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2007 n1 Out Nov Dez
2007 n1 Out Nov Dez
Editorial
Expediente 2
Editorial 4
CONSELHO EDITORIAL Adriana Bittencourt Campaner (SP) Gutemberg Leão de Almeida Filho (RJ) Margarida Santos Matos (BA)
Ana Carolina Silva Chuery (SP) Iara Moreno Linhares (SP) Maristela Vargas Peixoto (MS)
Carmen Regina Nogueira de Carvalho (SP) Ildete Soares Caldas (SE) Marlene Ferreira Freitas (CE)
Cecília Maria Roteli Martins (SP) Isa Maria Mello (DF) Neide Aparecida T. Boldrini (ES)
Cíntia Irene Parellada (SP) Isabel Cristina C. do Val Guimarães (RJ) Neila Maria de Góis Speck (SP)
Elisabeth Rautmann Cesarino Linhares (SP) José Humberto Belmino Chaves (AL) Newton Sergio de Carvalho (PR)
Elsa A. Gay Pereyra (SP) Julisa Chamorro Lascasas Ribalta (SP) Nilma Antas Neves (BA)
Enísia Maria R. de Queiroz Fernandes (CE) Jupira Mesquita (SP) Paulo César Giraldo (SP)
Fabio Bastos Russumano (RJ) Jurandyr Moreira de Andrade (SP) Paulo Sergio Viero Naud (RS)
Felipe Rinald Barbosa Lorenzatto (PE) Luís Fernando Sommacal (SC) Silvia Lima Farias (PA)
Filomena Marino Carvalho (SP) Manoel A. Guimarães Gonçalves (RS) Yoshiko Aihara Yoneda (SP)
Gerson Botacini das Dores (SP) Márcia Fuzaro Terra Cardial (SP)
CONSELHO EDITORIAL Cíntia Irene Parellada (SP) Isa Maria Mello (DF) Wanusia Miranda (PB)
– INTERNET Dulcimary Dias Bittencourt (PR) Nelson Vespa Jr.(SP)
CONSELHO Edmund Chada Baracat (SP) Geraldo Duarte (SP) Maria de Lourdes Gonçalves (RN)
CONSULTIVO Edson Natal Fedrizzi (SC) Ismael Dale Cotrin Guerreiro Silva (SP) Nilson Roberto Melo (SP)
NACIONAL Fátima Edilza Xavier de Andrade (RN) José Focchi (SP) Paula Ribeiro de Miranda Maldonado (RJ)
Fernando A. Soares (SP) Luciene Maria Oliveira Brito (MA) Petrus Augusto Dornela Câmara (PE)
Francisco Eduardo Prota (SP) Luiza Lina Villa (SP) Raimunda Antonia Pires Fontenele (PI)
Garibalde Mortoza Jr. (MG) Marcelo Zugaib (SP) Waldemar Riviore (RS)
Dra. Nilma Antas Neves (presidente do Congresso) e Dr. Nelson Valente (presidente da ABG)
Caros colegas,
O
14º Congresso Brasileiro de Genitoscopia – Patologia do Trato Genital Inferior, realizado
de 26 a 29 de setembro de 2007, em Salvador (BA), foi um sucesso!!! A presidente do
Congresso, Dra. Nilma Antas Neves, revela que foram cerca de 1.200 participantes e muitos
professores convidados (9 professores de outros países e 101 brasileiros). A programação científica
foi bastante abrangente e as discussões muito interessantes. Foram 4 dias de intensa participação
nas aulas e na festa de confraternização, que foi no “estilo de festa de largo baiana”, com uma banda
animadíssima e muita comida e bebida.
Durante o Congresso, foi realizada a Assembléia Geral da ABG, sob a presidência do Dr.
Nelson Valente Martins, anunciando que a cidade do próximo Congresso Brasileiro da ABG em
2010 será Gramado (RS).
A Dra. Cláudia Jacyntho premiou a autora e ganhadora do Prêmio João Paulo Rieper, Dra. Carla
Pinheiro (Vitória da Conquista – BA), com o valor de R$ 2.000,00 concedidos pela ABG.
Após discursos emocionantes, Dr. José Focchi e Dr. Carlos Eugênio Nascimento homenagearam
a presidente de honra do Congresso, Dra. Dalva Campelo Santana.
No final do Congresso, cerca de 130 candidatos realizaram a Prova para o Título de Qualificação
em Genitoscopia, sob a coordenação da Dra. Neila Speck, com muita organização e seriedade.
Diretoria Gestão 2006-2008 Enfim, o Congresso foi um sucesso de organização, de qualidade científica, de harmonia e de
Presidente Dr. Nelson Valente Martins muita alegria e descontração, afinal Salvador é a Terra da Felicidade!
Artigo Original
Avaliação citológica
na pós-menopausa: efeitos da
estrogenioterapia tópica
Cytologic evaluation after menopause:
effects of topical estrogen therapy
Summary
Objective: The objective of this study was to evaluate the effect
of intravaginal estriol on parameters of Pap smear. Methods: Total
Médica estagiária do Núcleo de Prevenção de Doenças Ginecológicas (NUPREV) da
1
of 31 postmenopausal women without hormone therapy in the
Disciplina de Ginecologia Geral do Departamento de Ginecologia da previous six months were studied. All women used intravaginal
Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de estriol 1 mg/day during 21 days. Pap smear was obtained before
Medicina (UNIFESP-EPM). Mestrado em Ciências pela FMUSP
and after treatment. The results of Pap smears were analyzed by
2
Médica-chefe, colaboradora, doutora do Núcleo de Prevenção
de Doenças Ginecológicas da UNIFESP-EPM hormone evaluation with identification of main cellular components
3
Pós-graduanda do Departamento de Ginecologia da UNIFESP-EPM (profound, intermediate and superficial cells) and establishment of
4
Médica contratada do Setor de Citologia da Disciplina de Ginecologia Geral do maturation index, which was described as low estrogenic picture
Departamento de Ginecologia da UNIFESP-EPM (atrophic) and good estrogenic picture. Results: At visit 1, 45.2%
5
Professora livre-docente do Departamento de Ginecologia da UNIFESP-EPM of women presented predominance of profound cells, 51.6% with
Revista Brasileira de Genitoscopia
Resultados
Todos os resultados da colpocitologia oncológica, de
acordo com a classificação de Bethesda, foram negativos
ou inflamatórios.
Quanto ao predomínio celular, na visita 1, 14 mu- Figuras 1 e 2. Colpocitologia oncológica pré-tratamento: ob-
lheres (45,2%) apresentaram esfregaços cérvico-vaginais serva-se predomínio de células profundas e intermediárias,
presença de leucócitos, caracterizando esfregaço atrófico
com predomínio de células profundas, 16 (51,6%) com
predomínio de células intermediárias e apenas uma
(3,2%) com predomínio de células superficiais (Figu-
ras 1 e 2). Após o tratamento (visita 2), 11 mulheres
(35,5%) apresentaram esfregaços cérvico-vaginais com
predomínio de células intermediárias e 20 (64,5%)
com predomínio de células superficiais (Figuras 3 e 4).
Nenhuma mulher apresentou predomínio de células
profundas na visita 2. (Gráfico 1).
A avaliação do índice de maturação na visita 1 mostrou Figuras 3 e 4. Colpocitologia oncológica pós-tratamento:
que 26 mulheres (83,9%) tinham esfregaços cérvico-vaginais observa-se o predomínio de células intermediárias e superfi-
atróficos enquanto 5 (16,1%) exibiam bom nível estro- ciais, caracterizando esfregaço com bom nível estrogênico
gênico. Na visita 2, esfregaços atróficos ocorreram em 4
mulheres (12,9%), enquanto que 27 (87,1%) apresentaram 25 Visita 1
Visita 2
bom nível estrogênico. Esta diferença foi estatisticamente
20
significativa (χ2 = 20,045; p = 0,000).
número de mulheres
15
Discussão
Os sintomas menopáusicos urogenitais são comuns 10
e tendem a pioram com o tempo de menopausa. Pelo
fato de exercerem impacto significativo na sexualidade 5
e qualidade de vida, a utilização de estrogênios tópicos
0
é preconizada11. profundas interm ediárias superficiais
Metanálise com 77 estudos mostrou que estrogênios Gráfico 1. Colpocitologia oncológica antes e após 21 dias
por via oral ou vaginal são eficazes no tratamento da de estriol por via vaginal – predomínio celular (n = 31)
atrofia urogenital. Em particular, a terapia local com
baixa dose é tão efetiva quanto à terapia sistêmica no No estudo de Kicovic et al.1, os esfregaços vaginais
tratamento da atrofia urogenital em mulheres pós-me- das 74 mulheres pós-menopáusicas que utilizaram es-
nopausadas12. triol vaginal 0,5 mg ou 1 mg por dia na forma de creme
De todos os estrogênios naturais, o estriol é o que ou 0,5 mg na forma de supositório vaginal durante 2 a 3
tem o tempo de ligação mais curto ao receptor estrogê- semanas mostraram desvio marcante do quadro atrófico
nico, não causando estímulo do endométrio7. Tem efeito para quadro semelhante ao que ocorre no meio do ciclo
diferencial no tecido vaginal pela presença de proteína em mulheres durante o menacme.
de ligação do estrogênio na vagina a qual não está No presente estudo, observou-se que antes do tra-
presente no endométrio, exercendo, assim, completa tamento, a maioria das mulheres (> 90%) apresentava
resposta vaginotrófica13. predomínio celular típico de hipoestrogenismo (maior
Vários estudos mostram o efeito positivo do quantidade de células profundas e intermediárias). No
estriol sobre o crescimento e maturação do epitélio entanto, houve aumento pronunciado principalmente
escamoso da mucosa vaginal e uretral. Dessole et al.14 no número de células superficiais (64,5% das mulheres)
estudaram 88 mulheres que utilizaram estriol por via após a utilização de estriol por via vaginal.
vaginal na dose de 1 mg por dia durante 2 semanas O efeito benéfico sobre a mucosa vaginal também foi con-
ou placebo e encontraram diminuição significativa firmado pela avaliação do índice de maturação. Houve desvio
do pH vaginal (5,47 vs 4,12) e aumento significativo para a direita estatisticamente significativo após o tratamento,
no índice cariopicnótico no epitélio vaginal e uretral ou seja, a taxa de esfregaços atróficos pré-tratamento foi de
após o tratamento apenas nas mulheres que foram 83,9%, enquanto que após o tratamento, 87,1% dos esfregaços
tratadas com estriol. cérvico-vaginais apresentaram bom nível estrogênico.
Referências bibliográficas
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Revista Brasileira de Genitoscopia
(CIN) or cervical carcinomas were promptly treated. Patient with low- a persistência da infecção pelo HPV e evolução para lesões
CIN lesions, abnormal Pap smear or HPV infection were selected to cervicais ainda não estão completamente esclarecidos. Alguns
be followed for 2 years, with 6-months intervals. From this group, a co-fatores, como uso de anticoncepcionais orais, tabagismo
sub-cohort defined as asymptomatic HPV infection (HPV positive but e exposição prévia a DSTs, podem influenciar na persistência
no cervical lesions) was select for analysis. Results: 147 patients were da infecção e na progressão das lesões cervicais11,12.
initially defined as asymptomatic HPV infections and 140 completely A testagem para o vírus HPV no trato genital pode ser
the follow-up phase. Their age was 36.4 ± 11 years. After 24 months of utilizada conjuntamente com a citologia e a inspeção do colo
follow-up, the indexes of viral clearance, persistence and fluctuation was uterino no rastreamento das lesões cervicais. As mulheres
65.7%, 28.6% and 5.7%, respectively. From this group, 5.7 and 10.7% portadoras dos subtipos virais de alto potencial oncogênico
presented new high-grade CIN and low-grade CIN, respectively. There possuem um risco maior de desenvolverem neoplasia intra-
was a positive association (p < 0.001) between viral infection persistence epitelial cervical (CIN) de alto grau e, conseqüentemente,
and onset of lesions. Patients with previous sexually transmitted diseases câncer cervical6,13.
(STD) presented higher HPV persistence than patients without previous O rastreamento do câncer de colo uterino pode ser reali-
STD (16.7% vs. 5.4%; p = 0.034). Conclusions: Most of the women zado utilizando-se um ou mais métodos de rastreamento. O
with asymptomatic HPV infection spontaneously presented clearance of principal método utilizado nos programas de saúde pública
the virus in 2-years follow-up. However, when persistence of the virus is é a citologia que pode ou não ser associada à inspeção do
identified, patient must have a careful screening for cervical lesions. colo uterino com lugol e/ou ácido acético. A utilização isolada
Keywords: Papillomavirus infections. Uterine cervical dysplasia. da citologia pode ter um índice de falso negativo de até 50%,
Sexually transmitted diseases. HPV DNA Probes. sendo importante a associação de métodos13-16.
O acompanhamento de mulheres portadoras do HPV
Introdução é importante e pode contribuir na escolha dos métodos
A infecção genital pelo papilomavírus Humano (HPV) de rastreamento do câncer cervical. Até o momento, não
é uma das doenças sexualmente transmissíveis (DST) mais dispomos de estudos avaliando a evolução da infecção
freqüentes e também o principal fator etiológico do câncer pelo HPV em mulheres assintomáticas10,17.
cervical1,2. No Brasil, o câncer de colo uterino ainda é um O objetivo deste estudo é determinar os índices de
dos maiores problemas de saúde pública com morbimor- persistência da infecção viral e o aparecimento de lesões
talidade elevada que gera um custo anual importante e cervicais em mulheres portadoras do HPV, previamente
sérias implicações na vida de inúmeras mulheres. A inci- assintomáticas no período de 24 meses.
dência varia conforme a região, sendo, respectivamente,
26,7/100.000 e 43,5/100.000 no Sul e Norte do país1. Material e métodos
Entre as pessoas sexualmente ativas, 70 a 80% irão Recrutaram-se de maneira consecutiva, por demanda
infectar-se pelo HPV ao longo da vida3. Estima-se que até espontânea, mulheres da região metropolitana de Porto
44% da população mundial de mulheres tenham infecção Alegre para rastreamento de câncer de colo uterino e
pelo HPV. A maioria dos estudos indica que existem dois posterior acompanhamento dos casos considerados
picos da infecção pelo HPV, sendo o primeiro abaixo dos alterados no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Esta
25 anos e o segundo após 55 anos de idade com variações pesquisa faz parte do Estudo LAMS – Latin American
importantes em diferentes populações4,5. Em estudo rea- Screening Study, descrito previamente17.
lizado no Rio de Janeiro6, entre 788 mulheres com idade As pacientes deveriam preencher os seguintes critérios:
média de 29,6 anos, a prevalência do HPV foi de 50,1%, obtenção de consentimento informado antes de qualquer
sendo que 25% das mulheres com citologia negativa eram procedimento, idade entre 15-60 anos, ausência de diag-
portadoras do HPV. Também, em outros dois estudos da nóstico de deficiência imunológica (por exemplo, infecção
mesma cidade, em mulheres do sistema público de saúde, pelo HIV, diabetes mal controlada, neoplasias, corticoterapia,
a prevalência do HPV foi de 75,6 e 77,3%. quimioterapia e uso de imunomoduladores) e desconheci-
A presença do HPV foi mais freqüente no grupo de mento de lesões cervicais, vaginais ou vulvares atuais.
mulheres do sistema público (média etária 38 anos) em Após o recrutamento, as pacientes respondiam a ques-
relação ao privado (média etária 31,5 anos)7,8. Entre 718 tionário sobre fatores de risco para câncer de colo uterino e
argentinas9, a prevalência geral da infecção pelo HPV foi realizavam coleta de exame citopatológico, testagem para
de 75%. Neste mesmo estudo, o HPV estava presente em HPV do grupo de alto risco e inspeção visual com ácido
45, 80 e 98%, respectivamente, entre as pacientes com acético e lugol. Todas estavam orientadas a não mante-
citologia normal, lesões de baixo e lesões de alto grau. rem relações, não utilizarem cremes ou duchas vaginais e
A aquisição do HPV é freqüente após a iniciação sexual estarem sem menstruação há pelo menos três dias.
e a grande maioria destas mulheres não desenvolve lesões O exame citopatológico de colo uterino foi coletado
cervicais. Especialmente nas populações jovens, o índice de através de espátula de Ayre, amostra ectocervical, e escova,
desaparecimento da infecção pelo HPV é alto, chegando a 80% amostra endocervical, sendo distendido em lâmina e fixado
após 18 meses da aquisição4,10. Os fatores que determinam com gotejamento de solução de polietileno-glicol 50 g +
10 Infecção assintomática pelo papilomavírus humano (HPV) no Sul do Brasil: acompanhamento de dois anos
Revista Brasileira de Genitoscopia
álcool 95%. A análise foi realizada pelo Laboratório Moo- A testagem para HPV de alto risco, então, foi realizada
gen, laboratório responsável pela interpretação de exames na visita inicial (M0), 12 meses (M12) e 24 meses (M24)
da Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, após entrada no estudo.
utilizando a classificação de Bethesda 2001. Resultados Foram selecionadas para análise neste estudo pa-
referidos como carcinoma, HSIL (lesão escamosa intra- cientes definidas como HPV assintomática de acordo
epitelial de alto grau), LSIL (lesão escamosa intra-epitelial com os seguintes critérios:
de baixo grau), atipias de células escamosas de significado • Testagem positiva para HPV;
indeterminado e atipias glandulares foram considerados • Inspeção visual normal ou inspeção visual alterada com
como alterados. Amostras não representativas da junção colposcopia normal ou inspeção visual alterada com
escamo-colunar exigiram nova coleta. colposcopia alterada, mas com biópsia normal;
A detecção de HPV de alto risco foi realizada pelo exame • Exame citopatológico normal.
de Captura Híbrida II (HCII – Digene Corporation; Gaithersburg, MD,
EUA) coletado logo após a citologia ou durante a colposcopia. Os desfechos quanto à infecção pelo HPV foram con-
As amostras foram analisadas pelo sistema automatizado de siderados de acordo com a descrição na Tabela 1.
HCII para a presença dos subtipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, Os dados foram compilados em banco de dados SPSS
51, 52, 56, 58, 59 e 68, de acordo com protocolo do fabricante. (SPSS for Windows, versão 11.5). As variáveis foram descritas em
Para cada espécime, valores de RLU/CO foram calculados percentuais, ou média e desvio padrão. Os testes estatísticos
como a razão da luminescência da amostra em teste (ratio t de Student, Mann-Whitney, teste de Fischer, qui-quadrado e
of specimen luminescence – RLU) pela luminescência pa- correlação de Pearson foram utilizados conforme a adequa-
drão de 1.0 pg/mL de HPV16 (cuttoff Standard – CO; 100.000 ção de cada variável. Em todos os testes, o valor de p < 0,05
genomas/mL de HPV16) e valores iguais ou maiores que 1 foi considerado como significativo. Este estudo foi avaliado
RLU/CO foram considerados positivos. previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
A inspeção do colo uterino foi realizada sem magnificação, de Clínicas de Porto Alegre e os devidos aspectos de confi-
após a aplicação de ácido acético 5% e após a aplicação de dencialidade foram mantidos durante o estudo.
solução de lugol, sob iluminação por lâmpada incandescente
de 100 w. Áreas que se tornaram esbranquiçadas após a apli- Tabela 1. Critérios para determinar a evolução da infecção
cação de ácido acético ou áreas que não se coraram com a pelo HPV
aplicação de lugol foram consideradas alteradas. Alterações Testagem para HPV de alto risco
Desfecho
em coloração de ectopia não foram consideradas. M0 M12 M24
Na presença de alteração em qualquer um destes exa- Eliminação + - -
mes, a paciente era submetida à colposcopia em consulta + NR -
posterior. Qualquer alteração visualizada era submetida + - NR
Persistência e eliminação + + -
à biópsia dirigida e achados colposcópicos extensos e
Flutuação + - +
diversos poderiam ser submetidos a mais de uma amos-
Persistência + + +
tragem. A amostragem histológica tinha a intenção de ser
+ NR +
diagnóstica, evitando-se biópsia excisional da lesão.
+ + NR
Após a avaliação inicial, as pacientes que apresentassem
Sem seguimento + NR NR
biópsia positiva para NIC 2 ou 3 e neoplasia invasora foram
submetidas ao tratamento padrão (cirurgia, quimioterapia M0 = 1ª coleta; M6 = 6º mês; M12 = 12º mês
e/ou radioterapia) e posterior acompanhamento. As pacientes *NR = não realizou consulta
com biópsia mostrando NIC de baixo grau (NIC 1), exame
citopatológico alterado ou HPV de alto risco positivo pas- Resultados
saram a ser também acompanhadas, mas sem tratamento. Foi rastreado um total de 3.042 mulheres, das quais
Todas as outras pacientes receberam alta do estudo. 147 foram classificadas como portadoras assintomáticas
O acompanhamento destas pacientes foi baseado em do vírus HPV. A média etária destas foi de 36,4 ± 11 anos,
consultas com intervalos de 6 meses (M0, M6, M12, M18 sendo o tempo de acompanhamento de 24,4 ± 3,8 meses.
e M24), quando realizavam-se exame citopatológico, testa- A grande maioria (80,3%) das pacientes completou as três
gem para HPV (esta a cada 12 meses) e inspeção com ácido visitas planejadas para testagem de HPV (mês 0, 12 e 24)
acético e lugol, por 2 anos. Novamente, na presença de algum e somente 4,8% não realizaram o acompanhamento.
exame positivo, a paciente era submetida à colposcopia e, se Nas visitas do mês 12 e 24, respectivamente, 42,86%
necessário, biópsia. Lesões que permanecessem inalteradas e 25,85% permaneciam com HPV positivo. Após 2 anos, os
no acompanhamento foram biopsiadas com intervalos de índices de eliminação, persistência e flutuação viral foram,
12 meses. Nesta etapa de acompanhamento, a técnica de respectivamente, 65,7%, 28,6% e 5,7% (Tabelas 2 e 3).
colposcopia, os equipamentos e métodos de registro foram Em relação ao desfecho histopatológico, entre as
os mesmos anteriormente descritos. 140 pacientes que completaram o acompanhamento,
NAUD P et al. 11
Revista Brasileira de Genitoscopia
Tabela 2. Resultados da Captura Hibrida 2 em mulheres 5,7% evoluíram para NIC de alto grau e 10,7% para NIC
assintomáticas e portadoras do HPV durante 24 meses de de baixo grau (Tabela 4).
acompanhamento Houve correlação significativa (p < 0,001) entre a
Mês 0 Mês 12 Mês 24 persistência da infecção pelo HPV e a evolução para lesão
cervical. Entre aquelas que persistiram com a infecção
N % N % N % viral o risco de progredir para lesão de baixo grau foi de
HPV positivo 147 100 63 42,86 38 25,85 4.77 (IC 95%; 1,70-13,73) (Tabela 5).
HPV negativo - - 72 48,98 85 57,82 Nas pacientes com história prévia de DSTs a taxa de per-
Não realizou exame - - 12 8,16 24 16,33 sistência de HPV foi de 16,7% e diferiu de forma significativa
Total 147 100 147 100 147 100 (p = 0,034) daquelas que negavam contato prévio com DSTs,
onde a persistência foi de 5,4%. O índice do teste de captura
para HPV na visita inicial correlacionou-se com a persistência
Tabela 3. Desfechos relacionados à infecção pelo HPV em da infecção viral, sendo significativamente maior (p = 0,006)
mulheres assintomáticas e portadoras do HPV ao fim de 24 no grupo que persistiu com a infecção viral em relação as que
meses de acompanhamento eliminaram o vírus (Tabela 6). Entretanto, o índice de HPV na
Desfecho N % visita inicial foi semelhante (p = 0,835) entre os três grupos,
Eliminação 67 45,58 a saber: não progrediram para lesão, progrediram para lesão
Persistência e eliminação após 25 17,01 de baixo grau e progrediram para lesão de alto grau.
Flutuação 8 5,44 O número de anos de escolaridade, idade da sexarca,
número de parceiros sexuais na vida, tabagismo e número
Persistência 40 27,21
de citapatológicos já realizados não estiveram relaciona-
Sem acompanhamento 7 4,76
dos com a persistência do HPV (Tabela 6).
Total 147 100,00
Discussão
Em 24 meses, somente 27,2% das mulheres assintomáticas
Tabela 4. Desfechos relacionados à lesão cervical em tiveram persistência da infecção pelo HPV. Vários autores citam
mulheres portadoras do HPV assintomáticas durante 24 meses taxas de eliminação do viral de 80% após período de 12 a 24
de acompanhamento
meses, com variação em diferentes populações e faixa etária
Desfecho N % estudada. Entretanto, estes estudos não fazem referência à
Progressão para NIC de alto grau 8 5,7 presença ou não de lesões no início do acompanhamento. Este
Progressão para NIC de baixo grau 15 10,7 estudo diferencia-se, uma vez que estabelecemos a evolução
Sem lesão 117 83,6 somente entre as pacientes assintomáticas e em faixa etária
Total 140* 100 mais alta, onde foram realizados poucos estudos.
NIC de alto grau = NIC 2 ou 3; NIC de baixo grau = NIC ou
Tabela 6. Evolução da infecção pelo HPV em mulheres assin-
infecção pelo HPV
tomáticas e portadoras do HPV durante 24 meses conforme
*7 pacientes não completaram acompanhamento
diferentes fatores de risco
Evolução da infecção pelo HPV
Tabela 5. Progressão para lesão cervical em mulheres por- Fator de risco P
tadoras do HPV assintomáticas durante 24 meses de acordo Eliminação Persistência
com o desfecho de infecção pelo HPV 36,55 ± 36,86 ±
Idade (anos) 0,877*
Progressão Progressão 11,22 11,11
Ausência de Anos de educação 10 (8-11) 9,5 (5-11) 0,554**
Infecção pelo para NIC de para NIC de Total
lesões
alto grau baixo grau Sexarca (anos) 18 (16-20) 17 (16-18,75) 0,225**
HPV
Número de parceiros sexuais
N % N % N % N % 2 (1-4) 3 (1-5) 0,181**
desde a sexarca
Persistência 8 16,7 7 14,6 33 68,8 48 100 Citologia prévia 82,60% 83,30% 1***
Eliminação 0 0 8 8,7 84 91,3 92 100 Número de citopatológicos
Total 8 5,7 15 10,7 117 83,6 140 100 4 (2-8) 5 (3-6) 0,257**
na vida
NIC de alto grau = NIC 2 ou 3; NIC de baixo grau = NIC ou História Prévia de DSTs 5,40% 16,70% 0,034****
infecção pelo HPV Tabagismo 47,80% 50,00% 0,947****
Pearson Chi-Square < 0,001 7,71 29,99
RR da persistência de infecção pelo HPV e progressão para NIC de Índice de HPV (RLU/CO) 0,006**
(1,6-62,04) (7,65-125,93)
baixo grau = 4.77 (CI 95%; 1,70-13,73)
RR da persistência infecção pelo HPV de e progressão para NIC de *Teste t de Student / **Teste de Mann-Whitney
alto grau não foi calculada devido a um valor zero ***Correlação de Pearson / ****Teste exato de Fischer
12 Infecção assintomática pelo papilomavírus humano (HPV) no Sul do Brasil: acompanhamento de dois anos
Revista Brasileira de Genitoscopia
Chamamos atenção para necessidade de controle podem ter impacto na persistência da infecção pelo HPV e
rigoroso, entre as pacientes com persistência da infecção, conseqüentemente nas taxas de lesões cervicais.
uma vez que em 24 meses, 10,7% e 5,7% das nossas pa- O estudo do valor do índice de positividade para HPV
cientes desenvolveram, respectivamente, lesões cervicais também influencia na chance de eliminação viral. Portanto,
de baixo e alto grau. Esta informação apresenta um grau este é mais um fator a ser considerado ao valorizarmos a
maior de importância, uma vez que o método tradicional presença da infecção pelo HPV e na decisão sobre os métodos
de rastreamento do câncer cervical pela citologia apresenta de rastreamento das lesões cervicais. Até o momento não
taxa de falso negativo de até 50%13. Portanto, nas mulheres estão disponíveis outros estudos correlacionando o índice
com persistência da infecção pelo HPV sugerimos que os da Captura Híbrida do HPV em mulheres assintomáticas e a
métodos de rastreamento de lesão devem ser associados, persistência do vírus ou a presença de lesões cervicais.
melhorando o desempenho dos testes. A partir dos resultados obtidos podemos concluir que
Entre os fatores de risco para persistência da infecção a maioria das mulheres com cerca de 36 anos e infecção
viral destacamos o contato prévio com DSTs. Outros estu- assintomática pelo HPV eliminam espontaneamente o
dos18 também encontraram correlação entre infecção por vírus do HPV em 2 anos. Entretanto, na persistência do
clamídia ou outras DSTs e a persistência da infecção viral. vírus, o controle de lesão cervical deve ser cuidadoso,
Um estudo18 realizado entre adolescentes observou que o pois 5,7% evoluem com lesão de alto grau.
fato de não ter múltiplos parceiros durante a infecção pelo
HPV estaria associada eliminação mais precoce do vírus. Endereço para correspondência
Neste estudo as mulheres pertencem a uma faixa etária Paulo Naud
maior e não observamos que o número de parceiros sexuais Hospital de Clínicas de Porto Alegre
na vida não esteve relacionado à persistência da infecção Ramiro Barcelos, 2.350, sala 2.201
pelo HPV. Estes dados nos fazem reforçar a necessidade de CEP 90350-003 – Porto Alegre (RS)
campanhas públicas promovendo o uso regular de condom, Telefax:: (51) 3388-2264
rastreamento e tratamento precoce das DSTs. Estas medidas E-mail: pnaud@hcpa.ufrgs.br
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NAUD P et al. 13
Artigo Original
Aspectos histoquímicos
do coilócito
Histochemical aspects of the koilocyte
Summary
Objectives: To evaluate by histochemical reactions, the constituents
of the perinuclear area. Methods: Koilocytotic cells were studied in
specimens collected for biopsies from the uterine cervix, vagina, vulva
and perineal region, from five cases; the variable histopathologic
diagnoses suggested the presence of condiloma acuminatum, cervicitis
with human papilloma virus (HPV). The material was separated into
four equal parts. The first one was submitted to histological evaluation
and the others three to histochemical evaluation by the PAS, SUDAM,
and ADAMS reactions in order to verify respectively the presence of
glucose, lipids, and proteins. Results: In the histochemical study,
the clear perinuclear area presented negative results Conclusions:
The perinuclear area is a presumed empty space and not containing
either glucose, fat, or proteins.
Keywords: Papillomavirus infections. Cell structure.
Chemical reactions.
Introdução
As doenças sexualmente transmissíveis há muito
tempo vêm sendo objeto de interesse para o escla-
1
Mestre em Ginecologia pela UNIFESP recimento da etiopatogenia do câncer cervical. Esta
2
Médico do Departamento de Ginecologia UNIFESP relação foi inicialmente sugerida por Rigoni-Stern, no
3
Médica-assistente da Universidade de Alfenas (MG) e doutora em Medicina século 19, ao observar que este tipo de neoplasia era
14
Revista Brasileira de Genitoscopia
rara em freiras e comum nas prostitutas; haveria dessa por halo citoplasmático claro. É a alteração citológica
maneira relação direta com a atividade sexual. Desde mais freqüente nos casos de infecção por HPV sendo,
então, vários estudos foram realizados registrando-se para alguns, considerada como patognomônica da
sempre a maior incidência desta neoplasia nas mulheres presença do vírus.
com vida sexual ativa1. Do ponto de vista cito-histológico, no entanto, esta
Depois de incontáveis pesquisas chegou-se ao con- alteração não é de fácil caracterização. Em estudos conduzi-
senso de que outros fatores coadjuvantes, tais como o dos por De Deus12 e Miranda13, avaliaram-se áreas focais de
início precoce da atividade sexual, a promiscuidade, a células que continham avantajados vacúolos perinucleares,
multiparidade, os contraceptivos orais, o tabagismo, a em fragmentos de vulva e de colo uterino, respectivamente.
desnutrição, as doenças sexualmente transmissíveis, Considerados histologicamente como decorrentes da infecção
bem como o estado imunológico da paciente, são viral, eles mostraram-se negativos para o DNA do papilo-
também relevantes2,3. mavírus, quando submetidos a teste de biologia molecular.
Na década de 70, os estudos de Meisels e Ray4 e de Tanto pela microscopia eletrônica quanto por técnicas
Zur Hausen et al.5 demonstraram que a infecção pelo pa- imunoistoquímicas, a observação de partículas viróticas do
pilomavírus humano (HPV) poderia estar envolvida com a HPV só é possível nas lesões mais diferenciadas. Naquelas
gênese de neoplasias. Nos anos seguintes, as pesquisas mais indiferenciadas (carcinomas), a produção de vírus é
foram intensificadas e, de fato, incontáveis publicações baixa e sua verificação fica mais difícil com os métodos
concluíram ser este o principal agente na etiopatogenia clássicos, necessitando-se assim de processos sofisticados
do carcinoma cervical6,7. como as reações de hibridização molecular8.
Seu genoma é circular, constituído por duas espirais As pesquisas realizadas com microscopia eletrônica
de DNA, que estão subdivididas em três regiões: a precoce em casos de infecções por HPV se detiveram na avaliação
(early), cuja função é codificar as proteínas necessárias à dos aspectos do núcleo da célula, bem como dos com-
montagem das partículas virais e controlar a replicação ponentes citoplasmáticos periféricos ao halo perinuclear
viral (EI a E8); a tardia (late), que codifica as proteínas que, para alguns autores, era considerado, do ponto vista
estruturais do capsídeo, formada por dois genes (L1 e estrutural, um espaço livre de estruturas. Após exaustiva
L2) e a viral long control region (LCR), situada entre as duas pesquisa bibliográfica, verifica-se que não existem estudos
anteriores, que contém elementos regulatórios do genoma. imunoistoquímicos visando esclarecer melhor o conteúdo
Classifica-se o HPV em subtipos, segundo a seqüência de dos halos perinucleares dos coilócitos. Dessa maneira,
polinucleotídeos homólogos de seu DNA. O sistema atual se propôs efetuar a presente investigação que objetiva
de tipagem dos HPVs é baseado em eventuais diferenças analisar do ponto de vista histoquímico, os prováveis
nas regiões de E6/E7 e L1 do genoma viral8. constituintes do halo perinuclear.
Sabe-se atualmente que no interior da célula o ciclo
deste vírus é complexo, estando na dependência dos Casuística e métodos
co-fatores e das condições imunológicas do paciente. Casuística
Após replicação epissomal, que ocorre nas células Foram avaliadas cinco mulheres com lesões HPV
basais, o HPV permanece em estado latente por longo induzidas pela microscopia de luz. As pacientes, todas
tempo, que em alguns casos pode ser para sempre. Logo no menacme, eram provenientes do Setor de Patologia
depois, pode seguir dois caminhos: reproduzir novas do Trato Genital Inferior (PTGI) da Universidade Federal
partículas virais ou então se integrar ao DNA da célula de São Paulo − Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-
hospedeira, alterando o seu genoma e favorecendo o EPM). As biópsias foram realizadas após o consentimento
aparecimento de neoplasias9. prévio das pacientes, em áreas onde havia lesões epiteliais
Esta interação do HPV com o genoma da célula hospe- sugestivas da infecção viral. O estudo foi aprovado pela
deira promoveria, nas células intermediárias e superficiais Comissão de Ética Médica da instituição.
do epitélio, efeito citopatogênico caracterizado por atipia Os fragmentos foram retirados com pinça de Gaylor
coilocitótica, representada por zona clara perinuclear, a Medina. A biópsia efetuada na vulva foi antecedida por
qual acreditava-se ser resultado da degeneração nuclear. anestesia local com xilocaína a 2%, sem vasoconstrictor.
Ao lado da vacuolização citoplasmática, outras alterações As áreas biopsiadas foram para o estudo com microscopia
citológicas também foram encontradas, como pregas de luz uma lesão cervical, uma lesão vulvar, duas lesões
nucleares, irregularidades da cromatina, hipercromasia, vaginais e uma lesão perineal.
disqueratose, discariose, bi e multinucleação10.
O termo coilocitose advém da palavra grega “koi- Métodos
los”, que significa buraco, cavidade, e foi primeira- Os fragmentos de biópsia utilizados para a microsco-
mente empregado por Koss e Durfee11. Nessa época, pia de luz foram divididos, com o auxílio de uma lâmina
foi caracterizado como sendo uma célula grande com de bisturi, em quatro partes menores. A primeira delas foi
núcleo pequeno, irregular, hipercromático, circundado submetida à técnica de coloração por hematoxilina-eosina
Morin e Meisels21 realizaram pesquisas com mi- entre elas. O teste de imunoperoxidase foi positivo em
croscopia eletrônica sobre a infecção da cérvice uterina 9,1% de casos, significando presença de antígeno HPV no
pelo HPV, valendo-se de sete fragmentos de condilomas núcleo. Estes dados sugeriram uma provável progressão
planos, obtidos por biópsias dirigidas pela colposcopia. para lesões cervicais mais avançadas. Concluíram que
Encontraram dois achados citológicos principais: coi- a presença de condiloma atípico determina um grupo
locitose e disqueratose. Constataram particularidades especial de alto risco para evolução maligna, devendo
comuns entre elas, considerando-as como marcas da imediatamente ser submetido a exames de colposcopia,
infecção pelo HPV. Para estes autores, a coilocitose biópsia e tratamento.
representava área clara perinuclear, livre de organelas, Além da microscopia eletrônica, as reações de PAS,
com tonofilamentos abundantes e grosseiramente SUDAM e ADAMS (imunohistoquímica) poderiam avaliar
acumulados na zona mais externa do citoplasma, aju- na prática diária a diferenciação dos pseudo-coilócitos
dando na formação da estrutura celular externa. Já na que, como observaram De Deus12 e Miranda13, são bastante
disqueratose, o citoplasma continha grosseiros acúmulos confundidos com as alterações provocadas pelo HPV. Nos
de tonofilamentos, não individualizados. As organelas pseudo-coilócitos, estas reações provavelmente seriam
citoplasmáticas não foram observadas e, provavelmente, positivas na região do halo perinuclear.
desapareceram no processo de queratinização. A cro- O halo perinuclear desaparece nos casos de transfor-
matina se encontrava agrupada nas margens, podendo mação maligna, o que pode ocorrer pelo fato do vírus estar
envolver partículas virais livremente dispersas por todo o incorporado ao genoma celular. Este fato provoca grande
núcleo. Em alguns núcleos, estas partículas achavam-se desajuste nos mecanismos de controle do ciclo celular, que
agrupadas na forma de cristais nos locais de ruptura da ocasiona várias alterações na estrutura da célula.
membrana nuclear. Quando isso ocorria, eram também Nas análises dos coilócitos com o microscópio
encontradas no citoplasma. eletrônico, os resultados confirmaram as pesquisas
Em 1981, Casas-Cordero et al.22, com o objetivo de de vários outros autores. Isto é, o halo claro em volta
definir a origem do coilócito em condilomas de cérvice do núcleo das células coilocitóticas é, basicamente,
humana, realizaram pesquisas por meio de estudo ul- uma região destituída de organelas o que, à luz da
tra-estrutural. Concluíram que as alterações ocorriam microscopia eletrônica, se trata de um espaço vazio.
principalmente na área em volta do núcleo e, de início, Na tentativa de se elucidar com maior precisão o que
nas células intermediárias, estendendo-se depois para as haveria neste espaço, utilizaram-se as reações de
camadas mais superficiais. No começo do processo, as imunohistoquímica de PAS, SUDAM e ADAMS para
células envolvidas mostravam pequenas áreas perinucle- detecção respectivamente de glicose, lipídeos e prote-
ares, com fino material granular, que pareciam resultar da ínas. Os resultados obtidos em todas as reações foram
lise da matriz citoplasmática, levando ao aparecimento negativos, confirmando o que se havia suposto com
de microvacúolos. Estes, gradualmente, aumentavam e se os obtidos na microscopia eletrônica.
fundiam, terminando por formar uma grande zona clara. A literatura não dispõe de trabalhos relacionando o
Com a evolução do processo, estas alterações atingiam coilócito com reações de PAS, SUDAM e ADAMS, deixan-
até as células superficiais. do-se limitados, sem se poder fazer comparações com
Esses mesmos autores apontaram que as organelas as conclusões obtidas neste estudo. A pesquisa que fez
são deslocadas para o ectoplasma, onde se pode também alguma consideração sobre isto foi a de Girolami17, que
encontrar grande quantidade de tonofilamentos, tornan- comparou o halo perinuclear dos processos inflamató-
do-o mais eletrodenso. Estas formações pareciam servir rios com a atipia coilocitótica do HPV, utilizando várias
de sustentação para a célula. As alterações nucleares, técnicas de coloração e reações de imunohistoquími-
por sua vez, eram mais tênues nas camadas profundas, ca. Uma das reações empregadas foi a do PAS, cujos
encontrando-se geralmente, núcleos aumentados de resultados foram negativos na zona clara perinuclear,
tamanho, eucromáticos, com a possibilidade de binu- tanto para atipia coilocitótica, quanto para os processos
cleação. Ao se aproximar das camadas superficiais, as inflamatórios. Obteve-se resultado semelhante no que
alterações tornavam-se bastante evidentes, podendo diz respeito ao coilócito.
ocorrer picnose, condensação da cromatina em grânulos No espaço em torno do núcleo, este estudo não
grosseiros, quase sempre fixados à membrana nuclear. A observou organelas citoplasmáticas. As reações imu-
forma do núcleo com freqüência era irregular. nohistoquímicas de PAS, SUDAM e ADAMS tiveram
Em 1981, Meisels et al.10 pesquisaram casos de infecção resultados negativos, levando-se a supor ser este
por HPV pela citologia, colposcopia, histologia, ultra- um espaço vazio. Há, no entanto, que se levar em
estrutura e teste de imunoperoxidase. Observaram que consideração a possibilidade de estar preenchido
as alterações ocorridas nas células infectadas por este por um elemento que não foi detectado pelas técni-
vírus podiam ser facilmente confundidas com o carcino- cas de microscopia eletrônica e nem pelas reações
ma escamoso invasivo, pelas semelhanças morfológicas imunohistoquímicas.
As reações imunohistoquímicas poderiam facilitar a glicose, lipídeo e proteína, com a impressão de ser
diferenciação entre os HPVs de baixo e de alto risco, uma uma cavidade em torno do núcleo, ou seja, um espaço
vez que, sendo negativas na região do halo perinuclear e “vazio”. Fica claro que esta alteração deve ser acom-
positivas nas demais regiões, estabeleceriam os nítidos panhada também por anormalidades citoplasmáticas
limites do halo, podendo medir o seu tamanho o que, e nucleares para ser diagnosticada como decorrente
eventualmente, poderia servir como elemento diferencial da infecção pelo HPV.
entre os diversos tipos de HPV.
Este trabalho permitiu considerar que a zona clara Endereço para correspondência
perinuclear encontrada nas células coilocitoticas é Naira Maria Codá dos Santos
alteração provocada pelo efeito citopático viral do Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 649/81 – Vila Mariana
HPV, caracterizado por uma área clara, de limites níti- CEP 04014-011 – São Paulo (SP)
dos e bem definidos, destituída de substâncias como E-mail: naicoda@yahoo.com.br
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Summary
Büschke-Löwenstein tumor, also called giant condyloma acuminatum,
is an intermediate anogenital entity between simple condyloma acuminatum
and squamous cell carcinoma. It distinguishes from the simple condyloma
acuminatum due to its exophytic, destructive and deep infiltration
characteristics on the tissues and it differentiates from the real carcinoma
due to its absence of metastasis. The majority of Büschke-Lowenstein tumors
is related to low risk oncogenic HPV (HPV 6 and 11). The invasion focus
can be observed up to 50% of the cases and in situ carcinoma in 8%. Due
to its indolent growth and high recurrence rate up to 80%, this tumor
has high casualties since the disease has agressive local growth, infection
and bleeding. This lesion, clinically undistinguishable of malignance,
Doutora pelo Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da has a benign histology. The tumor histology is similar to condyloma
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo acuminatum. The best treatment option depends on factors as localization,
20
Revista Brasileira de Genitoscopia
size and tumor extension. In the majority of the cases, the surgical excision • Cavidade oral e trato aerodigestivo: Tumor de Acker-
is the treatment of choice, mainly because it permits complete histological man, carcinoma verrucoso de Ackerman e papiloma-
examination of the tumor and it becomes easier to make the diagnosis of tose florida oral.
the invasion focus, what demands more aggressive therapy. • Palmoplantar: epitelioma cuniculado e carcinoma
Key words: Papillomavirus Infections; Vulvar Diseases; cuniculado.
Condylomata Acuminata; Carcinoma, Squamous Cell.. • Cutâneo: papiloma cutâneo gigante e papilomatose
da cútis.
Introdução
O tumor de Büschke-Löwenstein, também denominado Etiologia
de condiloma gigante, corresponde à entidade anogenital A maioria dos tumores de Büschke-Löwenstein está
intermediária entre o condiloma acuminado simples e o associada à presença de HPV de baixo risco oncogênico
carcinoma de células escamosas. Distingue do condiloma (HPV 6 e 11) e muito raramente ao HPV 16 e 18. Co-fatores
acuminado simples devido ao seu caráter exofítico, destru- que aumentam a possibilidade de desenvolvimento do
tivo e infiltrativo profundo nos tecidos e diferencia-se do condiloma acuminado são numerosos: parceiros sexuais,
carcinoma verdadeiro pela ausência de metástases. higiene precária, depressão do sistema imune, HIV, fumo,
Apesar de alguns pesquisadores o considerarem como infecções anaeróbias, entre outros5.
uma doença à parte ou como um processo contínuo entre
o condiloma acuminado e o carcinoma verrucoso, para Epidemiologia
outros autores, o tumor de Büschke-Löwenstein é mais A incidência do tumor de Büschke-Löwenstein é difícil
bem definido como um tipo de carcinoma verrucoso bem de estimar devido à dificuldade de diferenciá-lo do con-
diferenciado e de baixo grau da mucosa anogenital1. diloma acuminado extenso ou do carcinoma de células
escamosas bem diferenciado. Entretanto, sua distinção
Histórico deste último é particularmente importante devido ao
O primeiro relato dessa patologia data de 1896, comportamento biológico destes dois tipos de carcinoma
quando Abraham Büschke descreveu dois casos de ver- de células escamosas serem muito diferentes6.
rugas de pênis com comportamento invasivo2. Em 1925, O Tumor de Büschke-Löwenstein acomete homens e
Büschke e seu assistente Löwenstein publicaram maiores mulheres na proporção de 2,7:1. Em indivíduos na faixa
informações sobre esta patologia que se assemelhava ao etária inferior a 50 anos, esta taxa está aumentada para
condiloma, porém era caracterizada por invasão local, 3,5:1. A média etária de apresentação é de 43,9 anos (42,9
crescimento rápido e ausência de metástases3. Büschke em homens e 46,6 em mulheres). Este tipo de tumor tende
e Löwenstein acreditavam que estes tumores eram res- a ocorrer em homens não circuncisados, correspondendo
tritos ao homem, porém anos mais tarde se confirmou de 5 a 24% dos cânceres penianos. Na população feminina,
sua presença também em mulheres. este tumor ocorre mais raramente e afeta freqüentemente
O conceito clínico-patológico de carcinoma verru- a região anogenital, podendo se propagar também para
coso se originou em 1948, quando Lauren V. Ackerman região vulvar, vaginal, reto e bexiga. Tumores de bexiga
descreveu neoplasias similares na cavidade oral de são incomuns, sendo freqüentemente associados com
31 pacientes. Ele utilizou este termo para denotar o esquistossomose de bexiga.
conceito de um carcinoma de células escamosas de
baixo grau, localmente agressivo, exofítico e com pouco História clínica
potencial metastático4. As lesões iniciam-se como crescimentos verrucosos,
que gradualmente tornam-se nodulares e penetram o
Classificação tecido subjacente. Finalmente, a lesão assume aparência
O carcinoma verrucoso da pele e mucosa é um car- de condilomatose exuberante anogenital, podendo ocorrer
cinoma de células escamosas de baixo grau incomum, destruição anatômica pelo tecido tumoral e subseqüente
caracterizado clinicamente por tumor de grande dimensão formação de fístulas, abscessos e ulcerações. Quando existe
com aparência verrucosa, de crescimento lento, indolente a formação de fístulas, abscessos e ulcerações, é comum
e com baixa incidência de metástases. Este tipo de tumor odor desagradável e aumento dos linfonodos regionais,
ocorre predominantemente em três locais: orofaringe, devido a infecção secundária A lesão é clinicamente in-
genitália e planta do pé. Entretanto, ele pode ocorrer distinguível de malignidade devido a extensão e infiltra-
em qualquer lugar da pele. ção da massa anogenital. Diferindo dos demais tumores
Por existirem quatro diferentes tipos de manifestações malignos, o tumor de Büschke-Löwenstein comprime e
clínico-patológicas, os mesmos são conhecidos por vários desloca profundamente os tecidos, devido predominan-
nomes, geralmente relacionados ao local anatômico1: temente ao seu crescimento descendente do que pelo seu
• Trato Genital: condiloma acuminado gigante, condi- comportamento infiltrativo e metastático5.
loma maligno gigante, tumor de Büschke-Löwenstein Os sintomas mais comuns na apresentação são mas-
e carcinoma verrucoso da mucosa anogenital. sa perianal (47%), dor (32%), abscesso ou fístula (32%) e
PARELLADA CI et al. 21
Revista Brasileira de Genitoscopia
sangramento (18%). Foco de invasão pode ser observado recorrência. O emprego de tomografia computadorizada
em até 50% dos casos e carcinoma in situ em 8%. Estes e ressonância magnética podem ser úteis para definir a
focos de invasão são de significado incerto e não parecem localização exata, extensão das lesões e possível com-
estar relacionados à recorrência. Este tumor raramente prometimento de estruturas vizinhas8.
dá metástase e, quando presente, associa-se a tumor de Existe consenso de que a utilização de tratamento
pleomorfismo mais alto e a microinvasão. Devido ao seu combinado é mais eficiente. Devem-se reservar os trata-
crescimento indolente e alta recorrência local em até 80%, mentos conservadores para lesões pequenas e sem invasão
este tumor possui alta morbimortalidade devido à doença de estruturas vizinhas, o que não é a apresentação mais
local agressiva, infecção e sangramento. A letalidade pode comum do tumor de Büschke-Löwenstein.
chegar a 20%. Uma análise retrospectiva de 42 casos de Entre as terapêuticas utilizadas no tratamento do
tumor de Büschke-Löwenstein mostrou que o tempo médio tumor de Büschke-Löwenstein pode-se citar:
de doença é maior em pacientes com recorrências no que Excisão local: é o tratamento de escolha, especial-
naqueles sem recorrências (9,6 anos vs 2,8 anos). O número mente porque permite exame histológico completo do
médio de recorrências foi dois e o intervalo médio de tempo tumor, rastreando áreas de carcinoma de células escamosas
antes da primeira recorrência foi de 10 meses7. francamente invasivas que podem demandar terapia mais
agressiva. Excisão cirúrgica conservadora é freqüentemente
Diagnóstico empregada9. Em alguns casos, é necessária a ressecção
A lesão, clinicamente indistinguível de malignidade, da uretra, ânus, reto, sigmóide, vagina, bem como dos
é histologicamente benigna. A histologia do tumor de linfonodos regionais e em casos extremos reconstrução
Büschke-Löwenstein é similar ao do condiloma acumi- da pelve após a retirada da massa tumoral.
nado. A maior diferença entre o condiloma acuminado Criocirurgia e eletrocoagulação: podem ser empre-
simples e o tumor de Büschke-Löwenstein é que, in- gadas em lesões pequenas10.
dependente do tamanho que o condiloma acuminado Polofilina, ácido tricloroacético e 5-fluorouracil tópico:
simples tem, o primeiro é sempre superficial. A histologia como método isolado não tem valor terapêutico devido
mostra hiperplasia epidermal massiva, hiperqueratose e à grande extensão deste tumor. Podem ser usados em
paraqueratose principalmente no componente exofítico. associação a procedimentos cirúrgicos, radio e quimio-
Vacuolização granular está presente e queratinócitos in- terápicos ou para controle de recidivas.
dividuais têm citoplasma largo e núcleo com nucleolismo Laserterapia: Traz alguns benefícios como melhor
proeminente. Microscopicamente, o espécime geralmente hemostasia, menor destruição do tecido subjacente e
mostra presença de células coilocitóticas e ninhos celu- menor grau de cicatriz11.
lares hiperqueratóticos largos que propagam profunda- Imunoterapia (interferon, imiquimode e vacina): as
mente para dentro do estroma subjacente. É importante vacinas estão mostrando resultados animadores, que indica
a realização de biópsia profunda em diferentes pontos que talvez futuramente seja o melhor método de profilaxia
do tecido infectado ao invés de biópsia superficial para das infecções por HPV. O interferon e o imiquimode tópico
poder identificar estas alterações e realizar o diagnóstico utilizados em associação a outras terapias mostram decrés-
correto do tumor de Büschke-Löwenstein. cimo considerável das taxas de recorrência12. Heinzerling
et al.13 relatam regressão tumoral importante utilizando
Diagnóstico diferencial imiquimode tópico diariamente e deixado por 12 h.
A grande maioria dos tumores de Büschke-Löwenstein Radioterapia: utilizada na existência de malignização
recebe falso diagnóstico clínico de condiloma acuminado e em casos recidivantes. O efeito da radioterapia neste
ou carcinoma de células escamosas. Eventualmente, outras tipo de tumor é controverso, alguns autores sugerem
patologias devem ser consideradas: queratose seborréica que o comportamento tumoral torna-se mais agressivo e
gigante, doença de Bowen, carcinoma de células basais, existe tendência a metastização para linfonodos regionais
melanoma e doença de Hodgkin cutânea1. após emprego da radioterapia14.
Quimioterapia: é efetiva em adição à excisão cirúrgica
Tratamento ou como tratamento da recorrência.
A melhor opção de tratamento depende de fatores
como localização, tamanho e extensão do tumor. Se o Endereço para correspondência
tumor de Büschke-Löwenstein não é apropriadamente Cíntia Irene Parellada
tratado, pode ocorrer crescimento expansivo persistente e Rua Dr. Pinto Ferraz 115, apto. 24
a doença ser fatal através da extensão direta para órgãos CEP 04117-040 – São Paulo (SP)
pélvicos. Tratamento apropriado do tumor de Büschke- Tel.: (11) 5574-0532
Löwenstein fornece bom prognóstico e baixa taxa de E-mail: parellada@uol.com.br
22 Tumor de Büschke-Löwenstein
Revista Brasileira de Genitoscopia
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PARELLADA CI et al. 23
Relato de Caso
Líquen escleroso vulvar com fusão
labial total e retenção urinária
Vulvar lichen sclerosus causing labial fusion and
distal urinary tract obstruction
Summary
The vulvar lichen sclerosus is an uncommon chronic inflammatory
disease, probably linked with autoimmunity. It causes pruritus,
skin atrophy and vulvar architectural distortion. There is a little
increased risk of developing vulvar cancer. The treatment is
essentially clinical and based on potent topical corticosteroids.
The surgery may be used to relieve the effects of the scarring or
to treat associated malignancy. The authors reported a case of a
patient affected by vulvar lichen sclerosus causing distal urinary
tract obstruction leading to surgical treatment.
Keywords: Lichen sclerosus. Vulvar diseases. Pruritus vulvae.
Complications.
Introdução
O líquen escleroso vulvar foi descrito inicialmente por
Hallopeau em 18871. Posteriormente, a doença recebeu vários
outras denominações, tais como craurose vulvar, vulvite
leucoplásica, distrofia vulvar e líquen esclero-atrófico.
Em 1989, a Sociedade Internacional para o Estudo
das Doenças Vulvovaginais (ISSVD) dividiu as doenças
1
Médico ginecologista e obstetra do Hospital Mater Dei – Belo Horizonte (MG), professor epiteliais não neoplásicas da vulva em três categorias2:
auxiliar de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG) e
• Hiperplasia das células escamosas
mestre em Ginecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
2
Médica ginecologista, obstetra e mastologista do Hospital Mater Dei
• Líquen escleroso
3
Médica ginecologista, obstetra e mastologista do Hospital Mater Dei • Outras dermatoses
4,5,6,7
Médica(o) ginecologista e obstetra do Hospital Mater Dei e do Hospital Universitário
São José da Faculdade de Ciências Médicas de Desde então os outros nomes foram abandona-
Minas Gerais (FCMMG), Belo Horizonte (MG) dos e a doença denominada simplesmente de líquen
24
Revista Brasileira de Genitoscopia
escleroso3. A sua incidência é desconhecida, porém O tratamento tópico com testosterona foi descrito em
sabe-se que as mulheres são mais frequentemente 1945 e mantido como padrão por vários anos8. Estudos
atingidas do que os homens na proporção de 10 para recentes mostraram que a testosterona funciona mais
13,4. Embora possa ocorrer em qualquer idade, é mais como um emoliente e seu uso deve ser preterido pelos
comum na quinta e sexta décadas, sugerindo alguma esteróides tópicos de alta potência3,4,8,9,10. Os esteróides
relação com déficit estrogênico4,5. Entretanto, não há de alta potência mais utilizados são o propionato de
melhora do quadro com uso de estrogênio tópico ou clobetasol e dipropionato de betametasona. O trata-
sistêmico3,4. Trata-se de doença inflamatória crônica mento apresenta bons resultados com mínimos efeitos
que pode envolver qualquer sítio cutâneo corporal, colaterais, como rash vulvar, eritema e escoriações3,9. À
mas com predileção pela área anogenital e raramente medida que ocorra melhora da doença deve-se reduzir,
atingindo a mucosa oral 4. A vulva e o períneo apresen- gradualmente, a freqüência da aplicação dos esteróides
tam a pele pálida, brilhante, atrófica, delgada e com para a menor possível, sem causar recidivas3,9.
um enrugamento semelhante a “papel de cigarro” 3,4. O tratamento cirúrgico é reservado para as com-
Podem ocorrer escoriações, erosões e fissuras, com plicações como lesões cicatriciais graves ou nos casos
ou sem infecção secundária3. Prurido intenso e intra- de malignização3,4.
tável é uma queixa comum embora algumas pacientes
Relato do caso
sejam assintomáticas4.
JGS, 52 anos, branca, do lar, G0P0, menopausada há
O processo cicatricial pode cursar com perda do tecido
9 anos (após ooforectomia bilateral por “cistos de ovário”)
dos pequenos lábios e do clitóris ocasionando a formação
e não usuária de TH. Nunca teve atividade sexual.
de aderências vulvares, atrofia labial, sepultamento do Queixava-se de “infecção urinária e fechamento
clitóris e estenose do intróito vaginal4. Em casos extremos vaginal”. Há 5 anos apresentava dificuldade para urinar
pode haver fusão labial total impossibilitando o coito e e prurido vulvo-vaginal, o que levou a procurar vários
com conseqüente retenção urinária3. Embora incomum, serviços onde foi diagnosticada e tratada infecção uri-
o líquen escleroso não pode ser descartado nos casos de nária. Negava corrimentos vaginais ou outros sintomas
fusão labial em crianças6. urinários associados.
As lesões extragenitais podem ocorrer na região in- O exame físico mostrou vulva atrófica, lívida, com
terna das coxas, mamas, pescoço, ombros e pulsos4. Nos perda de substância do prepúcio do clitóris e peque-
homens a doença acomete principalmente a glande do nos lábios, além de fusão total dos pequenos lábios
pênis e o prepúcio4. A etiologia da doença é desconhecida (Figura 1). Com a manobra de Valsalva percebia-se a
embora se suponha uma causa auto-imune3,4. Relata-se saída de gota de urina por orifício de cerca de 1 mm,
uma associação entre o líquen escleroso e o carcinoma de exatamente na provável região de fusão medial dos
células escamosas vulvar. O risco de paciente com líquen pequenos lábios (Figura 2). Vulvoscopia após 5 min
escleroso desenvolver o câncer vulvar varia de 3-6%3,4,7. de aplicação de ácido acético a 5% negativa. Teste de
O diagnóstico é feito através de biópsia da lesão, o Collins negativo.
que também permite excluir malignidade associada3,4. Os O diagnóstico clínico inicial foi líquen escleroso
achados histológicos típicos são a epiderme delgada geral- levando à obstrução distal do trato urinário. Foi realiza-
mente com hiperceratose e a hialinização da derme3,4. da biópsia vulvar e solicitada ultra-sonografia das vias
FONSECA EC et al. 25
Revista Brasileira de Genitoscopia
urinárias. O exame histológico confirmou o diagnóstico graves. O uso de esteróides tópicos evita a formação de lesões
clínico de líquen escleroso. Foi prescrito o uso de pomada cicatriciais e, consequentemente, elimina a necessidade
de propionato de clobetasol 2 vezes ao dia. de tratamento cirúrgico. Além disso, o tratamento clínico
No retorno, após cerca de 6 semanas do uso do alivia rapidamente o desconforto e prurido, melhorando
propionato de clobetasol, houve melhora acentuada do muito a qualidade de vida da paciente.
prurido, mas sem qualquer melhora da fusão labial. A Este caso foi relatado com o objetivo de se alertar
ultra-sonografia das vias urinárias mostrou a presença de para a necessidade do diagnóstico precoce e tratamento
resíduo vesical pós-miccional (239 mL), mas sem causar adequado e assim evitar a repetição de casos tão avan-
refluxo ureteral ou hidronefrose. Foi proposto tratamento çados da doença.
cirúrgico para a fusão labial e orientada a usar a pomada Também é importante frisar que estas pacientes
de propionato de clobetasol 1 vez ao dia. devem ter seguimento a longo prazo visto existir baixo
Foi realizada a correção cirúrgica da fusão labial, não risco de malignização. Na presença de qualquer alteração
se constatando alterações do meato uretral ou intróito das características da lesão está indicada nova biópsia
vaginal, evoluindo bem no pós-operatório. A urocultura para averiguação.
colhida não mostrou crescimento bacteriano.
Endereço para correspondência
Discussão Eduardo Cunha da Fonseca
O líquen escleroso é patologia relativamente desconhe- Rua Vinícius de Morais, 83, apto. 602 – Luxemburgo
cida, o que costuma ocasionar diagnóstico e tratamento CEP 30380-520 – Belo Horizonte (MG)
tardios. Infelizmente, quanto mais se atrasa o diagnóstico, Tel.: (31) 3296-7635
maior é a chance de a doença evoluir com lesões cicatriciais E-mail: edu.fonseca@ig.com.br
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