, que a modo nenhum pode conceber;
mente consciente não pode mas uma mente tranqüila
nunca experimentar e reter; conhece essas coisas. Quando
porque, no momento em que a mente pode experimentar sem
a mente consciente intervém e reter, sem armazenar a
encontra prazer naquela experiência como lembrança,
experiência, nasce o só então é ela capaz de receber
“experimentador” separado do o que é atemporal, eterno; e,
objeto cia experiência; e sem um vislumbre dessa
começa, assim, a divisão. H á' eternidade, a vida é uma série
então o conflito do de lutas vãs, um processo
“experimentador” que quer interminável de lutas e de
alcançar o que se acha além sofrimento.
dele próprio.
Eis por que é importantíssimo, A compreensão não resulta de
assim me parece, compreender fuga, mas de constante
todo esse “processo” do desejo: vigilância, em que não haja
o desejo que está sempre condenação nem comparação.
criando a dualidade do “eu”, A condenação e a comparação
que é o experimentador são produtos do desejo. Livre
separado da coisa de desejo, a vigilância se torna
experimentada, o pensador clara, simples; há percepção
que está sempre dominando, imediata, sem análise nem
controlando, moldando o julgamento. Quando está
pensamento, perseguindo a cônscia, sem escolha, a mente
experiência mais aprazível. alcança imperceptivelmente
aquele estado em que se acha
Em vista de tudo isso, pode o a tranqüilidade; e então é
pensamento, que é um processo possível a existência da
muito complexo, terminar, Realidade.
4) *
• Que significação tem a morte física na vida do indivíduo?
Não é ela a grande libertadora de todas as nossas misérias?
A morte resolve-nos todos os Estamos sempre com medo do
problemas? E por que é que desconhecido, do amanhã, e
tantos de nós tememos a morte? por isso nos pomos a procurar
Quanto mais velhos ficamos, meios e modos de evitar aquele
tanto mais ansiosos nos findar. Ou, ainda,
tornamos. Por quê? E a morte, raciocinamos logicamente,
a terminação do estado físico, dizendo que tudo se acaba e
dissolve os nossos complexos renasce; morro, decompondo-
pensamentos? O pensamento me fisicamente, para que possa
não tem continuidade? Ele renascer sob outra forma, ou
pode não continuar em mim; animar outra entidade. Por
o pensamento, porém, é meio da razão e da lógica,
contínuo; e o pensamento, que transcendemos o temor da
é contínuo, nunca pode morte, e ficamos satisfeitos.
encontrar alívio das suas Ou, também, satisfazemo-nos
misérias. com a crença numa vida futura,
Assim, pois, temendo a morte, em algo posterior à morte, a
nutrimos teorias, esperanças de que a mente possa apegar-se.
continuidade; dizemos que A mente, pois, está
deve haver reincarnação, que perenemente em busca de sua
devo renascer para ter uma própria continuidade; mas o
oportunidade maior na que é contínuo é o “conhecido”,
próxima vida. Não me acabo. e o conhecido jamais pode
E qual é o valor dc todas as encontrar o incognoscível. Este
minhas acumulações, dos é que é o nosso problema, não
conhecimentos e experiências achais? Em plena vida,
que acumulei, se não puder estamos morrendo, pois somos
preencher-me na próxima resultado do conhecido.
vida, ou ressuscitar no futuro, Nunca, por um momento,
ou encontrar um lugar no rejeitamos todas as coisas que
céu? conhecemos e nos despojamos

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i
í1

Falar de Deus, sem ter uma


mente de todo livre, é o mesmo
que pessoas adultas se
entreterem com brinquedos;
e quando nos entretemos com
brinquedos e chamamos a isso
de religião, estamos criando
mais confusão, causando mais
sofrimento.
i
í1

Falar de Deus, sem ter uma


mente de todo livre, é o mesmo
que pessoas adultas se
entreterem com brinquedos;
e quando nos entretemos com
brinquedos e chamamos a isso
de religião, estamos criando
mais confusão, causando mais
sofrimento.
completamente do passado; prazer e de dor. E com uma
nunca deixamos a mente ser tal mente procuramos
vazia totalmenle, consciente e convencer a nós mesmos de que
inconscientemente nua, não há morte, inventando
despojada interiormente de teorias, a crença na
todas as suas experiências, de reencarnação, na ressurreição,
todas as suas crenças, de todo enfim todas as inumeráveis
o seu saber, para que o ilusões criadas pela mente,
desconhecido possa ter para fugir de sua própria
existência. característica cognitiva.
Afinal de contas, que é que Assim, se bem estejamos
sabemos? Na realidade, que vivos, estamos morrendo
sabeis vós? Sabeis o caminho dentro do campo do
de vossa casa; tendes certos conhecido.
conhecimentos, certas noções Sem dúvida, se desejais
políticas ou econômicas; sabeis descobrir o que é imortal, o que
desempenhar-vos de um cargo; se acha além da mente, então
sabeis a importância do vosso a mente, que é o conhecido,
seguro, a marca do vosso tem de acabar-se; deve morrer
carro; e tendes um pouquinho para si mesma. Tendes lido a
de conhecimento de vossos respeito de todas essas coisas,
próprios desejos e apetites, das ou me tendes ouvido
experiências e reações que são frequentemente; e, entretanto,
produto do vosso a mente continua sempre a
condicionamento. buscar uma resposta, a
Afora isso, que mais sabeis? perguntar o que existe além da
Conheceis a luta perene para morte. Todas as sociedades
ser alguma coisa: se sois estúpidas prosperam à custa do
presunçoso, orgulhoso, lutais vosso apetite de saber o que
para ser humilde, etc. Ris tudo existe além; e quando vo-lo
o que sabemos. Vivemos dizem, sentis-vos satisfeito,
dentro dessa esfera do pelo menos temporariamente.
“conhecido”, o conhecido de Porém, o problema real, o

96
te m o r a o d e s c o n h e c id o , Mas, quando reconhecemos as
p e rs is te , c o m o u m a ú lc e ra . limitações da mente, do
conhecido; quando
Nessas condições, percebemos que somos
compreendendo que a mente limitados, e estamos cônscios
apenas funciona dentro do disso totalmente, isto é, tanto
campo do conhecido, não conscientemente como nas
podemos permanecer completa camadas mais profundas da
e passivamente cônscios do nossa consciência, — há uma
conhecido, sem fazermos completa cessação da
nenhum movimento positivo atividade da mente; a mente,
para dentro do desconhecido? como pensamento, como “eu
Isso significa: estar aberto à sei”, deixa de existir. Há então
morte, ao desconhecido, ao a possibilidade de manifestar-
Real. Significa que se o desconhecido.
prosseguimos com o conhecido Mas não podeis chamar o
pela melhor maneira que desconhecido; não podeis
podemos e conhecemos chamar Deus, a Verdade, ou
perfeitamente as suas que nome lhe deis. O que se
limitações; e, conhecendo-as, conhece é purgatório, é
não há “projeção” no futuro, inferno; o desconhecido é o
no amanhã. Não há mais medo céu. Mas o incognoscível
ao desconhecido; a morte já nenhuma relação tem com o
não é uma coisa temível; o que conhecido; só se manifesta
não significa termos agora uma quando a mente está de todo
nova teoria, uma nova tranqüila. A mente como
explicação e que devemos pensamento deve deixar de
instituir novos grupos para existir, deve morrer, e só então
discutir sobre o que existe pode surgir a Realidade
além, pois isso é infantil. Eterna.

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completamente do passado; prazer e de dor. E com uma
nunca deixamos a mente ser tal mente procuramos
vazia totalmenle, consciente e convencer a nós mesmos de que
inconscientemente nua, não há morte, inventando
despojada interiormente de teorias, a crença na
todas as suas experiências, de reencarnação, na ressurreição,
todas as suas crenças, de todo enfim todas as inumeráveis
o seu saber, para que o ilusões criadas pela mente,
desconhecido possa ter para fugir de sua própria
existência. característica cognitiva.
Afinal de contas, que é que Assim, se bem estejamos
sabemos? Na realidade, que vivos, estamos morrendo
sabeis vós? Sabeis o caminho dentro do campo do
de vossa casa; tendes certos conhecido.
conhecimentos, certas noções Sem dúvida, se desejais
políticas ou econômicas; sabeis descobrir o que é imortal, o que
desempenhar-vos de um cargo; se acha além da mente, então
sabeis a importância do vosso a mente, que é o conhecido,
seguro, a marca do vosso tem de acabar-se; deve morrer
carro; e tendes um pouquinho para si mesma. Tendes lido a
de conhecimento de vossos respeito de todas essas coisas,
próprios desejos e apetites, das ou me tendes ouvido
experiências e reações que são frequentemente; e, entretanto,
produto do vosso a mente continua sempre a
condicionamento. buscar uma resposta, a
Afora isso, que mais sabeis? perguntar o que existe além da
Conheceis a luta perene para morte. Todas as sociedades
ser alguma coisa: se sois estúpidas prosperam à custa do
presunçoso, orgulhoso, lutais vosso apetite de saber o que
para ser humilde, etc. Ris tudo existe além; e quando vo-lo
o que sabemos. Vivemos dizem, sentis-vos satisfeito,
dentro dessa esfera do pelo menos temporariamente.
“conhecido”, o conhecido de Porém, o problema real, o

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te m o r a o d e s c o n h e c id o , Mas, quando reconhecemos as
p e rs is te , c o m o u m a ú lc e ra . limitações da mente, do
conhecido; quando
Nessas condições, percebemos que somos
compreendendo que a mente limitados, e estamos cônscios
apenas funciona dentro do disso totalmente, isto é, tanto
campo do conhecido, não conscientemente como nas
podemos permanecer completa camadas mais profundas da
e passivamente cônscios do nossa consciência, — há uma
conhecido, sem fazermos completa cessação da
nenhum movimento positivo atividade da mente; a mente,
para dentro do desconhecido? como pensamento, como “eu
Isso significa: estar aberto à sei”, deixa de existir. Há então
morte, ao desconhecido, ao a possibilidade de manifestar-
Real. Significa que se o desconhecido.
prosseguimos com o conhecido Mas não podeis chamar o
pela melhor maneira que desconhecido; não podeis
podemos e conhecemos chamar Deus, a Verdade, ou
perfeitamente as suas que nome lhe deis. O que se
limitações; e, conhecendo-as, conhece é purgatório, é
não há “projeção” no futuro, inferno; o desconhecido é o
no amanhã. Não há mais medo céu. Mas o incognoscível
ao desconhecido; a morte já nenhuma relação tem com o
não é uma coisa temível; o que conhecido; só se manifesta
não significa termos agora uma quando a mente está de todo
nova teoria, uma nova tranqüila. A mente como
explicação e que devemos pensamento deve deixar de
instituir novos grupos para existir, deve morrer, e só então
discutir sobre o que existe pode surgir a Realidade
além, pois isso é infantil. Eterna.

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