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OS DIREITOS HUMANOS

NA ERA TECNOLÓGICA - V

PROFESSSORES
CAIO AUGUSTO SOUZA LARA
PEDRO GOMES ANDRADE
ANA VIRGÍNIA GABRICH FONSECA FREIRE RAMOS
SKEMA BUSINESS SCHOOL
Belo Horizonte Cape Town-Stellenbosch Lille Paris Raleigh Sophia Antipolis Suzhou

Lille, France
Campus
Montreal, Canada
Sophia Antipolis, France
Global Lab in Al
Campus Suzhou, China
Raleigh, USA Campus
Campus

Paris, France
Campus

Belo Horizonte, Brazil Stellenbosch, South Africa


Campus Campus

SKEMA Business School, Marketing & Communications department, non-contractual document – May 2020
SKEMA CAMPUSES

Belo Horizonte Campus Sophia Antipolis Campus Global Lab in AI


R. Bernardo Guimarães, 3071 60 rue Dostoïevski CS 30085 4200 Boulevard Saint-Laurent
Santo Agostinho, Belo Horizonte 06902 Sophia Antipolis Cédex, France Porte 685, Montréal, H2W 2R2 (QC),
MG, 30140-083, Brazil Canada
Stellenbosch Campus
Lille Campus Ryneveld Street,
Avenue Willy Brandt Stellenbosch 7 600, South Africa
59777 Euralille, France
Buzhou Campus
Paris Campus Building A4 & A5
Pôle Universitaire Léonard de Vinci 99, Ren’ai Road, Dushu Lake
Esplanade Mosa Lisa - Courbevoie Higher Education Town
92916 Paris La Défense Cédex, France 215123 SIP Suzhou
Jiangsu Province, China
Raleign Campus
920 Main Campus Drive
Venture II, Suite 101 Raleign
NC 27606 - USA

SKEMA BUSINESS SCHOOL


WWW.SKEMA.EDU
O81
Os direitos humanos na era tecnológica V [Recurso eletrônico on-line] organização Congresso
Internacional de Direito e Inteligência Artificial: Skema Business School – Belo Horizonte;

Coordenadores: Caio Augusto Souza Lara, Pedro Gustavo Gomes Andrade e Ana
Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos – Belo Horizonte: Skema Business School, 2020.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-5648-105-0
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desafios da adoção da inteligência artificial no campo jurídico.
1. Direito. 2. Inteligência Artificial. 3. Tecnologia. I. Congresso Internacional de Direito
e Inteligência Artificial (1:2020 : Belo Horizonte, MG).

CDU: 34
_____________________________________________________________________________
CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
OS DIREITOS HUMANOS NA ERA TECNOLÓGICA V

Apresentação

É com enorme alegria que a SKEMA Business School e o CONPEDI – Conselho Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Direito apresentam à comunidade científica os 14 livros
produzidos a partir dos Grupos de Trabalho do I Congresso Internacional de Direito e
Inteligência Artificial. As discussões ocorreram em ambiente virtual ao longo dos dias 02 e
03 de julho de 2020, dentro da programação que contou com grandes nomes nacionais e
internacionais da área, além de 480 pesquisadoras e pesquisadores inscritos no total. Estes
livros compõem o produto final deste que já nasce como o maior evento científico de Direito
e da Tecnologia do Brasil.

Trata-se de coletânea composta pelos 236 trabalhos aprovados e que atingiram nota mínima
de aprovação, sendo que também foram submetidos ao processo denominado double blind
peer review (dupla avaliação cega por pares) dentro da plataforma PublicaDireito, que é
mantida pelo CONPEDI. Os quatro Grupos de Trabalho originais, diante da grande demanda,
se transformaram em 14 e contaram com a participação de pesquisadores de 17 Estados da
federação brasileira. São cerca de 1.500 páginas de produção científica relacionadas ao que
há de mais novo e relevante em termos de discussão acadêmica sobre os temas Direitos
Humanos na era tecnológica, inteligência artificial e tecnologias aplicadas ao Direito,
governança sustentável e formas tecnológicas de solução de conflitos.

Os referidos Grupos de Trabalho contaram, ainda, com a contribuição de 41 proeminentes


professoras e professores ligados a renomadas instituições de ensino superior do país, os
quais indicaram os caminhos para o aperfeiçoamento dos trabalhos dos autores. Cada livro
desta coletânea foi organizado, preparado e assinado pelos professores que coordenaram cada
grupo. Sem dúvida, houve uma troca intensa de saberes e a produção de conhecimento de
alto nível foi, certamente, o grande legado do evento.

Neste norte, a coletânea que ora torna-se pública é de inegável valor científico. Pretende-se,
com esta publicação, contribuir com a ciência jurídica e fomentar o aprofundamento da
relação entre a graduação e a pós-graduação, seguindo as diretrizes oficiais. Fomentou-se,
ainda, a formação de novos pesquisadores na seara interdisciplinar entre o Direito e os vários
campos da tecnologia, notadamente o da ciência da informação, haja vista o expressivo
número de graduandos que participaram efetivamente, com o devido protagonismo, das
atividades.

A SKEMA Business School é entidade francesa sem fins lucrativos, com estrutura
multicampi em cinco países de continentes diferentes (França, EUA, China, Brasil e África
do Sul) e com três importantes acreditações internacionais (AMBA, EQUIS e AACSB), que
demonstram sua vocação para ensino e pesquisa de excelência no universo da economia do
conhecimento. A SKEMA, cujo nome é um acrônimo significa School of Knowledge
Economy and Management, acredita, mais do que nunca, que um mundo digital necessita de
uma abordagem transdisciplinar.

Agradecemos a participação de todos neste grandioso evento e convidamos a comunidade


científica a conhecer nossos projetos no campo do Direito e da tecnologia. Já está em
funcionamento o projeto Nanodegrees, um conjunto de cursos práticos e avançados, de curta
duração, acessíveis aos estudantes tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Até 2021,
será lançada a pioneira pós-graduação lato sensu de Direito e Inteligência Artificial, com
destacados professores da área.

Agradecemos ainda a todas as pesquisadoras e pesquisadores pela inestimável contribuição e


desejamos a todos uma ótima e proveitosa leitura!

Belo Horizonte-MG, 07 de agosto de 2020.

Profª. Drª. Geneviève Daniele Lucienne Dutrait Poulingue

Reitora – SKEMA Business School - Campus Belo Horizonte

Prof. Dr. Edgar Gastón Jacobs

Coordenador Acadêmico da Pós-graudação de Direito e Inteligência Artificial da SKEMA


Business School
OS EFEITOS COLATERAIS DE UMA PANDEMIA - O VÍRUS QUE PODE MATAR
A DEMOCRACIA
THE SIDE EFFECTS OF A PANDEMIC - THE VIRUS THAT COULD KILL
DEMOCRACY

Chantal Correia de Castro 1

Resumo
Com o desenvolvimento do mundo digital, surgiu também uma onda autoritária na esfera
política. Se a internet possibilitou uma maior interação entre as pessoas, também criou novas
tecnologias de vigilância que, aliadas à inteligência artificial, podem ajudar déspotas a
monitorar e rastrear seus opositores e sua população com a intenção de perpetuar-se no
poder. Em uma situação de pandemia, o perigo de governos democráticos desrespeitarem
direitos fundamentais em combate ao vírus são eminentes e podem causar perdas
permanentes de privacidade. É preciso estar atento ao mundo pós-pandemia que irá surgir.

Palavras-chave: Proteção de dados, Tecnologia, Vigilância, Autoritarismo, Pandemia

Abstract/Resumen/Résumé
With the development of a digital world, an authoritarian wave has emerged in the political
arena. If the internet has enabled a wider interaction among people, it has also created new
surveillance technologies which if used in connection with artificial intelligence can help
autocrats monitor and track their opponents as well as entire populations in order to remain in
power. In a pandemic situation, there is an eminent risk of democratic governments ignoring
fundamental right to fight the virus, causing a permanent loss of privacy. It is important to
understand what pos-pandemic world we are creating.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Data protection, Technology, Surveillance,


Authoritarianism, Pandemic

1Aluna do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba –


UNICURITIBA. Advogada especialista em Direito Internacional Público pela The Hague Academy.

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1. INTRODUÇÃO

A internet está tão presente no nosso cotidiano que fica até difícil de lembrar como
era a vida antes dela. A rede de computadores abriu inúmeras portas, reduziu fronteiras e
possibilitou diferentes formas de comunicação. Na virada do milênio, a internet, junto com o
aparelho celular, ajudou a empoderar os indivíduos permitindo um maior acesso a informação
e variações de conexões nunca antes vistas (KENDALL-TAYLOR; FRANTZ; WRIGHT;
2020), mas quem pensou que todo este avanço tecnológico estaria a serviço apenas da
democracia enganou-se.
Em paralelo ao desenvolvimento do mundo digital, surgiu e vem crescendo uma
onda autoritária na esfera política que tem preocupado muitos historiadores e cientistas
políticos. Mas o que a ascensão do autoritarismo teria a ver com a digitalização das vidas
modernas?
É certo que a pandemia atingiu o mundo durante o pior período para a democracia
desde o fim da Guerra Fria e os atuais regimes autoritários não demoraram a explorar novas
possibilidades de expansão de poder (DIAMOND, 2020). Se de um lado a internet
possibilitou uma maior interação entre as pessoas, também criou novas tecnologias de
vigilância que, aliadas à inteligência artificial, podem ajudar déspotas a monitorar e rastrear
seus opositores de maneiras menos invasivas que antigamente (KENDALL-TAYLOR;
FRANTZ; WRIGHT, 2020). Porém, este monitoramento não se restringe aos políticos da
oposição, ela volta-se também para a população, para os eleitores, por meio da coleta e do
processamento de dados que viabilizam a preservação do poder.
Não é que os regimes autoritários do passado ressurgirão tal como eram, eles farão
uso da tecnologia para remodelar o autoritarismo da era moderna que se inicia de uma forma
muito mais sútil do que antigamente (esqueça os golpes e as destituições à força). De acordo
com LEVITSKY e ZIBLATT, os políticos autoritários de hoje utilizam pretextos de defesa da
democracia para subvertê-la, as democracias são atacadas de dentro para fora (2018). Para
DOBSON, um ditador moderno falará a língua dos direitos humanos, participará de
workshops sobre liberdade e de todas as atividades da ONU (2012).
O domínio exercido pelo governo toma outras formas e faz uso de novos elementos,
entre eles, o processamento de dados e o controle tecnológico. Por essas e outras que o
chamado big data passa a interessar tanto o setor privado quanto o público e a valer mais do
que o petróleo (THE ECONOMIST, 2017). Seria uma coincidência que entre as empresas
mais valiosas do mundo estejam as de tecnologia e coleta de dados, como o Google, a

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Amazon, a Apple e o Facebook? Seria coincidência que a próxima potência mundial é o país
que mais explora o controle e o monitoramento da sua população por meio de um governo
autoritário de partido único – a China?
George Orwell e Aldous Huxley já previam em obras escritas no século passado que
a perda da privacidade e a manipulação de dados permitira o controle da sociedade pelo
governo. De fato, os dados pessoais foram transformados em um ativo comercial de grande
valor para empresas e governos com o claro objetivo de controle e influência sobre
consumidores ou eleitores, conforme for o caso (REQUIÃO, 2020).
Mas engana-se quem pensa que a China, e o seu Big Brother de mais de 1 bilhão de
participantes, é o único país que monitora os seus cidadãos. Diversos países fazem uso do
processamento de dados para aumentar a eficácia de suas políticas públicas, para facilitar a
vigilância dos seus indivíduos, para influenciar um pleito eleitoral e, inclusive para, combater
uma pandemia. Em uma democracia onde exista vigilância, manipulação de informação e
disseminação de fake news as tendências autoritárias já estão sendo postas em prática.
Para uma sociedade transformada em apenas dados (CASTELLS, 2018), a lei que irá
salvaguardar os brasileiros é a de n° 13.709 de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei
Geral de Proteção de Dados (LGPD) que regulamenta o tratamento dado às informações de
pessoas colhidas por parte de empresas, especialmente via internet. A lei sancionada pelo
presidente Michel Temer fará com que todas as organizações públicas e privadas do Brasil
que coletam, tratam, guardam, processam e comercializam os dados pessoais de milhões de
brasileiros criem uma cultura de respeito à privacidade de dados.
Independente do seu claro atraso e de críticas a algumas de suas previsões, a LGPD é
sem dúvidas um grande passo para a necessária proteção de informações da população
brasileira e deveria entrar em vigor em agosto de 2020. O que ninguém imaginava é que um
vírus adiaria a proteção de direitos tão caros aos brasileiros.
A Medida Provisória n° 959 de 29 de abril de 2020 prorrogou a vacatio legis da
LGPD para 03 de maio de 2021 em razão da atual pandemia, sob o pretexto que as empresas
estariam passando por dificuldades técnicas e econômicas e precisariam de mais tempo e
recursos para se adaptarem ao sistema de proteção de dados de seus clientes.
O fato de os brasileiros estarem desprotegidos por mais tempo em relação ao uso de
seus dados pessoais pelo poder público e privado é agravado, principalmente, no momento em
que um governo que apresenta tendências autoritárias ocupa o poder. Este tipo de controle e
capacidade de monitoramento nas mãos de governantes autoritários pode ser um forte
debilitador da democracia.

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Diante do perigo eminente de governos democráticos ignorarem os dilemas de
utilização de tecnologias de vigilância para combater o vírus existe o risco de perda
permanente de privacidade. A tecnologia deve ser usada pelo Estado como uma poderosa
arma no enfrentamento da pandemia, mas sem adequadas restrições e fiscalização, pode
rapidamente se transformar em forma de espionagem dos cidadãos com a finalidade de
expandir o controle social (DIAMOND; 2020). Líderes com inclinações autoritárias ameaçam
a saúde de algumas democracias ao redor do mundo, a pandemia pode se provar como o
último teste de sua habilidade de prosseguir (BEM-GHIAT, 2020).

2. OBJETIVOS

Buscamos traçar a estreita relação entre privacidade e democracia, entre controle de


dados e autoritarismo. Somente a conscientização da população sobre o uso e a realidade por
trás da coleta voluntária de informações disponibilizadas por seus titulares em sites, lojas e
aplicativos e a real função do big data é que irá viabilizar um uso e um controle mais
consciente do mesmo por parte das autoridades públicas.
É preciso jogar luz sobre o assunto, principalmente em tempos de pandemia em que
os governos podem forçar o compartilhamento de informações de localização e de saúde em
nome de um bem maior, que seria a saúde coletiva, para outros fins. Se seguirem por este
caminho, a que nível de monitoramento podem estar sujeitos em um mundo pós-pandemia?
As políticas públicas devem primar pelo equilíbrio entre as liberdades civis e o
interesse coletivo por meio do princípio da proporcionalidade, mas quais são as dimensões da
vigilância e do monitoramento a que estão sujeitas as pessoas quando se submetem aos
“termos e condições de uso e privacidade”? Em grande parte do mundo, e certamente no
Brasil, há uma imensa disparidade informacional entre os que fornecem os dados e os que
dele se apropriam (REQUIÃO, 2020).
Em época de confinamento e isolamento social, em que se trabalha de casa,
comunica-se por meios digitais, em que escolas e empresas tornam-se online, quando tudo
pode ser monitorado, é que a tão esperada lei de proteção de dados é postergada por um ato
unipessoal do Presidente da República, com força imediata de lei. Não parece contraditório?
Pode ser que o monitoramento em massa torne-se lugar comum, mas a proteção da
população precisa ser pensada. Ela não deve ter que escolher entre privacidade e saúde, é
urgente que se pense uma alternativa de combate ao vírus que não resulte em um regime de
vigilância totalitária que beneficie governos autoritários.

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Como costumam pensar que os que não têm nada a esconder, qual seria o problema
em compartilhar dados pessoais em troca de uma garantia de maior segurança e bem-estar?
Deixando a ingenuidade de lado, o que é preciso que seja divulgado hoje é que as informações
pessoais estão sendo usadas para a manipulação de pensamentos, atitudes e decisões da
população e isso acontece sem que ela se dê conta.

3. METODOLOGIA

O trabalho será realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com o


auxílio e análises de documentários, reportagens e artigos realizados e publicados no Brasil e
no exterior sobre a temática, buscando reforçar a importância da Lei Geral de Proteção de
Dados para que o poder público não disponha de informações pessoais dos seus cidadãos.

4. CONCLUSÕES

A privacidade e a liberdade são dois importantes elementos da democracia e é


justamente a linha tênue entre monitoramento e autoritarismo que vem sendo tratada em
debates políticos ao redor do mundo.
No Brasil a discussão sobre a privacidade ainda não alcançou o mesmo nível de
profundidade de outros países tendo em vista que o nosso aparato de vigilância não é tão
sofisticado, mas isso não significa que danos não possam ser causados. Quaisquer esforços de
combate ao coronavírus por meio da tecnologia são legítimos, no entanto, as medidas de
controle precisam observar os direitos humanos e as garantias fundamentais, se isso não for
feito agora, os efeitos colaterais no futuro podem ser irreversíveis.
Como adverte HARARI (2020), as decisões tomadas por pessoas e governos hoje em
razão da pandemia irão remodelar o futuro próximo, impactando não somente os sistemas de
saúde, mas a economia, a política e a cultura, é preciso, portanto, que haja uma preocupação
com as consequências das ações a longo prazo. A característica de crises e emergências é que
elas aceleram o curso da história e medidas que antes levariam anos para serem tomadas são
definidas em uma questão de horas, ao escolher a forma por meio da qual a humanidade irá
sobreviveremos ao coronavírus, é preciso atentar-se para o mundo que surgirá quando a
pandemia passar (HARARI, 2020).
Para garantir um elevado nível de cooperação e obediência entre sociedade e Estado
é preciso de confiança. As pessoas precisam estar seguras de que seus dados estão sendo

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utilizados legitimamente diante do seu expresso consentimento. O uso de novas tecnologias
deve sempre, em primeiro lugar, empoderar os seus titulares, são eles quem precisas estar de
posse dos seus dados para realizar escolhas bem informadas (HARARI, 2020).
Assim como a Grande Depressão não produziu apenas o fascismo, mas também
revigorou a democracia liberal, a pandemia pode produzir resultados políticos positivos
(FUKUYAMA, 2020). Assim como crises revelam características de indivíduos e sociedades,
elas também iluminam valores fundamentais de governos que podem limitar liberdades civis e
expandir seus controles em situações de emergências (BEM-GHIAT, 2020). A pandemia joga
luz em instituições que funcionam e que não funcionam, mostra suas inadequações e
fraquezas ao mesmo tempo em que impulsiona governos encontrarem soluções duradouras
para problemas inéditos (FUKUYAMA, 2020).
É inegável que o Estado seja necessário no enfrentamento de crises e pandemias, mas
ele deve manter-se fiel aos princípios democráticos. Tendências isolacionistas, nacionalistas e
xenófobas devem ser repudiadas. O poder público não pode utilizar-se da prerrogativa de
defesa do interesse coletivo para ignorar regras de proteção de dados e privacidade, em uma
colisão entre estes valores a saída será sempre pela ponderação entre os interesses envolvidos.
A privacidade é uma condição necessária à democracia, que precisa de cidadãos
livres para expressar pensamentos autônomos, abertos e genuínos, e torna o controle social e
político mais difícil, mas outros direitos também precisam ser defendidos como a liberdade de
expressão e manifestação e o direito ao voto periódico – especialmente diante da possibilidade
de postergação de eleições em alguns países (BIEBER, 2020). As instituições democráticas
precisam se manter em funcionamento, a pandemia e o estado de emergência não podem ser
utilizados como solo fértil para o abuso do poder público.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEM-GHIAT, Ruth. Covid-19 tempts would-be authoritarians: but exploiting a pandemic


comes at a cost. Foreign Affairs, Nova Iorque: 5 mai. 2020. Disponível em:
<https://www.foreignaffairs.com/articles/world/2020-05-05/covid-19-tempts-would-be-
authoritarians?utm_medium=newsletters&utm_source=fatoday&utm_campaign=Democracy
%20Versus%20the%20Pandemic&utm_content=20200613&utm_term=FA%20Today%20-
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BIEBER, Florian. Authoritarianism in the time of the coronavirus: the pandemic offers
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mar. 2020. Disponível em: <https://foreignpolicy.com/2020/03/30/authoritarianism-
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CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Tradução de Joana Angélica


d´Avila Melo. Rio de Janeiro, Zahar: 2018. E-book não paginado.

DIAMOND, Larry. Democracy versus the pandemic: the coronavirus is emboldening


autocrats the world over. Foreign Affairs, Nova Iorque: 13 jun. 2020. Disponível em:
<https://www.foreignaffairs.com/articles/world/2020-06-13/democracy-versus-
pandemic?utm_medium=newsletters&utm_source=fatoday&utm_campaign=Democracy%20
Versus%20the%20Pandemic&utm_content=20200613&utm_term=FA%20Today%20-
%20112017>. Acesso em: 14 jun. 2020.

DOBSON, William J. Turnê mundial do árbitro. O Estado de S. Paulo, São Paulo: 12 jun.
2012. Entrevista concedida a Lúcia Guimarães. Disponível em:
<https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,turne-mundial-do-arbitrio-imp-,884495>. Acesso
em: 17 jan. 2019.

FUKUYAMA, Francis. The pandemic and political order: it takes a state. Foreign Affairs,
Nova Iorque: July/August 2020. Disponível em:
<https://www.foreignaffairs.com/articles/world/2020-06-09/pandemic-and-political-
order?utm_medium=newsletters&utm_source=twofa&utm_campaign=The%20Pandemic%20
and%20Political%20Order&utm_content=20200612&utm_term=FA%20This%20Week%20-
%20112017>. Acesso em: 14 jun. 2020.

HARARI, Yuval Noah. The world after coronavirus: this storm shall pass, but choices we
make now could change our lives for years to come. Financial Times, Londres: 20 mar. 2020.
Disponível em: <https://www.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75>.
Acesso em: 14 jun. 2020.

KENDALL-TAYLOR, Andrea; FRANTZ, Erica; WRIGHT, Joseph. The digital dictators:


how technology strengthens autocracy. Foreign Affairs, Nova Iorque: mar/abr 2020.
Disponível em: < https://www.foreignaffairs.com/articles/china/2020-02-
06/digitaldictators?utm_medium=newsletters&utm_source=fatoday&utm_campaign=Democr
acy%20Versus%20the%20Pandemic&utm_content=20200613&utm_term=FA%20Today%2
0-%20112017>. Acesso em: 14 jun. 2020.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de


Renato Aguiar. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

10
REQUIÃO, Maurício. Covid-19 e proteção de dados pessoais: o antes, o agora e o depois.
Consultor Jurídico, São Paulo: 5 abr. 2020. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2020-abr-05/direito-civil-atual-covid-19-protecao-dados-
pessoais-antes-agora-depois>. Acesso em: 14 jun. 2020.

THE ECONOMIST. The world´s most valuable resource is no longer oil, but data:
regulating the internet giants. Londres: 06 mai. 2017. Disponível em:
<https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valuable-resource-is-no-
longer-oil-but-data>. Acesso em: 14 jun. 2020.

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O DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS:
ATUAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOB UMA
PERSPECTIVA TECNOLÓGICA
THE RIGHT OF ACCESS TO INFORMATION AND INTERNATIONAL COURTS:
OPERATION OF THE INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS FROM A
TECHNOLOGY PERSPECTIVE

Bianca Coelho Figueiredo

Resumo
Esta pesquisa apresenta uma análise do direito ao acesso à informação na sociedade
tecnológica, dentro dos parâmetros de uma das decisões da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, sob uma perspectiva atual e tecnológica. O desenvolvimento cada vez mais
acelerado da tecnologia e, levando em consideração conceitos como democracia e direitos
humanos, impõe-se uma atual proteção jurídica em âmbito internacional, a fim de tutelar a
aplicação do direito ao acesso à informação dentro dos preceitos de uma sociedade
globalizada.

Palavras-chave: Informação, Tecnologia, Internacional

Abstract/Resumen/Résumé
This research presents an analisys on the right of access to information in a technology
society, within the parameters of one of the decisions of the Inter-American Court of Human
Rights, from a current and technology perspective. Speedy developments in technology and
taking into consideration concepts like democracy and human rights, we need a current legal
regulation at the international level, in order to promote the application of the right of access
to information within the precepts of a global society.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Information, Technology, International

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A realização dessa pesquisa tem como propósito demonstrar a relação existente entre
os impactos tecnológicos e o direito ao acesso à informação, levando em consideração a atuação
da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
As grandes mudanças sociais, políticas e econômicas ocasionam implicações nas
relações jurídicas já existentes que, diante de um mundo já tomado pela inovação tecnológica,
exige novas regulamentações e proteções jurídicas.
Cabe destacar, desde logo, que o direito ao acesso à informação é o instrumento através
do qual a democracia se cria e se expande, devendo o crescimento tecnológico ser um aliado ao
exercício democrático.
Portanto, o foco principal dessa pesquisa é verificar a atuação de um organismo
internacional para a efetividade do direito à informação na era da tecnologia, tendo em vista o
crescimento exponencial dessa ferramenta. Para tanto, faz-se necessário discorrer acerca dos
impactos jurídicos-tecnológicos quanto ao direito ao acesso à informação em âmbito
internacional.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético.

2. SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

A atuação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos se subdivide entre a


Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Dentro do sistema interamericano, há normas e procedimentos estabelecidos em convenções e
estatutos próprios.
A Carta Democrática Interamericana, aprovada em setembro de 2001 pelos Estados
membros da Organização dos Estados Americanos, é o instrumento através do qual os Estados
das Américas estabelecem e definem elementos essenciais da democracia, promovendo sua
defesa e aplicação.
O art. 4º da referida Carta dispõe que: “são componentes fundamentais do exercício
da democracia a transparência das atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade

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dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos sociais e a liberdade de expressão e de
imprensa” (OEA, 2001).
Além do disposto na Carta Democrática Interamericana, o art. 13 da Convenção
Americana de Direitos Humanos traz que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e
de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e
ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma
impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha” (OEA, 1969).
Ademais, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui a Relatoria Especial
para a Liberdade de Expressão, que tem como objetivo garantir a efetivação da democracia
através do acesso à informação.
É essencial notar, portanto, que a atuação do sistema interamericano é essencial para
o exercício democrático na transparência de informações, devendo o Estado garantir os
princípios da publicidade e transparência.

3. DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO E REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Entretanto, para além de uma garantia governamental, há fatores que influenciam


diretamente na aplicação dos valores democráticos, como a revolução tecnológica que tem
crescido cada vez mais. É indubitável que o mundo vive uma transição tecnológica sem
precedentes. Os impactos gerados pela chamada Quarta Revolução Industrial, têm afetado a
esfera social, política, econômica e jurídica.
O termo ‘Quarta Revolução Industrial’ foi apresentado pela primeira vez em 2016 pelo
alemão Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial de Davos (World Economic
Forum – WEF) e autor do livro “A Quarta Revolução Industrial” (2017), se referindo ao cenário
atual em que há um contínuo crescimento tecnológico que transformará e impactará a vida em
sociedade em grande escala. Ou como já apontou Yuval Noah Harari (2014), em Sapiens, “o
que devemos levar a sério é a ideia de que a próxima etapa da história incluirá não só
transformações tecnológicas e organizacionais como também transformações sociais na
consciência e na identidade humana”. Nesse cenário, o Direito enquanto ciência social deve se
adaptar às demandas da sociedade, que por sua vez, se adapta às demandas da tecnologia.
Cediço que o direito ao acesso à informação está protegido sob a égide do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, estando diretamente ligado ao exercício da democracia.
Outrossim, vivendo em uma sociedade global da informação, com a expansão sistemática na

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produção e veiculação de informações, o Sistema Interamericano e demais organismos
internacionais devem estar prontos para proteger direitos humanos que podem ser
ocasionalmente violados devido às inoperâncias no direito doméstico, como foi o caso Claude
Reyes, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em setembro de 2006.
O caso supracitado refere-se à recusa do Estado Chileno em oferecer a Marcelo Claude
Reyes, Sebástian Cox Urrejola e Arturo Longton Guerrero algumas das informações requeridas
ao Comitê de Investimentos Estrangeiros e por não permitir acesso à justiça para impugnar essa
denegação. Em setembro de 2006, o Chile foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos pela violação ao direito ao acesso à informação pública e a proteção judicial, previstos
nos artigos 8º, 13 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

4. DIREITO AO ACESSO À INFORMAÇÃO E O EXERCÍCIO DEMOCRÁTICO

No exemplo acima referido, verifica-se que a falta de transparência pública feriu o


exercício do livre acesso à informação enquanto componente fundamental no exercício
democrático.
Trazendo esse debate ao cenário atual, algumas considerações merecem ser feitas: i) a
facilidade de acesso à meios tecnológicos de comunicação e disseminação das informações
contribui para o exercício pleno da cidadania, possibilitando a democratização da opinião
pública na era da informação; ii) por outro lado, o grande volume de informações veiculadas,
ao dar mais voz à sociedade, garantindo também direitos como liberdade de expressão, conduz
à uma produção excessiva de informações sem filtros, oriundas das mais variadas fontes,
podendo gerar as chamadas fake news (notícias falsas).
Desse modo, necessário se faz que a relação jurídica-tecnológica sofra ajustes para que
se adequem às demandas complexas que a sociedade atual exige, preenchendo as lacunas
existentes, de modo que a tecnologia seja uma aliada da democratização da informação,
garantindo a transparência das atividades estatais e o livre exercício da liberdade de expressão.
Em que pese as lacunas e inoperâncias que podem ser visualizadas no papel dos Estados
e das organizações internacionais, a sociedade tem o direito de exigir um adequado
cumprimento das funções públicas com sua devida publicização, enquanto o Estado tem o dever
de garantir o acesso adequado às informações públicas, de acordo com as demandas que se
manifestam na era digital.

15
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, verifica-se que a tecnologia, com sua característica disruptiva, pode
causar grandes danos se usada de forma irresponsável, principalmente em regimes
democráticos, com amplo acesso e utilização de ferramentas tecnológicas.
Destarte, os Estados não parecem estar minimamente preparados para os impactos que
o crescimento exponencial dos avanços tecnológicos já tem causado. Consequentemente, isso
impede o exercício pleno da participação, integração e adaptação da sociedade em um novo
mundo já tomado pela inteligência artificial.
Do que ficou dito anteriormente, resta claro que a tecnologia caminha a passos largos
para impactar todas as esferas da vida humana. Ao passo que traz progresso, é possível que o
indevido aproveitamento da ferramenta gere grandes dificuldades em sua adaptação.
É urgente e importante que os interesses sociais, políticos, econômicos e,
consequentemente jurídicos não colidam com os avanços tecnológicos, mas, além disso,
proporcionem isonomia no acesso às informações através de políticas públicas de qualidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. In: Corte IDH. Sentencia:


Fondo, Reparaciones y Costas. Caso Claude Reyes y otros vs Chile. Chile, 2006. Corte IDH.
Disponível em: http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_151_esp.pdf. Acesso em: 09
jun. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM
Editores S. A., 2018.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta Democrática Interamericana.


Disponível em: http://www.oas.org/OASpage/port/Documents/Democractic_Charter.htm.
Acesso em: 14 jun. 2020.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção americana sobre Direitos


Humanos. Disponível em:
http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm. Acesso em: 14 jun.
2020.

SCHWAB, Klaus. The Fourth Industrial Revolution: what it means, how to respond. World
Economic Forum, 14 jan. 2016. Disponível em:
https://www.weforum.org/agenda/2016/01/the-fourth-industrial-revolution-what-it-means-
and-how-to-respond. Acesso em: 10 jun. 2020.

16
WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis em derecho: pautas metodológicas y técnicas
para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

17
O DOPING NO ESPORTE: TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA DE JUSTIÇA
DOPING IN SPORT: TECHNOLOGY AS A TOOL OF JUSTICE

Arthur Vinicius Batista da Silva 1

Resumo
Este projeto de pesquisa consiste no estudo do problema do doping no esporte e o uso da
tecnologia, a fim de garantir a justiça e perpetuar o direito de todos os atletas. Para isso,
utilizar-se-á a vertente metodológica jurídico-sociológica, a técnica da pesquisa teórica, no
tocante ao tipo de investigação, o jurídico-projetivo, e já o raciocínio desenvolvido na
pesquisa será predominantemente dialético. Então, conclui-se preliminarmente que os atuais
mecanismos de controle antidoping ainda se encontram deficitários em proporção ao número
de casos que surgem, contudo, com o desenvolvimento e evolução das novas tecnologias esse
problema tende a ser minimizado.

Palavras-chave: Doping, Tecnologia, Sistemas antidopagem, Garantia de direitos

Abstract/Resumen/Résumé
This research project consists in the study of doping problem in sport and the use of
technology in order to guarantee justice and perpetuate the rights of all athletes. For this
purpose, the legal-sociological methodological aspect will be used, also the theoretical
research technique, with regard to the type of research, the legal-projective, and the reasoning
developed in the research will be predominantly dialectical. Therefore, it is preliminarily
concluded that the current anti-doping control mechanisms are still deficient in proportion to
the number of cases that arise, however, with the development of new technologies this
problem tends to be minimized.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Doping, Technology, Anti-doping systems,


Guarantee of rights

1 Graduando em Direito, modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

18
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa apresenta seu nascedouro no tema que aborda a questão do


doping no esporte, na perspectiva do uso da tecnologia como ferramenta para fiscalização e
prevenção, a fim de garantir a justiça e perpetuar o direito de todos os atletas. O problema do
doping configura-se uma violação do princípio da igualdade formal entre os competidores,
ferindo o fair play, para obter vantagens competitivas indevidas pelo atleta usuário dessa
prática desleal, que é ao mesmo tempo antiética e ilícita, além de ser extremamente
prejudicial à saúde e poder levar à morte, com o intuito lógico de se alcançar a vitória a
qualquer custo, sendo verdadeiro contrassenso ao ideal esportivo.
Na atualidade, infelizmente, cada vez mais casos de doping vêm sendo descobertos e
divulgados nos grandes meios de informação, sendo que, essa prática degrada o esporte e a
prática esportiva, que por sua vez são direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988
(CF/88) no seu art. 217: como direito de cada um, é destinado ao Estado o dever de fomentar
práticas desportivas formais e não-formais (BRASIL, 1988). Visto isso, urge a necessidade do
presente estudo para a implementação e desenvolvimento de mais medidas em prol do
combate ao doping, como maneira de assegurar esse direito constitucional que é tão
importante.
Além do mais, apesar dessa prática violar os direitos dos demais atletas competidores
e desacreditar o esporte, ainda hoje, há de se considerar a presença do doping como
incontrolável no esporte e que são insuficientes os mecanismos jurídico-normativos,
tecnológicos e éticos para coibi-lo, então nesse contexto, faz-se evidente o quão primordial a
ajuda tecnológica se torna atuando na fiscalização, prevenção e evolução de sistemas
antidopagem, e para que isso ocorra, são necessários mais estudos sobre o assunto em
questão, e então, a presente pesquisa procura uma possível contribuição para um aumento da
eficácia de sistemas antidopagem e se revela importante, à medida que possa oferecer
possíveis soluções.
Para isso, a pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-
sociológica, a técnica escolhida foi a pesquisa teórica, no tocante ao tipo de investigação, foi
selecionado, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo, e já
o raciocínio desenvolvido na pesquisa será predominantemente dialético. Dessa maneira, a
pesquisa se propõe a analisar quais as maneiras de garantir a maior eficácia das tecnologias no
auxilio de sistemas antidopagem.

19
2. A ORIGEM E HISTÓRIA DO DOPING NO ESPORTE

A princípio, é válido destacar que, infelizmente, como é relatado por diversos autores
e historiadores, a prática do doping é algo que se originou em tempos muito antigos e que
quase sempre esteve, e ainda está, presente no esporte. Czaky propõe, curiosamente, que o
primeiro caso de doping do mundo foi o que ocorreu no paraíso, quando Eva ofereceu a Adão
uma maça, fruto da árvore proibida. E Adão a aceitou, não por curiosidade ou mesmo por
fome, mas porque a serpente disse que ele se tornaria tanto ou mais poderoso que Deus
(ROSE, 1989, p. 83).
Por sua vez, seguindo uma linha de raciocínio parecida, Ivan Waddington, em seu
trabalho “História recente sobre o uso de drogas no esporte”, no qual, entre outras coisas,
busca uma explicação para o aumento no uso de drogas nos esportes, ao aprofundar sua
pesquisa, preleciona que:
Enquanto Donohoe e Johnson, assim como Verroken, sugerem simplesmente que o
aumento do uso de drogas ilícitas por atletas pode ser compreendido em termos da
"revolução farmacológica", Coakley e Hughes vão mais explicitamente negando a
relevância de processos sociais mais amplos, como aqueles relacionados, por
exemplo, às mudanças de estrutura no esporte e no esporte competitivo. Neste
contexto, devem-se discutir aspectos chaves dessa posição: atletas através da história
e em várias sociedades (homens e mulheres, capitalistas e socialistas, na era
industrial e préindustrial) demonstraram similar voluntariedade em "fazer qualquer
coisa e tomar qualquer coisa" a fim ganhar. Segundo esses pesquisadores, evidência
histórica sugere que o aumento do uso de drogas nos esportes é primeiramente
atribuído à disponibilidade aumentada das substâncias, e não às mudanças nos
valores ou no caráter dos atletas ou do mundo esportivo, concluindo que "se os
atletas no passado tivessem o acesso às drogas de hoje, a extensão do uso seria
provavelmente a mesma dos atletas dos 1990" (WADDINGTON, 2006, p. 20-21).

A teoria conceitual proposta pelo autor procura demonstrar que a busca incessante
pelo alto desempenho e superação de limites individuais aos recordes esportivos é inerente ao
ser humano, isto é, independe do sujeito. Por mais que cada atleta tenha suas particularidades,
sustenta ele que, todos convergem no ponto de se voluntariarem a qualquer método que seja,
inclui-se aqui o doping, em prol do êxito.
Visto isso, a história corrobora tal teoria, uma vez que, segundo relatos, os chineses,
há 4 mil anos, conheceram os efeitos do chá da planta chamada “machuang”, que contém
efedrina em altas doses e passaram a utilizá-la para aumentar a capacidade de trabalho.
Posteriormente, nos jogos olímpicos da Antiguidade, em 800 a.C, relata-se também que, os
atletas bebiam chás de diversas ervas e usavam óleos e cogumelos para melhoria do seu
desempenho. Enquanto em Roma, gladiadores tomavam estimulantes para superar a fadiga e

20
as lesões causadas pelas lutas. Além do que, os órgãos de animais e humanos eram ingeridos
para aumentar a força, vitalidade e coragem.
Ademais, já no século 19 se tornou popular entre os atletas uma bebida chamada
“Vin Mariani”, à base de folhas de cocaína, que levava o nome do alquimista que a produzia.
Dessa forma, os primeiros Jogos da Era Moderna, organizados pelo barão de Coubertin, em
Atenas, em 1896, marcaram o aparecimento das “bolinhas”, esferas contendo diversas
substâncias estimulantes como cocaína, efedrina e estriquinina.
Ainda, no período inicial do século 20, a partir das Olimpíadas de Berlim, em 1936, a
necessidade de mostrar resultados para o mundo fez a anfitriã Alemanha utilizar e pesquisar
substâncias para melhorar o desempenho dos seus atletas. Isso impulsionou a evolução dos
métodos e a descoberta de novas drogas para acelerar o metabolismo dos esportistas. Pois, a
fantasia de supremacia hitlerista, fragorosamente derrotada por Jesse Owens, mudou o espírito
das competições para sempre.
A Segunda Guerra Mundial traz do front a pesquisa de substâncias que mantinham
soldados acordados por mais tempo e aumentavam sua resistência ao cansaço. Com a
necessidade de recuperação dos prisioneiros desnutridos dos campos de concentração, foram
aperfeiçoados o uso dos hormônios anabolizantes. Então, o doping passou a ser utilizado de
forma cada vez mais “científica”. Agora, imperava o espírito da vitória a qualquer preço. E,
tragicamente, esse preço foi cobrado de forma dolorosa nos jogos de 1960 e de 1964, com a
morte de dois atletas por uso excessivo de substâncias estimulantes e hormônios.
Nas Olimpíadas de Roma, em 1960, o ciclista dinamarquês Knut Jensen morreu com
suspeita de sofrer overdose devido ao uso de drogas. Por sua vez, as Olimpíadas de 1964,
realizadas em Tóquio no Japão, ficaram marcadas pelos constantes boatos de elevado uso de
anabolizantes por parte dos competidores. Por causa disso, o Comitê
Olímpico Internacional (COI) se mobilizou e realizou os primeiros exames antidoping em
1967. A partir de então, o COI intensificou o rigor nas punições, como banir atletas dopados,
e o investimentos em pesquisas para identificar substâncias dopantes.
Por fim, pode-se dizer então que, como demonstrado, no decorrer da história da
humanidade, a maneira como os homens e as mulheres trataram e tratam o corpo revestiu-se e
reveste-se de uma quase total irracionalidade. Percebe-se isso, numa certa padronização,
estabelecida por diferentes critérios em diversos momentos da história, assim, em todas as
épocas, a sociedade determinou e privilegiou um tipo de corpo. (FERREIRA, 2005).

21
3. O SURGIMENTO, EVOLUÇÃO E A REALIDADE ATUAL DOS
MECANISMOS E MEDIDAS DE PREVENÇÃO AO DOPING

No tocante aos mecanismos e medidas de prevenção ao doping, é válido destacar que


tal preocupação sucedeu-se de maneira extremamente tardia, uma vez que, faz apenas 50
anos, aproximadamente, que as federações esportivas começaram a fiscalizar o doping. Ao
passo que, como já retratado, as drogas já estavam presentes no esporte desde os primórdios.
Esse atraso, ainda hoje, acarreta consequências negativas quando se trata de mecanismos
preventivos, pois tiveram bem menos tempo para serem planejados e desenvolvidos do que
aqueles utilizados para fins ilícitos.
Primeiramente, Em 1928, a International Association of Athletics Federations
(IAAF) fez a primeira tentativa de banir atletas por doping, mas, devido à precariedade de
tecnologias e meios daquela época para a realização de testes de drogas confiáveis, os
funcionários tiveram que confiar no sistema de honra. Então, foi preciso que tragédias
ocorressem para aflorar essa necessidade do desenvolvimento de medidas regulatórias e
preventivas.
Dessa forma, por conseguinte a morte, nas Olimpíadas de Roma, em 1960, do ciclista
dinamarquês Knut Jensen com suspeita de sofrer overdose devido ao uso de drogas e também
as Olimpíadas de 1964, realizadas em Tóquio no Japão, que ficaram marcadas pelos
constantes boatos de elevado uso de anabolizantes por parte dos competidores, o Comitê
Olímpico Internacional (COI) se mobilizou e instituiu um index de substâncias proibidas,
juntamente realizou os primeiros exames antidoping em 1967. E depois, enfim, criou uma
comissão médica que passou a atuar nas Olimpíadas, começando pela do México, em 1968.
Logo após, os esteróides foram proibidos em 1976, depois que um teste confiável foi
desenvolvido, e no final de 1970, desqualificações por doping, especialmente em esportes
relacionados com resistência, aumentaram acentuadamente, o que retratava certa eficiência
desses primeiros testes e, consequentemente, trazia resultados positivos.
Em 1999, o COI criou a Agência Mundial Antidoping (WADA) para criar diretrizes
e padrões para combater o doping no esporte. Nas Olimpíadas de Atenas em 2004, a WADA
lançou o Código Mundial Antidoping para padronizar as regras contra o doping de maneira
internacional. E cada Governo criou sua Organização Nacional Antidoping, no Brasil temos
a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD).
Cada vez mais as evoluções nesse aspecto se sucederam, como relata Rondó Junior,
o processo de Controle de Dopagem passa a contar com equipamentos cada vez mais

22
sofisticados que equipam os melhores laboratórios do mundo, para combater a utilização de
drogas químicas que dão vantagens ao atleta (RONDÓ JÚNIOR, 2000, p. 110).
Contudo, apesar das evoluções apresentadas no sentido fiscalizatório e preventivo,
até que uma nova droga seja detectada e incluída na lista, outra criação químico-
farmacológica já está sendo desenvolvida e produzida, podendo estar, portanto, sempre um
passo à frente dos métodos antidoping da WADA. Visto que, essa prática ilegal perdura há
muito tempo, e por isso, atualmente, ainda, leva vantagem em relação aos mecanismos
preventivos.
Como exemplo de um método atual que deve ser evidenciado, em 2001 houve um
dos primeiros debates oficiais sobre o doping genético, em um encontro do Gene Therapy
Working Group promovido pelo COI. Nesse encontro o comitê declarou que a terapia gênica
tem grande potencial para uso indevido nos esportes, e que formas de detecção do doping
genético devem ser desenvolvidas e aplicadas. (ARTIOLI, 2007).
Outro método que merece ser destacado com maior profundidade, além do já
mencionado doping genético, é a questão do doping tecnológico. Há evidências que
constatam o aumento significativo das drogas e seu uso para a melhora do desempenho dos
atletas de alto rendimento nas últimas décadas, todavia, segundo Waddington (2006, p. 16),
“precisamos nos perguntar por que e como esse processo se desenvolveu”. Segundo o autor:

A explicação provável mais comum é a discutida em termos do desenvolvimento


tecnológico. Verroken, por exemplo, enquanto aponta para "uma visão mais liberal
quanto ao uso de drogas na sociedade em geral nos anos 1960" acrescenta que "de
muito maior importância foi a "revolução farmacológica" nesse período, que
resultou no desenvolvimento de drogas mais potentes, mais seletivas, e menos
tóxicas" (Verroken, 1996, p. 19). Como Verroken, Donohoe e Johnson (1986)
defendem que o aumento no uso de drogas nos esportes pode ser explicado em
grande parte em termos de melhorias na tecnologia química (WADDINGTON,
2006, p.16).

Nesse contexto, analisando o trecho transcrito, faz-se evidente que as tecnologias


atuam no agravamento da problemática do doping, sendo assim, urge a necessidade de mais
estudos para a utilização da mesma, contudo, dessa vez, visando um desenvolvimento
tecnológico voltado à fiscalização e prevenção desse problema. Ao mesmo tempo, a mesma
deve ser utilizada também como um meio de conscientização social, atuando em conjunto à
educação, outra ferramenta importante e primordial para auxiliar na antidopagem.

23
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, verifica-se que a prática do doping foi algo que sempre
acompanhou o esporte desde os tempos mais antigos, contudo, a preocupação em fiscalizar e
impedir essa prática desleal, ao comparar com seu surgimento, foi extremamente recente. Esse
descompasso entre o tempo de estrada da indústria do doping e a importância dada à
fiscalização permitiu um alto grau de desenvolvimento de substâncias, e por isso, percebe-se
que os atuais mecanismos de controle antidoping ainda se encontram deficitários em
proporção ao número de casos que surgem, contudo, com o desenvolvimento e evolução das
novas tecnologias esse problema tende a ser minimizado, porventura no futuro até findado.
Ademais, é de extrema importância aliar as tecnologias com a educação, de forma
que atue como sistemas de fiscalização, prevenção e punição, mas também, propagando
conhecimento e educação para os atletas. Pois, nem sempre é possível detectar as novas
drogas, sendo fundamental educar os atletas e treinadores para evitar as substâncias proibidas
com intuito de banir esse ato antiesportivo das competições.
Dessa forma, conclui-se preliminarmente que para conter o avanço da propagação do
doping, algo que hoje pode ser considerado estrutural no esporte, urge a necessidade de mais
investimentos em tecnologias. Sendo essa, uma ferramenta primordial para minimizar os
danos da problemática, de forma que auxilie por meio de sistemas mais eficazes de
fiscalização e prevenção, principalmente em casos mais complexos como de doping genético
e doping tecnológico. Somente assim, haverá mais justiça, assegurando direitos como o
proposto pelo art. 217 da CF/88, e o crédito no esporte, hoje desacreditado pelos sucessivos
escândalos devido à dopagem pelas quais tem passado, será retomado.

5. REFERÊNCIAS

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https://tecnoblog.net/247956/referencia-site-abnt-artigos/. Acesso em: 08 jun. 2020.

ARTIOLI, Guilherme Giannini; Hirata, Rosário Dominguez Crespo; Junior, Antonio Herbert
Lancha. Terapia gênica, doping genético e esporte: fundamentação e implicações para o
futuro. Revista Brasileira de Medicina do Esporte. v. 13, n. 5, set./out. 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 jun. 2020.

24
CARDOSO, João Augusto. O doping no esporte à luz do direito desportivo : dispositivos
normativos e tecnológicos. 2017. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Biociências de Rio Claro, Rio Claro, 2017.

FERREIRA, Maria Elisa Caputo; Castro, Antônio Paulo André De; Gomes, Gisele. A
Obsessão Masculina Pelo Corpo: Malhado, Forte e Sarado. Revista Brasileira de Ciência do
Esporte, Campinas, v. 27, n. 1, p. 167-182, set. 2005.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

RONDÓ JUNIOR, Wilson. O atleta no século XXI. São Paulo: Gaia, 2000. p. 110

ROSE, Eduardo Henrique de. O uso de anabólicos esteróides e suas repercussões na saúde. In:
QUINTAS, Geraldo Gonçalves Soares (Org.). Valores humanos, corpo e prevenção: a
procura de novos paradigmas para a educação física. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Física, 1989. p. 83.

TOLEDO, Isaac. Conheça a origem e história do combate ao doping nas Olimpíadas.


Torcedores.com, 2016. Disponível em: https://tecnoblog.net/247956/referencia-site-abnt-
artigos/. Acesso em: 08 jun. 2020.

WADDINGTON, Ivan. A história recente sobre o uso de drogas nos esportes: a caminho de
uma compreensão sociológica. In: GEBARA, Ademir; PILATTI, Luiz Alberto (Orgs.).
Ensaios sobre história e sociologia nos esportes. Jundiaí: Fontoura, 2006. p. 16-21.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

25
O DIREITO DIGITAL COMO FERRAMENTA DE PACIFICAÇÃO SOCIAL.
DIGITAL LAW AS A TOOL FOR SOCIAL PACIFICATION.

Renato Valente Alvim

Resumo
O presente trabalho irá apresentar como a nova era digital se relaciona com o direito, sendo
que tendo como o principal foco a tratativa dos direitos fundamentais de cada cidadão ao
navegar por este novíssimo mundo. Elucidando os direitos e deveres de cada ente social no
que tange a normativa jurídica presente e futura, uma vez que as grandes nações hoje se
preocupam com o direito digital como antes já se preocuparam com outros ramos como o
direito civil e penal.

Palavras-chave: Direito digital, Sociedade, Era tecnológica

Abstract/Resumen/Résumé
The present work will present how the new digital age is related to the law, having as main
focus the treatment of the fundamental rights of each citizen when navigating this brand new
world. Elucidating the rights and duties of each social entity regarding the present and future
legal norms, since the great nations today are concerned with digital law as they were
previously concerned with other branches such as civil and criminal law.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Digital law, Society, Technological era

26
27

Alvim Valente, Renato.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho irá apresentar como a nova era digital se relaciona com o direito, sendo
que tendo como o principal foco a tratativa dos direitos fundamentais de cada cidadão ao navegar
por este novíssimo mundo.
Elucidando os direitos e deveres de cada ente social no que tange a normativa jurídica
presente e futura, uma vez que as grandes nações hoje se preocupam com o direito digital como
antes já se preocuparam com outros ramos como o direito civil e penal.
Tal importância se deve devido a grande expansão digital no século XXI e suas
consequências quando não observada as condutas no meio digital.

Problemática de Pesquisa

Ao analisar o formato da nova legislação digital bem como a novíssima temática digital, é
importante analisarmos o quão esse avanço muda na sociedade, quais são os direitos fundamentais
a ela entrelaçados, quais os aspectos práticos de toda a discussão jurídica acerca do assunto.

Objetivo

O objetivo deste estudo é elucidar o melhor caminho para que a sociedade caminhe nessa
nova era digital, bem como o que deve ser tratado como um direito realmente fundamental e quais
são os direitos que devam ocupar outra esfera que não fundamentais, pois para que uma coisa seja
realmente fundamental deve se aplicar à todos e não a um só grupo.

Método

Buscando a melhor forma de alcançar o resultado proposto e efetivo o presente estudo, foi
realizada uma pesquisa usando o método dedutivo, partindo da premissa do geral para o particular,
28

uma vez que notadamente esse foi o método mais assertivo para alcançarmos uma conclusão mais
coerente e coesa.

Resultados

O mundo hoje enfrenta uma nova era social, esta que é conhecida como a era mais
arrebatadora que a humanidade já passou, pois ao pensarmos que há pouco mais de 40 anos, era
intangível se pensar no grande avanço que ocorreu, a humanidade até então nem sequer imaginava
nos mecanismos que hoje nos conectam mundialmente, nesse sentido Patrícia Peck(2009, p. 1) nos
introduz ao mundo digital da seguinte forma:

Há pouco mais de trinta anos, a internet não passava de um projeto, o termo


globalização não havia sido cunhado e a transmissão de dados por fibra
óptica não existia. Informação era um item caro, pouco acessível e
centralizado. O cotidiano do mundo Jurídico resumia-se a papéis,
burocracias e prazos. Com as mudanças ocorridas desde então, ingressamos
na era do tempo real, do deslocamento virtual dos negócios, da quebra de
paradigmas. Essa nova era traz transformações em vários segmentos da
sociedade, não apenas transformações tecnológicas, mas mudanças de
conceitos métodos e estruturas.

Logo ao vislumbrarmos o entendimento dela acerca da nova era, é por obvio, concluirmos
que o direito também foi e será influenciado por tal perspectiva, como Patrícia Peck (2009, p. 01)
leciona:
O direito também é influenciado por essa nova realidade. A dinâmica da
era da informação exige uma mudança mais profunda na própria forma
como o Direito é exercido e pensado em sua prática cotidiana.

Neste sentido o direito como ciência social em muito sofreu com alterações
comportamentais dos indivíduos membros do espaço social, haja vista que o mundo ao avançar na
velocidade que avançou, quebrou paradigmas sociais e legais como nunca tinham se observado.
29

Passou a existir um mundo em paralelo, com que pelo qual as pessoas o chamam de “mundo
digital”, este mundo ele é dinâmico, rápido, atemporal uma vez que as horas deste mundo são
diferentes do mundo físico, neste sentido Patrícia Peck(2009, p.05) Utilizando das palavras de
Alvim Tobbler (1970), nos elucidou:
A emergência de uma sociedade da informação. A sociedade da informação
seria regida por dois relógios um analógico e um digital. O relógio
analógico seria aquele cuja agenda segue um tempo físico, vinte e quatro
horas do dia, sete dias por semana. O relógio digital seria aquele cuja
agenda segue um tempo virtual, que extrapola os limites das horas do dia,
acumulando uma série de ações que devem ser realizadas simultaneamente.
Sendo assim, a sociedade da informação exige que, cada vez mais, seus
participantes executem mais tarefas, acessem mais informações, rompendo
os limites de fusos horários e distancias físicas; ações que devem ser
executadas num tempo paralelo, ou seja, digital.

Para o direito se adequar a perspectiva digital célere, surgiu um novo ramo na escala rígida
do direito, que é o ramo do direito digital, tal ramo somente surgiu ante a premente necessidade
de se tutelar alguns tipos de condutas ocorridas dentro do mundo digital mas que traziam
consequências severas no dito mundo real.
Sendo assim um novo ramo de um emaranhado de leis e conceituado da seguinte forma por
Patrícia Peck (2009, p.29):
O Direito Digital consiste na evolução do próprio direito, abrangendo todos
os princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados
até hoje, assim como introduzindo novos institutos e elementos para o
pensamentos jurídico em todas as suas áreas (Direito Civi, Direito Autoral,
Direito Comercial, Direito Contratual, Direito Ecônomico, Direito
Financeiro, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Internacional, etc.).

As nações entendem que o direito a privacidade é um dos direitos que devem ser tratados
como fundamentais haja vista que o vazamento de dados pessoais, trouxe a diversas nações alguns
dos prejuízos hoje tidos como inestimáveis.
30

Notadamente a nação que mais se incomodou com uma perspectiva de ter-se seus dados vazados
foi o Reuno Unido, após um episódio onde tiveram informações de que o governo americano
monitorava seus cidadãos em tempo real, o governo britânico resolveu por criar uma legislação da
qual tratava o direito a privacidade digital como um direito fundamental.
Neste Sentido com o advento da GDPR (GENERAL DATA PROTECTION) os cidadãos
britânicos gozam de uma proteção estatal nunca antes desfrutada, sendo que além de protegerem
seus cidadãos dentro de seus domínios, fez com que outros países tutelassem sobre o assunto, pois
em seu texto existe um trecho que ela obriga que os países que queiram trocar dados com eles,
tenham um texto aprovado que tutelem sobre a proteção dos dados digitais.
Nesta senda, o Brasil ao observar que o tema era sério e poderia trazer imensuráveis
problemas para o país, correu para aprovar a famosa (LGPD) Lei Geral de Proteção de Dados, que
entrará em vigor no próximo ano e que tutela também sobre os dados dos usuários como um todo.
Quando voltamos a atenção para o direito em sí, é importante perceber que na persecução
processual, o direito digital possuí algumas características que o deixam mais fáceis de se tutelar,
como no caso da obtenção de provas, conforme leciona Patrícia Peck (2009, p 33):

É importante ressaltar que a prova em meios eletrônicos é mais facilmente


averiguada do que no mundo real, uma vez que há como rastrear quase tudo
o que acontece. Esta memória de dados e acontecimentos entre máquinas,
equipamentos, softwares permite que peritos especializados possam
localizar, por exemplo, um hacker criminoso em qualquer parte do mundo,
assim como identificar se uma compra foi feita em certo horário, por
determinado ip e em determinado endereço

Outra observação levantada por Patrícia Peck (2009, p.33), foi em como as provas devem
se portar de maneira processual, neste sentido ela leciona:

A prova é outra questão importante para a correta aplicação do Direito no


mundo digital. Há hipóteses de inversão de ônus da prova devido,
principalmente, aos princípios já protegidos pelo código de defesa do
consumidor. Um exemplo são as empresas que montam banco de dados de
31

seus usuários na internet: se o banco de dados for utilizado da forma


incorreta ou ilegal, não cave ao usuário que se sentiu lesado provar tal fato,
mas à empresa acusada provas que não agiu dessa forma.

Portanto conclui-se que o estudo referente aos perigos digitais bem como seus direitos
fundamentais, está ainda em fase embrionária, uma vez que varias das condutas realizadas em
âmbito digital, ainda não possuem previsão legislativa concreta, entretanto, os países já começaram
a tratar o tema com a devida seriedade que ele merece, sendo importante ressaltar que nos últimos
dez anos tivemos progressos significativos no âmbito do direito digital.
Importante ainda mencionar que não se pode parar com as respectivas pesquisas, visando a
alta mutabilidade da rede e de condutas que poderão vir a fazer parte do ambiente social
humanitário e mundial, pois somente através de muito estudo poderemos um dia chegar a prever
determinada conduta, podendo criar uma normativa de previsão e não de remediação como veem
sendo criadas.

REFERÊNCIAS
Disponível em: https://www.hscbrasil.com.br/gdpr/. Acesso em: 10/05/2020

PINHEIRO PECK, Patrícia. Direito Digital. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013.

THOMPSON, MARCELO. «Marco civil ou demarcação de direitos: Democracia, razoabilidade e


as fendas na internet do Brasil» (PDF). RDA – Revista de Direito Administrativo. set./dez. 2012
O ESTADO E O DIREITO À MORADIA: NOVAS SOLUÇÕES NA ERA DA
TECNOLOGIA
EL ESTADO Y EL DERECHO A LA VIVIENDA: NUEVAS SOLUCIONES EN LA
ERA DE LA TECNOLOGÍA

Lucas Lamounier Lapa Sanabio 1

Resumo
Este projeto de pesquisa pretende analisar possíveis novas soluções para a universalização do
direito à moradia no Brasil, analisando a postura do Estado a sua frente, os dispositivos legais
relacionados, as reivindicações dos movimentos sociais e as novas tecnologias em construção
de habitações populares. A partir de conclusões preliminares é possível afirmar que tais
novas tecnologias seriam uma alternativa possível e de interesse da sociedade. A pesquisa
proposta pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. Quanto a investigação,
pertence à classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo.
Predominará o raciocínio dialético.

Palavras-chave: Direitos fundamentais, Direitos humanos, Direito à moradia, Tecnologia

Abstract/Resumen/Résumé
Este proyecto de investigación pretende analizar posibles nuevas soluciones para la
universalización del derecho a la vivienda en Brasil, analizando la postura del Estado frente a
él, las disposiciones legales relacionadas, las demandas de los movimientos sociales y las
nuevas tecnologías en construcción de viviendas populares. A partir de conclusiones
preliminares, es posible afirmar que tales nuevas tecnologías serían una alternativa posible y
de interés para la sociedad. La investigación propuesta pertenece al aspecto metodológico
jurídico-sociológico. En cuanto a la investigación, pertenece a la clasificación de Witker
(1985) y Gustin (2010), el tipo legal-proyectivo. Predominará el razonamiento dialéctico.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Derechos fundamentales, Derechos humanos,


Derecho a la vivienda, Tecnología

1 Graduando em Direito, modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara

32
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A garantia dos direitos fundamentais e sociais é de responsabilidade do Estado e, por


mais que existam tentativas, estas até hoje não possuíram suficiente eficácia. Em especial o
direito à moradia, postulado pelo artigo 6° da Constituição Federal, é objeto negado a expressiva
parcela da população brasileira. Assim, a presente pesquisa se origina na questão do acesso ao
direito social à moradia no Brasil, orientada para a compreensão da possibilidade de novas
alternativas para sua universalização.
Acertadamente, os deputados constituintes de 1988 colocaram já entre os incisos do
artigo 1° da Carta Magna a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. Além
disso, é exímia a redação do artigo 3°, onde se colocam como objetivos da República a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, da
marginalização e das desigualdades sociais e regionais e, não menos importante, a promoção
do bem de todos sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito (BRASIL, 1988).
Partindo para uma visão da realidade concreta, o disposto nos artigos supracitados, já
32 anos depois de sua promulgação, ainda está longe de se tornar realidade. No caso da
população de rua, mesmo sem dados exatos, as estimativas são alarmantes. Em 2015,
nacionalmente, já contávamos com cerca de cem mil pessoas nesta situação segundo o Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, número que provavelmente foi muito impulsionado devido
ao aumento do desemprego e à recessão econômica (LIMA; CHARLEAUX, 2020).
A presente pesquisa propõe-se à vertente metodológica jurídico-sociológica. Quanto ao
tipo de investigação, enquadra-se no tipo jurídico-projetivo conforme a classificação de Witker
(1985) e Gustin (2010). De modo predominante, será adotado para a pesquisa o tipo de
raciocínio dialético. Assim, a pesquisa se propõe a compreender as problemáticas concernentes
ao acesso ao direito à moradia e se as novas tecnologias existentes seriam de algum modo
eficientes para colaborar com a sua universalização.

2. A INABILIDADE DO ESTADO EM GARANTIR O DIREITO À MORADIA

Desde a abolição da escravatura, em 1888, o pleno acesso à moradia digna é uma


dificuldade no Brasil. A população negra liberta não foi contemplada com nenhuma política de
assistência para sua integração à sociedade. Foi largada à própria sorte sem garantia de moradia,
terras ou qualquer outro meio para garantia de sua integridade e dignidade.

33
Com o passar dos anos, formaram-se as favelas e as periferias, em morros inóspitos ou em
localidades distantes dos centros urbanos. Ainda que fossem, de certa forma, moradia para
quem lá habitava, muitas vezes chamar essa moradia de “digna” pode ser um exagero. O
Instituto Trata Brasil, por exemplo, apontou em estudo que, nas áreas de habitação irregular
(onde vivem cerca de 11,4 milhões de pessoas), apenas 11,7% das pessoas possui acesso à agua
tratada e à coleta de esgoto, além de 72% das pessoas que não possuem acesso a nenhum dos
dois (SANEAMENTO..., 2020).
Para além destes 11,4 milhões que tem acesso a alguma moradia, ainda que extremamente
precária, existem mais de 100 mil pessoas que vivem diretamente na rua no nosso país, sem
acesso a qualquer tipo de garantia de higiene, segurança ou alimentação (LIMA;
CHARLEAUX, 2020). Não apenas este número é inaceitável como se torna cada vez maior,
como aferido na cidade de São Paulo, por exemplo, onde houve um crescimento de ao menos
53% entre 2015 e 2019 (POPULAÇÃO..., 2020).
Para combater este problema, o Estado já buscou diversos meios de resolução. Dentre eles,
o que mais se destaca é o Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009. A tentativa de reduzir o
déficit habitacional começou bem, mas logo começou a mostrar problemas e dificuldades. Dez
anos após o início do programa, a jornalista Laís Lis, do G1, nos dá o seguinte panorama:
Com a deterioração das contas públicas e orçamento público mais
restrito a cada ano, o programa sofreu brusco corte na chamada Faixa
1, que constrói imóveis 100% subsidiados pela União e atende famílias
de renda mais baixa, com rendimentos de até 1,8 mil. Essas famílias
recebem descontos de até 90% do valor do imóvel.
Em 2009, quando o Minha Casa Minha Vida foi lançado, a Faixa 1
respondia por 50% das unidades contratadas.
No ápice do programa, em 2013, as unidades da Faixa 1 respondiam
por 59% do total. O índice chegou a 4,5% em 2017. No ano passado
[2018], essa faixa respondeu por menos de 21% das unidades
contratadas.
Mesmo nas Faixas que atendem famílias com rendas maiores, as
contratações caíram ao longo dos anos. O ápice nessas faixas ocorreu
em 2013, quando foram contratadas 912.407 habitações e entregues
648.474. Em 2018, as contratações caíram para 527.115 e, as entregas
de unidades habitacionais, para 163.647. (LIS, 2019, grifo do autor).

Um dos objetivos postulados pela Constituição no artigo 3º foi a construção de uma


sociedade livre, justa e solidaria (BRASIL, 1988). Todavia, o termo “justa”, especialmente,
pode ser interpretado de uma série de maneiras diferentes. Para Hervada (2006) pode-se
entender a justiça como dar a cada um seu direito, o que seria uma adequação a um direito
natural que se pressupõe anterior à norma. Por outro lado, os positivistas vêm para nos mostrar

34
que o justo é cumprir o que está na norma. Já Mascaro, retomando o conceito aristotélico, nos
diz que justiça só pode existir onde não há carência nem excesso (ALYSSON..., 2016).
Analisar os dados supracitados sobre a questão do acesso à moradia (e à moradia digna) no
Brasil em comparação com o disposto no 3º artigo da Constituição, seguindo qualquer uma das
concepções de justiça apresentadas nos leva à seguinte conclusão: quando se trata do direito à
moradia, nosso país é injusto. No entanto, não é apenas na questão da falta de acesso que se
materializa a injustiça. Para além de todos os problemas já citados, a falta de acesso à moradia
é uma das importantes causas de algumas das formas em que se manifesta um grave problema
que aflige o Brasil: a violência.
Os movimentos sociais de luta pelo direito à moradia, por vezes, se utilizam da ocupação
de terrenos e prédios que não cumprem sua função social em uma tentativa de fazer valer seus
direitos. Por outro lado, os proprietários são sempre ágeis e implacáveis na requisição judicial
da reintegração de posse. Neste momento, não se aprofundarão as implicações legais ou na
legitimidade legal das ocupações, mas sim o que acontece com elas.
O site Housing is a Human Right realizou a denúncia, por exemplo, da ação truculenta da
Polícia Militar no Despejo da Ocupação Eliana Silva, na região do Barreiro em Belo Horizonte
– MG. Segundo o portal, ocorreu espancamento de moradores, destruição de suas casas,
alienação de seus pertences e impedimento ilegítimo de seu direito de ir e vir (O DESPEJO...,
2012). Já o jornal A Verdade denuncia o ocorrido em salvador, quando a PM invadiu a
Ocupação Maria Felipa, submeteu os moradores a revista vexatória, agrediu o advogado dos
moradores e sequestrou o coordenador do movimento que liderava a ocupação, Victor Aicau.
Segundo o militante, houve inclusive tortura (VICTOR...., 2019).
Sobre o direito à moradia, seu contexto, conteúdo e possível eficácia, Sarlet nos traz a
seguinte reflexão:
Por derradeiro, cremos ser possível afirmar que os direitos
fundamentais sociais, mais do que nunca, não constituem mero capricho,
privilégio ou liberdade, mas sim, premente necessidade, já que a sua
supressão ou desconsideração fere de morte os mais elementares
valores da vida e da dignidade da pessoa, em todas suas manifestações.
A eficácia (jurídica e social) do direito à moradia e dos direitos
fundamentais sociais deverá, portanto, ser objeto de permanente e
responsável otimização pelo Estado e pela sociedade, na medida em que
levar a sério os direitos (e princípios) fundamentais corresponde, em
última análise, a ter como objetivo permanente a concretização do
princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, a mais sublime
expressão da própria ideia de Justiça. Caso contrário, não haveremos de
escapar – tal como com lucidez adverte Paulo Bonavides – de uma
lamentável, mas cada vez menos contornável e controlável
transformação de muitos Estados democráticos de Direito em
verdadeiros “Estados neocoloniais”. (SARLET, 2010, P. 45-46)

35
É notável a sensibilidade do professor doutor na reflexão exposta. Todavia, para sua
infelicidade, os “Estados neocoloniais” estão cada vez mais próximos. Com uma realidade onde
o Estado faz menos do que fazia anteriormente para garantir o direito à moradia e reprime mais
do que em qualquer período desde o início da redemocratização, talvez já seja possível afirmar
que o Estado democrático de Direito não existe para aqueles que foram esquecidos pelo poder
público e lembrados, unicamente, quando é do interesse de algum proprietário de imóvel ou
terreno removê-los de lá.

3. UMA POSSÍVEL SOLUÇÃO NAS NOVAS TECNOLOGIAS

Não restam dúvidas de que, até hoje, as alternativas buscadas para a garantia do direito
à moradia foram falhas. Independentemente de uma maior ou menor eficácia, seu objetivo não
foi alcançado. Assim, urge questionar: o que se pode fazer de novo?
É muito difícil responder a esta pergunta sem levar em conta o descaso do poder público
com as políticas habitacionais. As falhas tanto do Minha Casa Minha Vida como do sistema de
abrigos (que seria uma medida meramente paliativa, que acaba por não resolver o problema de
fato) podem ser atribuídas, em parte, à questão da distribuição dos recursos públicos.
A partir da análise de dados expostos por Fattorelli (2016), na execução do orçamento
geral da União de 2015, a parcela gasta com políticas de habitação foi inferior a 0,01%. Para
outras matérias correlatas à habitação, temos 0,05% investido em urbanismo, 0,01% investido
em saneamento, e 3,05% investido em assistência social. Ademais, a transferência para estados
e municípios, que também possuem grande responsabilidade na produção de políticas públicas
de acesso ao direito à moradia e outras formas de garantia foi de meros 8,96%.
Por outro lado, existe um único gasto responsável por 42,43% do gasto da União no
período analisado: juros e amortizações da dívida pública. Dívida essa que, de acordo com o
artigo 26 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, deveria ter sido examinada de
modo analítico e pericial em até um ano após a promulgação da Constituição, em vias de
detectar ilegitimidades e irregularidades. Até a data em que se escreve a presente pesquisa, este
exame nunca foi feito e não possui sequer qualquer previsão para início.
Além dos gastos, para dizer o mínimo, questionáveis quanto a sua prioridade, existe
também a questão da Emenda Constitucional do Teto de Gastos, aprovada em 2016. A Emenda
prevê o congelamento do investimento nas mais diversas áreas durante 20 anos, excluindo do
cálculo para estabelecimento do teto anual gastos como os juros da dívida, as transferências

36
obrigatórias para estados e munícipios, gastos com eleições, dinheiro injetado em estatais e
repasses para o Fundeb.
Uma vez que o orçamento é um problema, urge buscar soluções cabíveis nas condições
fiscais que temos. A ciência, não apenas no Brasil como também internacionalmente, tem feito
diversos avanços na questão das tecnologias de construção de habitações populares.
Retomemos a pergunta feita no início do tópico: o que se pode fazer de novo?
O portal Época Negócios nos conta o caso do filipino internacionalmente premiado Earl
Patrick Forlales. O designer projetou uma espécie de unidade habitacional, feita principalmente
de bambu, que pode ser construída em apenas quatro horas. Além da rapidez, o projeto
impressiona por seu custo: apenas 50 libras, em valores atuais cerca de R$350,00 (A
PREMIADA..., 2018).
Fabro (2019) nos conta o caso de uma jovem do Pará que desenvolveu um tijolo feito a
partir do caroço do açaí. O caroço, que corresponde a cerca de 96% do fruto, normalmente é
descartado. Isso nos leva à produção de um material que, além de possuir excelente qualidade
e um custo de produção muito baixo, é ecologicamente sustentável.
O brasileiro Fábio Doom (2016) conta a seus leitores sobre uma forma de construção a
partir da nanotecnologia que já existe no país. Ao utilizar o método, seria possível a construção
de uma casa sustentável de "padrão europeu" em apenas uma semana, com um custo 25% menor
que o de uma casa comum e utilizando apenas quatro funcionários.
Em suma, tecnologia acessível e de baixo custo já existe. A pesquisa tanto internacional
quanto brasileira tem sido fundamental para nos trazer novas soluções para buscar, cada vez
com mais efetividade, a universalização do direito à moradia. Se ater aos métodos mais
tradicionais de construção é, evidentemente, seguro. Porém, negligenciar o progresso é
negligenciar os direitos fundamentais e sociais do povo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, pôde-se notar algumas coisas interessantes. Entre as reflexões e


análises colocadas, é possível notar uma correlação intrínseca entre o acesso ao direito à
moradia e a própria dignidade humana. Foi possível notar também, uma correlação direta entre
a atuação fiscal do poder público e as garantias mais fundamentais de vida do povo.
Quando se fala de direito à moradia, não se fala meramente da alocação socioespacial
de um indivíduo e muito menos somente dos problemas burocráticos que decorrem disso.

37
Quando se fala de direito à moradia, se fala de acesso à segurança, à saúde, ao saneamento
básico, ao emprego, à segurança alimentar e, de modo imprescindível, da própria dignidade da
pessoa humana, princípio tão caro a todos aqueles que se dedicam ao Direito.
Nos dias de hoje, é possível aferir na análise do embate político mais econômico uma
disparidade entre um apelo à austeridade fiscal, a redução dos altos gastos públicos e um apelo
ao investimento na dignidade da pessoa humana, da construção de uma economia que serve ao
povo em contraposição a um povo que serve à economia. De qualquer maneira, a presente
pesquisa se propõe a demonstrar que o investimento na dignidade humana tanto é possível de
ser feito com custos muito menores que os tradicionais como é também indubitavelmente
urgente.
Para todos aqueles que dão fé ao exercício da justiça, urge compreender que sem
modificar o que temos hoje, ela não se concretizará. É preciso estar cada vez mais em
alinhamento com a ciência e o progresso da humanidade. Se quando olhamos para o passado
vemos as tantas injustiças e as condenamos, que não permitamos que a história, implacável
como é, nos julgue como sendo aqueles que não lutaram pelo justo e, muito pior, perpetuamos
a injustiça.

5. REFERÊNCIAS

ALYSSON Mascaro – Capitalismo e justiça normativa, 2016. 1 vídeo (14 min). Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=2RGPKvnVe04. Acesso em: 2 jun 2020.

A PREMIADA casa de bambu que pode ser construída em quatro horas. Época Negócios, [s.
l.] 22 nov 2018. Disponível em:
https://www.google.com/amp/s/epocanegocios.globo.com/amp/Mundo/noticia/2018/11/premi
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38
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WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

39
O PROCESSO DIGITAL COMO GARANTIDOR DO ACESSO À JUSTIÇA NO
BRASIL: UMA PROPOSTA DE HUMANIZAÇÃO DA JUSTIÇA
EL PROCESO DIGITAL COMO GARANTÍA DE ACCESO A LA JUSTICIA EN
BRASIL: UNA PROPUESTA PARA HUMANIZAR LA JUSTICIA

Adriane de Oliveira Ningeliski 1

Resumo
A presente pesquisa busca apresentar uma breve discussão acerca das dificuldades de se
acessar a justiça no Brasil, frente a um Poder Judiciário lento e incapaz de resolver os
problemas de forma efetiva, pautado em uma preocupação excessiva no encerramento dos
processos e não nas causas das contendas. Assim, a partir do método dialético, o presente
texto transita entre temas como acesso à justiça e crise de efetividade, a fim de demonstrar
que a tecnologia – o processo digital - pode ajudar esse processo de efetivação de direitos
sem deixar de lado a humanidade

Palavras-chave: Acesso à justiça, Crise, Poder judiciário, Processo digital

Abstract/Resumen/Résumé
La presente investigación busca presentar una breve discusión sobre las dificultades para
acceder a la justicia en Brasil, ante un sistema judicial lento e incapaz de resolver los
problemas de manera efectiva, debido a una preocupación excesiva en el cierre de casos y no
en las causas de las disputas. Por lo tanto, con base en el método dialéctico, el presente texto
se mueve entre temas como el acceso a la justicia y la crisis de efectividad, con el fin de
demostrar que la tecnología puede ayudar a este proceso de hacer cumplir los derechos sin
descuidar la humanidad necesaria

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Acceso a la justicia, Crisis, Poder judicial, Proceso


digital

1Doutoranda e Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, Professora do Curso de Direito das


Universidade do Contestado, servidora pública do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

40
1 INTRODUÇÃO
O acesso à justiça no Brasil vem sofrendo um grande impacto do aumento
vertiginoso dos litígios judicializados, visto a evidente dificuldade que o ser humano na
atualidade tem para dialogar e resolver seus próprios conflitos.
Nessa senda a pesquisa assenta suas balizas ao buscar caminhos disponíveis para a
concretização do direito fundamental de acesso à justiça, que hoje tem ficado atrelado a um
penoso acesso ao Poder Judiciário, uma verdadeira via crucis nas últimas décadas.
Dessarte, desvelou-se a necessidade do surgimento de novos elementos que
pudessem trazer efetividade a esse acesso à justiça, aproximando as partes do conflito
judicializado, visto que a conhecida crise do Poder Judiciário tem mostrado que esses novos
instrumentos tem sido necessários para a resolução dos conflitos, em uma clara mudança de
velhos paradigmas, com desapego das formalidades centenárias.
Essa seria a problemática em discussão, se desformalização do processo com o uso
de tecnologias disponíveis, mais especificamente o processo digital, poderia dar a celeridade
que se espera, e assim concretizar o direito fundamental de acesso à justiça, com respeito à
humanidade.
A importância da temática, pauta-se no crescente descrédito na efetividade do Poder
Judiciário, que a passos lentos tem buscado alternativas para ajudar nesse processo, contudo,
tal medida, ainda, está atrelada à baixa de processos e não às causas que levam ao litígio, e,
por isso, necessária, a ampliação do debate, a fim de que novas formas venham a compor o rol
de possibilidades de efetivação do acesso à justiça no Brasil, com celeridade e efetividade.
Assim, na busca desse intento, far-se-á primeiramente uma contextualização do
acesso à justiça no Brasil, seguido por um breve retrato dos problemas de acesso e pela
exploração das novas tecnologias.

2 DO ACESSO À JUSTIÇA
Ao tratar da justiça, é salutar lembrar das célebres palavras de Ihering ao retratar que
a justiça tem em uma das mãos a balança, e na outra a espada, a primeira pesa o direito e a
segunda o defende, ou seja, a espada sem balança é força bruta e a balança sem espada
significa debilidade do direito. A união das duas em plena complementação forma o estado de
direito que só existe com o equilíbrio da força, com a qual a Justiça empunha a espada e a
destreza com que maneja a balança (IHERING, 2014).
Nesse ínterim, é cediço destacar que apesar da garantia de direitos nos dias atuais,
vê-se que as normas criadas fazem a coesão da sociedade, contudo, a litigiosidade encorajada

41
contribui para a sua fragmentação, o que conduz para um conceito de justiça obscuro em um
emaranhado de regras procedimentais aplicadas a todos os litígios (AUERBACH, 2003), sem
distinção.
Ainda, do ponto de vista de uma revolução democrática da justiça, esta não deve ser
somente rápida, mas acima de tudo deve ser uma justiça cidadã (SANTOS, 2007), e, em
busca de elementos que possam oferecer as partes condições de solverem efetivamente seus
conflitos.
No que tange ao próprio conceito de justiça, Norberto Bobbio (1998) diz, que é
bastante amplo, e pode ser definido como um fim social da mesma forma que a igualdade, ou
a liberdade, ou a democracia, ou o bem-estar. Ainda sim, a melhor coisa é considerá-la como
uma noção ética fundamental e não determinada.
Dessarte, no fim primeiro do direito está a pacificação social, para a qual há a
existência de um ambiente de paz, que quando negativa gera as condições para o
estabelecimento da justiça (paz positiva), sendo que sem aquela, não existe essa; sem essa,
aquela não se mantém (MALISKA, 2013).
Portanto, a beleza da justiça no mundo contemporâneo está em dar a Ela o
verdadeiro sentido, de virtude mestra, não meramente formal, mas sim na prática (FRASER,
2014), garantia acesso para além do mundo formal e para dentro do mundo dos fatos.
Nesse norte, o grande desafio é que para além do reconhecimento formal dos
direitos, eles tenham efetividade, pois não há equivalência entre direitos não formalizados em
diplomas legais e direitos formalizados mas não respeitados, urgindo a necessidade de busca
de meios garantidores de aproximação desses direitos (SADEK, 2009).
Sendo assim, o acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV e LXXIV, CRFB/1988
deve compor o mínimo existencial, porque na sua falta, os indivíduos não teriam meios de
garantir seus direitos. Ou seja, sem quem faça as devidas garantias, (um Poder Judiciário não
só acessível e estruturado, mas com ações que possam tutelar os direitos violados), o rol de
direitos previstos na Constituição seria uma mera quimera (FONTE, 2013).

3 PROBLEMAS DE ACESSO À JUSTIÇA


O problema do acesso à justiça não é novo ou moderno, pois já no início do século a
Áustria e a Alemanha pereceram com denúncias da divergência entre a procura e a oferta de
justiça. A par disso, várias tentativas foram feitas para minimizar o fato, quer por parte do
Estado, quer por parte da sociedade, mas o assunto somente eclodiu sob a forma de problema
a partir do pós-guerra (SANTOS, 1994).

42
O direito ao acesso efetivo à justiça vem sendo cada vez mais reconhecido, em grau
elevado de importância dentre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a
titularidade de direitos perde o sentido na falta de mecanismos para sua efetiva reivindicação
(CAPPELLETTI, 1988).
Em aspectos terminológicos, o conceito de acesso à justiça sofreu especificamente
influências diretas das modificações sofridas por esse processo civil de modo que o acesso à
Justiça, atualmente, possui nova compreensão (SILVA, 2005). Sob esta, “o enfoque sobre o
acesso — o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos, também caracteriza crescentemente
o estudo do moderno processo civil.” (CAPPELLETTI, 1988, p.12).
Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), em sua clássica doutrina, apresentam os
movimentos por acesso à justiça retratando três frentes, as quais foram chamadas de ondas
renovatórias, soluções práticas para os problemas de acesso à justiça.

Contudo, mesmo com as preocupações de se promover maior acesso à justiça


datarem de longa data, as ondas renovatórias propugnadas pelo Projeto de Florença
somente a pouco e pouco vêm conquistando efetivo espaço no processo. Há
significativos avanços em relação às três ondas (assistência jurídica aos
economicamente desfavorecidos, tutela aos direitos coletivos e ampliação do acesso
à justiça pela reforma dos procedimentos judiciais em geral), mas muito ainda há
que se fazer (DEMARCHI, 2007, p. 27).

Quando se fala em problemas de acesso à justiça, certamente é correto o uso do


termo no plural, uma vez que não se restringe a um único problema, mas vários, pois estes
sofrem muitas interpretações, sejam elas na seara jurídica, econômica, política ou sociológica.
Além de ser um tema amplo e complexo conduz a doutrina na busca da identificação e análise
destes problemas, a fim de produzir um diagnóstico que encontre a cura para a doença da falta
de acesso à justiça. Assim, tal como na medicina, primeiro o médico examina (diagnostica) e
depois propõe o tratamento adequado que levará à cura (FALCÃO, 1996).
Desse modo, o mau funcionamento, juntamente com o acúmulo de processos e a
paralisação da justiça, segundo Aloisio Surgik (1986), não surge do nada, mas de vários
fatores, como a burocracia e a extensa legislação sobre as mais diversas questões.
A realidade brasileira tem mostrado que o acesso à justiça tem sido alvo de inúmeras
reflexões e discussões, num turbilhão de vertentes, como a sua falta, as barreiras, descrédito,
crise do Judiciário e reforma (FERNANDES, 2008).
Os problemas do acesso à justiça corroboram para o agravamento da distância entre
o mundo da legalidade e da realidade, ou seja, a lei prevê mas o cotidiano desconhece. Isso
leva a um sério indicador de dificuldades no campo da efetividade das normas legais, uma vez

43
que o reconhecimento desse fato não significa admitir que a CRFB/88 não tenha trazido
mudanças; muito pelo contrário, o que são indiscutíveis são os problemas da justiça
patrocinada pelo Estado, e de sua consequente crise (SADEK, 2009).
Não se pode duvidar de que segurança jurídica e efetividade do tempo razoável do
processo seriam postulados opostos, uma vez que a procrastinação da decisão mais do que o
necessário seria inaceitável, pois o que se busca é o equilíbrio da segurança e da celeridade
(TUCCI, 2005).

4 O PROCESSO DIGITAL COMO GARANTIDOR DE ACESSO À JUSTIÇA


Portanto, a maior dificuldade da política processual está em encontrar o equilíbrio
aceitável entre a celeridade e a justiça, pois, mais do que uma justiça pronta a resolver os
problemas dos cidadãos, ela deve ser justa (REIS, s.d).
No Brasil urge a necessidade da modernização da legislação processual civil para
que a agonia do jurisdicionado que espera por muito tempo a solução para seu conflito
diminua (WARAT, 1999).
Uma solução moderna encontrada para a redução do tempo de trâmite é o processo
digital e toda a interconectividade proporcionada pela era digital, como também os avanços
tecnológicos que trouxe (SILVA, 2014), no entanto ainda, longe está da eficiência e de
tramitação em tempo adequado e satisfatório.
Nessa toada é sempre importante trazer à baila que o processo digital tem estreitado
barreiras entre o Poder Judiciário e o jurisdicionado, fazendo que de maneira facilitado o
cidadão possa ter conhecimento de seu processo, com a acesso pela rede mundial de
computadores.
É fato que muitos estados ainda não totalizaram a digitalização dos processos, isso
devido ao grande passivo pendente de resolução, ainda em trâmite, contudo, isso não tira o
brilho de todas as vantagens trazidas por esse avanço tecnológico, que tem tido um importante
papel na atualidade, em que os processos digitais conseguem manter o andamento normal da
demanda, mesmo frente a pandemia mundial do COVID-19, que levou aos tribunais
suspenderem os atendimentos externos e a colocarem seus servidores em home-office, que em
outro cenário – pretérito com processos físicos - seria impossível a continuidade dos
trabalhos da maneira como vem sendo feito.
Portanto, o processo digital tem tido um papel importante nesse contexto de
modernização dos instrumentos postos à mão do acesso à justiça e garantido um trato mais

44
célere das demandas com trato humanizado, uma vez que facilitou o acesso à justiça a todos
os cidadãos brasileiros.

5 CONCLUSÃO

É premente abrir espaço para o uso de novas tecnologias no âmbito da efetivação do


acesso à justiça dentro do Poder Judiciário, no tocante, à desformalização e facilitação das
partes acessarem a ferramentas que possam gerir os conflitos e dar condições de acesso
facilitado das demandas, bem como consigam diminuir barreiras que muitas vezes
burocratizam e elastecem o tempo de tramitação, isso claro, mantendo o trato humanizado
que se espera e deve ser dispensado às partes durante à tramitação da demanda.
Dessa forma, a presente pesquisa conclui que o uso de ferramentas novas podem dar,
tanto melhor visibilidade ao processo, quanto maior celeridade à demanda, sendo o maior
facilitador tecnológico utilizado nos últimos anos o processo digital, que, nada obstante ainda
não ter totalizado todo o passivo de processos em trâmite no Brasil, está em estagio avançado
de implantação, o que em tempos atuais pandêmicos, tem sido de grande valia na efetivação
do direito fundamental de acesso à justiça.

6 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS

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45
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46
WARAT, Luis Alberto (Org.). Em Nome do Acordo – A mediação no Direito. 2 ed.
Argentina: Almed- Angra impressiones, 1999.

47
O REVENGE PORN COMO INSTRUMENTO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO
CIBERESPAÇO
REVENGE PORN AS AN INSTRUMENT OF GENDER VIOLENCE IN
CYBERSPACE

Maria Bueno Barbosa 1


Priscilla Menezes Santos 2

Resumo
O estudo busca refletir sobre a prática do revenge porn, perpassando brevemente pelo
contexto sociológico e filosófico das relações modernas. Discute-se sobre a dualidade
existente entre a liberdade de expressão no ciberespaço e os danos a direitos fundamentais da
mulher. Nesse sentido, pretende-se fazer uma análise da responsabilidade civil de provedores
de aplicação sobre conteúdo produzido por terceiros no caso da pornografia de vingança,
enquanto violência de gênero, perpassando por uma análise legislativa e jurisprudencial do
STJ, além de analisar e propor mecanismos jurídicos cíveis de repressão à prática, com
inspiração em mecanismos bem-sucedidos através do direito comparado.

Palavras-chave: Pornografia de revanche, Violência de gênero, Ciberespaço,


Responsabilidade civil

Abstract/Resumen/Résumé
The study aims to address the practice of revenge porn, comprehending the sociological and
philosophical context of modern relationships, also discussing the duality between freedom
of expression in cyberspace and damage to fundamental women rights. In this sense, we
intend to analyze the civil liability of application providers on contents produced by third
parties in the case of revenge pornography, as gender violence, going through a legislative
and jurisprudential analysis of the Brazilian Superior Court of Justice, aiming at the
proposition of legal mechanisms that would facilitate the repression of those practices,
inspired by successful mechanisms through comparative law.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Revenge porn, Gender-based violence, Cyberspace,


Civil responsability

1Doutora e Mestre em Direito Público pelo PPgD, da PUCMinas. Professora no Ibmec BH, na Especialização
em Direito e Tecnologia da Faculdade Arnaldo. Analista internacional (PUCMinas). Advogada.
2Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Pós-graduanda em Direito e Tecnologia
pela Faculdade Arnaldo Janssen. Advogada.

48
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em 1984, o escritor canadense de ficção científica, William Gibson, cunhou o termo


“ciberespaço” para designar o espaço criado pelas comunicações mediadas por computador.
Para além da ficção científica, a revolução da internet e da informática afetaram
significativa e permanentemente o modo de vida da humanidade e as formas de comunicação.
É dizer, as comunicações nunca foram tão ágeis, amplas e difusas como agora (BATISTA,
2015).
A criação de um mundo virtual, paralelo ao mundo físico, trouxe inúmeras benesses,
como a facilidade da obtenção de informações e a agilização de operações diversas. Por outro
lado, quando se considera o ciberespaço como um expoente da liberdade de expressão e da
democracia, portanto livre de censura, nascem questões sensíveis ante à ausência de filtros
sobre o que é postado na rede. Nesse contexto, da inegável disseminação de redes sociais e
excesso de exposição do pensamento e da vida privada, surge a possibilidade de aviltar os
direitos fundamentais que tutelam a imagem, a honra, a privacidade e a intimidade, inclusive
de forma criminosa, como acontece com a divulgação não consentida de imagens e vídeos
íntimos, mais conhecida como revenge porn ou pornografia de vingança. A capilaridade da
propagação de conteúdo em redes sociais ganha proporções inimagináveis, já que a interação
entre usuários de plataformas digitais é instantânea.
Na seara cível, é discutida a responsabilidade civil de provedores de conteúdo de
terceiros em relação à pornografia de vingança, no que diz respeito à vulneração de
determinados direitos, decorrente do mau uso das plataformas, que permitem que terceiros
criem e divulguem materiais próprios, sem que haja prévio controle editorial.
Além da análise da possibilidade de reparação civil do dano por esses provedores, com
estudo sobre a legislação aplicável e sobre a jurisprudência empregada nos casos concretos de
destaque, é importante também elucidar alguns mecanismos notórios de repressão ao revenge
porn, por meio do direito comparado, e propor formas de coibir a prática.
O tema tem um cunho sociológico complexo. Apesar de ser um ilícito que pode atingir
qualquer cidadão, as mulheres acabam sendo as principais vítimas, visto que “(...) nossa
sociedade ainda segue normas rígidas e tradicionais de conduta, que associam a sexualidade
das mulheres a ideais de recato, privacidade e falta de direito ao prazer” (BATISTA, 2015).
Dada a relevância do tema, é necessário entender como a divulgação não consentida
pode se configurar em violência de gênero – comportamentos que podem causar danos físicos,

49
psicológicos ou sexuais aos atores da relação– ainda que dentro do “livre” ciberespaço
(BATISTA, 2015).
Assim, o artigo proposto utiliza-se de método dedutivo, empregando, como técnica de
pesquisa, levantamento bibliográfico, estudo de direito comparado, análise de reportagens de
jornais de grande circulação, pesquisa jurisprudencial e análise legislativa.

2. REVENGE PORN COMO VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER

O papel da mulher na sociedade segue padrões socioculturais determinados por uma


ordem dominante, em que os homens ocupam papel privilegiado e de destaque, enquanto às
mulheres cabe um papel secundário, frequentemente atrelado à reprodução e cuidado com a
casa e com a família – e aí, incluído o cuidado com o próprio homem/marido (BEAUVOIR,
1967; BOURDIEU, 2014). Desta forma, é retirada da mulher, por convenções sociais que
imperam em grande parte do mundo, a liberdade de ser quem ela é (ou quer ser). Várias teóricas
se debruçam sobre a necessidade da revisão do papel da mulher pela sociedade, tendo em vista
o pleno exercício de seus direitos, sobretudo baseados na igualdade entre os seres humanos.
Portanto, é neste contexto que

a pornografia de vingança aparece como um mecanismo contemporâneo de


manutenção da ordem. O discurso não possui nada de inovador: é a punição da mulher
que nega ou subverte o papel social que lhe foi imposto. O método, no entanto,
adaptou-se às novas formas de realizar (e dar publicidade) a humilhação social. As
redes sociais podem ser também usadas como instrumento de controle das mulheres.
(BUZZI, 2015).

Assim, como um espelho da hierarquia social, a hierarquia sexual (socialmente


construída) encontra na inferiorização das mulheres uma forma de repetição da realidade
imperativa da sociedade. Assim, ao se utilizar das redes sociais para propagar imagens íntimas
de uma mulher, impõe-se a ela uma condenação vexatória, dado que uma mulher que “se dá o
respeito” não deveria se colocar nestas situações. Desconsidera-se, assim, a própria condição
humana da mulher, negando a ela sua própria imagem e intimidade, quando expostas em redes
sociais e amplamente divulgadas, contra sua vontade e, na maioria dos casos, enviadas por um
ex-parceiro, como meio de chantagem ou intimidação.

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DE APLICAÇÕES DA INTERNET EM CASO DE


REVENGE PORN NO BRASIL

50
O instituto da responsabilidade civil, em sentido amplo, “(...) é a obrigação imposta a
qualquer pessoa de reparar o dano causado a outrem em decorrência de seus atos, ou pela
atividade de pessoas ou coisas dela dependentes” (DIAS, 2004).
Dentro desse instituto, destacam-se dois sistemas configuradores: a responsabilidade
subjetiva e a objetiva. No primeiro, há três pressupostos simultâneos: a conduta antijurídica, o
dano e o nexo de causalidade. Já no segundo, não há o elemento subjetivo: basta que se tenha
a demonstração do dano e o nexo de causalidade com o agente causador, salvo casos de
excludentes da responsabilidade (PARENTONI, 2009).
Marcel Leonardi (2012) refere-se à responsabilidade civil no ciberespaço, explicando:

Normalmente, atos ilícitos cometidos por meio da Internet envolvem pelo menos três
agentes: o autor do ilícito, a vítima e um intermediário. [...] No âmbito da Rede, esse
intermediário é, quase sempre, um provedor que oferece aos seus usuários diversos
serviços, conforme a natureza de suas atividades: infraestrutura, acesso, correio
eletrônico, hospedagem, conteúdo, busca, entre outros (LEONARDI, 2012, p. 262).

A responsabilidade de intermediários ganhou visibilidade a partir da tendência dessas


soluções digitais em monetizar a inserção de conteúdos de usuários. Elas não oferecem o
conteúdo: oferecem a ferramenta para que o material seja produzido e postado, de forma que
os usuários interajam entre si (BULGARELLI; NERIS; VALENTE, 2016).
Buscava-se entender qual era a medida e os liames da responsabilidade dos provedores
de conteúdo de terceiros quanto a atos ilícitos. A jurisprudência do STJ, nesse ponto,
encaminhava para responsabilizar a aplicação da Internet quando havia divulgação de conteúdo
ofensivo pelos usuários após a notificação extrajudicial, sistema conhecido internacionalmente
como notice and takedown (BRASIL, 2012). Entretanto, como qualquer pessoa pode requisitar
a remoção de algum conteúdo, há risco de censura no caso de publicações lícitas, motivo por
que esse método é controverso.
O Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14, traça parâmetros acerca dos princípios,
garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. No artigo 19 (BRASIL, 2014), a
lei alterou o entendimento anterior, isentando os provedores de aplicações de responsabilidade
civil até o momento em que receberem uma ordem uma ordem judicial para remover o conteúdo
danoso. Esse novo sistema ficou conhecido como judicial notice and takedown. Boa parte da
doutrina considerou essa disposição como um bom meio-termo entre a tutela da privacidade e
da liberdade. Entretanto, essa necessidade de ordem judicial pode ser dispensada nos casos da
pornografia de vingança se, após notificação expressa da vítima, o provedor se mantiver inerte,
conforme artigo 21 (BRASIL, 2014) do referido Marco Civil. É dizer, a depender da

51
sensibilidade da matéria, as aplicações devem adotar o notice and takedown como regra. Vale,
nesse caso, o procedimento extrajudicial, sob pena da aplicação ser solidariamente responsável.
Recentemente, em 28 de maio de 2020, o STJ condenou uma aplicação da Internet a
pagar indenização a uma mulher que, após o fim de um relacionamento, teve fotos íntimas
divulgadas sem sua autorização numa rede social por seu ex-companheiro.

“Essa decisão representa um grande marco para a sociedade. Ela permite aos titulares
dos dados o poder de limitar que sua intimidade seja exposta e ainda impõe uma
responsabilidade de moderação e controle para as empresas fornecedoras de soluções
de redes sociais”, avalia o ethical hacker e professor do Instituto Brasileiro de
Mercados de Capitais (Ibmec/DF) Alex Rabello. (BRASIL 61, 2020).

Dessa forma, fica clara a responsabilidade subjetiva dos provedores em caso de omissão,
ou seja, da sua inatividade em remover o conteúdo, apesar da notificação extrajudicial ou
judicial.

4. MECANISMOS JURÍDICOS COMBATIVOS À PRÁTICA DO REVENGE PORN

Além da seara Penal, com a criminalização da conduta do revenge porn, é importante


analisar e propor medidas preventivas e repressivas também na área cível, com inspiração no
direito comparado – de acordo com as compilações de Neris, Ruiz e Valente (2017).
A província de Manitoba, no Canadá, criou, no ano de 2016, o Intimate Image
Protection Act, com medidas que incluem: o direito de pedir indenização a quem distribui as
imagens íntimas sem consentimento, ou foi negligente ao obtê-lo, além de pedir a devolução
ou destruição do material íntimo; a assistência para que o material seja retirado da Internet; a
assistência para resolver conflitos com quem tenha posse da imagem ou que a distribuiu; e o
fornecimento de informações sobre remédios legais, principalmente.
A Nova Zelândia criou, em 2015, o Harmful Digital Communications Act, que
estabeleceu uma agência, a Net Safe, para investigar e resolver casos de comunicação digital
danosa. A agência facilita que se chegue a soluções extrajudiciais, além de aconselhar as
vítimas, orientar sobre segurança na Internet, educar o público em geral e colaborar com os
provedores de conexão e conteúdo, para que a lei tenha eficácia.
Na Dinamarca, foram feitos materiais educativos sobre o assunto em portais oficiais
sobre educação. No ano de 2016, o Ministério da Educação promoveu uma campanha para
jovens com a hashtag “#stopdigselv”, da qual participaram influenciadores digitais famosos,
que produziram vídeos sobre a questão, alcançando quase 1 milhão de visualizações. Em 2017,
as escolas contaram com uma hotline para que os alunos se reportem ou tirem dúvidas sobre

52
como lidar com a situação. Na seara das políticas públicas, há a previsão de capacitação e
treinamento de pessoas em instituições investigativas e judiciárias, visando a uma maior
denúncia do crime, além de um melhor preparo dos funcionários para atendimento e orientação
às vítimas.
Na Alemanha, a decisão da Corte Federal de Justiça que estabeleceu que o
consentimento da posse de imagens íntimas pelo parceiro cessa ao fim do relacionamento
ganhou destaque internacional. A Corte considerou os direitos da personalidade da ex-parceira,
já que o conteúdo sexual das imagens era de índole privada.
Por fim, na Austrália, o governo promoveu, em 2017, um portal para assistir vítimas de
abusos pelo uso de sua imagem. Nesse site as vítimas poderão acessar as leis aplicáveis em cada
estado sobre essa prática, receber auxílio para conseguir a retirada do conteúdo danoso,
instruções para se reportar à polícia, modelos de petição etc.
No Brasil, apesar da carência por políticas públicas específicas, há um canal unificado
do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que repassa orientações e
registram denúncias de violência contra crianças, mulheres, idosos e outros grupos socialmente
vulneráveis, inclusive crimes virtuais. Contudo, é possível ver que a criação de canais
específicos de auxílio e orientação a vítimas, aliada a políticas educacionais, oferece maior
eficácia e agilidade ao tratamento da pornografia de vingança.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A internet efetivamente alterou o processo de interação humana. A modernidade líquida,


traçada por Bauman (2011), é eivada por uma fluidez e inconstância nas relações. Há dois
fenômenos em destaque: a crise da privacidade e a decadência das relações inter-humanas. “A
pornografia de vingança lida com a inconsistência dos amores hodiernos e a liquidez dos dados
informáticos, perpassando o privado e o público numa velocidade sem precedentes.”
(BORGES; PILOTO, 2016).
Quanto aos aspectos práticos no tratamento do revenge porn, para além das questões do
Direito Penal, insurge o debate sobre a responsabilidade de aplicações da internet sobre
conteúdo postado por terceiros. Anteriormente à lei nº 12.965/2014, utilizava-se o sistema da
notificação extrajudicial para gerar a obrigação dos desses serviços para retirar conteúdos
sensíveis. O Marco Civil sedimentou esse entendimento para a exposição não consentida de
conteúdo sexual, no seu artigo 21, pelo que não é necessária uma notificação judicial para só
então determinar a remoção do conteúdo.

53
A respeito dos mecanismos de combate ao revenge porn, além dos instrumentos
educacionais, sobre os quais a Dinamarca insurge como um bom exemplo a ser seguido,
emerge, no Brasil, a necessidade de se criar políticas públicas específicas, a fim de prover um
maior suporte e orientações às vítimas, como ocorre na Austrália.
A complexidade desse tema e da problemática envolvida revela que, para que haja uma
minimização dos efeitos negativos da pornografia de vingança, deve haver uma cooperação que
envolve múltiplos setores da sociedade e do governo, para que haja conscientização e
desconstrução de ideologias sexistas, que culminam na violência de gênero, inclusive no
ciberespaço.

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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º REsp 1.642.997/RJ 2016⁄0272263-
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Relator: ANDRIGHI, Nancy. Diário da Justiça eletrônico, Brasília - DF, 12 de set. de 2017.
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Acesso em: 14 de jun. de 2020.

55
OS DESAFIOS NA UTILIZAÇÃO DE MECANISMOS TECNOLÓGICOS NO
COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO
THE CHALLENGES IN THE USE OF TECHNOLOGICAL MECHANISMS IN
COMBAT OF GENDER VIOLENCE

Flavia Ferreira Abreu


Maria Clara Farah Munayer Souki

Resumo
Este projeto de pesquisa pretende analisar a aplicação da tecnologia, incluindo inteligência
artificial, no combate à violência de gênero, que mesmo com os avanços tecnológicos, sociais
e políticos, continua aumentando. A partir da pesquisa foi possível inferir três desafios na
utilização dos mecanismos tecnológicos: a ausência de democratização no acesso à internet; a
prevalência de mecanismos focados apenas na denúncia e a dissociação das informações
coletadas. Para tanto, o método de abordagem a ser utilizado é o dedutivo, por meio da
análise de dados, qualitativos e quantitativos, coletados em pesquisa bibliográfica de artigos,
notícias e pesquisas realizada pelo governo.

Palavras-chave: Violência doméstica, Tecnologia, Gênero, Inteligência artificial,


Abordagem dedutiva

Abstract/Resumen/Résumé
This research project intent to analyse the application of technology, including artificial
intelligence, in combat of gender violence, that even with technological, social and political
advances, continues to increase. Thought the research was possible to infer three challenges
in the use of technological mechanisms: the lack of democratization in internet access; the
prevalence of mechanisms focused only on the charges and the dissociation of the
information collected. For that, the approach method to be used is the deductive, through the
analysis of data, qualitative and quantitative, collected in bibliographic research of articles,
news and research conducted by the government.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Domestic violence, Technology, Gender, Artificial


intelligence, Deductive approach

56
57

INTRODUÇÃO

Durante o isolamento social, ocasionado pela pandemia do Covid-19, houve um


crescimento drástico no número de denúncias de violência doméstica. É evidente que esse
crescimento ocorre por forte influência da crise enfrentada e pela maior permanência em casa.
No entanto, esses fatos demonstraram uma realidade, já existente, mas por vezes ignorada, de
que apesar de todos os avanços tecnológicos, políticos e sociais as mulheres ainda não estão
seguras.
No mesmo sentido, nota-se que mesmo com a promulgação da Lei Maria da Penha
(BRASIL, 2006), da lei que prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de
homicídio (BRASIL, 2015) e da criação de diversos projetos de iniciativa privada e pública, o
Brasil é o quinto país com maior taxa de feminicídios (ONU, 2016).
Nesse cenário, com os avanços tecnológicos mundiais, uma série de projetos foram
criados com o objetivo de modificar essa realidade. Contudo, mesmo com tantos progressos, o
número de vítimas de violência doméstica continua crescendo (FBSP, 2019), o que torna o
tema de extrema relevância e complexidade, sendo necessário a pesquisa e o debate sobre ele.
Importante destacar que esse é um assunto multidisciplinar que atinge questões
relacionadas à cultura e estereótipo. Assim, o objetivo desta pesquisa é analisar de maneira
inicial os desafios, na adoção da tecnologia no combate à violência contra a mulher e levantar
possíveis soluções.
Para tanto, o método de abordagem a ser utilizado é o dedutivo, por meio da análise
de dados, qualitativos e quantitativos, coletados em pesquisa bibliográfica de artigos, notícias
e pesquisas realizada pelo governo.

DESENVOLVIMENTO

A partir da pesquisa até então realizada foi possível inferir três desafios para a
utilização da tecnologia no combate à violência contra a mulher: a ausência de
democratização no acesso à internet; a prevalência de mecanismos focados apenas na
denúncia e a dissociação das informações coletadas.
O primeiro desafio é o índice significativo de brasileiros que não possuem acesso a
internet. Segundo a Pesquisa TIC Domicílios de 2018, 27% das mulheres brasileira não
58

possuem acesso à internet. ​A pesquisa aponta, ainda, que 71% das mulheres que utilizam a
internet possuem conexão móvel de baixa velocidade e 74% das pessoas acessam a internet de
aparelhos telefônicos que, normalmente, são fracos e com pouca memória, o que não permite
o ​download​ de vídeos, aplicativos e nem documentos (BRASIL, 2019).
Logo, é questionável a eficácia de projetos tecnológicos, uma vez que a maioria deles
utiliza a rede mundial de computadores e, assim, parte considerável das brasileiras ficariam
excluídas.
Ressalta-se, ainda, que mulheres em situação de violência doméstica se encontram
em situação de vulnerabilidade e não é incomum que o agressor retire todos os seus meios de
agir, inclusive o celular, exigindo acesso pleno ao aparelho telefônico ou confiscando-o.
Noutro giro, 96% dos brasileiros possuem acesso à canais abertos de televisão (TIC
DOMICÍLIOS, 2019). Ocorre que, na maior parte das vezes, os programas televisivos que
exploram a questão da violência doméstica e familiar contra a mulher, representam a vítima
de forma muito vitimizada e pouco politizada.
Além disso, os homens são retratados com "desvios", tais quais vício em bebidas
alcoólicas ou outras substâncias psicotrópicas ou distúrbios psicológicos. Assim, transmite-se
a ideia de que a violência ocorre em casos esporádicos, determinados por fatores "externos"
ou "psicológicos".
Ademais, em sentido oposto às divulgações feitas pela grande mídia, nas redes
sociais há o incentivo à denúncia e há informação de como fazê-la. Com isso, é possível uma
maior interação e autonomia das vítimas e evita o discursos de preconceitos e estereótipos, o
que encoraja a denúncia.
Nesse viés, a informação é essencial, uma vez que está diretamente relacionada à
conscientização, que é o principal meio de prevenção. Assim, é importante observar se os
projetos tecnológicos utilizados no combate à violência contra a mulher são efetivos e
acessíveis a todas.
O segundo desafio ​observado é resultado de uma dinâmica vista em toda a sociedade:
a hipervalorização do sistema penal. Nota-se que a maior parte dos projetos desenvolvidos
atualmente é focado no incentivo e na facilitação à denúncia, mas deixam de prestar um
acompanhamento mais amplo às vítimas.
59

É evidente a importância de mecanismos de denúncia, porém, deve-se avaliar se


apenas a denúncia contra o agressor gera o efeito almejado, ou seja, a diminuição da
violência.
Nesse sentido, observou-se que durante o isolamento social houve um aumento no
número de registros de denúncias, no entanto, aumentaram, também, o número de
feminicídios o que indica que a violência doméstica não diminuiu com o aumento das
denúncias.
Em São Paulo o aumento dos feminicídios chegou a 46% na comparação de março
de 2020 com março de 2019 e duplicou na primeira quinzena de abril. No Acre o crescimento
foi de 67% no período e no Rio Grande do Norte o número triplicou em março de 2020
(FBSP, 2020).
Isso, porque, o sistema penal não trata a raiz do problema: a desigualdade entre
homens e mulheres e os padrões de comportamento atribuídos aos gêneros, que normalizam
dominação, submissão e sentimento de posse. ​É esse o entendimento da professora e filósofa
Angela Davis, em entrevista no programa Espaço Público da TV Brasil afirmou:
Estou com as pessoas que acreditam que simplesmente criminalizar a
violência doméstica não basta para erradicá-la. Eu me preocupo com as
vítimas da violência conjugal. E também porque é uma das formas mais
comuns de violência no mundo. É uma forma de violência que ocorre em
quase todo o mundo, inclusive nos países onde ela foi criminalizada. O
índice de violência contra a mulher, de violência de gênero, não diminuiu.
Alguma coisa está errada. (DAVIS, 2014).
Nessa perspectiva é importante salientar que, segundo pesquisa realizada em 2019,
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 39% dos autores de violência doméstica são
cônjuge, companheiro, namorado, ex cônjuge, ex companheiro ou ex namorado da vítima
(FBSP, 2020). ​Assim, o fato de mulheres em geral estarem emocionalmente envolvidas com o
agressor, muitas vezes dependendo economicamente dele, gera importantes implicações tanto
para a dinâmica do abuso quanto para as medidas necessárias.
Esse envolvimento com o agressor torna toda a situação da vítima muito mais
delicada. Essa mesma pesquisa aponta que 44,3% das vítimas sofreram violência emocional e
moral, como ameaças, amedrontamento e perseguição, o que atinge diretamente sua
autoestima, identidade e autonomia (FBSP, 2020). Por esses tipos de violência não deixarem
60

marcas físicas, muitas vezes, são ignorados ou menosprezados. Contudo, geram danos
gravíssimos às vítimas.
Desta forma, foi levantada a hipótese, como uma possível solução, de implementação
de medidas que empoderem as vítimas, por meio da independência financeira e da criação de
redes de apoio, retirando-as da dependência e submissão. Além disso, outro ponto levantado
foi o trabalho de desconstrução dos estereótipos de gênero com os agressores.
Por fim, a terceira questão a ser pontuada é a dissociação das informações coletadas.
Nesse ângulo, muitos dos projetos ​observados ​contam com análise e organização de
dados coletados, utilizando, para isso, inteligência artificial. É esse o caso do aplicativo Chega
de Fiu Fiu, que conta com um mapa das violências sofridas por mulheres, expondo as regiões
de maior ocorrência de cada tipo.
A plataforma, atualmente, é utilizada pelas mulheres para se protegerem e
denunciarem. Cabe ressaltar, porém, que não são todas as vítimas que possuem acesso a esse
programa, quer seja por falta de acesso a uma rede de computadores eficiente, quer seja por
falta de divulgação da existência do aplicativo.
Contudo, notou-se que esses dados coletados pela iniciativa privada não são utilizados
para qualificar estatísticas criminais e identificar e direcionar ações de prevenção e repressão
no​ desenvolvimento de políticas públicas.
Importante destacar que as políticas públicas são um complemento essencial para o
combate à violência doméstica, uma vez que os dados apresentados demonstraram que apenas
a legislação vigente não foi capaz de reduzir o número de vítimas.
Nesse cenário, o aperfeiçoamento na gestão de informações permite elaborar
diagnósticos sobre o crime por meio de produções estatística, que caracterizariam o fenômeno
identificando o perfil da vítima e do autor, as razões de gênero, o local, dia e horário mais
recorrentes e a existência ou não de registro na polícia de violência anterior.
Ademais os dados coletados devem objetivar, não só calcular as taxas do crime, mas
também suas causas. Isso pois, para uma prevenção eficiente à criminalidade, não basta o uso
da tecnologia e a coleta de dados, deve haver, também, uma definição exata a respeito de
como a tecnologia será aplicada e quais os resultados esperados.
Dessa forma, seria possível demonstrar as fragilidades das investigações e das
políticas públicas e revelaria a realidade desse crime no país. Isso possibilitaria a criação de
mecanismos mais eficientes no combate à violência doméstica.
61

CONCLUSÃO

Na presente pesquisa, verificou-se que o uso de mecanismos tecnológicos no


combate à violência de gênero possui grande potencial. Contudo, enfrenta desafios que
dificultam uma aplicação eficaz, que de fato diminua o número de casos.
Portanto, através de uma análise inicial, foram levantadas as hipóteses de uma
democratização do acesso a tecnologia, a abordagem além do incentivo à denúncia e a
aplicação prática dos dados coletados, para maior efetividade dos projetos existentes e dos
que venham a ser criados.
Uma possível solução seria a criação de projetos acessíveis por qualquer dispositivo,
como, por exemplo, páginas ​online​, que não necessitam de aparelho com alta velocidade e
nem com muito espaço de armazenamento. Assim, os projetos ficariam acessíveis a todas as
brasileiras.
Além disso, notou-se a necessidade da expansão e divulgação dos projetos que
garantam o empoderamento feminino, por meio do trabalho digno e da criação de redes de
apoio que incentivem o diálogo e a desconstrução dos estereótipos patriarcais.
Observou-se, também, a importância da organização dos dados coletados pelo
governo e por instituições privadas, visando o seu estudo e qualificação. Assim, seria possível
o desenvolvimento de políticas públicas de prevenção e repressão qualificadas e direcionadas
à violência contra a mulher.

Por fim, é importante destacar que a presente pesquisa não esgotou todas as questões
que permeiam a problemática apresentada, sendo necessário o aperfeiçoamento e
aprofundamento em alguns pontos e a inclusão de novas discussões.

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OS IMPACTOS SOCIAIS DOS DEEPFAKES: UMA BREVE ANÁLISE SOBRE UM
NOVO INSTRUMENTO DE MANIPULAÇÃO EM MASSA NO PERÍODO
ELEITORAL
THE DEEPFAKES’S SOCIAL IMPACTS: A BRIEF ANALYSIS OF A NEW
INSTRUMENT OF MASS MANIPULATION IN THE ELECTORAL PERIOD

Isadora Guimarães e Silva

Resumo
A presente pesquisa explora como a inovação digital pode afetar o processo eleitoral. Suas
considerações centrais são análises de como os deepfakes, um recurso tecnológico capaz de
realizar edições audiovisuais, pode ser usado como ferramenta para manipular a opinião
popular durante as eleições. Termina destacando como a popularização desse instrumento,
criado por meio da inteligência artificial, possibilitou com que candidatos moldassem a
opinião pública conforme seus interesses, e como isso representar um sistemático ataque à
democracia. A pesquisa pertence à vertente jurídico-sociológica e, quanto a investigação, é
classificada como jurídico-projetiva.

Palavras-chave: Deepfakes, Inteligência artificial, Eleições, Democracia

Abstract/Resumen/Résumé
This research explores how digital innovation can affect the electoral process. Its main
considerations are analyzes of how deepfakes, a technological resource capable of making
audiovisual editions, can be used as a tool to manipulate popular opinion during elections. It
ends by highlighting how the popularization of this instrument, created by artificial
intelligence, allowed candidates to shape public opinion according to their interests, and how
it represents a systematic attack on democracy. The research belongs to the legal-sociological
aspect and, as for the investigation, it is classified as legal-projective.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Deepfakes, Artificial intelligence, Elections,


Democracy

64
1 INTRODUÇÃO
Quando a tecnologia e a ciência se tornaram fontes primordiais e indispensáveis para
o progresso, teve início a discussão de até que ponto elas representariam meios legítimos e
democráticos de se alcançar a tão almejada modernização das instituições. No momento em que
se compreende o progresso como uma derivação da inovação científica e tecnológica, tem-se
por conclusão lógica que tal inovação seria a resposta para que o meio social, econômico e
político, estivesse em constante estado de evolução.
Entretanto, a realidade ainda se encontra longe desse cenário. O que se tem, de fato,
beira uma ditadura de desinformações, quase imperceptível aos olhos dos desatentos. A
tecnologia garante amplo acesso a informações, mas ela se tornou um mecanismo de
manipulação e de propagação de conteúdos falsos, muitas vezes postos à disposição de pessoas
autoritárias e com grande poder de influência social.
É neste contexto que se discute a percepção dos deepfakes, um recurso tecnológico
responsável por realizar edições audiovisuais, utilizando a inteligência artificial, para combinar
e sobrepor o rosto de pessoas, com sincronização de movimentos, à imagens e sons
preexistentes. A existência do deepfake sinaliza um enorme aperfeiçoamento dos mecanismos
tecnológicos que simulam uma inteligência similar à humana. Contudo, este recurso, em uma
segunda análise não estritamente tecnológica, representa uma nova forma de manipulação em
massa, que, a depender do contexto em que for utilizada, se torna um instrumento causador de
sistemáticos afrontes à democracia.
À vista disso, tem-se por objetivo central nesta pesquisa, traçar breves considerações
a respeito do impacto dos deepfakes no período eleitoral. Ao tomar como ponto de partida a
análise de como notícias falsas, intencionalmente difundidas nas redes sociais, são utilizadas
como uma forma estratégica de se obter vantagem eleitoral, este estudo pretende averiguar
como o avanço tecnológico tem se tornado um forte aliado em fraudes envolvendo alguns
candidatos a cargos públicos.
Assim, tendo como foco o estudo do deepfake, a presente pesquisa se propõe a seguir
a vertente jurídico-sociológica, no sentido de compreender esse recurso em um contexto social
mais amplo. Quando ao tipo de investigação, a pesquisa é classificada como jurídico-projetiva,
pois faz o levantamento de possíveis problemas que essa ferramenta tecnológica tem o potencial
de causar em uma sociedade durante o período eleitoral. Diante das informações coletadas,
também pretende-se compreender como os deepfakes instrumentalizam uma nova forma de
corrupção política e solidificam uma ameaça à democracia.

65
2 O QUE SÃO DEEPFAKES?
Ao contrário do que muitos podem pensar, os recursos de edição audiovisual não são
considerados inéditos no meio tecnológico. A indústria cinematográfica já faz uso dessa
ferramenta há muitos anos, sendo responsável por rejuvenescer o rosto de atores em filmagens,
criar rostos para compor cenas, dentre outras possibilidades. Contudo, o termo deepfake, só
passou a ser utilizado para se referir a vídeos feitos a partir de inteligência artificial,
responsáveis por sincronizar movimentos, vozes e expressões faciais, no final do ano de 2017.
Na época, o termo ganhou maior visibilidade a partir da divulgação de vídeos adulterados com
conteúdo pornográfico envolvendo celebridades. Posteriormente, outras figuras públicas, como
o empresário Mark Zuckerberg, e até mesmo o Ex-Presidente dos Estados Unidos, Barack
Obama, tiveram suas imagens atreladas a vídeos com conteúdo falso. Desde então, todos os
vídeos editados com essa tecnologia, mesclando imagens e sons humanos, passaram a ser
conhecidos como deepfakes (FONTES, 2019).
O termo deepfake vem da junção das expressões deep learning e fake, que, em tradução
livre, significam aprendizado profundo e falso, respectivamente. De acordo com Paris;
Donovan (2019), os deepfakes são produzidos através do machine learning, uma modalidade
da inteligência artificial que utiliza de algoritmos para construir previsões que possibilitam que
um sistema identifique modelos e tome decisões por conta própria, sem a interferência humana.
O deep learning se baseia em redes neurais, e está, cada vez mais, sendo utilizado por cientistas
da computação para sofisticar a transformação de mídias em novas versões completamente
falsas, mas com sons e movimentos sincronizados aos originais.
Paris; Donovan (2019) ressaltam que não são apenas os cientistas da computação que
possuem acesso às técnicas do deepfake. De acordo com as pesquisadoras, a criação de
softwares de animação, como o Adobe After Efects, possibilita com que qualquer pessoa com
um conhecimento básico de computação consiga criar vídeos adulterados através do machine
learning. Com isso, se tornou possível encontrar diversos aplicativos à disposição dos usuários
da internet, que proporcionam a rápida e fácil criação de vídeos com conteúdo falso e ilusório.
À vista dessas primeiras considerações, passa a ser viável discutir os impactos
causados com a recente popularização das deepfakes no âmbito de um processo eleitoral. A
forma com que esse mecanismo pode ser utilizado pelos usuários é vasta, e ela vem ganhando
um crescente espaço no contexto das campanhas eleitorais. O uso de um instrumento que ajusta
sons, falas e imagens de pessoas, de um modo extremante realístico, é o mais novo risco a ser
enfrentado durante o período eleitoral.

66
3 OS DEEPFAKES EM TEMPOS DE ELEIÇÕES
As eleições de 2018 ficaram marcadas pela massiva disseminação de notícias falsas
pelo aplicativo de mensagem WhatsApp. A rapidez com que as informações podem ser
transmitidas por meio do aplicativo, passou a ser utilizada a favor daqueles que desejavam
espalhar conteúdos que pudessem prejudicar a campanha dos seus adversários. Mesmo embora
as circulações de boatos envolvendo candidatos, já existissem em outras eleições, em 2018 elas
passaram a ser popularmente conhecidas como fake news.
Em um primeiro momento, é importante ressaltar que os deepfakes podem ser usados
com o mesmo propósito das fake news durante o processo eleitoral. Os deepfakes, na verdade,
nada mais são do que um instrumento com potencial de criar uma notícia falsa, através de
recursos tecnológicos mais sofisticados que envolvem a sincronização audiovisual. Assim, em
ambos os casos, a finalidade dos dois instrumentos em campanhas eleitorais é a mesma:
espalhar informações inverídicas com o objetivo de se obter vantagem eleitoral. A única
diferença reside no modo com que essa notícia falsa será criada, ou seja, como ela chegará ao
seu destinatário, seja por meio de uma manchete de uma reportagem ou por meio de um vídeo.
Dentro dessa discussão, destaca-se a noção de pós-verdade e como ela se relaciona
com a propagação de notícias falsas. O Dicionário Online de Cambridge, conceitua o termo
como sendo um adjetivo “relacionado a uma situação na qual as pessoas têm maior
probabilidade de aceitar um argumento baseado em emoções e crenças, em vez de baseado em
fatos” (Tradução nossa)1 (POST-TRUTH, 2020). Nesse contexto, é importante salientar que o
motivo do apelo que as fake news e os deepfakes causam, está justamente no seu conteúdo de
caráter sensacionalista. O fato de buscarem repercussão através de escândalos e
posicionamentos extremistas e radicalizados, faz com que o discurso que sustentam sejam bem
mais atrativos aos olhos da população na era da pós-verdade, onde pouco se busca saber a
respeito da veracidade das informações adquiridas.
A conjunção de todos esses fatores é o que faz com que a disseminação de notícias
falsas seja usada como estratégia em campanhas eleitorais. A era da pós-verdade e o avanço
tecnológico, juntos, acabam se tornando uma técnica de manipulação em massa. A partir do
momento em que as pessoas estão mais propensas a acreditar em mentiras do que em verdades,
uma vez que elas são mais atrativas às suas crenças pessoais, uma ferramenta que possibilita a
criação de vídeos capazes de manipular sons e imagens se mostra uma oportunidade promissora
para que políticos moldem a opinião pública ao seu bem querer.

1
No original: Post-truth. Adjective relating to a situation in which people are more likely to accept an argument
based on their emotions and beliefs, rather than one based on facts.

67
Esse cenário é facilmente vislumbrado ao se imaginar a seguinte situação hipotética:
suponha que, às vésperas das votações, dois candidatos dividam a opinião pública, sendo que,
um deles, construiu toda a sua reputação através de discursos rasos, radicalizados e, muitas
vezes, inverídicos, mas que, mesmo assim, foram rapidamente aceitos como verdades pela
população por representarem posicionamentos que coadunam com suas crenças pessoais.
Suponha, ainda, que este mesmo candidato resolva utilizar do deepfake para criar um vídeo
falso do outro candidato emitindo uma opinião nitidamente contrária à pública. É certo o
impacto que esse vídeo irá causar na campanha do candidato, bem como o benefício que trará
à campanha do outro, podendo, inclusive, leva-lo à vitória.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que este é o principal risco que o deepfake representa
em um processo eleitoral. Utilizar da inteligência artificial para manipular reproduções
audiovisuais, criando novas versões extremamente realistas, se trata de um atentado à opinião
popular. Isso acontece a partir do momento em que a população pode ser levada a acreditar em
uma mentira e, até mesmo, a desacreditar em informações verídicas disponibilizadas pelos
veículos oficiais de informações. Os deepfakes propiciam campanhas de descrenças,
promovendo a difamação de candidatos adversários. Essa manipulação da opinião popular por
meio de vídeos adulterados representa um claro afronte à democracia.

4 OS DEEPFAKES COMO UM ATENTADO À DEMOCRACIA


Na era da pós-verdade, os deepfakes, se tornaram estratégias eleitorais de manipular a
opinião pública através da desinformação. Os deepfakes tem o poder de fazer com que os meios
de informações oficiais pareçam menos confiáveis aos olhos da população, em razão da verdade
chamar menos a atenção das pessoas mais propensas a acreditar em discursos de cunho radical
e sensacionalista. Sobre esse aspecto, D’Ancona (2018, p. 46-50 apud FIRMINO; FIRMINO,
2018, p. 228), entende que:

A fragilidade institucional contribuiu para o fortalecimento da “indústria


multibilionária da desinformação”, que trabalha com a difusão sistemática de mentiras
por “organizações de fachada a favor de grupos de interesse que desejam suprimir a
informação precisa ou impedir que outros grupos ajam contra eles”. O autor explica
ainda que as campanhas de desinformação têm como propósito semear dúvida, em
vez de triunfar de imediato no “tribunal da opinião pública” e que “a ascensão dessa
indústria traiçoeira coincidiu com a metamorfose maciça da paisagem midiática e com
a revolução digital” (D’ANCONA, 2018, p. 46-50).

Isso significa que a ascensão dos recursos tecnológicos, utilizados no âmbito do


processo eleitoral, se tornaram uma espécie de “indústria de desinformações”, utilizada com o

68
propósito de confundir a opinião pública a favor dos “grupos de interesse”. A manipulação das
crenças populares por meio dos deepfakes representa um sistemático ataque aos aspectos
basilares de uma democracia, como a garantia de acesso a informações e a garantia de eleições
livres e inidôneas. De acordo com Ovadya, pesquisador da Universidade da Columbia, os danos
que os deepfakes tem o potencial de causar, não coloca apenas a democracia em cheque, mas
também leva com que “a capacidade das pessoas de reagir a tantas mentiras bem-feitas pode
chegar a quase zero. Seria o efeito da ‘apatia’ – os cidadãos deixariam apenas de tentar entender
o que é real e o que é inventado”. (VIANA; ZANATTA, 2018).
À vista dessas considerações, é possível perceber que agora enfrenta-se uma nova
espécie de ditadura, a da desinformação. Segundo o sociólogo Manuel Castells, os recursos
tecnológicos, que deveriam nos direcionar à liberdade e ser a nossa principal fonte de
informações, acaba por ser o mecanismo responsável pela falta de conhecimento e o que
justamente nos afasta da liberdade. Ainda de acordo com o pensamento do sociólogo, o fato do
mundo se reger por algoritmos e outros mecanismos de inteligência artificial capazes de
apreender os gostos de determinado público alvo, facilita com que só chegue a essas pessoas as
informações que elas já sabem que irão concordar. Esse fato inaugura uma ditadura do
pensamento único, regida pela disseminação sistemática de desinformações. (HOWES, 2019).
Nesse contexto, Castells também evidencia que tudo que envolve pensamento e
raciocínio critico passa ser perigoso aos olhos de quem detém o poder. Por esse motivo se torna
necessário suprimir informações, para que as pessoas não tenham recursos para contestar a
forma de poder que as oprime. E é justamente por isso que a manipulação das massas pode ser
vista sob a ótica de uma ditadura, tendo em vista a falta de transparência e a tentativa de se
restringir os direitos individuais através da supressão de informações. (MARQUES, 2019).
Dessa maneira, se torna possível compreender de forma mais nítida o impacto dos
deepfakes em uma democracia. A criação de vídeos falsos em uma campanha eleitoral pode ser
responsável por alterar todo o sentido das votações de um país. Essa manobra política, de
desinformar uma população para se chegar ao poder, é um evidente ataque aos princípios
democráticos de um Estado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente estudo viabilizou a análise de alguns aspectos basilares
que devem ser levados em consideração ao se observar um processo eleitoral. A busca
incessante pelo poder remete ao pensamento de que os fins justificam os meios. Essa frase, já
tão amplamente discutida e conhecida pelo público na atualidade, tem feito com que inúmeros

69
políticos utilizem das mais variadas façanhas em campanhas eleitorais no objetivo de obterem
alguma vantagem que os levem ao poder.
É neste exato contexto que os deepfakes vem tomando espaço na seara política. Um
recurso digital capaz de sincronizar sons e falas com vídeos originalmente existentes, criando
novos vídeos extremamente realistas, cujo conteúdo é modificado conforme a vontade do
operador, tem sido usado como um instrumento para se chegar ao poder. A criação de um
deepfake tem a capacidade de moldar a opinião pública, levando-os a acreditar, e até mesmo a
desacreditar em determinadas informações, cuidadosamente selecionadas conforme o interesse
de grupos políticos. Na era da pós-verdade, a população possui uma tendência maior a acreditar
em discursos sensacionalistas e sem comprometimento com a verdade. Nesse contexto, os
deepfakes representam uma forma de manipulação que atinge, de forma pontual, as crenças
pessoais daqueles mais propensos a acreditar em falas radicalizadas do que na verdade.
Diante desse cenário, é possível concluir que os deepfakes passaram a ser um recurso
utilizado como uma fonte sistemática de disseminação de mentiras, gerando cada vez mais
descrédito aos veículos oficiais de informações. A propagação intencional de conteúdo falso
evidencia a tentativa de se instalar um novo tipo de ditadura, a da desinformação. A privação
de fontes legítimas de informação, bem como a construção de eleições pautadas em mentiras é
um claro e inequívoco afronte à democracia. Percebe-se que, por mais que o poder dos
governantes derive do povo, não é em nome da população que ele vem sendo exercido. Assim
sendo, conclui-se que, por mais que os deepfakes representem o processo de inovação digital
em seu auge, eles vêm sendo utilizados com intenções antidemocráticas em determinados
contextos. Essa nova finalidade com que esse recurso tem sido empregado, acaba por colocar
em cheque a legitimidade de processos eleitorais ao redor de todo o mundo.

6 REFERÊNCIAS
D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news.
Tradução: Carlos Szalak. 1ª. ed. Barueri: Faro Editorial, 2018 apud FIRMINO, Thaiane;
FIRMINO, Thais. Resenha: “Pós-verdade”, de Matthew D’Ancona. Passagens: Revista do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará. Ceará,
vol. 9, p. 225-232, mar. 2018. Disponível em:
http://www.periodicos.ufc.br/passagens/article/view/39825. Acesso em: 10 jun. 2020.

70
DONOVAN, Joan; PARIS, Britt. Deepfakes and Cheap Fakes, The Manipulation of Audio and
Visual Evidence. Data & Society, 18 set. 2019. Disponível em:
https://datasociety.net/library/deepfakes-and-cheap-fakes/. Acesso em: 9 jun. 2020.

FIRMINO, Thaiane; FIRMINO, Thais. Resenha: “Pós-verdade”, de Matthew D’Ancona.


Passagens: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Ceará. Ceará, vol. 9, p. 225-232, mar. 2018. Disponível em:
http://www.periodicos.ufc.br/passagens/article/view/39825. Acesso em: 10 jun. 2020.

FONTES, Cel Swami de Holanda. Muito além das fake news: as deepfakes. Defesanet, 7 nov.
2019. Disponível em: http://www.defesanet.com.br/tecdi/noticia/34804/Muito-alem-das-fake-
news--as-deepfakes/. Acesso em: 9 jun. 2020.

HOWES, Guilherme. Ditadura da desinformação. Diário, 7 ago. 2019. Disponível em:


https://diariosm.com.br/colunistas/2.4254/ditadura-da-desinforma%C3%A7%C3%A3o-
1.2158506. Acesso em: 11 jun. 2020.

MARQUES, George. ‘Vocês estão vivendo um novo tipo de ditadura’, avalia sociólogo Manuel
Castells sobre governo Bolsonaro. Revista Forum, 17 jul. 2019. Disponível em:
https://revistaforum.com.br/politica/voces-estao-vivendo-um-novo-tipo-de-ditadura-avalia-
sociologo-manuel-castells-sobre-governo-bolsonaro/. Acesso em: 12 jun. 2020.

POST-TRUTH. In: DICIONÁRIO Cambridge Advanced Learner’s Dictionary & Thesaurus.


Cambridge: Cambridge University Press, 2020. Disponível em:
https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/post-truth. Acesso em: 13 jun. 2020.

VIANA, Natalia; ZANATTA, Carolina. Deep fakes são ameaça no horizonte, mas ainda não são
arma para eleições, diz especialista. Publica Agência de Jornalismo Investigativo, 16 out. 2018.
Disponível em: https://apublica.org/2018/10/deep-fakes-sao-ameaca-no-horizonte-mas-ainda-
nao-sao-arma-para-eleicoes-diz-especialista/. Acesso em: 11 jun. 2020.

71
OS LIMITES ÉTICOS E JURÍDICOS DA PESQUISA COM CÉLULAS TRONCO
EMBRIONÁRIAS NO BRASIL
THE ETHICAL AND LEGAL LIMITS OF THE STUDY WITH EMBRYONIC STEM
CELLS

Laura Maria Caldeira Reis 1

Resumo
Este projeto de pesquisa pretende analisar as limitações éticas e jurídicas para a pesquisa e
manipulação de células tronco embrionárias, investigando o contexto que envolve tal
investigação no âmbito do Direito. Esse tipo de pesquisa, por garantir possíveis tratamentos
para doenças consideradas incuráveis, é permitida para fins de pesquisa e terapia. Contudo,
para tal, há limitações éticas e jurídicas, de forma a garantir direitos à vida e à dignidade
humanas. A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. O
tipo de investigação, pertence à classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo
jurídico-compreensivo. Predominará o raciocínio dialético.

Palavras-chave: Bioética, Biodireito, Limites éticos e jurídicos, Células tronco


embrionárias, Terapia genética

Abstract/Resumen/Résumé
This study treats the ethical and legal limits of embryonic stem cells research, looking into
the context that envelops this kind of investigation regarding Law studies. This kind of
research can guarantee treatments for diseases considered uncurable, which is why it’s
allowed for study and therapy. However, there are ethical and legal limitations for it to
happen, in order to ensure the rights to life and dignity. Therefore, the methodological line
adopted was juridical sociological. The technique, part of the designation by Witker (1985)
and Gustin (2010) was theoretical research, the type was juridical comprehensive. The
reasoning was mainly dialectical.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Bioethics, Biolaw, Ethical and legal limits,


Embryonic stem cells, Genetic therapy

1 Graduanda em Direito, modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

72
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente estudo apresenta seu nascedouro no tema que aborda a pesquisa e


manipulação de células tronco embrionárias, na perspectiva da conciliação dessas investigações
com as racionalidades ética e jurídica. Esse assunto requer uma análise minuciosa, já que a
terapia com esse tipo de célula garante possíveis tratamentos para doenças e inaptidões
consideradas incuráveis, ao mesmo tempo que apresenta profundos impactos em princípios
éticos e jurídicos.
As células tronco embrionárias são caracterizadas por serem muito versáteis, sendo
capazes de se autorreplicarem e se diferenciarem em diferentes tipos celulares do corpo
humano. O desenvolvimento das investigações com esse tipo de célula fornece aos
pesquisadores ferramentas para modelar doenças, testar drogas e desenvolver terapias efetivas.
Dessa forma, as pesquisas com células tronco embrionárias possibilitam o desenvolvimento da
terapia celular, que tem em vista o tratamento e cura de doenças vistas como insanáveis, por
exemplo, leucemia, Parkinson, epilepsia e até mesmo Alzheimer.
Contudo, apesar dos benefícios garantidos através desses estudos para o
desenvolvimento da humanidade, em especial na área da saúde, a manipulação das células
tronco embrionárias é um tópico alvo de acirradas controvérsias. Isso, porque para a obtenção
do material genético utilizado nas investigações, ocorre, necessariamente, a destruição do
embrião. A partir disso, instalaram-se diversas controvérsias envolvendo esse assunto, sem que
houvesse um consenso sobre quais seriam as limitações éticas e jurídicas ideais para possibilitar
o progresso das terapias celulares de forma constitucional.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica, e a
técnica foi a pesquisa teórica. No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação
de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-compreensivo. O raciocínio desenvolvido na
pesquisa será predominantemente dialético. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a analisar o
contexto que envolve as investigações com células tronco embrionárias nos âmbitos ético e
jurídico, de forma a constatar os benefícios da terapia com essas células ao mesmo tempo em
que se analisa o processo legislativo e as legislações relacionadas ao assunto.

73
2. A COMPLEXIDADE DA QUESTÃO DA PESQUISA COM CÉLULAS
TRONCO EMBRIONÁRIAS

Segundo o Instituto de Pesquisa com Células Tronco (2016), as células tronco


embrionárias são capazes de autorrenovação, podendo constituir diversos tipos de tecido do
corpo humano. Elas são encontradas no embrião apenas durante um período de quatro a cinco
dias após a fecundação. Nesse estágio, as células ainda não estão totalmente especializadas,
sendo versáteis o suficiente para que possam ser programadas para desenvolver funções
específicas.
A partir da garantia dessa capacidade, houve um crescente interesse da comunidade
científica voltado para a medicina regenerativa, que é o principal foco, na atualidade, da terapia
celular. Essa área da medicina é responsável pelo desenvolvimento de tratamentos em que se
busca a substituição de células ou tecidos lesados, senescentes ou perdidos, tendo como objetivo
restaurar sua função original (ZAGO, 2006, p. 110 apud AYRES BRITTO, 2008). É nesse
cenário que se destaca o emprego de terapias genéticas por meio das células tronco
embrionárias.
Segundo Lewandowski (2008), acredita-se que, através delas, a Medicina superará a
“mera interrupção do avanço de doenças agudas ou crônicas, obtida com tratamentos
convencionais, para lograr a restauração de funções orgânicas perdidas”. Tal fato explica a
atenção que essa possibilidade de terapia desperta, já que as moléstias que são alvos desses
tratamentos constituem causas de morte, como, por exemplo, doenças cardíacas, câncer e
pneumopatias (ZAGO, 2006, p. 110 apud AYRES BRITTO, 2008).
Contudo, a busca pela utilização de células tronco embrionárias para fins terapêuticos
fez com que o tema se tornasse alvo de acirradas controvérsias. Uma das polêmicas que
surgiram com as investigações é acerca da obtenção desse material genético, já que isso implica
a interrupção do desenvolvimento de um embrião, podendo gerar impactos negativos às futuras
gerações. Toda a questão gira em torno do fato de não haver um consenso sobre a possibilidade
de os embriões em fase tão incipiente merecerem direitos legais e morais iguais aos das pessoas
nascidas, por carregarem material genético humano (ROSA, 2010).
Dessa forma, percebe-se que, junto ao avanço da biotecnologia, surgem
questionamentos éticos e jurídicos relacionados à pesquisa e manipulação de células tronco
embrionárias. Portanto, esse tema requer um debate cuidadoso de forma a analisar a maneira
com que as racionalidades ética e jurídica se conciliam com o progresso científico e tecnológico
no que diz respeito a essa possibilidade de terapia genética. A partir dessa noção, para a ideal

74
compreensão do tema apresentado, é necessário um estudo aprofundado sobre as polêmicas
acerca das investigações com células tronco embrionárias.
Segundo Naves e Freire (2008):

Não é nossa intenção contrariar os avanços da biotecnologia, mas ainda não perdemos
nada que tenha sido pensado e desenvolvido por nossos cientistas. A manipulação de
embriões humanos é, além disso, uma discussão moral e deve ser feita com cautela.
Dissemos isso porque a investigação biogenética está dominada por interesses de
investigadores, juntamente com a pressão dos governos que reivindicam ações que
tenham uma boa resolução. Dessa forma, não é preciso esforço para concluir que o
desenvolvimento biotecnológico revela uma dinâmica que ameaça os longos
processos normativos de esclarecimento na esfera pública.1 (NAVES; FREIRE DE
SÁ, 2008; p.91, tradução nossa).

A teoria conceitual proposta pelos autores impõe que a manipulação de embriões


humanos para fins de pesquisa e terapia é um fator que requer uma discussão moral cautelosa,
já que, além dos interesses dos pesquisadores, observa-se certa pressão por parte das instituições
governamentais para que sejam observados resultados nas pesquisas. Além disso, eles
concluem que a biotecnologia, por estar em constante evolução, impede que a esfera jurídica
estabeleça regulamentos que sejam de fato eficientes ou esclarecedores, o que faz com que nem
juristas nem cientistas sejam capazes de dar uma resposta definitiva para a questão.
Portanto, a questão da pesquisa e manipulação de células tronco embrionárias é
extremamente polêmica e, por isso, dificulta a delimitação de normas esclarecedoras na esfera
pública.

1
No es nuestra intención contrariar lo avances de la biotecnología, pero aún así no haremos de menos a todo lo
que ha sido pensado y desarrollado por nuestros científicos. La manipulación de embriones humanos es, además,
una discusión moral y debe tomarse con cautela. Hemos dicho eso porque la investigación biogenética está
dominada por intereses de investigadores, unida a la presión de los gobiernos que reivindican acciones que tengan
una buena resolución. Así no se necesita esfuerzo para concluir que el desarrollo biotecnológico revela una
dinámica que amenaza a derribar los largos procesos normativos de esclarecimiento em la esfera publica. (NAVES;
FREIRE DE SÁ, 2008; p.91).

75
3. ARTIGO 5° DA LEI DE BIOSSEGURANÇA E AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE N° 1310

A extrema relevância da questão da pesquisa e manipulação de células tronco


embrionárias a torna uma das maiores controvérsias éticas da atualidade. Essa polêmica é
evidenciada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/DF, ajuizada pela Procuradoria-
Geral da República contra o artigo 5º da Lei 11.105/05, em que o Supremo Tribunal Federal
julgou a constitucionalidade das pesquisas com células tronco embrionárias à luz da proteção à
vida humana (COÊLHO, 2017). São as disposições do referido artigo:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco


embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não
utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta
Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3
(três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com
células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e
aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua
prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
(Brasil, 2005)

O artigo 5° da Lei 11.105/05, popularmente conhecida como Lei de Biossegurança,


autoriza a utilização de células tronco embrionárias para fins de pesquisa científica e tratamento
médico. Essa autorização vale, apenas, para embriões produzidos laboratorialmente, devendo
ser inviáveis e congelados por mais de três anos. É obrigatória também o consentimento dos
genitores, bem como a aprovação dos projetos por comitês de ética e pesquisa. A lei, também,
proíbe toda espécie de comercialização do material coletado.
De acordo com a petição inicial dessa ADI, a utilização, em pesquisas ou terapias, de
células tronco embrionárias coletadas de embriões para fertilização in vitro, mas que seriam
descartados depois, viola o direito à vida e o princípio da dignidade humana, respectivamente
protegidos no artigo 1º, inciso III, que fundamenta a proteção à dignidade humana; e no artigo
5º, que declara a garantia do direito à vida, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
Sob esse prisma, o representante do Ministério Público Federal alegou que o artigo 5° é
inconstitucional, retirando o embrião da tutela da Constituição, em desconsideração à vida
humana ali existente (ADI 3.510/DF).

76
Devido a extrema complexidade do tema, o STF autorizou a participação, no debate,
de instituições como a Conectas Direitos Humanos, o Centro de Direitos Humanos, o Movitae,
e o Instituto de Bioética e Direitos Humanos e Gênero. Essa admissão teve como objetivo
garantir o controle concentrado de constitucionalidade a partir da permissão do “ingresso de
segmentos representativos da sociedade brasileira no processo de delimitação dos significados
da Constituição Federal de 1988, concretizando o que Peter Häberle denominou de ‘sociedade
aberta dos intérpretes da Constituição.’” (HÄBERLE, 2002, p. 42-43, apud COÊLHO, 2017).
Além da participação dessas instituições, houve a realização inédita de audiência
pública como forma de colher depoimentos de autoridades no que se diz respeito à pesquisa
com células tronco embrionárias. Contudo, mesmo após o esclarecimento de questões
científicas e jurídicas, os ministros mantiveram posicionamentos distintos em relação à
constitucionalidade da manipulação dessas células, o que fez com que permeassem as
discussões sobre a abordagem jurídica ideal para esse tipo de investigação.
Os ministros concordaram em relação a necessidade de realização das pesquisas, mas
apresentaram visões distintas em relação às limitações que deveriam ser aplicadas para tal. Seis
dos ministros concordaram que não havia necessidade de modificar o artigo, afirmando que ele
impõe as barreiras jurídicas necessárias para que as investigações mantenham um padrão ético.
Outros dois ministros, além de defenderem a constitucionalidade da lei, sugeriram que as
pesquisas deveriam ser rigorosamente fiscalizadas por um órgão central. Os três ministros
restantes opinaram que as pesquisas só deveriam ser feitas se os embriões ainda viáveis não
fossem destruídos para a retirada das células tronco. Por fim, após as discussões, o STF decidiu
que as pesquisas com células tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a
dignidade da pessoa humana (STF, 2008).

77
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, conclui-se que, apesar da pesquisa e manipulação de células


tronco embrionárias ser alvo de recorrentes discussões desde o início do século XX, essa
questão ainda é alvo de acirradas controvérsias no âmbito jurídico. Tal fato, junto à análise das
diversas visões éticas e jurídicas apresentadas em relação a esse tipo de investigação, revela a
complexidade desse tema, além de sua extrema importância na realidade contemporânea.
Com os votos e justificativas de votos dos ministros e instituições que tomaram parte
na ADI 3.510/05, conclui-se também que, a terapia com as células tronco embrionárias tem
como objetivo o tratamento de diversas moléstias aparentemente incuráveis, o que serve como
garantia à vida, à saúde e à dignidade humanas. Contudo, ainda há a questão de que essas
mesmas garantias não são garantidas ao embrião.
Dessa forma, é possível compreender uma necessidade de conciliar o avanço da
medicina regenerativa ao progresso da terapia genética através de constantes e cautelosos
estudos e debates. Então, para o desenvolvimento dessa área da Medicina, são necessários os
limites éticos e jurídicos para a pesquisa, estabelecidos em meio à polêmica e complexidade do
tema, de forma a garantir a constitucionalidade das investigações envolvendo a manipulação de
células tronco embrionárias.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf.
Acesso em: 13 maio 2020.

BRASIL. INTITUTO DE PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO. Células-tronco


embrionárias. IPCT. 2016. Disponível em: http://celulastroncors.org.br/celulas-tronco-
embrionarias/. Acesso em: 09 maio 2020.

BRASIL. Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º


do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm. Acesso em:
26 abr. 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510/DF.


Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, [2008]. Disponível
em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso
em: 13 de maio 2020.

78
BRITTO, Carlos Ayres. Justificativa de voto - Ação Direta de Inconstitucionalidade
3.510/DF. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, [2008]. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso em: 13
de maio 2020.

COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. A Nova Constituição: A constitucionalidade das


pesquisas com células-tronco. Conjur. 2017. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2017-jul-16/constituicao-constitucionalidade-pesquisas-celulas-
tronco. Acesso em: 29 abr. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – A sociedade aberta dos intérpretes da


Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da
Constituição. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002 apud COÊLHO, Marcus
Vinicius Furtado. A Nova Constituição: A constitucionalidade das pesquisas com células-
tronco. Conjur. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jul-16/constituicao-
constitucionalidade-pesquisas-celulas-tronco. Acesso em: 29 abr. 2020.

LEWANDOSKI, Ricardo. Células Tronco - Supremo Tribunal Federal. STF, 2008.


Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510RL.pdf.
Acesso em: 26 abr. 2020.

NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima Freire.


Biotecnología y aspectos relevantes de la Nueva Ley de Bioseguridad. 4ª ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008. Disponível em: https://mega.nz/file/SUElkbza#XOjY5gl8N-BI--
yIiUulx3HAy5UW3dPTXU4qBKwERVg. 30 abr. 2020.

ROSA, Carlos Alberto Pessoa. 2010. Células-Tronco e Bioética. Centro de Bioética.


Disponível em: http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=BioeticaParaIniciantes&id=29. Acesso
em: 11 maio 2020.

STF libera pesquisas com células-tronco embrionárias. 2008. Migalhas. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/quentes/61522/stf-libera-pesquisas-com-celulas-tronco-
embrionarias. Acesso em: 14 maio 2020.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

ZAGO, Marco Antônio. Células-tronco, a nova fronteira da medicina. 1.ed. Atheneu editora,
2006 apud BRITTO, Carlos Ayres. Justificativa de voto - Ação Direta de
Inconstitucionalidade 3.510/DF. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, [2008]. Disponível
em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723. Acesso
em: 13 de maio 2020.

79
OS PROBLEMAS DE ACESSO AO DIREITO À SAÚDE DA POPULAÇÃO DE
BAIXA RENDA EM ÉPOCA DE PANDEMIA
THE PROBLEMS OF ACCESS TO THE RIGHT TO HEALTH OF THE LOW-
INCOME POPULATION IN TIME OF PANDEMIA

Victor Santiago Drumond Silva

Resumo
Dissertar sobre a realidade da saúde no Brasil traz à tona as mazelas presentes no cenário das
populações de baixa renda, que por sua vez, vivem em locais onde o Estado não consegue
alcançar. Ao persistir em uma estrutura precária, traz como consequência o descaso com seu
povo. O presente projeto de pesquisa avalia sobre os problemas de acesso à esses direitos, a
fim de evidenciar falhas estatais e procurar analisar esta realidade. A pesquisa proposta
pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. Quanto à investigação, pertence à
classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo. Predominará o
raciocínio dialético.

Palavras-chave: Direito à saúde, População de baixa renda, Garantia de direitos, Direitos


humanos, Coronavirus

Abstract/Resumen/Résumé
Talking about the health in Brazil brings to light the ills present in the scenario of low-
income populations, who in turn, live in places where the State is unable to reach. As it
persists in a precarious structure, it results in neglect of its people. The present research
project assesses the problems of access to these rights, in order to highlight state failures and
seek to analyze this reality. The proposed research belongs to the juridical-sociological
methodological aspect. About the investigation, it belongs to the classification of Witker
(1985) and Gustin (2010), the legal-projective type. Dialectical reasoning will predominate.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Health law, Low-income population, Guarantee of


rights, Human rights, Coronavirus

80
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa apresenta seu início no tema que aborda a questão da


necessidade da garantia de direitos à saúde para a população de baixa renda em meio a crise
do coronavírus. Vê-se que, em um breve panorama, pandemias tendem a prejudicar o povo de
forma instantânea e massiva, como ocorreu com a Peste Bubônica e a Gripe Espanhola,
trazendo crises tanto na área da saúde quanto na área econômica (RODRIGUES, 2020). É
notória a realidade que brasileiros e brasileiras estão passando com suas necessidades, com a
recomendação de não ocupação de seus antigos postos em comércios e trabalhos autônomos
por virtude do vírus. De forma preocupante, por motivos da realidade em que estão inseridos,
resolvem enfrentar e se expor à possibilidade de infectar-se à passar necessidades ou depender
do incerto.
Em primeiro viés, nota-se o problema sanitário vigente. O povo não consegue ter um
acesso à saúde inteiramente pleno, tanto pela questão da estrutura das áreas que são
majoritariamente ocupadas pela população de menor renda quanto pela estrutura de seus
serviços de saúde. São presentes a insalubridade, os sucateados hospitais públicos, inchaços
na fila do SUS, desrespeito ao próprio cidadão e falta de zelo por suas necessidades básicas,
que por sua vez também influenciam na saúde. Um país que, por sua vez, possui um sistema
de saúde à frente do seu tempo, demonstra, para o cenário mundial, a forma decepcionante
que o indivíduo é amparado.
Em um segundo viés, percebe-se como a situação econômica afeta essas classes. É
comum presenciar em trabalhadores autônomos ou a assalariados a ânsia para retorno aos seus
postos. Não é uma realidade fácil, exige bastante do brasileiro de classe baixa, a ponto de
demonstrar seu ímpeto para trabalhar independente do COVID-19, não por sua vontade
própria, mas por necessidade, sendo esse reflexo de uma conjuntura histórica que exige
reparação. O Estado deve atentar-se constantemente para o cenário disposto, procurando
auxiliar financeiramente da melhor forma, assim reduzindo a disseminação da pandemia nos
morros e comunidades.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Dessa maneira, a pesquisa se propõe a averiguar a possível
existência de falhas do Estado em sua capacidade de cumprir com os direitos previstos e se
este está conseguindo atender as necessidades básicas dos cidadãos.

81
2. OS DIREITOS À SAÚDE E A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA
BRASILEIRA.

Após a conquista do direito à saúde pelo movimento da Reforma Sanitária, de acordo com o Art.
196 da Constituição Federal brasileira, é disposto que todo cidadão tem direito ao acesso à saúde
e é dever do Estado garanti-la, nas seguintes palavras: “A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Porém, em meio a pandemia, é notório o
número de pessoas que estão sofrendo com reflexos dos problemas estruturais que o Brasil
passa. A respeito do cenário do Direito à saúde e o governo, Sueli Gandolfi Dallari comenta:

Contudo, atualmente a saúde não tem apenas um aspecto individual que respeita
apenas a pessoa. Não basta que sejam colocados à disposição dos indivíduos
todos os meios para promoção, manutenção ou recuperação da saúde para que o
Estado responda satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo.
Hoje os Estados são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a
proteger a saúde contra os perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de
seus próprios cidadãos. A saúde “pública” tem um caráter coletivo. O Estado
contemporâneo controla o comportamento dos indivíduos no intuito de
imperdir-lhes qualquer ação nociva à saúde de todo o povo. E o faz por meio de
leis. É a própria sociedade por decorrência lógica que define quais são esses
comportamentos nocivos e determina que eles sejam evitados, que seja punido o
infrator e qual a pena que deve ser-lhe aplicada. Tal atividade social é expressa
em leis que a administração pública deve cumprir e fazer cumprir. (DALLARI,
1988, pg. 4)

O Estado portanto é, necessariamente, determinado à garantir a saúde para seus cidadãos, de


forma a não agredi-la ou lhe deixar para uma espécie de “segundo plano”. Vale também
ressaltar a necessidade do aspecto que o próprio governo precisa ocupar, sendo explicada nas
palavras de Dallari:
O mundo contemporâneo, com o grande desenvolvimento dos meios de
comunicação evidenciou que o nível de saúde de um povo é dependente do seu
nível de desenvolvimento socio-econômico e cultural. De fato, não basta a
existência de serviços destinados à promoção, proteção e recuperação sanitária
adequados e em número suficiente, nem a existência de normas legais prevendo
todas as hipóteses de agravos à saúde pública, se o Estado não tiver atingido um
nível tal de desenvolvimento sócio-econômico e culltural que lhe permita dispor
de todos os recursos técnicos existentes, atender a todas as necessidades de
infra-estrutura e possuir uma população educada para a saúde. Assim, o Estado
subdesenvolvido que não possui todos os recursos técnicos conhecidos para o
tratamento de certas patologias, que não dispõe de meios econômicos para
promover o saneamento ambiental ou que não educou sua população para a
saúde, não pode atingir o mesmo nível sanitário daquele desenvolvido que já
emprega tais recursos sócio-econômicos e culturais. (DALLARI, 1988, pg.4)

Pode-se perceber um dos notórios problemas do Brasil. Com a falta de investimento e


preocupação em relação às populações de baixa renda, fora demonstrada, nessa pandemia, a
82
fragilidade do sistema como um todo. Para além do quesito tecnológico dito acima na citação, é
interessante evidenciar que, ao avançar dos anos, o acesso à informação se tornou ainda mais
versátil e, por causa disso, consegue-se ter uma maior noção da realidade que esse público
supracitado está passando. A população sofre constantemente com faltas de acesso à serviços
públicos em vários ambientes de vivência, e dessas, a saúde não se exclui, pois entender o não
cumprimento da expectativa de atendimento à saúde pelo Estado corrobora para o não
desenvolvimento de uma sociedade, é entender que inevitavelmente, em tempos de crise,
sofrerão as consequências de forma drástica, como é retratadado no cenário brasileiro. É
extremamente comum ver situações de precariedade no Brasil e, dentro de uma pandemia
calamitosa, os impactos são profundamente duros e impiedosos, portanto, estes são, novamente,
uma prova do tamanho dos desdobramentos drásticos que são causados na vida de milhões de
brasileiros.

3. A ECONOMIA E A SAÚDE DOS BRASILEIROS

Destarte, é importante evidenciar a luta diária dos cidadãos para o ganho da própria renda. O
quadrinho divulgado pelo instagram do Leandro Assis, conhecido como “Confinada”, possui
uma fala de uma das personagens: “Só o que a gente sabe é que pobre morre à toa. É bala
perdida, dengue, covid... E se a gente tem que arriscar a vida trabalhando, pelo menos a gente
também vai se divertir. Porque tudo pode acabar num piscar de olhos pra gente” (ASSIS, 2020) e
a música AmarElo do Emicida: “Só eu e Deus sabe o que é não ter nada, ser expulso, Ponho
linhas no mundo, mas já quis pôr no pulso, Sem o torro, nossa vida não vale a de um cachorro,
triste, Hoje cedo não era um hit, era um pedido de socorro” (EMICIDA,2019) revelam a
dificuldade que essas pessoas de baixa renda passam em sua rotina, com fome fundamentalmente
de recursos;
Ver que o Estado brasileiro falha em diversos âmbitos sociais e principalmente na garantia de
uma qualidade de vida plena dos cidadãos mostra o quão abastadas estão as classes menos
privilegiadas da sociedade. Este último citado setor da sociedade, independentemente da
pandemia, sai a trabalho para ganhar seu sustento diário, e não se demonstra por uma opção, e
sim por questão de sobrevivência. A situação se torna ainda mais drástica quando é revelado
pelo IBGE que há cerca de 36,8 milhões de trabalhadores autônomos no Brasil (IBGE..., 2020) e
101 mil pessoas em situação de rua (A TRIBUNA, 2019) estão em possibilidade de exposição
ao vírus de forma periculosa por estarem em meio as ruas, e o Estado, por sua vez, não está
aplicando políticas públicas suficientes para impedir que essa população sofra com o contágio.

83
Não é novidade para o cenário brasileiro a sua “fraqueza” frente à crises mundiais, a estrutura
precária que atende a população sofre com instabilidades facilmente. Mesmo que de forma
controlada, um dos reflexos dessas instabilidades fora a reabertura dos comércios, em meio a um
recorde de 36.602 mortes (CASOS..., 2020), revelando novamente a precariedade do sistema
brasileiro, que não consegue suportar uma crise que exija uma certa perturbação econômica.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, verifica-se que a partir da situação dos problemas do Estado em


relação ao âmbito da saúde resultaram em desdobramentos negativos nas classes sociais
menos privilegiadas. Ao analisar as situações em que o Estado falha em setores de
fornecimento de serviço à saúde e economia, é possível entender as consequências trazidas
frente à pandemia, como a percepção da possível não contenção de inchaços em leitos,
equipamentos desatualizados e descaso com as necessidades básicas de sua população.
Para a vertente da saúde, torna-se evidente que o Estado precisaria investir em planos
e fornecimento de verba melhor elaborados para conseguir sustentar uma crise no âmbito da
saúde como a presente. Um dos grandes empecilhos para a não contenção dessa pandemia são
as consequências acarretadas desse erro. Para a vertente econômico-salutar, demonstra-se que
não haverá, por parte dos brasileiros, uma pausa efetiva em relação ao exercício de suas
atividades remuneradas, pelos motivos de precariedade do sistema, o autossustento e não
segurança das incertezas que podem advir do isolamento, as quais podem resultar em
problemas no âmbito familiar e no âmbito brasileiro como um todo.
Em pauta, vê-se que os problemas que assolam o país, além de intensamente
divulgados pelos meios de comunicação modernos, estão expostos para o panorama exterior,
com a realidade do Brasil sendo tratada como preocupante. O avanço do vírus dentro do país
possui alta taxa de periculosidade, portanto sendo fundamentalmente necessário se preocupar
com o povo.

5. REFERÊNCIAS

AMARELO. Emicida, Majur e Pabllo Vittar. Rio de Janeiro: Youtube, 30 out. 2019. 1 vídeo (9
min). Publicado por Emicida. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=PTDgP3BDPIU. Acesso em: 9 de Jun. 2020.

ASSIS, Leandro. Confinada, uma série em quadrinhos de @Leandro_assis_ilustra e


@soulanja, N10- Amor à vida. Porto Alegre, 5 de Jun. 2020. Instagram: Leandro Assis
@leandro_assis_ilustra. Disponível em:
84
https://www.instagram.com/p/CBDOwq_JW0i/?igshid=7ggktywm5gei. Acesso em: 08 Jun.
2020.

A TRIBUNA. Ipea registra crescimento de moradores de rua no Brasil. A Tribuna. Rio de


Janeiro, 28 jan. 2019. Disponível em:
https://www.atribunarj.com.br/ipea-registra-crescimento-de-moradores-de-rua-no-brasil/. Acesso
em: 8 Jun. 2020.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em:
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/art_196_.asp#:~:text=
Art.,sua%20promo%C3%A7%C3%A3o%2C%20prote%C3%A7%C3%A3o%20e%20recupera
%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 8 Jun. 2020.

DALLARI, S.G. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Scielo. Rev. Saúde públ., São Paulo,
22:327-34, 1988. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
89101988000400008&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 5 maio. 2020

G1. Casos de coronavírus e número de mortes no Brasil em 8 de junho. G1. São Paulo, 8 Jun.
2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/08/casos-de-coronavirus-e-numero-
de-mortes-no-brasil-em-8-de-junho.ghtml. Acesso em: 8 Jun. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

REDAÇÃO Rba. IBGE aponta que 38,6 milhões de brasileiros trabalham na informalidade.
Nível bate recorde. Rede Brasil Atual. São Paulo, 2 Set. 2019. Disponível em:
https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2019/09/ibge-sem-carteira-assinada-informalidade/.
Acesso em: 8 Jun. 2020

RODRIGUES, Letícia. Conheça as 5 maiores pandemias da história. GALILEU. Porto Alegre,


Rio Grande do Sul. 29 Mar. 2020. Disponível em:
https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/03/conheca-5-maiores-
pandemias-da-
historia.html#:~:text=A%20doen%C3%A7a%20%C3%A9%20considerada%2C%20historica
mente,de%20pessoas%20para%20350%20milh%C3%B5es.&text=A%20doen%C3%A7a%2
0atormentou%20a%20humanidade%20por%20mais%20de%203%20mil%20anos. Acesso
em: 08 Jun. 2020.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para el
estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

85
86
PERIFERIA: A VOZ E A CARA DA RESISTÊNCIA
PERIPHERY: THE VOICE AND FACE OF RESISTANCE

Fernando Campos Nazare

Resumo
Os Direitos Humanos visam assegurar a dignidade das pessoas que, como seres humanos,
têm a garantia de não serem tratadas como coisas ou serem submetidas a tratamentos que não
condizem com o status de Ser Humano. Neste trabalho, descreveremos brevemente o que
moradores de um bairro periférico do município de Belém do Pará têm feito para modificar o
olhar em relação a população pobre da cidade, criando um coletivo que tem como objetivo
quebrar estereótipos que recaem sobre a pobreza e como utilizam de multimeios tecnológicos
de comunicação para se fazer valer de direitos que não lhes são assegurados.

Palavras-chave: População periférica, Direito humanos, Tecnologia da comunicação,


Resistência

Abstract/Resumen/Résumé
Human rights aim to ensure the dignity of people who, as human beings, are guaranteed not
to be treated as things or to be subjected to treatments that do not match the status of Human
Being. In this paper, we will briefly describe what residents of a peripheral neighborhood in
the city of Belém do Pará have been doing to change the way they look at the city's poor,
creating a collective that aims to break stereotypes that fall on poverty and how they use it.
technological media of communication to assert rights that are not guaranteed to them.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Peripheral population, Human rights,


Communication technology, Resistance

87
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os Direitos Humanos nascem da necessidade de se enfatizar que todas as pessoas são
seres humanos e nesta condição merecem a respeitabilidade de serem tratadas como tal. É um
absurdo pesarmos que esse ramo jurídico é resultado de uma construção histórica, pois é algo
inerente a cada pessoa humana, direitos. Os Direitos Humanos, então, visam assegurar a
dignidade das pessoas que, como seres humanos, têm a garantia de não serem tratados como
coisas ou serem submetidos a tratamentos que não condizem com o status de Ser Humano.
Daí várias conquistas foram perseguidas para que pudéssemos usufruir com plenitude a
nossa humanidade, para que, assim como assegura a quinta dimensão dos direitos fundamentais,
o direito a felicidade como um deles.
Todavia, os poderes estatais, que deveriam ser os propulsores no que tange em assegurar
tais direitos que são inerentes as pessoas, não faram, mas ao contrário, o Estado será aquele
agente que violará o direito mater de cada ser social, de cada ser humano. O direito a vida de
cada pessoas, inerente com ser humano que é será ceifado pelo poder estatal, que não
simplesmente matará as pessoas, mas matará seletas pessoas de determinada classe social e,
ainda, marginalizará deixando-as vivendo em condições que se não é de ser humano.
Entendo tudo isso, dessa forma, faz-se necessário como resposta ao entendimento da
complexidade da situação acima elucubrada, entende-se que resistir é fundamental de modo a
unificar as lutas contra o genocídio da população pobre, compreendendo o recorte social que é
recaído àqueles que estatisticamente são os principais alvos desse sistema necropolítico da qual
o Estado se apoia para se manter soberano.
Com isso, neste trabalho de pesquisa, teve como objetivo descrever brevemente o que
moradores de um bairro periférico do município de Belém do Pará - bairro Terra Firme - têm
feito para modificar o olhar em relação a população pobre da cidade, criando um coletivo que
tem como objetivo quebrar estereótipos que recaem sobre a pobreza e como utilizam de
multimeios tecnológicos de comunicação para se fazer valer de direitos que não lhes são
assegurados. Partindo desse pressuposto, e visando sua organização e rigor acadêmico este
trabalho de pesquisa se fundamentou na análise de testos bibliográficos e de dispositivos
normativos como fonte primaria e, pelo conhecimento empírico, como fonte secundária, pela
análise das mídias produzidas pelo coletivo Tela Firme e publicada nas diversas redes sociais
para vizibilizá-lo.

88
2 A MÍDIA SENSACIONALISTA
Em Belém do Pará, assim como em outras metrópoles brasileiras, a Necropolítica é
empreendida contra a população que fica às margens dos grandes centros urbanos, as periferias.
Daí é interessante notar que a capital paraense apresenta especificidades do modo que a política
da morte se legítima. Há todo um enredo digno de filmes, com cenário, atores e roteiros
originais que acarretaram na retirada da vida, tornando culturalmente únicos os crimes de morte
em série nas periferias da Região Metropolitana de Belém. (NAZARÉ, 2019; p. 06)
Importante, neste primeiro momento pontuarmos o que a autora Marielle Franco
entende pela atuação estatal por meio das polícias nas favelas/periferias dos grandes centros
urbanos:
Há duas ações predominantes no Estado, frente aos territórios populares: tornar-se
ausente, ou não se faz absolutamente presente. Significa que o Estado sintetiza outra
face. As duas opções demonstram a escolha feita pelo Estado, quando sob a
prerrogativa da garantia de direitos, opta por baixos investimentos e poucos
equipamentos. E/ou marca a presença com o uso da força e da repressão,
principalmente por meio da ação policial. Reforça-se, assim, a visão predominante de
que favelas e periferias são locais de ausência, carência, onde predomina a
“vagabundagem”, ou a narrativa do assistencialismo, em um espaço considerado
território de “pobres coitados”. (FRANCO, 2014; p. 14)
É comumente veiculado em programas policiais de TV pseudojornalísticos inúmeros
casos de crimes cometido por pessoas que são referenciadas como inimigos de toda a sociedade,
essa é um ideia de que há uma guerra constante entre a “bandidagem” e a polícia. Essa narrativa
que visa o lucro causa a luta entre os membros da periferia onde aqueles que se consideram
‘cidadãos-de-bem’ apropriam-se de um discurso ditado pelos soberanos – o Estado e a classe
dominante – contra aqueles ‘cidadãos-do-mal’. Ou seja, os detentores da soberania subjugam a
população periféricas com auxílio desta para a produção de suas mortes. (NAZARÉ, 2019; p.
04)

3 O ACESSO A COMUNICAÇÃO E A TECNOLOGIA COMO DIREITOS HUMANOS


Em seu artigo 27º, a Declaração Universal dos Direitos Humanos nos traz a salvaguarda
no que concerne o direito a cultura, à expressão cultural, a liberdade de se expressar
culturalmente como pertencente a um grupo social, vejamos:
Artigo 27º
1.Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios
que deste resultam.
2.Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria.
Faremos referência a um coletivo do bairro Terra Firme, região periférica de Belém, que
tem o intuito mudar a forma como o lugar é visto e mencionado nos grandes veículos de

89
comunicação de massa – principalmente aqueles programas policialescos que já fora
mencionado neste trabalho –, que em sua maioria, através das matérias divulgadas,
criminalizam o bairro e seus moradores, o que acaba criando estereótipos de um espaço
violento. Os seus idealizadores produziram um documentário mostrando a indignação da
população periférica em relação das mortalidades de jovens e trazendo a retratação de quatro
chacinas ocorrida de 1994 à 2014 na região metropolitana da capital, bem como mostrando as
coisas e pessoas boas que fazem parte da periferia belenense. Por meio de produção audiovisual,
o coletivo Tela Firme veicula seu material através das redes sociais (YouTube e Facebook),
com o intuito de mostrar o que há de bom, os valores da periferia e a sintonia com os diversos
movimentos sociais que atuam na defesa da vida e dos direitos humanos. (NAZARÉ, 2019; p.
07)
Desta forma, a ressignificação dada à periferia e os sujeitos componentes desses espaços
sobre sua realidade nas produções comunicativas, que vão muito além da imagem negativa
construída pela mídia hegemônica. (COSTA, AMORIM, LIRA, 2017, p. 43)
Quando analisamos, por exemplo, o vídeo “Poderia ter sido você”, produzido pelo
Coletivo Tela Firme, considerado pelo Estado e grande mídia como um dos mais violentos da
capital paraense. Argumenta-se que ao elaborar produtos midiáticos independentes, o Coletivo
objetiva alternativas de cidadania, de enfrentamento e de empoderamento na sociedade
buscando reconfigurar o olhar sobre a periferia que ultrapassar o discurso simplista e
descontextualizado da violência local como uma única matriz possível no falar sobre o bairro.
(COSTA, AMORIM, LIRA, 2017, idem)
Em sua dissertação para obtenção do grau mestra a autora Luciana Gouvêa da Cunha
elucida a importância do referido coletivo como forma da garantia dos Direitos Humanos e dos
acesso cultural e comunicacional pelas populações marginalizadas pelo poder estatal:
Os vínculos comunicacionais e culturais potencializados pelas atividades de
Comunicação Comunitária, Popular e Alternativa do Tela Firme têm como base a
construção de outras formas de representação territorial e da população nas mídias.
Ao construir um discurso que apresente as atividades culturais dos moradores, as
opções de lazer, e discuta criminalidade e direitos humanos de maneira sensível, o
coletivo, a partir de seus diversos processos comunicacionais, tem o potencial de
contribuir para a existência de um elo simbólico entre os moradores do lugar e dá
início a novas concepções culturais e comunicacionais no bairro que favorecem a
partilha do comum, o fortalecimento e a visibilidade das redes de ação social ali
presentes. O trabalho do coletivo tem como público alvo prioritário os moradores do
bairro e as juventudes das periferias brasileiras. (CUNHA, 2018, p. 10)
Daí se mostra a importância para toda uma coletividade social do referido coletivo Tela
Firme num bairro periférico da capital paraense.

90
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como verificado durante todo o trabalho constatamos que o Estado não cumpre com
seu dever de proteger a vida de seus cidadãos e cidadãs, mas é o causador do extermínio
daqueles indivíduos em vulnerabilidade social e econômica. O breve relato feito sobre o Projeto
Tela Firme nos mostra que em decorrência da indiferença e ação letal do Estado é necessário
criar meios para que as populações de áreas marginalizadas se mantenham vivos e criem
mecanismos de combate aos preconceitos que sofrem.
Ter para si instrumentos capazes de efetivar direitos garantidos por meio de multimeios
de comunicação tecnológica tem sida a única maneira da população periférica belenense de se
apoderar de direitos que são seus e que reiteradas vezes o Estado, além de não lhes proporcionar,
que é sua obrigação, mas também interferir causando a mortalidade da classe social que está
em patamar de subordinação.

5 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil [recurso eletrônico]: texto
constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas
constitucionais nos 1/1992 a 105/2019, pelo Decreto legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas
constitucionais de revisão nos 1 a 6/1994. – 55. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2020.

BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos - Decreto Nº 19.841, de 22 de


outubro de 1945. Site do Planalto – Brasília: 2020.

COSTA, Alda Cristina Silva da; AMORIM, Célia Regina Trindade Chagas; LIRA, Adriana do
Socorro Campos de. “Poderia ter sido você": Cidadania e periferia. Revista Alterjor, 2017.
Disponívelem:
file:///home/chronos/ubc6b0cce5005c2915bf74e8228388627d5e62524/MyFiles/Downloads/1
23845Texto%20do%20artigo-244323-1-10-20170313.pdf. Acesso em 28. Mai. 2020.

CUNHA, Luciana Gouvêa da. Tela Firme, gravando!: A produção audiovisual do coletivo
Tela Firme no fomento dos vínculos culturais e comunicativos no bairro da Terra Firme,
em Belém (PA). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2018.

FRANCO, Marielle. UPP – a redução da favela a três letras: uma análise da política de
segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Administração)
- Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Administração, Ciências
Contábeis e Turismo da Universidade Federal Fluminense – UFF, 2014.

91
NAZARÉ, F. C. A Política da Morte: uma análise sobre a subjugação do direito à vida
pelo poder estatal, sob o aporte teórico de Achille Mbembe. Complexitas - Rev. Fil. Tem.
Belém, v. 4, n. 2, p. 19-26, jul./dec. 2019. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/complexitas/article/view/8051>. Acesso em: 30 de
janeiro de 2020.
TELA FIRME. Página no Facebook do Coletivo Tela Firme. Disponível em:
https://www.facebook.com/telafirme/.

______________. Canal no Youtube do Coletivo Tela Firme. Disponível em:


https://www.youtube.com/channel/UCqWGBbmj6LcE-Zlp_2pcFEA

92
QUILOMBOS, TECNOLOGIA E DECADÊNCIA: ACORDO DE SALVAGUARDAS
TECNOLÓGICAS DE ALCÂNTARA E A POLÍTICA DESAPROPRIATÓRIA NO
MARANHÃO
QUILOMBOS, TECHNOLOGY AND DECADENCE: ALCÂNTARA
TECHNOLOGICAL SAFEGUARDS AGREEMENT AND THE EXPROPRIATION
POLICY IN MARANHÃO

Kelda Sofia da Costa Santos Caires Rocha

Resumo
Durante a realização da mesa de diálogos intitulada "acordo de salvaguardas tecnológicas do
centro de lançamento de Alcântara: diálogos sobre os principais aspectos" ocorrida em 2019
na sede da OAB era perceptível o discurso de progresso e desenvolvimento, bem como o
tratamento das comunidades como ora opositoras ao desenvolvimento, ora empecilhos, ora
problemas a serem solucionados entre outros aspectos. Tendo em vista a riqueza do debate,
propõe-se discutir alguns aspectos suscitados pelos palestrantes confrontando com as
percepções sobre categorias como tecnologia, desenvolvimento e decadência. O contexto da
análise não comportará o cenário pandêmico.

Palavras-chave: Decadência, Desenvolvimento, Comunidades tradicionais

Abstract/Resumen/Résumé
During the dialogue table entitled "Technological safeguards agreement for the Alcântara
launch center: dialogues on the main aspects", which took place in 2019 at OAB
headquarters, the discourse on progress and development was noticeable, as well as the
treatment of communities as now opponents of development, sometimes obstacles,
sometimes problems to be solved, among other aspects. In view of the richness of the debate
, it is proposed to discuss some aspects raised by the speakers confronting the perceptions
about categories such as technology, development and decay. The context of the analysis will
not include the pandemic scenario.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Decadence, Development, Traditional communities

93
INTRODUÇÃO
Aconteceu no Estado do Maranhão em São Luís um encontro que visava
apresentar para os advogados os chamados “pontos controversos” do Acordo de
Salvaguardas Tecnológicas (AST) do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)
organizado por meio das Comissões de Direito Internacional, de Direito Marítimo,
Portuário e Aduaneiro e de Direitos Difusos e Coletivos da Ordem dos Advogados no
Brasil no Maranhão.
Durante a realização da mesa de diálogos intitulada "acordo de salvaguardas
tecnológicas do centro de lançamento de Alcântara: diálogos sobre os principais
aspectos" ocorrida em 2019 na sede da OAB era perceptível o discurso de progresso e
desenvolvimento, bem como o tratamento das comunidades como ora opositoras ao
desenvolvimento, ora empecilhos, ora problemas a serem solucionados entre outros
aspectos.
Por esse motivo, tendo em vista a riqueza do debate suscitado, propõe-se
discutir alguns aspectos suscitados pelos palestrantes confrontando com as percepções
sobre categorias como tecnologia, desenvolvimento e decadência. O contexto da análise
não comportará o cenário pandêmico. Utilizou-se o método indutivo partindo do estudo
dos discursos proferidos durante a mesa de diálogos para a percepção dos pressupostos
de avaliação das categorias elencadas que podem ou não confrontar o posicionamento
de outros agentes públicos.

1 QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA, CENTRO DE LANÇAMENTO E


POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA

Alcântara, segundo Müller (2010, p. 92) se trata de um município localizado


“[...] no extremo norte do Estado do Maranhão, nordeste do Brasil, há 22 quilômetros de
sua capital, São Luís, e possui uma área de 1.483 km”. Nos anos 80 a área atraiu o
interesse do Governo Federal em razão da sua localização geográfica estratégica para a
“instalação de um grande projeto desenvolvimentista de caráter tecnológico e militar em
seus territórios, o Centro de Lançamento de Alcântara – CLA” (ALMEIDA, 2006, p. 7),
pois se encontra próximo à linha do Equador e é cercado pelo oceano.

94
Segundo o mencionado por José Ribamar Monteiro (Coronel Monteiro) –
Superintendente do Patrimônio da União (informação verbal)1:
Alcântara é em toda a linha do Equador, o lugar mais privilegiado para o
lançamento de artefatos para o espaço. De todos na linha do Equador é o
melhor, e isso, por questões físicoespaciais e de combustível. O lançamento,
além de economia, precisa de simplicidade de manobras.

Nunes (2011, p. 26), por sua vez, descreve a área nos seguintes termos:
Localizado na região da Baixada Ocidental Maranhense, Alcântara é
recortada pelas Baías de Cumã a oeste e de São Marcos a sudeste; o oceano
Atlântico, situado ao litoral norte e nordeste, confere-lhe feições
peninsulares. Conforme os dados do censo demográfico de 2000 do IBGE, o
município possui uma população residente de 21.291 habitantes, sendo que
deste total apenas 27,8% reside na zona urbana.

O processo de desapropriação abrangeu 52 mil hectares em 1980 por parte do


governo do Estado do Maranhão no município de Alcântara com o propósito de
implantar a base de lançamento de foguetes. Cabe ressaltar que “[...] posteriormente
foram acrescidos mais 10 mil hectares, totalizando 65 mil hectares de um município
cuja área conta com pouco mais de 120 mil hectares” (NUNES, 2013, p. 3). O segundo
Decreto (BRASIL, 1991) que declarou de utilidade pública para fins de desapropriação,
áreas de terras e respectivas benfeitorias necessárias à implantação, pelo Ministério da
Aeronáutica, do Centro de Lançamento de Alcântara entrou em vigor durante o governo
de Fernando Collor e foi deflagrado pela União. O primeiro teve origem no governo do
Estado do Maranhão através do Decreto Estadual nº 7.320 de setembro de 1980 que
desapropriou 52.000 hectares do município com o propósito de implantar o Centro de
Lançamento (C.L.A.) e “[...] instituiu ameaças de expulsão das terras a totalidade das
famílias que residiam e trabalhavam nestas terras há muitas gerações” (LOPES, 2018, p.
2).
Nunes (2013, p. 3) aponta que além da desapropriação em si de mais da metade
da área do município, ocorreu o “[...] deslocamento compulsório de 312 famílias para
unidades administrativas denominadas de agrovilas, ocorrido em 1986-87”, bem como a
existência de uma série de atos visando restringir o “[...] uso dos recursos ecológicos, da
organização social prevalecente, bem como das manifestações culturais que têm
ameaçado as formas de existência coletiva dos diferentes grupos sociais”. A Fundação
Cultural Palmares, atualmente vinculada ao Ministério da Cidadania, contudo em 2013
ainda sendo órgão do extinto Ministério da Cultura, reconheceu no ano de 2004 através

1
Fala do Coronel José Ribamar Monteiro em audiência pública sobre o Acordo de Salvaguarda
Tecnológica (CLA) na OAB/MA, em 2019.

95
de certificação a quantidade aproximada de duzentas comunidades em Alcântara que se
declaram e se identificam como quilombos totalizando uma área aproximada de 85 mil
hectares (NUNES, 2013). Ou seja, dos 120 mil hectares correspondentes ao município,
a maior parte já era ocupada por comunidades tradicionais antes da base ser implantada.

2 COMENTÁRIOS ACERCA DOS DISCURSOS PROFERIDOS NA MESA DE


DIÁLOGOS INTITULADA "ACORDO DE SALVAGUARDAS
TECNOLÓGICAS DO CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCÂNTARA:
DIÁLOGOS SOBRE OS PRINCIPAIS ASPECTOS”

Inicialmente cabe destacar que o domínio da narrativa é, praticamente, todo


dos representantes dos órgãos públicos e desapropriantes sendo eles que oferecem o tom
da marcha e determinam como ela se dará, mas a tentativa de tornar comum o incomum
incomoda por diversas vezes em um discurso que sempre termina na quantia que deverá
ser paga, para quem, quando e onde. Um discurso pautado na repetição de termos que
indicam uma perspectiva desenvolvimentista sob a ótica do Estado brasileiro e uma
ideia de formação de um estado-nação. A questão suscitada consoante a descrição
realizada por Almeida (2008) contribuiu para a percepção dessa repetição e, menciona-
se, que ela ainda se encontra presente no senso comum da elite que tem inserida “[...]
nas representações acerca do Maranhão um dilema básico que contrapõe a mencionada
decadência à prosperidade” (ALMEIDA, 2008, p. 57) tanto antes, quanto agora ao
analisar os discursos proferidos sobre o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas.
Assim, conforme Almeida (2008, p. 58), ao analisar a produção do séc. XIX e,
reitero que ainda presente em pleno séc. XXI, notava-se uma extensa idealização do
passado frente a uma eterna tendência de desenvolvimento. O presente não é tão bom
quanto o passado, mas o futuro pode ser pelo menos melhor que o que um dia foi. O
Maranhão possui todas as condições físicas para que o desenvolvimento chegue
bastando que, tão somente, “[...] as ‘faltas’ percebidas sejam apropriadas e
convenientemente supridas para que a ‘vocação do progresso’ se cumpra”. Seja no
âmbito processual de forma escrita e documentada, seja nos discursos proferidos
oralmente, não se menciona uma retomada da suposta honra que foi a época do Estado
do Grão-Pará e Maranhão, mas o atraso de que está adotada uma política quinhentista,
todavia percebe-se uma ânsia absurda em “evoluir” a qualquer custo e ao arrepio da lei

96
em prol de não se perder o investimento2. Necessário apresentar alguns trechos do
tratado pelas autoridades presentes na mesa de diálogos como o referido pelo Deputado
Federal Pastor Gildenemyr (informação verbal, grifo nosso)3 ao dizer que:
Hoje a crítica maior em relação a aprovação do acordo, é por causa das
4
comunidades e dos quilombolas que ficam ali em torno, nós entendemos
que essas comunidades não devem inviabilizar a aprovação desse acordo,
porque eu mesmo já tive algumas vezes lá, inclusive, temos uma entrada por
5
conta de ter muitos evangélicos ali , tivemos também vários encontros,
tivemos também presentes na ocasião da ida do ministro Marcos Pontes, ali,
andamos por várias casas, de casa em casa, e não vimos por parte de
nenhum morador ou quilombola, algum tipo de aversão a ideia do
acordo ou de que o Brasil está alugando o centro aos EUA. (grifo nosso)

Já Hildo Augusto da Costa Neto – Deputado Federal e relator (informação


verbal)6, menciona que:

O CEA estará sempre sob o controle do Brasil. O Brasil tem poder para
aprovar profissionais a serem credenciados. Os benefícios deste Acordo de
Salvaguarda Tecnológicas, que vai viabilizar a base de Alcântara: em 20
anos, nós estimamos que devido a não aprovação do acordo (me refiro desde
a época de FHC) nós perdemos aproximadamente 3, 9 bilhões de
dólares,15 bilhões de reais, em receita de lançamentos não realizados,
considerando apenas 5 % dos lançamentos realizados no mundo, nesse
período, além de não desenvolver o potencial tecnológico possível. Com a
aprovação do AST, o uso comercial se torna viável, isso fará com que o
Brasil se consolide como forte em lançamentos. Vai beneficiar toda a
região adjacente, do ponto de vista social e econômico, gerando
empregos, riquezas, ampliando o empreendedorismo, negócios locais,
serviços gerais, melhorando mão de obra especializada, isto é,
melhorando e ampliando as estruturas básicas da região. (Fala que o
representante do SEBRAE está presente).

O posicionamento do deputado é de melhoria da região e crescimento


econômico com as devidas intervenções em prol do estabelecimento da base e passando
a valer o Acordo de Salvaguarda Tecnológica com os Estados Unidos da América.

2
Consultar fala de Allan Kardec Duailibe Barros Filho (informação verbal): “E o Brasil? Como é que é
isso? Vamos falar de Alcântara. (Faz a comparação entre as malhas ferroviárias entre o Brasil e EUA –
mostrando nos slides. Fala que o Brasil, por decisão estratégica, continua em 1500. Começa a
questionar o porquê da não vinda de gás para o MA, por conta de que a maior produção de petróleo no
Brasil é no pré-sal. Fala que temos que ter estratégias para o Brasil, e que o mapa ferroviário também,
reconhece a loucura, para a distribuição de combustível. A gasolina toda que estamos importando vem
dos EUA)”.
3
Fala do deputado federal Gildenemyr em mesa de diálogos sobre o Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na OAB/MA em 2019.
4
O parlamentar deu a entender que as autoridades ali estavam todas favoráveis ao acordo e estabeleceu a
posição que seria adotada de ser favorável.
5
O deputado é pastor evangélico e considera os membros do grupo religioso local como facilitadores da
implantação do projeto.
6
Fala do Deputado Federal Hildo Augusto da Costa Neto em mesa de diálogos sobre o Acordo de
Salvaguardas Tecnológicas do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na OAB/MA em 2019.

97
A participação de Davi Telles, Secretário Estadual de Ciências, Tecnologia e
Inovação do Maranhão em 2019, que também é advogado, explicando, inicialmente a
natureza jurídica do Acordo de Salvaguarda Tecnológica:
Começo falando acerca do AST, que não é nada mais do que um instrumento
jurídico que tem natureza jurídica de acordo bilateral entre dois Estados-
Nação, que se presta única e exclusivamente de propriedade intelectual
industrial, que é um direito fundamental, que está contido entre os muitos
incisos no artigo 5º, que garante a proteção intelectual, industrial, dos seus
inventos, dos seus engenhos. (informação verbal)
Durante sua fala teceu críticas à perspectiva de atuação dos maranhenses sob a
visão do Governo Federal ao dizer que:
No primeiro momento, o Governo Federal fez uma referência ao papel
maranhense junto à exploração comercial de Alcântara, numa atuação errada,
visto que, foi dito que os maranhenses poderão... verão o turismo crescer,
montar barbearias, hotéis, restaurantes, mas, que ao nosso ver não basta, é
uma visão errada. No entanto, com todo respeito isso não basta, nós
queremos produzir conhecimento, nós temos graduação, programa de pós-
graduação, nós queremos entrar nesse ciclo de produção. Nós queremos que
o Maranhão entre na cadeia produtiva endógena. (informação verbal)
Por sua vez Allan Kardec Duailibe Barros Filho - pró-reitor de Pesquisa, Pós-
Graduação e Inovação da UFMA (informação verbal)7, menciona que: “E a gente está
falando de algo que não é importante somente para o Maranhão, mas, sim, que é
estratégico para o Brasil, nós estamos falando de nação, de algo estratégico para a
construção da identidade brasileira” (grifo nosso). A intervenção do Sr. Diniz, “[...]
morador de Alcântara, (que) levantou questões relacionadas à falta de benefícios
concretos previstos no Acordo para a população local da cidade” (OAB/MA, 2019, não
paginado, mencionou que “O nosso povo não é contra o acordo, nós queremos é que
sejam apresentadas, de forma concreta, oportunidades de renda e qualificação da mão de
obra local que vão garantir emprego para a gente” (OAB/MA, 2019, não paginado).
Ao analisar os discursos é visto várias vezes expressões tais quais: “Como
todos nós sabemos, o nosso estado comparado aos demais, é um estado carente e a
cidade de Alcântara é também muito carente (informação verbal)8”, e expressões de alto
cunho evolucionista, não só para Alcântara, mas todo o Estado do Maranhão. A ideia
que foi passada para a “Casa da Cidadania”, título que a OAB/MA se atribui, é de que
com a aprovação do acordo o município de Alcântara sairá das trevas da ignorância para
a luz do desenvolvimento tecnológico que se observou em Kourou ou Cabo Canaveral9.

7
Fala do Pró-Reitor da Ufma em mesa de diálogos sobre o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas do
Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na OAB/MA em 2019.
8
Fala do deputado federal Pastor Gildenemir em mesa de diálogos sobre o Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na OAB/MA.
9
Trecho da fala do Pastor Gildenemir: “A resposta foi que 80% vêm daqui, é qualificada no centro
tecnológico e universitário, então, por aí dá para vermos o quanto é (foi) de importância daquele centro

98
Os trechos acima transcritos são fragmentos de discursos maiores de autoridades
públicas e juristas que se propuseram a esclarecer as vantagens da celebração do acordo
internacional com os Estados Unidos para primar pelo desenvolvimento do Maranhão
como polo tecnológico aeroespacial, contudo, sem perspectivas práticas de resolução de
conflitos com as comunidades da região e preservação da sua existência.

CONCLUSÃO
Alguns pontos a serem levantados demonstrando a vulnerabilidade das
comunidades frente a implantação do Centro de Lançamento de Alcântara: observa-se
que há inicialmente o sequestro de territórios (desapropriações com as ordens de
imissão na posse), modos de vida (as comunidades se veem impedidas de continuar a
pescar na área permanentemente ou quando existe a ordem de restrição em vigor
enquanto ocorre alguma atividade da base) e identidades (lutas que ocorrem há tempos
para serem reconhecidos como se autodeterminam), em nome do suposto
desenvolvimento que é apregoado desde os anos 1980 e é reiterado como inovador
hodiernamente.
A presente pesquisa não possui o interesse de criticar a importância da inserção
nacional no mercado aeroespacial e reconhece as vantagens de investimentos a serem
realizados nesta seara em prol da capacitação dos brasileiros que se dispuserem a
pesquisar nessa área e lucros, desde que factíveis e demonstráveis, que podem ser
investidos na qualidade de vida da população. Todavia, não deve prevalecer a
ignorância de que empreendimentos nesses termos implicam no comprometimento do
modo de vida de comunidades que residem na localidade e possuem toda uma forma de
vivência e direitos consagrados internacionalmente e constitucionalmente. Pugna-se por
uma ideia de desenvolvimento a qualquer custo atendendo a interesses internacionais
sem sequer organizar a situação interna, pois desde a promulgação dos decretos
desapropriatórios na década de 80 até 2020 ainda não ocorreu a titularização das terras
quilombolas e, muito menos, o reconhecimento. O descumprimento do art. 68 do ADCT
é a regra então questiona-se se a busca por esse tipo de evolução econômica e
tecnológica a custa dos direitos fundamentais dos povos.

para aquela cidade, que é mais ou menos do mesmo tamanho de Alcântara e hoje é o maior PIB da
América Latina, está em Kourou, por causa do centro”.

99
A decadência de Alcântara vista sob a ótica da Nunes (2011) aponta que o
município e suas mais de duas centenas e meia de povoados “[...] não constitui uma
unidade social facilmente controlada pela sua sede” (NUNES, 2011, p. 26), chamando à
atenção a inexistência de acesso a bens e serviços básicos como fornecimento de água,
energia, educação e saúde de qualidade, bem como a ausência de rodoviárias e ferrovias
aptas. Assim, cabe maior discussão sobre a temática ouvindo os atingidos diretamente,
fazendo valer seu direito de consulta que é sumariamente ignorado, pois enquanto o
resto da “nação” poderá ser beneficiada pelo que for realizado no CLA, comunidades
inteiras serão diretamente atingidas e comprometidas. O desenvolvimento do país deve
acontecer para todos os brasileiros e não sacrificando alguns.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. A ideologia da decadência: leitura
antropológica a uma história de agricultura do Maranhão. Rio de Janeiro: Editora Casa
8; Fundação Universidade do Amazonas, 2008.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombolas e a Base de lançamento de


foguetes de Alcântara: laudo antropológico. Brasília: Editora MMA, 2006. 2 v.

MÜLLER, Cíntia Beatriz. A utilização de meios alternativos de solução de conflitos em


processos de territorialização: casos de Alcântara e Marambaia. In: ALMEIDA, Alfredo
Wagner Berno de. et al. (Orgs). Nova cartografia social: territórios quilombolas e
conflitos. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia / UEA, 2010. p. 88-
100.

NUNES, Patrícia Maria Portela. A Terra da Pobreza e as Comunidades Remanescentes


de Quilombos de Alcântara: identidade étnica e territorialidade. In: IV Colóquio
Internacional de Doutorandos/as do CES, 2013. Cabo dos Trabalhos, Rio de Janeiro,
dez. 2013. Disponível em:
https://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n10/docum/10.1.3_Patricia_Maria_Portela_Nunes.pd
f. Acesso em: 10 out. 2019.

NUNES, Patrícia Maria Portela. Canelatiua, terra dos pobres, terra da pobreza: uma
territorialidade ameaçada, entre a recusa de virar Terra da Base e a titulação como Terra
de Quilombo. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Federal
Fluminense, Niterói, RJ, 2011.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Diálogos sobre o acordo de


salvaguardas tecnológicas do Centro de Lançamento de Alcântara na OAB
Maranhão. São Luís, MA: OAB, 2019. Disponível em:
http://www.oabma.org.br/agora/noticia/dialogos-sobre-o-acordo-de-salvaguardas-
tecnologicas-do-centro-de-lancamento-de-alcantara-na-oab-maranhao-4293 Acesso em:
07 mar. 2020.

100
REFLEXÕES ACERCA DA PERMISSIBILIDADE DO USO DE ARMAS
AUTÔNOMAS DENTRO DAS NORMAS DO DIREITO INTERNACIONAL
REFLECTIONS ON THE PERMISSION OF THE USE OF AUTONOMOUS
WEAPONS WITHIN THE RULES OF INTERNATIONAL LAW

Caio Augusto Souza Lara 1


Vittoria Alvares Anastasia 2

Resumo
Este projeto de pesquisa pretende analisar a permissibilidade das armas autônomas pelo
Direito Internacional, investigando se a utilização dessas armas é compatível com o
ordenamento jurídico internacional. Pela análise de normas positivadas e consuetudinárias do
Direito Internacional Público e do Direito Internacional Humanitário, conclui-se que a
permissão das armas autônomas é condicionada às consequências de seu uso. A pesquisa
proposta pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. Quanto à investigação,
pertence à classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-interpretativo.
Predominará o raciocínio dialético.

Palavras-chave: Armas autônomas, Direito internacional público, Direito internacional


humanitário

Abstract/Resumen/Résumé
This research project aims to analyze the permissibility of autonomous weapons under
international law, investigating whether the use of these weapons is compatible with the
international legal system. By the analysis of positive and customary norms of Public
International Law and International Humanitarian Law, it is possible to concluded that the
permission of autonomous weapons is conditioned to the consequences of its use. The
proposed research belongs to the juridical-sociological methodological aspect. As for the
investigation, in the classification of Witker (1985) and Gustin (2010), it is the legal-
interpretative type. Dialectical reasoning will predominate.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Autonomous weapons, Public international law,


International humanitarian law

1Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara e das pós-
graduações da SKEMA Business School e da Faculdade Arnaldo.
2 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

101
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa apresenta um tema que aborda a questão do uso de armas


autônomas, na perspectiva da permissibilidade pelo Direito Internacional Público, bem como
os empecilhos para este uso conforme as normas de Direito Internacional Humanitário. O uso
de armas autônomas é uma questão relevante no cenário hodierno, considerando a crescente
temática da inteligência artificial e do combate remoto.
O sistema de armas autônomas é utilizado sem intervenção de nenhum operador
humano, com sensores sofisticados e a inteligência artificial. Assim, o Comitê Internacional da
Cruz Vermelha apresenta a questão “se os ditames da consciência pública permitiriam que
máquinas tomassem decisões sobre a vida e a morte e aplicassem força letal sem controle
humano”? (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2014).
É preciso considerar que, de acordo com o Artigo 36 dos Protocolos Adicionais à
Convenção de Genebra de 1949 (1977), um Estado Parte deve determinar se o emprego de uma
nova arma, seja esta qual for, seria, em algumas ou todas as circunstâncias, proibido pelo
Protocolo Adicional de 1977 ou por qualquer outra regra de direito internacional aplicável ao
Estado. Assim sendo, ao analisar o uso de armas autônomas, é necessário verificar também se
os desdobramentos dessa utilização poderiam de alguma forma violar as normas estabelecidas
pelo sistema internacional.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Dessa maneira, o objetivo geral do trabalho é analisar se as armas
autônomas podem ser permitidas dentro do sistema de normas do Direito Internacional.

2. BREVE ANÁLISE SOBRE O USO DE ARMAS AUTÔNOMAS

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, uma organização independente e neutra


cujo mandato se origina essencialmente das Convenções de Genebra (1949), define armas
autônomas como “robôs” que serviriam para buscar, identificar e atacar alvos, inclusive seres
humanos, empregando força letal sem nenhuma intervenção de um operador humano (COMITÊ
INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2014). Atualmente, não existe nenhuma norma
dentro do Direito Internacional Humanitário que limite ou regule o uso dessas armas

102
(GRANADA, 2017). Portanto, existe o questionamento legal de como tais armas poderiam ser
utilizadas sem violar o Direito Internacional. Ainda mais, há a dúvida sobre se tais armas devem
ser usadas de qualquer maneira.
Por um lado, o uso de armas autônomas é útil para missões contaminadas e perigosas,
como apresentado no relatório Mapa dos Sistemas Não Tripulados: 2007-2032, do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos. É possível tomar como exemplo de missões que
armas autônomas poderiam realizar o desarmamento de artefatos explosivos ou alguma
excursão que exponha os indivíduos a material radioativo (ETZIONI; ETZIONI, 2017). Além
disso, outro ponto positivo das armas autônomas é que “as decisões tomadas pelos sistemas de
armas autônomas não serão ofuscados por emoções, como medo ou histeria” (ETZIONI;
ETZIONI, 2017). Nesse sentido, a possibilidade de erros e pré-julgamentos é reduzida, como
explicado por Ronald C. Arkin (ETZIONI, ETZIONI, 2017).
Entretanto, por outro lado, a aplicação do sistema de armas autônomas é imprevisível
e, inclusive, perigosa. Numa carta aberta assinada por grandes nomes da ciência como Elon
Musk, Steve Wozniak, Noam Chomsky e Stephen Hawking, em 2015, durante a Conferência
Internacional sobre Inteligência Artificial, foi dito que o homem deve tomar cuidado com as
armas autônomas e a inteligência artificial. Neste documento, ainda, foi destacado que “as
armas autônomas foram descritas como a terceira revolução para as guerras, após a pólvora e
as armas nucleares” (MOREIRA, 2015).
Tal preocupação não é exatamente nova. Na literatura de ficção científica, Isaac
Asimov já demonstrava grande preocupação com o potencial destrutivo dos robôs. Na série
“Robôs”, o autor esboça um conjunto de regras para proteger a humanidade. O primeiro volume
da franquia literária é a coletânea “Eu, Robô”, um compilado de vários contos de Asimov sobre
robôs, publicados ao longo dos anos 1940 e 1950. Os demais volumes apresentam a saga de
Elijah Bailey, personagem criado por Asimov para retratar a vivência em um mundo habitado
por humanos e máquinas. O ponto alto dos três volumes subsequentes que compõe a série é “Os
Robôs da Alvorada”, romance em que o autor apresenta uma complementação à noção robótica
desenvolvida no primeiro livro da série, como se expõe adiante (ASIMOV, 2014; 2015).
Durante a narrativa de “Andando em Círculos”, um dos contos publicados em “Eu,
Robô”, são apresentados três princípios norteadores do comportamento robótico e do controle
humano sobre máquinas, chamados por ele de “leis da robótica”. Conforme a primeira lei, “um
robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum
mal”. A chamada segunda lei determina que “um robô deve obedecer às ordens dadas por seres
humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei”. Por sua

103
vez, a terceira lei prevê que “um robô deve proteger sua própria existência desde que tal
proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei” (ASIMOV, 2014).
Posteriormente, em “Os Robôs da Alvorada”, Asimov desenvolveu a Lei Zero, primordial entre
as anteriores, que versa o seguinte: “um robô não pode causar mal à humanidade ou, por
omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal” (ASIMOV, 2015). Nas obras de Asimov,
as leis surgem como noções básicas que toda forma de máquina inteligente deve ter instaladas
em sua programação. Talvez tenha sido o prenúncio de um futuro com características distópicas
que estava por vir.

3. ARMAS AUTÔNOMAS E AS PERMISSÕES EM NORMAS DE DIREITO


INTERNACIONAL

Cabe ressaltar que, no Direito Internacional, existe a diferença entre armas ilegais per
se e o uso indevido e, consequentemente, ilícito de armas legais. Conforme explicado por
Amitai Etzioni e Oren Etzioni:

Michael N. Schmitt do Naval War College faz a distinção entre as


armas que são ilegais per se e o emprego ilícito das armas que seriam
legais em outros contextos. Por exemplo, um fuzil não é proibido sob
a lei internacional, mas usá-lo para disparar em civis se constituiria em
um emprego ilícito. Por outro lado, algumas armas (e.g., armas
biológicas) são ilegais per se, mesmo quando usadas somente contra
combatentes (ETZIONI; ETZIONI, 2017).

Nesse sentido, cabe destacar que não existe norma positiva regulando o uso de armas
autônomas (GRANADA, 2017). Assim sendo, tais armas não são propriamente ilegais,
tomando como base a ideia kelseniana do ‘legislador negativo”, que dita que tudo aquilo que
não é proibido pelo direito, é permitido (KELSEN, 1999).
Porém, as consequências do uso das armas autônomas podem estar em desacordo com
o Direito Internacional. Ao verificar os Protocolos Adicionais à Convenção de Genebra,
particularmente o Artigo 52, que dispõe sobre a proteção de civis, percebe-se que: “Objetos
civis não devem ser objeto de ataque ou represálias”. Ademais, de acordo com a opinião da
Corte Internacional de Justiça no caso “Legality of the Threat or Use of Nuclear Weapons”,
nota-se que: “Os Estados nunca devem tornar os civis o objeto de ataque e, consequentemente,
nunca devem usar armas que sejam incapazes de distinguir entre alvos civis e militares”
(CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 1996). Nesse sentido, verifica-se que há a

104
possibilidade das armas autônomas não conseguirem distinguir entre civis e combatentes, o que
geraria ilicitude perante o sistema legal internacional. Como elucidado por Etzioni e Etzioni:

Assim, Schmitt considera que alguns sistemas de armas autônomos


podem violar a lei internacional [...]. Tal sistema pode ser usado
ilicitamente, contudo, se for empregado em contextos onde civis estão
presentes (ETZIONI, ETZIONI, 2017).

Além disso, o Direito Internacional Humanitário, que é aquela cujo objetivo visa
limitar os efeitos de conflitos armadas (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ
VERMELHA, 1998), tem como condição fundamental a exigência de que alguém seja
responsabilizado pela morte de civis. As armas autônomas fazem impossível ou
demasiadamente complexa a identificação do responsável. Em contraponto, “com
base no direito humanitário, o ataque é sempre praticado por forças militares” (SCHMITT,
2011, apud TOLEDO, BIZAWU, 2019), logo, não é possível afirmar que os ataques sejam
praticados por militares. Portanto, constata-se que tais armas não devem ser empregadas em
combate, por violar o princípio da responsabilização (ETZIONI, ETZIONI, 2017).
Assim, constata-se mais um empecilho a permissibilidade do uso de armas autônomas
no Direito Internacional, pois, de acordo com a Cruz Vermelha (2014), “as normas de longa
data do Direito Internacional Humanitário, em especial as relativas à distinção,
proporcionalidade e precaução no ataque, aplicam-se a todas as novas armas e avanços
tecnológicos da guerra, inclusive as armas autônomas”.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, verifica-se que o uso de armas autônomas, no contexto


contemporâneo, não é compatível com as normas do sistema internacional. Ainda que exista a
possibilidade do uso de armas autônomas na prática, as consequências de tal utilização são
inconciliáveis com as normas positivadas e consuetudinárias do Direito Internacional Público,
bem como do Direito Humanitário Internacional.
Dessa forma, é necessário ressaltar que a temática do uso de armas operadas sem
intervenção humana vai muito além apenas da permissibilidade do uso, uma vez que a análise
mais importante está relacionada às consequências dessa utilização. São justamente tais
desdobramentos, que vão desde a violação de convenções internacionais à discordância com
normas do Direito Humanitário Internacional, que tornam o uso do sistema autônomo de armas
incompatível com o próprio Direito Internacional.

105
Destarte, reforça-se que não é possível conciliar o uso de armas autônomas com o
sistema internacional de acordo com as normas vigentes. Porém, com o avanço constante das
tecnologias, parece inevitável que no futuro as armas não sejam operadas por mãos humanas,
que sejam programadas com algoritmos com alto grau de sofisticação. Seria ingenuidade
flagrante pensar que nações com alto poder tecnológico renunciariam a tais armas, que
poderiam ter, inclusive, função dissuasória. Contudo, ainda assim é urgente e necessária a
criação de tratados e normas que regulem o uso do sistema de armas autônomas, em
consonância com as demais normas internacionais humanitárias.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASIMOV, Isaac. Eu, Robô. Tradução: Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014.

ASIMOV, Isaac. Os Robôs da Alvorada. Tradução: Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph,
2015.

COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Sistemas de armas autônomas -


perguntas e respostas, 2014. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/content/sistemas-de-
armas-autonomas-perguntas-e-respostas. Acesso em: 06 jun. 2020.

COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. O que é o direito internacional


humanitário?, 1998. Disponível em:
https://www.icrc.org/pt/doc/resources/documents/misc/5tndf7.htm. Acesso em: 06 jun. 2020.

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https://www.icrc.org/pt/o-cicv. Acesso em: 06 jun. 2020.

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GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a


pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

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KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Disponível
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em: 09 jun. 2020.

MOREIRA, Isabela. Stephen Hawking e centenas de cientistas assinam carta contra


armas autônomas. Revista Galileu, 28 jul. 2015. Disponível em:
https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2015/07/stephen-hawking-e-centenas-de-
cientistas-assinam-carta-contra-armas-autonomas.html. Acesso em: 08 jun. 2020.

TOLEDO, André de Paiva; BIZAWU, Kiwonghi. Condições Jurídicas Internacionais de


Intervenção na Amazônia. Veredas do Direito. Direito Ambiental e Desenvolvimento
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WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y


técnicas para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

107
PORNOGRAFIA DE VINGANÇA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS NA ERA
TECNOLÓGICA
REVENGE PORN AND VIOLATION OF RIGHTS IN THE TECHNOLOGICAL AGE

Isabella Lúcia Nogueira Silva 1

Resumo
A presente pesquisa aborda a temática da pornografia de vingança que, apesar de tipificada,
permanece impondo barreiras às mulheres vítimas. Possui como finalidade contribuir com o
combate à violência de gênero ao expor as dificuldades que bloqueiam os efeitos sociais
esperados pela Lei 13.718/2018, além de apresentar algumas tecnologias que estão
auxiliando a busca por uma maior eficácia legal. Por meio de um método baseado na vertente
jurídico-sociológica, conclui-se que os problemas enfrentados exigem mais do que,
simplesmente, criminalizar a ação ocorrida e, para apoiá-las, a tecnologia começou a exercer
um papel fundamental.

Palavras-chave: Pornografia de vingança, Direito penal, Violência de gênero, Tecnologia,


Lei no 13.718/2018

Abstract/Resumen/Résumé
The current research addresses the thematic of revenge porn, that besides being typified, it
remains as a barrier to victimize women. That has the objective to contribute to the gender
violence fight, exposing the difficulties that are blocked by the social effects expected
according to the Law 13.178/2018, in addition to presenting some technologies that help with
greater legal efficiency. Using a method based in a legal and sociological aspect, in
conclusion the problems faced require more than, simply, criminalization of the current
action and, to support them, the technology started to practice a fundamental role.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Revenge porn, Criminal code, Gender of violence,


Technology, Law no 13.718/2018

1 Graduanda em Direito, modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara

108
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A partir de uma perspectiva tecnológica e de uma perspectiva jurídica, a presente


pesquisa aborda o tema da pornografia de vingança. Quanto à primeira perspectiva, salienta-se
que, ao mesmo tempo em que as tecnologias propiciam a ocorrência desse cibercrime, elas
também se desenvolveram, tornando-se capazes de auxiliar diretamente as vítimas. Acerca da
segunda visão, infere-se: apesar desse crime, devido à Lei no 13.718, de 2018, já estar tipificado
no Artigo 218-C do Código Penal, as vítimas ainda carecem de informação e de apoio.
Expor, virtualmente, conteúdo sexual de alguém, sem que ocorra consentimento: esse
é o consenso encontrado nos conceitos de pornografia de vingança, afinal, há divergências sobre
a necessidade, ou não, desse material ter sido vazado por alguém íntimo, ou que fora íntimo, da
vítima. Com base nessa informação, considera-se a amplitude que esse crime pode alcançar,
pois o material divulgado dificilmente sai da rede, atingindo a vida privada da pessoa exposta.
Ademais, o Direito brasileiro, historicamente, apresentou dificuldade para abordar
conteúdos sexuais, sendo que, ainda na atualidade, essa temática não foi completamente
superada, como o limbo constitucional vivido por profissionais do sexo. Contudo, a realidade
tecnológica não acompanhou a realidade jurídica e surgiram cibercrimes relacionados a um dos
maiores tabus ocidentais: o sexo. Portanto, enquadra-se a pornografia de vingança nesses
crimes, a qual é, apenas, punida por lei, exigindo soluções mais eficazes do Poder Público.
Por fim, informa-se que a presente pesquisa pertence à vertente metodológica jurídico-
sociológica. No tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985)
e Gustin (2010), o tipo jurídico-projetivo e o raciocínio desenvolvido na pesquisa será
predominantemente dialético. Dessa forma, objetiva-se evidenciar as barreiras enfrentadas por
essas vítimas e apresentar as soluções existentes relacionadas com o Direito e com a tecnologia.

1. AS BARREIRAS ENFRENTADAS PELAS MULHERES VÍTIMAS E A FORMA


COM QUE O DIREITO BRASILEIRO REAGE A ELAS

Um dos motivos por esta pesquisa retratar as vítimas como mulheres é o fato da
pornografia de vingança ser uma violência de gênero, não só por uma significativa maioria das
vítimas ser mulher, mas também por expor a imagem feminina, visando a humilhação social
apoiada em preconceitos. Desse modo, é necessário dar importância à maneira com que a
imagem feminina é vista pela sociedade de forma distinta da imagem masculina, sendo aquela
baseada em sobretudo estereótipos físicos, de beleza. Assim, ressai Vitória Buzzi (2015a, p.44):

109
A pornografia de vingança, portanto, enquanto violência de gênero, é a clara retomada
da autoridade masculina sobre o corpo e a autonomia da mulher, ou seja, o homem
resgatando o seu poder perdido (devido ao término de um relacionamento, por
exemplo), para reafirmar o corpo feminino enquanto subordinado seu.

Em uma entrevista sobre seu livro “Pornografia de Vingança: Contexto histórico-


social e abordagem no direito brasileiro”, Buzzi (2015b) comentou que: dos materiais sem
consentimentos disponibilizados no meio virtual 75% a 90% possui o intuito de expor uma
mulher. Pesquisas recentes continuam a indicar a disparidade de gênero dos crimes ocorridos
na internet. Destaca-se que, em 2019, 6.593 e 7.112 denúncias recebidas, respectivamente, pela
ONG SaferNet e pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos eram sobre
alguma violência ou discriminação contra a mulher (SAFERNET, 2020).
Por conseguinte, visando uma provável solução para a pornografia não consentida, o
Poder Legislativo criminalizou essa conduta, por meio da Lei 13.718 (BRASIL, 2018):

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,


distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de
comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou
outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável
ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena
de sexo, nudez ou pornografia:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Aumento de pena
§ 1o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado
por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com
o fim de vingança ou humilhação.

Afirma-se que essa norma jurídica representa um avanço social, porque a pornografia
de vingança deixou de ser, apenas, um crime de difamação ou de injúria na esfera cível, além
de outras legislações que poderiam ser aplicadas como: o Marco Civil da Internet e a Lei Maria
da Penha. Entretanto, destaca-se que essa lei apresenta dificuldades para manter sua eficácia,
ao se considerar que muitas denúncias não são feitas. Ainda, o Datafolha (2018) indicou que,
das mulheres que sofreram alguma violência virtual ou física, 52% ficaram caladas.
Diante dessa amplitude, elucidar as barreiras que impedem a concretização dessa
eficácia é fundamental para rompê-las. Por isso, o presente estudo buscou casos reais capazes
de exibi-las. Fernanda e Clara são dois exemplos obtidos de entrevistas, respectivamente, do
jornal Humanista da UFRGS e do jornal O GLOBO. Elas tiveram seus nomes trocados, afinal,
mantê-los poderia convertê-las em susceptíveis vítimas de outros crimes, como o assédio.
Além dos casos apresentados, demais foram analisados, mesmo que a vítimas tivessem
denunciado, objetivando encontrar pontos em comum nos relatos, os quais, por sua vez,
evidenciariam as principais problemáticas enfrentadas pelas mulheres. Enfatiza-se, também,

110
mulheres como Rose Leonel, Júlia Rebeca dos Santos, Thamiris Mayumi Sato e mais diversas
moradoras do Brasil, cujas vivências relacionadas a esse crime foram levadas em consideração.
A primeira barreira encontrada é o incômodo de relatar o crime no processo
burocrático, o que está associado ao fato, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2019), de só 8,3% dos municípios ter uma DEAM (Delegacia Especializada
no Atendimento à Mulher), causando-lhes desconforto em apresentar a situação a um homem.
Outras barreiras são o desconhecimento acerca da importância da queixa, o medo de sofrer
novas exposições e o isolamento social que muitas vítimas realizam (uma vez que a sua imagem
foi ferida), vedando-as da denúncia e comprometendo, portanto, os dados dos órgãos públicos.
A falta de apoio moral para denunciar também esteve presente dentre as adversidades
averiguadas, em que diversas mulheres sofreram a tentativa de dissuasão para não expor o caso
e, ainda, foram julgadas por registrarem o ocorrido. A culpabilização da vítima foi outro fator
que estava presente significativamente nos relatos. Nessa última barreira as mulheres foram
julgadas por não terem evitado aparecer despidas e, por causa disso, a culpa seria sua.
Para finalizar, destaca-se o machismo por defender a posição do homem, justificando
que este sentiu raiva, e inferiorizando a mulher por estar em um conteúdo sexual. Acrescenta-
se uma explicação quanto a esse machismo no trecho: “Na mesma medida que o homem é,
diuturnamente, incitado a demonstrar virilidade e potência (cultura do macho), a mulher é
rotulada e hostilizada por ter libido ou apetite (cultura da vagabunda)” (CASTRO; SYDOW,
2018, p. 87-88). Assim, apesar do direito à liberdade sexual estender-se a todos, o que se
verifica na prática é que essa extensão não atinge, totalmente, as mulheres, sujeitas à
discriminação.

2. AVANÇOS TECNOLÓGICOS CONTRA A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

Com o aumento do acesso à internet pelos brasileiros, o alcance para sofrer novos
crimes cresce também. O problema, entretanto, é que o Direito ainda está se adaptando a
determinadas realidades físicas e, agora se depara com elas no meio virtual. Segundo Ana Lara
Camargo de Castro e Spencer Toth Sydow (2018, p.12), salienta-se:

A internet escapa aos domínios do físico, do real, do contido, do conhecido. Burla as


fronteiras territoriais e seus regramentos. E o que dizer do Direito? Ainda
constrangido, atabalhoado para entender o sexo e suas complexidades, agora é
obrigado a dialogar com a sua dimensão virtual, que hoje já se pode conceber como
realidade sensível.

111
Dessa maneira, atos que envolvam o sexo – antes negados pelo estudo do Direito
(CASTRO; SYDOW, 2018) – não somente passaram a receber destaque jurídico, salvo
exceções, a pouco tempo, a exemplo da própria Lei 13.718/2018, como também um destaque
virtual. Portanto, quanto aos benefícios tecnológicos, o Direito passou a ser auxiliado para
alcançar seus objetivos sociais de, como no Art. 218-C, obter denúncias e, consequentemente,
penalizar e inibir o delito.
Entre os pontos positivos da tecnologia, é possível citar os progressos virtuais, contra
os mais diversos crimes, inclusive a pornografia de vingança, como é a inteligência artificial,
elaborada pela rede social Facebook, o qual já detecta vídeos e imagens com conteúdo íntimo
compartilhado sem permissão, removendo-os e apagando a página responsável pela postagem.
O Instagram, rede social, também adota essa tecnologia, que obteve avanços conforme explica
o diretor geral de segurança do Facebook, Antigone Davis (2019 apud WAKKA, 2019):

Isso significa que nós podemos encontrar essa foto antes mesmo que alguém
denuncie, o que é importante por duas razões: geralmente as vítimas ficam com medo
de retaliação e ficam relutantes em reportar os conteúdos ou desconhecem que o
conteúdo já foi compartilhado.

A plataforma de busca Google, em 2013, promoveu uma modificação envolvendo seus


algoritmos, a qual, permite a retirada de uma imagem ofensiva, com mais rapidez, dos
resultados de busca. Desse modo diminuiu-se o risco de aparecer o conteúdo vazado quando se
pesquisava o nome das vítimas da pornografia de vingança, impedindo maiores prejuízos nas
esferas particulares de trabalho, de futuros relacionamentos e, sobretudo, de segurança.
Ainda se ressai que a tecnologia possibilitou plataformas digitais de denúncias
anônimas, como a criada pela associação civil de direito privado SaferNet Brasil, que, por meio
das informações oferecidas, pode induzir a vítima a denunciar formalmente. Ao entrar na
plataforma, a pessoa que sofreu o crime encontra orientação sobre a violação dos seus Direitos
Humanos na internet. Ademais, são feitas ações de educação em cidadania digital, esclarecendo
como o Direito brasileiro reage a essa situação ao expor quais leis podem se enquadrar ao caso.
Em 2019, o governo brasileiro aderiu a robô ISA.bot, programada para informar e
acolher as mulheres vítimas da violência doméstica ou online. Essa iniciativa teve o apoio do
Facebook, do Google e da Organização das Nações Unidas, ONU Mulheres. Por causa disso,
para se comunicar com a robô, basta chamá-la no chat do Facebook ou no Google Assistente.
Durante o período de quarentena por coronavírus, o uso da ISA.bot passou a ser ainda mais
incentivado devido ao aumento das violências sofridas por mulheres em casa e na internet.

112
Acrescenta-se também, que, ao se comunicar com a ISA.bot, ela oferece outras
organizações capazes de auxiliar, como o Mapa do Acolhimento, plataforma online que conecta
mulheres vítimas com advogadas e psicólogas voluntárias, ou seja, a assistência é feita
gratuitamente. A ONG Tamo Juntas é outro exemplo, pois, por meio de denúncias online,
militantes de diversas áreas, principalmente direito, contatam mulheres na vida real.
Finalmente, realça-se a existência de aplicativos criados para o combate à violência de
gênero, promovendo espaço para denunciar, para desabafar, além de outras funções. Dessa
forma, quanto à pornografia de vingança, enfatiza-se, que o aplicativo SOS Mulher,
desenvolvido pelo Ministério Público do Estado do Amapá, pode ser útil já que oferece espaço
para depoimentos pessoais e, a partir desses depoimentos, estimula a vítima a denunciar.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, avalia-se que a pornografia de vingança é um crime, cujos reflexos


na vida da pessoa agredida são permanentes, uma vez que existe a possibilidade de reincidência
do conteúdo íntimo vazado no meio virtual. Por isso, somente a criminalização de tal conduta
não é suficiente para lidar com tamanha complexidade, e o mesmo se pode afirmar quanto à
indenização, a qual, não repara o dano causado à imagem da vítima.
Além disso, como violência de gênero, esse cibercrime prejudica a imagem da mulher
intensamente. Isso porque, para a sociedade brasileira, ainda considerada sexista, essa imagem
diz por si só quem é a profissional, a amiga, a mãe, a filha e, assim, através da sua roupa, dos
seus cuidados com o corpo e de seu comportamento, as qualidades da mulher são julgadas. Com
isso, diversas vítimas perderam seus empregos, seus amigos, o apoio de familiares e, até
mesmo, a sua vontade de viver em uma sociedade de aparências.
Todavia, a tecnologia viabilizou novos caminhos para enfrentar as barreiras
evidenciadas, levando esperança aos que não a possuíam mais. Dessa forma, a relação entre a
realidade jurídica e a realidade tecnológica amplia-se gradualmente, seja beneficiando as
vítimas diretamente, seja incentivando às denúncias, o que, consequentemente, gera dados para
que os órgãos públicos tomem medidas e garante a força de uma lei que busca a inibição do
delito. Diante disso, evidencia-se uma tendência da tecnologia trazer possíveis soluções ao
Direito, não somente para a pornografia de vingança, como, também, para outros crimes.

113
4. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei no 13.718, de 24 de setembro de 2018. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de


dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de
divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos
crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de
aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro
coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro
de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Diário Oficial da União. 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm. Acesso em: 28
mar. 2020.

BUZZI, Vitória de Macedo. Entrevista com autora do livro “Pornografia de Vingança:


contexto histórico-social e abordagem no direito brasileiro”. [Entrevista cedida a
Historikerin]. Portal Cientistas Feministas. [s.l], 11 set. 2015b. Ciências Humanas e Sociais.
Disponível em: https://cientistasfeministas.wordpress.com/2015/09/11/entrevista-com-autora-
do-livro-pornografia-de-vinganca-contexto-historico-social-e-abordagem-no-direito-
brasileiro/. Acesso em: 29 abr. 2020.

BUZZI, Vitória de Macedo. Pornografia de vingança: Contexto histórico-social e abordagem


no Direito brasileiro. 2015a. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2015. Versão online. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/133841. Acesso em: 15 mar. 2020.

CASTRO, Ana Lara Camargo; SYDOW, Spencer Toth. Perversão, pornografia e


sexualidade: Reflexos no Direito criminal informático. 1a ed. Belo Horizonte: Editora
D’Plácido, 2018. 202p.

DATAFOLHA. Visível e invisível: A vitimização de mulheres no Brasil. 2019. 1 ilustração.


Disponível em: https://ponte.org/wp-content/uploads/2019/02/FotoJet-3.jpg. Acesso em: 26
maio. 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3a. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Munic 2018: Apenas 8,3%


dos municípios têm delegacias especializadas de atendimento à mulher. Rio de janeiro:
IBGE, 2018. (Estudos e pesquisas. Estatísticas sociais). Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/25499-munic-2018-apenas-8-3-dos-municipios-tem-delegacias-
especializadas-de-atendimento-a-mulher. Acesso em: 25 maio. 2020.

SAFERNET. Indicadores da Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos. [s.l]: SaferNet,


[2020?]. 1 mapa dinâmico, color. Escala: variável. Disponível em:
https://indicadores.safernet.org.br/indicadores.html. Acesso em: 26 maio. 2020.

WAKKA, Wagner. Facebook e Instagram usam machine learning para detectar pornô de
vingança. Canaltech, [s.l], 15 mar. 2019. Disponível em: https://canaltech.com.br/redes-

114
sociais/facebook-e-instagram-usam-machine-learning-para-detectar-porno-de-vinganca-
134883/. Acesso em: 2 maio. 2020.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

115
PAIDEIA DIGITAL: A TECNOLÓGIA COMO APARATO DE JUSTIÇA NA
GARANTIA DO DIREITO ISONÔMICO A EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
DIGITAL PAIDEIA: TECHNOLOGY AS AN APPARATUS OF JUSTICE IN
GUARANTEEING ISONOMIC LAW QUALITY EDUCATION

Luana Soares Ferreira Cruz 1

Resumo
O presente projeto analisa a inclusão dos mecanismos tecnológicos no ambiente escolar
como aparato de justiça na garantia do direito à educação de qualidade. Comparam-se,
portanto as falhas da manutenção histórica do atual modelo com a possibilidade de renovação
dos ambientes escolares. Buscou-se, assim, analisar a importância da garantia jurídica de uma
educação qualitativa para a inclusão integral do indivíduo no mercado de Inteligência
Artificial. A vertente metodológica adotada foi a jurídico-sociológica, o raciocínio,
predominantemente, dialético, a técnica utilizada foi a chamada pesquisa teórica e quanto à
investigação, pertence a classificação de Witker (1985) e Gustin (2010), o tipo jurídico-
projetivo.

Palavras-chave: Direito à educação de qualidade, Educação, Paideia digital, Inteligência


artificial, Mercado de trabalho

Abstract/Resumen/Résumé
This project analyses the inclusion of technological mechanisms in the school environment as
an apparatus of justice in guaranteeing the right to quality education. Therefore, we compare
the failures of the historical maintenance of the current model with the possibility of
renovating school environments. Thus, we sought to analyze the importance of the legal
guarantee of a qualitative education for the integral inclusion of the individual in the
Artificial Intelligence market. The methodological approach adopted was the juridical-
sociological one, the reasoning, predominantly, dialectical and juridical- projective type.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Right to quality education, Education, Digital


paideia, Artificial intelligence, Labour market

1 Graduanda em Direito, na modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

116
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente projeto consiste em um estudo reflexivo acerca do atual modelo


educacional brasileiro como mecanismo garantidor a educação de qualidade. Procurou-se,
dessa forma, identificar a ineficiência da manutenção deste modelo, visto que, a realidade se
reconstruiu à luz da Inteligência Artificial. Assim, torna-se, clara a necessidade de revolucionar
os meios educacionais, por meio da inclusão digital, para que as escolas se tornem ambientes
efetivos na formação de estudantes e futuros profissionais preparados para este novo mercado.
O progresso tecnológico se tornou uma realidade inevitável. Nesse sentido, torna-se
importante considerar sua inclusão nas escolas para que a tecnologia seja um mecanismo
utilizado, positivamente, no espaço social. A educação isonômica, permeada pelo adjetivo de
qualidade, é um direito social e fundamental previsto na Constituição de 1988, no entanto, no
que tange a qualidade, o sistema brasileiro carece de infraestrutura, inovação e igualdade. Em
razão deste contexto, o presente projeto propõe a possibilidade de uma Paideia Digital.
A Paideia Digital consiste no retorno aos princípios gregos educacionais: éthos
(sentir), episteme (pensar) e práxis (agir) em comunhão com os novos aparatos tecnológicos.
Tal proposta se visualiza pertinente na realidade brasileira, visto que, a manutenção do modelo
funcionalista nas escolas afasta o cenário do país de uma possibilidade de desenvolvimento
integral, o que contribui para os índices de disparidade econômica, cultural e social do país,
infringindo, desta forma, diversos direitos sociais. Mundialmente, percebe-se uma tendência
revolucionária de alteração da divisão trabalhista para uma Economia Criativa, o que torna,
necessário que a escola amplie seus mecanismos para a possibilidade de uma formação versátil.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin
(2010), o tipo jurídico-projetivo e o raciocínio desenvolvido na pesquisa será,
predominantemente, dialético. Sendo assim, o presente projeto visa refletir acerca da garantia
isonômica do direito à educação de qualidade, visto que, caminhamos para a concretude de uma
Era Digital. Buscando, portanto, tornar realidade o acesso a esse direito, torna-se imediata a
necessidade de inclusão efetiva dos mecanismos tecnológicos no ambiente escolar.

117
2. O DIREITO SOCIAL A INCLUSÃO NO NOVO MERCADO DE TRABALHO
TECNOLÓGICO E CRIATIVO

O processo de concretização dos meios tecnológicos é uma realidade cada vez mais
presente e reconhecida no uso diário. Sob tal análise, percebe-se a sua notória participação no
mercado trabalhista, nas relações sociais, nos processos jurídicos, nos meios de comunicação,
nos debates políticos e entre outros. Assim, tal contexto reflete, portanto, a imediata necessidade
de aplicação de uma Revolução Digital nos meios educacionais, visto que, assim a educação
estará composta por diversas novas possibilidades através da tecnologia.
O novo mercado de trabalho estabelecido pela Era da Informação é composto de novas
exigências. Dessa forma, o profissional do século XXI precisa se adequar a essa versatilidade
de informações, notícias e possibilidades criadas com o desenvolvimento tecnológico para que
possa participar, efetivamente, da inclusão no mercado de trabalho atual. Neste novo contexto,
no qual a sociedade capitalista se transmuta para uma Economia Criativa, altera-se a preferência
do profissional repleto de conhecimentos estáticos para o profissional dinâmico, inovador e
adaptativo, o que, necessariamente, deve ser abarcado pelo direito, qualitativo, a educação.
No entanto, o ambiente de formação destes profissionais – os meios educacionais
brasileiros – ainda se estruturam como organizações reprodutoras de conteúdo e não como
ambientes passíveis de transformação e preparação integral dos indivíduos para uma boa
adaptação usual das novas tecnologias, na realidade atual.
Sobre o assunto, Paulo Freire, em “Pedagogia do Oprimido” afirma:

A tônica da educação é preponderantemente esta — narrar, sempre narrar.


Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-
comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à
experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema
inquietação desta educação. A sua irrefreada ânsia. Nela, o educador aparece
como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável
é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são
retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em
cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia
da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, com
verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e,
assim, melhor seria não dizê-la. Por isto mesmo é que uma das características
desta educação dissertadora é a “sonoridade” da palavra e não sua força
transformadora. (FREIRE, 1996).

118
Dessa forma, a partir da reflexão de Freire, que define este modelo educacional como
uma “educação bancária”, pautada na subdivisão de conteúdos estáticos, percebe-se o quão
obsoleta se estrutura a educação brasileira. Tal realidade se demonstra, portanto, ineficiente
frente ao modelo trabalhista inovador, desenvolvido com o Era Digital. Nesse sentido, torna-se
importante refletir acerca da pedagogia freiriana sobre a necessidade do estabelecimento de
uma “educação libertadora”, relacionada, no presente projeto, ao conceito de Paideia Digital.
Pelo o que se pode perceber, a transformação educacional para uma inclusão digital é
hoje premissa necessária para o desenvolvimento da vida humana. Ter condições efetivas de
formação educacional para a possibilidade de participar do novo mercado de trabalho digital é
direito isonômico, social e fundamental. Os novos profissionais precisam, portanto, estar aptos
a desenvolver as inteligências do século XXI, que incluem, segundo Rui Fava, a inteligência
cognitiva, emocional, volativa e decernere para se adaptar as diárias transformações da
atualidade tecnológica. (FAVA, 2018)
Ainda sob tal ótica, através de um aspecto atemporal, Anísio Teixeira pontua, em
“Educação é um Direito”, como as instituições educacionais brasileiras reproduzem um
mimetismo social, sem autonomia, nem autenticidade, o que é preocupante, visto que, o autor
afirma serem tais instituições os melhores ambientes de representação do caráter nacional de
um país (TEIXEIRA, 2009, p. 90). Tais reflexões descrevem, dessa forma, o intenso atraso do
desenvolvimento nacional, que se desdobra em divergências sociais e econômicas, pois, o
caráter educacional brasileiro é desenhado por níveis de desigualdade social e acesso divergente
dos meios tecnológicos, o que impossibilita o acesso equitativo ao mercado de trabalho digital.

3. A CONCRETIZAÇÃO DE UMA PAIDEIA DIGITAL COMO APARATO DE


JUSTIÇA NA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO QUALITATIVA

A palavra “Educação” vem do latim educare, verbo composto do prefixo ex (fora) +


ducere (conduzir) significando, literalmente, “conduzir para fora”. Neste sentido, torna-se
pertinente identificar a educação como um sistema de condução, criação, preparação e
transformação do indivíduo para com o mundo (ECCO; NOGARO, 2015). Sob tal ótica, a
sociedade, ao longo de sua estruturação, passou a compreender, teoricamente, a educação como
um direito social, visto que, ela se apresenta como um mecanismo que possibilita o convívio e
a transformação social.

119
Assim, a Constituição brasileira prevê, por meio do Art. 205, que “ a educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). No entanto, apesar de uma
redação legislativa pertinente e de caráter isonômico, o capítulo III, sobre as garantias
educacionais brasileiras, tem-se se estruturado apenas no texto jurídico e não no contexto social.
Nesse sentido, pontua-se a gravidade da permanência do atual modelo educacional –
estático, conteudista e abstrato – para a garantia jurídica à educação de qualidade. A educação,
enquanto aparato de transformação social, necessariamente, precisa se reconstruir e se readaptar
no mundo digital, sendo que, legalmente, é descrita como um direito que visa o
desenvolvimento humano e a qualificação para o mercado trabalhista. Sob tal ótica, torna-se,
necessário ampliar a conceituação de transformação tecnológica nos meios educacionais.
A Era Digital se compreende, portanto, como um momento histórico inevitável. Dessa
forma, sua inclusão, necessariamente, precisa ser positiva para o desenvolvimento e formação
dos estudantes. Sobre o assunto, Rui Fava pontua: “A tecnologia não deve ser o fim, todavia,
certamente deverá ser o meio para tornar o processo de educar mais eficiente, efetivo e eficaz,
sem perder o foco no que realmente importa: a aprendizagem” (FAVA, 2018, p. 144).
Sob tais colocações, estrutura-se um novo modelo educacional – a Educação 3.0 – na
qual a tecnologia, através de sistemas como o Big Data e os ciclos profissionalizantes, é
desenvolvida para a realização de estudos personalizados e especializados para cada aluno. Tal
estrutura futurística tem se desdobrado em ótimos resultados mundialmente, visto que, promove
a construção de uma formação integral, versátil e pertinente com a realidade atual. Além disso,
o novo modelo proposto se estrutura nos princípios humanizadores da Paideia Grega,
garantindo, nesse sentido, o adjetivo qualitativo do direito à educação no país.
Os princípios gregos pontuavam como primordial o desenvolvimento do sentir, agir e
pensar. Assim, apropriando-se dessa mentalidade a estrutura educacional atual, deve se
desdobrar, necessariamente, como Paideia Digital.
Acerca do colocado, Rui Fava concluiu:

Os conceitos, princípios, paradigmas da Paideia Digital poderão ser o alicerce


que a Educação 3.0 disponibiliza para que as instituições de ensino se
adequem a este novo mundo, fórmulas e modalidades profícuas, díspares de
trabalho, menos estático, mais interativo, participativo, digital, competitivo,
no qual a criatividade, inovação, atratividade são transcendentais,
imprescindíveis, vitais para a empregabilidade e à emergente Economia
Criativa. (FAVA, 2016, p. 265).

120
Percebe-se a quão imediata se estrutura a necessidade de revolucionar os meios
educacionais, para que haja, de fato, a concretização legal do direito isonômico a educação de
qualidade. Deste modo, a nova proposta educacional tecnológica relacionará a realidade
trabalhista com a formação educacional, promovendo, assim, uma sociedade desenvolvida e
marcada pelo saber efetivo, através da concretização da educação libertadora de Paulo Freire,
visto que, a nova estrutura se baseia na autonomia do indivíduo, nas suas possibilidades e no
seu amparo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se, a partir do presente trabalho o alcance efetivo das atuais demandas do


sistema educacional brasileiro, visto que, a educação se enquadra como um direito social e
fundamental, enquanto mecanismo de humanização e auxílio. Sabe-se que o Brasil se enquadra
entre os índices mais ineficientes no tocante a qualidade de ensino, resultado de uma longa
estrutura de desigualdade social, concentração de renda e desvalorização dos meios
educacionais e científicos. Tais ambientes urgem, portanto, de uma Revolução Tecnológica.
Mundialmente, percebe-se a tendência de renovação do mercado trabalhista. Como
desenhado pelo presente trabalho, a nova estrutura demanda por profissionais flexíveis,
criativos e de amplo conhecimento frente aos mecanismos tecnológicos, visto que, a tecnologia
pode ser descrita como um dos pilares da nova era. Seguindo tais percepções, pontua-se a
obrigação estatal em garantir, equitativamente, o direito à educação de qualidade, no entanto,
essa necessidade social só será garantia notória se houver a inter-relação com a realidade digital.
Diante o exposto, aponta-se que o aparato educacional se enquadra entre os caminhos
mais oportunos para o desenvolvimento nacional, para a desconstrução de estruturas
desamparadas, perigosas e ineficientes e para a formação completa da nação. Porém, tal direito
fundamental, no que tange a adequação para o mercado trabalhista e para o desenvolvimento
integral do ser, somente se concretizará com a inclusão da Paideia Digital. Dessa forma,
conclui-se que a renovação digital, de maneira efetiva, nos meios educacionais é a resposta para
a garantia jurídica do direito à educação de qualidade, concretizar-se na realidade brasileira.

121
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte - Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 maio
de 2020.

ECCO, Idanir; NOGARO, Arnaldo. A educação em Paulo Freire como processo de


humanização. Educere – XII Congresso Nacional de Educação, 2015. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/18184_7792.pdf. Acesso em: 26 maio de
2020.

FAVA, Rui. Educação para o século 21: A Era do Indivíduo Digital. 1ª. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2016.

FAVA, Rui. Trabalho, educação e inteligência artificial: A Era do Indivíduo Versátil.


Porto Alegre: Penso, 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/594559/mod_resource/content/2/Texto6-Freire-
1parte.pdf. Acesso em: 26 maio de 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a


pesquisa jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010

TEIXEIRA, Anísio. Educação é um Direito. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas
para el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

122
OS PREJUÍZOS SOCIOJURÍDICOS GERADOS PELA UBERIZAÇÃO DAS
PROFISSIONAIS DA FAXINA
HE SOCIO-LEGAL LOSSES GENERATED BY THE UBERIZATION OF
CLEANING PROFESSIONALS

Gabriella Miraíra Abreu Bettio 1

Resumo
Esta pesquisa, baseia-se nos impactos da tecnologia nas relações de trabalho, em questão o
fenômeno da uberização. Seu objetivo é debater as relações de trabalho pautadas neste
sistema, analisando as implicações dele nos âmbitos psicológico e social das trabalhadoras e
sua relação com a cultura do machismo, para problematizar em que medida esse fenômeno
beneficia as cidadãs. Partindo do aporte teórico sustentado por Ana Carolina Paes Leme e por
ponderações de Chimamanda Adichie, este artigo analisará criticamente a relação tecnologia
/novas formas de gestão, apontando a intensificação da precarização do trabalho, a
desumanização dos funcionários e a opressão das faxineiras.

Palavras-chave: Garantia de direitos, Faxineiras, Relações de trabalho, Uberização

Abstract/Resumen/Résumé
This article is based on the increasing technological impacts on work relations. It's objective
is to discuss the work relations based on uberization, analyzing the implications of this
phenomenon in what regards worker's psychological and social needs, in an attempt to
problematize the extent to which this phenomenon is beneficial for this citizens. Starting
from the theoretical contribution supported by Ana Carolina Leme and Chimamanda Adichie
considerations, this article constructs a critical analysis of the relation the advancement of
technology/new forms of management, pointing to the intensification of job precariousness,
the dehumanization of workers and the oppression of cleaning ladies.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Rights guarantee, Cleaning ladies, Labor relations,


Uberization

1 Graduanda em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

123
1

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa possui como tema o fenômeno da uberização nas relações de


trabalho no Brasil, na perspectiva dos prejuízos, psicológico e sociais, para profissionais da
limpeza, provenientes do descaso com essas trabalhadoras. O acesso ao trabalho formal no país,
apesar de garantido no artigo sexto da Constituição Brasileira de 1988, não é exercido por todos
os cidadãos desempregados. Por conseguinte, muitos trabalhadores, recorrem a plataformas
digitais, com o intuito de divulgar seus serviços. Contudo, tais plataformas carecem de melhorias
no trato com os trabalhadores, uma vez que não desenvolvem um vínculo empregatício com
estes, deixando-os desprotegidos e expostos a diversos riscos.
É preciso considerar que o fenômeno da uberização não é de todo negativo. No quesito
econômico, a flexibilização das relações de trabalho apresenta-se como uma alternativa à crise
vivida no Brasil, cuja previsão da taxa de desemprego média em 2020 chega a 17,8%, segundo
a FGV (TAXA..., 2020). Contudo, deve-se enfatizar, para além da economia, o bem-estar dos
cidadãos que fazem uso das plataformas especializadas na promoção de diversas atividades. De
fato, os prejuízos psicológicos e sociais gerados a profissionais da limpeza que divulgam seus
serviços por tais meios merecem ser enfatizados, tendo em vista a falta da relação trabalhista
entre as empresas e as trabalhadoras numa realidade marcada pelo machismo e opressão da voz
feminina.
Nesse sentido, a revisão da flexibilização das relações trabalhistas e a instauração de
um projeto humanista estruturam-se como as chaves transformadoras das garantias dos direitos
dessas trabalhadoras. O artigo sétimo da Constituição de 1988 assegura diversos direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, entre eles a garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para
os que percebem remuneração variável e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança (BRASIL, 1988). Entretanto, a eficácia desses direitos
é questionável no sistema uberizado, tendo em vista que a flexibilização das relações de
trabalho, que deve ser reestruturada, se desvincula de tal obrigatoriedade no zelo para com as
funcionárias.
A pesquisa que se propõe pertence à vertente metodológica jurídico-sociológica. No
tocante ao tipo de investigação, foi escolhido, na classificação de Witker (1985) e Gustin (2010),
o tipo jurídico-projetivo. O raciocínio desenvolvido na pesquisa será predominantemente
dialético. Dessa maneira, a pesquisa tem como objetivo analisar os impactos do fenômeno da
uberização nos âmbitos psicológicos e sociais da vida das faxineiras, esclarecendo se os direitos

124
2

trabalhistas previstos no artigo sétimo da Constituição estão sendo respeitados e eficazes na


proteção das trabalhadoras.

2. O AVANÇO DA TECNOLOGIA COMO ELEMENTO TRANSFORMADOR DA


SOCIEDADE E A UBERIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

É inegável a influência da tecnologia no modo como a sociedade se estrutura.


Independentemente do país em questão, a tecnologia foi e continua sendo um elemento
transformador. Expressa-se tal transformação mediante, por exemplo, a análise de como a
terceira e quarta revoluções industriais modificaram o modo como a sociedade se regia,
iniciando uma era marcada pela presença de indústrias e maquinários, aonde a globalização
tornou-se cada vez mais expressiva. No âmbito trabalhista, o avanço tecnológico é um ponto
fundamental no modo como as relações de trabalho são exercidas.
Segundo afirma José Luiz Souto Maior,

O desenvolvimento tecnológico provoca impactos na organização produtiva e


consequentemente na estruturação da sociedade caracterizada pelo modo de produção
capitalista. A tecnologia, em si, não é uma revolução, servindo isto sim, à reprodução
do mesmo sistema, mas gera repercussões que explicitam contradições que permitem
uma melhor concepção da realidade. (MAIOR, 2017, p. 45).

Observa-se tais impactos, por exemplo, na migração do trabalhador para o ciberespaço.


Nesse contexto, passa a se desenvolver novas formas de trabalho, entre elas o crowdsourcing,
que se refere a um tipo de trabalho descentralizado, praticado pela empresa Amazon, por
exemplo, e o fenômeno da uberização, cujo objetivo não consiste em compartilhar um objeto,
um espaço ou uma troca de serviços, mas sim na própria venda da força de trabalho do indivíduo.

O termo “uberização” é uma referência ao método inovador e particular praticado pela


empresa Uber com relação ao modelo de organização trabalhista. Sem qualquer vínculo
empregatício com os trabalhadores, esse tipo de trabalho corresponde a uma plataforma na qual
indivíduos podem divulgar seus serviços, trabalhando de forma autônoma, sem os amparos
legais garantidos pela assinatura da carteira de trabalho do funcionário.
Apesar dos bônus gerados pela uberização, como, por exemplo, no quesito econômico
cuja flexibilização das relações trabalhistas apresenta-se como uma alternativa à crise vivida no
Brasil, uma vez que a previsão da taxa de desemprego média em 2020 chega a 17,8%, segundo
a FGV (TAXA..., 2020), deve-se considerar também os ônus desse fenômeno. Para além da
economia, considera-se o bem-estar dos cidadãos que fazem uso das plataformas “uberizadas”
e os prejuízos psicológicos e sociais gerados a esses trabalhadores, tendo em vista a falta de

125
3

segurança e garantias das plataformas, além do descaso exercido por estas no trato com o
cidadão.
Segundo Ana Carolina Reis Paes Leme,

Respondendo à indagação da Uber: “Do you want to be part of the Future or do you
want to resist the future?”, na condição de motorista, aderir ao sistema Uber de
trabalho precarizado, a médio prazo, corresponde a ter prejuízo, em virtude da evidente
depreciação do veículo e do próprio corpo. A longo prazo, significa ficar sem trabalho,
devido ao carro automático e a possíveis doenças ocupacionais. Na condição de
governante, não há mais controle sobre a atividade pública, que é o transporte de
passageiros, tendo como consequência a desconstrução de todo um sistema de
tarifação pública, transformando-se em tarifa privada, ou, pior, dinâmica. Na condição
de taxista, o modelo Uber corresponde à concretização da desregulação do mercado.
Ressalte-se que os usuários podem ter seus dados pessoais violados e podem ser
rastreados por meio do GPS instalado em seus próprios celulares. Possivelmente, não
é desse futuro “uberizado” que se quer fazer parte.
O marketing, em si, como estratégia de comunicação (e vendas) não é bom ou ruim. O
problema é utilizá-lo como ferramenta sofista, com efeitos devastadores na vida das
pessoas (PAES LEME, 2017, p. 86).

A problematização apontada pela autora procura denunciar que tais meios inovadores
de marketing e serviços, correspondente a métodos como a uberização, não consideram os
fatores trabalhistas e sociais dos trabalhadores que fazem uso dessas plataformas, nesse caso da
Uber, e que é fundamental, para os que lidam com as implicações e os efeitos devastadores
causados por essa relação de trabalho, serem assistidos e considerados, de maneira humanista,
quando se visa usá-los como força de trabalho. Ademais, Ana Carolina Reis Paes Leme pontua
que o marketing em si não é bom ou ruim para a sociedade, mas que o que o torna maléfico ou
benéfico é o modo como é aplicado nesta, sendo inevitável que ocorra, porém, podendo ser
aprimorado a fim de considerar suas implicações para os trabalhadores, não apenas para os
empregadores.
Sob esse prisma, afirma-se que a questão da desumanização do trabalhador influenciou
e influencia notoriamente a situação atual dos usuários das plataformas de divulgação, visto que
eles se encontram inseridos num sistema criado pelos empregadores e em prol dos benefícios
destes, cuja visão dos trabalhadores corresponde a um meio, uma ferramenta, para a obtenção
de capital e êxito, não como objetivo a ser alcançado, colaborando com as dificuldades, abusos
e descasos vividos por estes e com a falta de suas garantias individuais no ambiente de trabalho.

3. A OPRESSÃO FEMININA, A LUTA PELA IGUALDADE DE GÊNEROS E AS


PROFISSIONAIS DA LIMPEZA.

Para iniciar uma análise sobre a opressão feminina e a luta constante pela igualdade de
gêneros, é necessário, primeiramente, compreender a construção histórica que nos levou a isso.

126
4

Segundo Yuval Noah Harari, autor do livro “Sapiens- Uma breve história da
humanidade”,

A teoria mais comum aponta para o fato de que os homens são mais fortes que as
mulheres e utilizaram sua maior capacidade física para obrigá-las a se submeterem.
Uma versão mais sutil dessa afirmação sustenta que sua força permite que eles
monopolizem tarefas que demandam trabalho braçal, como arar e colher. Isso lhes dá
o controle da produção de alimentos, o que, por sua vez, se traduz em influência
política. (HARARI, 2017, p.164).

Contudo, ainda citando o autor,

A cultura tende a argumentar que proíbe apenas o que não é natural. Mas, de uma
perspectiva biológica, não existe nada que não seja natural. Tudo o que é possível é,
por definição, também natural. Um comportamento verdadeiramente não natural, que
vá contra as leis da natureza, simplesmente não teria como existir e, portanto, não
necessitaria de proibição. [...] Faz pouco sentido, então, afirmar que a função natural
da mulher é dar à luz, ou que a homossexualidade não é natural. A maior parte das leis,
normas, direitos e obrigações que definem masculinidade e feminilidade refletem mais
a imaginação humana do que a realidade biológica. (HARARI, 2017, p.155-157).

Logo, pode-se dizer que o que fez com que as mulheres fossem hoje consideradas
inferiores aos homens e dependentes dos cuidados desses é o fato de que, segundo a teoria mais
comum, essas serem biologicamente mais fracas que os homens. Por conseguinte, iniciou-se
uma linha de pensamento que definiu o que era aceitável ou não de ser feito pelas mulheres,
levando em conta suas limitações biológicas e a partir disso, surgiram as privações impostas ao
sexo feminino pela simples razão de ser.
Tais imposições moldaram, no mundo ocidental, cuja influência cristã foi mais efetiva,
a visão do que é ser mulher e o que é permitido ou não a uma mulher fazer.
Como foi dito por Chimamanda Ngozi Adichie, autora nigeriana e feminista,

A forma como os gêneros funcionam hoje é uma grave injustiça. Todos deviam ficar
com raiva. [...] o gênero é importante em todo o mundo, mas quero falar
especificamente sobre a Nigéria e sobre a África em geral, porque são os lugares que
conheço e é neles que está o meu coração. [...] hoje eu gostaria de pedir que
começassemos a sonhar e a planejar um mundo diferente, mais justo, um mundo de
homens e mulheres mais felizes que sejam verdadeiros consigo mesmos. [...] Por que
o sucesso da mulher seria uma ameaça ao homem? E se decidirmos simplesmente
descartar esse termo? Acredito que não exista um termo que eu detesto mais do que
"tirar a masculinidade". [...] Por ser mulher, devo ansiar pelo casamento. Devo fazer
minhas escolhas de vida sempre tendo em mente que me casar é a mais importante de
todas. O casamento pode ser uma coisa boa, pode ser fonte de alegria, amor e respeito
mútuo, mas por que ensinar as meninas a desejarem se casar se não ensinamos o
mesmo aos meninos? (ADICHIE, 2013).

Em se tratando das profissionais da limpeza, em específico as empregadas domésticas,


a relação entre a opressão feminina e a luta pela igualdade de gêneros se dá exatamente no fato

127
5

de tais serviços serem feitos, majoritariamente por mulheres, uma vez que são considerados
trabalhos femininos, isentos de masculinidade. Ser mulher no Brasil já é lidar constantemente
com a opressão da sociedade, as duplas jornadas de trabalho e as desigualdades no meio
trabalhista, como a diferença na questão salarial em se tratando de uma mesma função. Contudo,
para as faxineiras, essa opressão é ainda maior, tendo em vista que na região Sudeste, por
exemplo, além de serem mulheres, as profissionais da limpeza são, em sua maioria, negras e
pobres. Segundo a pesquisa “O Emprego doméstico no Brasil” (Dieese/2013), o percentual
correspondeu a 52,3%, em 2004, atingindo 57,2%, em 2011 (TRABALHO..., 2015).
A voz da mulher brasileira deve ser ouvida para que se possa incentivar uma mudança
de pensamento na sociedade e se aproximar do almejado na luta pela igualdade de gêneros. Em
um cenário cuja opressão é tão elevada e a presença da cultura patriarcal é tão forte, as
trabalhadoras já são excessivamente marginalizadas. Tal realidade é ainda mais agressiva
quando se entra em pauta a questão da mulher periférica, pobre e negra, cujo trabalho já é visto
como inferior em comparação a outros. A inferiorização das faxineiras corrobora para com o
modo como essas são tratadas em seus serviços e geram impactos negativos à sua saúde
psicológica, devendo ser trabalhada para que os abusos às empregadas domésticas não sejam
perpetuados na sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto, verifica-se que além de a humanização contribuir para os avanços


da economia do Brasil sem deixar de lado a efetivação dos direitos dos trabalhadores, a sua
proteção e o amparo legal das empresas em determinadas situações, ela contribui também para
dar voz às profissionais da limpeza em meio ao cenário opressor e excludente, marcado pelo
machismo e pela discriminação, de modo a trazer benefícios individuais a essas mulheres e ao
coletivo, do ponto de vista da inclusão social e da luta pela não opressão das trabalhadoras.
Dessa forma, é necessário ressaltar a importância da revisão do modo como a
flexibilização das relações trabalhistas se dá atualmente para, a partir disso, buscar maneiras de
efetivar a instauração de projetos humanistas integrados aos novos tipos de trabalho, unindo a
praticidade desses fenômenos ao cuidado com o indivíduo. Além disso, em âmbito nacional, é
necessário reestruturar e implementar políticas públicas que busquem garantir, de maneira
incisiva e efetiva, os direitos das trabalhadoras que divulgam seus serviços por meio das
plataformas “uberizadas”, além de lutar contra a cultura da opressão feminina, para reforçar o
apoio as cidadãs, sobretudo às faxineiras de aplicativo.

128
6

O Brasil como um todo, necessita de rever o modo como se relaciona com a tecnologia
e os impactos dessa nas relações de trabalho, para que assim possa se adaptar à nova realidade
sem desassistir os cidadãos que se aventuram no fenômeno da uberização. Apesar de o Estado
garantir, através das leis trabalhistas e da Constituição de 1988, os trabalhadores, na prática as
políticas governamentais têm se mostrado ineficazes. Por esse motivo, o governo tem de investir
na inserção saudável e assistida da uberização na sociedade, pois somente assim o Brasil poderá
crescer sem que para isso precise explorar e desassistir as mulheres trabalhadoras do país.

5. REFERÊNCIAS

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. We should all be feminists. Canal TEDxEuston. 12 de abril


de 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hg3umXU_qWc Acesso em: 02
de julho de 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 26 de maio
de 2020.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa
jurídica: teoria e prática. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM
Editores S. A., 2017. p. 155-164.

LEME, A. C. R. P. Uber e o uso do marketing da economia colaborativa. In: LEME, A. C. R.


P.; RODRIGUES, B. A.; CHAVES JUNIOR, J. E. R. Tecnologias disruptivas e a exploração
do trabalho humano. São Paulo: LTr, 2017. p. 77-88.

MAIOR, J. L. S. Impactos da Tecnologia no Mundo do Trabalho, no Direito e na Vida do Juiz.


In: LEME, A. C. R. P.; RODRIGUES, B. A.; CHAVES JUNIOR, J. E. R. Tecnologias
disruptivas e a exploração do trabalho humano. São Paulo: LTr, 2017. p. 44-55.

TAXA de desemprego média deve subir para 17,8% neste ano, projeta FGV. Portal G1. 24 de
abril de 2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/04/24/taxadedesemprego-media-deve-subir-
para178percent-neste-ano-projeta-fgv.ghtml Acesso em: 26 de maio de 2020.

TRABALHO doméstico: mulheres negras são a maioria na categoria e têm os piores salários.
Portal Nós Mulheres da Periferia. 08 de março de 2015. Disponível em:
http://nosmulheresdaperiferia.com.br/noticias/trabalho-domestico-mulheres-
negrassaoamaioria-na-categoria-e-tem-os-piores-salarios/ Acesso em: 02 de junho de 2020.

WITKER, Jorge. Como elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas y técnicas para
el estudiante o investigador del derecho. Madrid: Civitas, 1985.

129
O DIAGNÓSTICO GENÉTICO DE PRÉ-IMPLANTAÇÃO: O DIREITO E A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
THE GENETIC PRE-IMPLANTATION DIAGNOSIS: THE LAW AND DIGNITY OF
THE HUMAN PERSON.

Giovanna de Menezes Bernardo

Resumo
A presente pesquisa teve por objetivo o estudo sobre o diagnóstico de pré-implantação,
procurando demonstrar os avanços tecnológicos no campo genético, seus aspectos positivos,
negativos e a problemática em torno de sua regulação legal e principiológica. Inicialmente,
buscou-se aclarar os conceitos e eficácia dos princípios fundamentais humano, trazendo o
debate em torno do assunto.

Palavras-chave: Biotecnologias, Dignidade da pessoa humana, Direitos fundamentais,


Intervenções genéticas

Abstract/Resumen/Résumé
The objective of this research was to study the pre-implantation diagnosis, seeking to
demonstrate technological advances in the genetic field, its positive and negative aspects and
the problems surrounding its legal and principiological regulation. Initially, we sought to
clarify the concepts and effectiveness of the fundamental human principles, bringing the
debate around the subject.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Biotechnologies, Dignity of human person,


Fundamental rights, Genetic interventions

130
O DIAGNÓSTICO GENÉTICO DE PRÉ-IMPLANTAÇÃO: O DIREITO E A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

INTRODUÇÃO
Os direitos e as garantias fundamentais são encontrados na Constituição Federal de 1988
em seu Título II, é relevante compreender a diferença entre direitos e garantias fundamentais,
que muitas das vezes partem do pressuposto que se tratam de sinônimos, dessa maneira faz-se
necessária uma análise em seus conceitos e aplicabilidade. A respeito Sarlet (2015, n.p.) narra
que:

Em caráter ilustrativo, encontramos em nossa Carta Magna expressões como:


a) direitos humanos (art. 4º, inc. II; b) direitos e garantias fundamentais
(epígrafe do Título II, e art. 5º, § 1º); c) direitos e liberdades constitucionais
(art. 5º, inc. LXXI) e d) direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, inc. IV).

Os termos direitos humanos e direitos fundamentais são tidos como sinônimos, no


entanto, há uma distinção entre os mesmos, sendo dos direitos fundamentais aqueles
reconhecidos positivamente na Constituição de determinado Estado, enquanto que direitos
humanos, tutela ligação com os tratados, documentos de direito internacional.

O termo “direitos do homem”, de sentido marcadamente jus naturalista, aplica-se de


maneira que torna necessária a limitação entre a concepção contemporânea dos direitos
fundamentais e humanos que devido sua relevância contribuiu para a positivação dos direitos
fundamentais.
Acerca da referida discussão Sarlet (2015) aduz qual é a melhor expressão a ser adotada,
tem-se que o uso da terminologia mais recorrente é “direitos humanos fundamentais”, a qual
tem a vantagem em ressaltar a unidade essencial e indissolúvel entre direitos humanos e direitos
fundamentais. No entanto, tendo relevância na distinção entre seus critérios, aponta a
fundamentalidade material e formal, sendo este comum aos direitos humanos e fundamentais
constitucionais
No art.1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, é reconhecido no âmbito do
direito positivo, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, o qual não foi previsto
em direito anterior. A valorização da dignidade da pessoa humana foi instrumento que
estabeleceu a ordem econômica, assegurando que todos tenha uma existência digna, fundando

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o planejamento familiar e da paternidade responsável. Nesse sentindo Sarlet (2015 n.p.)
assevera:

[...] o valor da dignidade da pessoa humana foi objeto de previsão por parte
do Constituinte, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por fim
assegurar a todos uma existência digna (art. 170, caput), seja quando, no
âmbito da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, §6º), além
de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (art. 227, caput).
Assim, ao menos neste final de século, o princípio da dignidade da pessoa
humana mereceu a devida atenção na esfera do nosso direito constitucional.

Não resta dúvidas que a dignidade, como qualidade inerente da pessoa humana, é algo
que existe sendo simplesmente irrenunciável e inalienável, na proporção em que constitui
elemento que qualifica o ser humano como tal, sendo algo que se protege, respeita e reconhece,
não podendo ser criado ou retirado, já que é intrínseco a cada ser humano.
O Diagnóstico genético pré-implantacional (DGPI) é uma técnica realizada em
embriões que se encontram num estágio de oito células obtidos pela técnica de fertilização in
vitro (FIV) que permite a análise genética de precaução antes de ser implantado no útero.
Segundo Habermas (2010, p. 24), no início o procedimento é colocado ao domínio de
pais que querem evitar o risco da transmissão de doenças hereditárias. Vindo a ser confirmada
algum tipo de doença, o embrião analisado na proveta poderá não ser reimplantado na mãe;
desse modo, ela é poupada de uma futura interrupção da gravidez, que do contrário, seria
efetuada após o diagnóstico pré-natal.
A técnica é de utilização legítima se o objetivo for terapêutico, que não ofenda a
integridade do embrião, ou como aconselhamento á gestação, no caso de prepará-la contra os
riscos. Contudo, existe o debate entre a liberdade de escolha dos pais sobre o embrião, e o
direito à vida do pré-implantacional (in vitro).
Todo o sistema jurídico é a expressão de um sistema de valores concretos, em
consequência, na atual conjuntura é perceptível que as ciências da vida necessitam de uma
regulação que nos garanta que os grandes parâmetros éticos compartilhados por grupos sociais
sejam respeitados em todos os momentos, sobre tal importância, Habermas (2010, p. 28-29)
nos indaga a certa maneira que:

A aplicação da técnica de pré-implantação vincula-se a seguinte questão


normativa: É compatível com a dignidade humana ser gerado mediante
ressalva e, somente após um exame genético, ser considerado digno de uma
existência e de um desenvolvimento? Podemos dispor livremente da vida

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humana para fins de seleção? Uma questão semelhante se faz quanto aos
aspecto do “consumo” de embriões (inclusive a partir das próprias células
somáticas) para suprir a vaga de um dia poder-se produzir e enxertar tecidos
transplantáveis, sem ter de enfrentar o problema de transpor barreiras da
rejeição a células estranhas.

Não obstante, os legisladores se defrontam, em relação a novas tecnologias, com um


problema que poderia qualificar como a incerteza na hora de definir os verdadeiros riscos que
devem prevenir e que podem estar vinculados a essas tecnologias. A Resolução do Conselho
Federal de Medicina nº 1.358/92 veda o descarte dos embriões excedentários, no seguinte
termo:
O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado
aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a
fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado
ou destruído.

Nos dias atuais, ainda não há legislação brasileira específica, que trata do diagnóstico
pré-implantacional, no entanto a Resolução 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina,
dispõe em seus princípios das técnicas realizadas de reprodução assistida que não devem ser
empregues para selecionar sexo, ou qualquer outra característica biológica do futuro filho que
vier a nascer:

As técnicas de RA também podem ser utilizadas na preservação e tratamento


de doenças genéticas ou hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com
suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica
1 - Toda intervenção sobre embriões "in vitro", com fins diagnósticos, não
poderá ter outra finalidade que não a de avaliar sua viabilidade ou detectar
doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.
2 - Toda intervenção com fins terapêuticos sobre embriões "in vitro" não terá
outra finalidade que não a de tratar uma doença ou impedir sua transmissão,
com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado
do casal.
3 - O tempo máximo de desenvolvimento de embriões "in vitro" será de 14
dias.

Ainda, a Lei 11.105/05 em seu art. 5º, dispõe que não há permissão, nem vedação
expressa ao descarte de embriões humanos. Dessa maneira, observa-se que há controvérsias,
sobre o destino e estudo em embriões e embriões excedentes.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade discutiu-se a constitucionalidade do art. 5º
da Lei de Biossegurança (nº 11.105/05), o relator Carlos Ayres Britto qualificou a Lei de
Biossegurança como um “perfeito” e “bem concatenado bloco normativo”. Sustentou a tese de

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que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano.
Segundo ele, tem que haver a participação ativa da futura mãe.
O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito julgou a ação parcialmente procedente.
Segundo Menezes Direito, “as pesquisas com as células-tronco podem ser mantidas, mas sem
prejuízo para os embriões humanos viáveis, ou seja, sem que sejam destruídos”.
Desde a formação do zigoto, o concepto é um indivíduo humano explorando o seu
próprio programa de desenvolvimento, o qual, enquanto genoma é completo e suficiente, ou
seja, nada se torna humano se já não o é desde então.
No debate bioético envolvendo as novas tecnologias, destaca-se que deve existir o
equilíbrio adequado entre a liberdade e a dignidade da pessoa humana, para que evite-se a
coisificação do homem, e nesse sentido destaca Adorno (2009, p. 82):

Esta explicação de dignidade se traduz em uma exigência de não


instrumentalização da pessoa humana e é sumamente esclarecedora no campo
da bioética. Significa por exemplo, que não se pode sacrificar uma vida de
uma pessoa para salvar a que precisa de um órgão vital; não se pode submeter
um indivíduo a experimento científico sem o seu consentimento ou quando o
expõe a perigo de vida. Assim, através da exigência de não instrumentalização
da pessoa, o princípio da dignidade da pessoa permite fixar limites éticos ás
intervenções biomédicas no ser humano.

A vida humana em si é um valor superior do ordenamento constitucional, é do interesse


de todos, necessária à nossa autorreferência como espécie. Os avanços científicos/tecnológicos
devem pautar-se aos valores dispostos na constituição. Todo e qualquer avanço tem um preço
e esse não pode ser pago com vidas humanas.
A liberdade e a igualdade remetem um ao outro no pensamento político e para uma vida
digna para o ser humano, tais institutos são valores que fundamentam á democracia, no entanto,
necessita-se verificar as condições para sua efetivação, e como permitir que alguém decida que
outrem não deve viver ou não deva ser, de maneira a coibir a crença de perfeição sobre o ser
humano.

PROBLEMA DE PESQUISA
Inicialmente, buscou-se aclarar os conceitos e eficácia dos princípios fundamentais
humano, trazendo o debate em torno do assunto. Em seguida tratou-se do conceito e utilização
do diagnóstico de pré-implantação, a questão dos limites da biotecnologia em relação ao direito
do nascituro in vitro e os impactos biotécnicos.

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OBJETIVO
O objetivo da presente pesquisa será proceder um estudo do diagnóstico de pré-
implantação, em razão dos avanços tecnológicos de pesquisas em células-tronco embrionárias
que no Brasil se popularizou sem prévia regulamentação, ocasionando questões de difícil
resolução na esfera jurídica e prática. Pretender-se-á esclarecer que ainda não existe
regulamentação legal que busca contribuir e fiscalizar o desenvolvimento de pesquisas no
campo genético, em respeito aos direitos fundamentais humanos, e dignidade da pessoa
humana, devendo resguardar os limites principiológicos do texto constitucional e se abster de
condutas que configurem abuso de direito em abandono ao ideal individualista.

METODOLOGIA
Para a obtenção dos resultados almejados na presente pesquisa, o método de abordagem
utilizado será o dialético, a partir de um diálogo das diversas fontes pesquisadas que tratam do
tema, de forma a alcançar os resultados propostos. A metodologia de investigação utilizada será
a pesquisa de caráter essencialmente bibliográfico.

CONCLUSÃO
Os avanços tecnológicos obtidos nos últimos tempos pelos seres humanos tem
ocasionado grandes mudanças sociais, a incansável busca pelo aperfeiçoamento humano, tema
de grande importância e tratado por todas as ciências, revelam o desejo do homem pela
perfeição na busca de seus anseios.
O embrião ainda não é detentor de direitos da personalidade quando no período entre
a fertilização in vitro e a implantação in útero, ou seja, a proteção será concedida ao embrião
segundo o regulamento ético/jurídico que lhe seja atribuído, sendo que a proteção legal deve
superar ao nascimento, desde o momento da concepção.
Na atual conjuntura, o anseio de se ter um filho “perfeito”, sem anomalias incentivou
e intensificou a busca de intervenções biotecnológicas de aprimoramento genético, o que por
algumas vezes é inconstitucional por não pautar-se em princípios fundamentais humanos.
A busca em satisfazer a própria vontade com uso desenfreado dos avanços
biotecnológicos, pode acarretar num conflito de interesses. O Direito deve alcançar os avanços
em tempo de apresentar uma interpretação judicial coerente.
Com o avanço no campo genético e a falta de regulamentação e controle sobre a
reprodução assistida através do diagnóstico pré-implantacional, garante aos pais a escolha de
implantar ou não o embrião, o que acarreta o desperdício de vidas humanas e a primazia de uma

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pessoa sobre a outra, o que difere ao princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é inerente
a todos, sem peculiaridades.
O Diagnóstico pré-implantacional é benéfico se com sua utilização o objetivo seja
terapêutico, não ofendendo a integralidade do embrião e na tentativa de evitar uma gravidez de
riscos.
Por fim conclui-se que, a vida e a liberdade são alguns dos atributos mais importantes
inerentes ao ser humano, devem ser protegidos por todos e pelo Estado de direito, se há vida há
necessidades e direitos a serem garantidos a esta, os seres humanos carregam desde sua criação
uma intrínseca qualidade superior a de outras espécies, sendo uma vida tão importante quanto
a outra.

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REFERÊNCIAS

ADORNO, Roberto. Liberdade, e dignidade da pessoa. Dois paradigmas opostos ou


complementares da bioética? In: Bioética e responsabilidade. COSTA, Judith Martins;
MOLLER, Letícia Ludwig. (orgs). Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.73-93;

HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. A caminho de uma eugenia liberal?


Trad. Karina Janini. São Paulo: Martins Fontes, 2010;

SALES, Ramiro Gonçalves, Alcântara, Regis Luiz Jordão. Diagnóstico Genético de Pré-
Implantação, Dignidade da pessoa humana e Eugenia Liberal. Disponível em:
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=52c5189391854c93. Acesso em 18 Abr 2020.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: Uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12.ed.rev.atual e ampl. Porto Alegre;
Livraria do Advogado Editora, 2015.

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