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Psicologia do

Desenvolvimento

4a edição

Rio de Janeiro
UVA
2016
Penélope Duarte dos Santos
Sergio Pessôa Nassar

Psicologia do
Desenvolvimento

4a edição

Rio de Janeiro
UVA
2016
Copyright © UVA 2014
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer
meio sem a prévia autorização desta instituição.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa.
ISBN 978-85-65812-35-1
Autoria do conteúdo
Penélope Duarte dos Santos
Sergio Pessôa Nassar
Design instrucional
Wagner G. A. Destro
Emanoelle Martins Guedes de Farias
Projeto gráfico
UVA
Diagramação
Cristina Lima
Raphaela Saules
Revisão
Débora Silvestre Costa
Janaina Vieira

S237p Santos, Penélope Duarte dos.


Psicologia do desenvolvimento [livro eletrônico] /
Penélope Duarte dos Santos, Sergio Pessôa Nassar.
– 4. ed. – Rio de Janeiro: UVA, 2016.

578 KB.
ISBN: 978-85-65812-35-1
Disponível também impresso.

1. Psicologia do desenvolvimento. I. Nassar,


Sergio Pessôa. II. Universidade Veiga de Almeida.
III. Título.
CDD – 155.7

Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA.


Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho.
SUMÁRIO
Apresentação................................................................................................................7
Sobre os autores.........................................................................................................8

Capítulo 1 - O ser humano: um ser em desenvolvimento....9


Origem da Psicologia do Desenvolvimento: conceituação e ca-
racterização.............................................................................................12
A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas
familiares e o desenvolvimento............................................................20
A Psicologia do Desenvolvimento e sua aplicação na prática
educacional..................................................................................................31
Referências...............................................................................39

Capítulo 2 - Abordagens contemporâneas da Psicolo-


gia do Desenvolvimento - Parte I.................................41
Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvol-
vimento humano...............................................................................................43
A gravidez e as etapas do desenvolvimento pré-natal..............57
O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo
educacional..................................................................................................66
Referências......................................................................................................90

Capítulo 3 - Abordagens contemporâneas da Psicolo-


gia do Desenvolvimento - Parte II..............................91
Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão
da complexidade do desenvolvimento humano............................93
A dinâmica do desenvolvimento infantil......................................106
As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática es-
colar.....................................................................................................112
Referências...................................................................................................127
Capítulo 4 - Os processos de desenvolvimento do ado-
lescente e sua transição para o mundo adulto......129
Adolescência: conceito e características........................................131
Gravidez, drogas e violência.................................................................148
A transição para o mundo adulto e as contribuições à dinâmica
escolar.......................................................................................................157
Referências....................................................................................................163

Considerações finais.....................................................166
7

APRESENTAÇÃO
Este livro trata de Psicologia do Desenvolvimento, um tema vasto
e muito fascinante, por meio do qual podemos compreender melhor
o homem em seu relacionamento e interação consigo mesmo, com o
outro e com o ambiente que o cerca.

Aqui, vamos conhecer a família e a criança na perspectiva da Psicolo-


gia do Desenvolvimento; reconhecer a importância dos primeiros anos
de vida no processo de desenvolvimento do ser humano; identificar
as etapas biopsicossocial e afetiva do desenvolvimento infantil e sua
aplicabilidade na prática educativa; analisar os processos de desenvol-
vimento vivenciados pelo adolescente e sua transição para o mundo
adulto.

Desejamos que você aproveite ao máximo esta experiência e que a


leitura desta obra promova uma oportunidade de reflexão sobre os
conteúdos abordados, contribuindo efetivamente para o seu enrique-
cimento cultural e acadêmico.
8

SOBRE OS AUTORES
Penélope Duarte dos Santos é mestre em Psicologia da Educação pelo
Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio
Vargas - IESAE-RJ (1993). É especialista em Saúde do Trabalhador pela
Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz - ENSP
(2003), e é graduada em Psicologia pela Universidade Santa Úrsula -
USU (1981). Professora assistente da Universidade Veiga de Almeida,
leciona nos cursos de Pedagogia e Psicologia. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Educação Pré-Escolar e formação de pro-
fessores, atuando, também, na área de Saúde do Trabalhador.

Sergio Pessôa Nassar é mestre em Educação, com ênfase em Psicolo-


gia da Educação, pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação da
Fundação Getúlio Vargas - FGV/IESAE. É pós-graduado em Psicologia
Pedagógica pelo Instituto de Seleção e Orientação Profissional da Fun-
dação Getúlio Vargas - FGV/ISOP e graduado em Psicologia e em Peda-
gogia pela Universidade Gama Filho - UGF. Tem experiência de mais de
20 anos como professor de graduação em várias universidades e nos
últimos 15 anos tem atuado como professor de cursos de pós-gradua-
ção nas mais diversas áreas do conhecimento.

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Origem da Psicologia do Desenvolvimento: conceituação e caracterização 9

CAPÍTULO 1
O SER HUMANO: UM SER EM
DESENVOLVIMENTO

Estamos iniciando a nossa leitura sobre o desenvolvimen-


to humano. Esse tema tão vasto e fascinante desperta em
muitos pesquisadores (e, dentre eles, vários psicólogos)
o interesse pela compreensão das diversas maneiras de o
homem relacionar-se e interagir com o outro e com o pró-
prio meio ambiente, na busca contínua por um contexto
favorável ao seu desenvolvimento.

Como descobriremos ao longo da unidade, muitas con-


cepções sobre o desenvolvimento foram surgindo e mo-
dificando-se. A observação atenta do comportamento hu-
mano proporcionou, ao longo dos séculos, a compreensão
desse processo ininterrupto que é iniciado na infância e
desenvolvido ao longo de toda a nossa existência.

Esse caminho, que agora iniciamos, exige compromisso e


interesse pelo conhecimento. Afinal, como futuros educa-
dores, temos de procurar compreender e conhecer o ser
humano em suas diversas possibilidades de desenvolvi-
mento. Trata-se de uma tarefa que, em alguns momentos,
irá exigir certa desconstrução de tudo que acreditávamos
saber para descobrirmos que existem outras alternativas
e que somos “peças-chave” nesse processo de transfor-
mação.

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10 O ser humano: um ser em desenvolvimento

Para iniciar, escolhemos este pequeno trecho de um ro-


mance famoso, intitulado Madame de Bovary, ambienta-
do na França do século XIX.

Esta cena, comum à época, retrata o amor de uma mãe por


sua filhinha e, ao mesmo tempo, nos informa a maneira
como muitas crianças eram cuidadas e protegidas no sé-
Gustave Flaubert
(1821 – 1880).
culo XIX.
Escritor francês e
prosador importante,
Flaubert marcou a O autor, Gustave Flaubert, descreve com minúcias a cena
literatura francesa em que Emma resolve ir visitar sua filhinha, que, como
pela profundidade
era costume na época, estava entregue aos cuidados de
de suas análises
psicológicas, seu uma ama.
senso de realidade,
sua lucidez sobre
o comportamento
social, e pela força de
seu estilo em grandes A Sra. Bovary disse que ia ver sua filha, mas que começara a
romances. sentir-se cansada. Para chegar à casa da ama, era preciso tomar
à esquerda depois da rua, como quem vai ao cemitério, e se-
guir, entre casinhas e pátios, um pequeno atalho ladeado de
alfenas. Estas estavam floridas, como também as verônicas, as
roseiras-bravas, as urtigas e os espinheiros miúdos que saíam
das moitas. Pelos buracos das sebes percebia-se, nos casebres,
algum porco sobre a estrumeira ou vacas presas pelo peitoral,
esfregando os cornos nos troncos das árvores. Lado a lado, ca-
minhando suavemente, ela apoiando-se nele e Léon retendo os
passos, que regulava pelos dela; um enxame de moscas esvoa-
çava, zumbindo no ar quente.

Reconheceram a casa por uma velha nogueira que lhe dava


sombra. Baixa e coberta de telhas escuras, tinha, exteriormente,
suspensa sob a lucarna do sótão, uma réstia de cebola. Alguns
feixes de lenha encostados na cerca de espinhos rodeavam um
canteiro de alface, alguns pés de lavanda e ervilhas-de-cheiro
cravadas em estacas. Via-se água suja que escorria espalhando-
-se na relva e havia, ao redor, vários trapos indistintos, meias de
tricô, uma blusa de chita vermelha e um grande pano de fazen-
da espessa estendido ao comprido sobre uma sebe. Ao ruído
da cancela, a ama apareceu, segurando nos braços uma criança

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Origem da Psicologia do Desenvolvimento: conceituação e caracterização 11

que mamava. Puxava com a outra mão um pobre menino raquí-


tico com o rosto coberto de escrófulas, o filho de um fabricante
de artigos de malha de Rouen que os pais, demasiadamente ocu-
pados com seu negócio, deixavam no campo.

– Entre – disse ela, – sua menina está lá, dormindo.

Se fosse possível conversar com a Sra.


Bovary, o que você perguntaria?

Que elementos ressaltados pelo autor na


cena descrita chamaram a sua atenção?

Você concorda comigo quando afirmo


que Emma sentia amor pela sua filha?

O que se sabia na época sobre o


desenvolvimento humano?

Essas e muitas outras perguntas certamente lhe surgiram


no momento em que você lia o texto.

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12 O ser humano: um ser em desenvolvimento

ORIGEM DA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO: CONCEITUAÇÃO E
CARACTERIZAÇÃO

A partir de agora esperamos que você aprenda a conceitu-


ar a Psicologia do Desenvolvimento.

A cena que acabamos de ler, descrita por Flaubert, envolve


crianças pequenas que recebem cuidados longe de seus
pais, sob a responsabilidade de uma ama, que, segundo
o autor, atende a crianças em situação bastante precária.

Se hoje, na contemporaneidade, estranhamos tal compor-


tamento, muito disso se deve aos estudiosos que, já na
época do autor, pesquisavam o desenvolvimento infantil,
buscando identificar suas características e necessidades.

O século de Madame Bovary foi marcado por grandes


transformações sociais, políticas, científicas e culturais.
Foi nesse cenário que a história registrou o “nascimento”
da Psicologia como ciência. O primeiro laboratório de psi-
cologia experimental surgiu em Leipzig, Alemanha, no ano
de 1879, sob a direção de Wilhelm Wundt, com o objetivo
de investigar experimentalmente os fenômenos mentais.

Esse foi o início de uma longa trajetória na busca pela com-


preensão do comportamento humano, que rapidamente se
desdobrou em outras escolas do pensamento psicológico,
principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

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A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas familiares e o desenvolvimento 13

No nosso caso, em especial, o interesse direciona-se para


o ramo da Psicologia que irá pautar-se na pesquisa dos
aspectos evolutivos do ser humano. Assim, a Psicologia
do Desenvolvimento propõe-se a estudar e a investigar as
transformações ocorridas ao longo da vida do ser humano
em todas as etapas do seu ciclo de vida — da infância à
velhice.

Dessa forma, a Psicologia do Desenvolvimento abrange o


estudo do desenvolvimento filogenético, ontogenético e
sociogenético.

Você deve estar se perguntando:

Afinal, o que é desenvolvimento filogenético,


ontogenético e sociogenético?

Não se preocupe, vamos procurar esclarecer a sua dúvida:

• Desenvolvimento filogenético: a filogênese pro-


cura estudar a história evolutiva da espécie. Assim,
quando a Psicologia procura investigar e sistemati-
zar o desenvolvimento humano, ou seja, seu pro-
cesso evolutivo, ela precisa identificar as mudanças
ocorridas nas estruturas e no comportamento dos
organismos, dos mais simples aos mais sofistica-
dos, chegando, então, ao desenvolvimento atual.

• Desenvolvimento ontogenético: a ontogênese


refere-se ao desenvolvimento do indivíduo. Trata-se
das experiências acumuladas durante a vida e que
contribuem para o seu desenvolvimento. Ela inves-

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14 O ser humano: um ser em desenvolvimento

tiga a trajetória pessoal e é muito utilizada nas pes-


quisas sobre o desenvolvimento infantil.

• Desenvolvimento sociogenético: refere-se ao


estudo dos grupos sociais. Procura pesquisar a his-
tória dos grupos sociais e sua influência no desen-
volvimento do ser humano.

Bem, imagino que, agora, você já deve estar percebendo a


complexidade dos estudos realizados pela Psicologia do
Desenvolvimento. Ela precisa preocupar-se em saber em
que etapa da vida a pessoa encontra-se, saber das suas
experiências e da sua subjetividade e contextualizá-las, ou
seja, identificar o momento social, político e cultural no
qual a pessoa está inserida. Assim, podemos perceber que
é pouco provável que duas pessoas evoluam de maneira
idêntica. O elemento idiossincrático sempre estará pre-
sente, favorecendo a diferença.

Como será que esses estudos foram realizados?

É exatamente isso que vamos abordar agora. Na verdade,


você vai perceber algumas informações básicas sobre as
correntes filosóficas que muito influenciaram os psicólo-
gos no século XIX.

Nessa época, duas grandes correntes do pensamento des-


tacam-se: o Empirismo inglês e o Racionalismo alemão.
Essas escolas rivais ocuparam um lugar preponderante na
origem da jovem ciência — a Psicologia.

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Origem da Psicologia do Desenvolvimento: conceituação e caracterização 15

Vamos verificar algumas contribuições importantes:

A filosofia empirista compara a mente humana a um espa-


ço vazio. Você deve conhecer o famoso conceito de John
Locke (1632-1704), filósofo inglês e ideólogo do liberalis-
John Locke
mo, que compara a mente humana, no momento do nas- (1632 — 1704).
cimento, a uma tábula rasa. Para esta escola filosófica, a Filósofo inglês
e ideólogo do
fonte de informação do ser humano é a experiência e a sua liberalismo,
percepção sensorial. Podemos entender, então, que o co- considerado
o principal
nhecimento ocorre de fora para dentro, e que o indivíduo
representante do
é determinado pelo ambiente. empirismo britânico
e um dos principais
teóricos do contrato
Para os racionalistas, ao contrário, todo o conhecimento social. Locke rejeitava
a doutrina das ideias
humano é reduzido à razão. O conhecimento é considera-
inatas e afirmava que
do anterior à experiência e depende de conteúdos inatos, todas as nossas ideias
tinham origem no
ou seja, que já estão presentes no homem desde a sua
que era percebido
origem. Assim, para esta escola, o conhecimento ocorre pelos sentidos.
de dentro para fora e é o indivíduo quem determina o am-
biente.
Immanuel Kant
(1724 — 1804).
Nesse mesmo século, surgiu outra escola do pensamen- Filósofo prussiano,
que é geralmente
to, representada por um dos pensadores mais influentes
considerado o último
da modernidade, que, talvez, você já conheça: Immanuel grande filósofo dos
Kant (1724-1804), filósofo prussiano, considerado o últi- princípios da era
moderna. Operou
mo grande filósofo dos princípios da era moderna. Para uma síntese entre
ele, nem os racionalistas, nem os empiristas estavam cor- o racionalismo
continental (de René
retos. Disse ele: “tanto a razão quanto a experiência são Descartes e Gottfried
importantes para ocorrer o conhecimento.” Leibniz, onde
impera a forma de
raciocínio dedutivo),
Dessa disputa acirrada surgiu, na segunda metade do sé- e a tradição empírica
inglesa (de David
culo XIX, uma corrente do pensamento filosófico que, na- Hume, John Locke, ou
quele momento, foi determinante para o reconhecimento George Berkeley, que
valoriza a indução).

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16 O ser humano: um ser em desenvolvimento

da Psicologia como ciência. Estamos falando do Positivis-


mo: escola de pensamento presente em todas as ciências,
que estabeleceu os critérios científicos para a apropriação
do conhecimento. A psicologia que ali se iniciou adotou
em suas pesquisas sobre o comportamento humano uma
metodologia orientada pela observação cuidadosa e siste-
matizada.

Nesse contexto de discussão filosófica surgiram, na Psico-


logia, dois modelos para a compreensão do processo de
desenvolvimento. Estamos referindo-nos ao modelo me-
canicista do desenvolvimento e ao modelo organicista do
desenvolvimento.

O modelo mecanicista do desenvolvimento enfatiza os


aspectos da experiência, da aprendizagem, enquanto o
modelo organicista privilegia os processos de desenvolvi-
mento que têm caráter universal, ou seja, as característi-
cas inatas dos indivíduos.

Então, conseguiu identificar a


origem desses modelos?

O modelo mecanicista do desenvolvimento dialoga com


a escola empirista e preocupa-se com as experiências, as
aprendizagens, que ocorrem ao longo da vida da pessoa e
determinam o seu desenvolvimento. Assim, a metodologia
utilizada baseia-se em métodos operacionais, medindo e
quantificando as aprendizagens e/ou mudanças de com-
portamento observadas na pessoa. Não há interesse em
discutir os processos não observáveis, os que não podem
ser verificados mediante os critérios científicos apontados
pela abordagem positivista.

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Origem da Psicologia do Desenvolvimento: conceituação e caracterização 17

Por sua vez, o modelo organicista do desenvolvimento


preocupa-se com os conteúdos internos, mas também
não deixa de valorizar os estímulos externos. Para este
modelo, o desenvolvimento apresenta ordem e estrutura
denominadas estágios, que estão presentes em todos os
indivíduos, sendo, portanto, universais a todos os seres
humanos.

Esses modelos “imperaram” na Psicologia do Desenvolvi-


mento até a década de 1970 do século XX, quando um
grupo de pesquisadores propôs o modelo conhecido como
ciclo vital, que se contrapõe, particularmente, ao mode-
lo organicista e que enfatiza a importância de estudar o
comportamento humano da infância até a velhice. Isso
não ocorria na proposta organicista, que se debruçava, até
então, sobre a infância e a adolescência, não consideran-
do o processo de desenvolvimento como algo que poderia
ocorrer ao longo da vida da pessoa. Outra crítica enfatiza-
da por este modelo refere-se à concepção do desenvolvi-
mento como um processo universal.

Para esses psicólogos, a cultura tem um papel preponde-


rante e pode modificar aspectos vivenciados na infância,
que, até então, eram considerados determinantes na his-
tória de vida do indivíduo. Assim, eles propuseram que se
considerasse as duas possibilidades: a perspectiva meca-
nicista e a organicista.

Convido você a pensarmos juntos. Será que uma pessoa que vi-
veu no início do século XX enfrentou duas grandes guerras, ha-
bitou em um mundo sem o computador, a internet, o celular, o
avanço da medicina, pode apresentar um desenvolvimento simi-
lar ao seu? Esses fatores não irão influenciar o seu desenvolvimen-
to? Qual a sua opinião? Retorne ao texto e pense a respeito.

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18 O ser humano: um ser em desenvolvimento

Continuando...

Assim, podemos entender que, para o modelo do ciclo vi-


tal, o desenvolvimento humano é influenciado por vários
fatores, por múltiplas determinações que não apresentam
um caráter restritivo, como nos modelos anteriormente
apresentados. Desse modo, na compreensão do comporta-
mento humano, devemos levar em consideração os aspec-
tos biológicos, sociais e culturais.

Como uma ciência que ainda está aprendendo


a andar, a Psicologia pergunta-se: quais são,
afinal, os elementos determinantes do processo
de desenvolvimento psicológico do ser humano?

As discussões envolvem, como vimos, tanto a importância


do meio ambiente como aspectos internos, nossa herança
filogenética.

Vamos tentar agora verificar o que entendemos por Psico-


logia do Desenvolvimento e talvez compreender que seria
impossível conversar com Madame Bovary sobre os aspec-
tos do desenvolvimento da sua filhinha, quando tão pouco
se conhecia sobre este processo.

Em uma concepção contemporânea de desenvolvimento,


podemos, então, afirmar que a Psicologia do Desenvol-
vimento refere-se “à compreensão e à pesquisa sobre os
processos de mudanças psicológicas nos seres humanos,
que ocorrem ao longo de toda a existência, e que são in-
fluenciados pelos fatores externos e pela nossa herança
filogenética”.

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Origem da Psicologia do Desenvolvimento: conceituação e caracterização 19

Você se lembra?

Estávamos saindo da casa da ama — mãe Rollet —, que


tem sob sua responsabilidade crianças pequenas, deixa-
das ali por seus pais para serem cuidadas e protegidas
por ela.

Perguntamos também:

Se fosse possível conversar com a Sra.


Bovary, o que você perguntaria?

Na cena descrita, que elementos ressaltados


pelo autor chamaram a sua atenção?

Você concorda que Emma sentia


amor por sua filha?

Para tentar respondê-las, vamos passar para o o próximo


tópico.

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20 O ser humano: um ser em desenvolvimento

A FAMÍLIA E A CRIANÇA
CONTEMPORÂNEAS: AS PRÁTICAS
EDUCATIVAS FAMILIARES E O
DESENVOLVIMENTO

Esperamos que você aprenda a identificar as mudanças


ocorridas na instituição familiar e os seus efeitos no de-
senvolvimento da criança.

Estudamos até aqui um pouco da história da Psicologia e


verificamos a evolução da Psicologia do Desenvolvimento.
Aprendemos que desenvolvimento refere-se ao conjun-
to de variações que se manifestam em um indivíduo por
força das disposições interiores e da ação do ambiente.
Vimos também que ele pode ser entendido como a série
de mudanças ocorridas no organismo como resultado da
aprendizagem e das influências ambientais.

Cada indivíduo tem sua própria história e ritmo de de-


senvolvimento.

O processo do desenvolvimento humano abrange todos os


aspectos do indivíduo de uma forma intimamente inter-
-relacionada. Tudo nele, o crescimento físico, a evolução
afetiva e da sensibilidade, os interesses, as motivações e o
desenvolvimento intelectual estão indissoluvelmente liga-
dos. Entretanto, não há um paralelismo absoluto entre os
desenvolvimentos físico, emocional e mental, embora seja
possível apreciar com nitidez as relações de mutualidade

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A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas familiares e o desenvolvimento 21

entre eles. São elas que permitem identificar um indivíduo


quando, em face de um processo de desenvolvimento, ele
apresenta alguma limitação ou dificuldade.

O ritmo de desenvolvimento é próprio de cada indivíduo,


uma vez que os fatores ambientais — sobretudo, a nutri-
ção e a escolaridade — podem provocar maior ou menor
aceleração.

Os estudos efetuados pela Psicologia do Desenvolvimento


remetem a um determinado contexto de desenvolvimento.
O que estamos querendo dizer é que o indivíduo estudado
pela Psicologia, na contemporaneidade, apresenta caracte-
rísticas sociais e culturais muito diferentes daquelas que
ocorriam na modernidade.

Daí, certamente, a sua surpresa com o relato de Flaubert.

O que ele nos apresenta? De que criança está


falando? Como se estrutura aquela família?

A criança que hoje conhecemos na sociedade contemporâ-


nea ainda ocupa um lugar de destaque. Ela é a figura central
no contexto familiar. Seu desenvolvimento, suas necessida-
des, seus interesses e seu futuro são alvos de preocupação
e do investimento constante de seus pais. O mesmo ocorre
no ambiente escolar. Estudiosos da Psicologia e da Educa-
ção procuram compreender e acompanhar o seu desenvol-
vimento e os seus processos de aprendizagem.

Nas últimas décadas, percebeu-se uma mudança de foco


ou de lugar. A maneira de se pensar a criança e sua família

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22 O ser humano: um ser em desenvolvimento

modificou-se vagarosamente e os reflexos dessa mudança


apareceram na escola, exigindo dos educadores uma res-
posta aos problemas e às demandas que surgem a cada
momento.

Percebe-se, com certa perplexidade, que nem a escola nem


a família estão preparadas ou sabendo como lidar com
essas transformações, e fica-se com a impressão de que,
principalmente no que se refere à escola, ela não está pre-
parada para mudanças. O conceito que construímos sobre
a criança e a própria infância está tão arraigado que não
nos permite olhar o processo de forma mais dinâmica; ou
seja, em constante transformação.

Se retrocedermos alguns séculos, verificaremos que a ma-


neira como pensamos e entendemos hoje, a criança e sua
infância é fruto de mudanças profundas na mentalidade.
Autores como Ariès (1973) e Badinter (1985) apontam es-
sas transformações que aconteceram lentamente a partir
do século XVII, verificando o surgimento de uma nova
concepção de infância, que provoca cuidados e atenção
por parte dos adultos na educação das crianças.

Esses autores (Ariès e Badinter) debruçaram-se sobre a


história social da criança e da família e encontraram mui-
tas histórias como a de Emma Bovary.

Então, segundo Ariès (1973, p.270): “A criança tornou-se


um elemento indispensável da vida cotidiana, e os adul-
tos passaram a se preocupar com sua educação, carreira
e futuro.”

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A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas familiares e o desenvolvimento 23

Porém, a criança e sua infância nem sempre foram a preo-


cupação central de uma família. As mudanças na mentali-
dade ocorreram lentamente, e é comum, na modernidade,
encontrar a criança em um lugar secundário, como mero
objeto de diversão dos adultos.

Badinter (1985, p. 78) destaca que:

[...] a criança é considerada com muita frequência


pelos pais como um brinquedo divertido do qual se
gosta pelo prazer que proporciona, e não pelo seu
bem. É uma espécie de pequeno ser sem persona-
lidade, um jogo nas mãos dos adultos. Assim que
deixa de distrair, deixa de interessar.

Para Ariès, a criança ocupava esse lugar tão insignifican-


te porque estava marcada pela constante possibilidade de
morte prematura.

Assim, pouco se sabia sobre ela. Lembre que a figura do


pediatra só surgiu no final do século XIX. Havia, portan-
to, falta de conhecimento sobre essa etapa da vida e sua
especificidade. O autor observa que existia o sentimento
de uma infância curta, ou seja, superados os cinco ou sete
anos de vida, a criança era integrada ao mundo do adulto.

A divisão por faixa etária que conhecemos e que, de certa


forma, naturalizamos, é fruto de um longo processo. Du-
rante muito tempo a própria escola foi indiferente a essa
organização por idades. Crianças, jovens e adultos com-
partilhavam o mesmo lugar na hora de aprender, tanto na
escola como na vida cotidiana.

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24 O ser humano: um ser em desenvolvimento

Aos poucos, o cenário vai modificando-se, e no século XVII


é encontrado um número significativo de escolas na Fran-
ça, principalmente para meninos. Segundo Ariès:

[…] tendia-se a considerar como o término da pri-


meira infância a idade de 5-6 anos, quando o meni-
no deixava sua mãe, sua ama ou suas criadas. [...] O
sentimento mais comumente expresso para justifi-
car a necessidade de retardar a entrada para o colé-
gio era a fraqueza, a imbecilidade ou a incapacidade
dos pequeninos. (1973, p. 176)

Para Badinter (1985, p. 132), “a escola toma o lugar do


aprendizado como meio de educação”. Essas mudanças
não ocorreram gratuitamente, pois foram frutos de mu-
danças profundas que chegaram até a família por meio
da produção de um discurso econômico e filosófico em
defesa da criança. Assim diz a autora:

A verdade é que a criança, especialmente em fins


do século XVIII, adquire um valor mercantil. Como
o senso da previsão e da antecipação se havia de-
senvolvido nos homens do fim de século, não se via
mais na criança o fardo que ela representava a curto
prazo, mas a força de produção que encarnava a
longo prazo. Ela se transformou num investimento
lucrativo para o Estado, que seria tolice e “imprevi-
dência” negligenciar. Essa nova visão do ser huma-
no em termos de mão-de-obra lucro e riqueza, é a
expressão do capitalismo nascente. (1985, p. 160)

Atrelado ao discurso econômico, temos o discurso filosó-


fico. Rousseau acrescenta, em seu O Contrato Social, uma
“nova família”. Ao pai, na função paterna, é atribuída a
autoridade que acompanha a proteção do filho, que é uma
necessidade da criança.

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A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas familiares e o desenvolvimento 25

Ressalta Badinter:

A análise do Contrato social lança uma luz nova


não só a condição do pai, mas também sobre a do
filho. Afirmando, desde a primeira frase do livro,
que “o homem nasceu livre”, Rousseau estabelecia a
liberdade como um dado indestrutível da natureza
humana. E assim ele tornava homogênea a natureza
do pai e a do filho. A criança é, portanto, uma cria-
tura potencialmente livre, e a verdadeira função do
pai é tornar possível a atualização dessa liberdade
ainda adormecida. Criar um filho é fazer de um ser
momentaneamente frágil e alienado uma pessoa au-
tônoma assim como os pais. (1985, p. 169)

A nova família tem como responsabilidade a felicidade


dos filhos que, segundo a autora, será prolongada até o
século XX, quando ela “alcançará o seu apogeu graças à
teoria psicanalítica”.

Para Ariès (1973, p. 276) além da psicanálise, a pediatria


e a psicologia

consagram-se aos problemas da infância e suas desco-


bertas são transmitidas aos pais através de uma vasta
literatura de vulgarização. Nosso mundo é obcecado
pelos problemas físicos, morais e sexuais da infância.

A evolução dos costumes ocorreu lentamente e a acentu-


ada preocupação com a saúde e a felicidade dos filhos le-
vará, cada vez mais, a mãe a dedicar-se integralmente aos
seus cuidados.

Cuidar dos filhos, vigiá-los e educá-los exige sua


presença efetiva no lar... Seus filhos são suas únicas
ambições e ela sonha para eles um futuro mais bri-
lhante e mais seguro do que o seu. A nova mãe é essa
mulher que conhecemos bem, que investe todos os

..........................................................................................................
26 O ser humano: um ser em desenvolvimento

seus desejos de poder na pessoa de seus filhos. Preo-


cupada com o futuro deles, limitará voluntariamente
a sua fecundidade. (BADINTER, 1985, p. 212)

Esse modelo idealizado em função das necessidades da


sociedade burguesa emergente, de educação familiar cen-
trada na responsabilidade materna que investe na criança
todos os seus anseios de felicidade, chega aos nossos dias
fragmentado. Novas possibilidades apresentam-se para a
reorganização familiar.

A psicanalista Maria Rita Kehl (2003) aborda a família ten-


tacular contemporânea formada por novos encontros de
adultos, adolescentes e crianças vindos de outras famílias.
Porém, segundo a autora, não se pode esquecer sua res-
ponsabilidade de cuidar da criança, devido ao seu aban-
dono moral. Diz ela: “O que é insubstituível é um olhar de
adulto sobre a criança, a um só tempo amoroso e respon-
sável, desejante de que esta criança exista e seja feliz na
medida do possível — mas não a qualquer preço.”

Às vezes, algumas certezas caem por terra e descobrimos


fatos sobre a realidade que irão enriquecer e aumentar as
nossas possibilidades de compreensão da mesma.

Vejamos: quantas vezes consideramos que o nosso aluno


não aprende porque é oriundo de uma família desestrutu-
rada? Outras vezes, contudo, depositamos a responsabi-
lidade na figura da família, mas sem realmente conhecer
seu comprometimento ou seu papel no desenvolvimento
da aprendizagem.

Espero que você tenha compreendido que a infância e a fa-


mília tal e qual você conhecia e admitia, até ler este texto,

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A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas familiares e o desenvolvimento 27

são frutos de uma construção social, e portanto, estão em


constante transformação. Tais fatos, no entanto, não im-
pedem o seu desenvolvimento. E é este assunto que que-
remos explanar agora para você.

Antes, porém, perguntamos:

Você consegue, depois desta leitura,


responder àquelas outras questões
formuladas a M. Bovary?

Prosseguindo...

Estudaremos as práticas educativas familiares e sua im-


portância como contexto de desenvolvimento. Para nós,
educadores, este é um assunto muito importante. Precisa-
mos conhecer o nosso aluno, a sua história, a sua família,
as experiências que compõem o seu repertório de desen-
volvimento.

Bola de meia, Bola de gude


(Milton Nascimento e Fernando Brant)

“Há um menino, há um moleque


morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão.”

Essa música lembra-nos das coisas boas da infância, de


como elas ficam guardadas na nossa memória e como nos
ajudam ao longo da nossa história, nos momentos difíceis
em que, como diz a música, “balançamos”.

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28 O ser humano: um ser em desenvolvimento

Essa criança que está dentro de todos nós tem muita his-
tória para contar, e, ao longo deste capítulo, verificaremos
a plasticidade e a capacidade de adaptação do ser humano
a vários contextos de desenvolvimento. Ora, a criança era
criada longe da família, não existia uma educação especí-
fica, ela aprendia junto ao jovem, ao adulto, ao idoso, sem
maiores cuidados. Sua alimentação, os cuidados com sua
higiene, suas experiências infantis não se distinguiam das
oferecidas e vivenciadas pelos adultos. Depois, ela foi sub-
metida, na escola, a uma classificação por faixas etárias,
passando a ter necessidades e interesses diferenciados e
torna-se, por último, a figura central da família e — por
que não dizer? — da própria sociedade.

Podemos, então, perguntar:

A escola é o único local, privilegiado, para


proporcionar o desenvolvimento ao aluno?

A família também pode proporcionar um


contexto favorável de desenvolvimento?

Respondendo à primeira pergunta, muitos psicólogos con-


sideram que não, e enfatizam o papel do desenvolvimento
sociogenético na formação e na construção de contextos
saudáveis de desenvolvimento. Estamos falando de práti-
cas educativas não formais e informais, as quais possibi-
litam em várias culturas, por meio dos seus instrumentos
mediadores e de vários grupos sociais, que a família, em
suas mais variadas formas de organização, seja um con-
texto privilegiado de desenvolvimento.

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A família e a criança contemporâneas: as práticas educativas familiares e o desenvolvimento 29

Isso não significa afirmar que qualquer contexto seja fa-


vorável ao desenvolvimento, nem que o mesmo contexto
seja favorável a todos. Isso porque não podemos esquecer
o protagonista do processo, ou seja, o próprio indivíduo.

Ele traz a sua história e as suas possibilidades e limita-


ções, e nem sempre será possível responder de maneira
favorável e produtiva às oportunidades oferecidas.

Bronfenbrenner (1985), citado por C. Coll (1999, p. 149),


destaca que são necessárias duas condições complemen-
tares para favorecer o contexto de desenvolvimento:

• A possibilidade de a criança observar padrões de


atividade progressivamente mais complexos e in-
corporá-los com a ajuda e a orientação de alguém
mais especializado.

• A possibilidade de a criança envolver-se nas ati-


vidades das quais participou com a ajuda de outros,
porém, agora, de forma independente.

Essas condições são consideradas absolutamente neces-


sárias para a promoção do desenvolvimento, e, segundo
C.Coll (1999), viabilizam uma “diversidade de caminhos
por meio dos quais as pessoas aprendem”.

Assim, o autor destaca as principais funções da família:

• O cuidado e a proteção.
• O processo de socialização.

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30 O ser humano: um ser em desenvolvimento

• A responsabilidade com a escolarização.


• A ajuda e o suporte na construção de estruturas
emocionais equilibradas.

Dessa forma, constatamos a importância da dinâmica fa-


miliar na viabilização de contextos saudáveis de desen-
volvimento. Não esquecendo, como ressalta o autor, que a
família é constituída por uma série de protagonistas: pais,
irmãos, parentes próximos e, como assinala Kehl, os no-
vos membros da família tentacular.

Assim, nesse contexto, aprendem os filhos, os irmãos, os


pais e os demais membros incluídos nas novas modalidades
e possibilidades oferecidas pelo contexto familiar.

Essa nova realidade, que cada vez mais se afirma, deve ser
entendida pela escola e por seus educadores, muitos dos
quais também vivenciam situações similares como parcei-
ros e atores no processo de desenvolvimento do aluno, in-
dependentemente de sua idade, história ou contexto social.

E agora? Você consegue responder


à segunda pergunta?

Faça uma nova leitura deste tópico e pense no que conseguiu


assimilar. Os conhecimentos adquiridos serão muito importan-
tes nesta última etapa, quando iremos rever as contribuições da
Psicologia do Desenvolvimento na prática educativa.

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A Psicologia do Desenvolvimento e sua aplicação na prática educacional 31

A PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO E SUA
APLICAÇÃO NA PRÁTICA
EDUCACIONAL

Neste tópico, esperamos que você aprenda a destacar as


contribuições da Psicologia do Desenvolvimento para a
prática educacional.

Como verificamos ao longo do capítulo anterior, a escola


toma para si a responsabilidade de proporcionar a crian-
ças, adolescentes e adultos a educação formal, sistemati-
zando o conhecimento produzido pela humanidade e orga-
nizando a seriação e a estrutura curricular. A escola, como
conhecemos no século XX, é fruto das mudanças ocorridas
a partir do século XVIII, quando surge o novo conceito de
infância e a preocupação com as faixas etárias no sistema
educacional.

Por outro lado, vimos que, a partir do século XIX, a Psico-


logia é reconhecida como ciência e propõe-se a investigar
e a compreender o comportamento humano, oferecendo
aos educadores informações importantes para o trabalho
pedagógico. A função socializadora da escola permite à
criança a assimilação de um conhecimento produzido pela
sua cultura e, dessa forma, ela desenvolve-se e aprende.
Além dessa função, é no espaço da escola que se difundem

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32 O ser humano: um ser em desenvolvimento

os discursos científicos sobre a especifividade dos estágios


de desenvolvimento e as suas respectivas faixas etárias.
A metodologia utilizada e seus padrões sequenciais de
aprendizado determinam a organização e a classificação
dos alunos por estágios ou níveis.

Utilizando um sistema avaliativo que aponta os pré-requi-


sitos necessários a um determinado nível de ensino, os
alunos são classificados e organizados mediante uma hie-
rarquização do conhecimento.

Isso me lembra um dos muitos episódios da minha expe-


riência profissional como professora da rede municipal de
ensino.

Em função desse sistema avaliativo, todo aluno, ao ser pro-


movido, apresenta um certificado que valida a sua matrí-
cula em determinada série. Assim, quando o aluno solicita
matrícula em uma escola, ele deve apresentar um docu-
mento que comprove a sua possibilidade de frequentar
aquela série.

Porém, na realidade educacional brasileira, nem sempre


isso é possível. Crianças são, em muitas situações, transfe-
ridas ou retiradas da escola devido aos graves problemas
sociais que afetam o nosso país.

E esta é a história que eu vou contar.

Sempre que conto esta história fico pensando em quantas


crianças não são promovidas não porque não saibam, mas

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A Psicologia do Desenvolvimento e sua aplicação na prática educacional 33

porque a pergunta pode estar mal formulada, não levando


em consideração o seu estágio de desenvolvimento cognitivo.

Um aluno solicitou, por intermédio de sua família, a matrícula em


uma determinada série. Sua família chegara ao Rio de Janeiro,
vindo do interior do nordeste. Como sua mãe não apresentava
nenhum documento que comprovasse a sua promoção para tal
série, o aluno foi submetido a um teste de classificação, no qual se
verifica, mediante seu desempenho, os conhecimentos que vali-
dam a sua inclusão numa ou noutra série.

Bem, a pedagoga da escola apresentou ao aluno o teste e pediu-


-me que o acompanhasse durante a sua execução. A criança sen-
tou-se e iniciou a tarefa. O teste continha questões de matemática,
língua portuguesa, história e ciências. Passado um determinado
tempo, o aluno concluiu a tarefa, veio até a minha mesa e, muito
timidamente, pediu que eu verificasse se as questões de ciências
estavam corretas.

Tratava-se de um texto sobre o sistema solar, e os vários planetas


eram apresentados. Uma das perguntas solicitava do aluno uma
resposta sobre a sua origem: qual era o seu planeta, onde ele ha-
bitava? O menino sem entender a pergunta respondeu “O meu
planeta é Marte”, e olhava-me aflito, esperando uma confirmação.

Esta me parece uma das grandes contribuições da Psicologia


do Desenvolvimento à compreensão dos processos de desen-
volvimento da criança. É preciso identificar em uma sonda-
gem qualitativa o conhecimento do aluno, levando em consi-
deração sua história, sua cultura e seus laços sociais.

A escola fundamenta a sua autoridade apropriando-se do


conhecimento e acreditando que a construção cognitiva do
aluno ocorre mediante uma estrutura linear pré-determi-
nada, o que proporciona uma fragmentação do objeto a
ser conhecido pelo aluno, reduzindo as possibilidades de

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34 O ser humano: um ser em desenvolvimento

criação e inovação e levando o professor a seguir, passo a


passo, aquilo que determinam os objetivos de longo prazo
e o próprio livro didático, que nem sempre atende às ne-
cessidades e aos interesses da realidade do aluno.

A Psicologia do Desenvolvimento proporciona, graças à sua


produção teórica, ferramentas que podem auxiliar o profes-
sor na busca de novas metodologias, promovendo a discus-
são sobre os conteúdos a serem ensinados ao aluno. Ela en-
tende que a escola deve promover no aluno a capacidade de:

• Adquirir e enriquecer os seus hábitos de leitura,


favorecendo a construção de novas formas de ex-
pressão do pensamento; descobrir novos conheci-
mentos.

• Interagir com outros alunos por meio de jogos,


brincadeiras, dinâmicas pedagógicas que favoreçam
o desenvolvimento cognitivo e proporcionem a so-
cialização e a superação de conflitos.

• Desenvolver o senso crítico e a capacidade de ob-


servação, reflexão e análise.

• Superar a heteronomia, alcançando a autonomia


da ação e do pensar.

• Estabelecer relações de sentido e significado en-


tre os conteúdos apreendidos e a sua realidade só-
cio-afetiva.

Como você pode verificar, ainda temos um longo caminho


a percorrer. Mas não desanime; assim como na história do
meu aluno de Marte, você também, às vezes, vai sentir-se

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A Psicologia do Desenvolvimento e sua aplicação na prática educacional 35

em “outro planeta”, mas estaremos aqui para verificar a


sua dúvida e auxiliar na formulação de novas perguntas,
pois são elas que, certamente, irão ajudar a construir o seu
conhecimento. Em 1879, em Leipzig, Alemanha, foi funda-
do o primeiro laboratório de psicologia experimental, sob
a direção de Wilhelm Wundt. Seu objetivo era investigar
experimentalmente os fenômenos mentais.

A Psicologia do Desenvolvimento propõe-se a estudar e a


investigar as transformações ocorridas ao longo da vida do
ser humano, da infância à velhice.

A Psicologia do Desenvolvimento abrange o estudo dos de-


senvolvimentos filogenético (a filogênese procura estudar
a história evolutiva da espécie), ontogenético (a ontogêne-
se refere-se ao desenvolvimento do indivíduo) e socioge-
nético (refere-se ao estudo dos grupos sociais).

• Modelo mecanicista do desenvolvimento: preo-


cupa-se com as experiências, as aprendizagens, que
ocorrem ao longo da vida da pessoa, determinando,
então, o seu desenvolvimento.

• Modelo organicista do desenvolvimento: o de-


senvolvimento apresenta uma ordem e uma estrutu-
ra denominadas estágios.

• Ciclo vital: enfatiza a importância de estudar o


comportamento humano da infância até a velhice.

A Psicologia do Desenvolvimento refere-se “à compreen-


são e à pesquisa sobre os processos de mudanças psicoló-
gicas nos seres humanos, que ocorrem ao longo de toda a

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36 O ser humano: um ser em desenvolvimento

existência, e que são influenciados pelos fatores externos


e pela nossa herança filogenética”.

A criança ainda é a personagem central, tanto na família


como na escola. Tanto psicólogos como educadores pro-
curam compreender e acompanhar seu desenvolvimento e
seus processos de aprendizagem. Porém, a criança e sua in-
fância nem sempre foram a preocupação central da família.

Segundo Ariès (1973) e Badinter (1985), foi somente a par-


tir do século XVIII que uma nova concepção de infância
passou a provocar cuidados e atenção por parte dos adul-
tos à educação das crianças. A figura do pediatra só surgi-
rá no final do século XIX.

Rousseau apresenta uma “nova família”, sendo atribuída


ao pai a função de autoridade que acompanha a proteção
do filho, a qual é necessidade da criança.

Essa família tem como responsabilidade a felicidade dos


filhos, o que se prolonga até o século XX.

Instala-se, então, a família moderna, a família que é a nu-


clear, formada por marido, esposa e filhos.

Nela, destaca-se a figura materna, que tem total responsabi-


lidade sobre a educação e a felicidade da criança.

No século XXI, surge, então, a família tentacular contem-


porânea, formada por novos encontros de adultos, adoles-
centes e crianças vindos de outras famílias, sem esquecer,
contudo, da responsabilidade com o cuidado da criança.

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A Psicologia do Desenvolvimento e sua aplicação na prática educacional 37

Funções da família: o cuidado e a proteção; o processo de


socialização, a responsabilidade com a escolarização e a
ajuda e o suporte na construção de estruturas emocionais
equilibradas. Sendo assim, a família tem decisiva impor-
tância na viabilização de contextos saudáveis de desen-
volvimento.

Nesse contexto, aprendem os filhos, os irmãos, os pais e os


demais membros incluídos nas novas modalidades e pos-
sibilidades oferecidas pelo contexto familiar. A nova reali-
dade deve ser entendida pela escola e por seus educadores
independentemente de idade, história ou contexto social.

A escola, tal como a conhecemos no século XX, é fruto das


mudanças ocorridas a partir do sec XVIII, quando surge o
novo conceito de infância e a preocupação com as faixas
etárias no sistema educacional.

A partir do seculo XIX, a Psicologia é reconhecida como


ciência e propõe-se a investigar e a compreender o com-
portamento humano, oferecendo aos educadores informa-
ções importantes para o trabalho pedagógico.

A função socializadora da escola permite à criança a assi-


milação de um conhecimento produzido pela sua cultura;
assim, ela desenvolve-se e aprende.

É no espaço da escola que se difundem os discursos cien-


tíficos sobre a especificidade dos estágios de desenvolvi-
mento e as suas respectivas faixas etárias.

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38 O ser humano: um ser em desenvolvimento

Por meio de um sistema avaliativo, que aponta os pré-re-


quisitos necessários a um determinado nível de ensino, os
alunos são classificados e organizados em função de uma
hierarquização do conhecimento.

A escola fundamenta a sua autoridade apropriando-se do


conhecimento e acreditando que a construção cognitiva
do aluno ocorre graças a uma estrutura linear pré-deter-
minada.

A Psicologia do Desenvolvimento proporciona, mediante


sua produção teórica, ferramentas que podem auxiliar o
professor na busca de novas metodologias, promovendo a
discussão sobre os conteúdos a serem ensinados ao aluno.

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REFERÊNCIAS

ÁRIES, P. História social da criança e da família. Rio de


Janeiro: Guanabara, 1973.

BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor ma-


terno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1985.

COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento


psicológico e educação: psicologia evolutiva. v. 1. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.

COLL, C. S.; MESTRES, M.M.; GOÑI, J. O.; GALLART, I.S. Psi-


cologia da Educação. Porto Alegre: ARTMED, 1999.

COUTINHO, M. T. C.; MOREIRA, M. Psicologia da Educa-


ção: um estudo dos processos psicológicos de desenvol-
vimento e aprendizagem, voltado para a educação. Belo
Horizonte: Lê, 1992.

FLAUBERT, G. Madame Bovary. São Paulo: Abril, 2010.

KEHL, R. Em defesa da família tentacular. In: GROENIN-


GA, G. C.; PEREIRA, R. C. Direito de família e psicanálise:
rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago,
2003.

PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. et al. Desen-


volvimento Humano. Porto Alegre: 2010.

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 41

CAPÍTULO 2
ABORDAGENS
CONTEMPORÂNEAS
DA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO - PARTE I

Neste capítulo, prosseguiremos com a nossa leitura e dis-


cussão sobre os aspectos relacionados ao desenvolvimento
humano.

A criança de hoje é um ser historicamente construído e cons-


tituído simbolicamente pela sociedade. Essa criança, que é
o nosso objeto de estudo, pensa, sente, compreende e intui
o mundo dentro de um campo de visão bem diferente do
nosso. Para que possamos compreendê-la em sua totalidade,
precisamos aprender, entre outras coisas, sobre o seu desen-
volvimento pessoal e, assim, traçar os paralelos referentes à
educação.

Muitos téoricos da Psicologia do Desenvolvimento identifi-


cam a infância como a etapa primordial na vida do ser huma-
no. É na infância, mediante os processos de desenvolvimento,
que o ser humano constitui-se, estrutura-se. Assim, princi-
palmente a partir do século XVIII, a infância será cantada e
exaltada.

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42 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

E por que não cantar, também...

Enquanto houver criança


(Mauro Menezes)

“Enquanto houver criança


Enquanto houver passarinho
Enquanto houver esperança
Florindo nosso caminho

A vida vai brincar de roda


vai andar de bicicleta
vai correr vai pular corda
vai dançar jogar peteca.”

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 43

FREUD E A PSICANÁLISE –
CONTRIBUIÇÕES À COMPREENSÃO DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

A partir deste tópico, esperamos que você aprenda a reco-


nhecer a importância das contribuições freudianas à com-
preensão do desenvolvimento humano.

Para nos ajudar nesta caminhada, escolhemos um gran-


de pensador e teórico de quem certamente você já ouviu
falar. Estamos falando de Sigmund Freud (1856–1939),
médico, judeu, austríaco e o fundador da Psicanálise que,
como informa seu biógrafo Peter Gay (1989), acreditava
que tinha vindo ao mundo para “perturbar o sono da hu-
manidade”. Sem dúvida, suas descobertas provocaram à
época e provocam, até os nossos dias, discussões acalora-
das, não só na área da Psicologia, mas também na Literatu-
ra, nas Artes, na Sociologia, na Filosofia e em outras áreas
afins do conhecimento.

Freud, como nos informa Gay, iniciou suas atividades


profissionais como médico, em 1886, e foi em seu con-
sultório, ao atender pacientes que apresentavam grande
sofrimento psíquico, que ele desenvolveu sua técnica e re-
velou-nos o inconsciente, retirando do homem o domínio
sobre seu psiquismo.

Mas, afinal do que estamos falando? Não fique tão preo-


cupado, afinal, você já possui algum conhecimento sobre
os movimentos teóricos do final do século XIX e início do

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44 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

século XX, marcados, como você já sabe, pelo pensamento


positivista no qual a razão tem papel primordial. Neste
cenário, surge um médico que afirma ser o inconsciente
o grande responsável por nossas ações e nosso compor-
tamento. Você pode imaginar a grande confusão e os dis-
cursos contrários a essas novas e revolucionárias ideias.
Mesmo assim, Freud não recuou e por mais de cinquenta
anos enfrentou e combateu os inimigos da psicanálise.

Afinal, do que falava Freud para provocar tanta animosi-


dade? Além da descoberta do inconsciente, que retira do
homem o domínio sobre sua vontade e razão, Freud re-
vela-nos a sexualidade infantil, ressaltando a importância
da infância e dos acontecimentos vivenciados nessa etapa
de nossa existência como elementos determinantes nos
distúrbios de personalidade apresentados quando adulto.

Para a Psicanálise, a vida mental traduz-se por um jogo de


forças contrárias, que se estimulam e reprimem e que se
estruturam mediante os elementos conscientes e incons-
cientes. Isso gera um conflito, proporcionando a variedade
de comportamentos e sentimentos humanos — em última
instância, a formação da nossa personalidade. Para nós,
educadores, sua teoria tem uma importância vital. Seu
corpo teórico é uma ferramenta mediadora na compreen-
são do desenvolvimento e do comportamento do nosso
aluno, ressaltando os aspectos sócio-afetivos.

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 45

Para melhor entendermos, vamos retornar à Viena do século XIX,


onde Freud, voltando dos seus estudos em Paris com Charcot
– médico psiquiatra francês conhecido pelo seu trabalho com
pacientes histéricas, utilizando a técnica da hipnose – ficou ex-
tremamente impressionado com os resultados obtidos e com
a identificação dos processos inconscientes que subjazem aos
conscientes na prática clínica observada.

Em Viena, Freud conheceu J. Breuer, médico que já utilizava a


hipnose com alguns de seus pacientes, e que tratava, na época,
de uma paciente famosa para a história da psicanálise. Trata-se
de Ana O., paciente histérica que apresentava toda uma deter-
minada sintomatologia: paralisias, tosse nervosa, perturbações
oculares e intenso sofrimento psíquico.

Breuer e Freud iniciaram uma contínua discussão e pesquisa


dos dados obtidos com a paciente, e verificaram que, por meio
de hipnose, Ana O. narrava episódios extremamente dolorosos,
dos quais não tinha consciência. Ao retornar da hipnose, com
a consciência dos fatos narrados, verificava-se a eliminação da
sintomatologia. Ou seja, os sintomas desapareciam.

A parceria entre os dois médicos estendeu-se a outros pa-


cientes, que também passaram a ser atendidos com a uti-
lização da técnica da hipnose, porém, com a reprovação
do círculo médico da época. Freud observou que algumas
sugestões dadas aos pacientes durante o estado de sonam-
bulismo eram cumpridas com certo constrangimento e,
em outras situações, o paciente não conseguia realizá-las,
como se algo o censurasse. Quando questionados, não sa-
biam explicar o porquê, nem se recordavam. Freud verifi-
cou que se tratava de algo que estaria além da consciência
deles, um elemento dominante, porém, pertencente à or-
dem do inconsciente.

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46 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

Além da formulação dos conceitos de consciente e incons-


ciente, Freud e Breuer verificaram, por meio dos relatos de
Ana O., a existência de um evento traumático reprimido;
ou seja, por ser doloroso, encontrava-se fora da consciência.
Breuer, durante a hipnose, repetia para sua paciente algu-
mas palavras que ela havia pronunciado, e pedia que ela as
associasse a algum outro fato ou palavra que lhe viesse à
mente. A paciente, então, relatava um fato “esquecido” que
vinha acompanhado de forte descarga emocional. Conclui-
-se, portanto, que a recordação consciente do trauma asso-
ciada à descarga das emoções, exclui o sintoma.

Freud permaneceu durante algum tempo utilizando a téc-


nica da hipnose. No entanto, percebeu que nem todos os
pacientes submetiam-se a ela. Assim, ele abandonou a téc-
nica e passou a sugerir aos seus pacientes que procurassem
lembrar o evento traumático. Aos poucos, a nova técnica
foi apresentando resultados, e os conteúdos inconscientes
apareceram. Algumas questões foram sugeridas: “Por que
este evento estava no inconsciente?”, “Por que o paciente
não fora até então capaz de lembrá-lo?”, “Haveria alguma
força impedindo a sua revelação à consciência?” Surgiu,
então, o conceito de resistência: força capaz de proteger o
indivíduo da dor e do sofrimento, mantendo a lembrança
do fato traumático longe da consciência.

Então, se existe uma força que impede a revelação do fato


traumático, mantendo-o no inconsciente, podemos nos
perguntar, assim como Freud, como o fato chegou ao in-
consciente?

Estamos diante de um novo conceito — a repressão: for-


ça que protege o indivíduo, retirando da consciência algo

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 47

que ele não pode suportar. Repressão e Resistência, duas


forças contrárias que protegem o indivíduo do evento do-
loroso. Qualquer evento percebido pelo indivíduo como da
ordem do insuportável, do ameaçador, será reprimido, per-
manecendo fora do acesso da consciência. Porém, o fato de
permanecer fora da consciência não elimina o evento trau-
mático, pois ele permanece continuamente atuante procu-
rando uma forma de retornar à consciência, sendo, contudo,
impedido pela resistência. Como resultado dessa batalha,
observamos a formação dos sintomas, que funcionam
como denunciadores do sofrimento psíquico. Veja quantas
informações interessantes!

Você já percebeu que estamos diante de um campo de bata-


lha, em que forças contrárias enfrentam-se em uma dinâmi-
ca própria e muito particular?

Muito bem, além desses conceitos, Freud vai falar de


uma energia instintiva, ou seja, o instinto: elemento
inato e representante psíquico dos estímulos que se
originam no organismo e chegam à mente desejando a
satisfação. Por sua vez, a satisfação dos instintos fun-
ciona como uma mola propulsora de novas fontes de
motivações, denominadas pulsões. Para melhor enten-
dermos, vejamos um exemplo:

Para a criança recém-nascida que está com fome, o


objeto capaz de satisfazer a sua fome é, provavel-
mente, o leite materno. É a ingestão do leite e não o
sugar o seio que satisfaz a fome da criança. Portan-
to, em termos instintivos, a sucção tem por finali-
dade a obtenção do alimento, e este é que satisfaz o
estado de necessidade orgânica caracterizado pela
fome. Mas, ao mesmo tempo, ocorre também um

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48 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

processo paralelo de natureza sexual: a excitação


dos lábios e da língua pelo peito produz uma sa-
tisfação que não é redutível à saciedade alimentar,
apesar de encontrar nela o seu apoio. Assim o obje-
to do instinto, nesse caso, é o alimento, enquanto o
objeto da pulsão sexual é o seio materno, por todas
as estimulações prazerosas que ele produz. (COUTI-
NHO, M.T.C.; MOREIRA, M. 1982, p. 169)

Assim, ainda segundo as autoras, a pulsão sexual consti-


tui um desvio do instinto. Tanto o instinto como a pulsão
necessitam de uma satisfação. Freud irá denominar esse
mecanismo de princípio do prazer, que ocorre mediante
a escolha de um objeto para a descarga de energia. Essa,
originária dos instintos e denominada por ele de libido.
Libido, portanto, é uma energia afetiva de natureza sexual,
e, como veremos mais à frente, passa por progressivas or-
ganizações ao longo do desenvolvimento psicossexual em
busca da obtenção do prazer.

Foi assim que Freud observou que o modelo topológico


do inconsciente e consciente já não conseguia mais res-
ponder a várias questões que iam surgindo a cada nova
história, a cada nova descoberta.

Assim, em 1923, no período pós-Guerra, Freud apresenta


a sua estrutura dinâmica da personalidade: Id, Ego e Su-
perego. Disse ele:

O Ego se assemelha ao cavaleiro que, supostamente,


refreia a maior força do cavalo, com a diferença de
que o cavaleiro o faz com a sua própria força, e o
ego com a força tomada de empréstimo” - tomada
ao Id. Assim como muitas vezes não resta ao cava-
leiro, se não quiser se separar do cavalo, senão con-
duzi-lo para onde o cavalo quer ir, da mesma forma

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 49

o ego também está acostumado a traduzir a vonta-


de do Id em ação, como se essa vontade fosse sua.
[…] O cavaleiro, o Ego, não está apenas furiosamen-
te empenhado em manter as rédeas de seu cavalo
teimoso, o Id, como ainda é forçado, ao mesmo tem-
po, a lutar com uma nuvem de abelhas bravas, o
Superego. (FREUD apud GAY, 1989, p. 378)

Assim, temos:

O Id: fonte de toda a energia, é constituído pelos impulsos


instintivos inatos que direcionam o indivíduo na sua re-
lação com o mundo. Onipotente, o Id tudo quer, deseja, e
funciona segundo o princípio do prazer; não admite frus-
trações nem inibições. Não possui lógica, não possui ra-
zão, moral ou ética; é egoísta, cego, impulsivo, irracional,
desconhece o princípio da não contradição. Em quase toda
a sua totalidade, o Id é inconsciente, mas busca a sua sa-
tisfação que, como já verificamos no exemplo acima, dá-se
por meio de um objeto que atenda às suas necessidades.
Se lembrarmos do bebê “berrando”, reclamando a presen-
ça de sua mãe, temos aí a clara manifestação do Id. O bebê
não admite esperar, ele quer, e quer logo, imediatamente.

Além de ser fonte de energia, o Id também é o responsável


pelas imagens que canalizam essas energias. Assim, pode-
mos tentar compreendê-lo mediante os sonhos, delírios,
artes e outras expressões culturais.

Segundo Rappaport (1981, p.21-22), o Id apresenta as se-


guintes características:

1a - É o responsável pelo processo primário. Dian-


te da manifestação do desejo, forma, no plano ima-
ginário, o objeto que permitirá sua satisfação. Um
exemplo ilustrativo é o sonho, no qual os desejos
vão tentando uma satisfação alucinatória no nível
das imagens geradas. Já vimos que um desejo cor-

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50 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

responde a uma carência que, ao ser satisfeita, gera-


rá prazer. Os desejos não podem satisfazer-se com
objetos apenas alucinatórios, mas é necessário que
uma imagem, ou seja, um objeto alucinatório seja
gerado, para que o Ego, responsável pelas relações
de realidade, possa satisfazê-lo na prática.

2a - Funciona pelo princípio do prazer. Busca a


satisfação imediata das necessidades. O processo
primário é sua tentativa alucinatória de satisfação
imediata. O Id sempre manterá o modelo de querer,
e de querer a qualquer preço.

3a - Inexiste o princípio da não contradição. Todas


as coisas são possíveis ao nível do Id.

4a - É atemporal. A única dimensão da vivência é


o presente. Não há passado ou futuro, mas existe
a elaboração de uma dimensão única, vivida como
presente. Reviver (recordar) é o mesmo que viver.
Nos sonhos, a recapitulação de um acidente é vi-
vida como o próprio acidente. Quando compramos
um bilhete de loteria, surpreendemo-nos, fazendo
planos para a utilização do dinheiro, como se já o
tivessemos ganhado.

5a - Não é verbal. Funciona pela produção de ima-


gens. Temos utilizado os sonhos para exemplificar
o Id. Mas quando nos recordamos de um sonho, já
efetuamos uma elaboração secundária sobre ele;
ou seja, já o reduzimos ao domínio da linguagem.
Em sua forma original, os sonhos são, basicamente,
plásticos. As imagens são criadas, fragmentadas,
deslocadas, combinadas, de forma a adequarem-se
à satisfação do desejo.

6a - Funciona, basicamente, pelos processos de


condensação e deslocamento, que são os pro-
cessos básicos do inconsciente. Na condensação,
agrupamos, dentro de uma imagem, características
pertencentes a vários processos inconscientes. No
deslocamento, as características de uma imagem
são transferidas para outra, com a qual o sujeito
estabelece relações como se fosse a primeira.

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 51

Se o Id tudo deseja, outra estrutura precisa realizar a leitu-


ra da realidade, na tentativa de satisfazê-lo, como afirmou
Freud; criar as condições para “ir aonde o cavalo deseja”.
Se voltarmos à figura do bebê, o fato de sua mãe não con-
seguir atendê-lo imediatamente irá possibilitar o estabe-
lecimento de um contato com as limitações da realidade.
Essas trocas possibilitam que uma parte do Id transforme-
-se, constituindo-se no Ego. Vejamos como ele funciona:

O Ego: orienta-se pelo princípio de realidade e procura me-


diar as solicitações do Id com as da realidade, buscando
o equilíbrio. Ele trabalha com as estruturas psíquicas de
defesa e controle dos impulsos. Adia a realização dos de-
sejos, busca novos caminhos para alcançar os seus obje-
tivos, aumenta o limiar de tolerância e frustração. O Ego
equilibrado possibilita a análise crítica da realidade, o pen-
samento organizado, a capacidade de buscar soluções e
respostas diante da adversidade. Apresenta aspectos cons-
cientes e inconscientes e trabalha com os mecanismos de
defesa, protegendo-nos contra a angústia e a ansiedade.

É isso mesmo que você está entendendo. O Ego, como você


já aprendeu, apresenta capacidade de inibir, retardar ou
transformar as formas de satisfação dos nossos instintos
e pulsões por meio dos nossos mecanismos de defesa. São
eles que nos ajudam a tolerar a frustração, aliviando as
nossas tensões. Logo após a leitura das características do
Ego, estaremos estudando alguns deles.

Para Rappaport (1981, p. 26-28), o Ego apresenta as se-


guintes características:

1a - Dá o juízo de realidade, funcionando pelo pro-


cesso secundário. O Id dá o nível do desejo, o nível
do querer, independentemente das possibilidades

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52 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

reais de o desejo ser satisfeito ou não. O Ego partirá


do desejo, da imagem formada pelo processo primá-
rio, para tentar construir na realidade caminhos que
possibilitem a satisfação do desejo.

2a - Intermediário entre os processos internos (Id-


-Superego) e a sua relação destes com a realidade.
Diante da manifestação do desejo, duas proibições
podem opor-se: as proibições morais, oriundas do
Superego, e as interdições da realidade objetiva.
Cabe exatamente ao Ego efetuar a conciliação entre
os desejos e as proibições internas e os desejos e as
proibições da realidade objetiva, de forma a possi-
bilitar a atuação conciliatória mais produtiva para o
sujeito.

3a - Setor mais organizado e atual da personalida-


de. O Id, como matriz instintiva, é uma estrutura
arcaica, filogenética. O Superego contém proibições
que também são oriundas da evolução da espécie,
por exemplo, os tabus contra o incesto, o parricídio,
o matricídio. Os valores morais a serem internaliza-
dos são do grupo ao qual o indivíduo pertence, por-
tanto, também anteriores a ele. Cabe ao Ego organi-
zar uma síntese atual, tornando o indivíduo único
e original e permitindo-lhe uma adaptação ativa ao
mundo presente em que vive.

4a - Domina a capacidade de síntese. Aqui, englo-


bamos todas as funções lógicas do funcionamento
mental, que para a psicanálise são atributos do Ego.
A memória e o desenvolvimento do pensamento ló-
gico e operatório também estão aqui contidos.

Praxia
5a - Domínio da motilidade. O domínio do esque-
Ação ou modo de
ma corporal instrumental, ou seja, o domínio das
agir. Em Psicologia,
praxias é uma função do Ego. A nossa atuação cor-
significa o modo
poral é o nosso instrumento prático de realização
de agir próprio de
um indivíduo. do processo secundário. E é exatamente por estar o
domínio da motilidade situado no Ego, que, quando
este se vê enfraquecido por distúrbios afetivos, a
atuação corporal fica prejudicada, rígida, estereoti-
pada, perturbada em suas relações práxicas.

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 53

6a - Organiza a simbolização. O processo primário


é plástico. O processo secundário, ao organizar a
linguagem, coordena o domínio sobre as fantasias e
fornece um instrumento para reter, elaborar e atuar
sobre a realidade física e psíquica.

7a - Sede da angústia. Como instância adaptativa, o


Ego é o responsável pela detecção dos perigos reais
e psicológicos que ameacem a integridade do indi-
víduo. De acordo com a origem do perigo, classifi-
camos a angústia em:
Angústia real: normalmente denominada medo. É o
sinal que mobiliza o indivíduo diante da perspecti-
va de uma agressão real.
Angústia neurótica: é o temor existente no Ego de
que o Id, ou seja, os desejos prevaleçam sobre os
dados da realidade. Refere-se à sensação de que po-
demos perder o controle sobre os nossos atos.
Angústia moral: é um sentimento acusatório no
qual sentimos que erramos, que somos maus, e
nada mais poderá ser feito a não ser espiar a culpa.

Como combinamos, concluindo o estudo sobre as carac-


terísticas do Ego, não podemos deixar de assinalar alguns
dos seus mecanismos de defesa. São eles:

Repressão: nosso conhecido, já mencionado por Freud no


início das suas descobertas. É o principal mecanismo de
defesa, do qual derivam os demais. Como já sabemos, atua
por meio do esquecimento seletivo de situações ameçado-
ras que geram ansiedade. É um processo inconsciente que
se manifesta mediante um comportamento ou sintoma re-
petitivo. Ela protege-nos dos eventos traumáticos.

Regressão: como o próprio nome sugere, o mecanismo


funciona por meio de comportamentos regressivos a fases
anteriores do nosso desenvolvimento, protegendo-nos da
angústia suscitada por algo que nos ameace. Por exemplo,
apresentar enurese noturna diante da notícia da gravidez
da mamãe.

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54 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

Projeção: diante da impossibilidade de aceitar determi-


nadas características que nos são insuportáveis, proje-
tamo-las em outra pessoa. Por exemplo, diante da nossa
incapacidade de manter a pontualidade, estamos sempre
reclamando de alguém que chega atrasado, e com isso di-
minuímos a nossa angústia.

Negação: mecanismo muito utilizado, protege o indivíduo


de situações ameçadoras. Por exemplo, não perceber a
traição do companheiro. As pistas são visíveis, os atrasos,
a falta de atenção, mas procura-se desculpas, lendo a rea-
lidade da maneira que é confortável e protetora.

Sublimação: para Freud, é o mecanismo mais evoluído, e


consiste no deslocamento da energia para um objeto que
nos proteja e valorize, mantendo a nossa autoestima. A
energia é direcionada para atividades laborativas social-
mente valorizadas. Por exemplo, as atividades artísticas
e culturais.

Identificação: mecanismo bastante utilizado na adoles-


cência, quando nos identificamos com as características
das celebridades, fortalecendo o Ego e valorizando a nos-
sa autoestima.

Esses são alguns dos mecanismos utilizados pelo Ego na


tentativa de proteger-nos. Porém, como você já deve ter
concluído, nem sempre a ação do Ego é suficiente para
estabelecer limites para a ação do Id. Passamos, então, a
falar do Superego.

Superego: estrutura responsável pelo controle do Ego e


pela internalização dos valores morais. Ele funciona pela
valorização e pelo resgate dos princípios e das regras so-

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Freud e a psicanálise - Contribuições à compreensão do desenvolvimento humano 55

cialmente aceitos e respeitados. O bebê do nosso exemplo,


no seu processo de desenvolvimento, foi acumulando ex-
periências e construindo significados a respeito das proi-
bições e interdições do seu grupo familiar, particularmen-
te de seus pais.

Diz Coutinho e Moreira (1992, p. 175-176):

Freud chama o Superego também de Ego ideal, pois


este surge como uma gradação do Ego e correspon-
de à internalização dos ideais valorizados cultural-
mente, os quais o indivíduo deseja atingir. Assim
o Superego, além de corresponder à internalização
das proibições sociais, também corresponde aos
ideais sociais.
O Superego, assim, é formado a partir da introjeção
de uma parte do mundo externo que passa a fazer
parte do mundo interno. É o Superego que passa a
efetuar as funções que haviam sido desempenhadas
por outras pessoas: controla o Ego, dá-lhe ordens,
julga-o, ameaça-o com punições, exatamente como
os pais, cujo lugar ocupou. Às próprias intenções,
mesmo quando não executadas, o Superego pede
contas. Freud observa que o Superego é muito mais
severo que o modelo fornecido pelos pais reais, her-
dando destes apenas a rigidez, a severidade, a fun-
ção punitiva e proibidora, uma vez que o cuidado
carinhoso e amoroso dos pais parece não ser assimi-
lado por ele. Mesmo aquela criança que foi educada
de forma branda e afetuosa, contrariando as expec-
tativas, pode desenvolver um superego severo.

Como podemos observar, o superego tem um papel im-


portantíssimo na organização e na estruturação do grupo
social. Ele fortalece os valores da comunidade, diminuin-
do e controlando as manifestações de comportamentos
delinquentes e quaisquer outras que ameacem o grupo so-
cial. Devemos, no entanto, precaver-nos contra o excessi-

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56 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

vo rigor e controle do comportamento. Pais extremamente


rigorosos podem inviabilizar a expressão do desejo. E o
desejo, neste sentido, é fundamental, ele move-nos, leva-
-nos a realizar coisas e, como nos aconselham os poetas
Paulinho da Viola e Capinam: “Beije o desejo na boca, que
o desejo é bom demais.”

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A gravidez e as etapas do desenvolvimento pré-natal 57

A GRAVIDEZ E AS ETAPAS DO
DESENVOLVIMENTO PRÉ-NATAL

A partir de agora, esperamos que você aprenda a deter-


minar a influência do período gestacional no processo de
desenvolvimento.

A trajetória freudiana é muito interessante e, geralmente,


ficamos bastante envolvidos pelas suas formulações teó-
ricas, e quase sempre começamos a associá-las a fatos do
nosso dia a dia, a lembrar-nos de determinados comporta-
mentos, além de sermos levados a tentar compreendê-los
à luz da psicanálise.

Bem, tenha calma. As coisas não são tão simples assim;


contudo, penso que você já conseguiu entender a impor-
tância dos primeiros anos de vida na estruturação do su-
jeito. A criança que inicia o seu desenvolvimento tem uma
história — história esta que, para alguns teóricos, começa
antes mesmo do seu nascimento, se inicia “na barriga da
mamãe”.

Vejamos o que diz o poeta Carlos Drumond de Andrade:

“Nascer: findou o sono das entranhas.


Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.

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58 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

Eis que um segundo nascimento,


não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.”

O poeta fala-nos do “cofre maternal” e da importância do


amor, o qual nos dá o sentido de existir. Vamos, então,
procurar juntos entender um pouco da história que se ini-
cia quando duas pessoas desejam e decidem ter um filho,
e como a história e a decisão delas irá contribuir para o
desenvolvimento do novo ser humano.

Contudo, não é nosso objetivo aqui estudar os aspectos


biológicos do desenvolvimento humano. Consideramos,
no entanto, necessário destacar a importância da heredi-
tariedade, do meio e dos padrões maturacionais.

Assim, podemos dizer que a hereditariedade irá influen-


ciar a capacidade potencial do homem e a sua maneira de
interagir com o mundo, levando em consideração o seu ca-
lendário maturacional. Ou seja, todo ser humano, ao nas-
cer, traz um código genético que irá capacitá-lo a interagir
com o meio ambiente, respeitando determinada sequência
maturacional.

Dessa forma, temos de levar em consideração as influên-


cias ambientais que durante a vida intrauterina influen-
ciarão o desenvolvimento do feto (futuro bebê), tais como
possíveis doenças que podem acometer a gestante, o uso
de substâncias tóxicas e/ou problemas emocionais. Muitos
pesquisadores e algumas teorias consideram esse período
bastante delicado. Uma situação de conflito que envolva a

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A gravidez e as etapas do desenvolvimento pré-natal 59

futura mamãe ou o próprio casal poderá acarretar reações


e sequelas no futuro bebê. Existem relatos de hiperativi-
dade e aumento na frequência cardíaca quando o feto é
submetido a estímulos externos intensos. Reagindo aos
estímulos de forma ativa, o feto, além de respirar, ouve e
sente, apresentando movimentos, muitas vezes, reconhe-
cidos pelas mães como “chutes”. Ele pode, ainda, mudar
de posição, fechar os olhos e já sugar os polegares. É in-
teressante observar que no período gestacional o futuro
bebê já apresenta certas particularidades, como o seu rit-
mo cardíaco e o seu nível de atividade, que já prenunciam
o seu temperamento.

Como diz o poeta, “o cofre maternal” é o ambiente do


bebê; assim, o que acontece com a gestante também o afe-
ta. Alguns estudos mais recentes (SALISBURY et al., 2010,
p. 91) ressaltam que o feto consegue distinguir a voz de
sua mãe. Em um experimento, observou-se que recém-nas-
cidos reconheciam a voz “falada” da mãe como ela soava
dentro do útero. Outras pesquisas verificaram a preferên-
cia, nos primeiros dias de vida, por sequências musicais e
verbais ouvidas antes do nascimento.

Para alguns pesquisadores, nas últimas décadas tem au-


mentado o sentimento de apego por parte das mães (SA-
LISBURY et al., ibidem) diminuindo tanto a mortalidade
infantil quanto a materna. Os autores ressaltam a impor-
tância de uma boa alimentação, cuidados com a saúde
(evitar bebidas alcoólicas, fumo, cafeína), alinhados à me-
dicação e ao controle da massa corpórea. Exercícios físicos
também são recomendados como atividades que propor-
cionam um parto mais fácil e seguro. Não existe qualquer
restrição a atividades laborativas; porém, deve-se apenas
evitar a exaustão causada por longas horas de trabalho, o

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60 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

que pode comprometer o período gestacional, levando a


um parto prematuro.

Outros aspectos, segundo Salisbury et al. (2010), também


devem ser considerados:

• Gestantes com o vírus HIV: como sabemos, o ví-


rus presente no sangue materno pode atingir o feto
através da placenta. Em alguns casos, a contamina-
ção poderá ocorrer no período da amamentação. Sa-
be-se, hoje, que a prevenção e a detecção do proble-
ma podem ocorrer com a administração, durante o
período pré-natal, do AZT, medicamento que reduz
a possibilidade de contaminação.

• Estresse materno: durante o período gestacio-


nal, deve-se evitar ambientes conturbados e situa-
ções que envolvam insegurança e grandes conflitos.
Pesquisas apontam os prejuízos causados por isso
ao feto e ao futuro bebê.

• Idade materna: nas últimas décadas, tem-se ob-


servado o número significativo de mulheres que
optam por ter filhos na faixa etária compreendida
entre 30-40 anos. Sabemos que, com o passar dos
anos, a possibilidade de contrair alguma doença
crônica, como diabetes e hipertensão, aumenta, co-
locando não só a vida do bebê, como a da própria
mãe em risco.

• Fatores ambientais externos: a sociedade con-


temporânea enfrenta sérios problemas de poluição
e mudanças climáticas que afetam o desenvolvimen-
to saudável da gestação. Mulheres que atuam em
profissões envolvendo o contato com substâncias

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A gravidez e as etapas do desenvolvimento pré-natal 61

tóxicas e poluentes devem, durante o período ges-


tacional, manter-se afastadas sob o risco de sofrer
aborto, perdas sanguíneas ou partos prematuros.

• Comportamentos de risco por parte dos pais:


o uso de substâncias tóxicas, como o trabalho com
substâncias poluentes, podem colocar a vida do
feto em risco ou acarretar baixo peso e defeitos
congênitos.

Como você pode constatar, os problemas de ordem física,


biológica e ambiental são inúmeros, mas não são os únicos.

Durante o período gestacional, a mulher, além das mu-


danças físicas, apresenta também mudanças emocionais
que irão atuar durante todo o período da gravidez. Daí a
importância da participação, do acompanhamento e do
acolhimento dos demais integrantes da família, particular-
mente o pai, durante todo o processo. Afinal, apesar de as
mudanças estarem ocorrendo visivelmente na mulher, é o
casal, quando existe, que está “grávido”.

Para melhor entendermos esse momento e suas mudanças


psico-afetivas, iremos retornar à teoria psicanalítica.

A gravidez — planejada ou não, porém aceita pelo casal —


envolve o desejo de duas pessoas no que diz respeito aos
seus papéis e funções de pai e mãe. Um filho, ao nascer,
já carrega as aspirações, desejos e fantasias de seus pais.
Tem uma música do compositor Toquinho que diz: “mui-
to antes de nascer, na barriga da mamãe, já pulsava sem
querer o meu pequenino coração.” Mais do que um coração
que pulsa, pulsa também o desejo dos pais que sonham

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62 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

com um filho que irá preencher todas as suas expectativas,


um ser perfeito e muito amado. “Muito antes de nascer” já
existia uma história, a dos seus pais.

Talvez, você compreenda melhor o que estou tentando ex-


plicar com um exemplo de minha experiência clínica.

Durante alguns anos, trabalhei em uma instituição pública que


atendia crianças com dificuldades de aprendizagem. E foi ali que
atendi a um menino de 8 anos de idade que chegou acompa-
nhado de seu pai.

A história do menino, que vou chamar de R., apresentava algu-


mas características que passo agora a narrar: R. nunca conseguiu
ficar mais de 3 meses em uma escola, segundo seu pai. Após esse
período, recusava-se também que R. continuasse frequentando,
e assim ele era retirado da escola, permanecendo em casa até
o ano letivo seguinte. O pai informara também que R. já havia
sido submetido a várias avaliações por equipes médicas, sendo
diagnosticada uma “deficiência mental inespecífica”. R., apesar
de não conseguir frequentar a escola, já estava lendo e possuía
um excelente vocabulário.

O pai informou que, mais uma vez, havia matriculado o menino


em uma escola, mas não nutria esperanças de que ele permane-
cesse. Iniciamos o atendimento. Chamou-me a atenção o fato de
R. manter-se sempre bem comportado, comedido. Durante os
nossos atendimentos R. conversava e desenhava. Ao final, reco-
lhia os desenhos, e mesmo pedindo que os deixasse na pasta, ele
comentava que iria levar “pois poderia aparecer um especialista e
querer analisar os seus desenhos”. Além deste fato, ele sentia falta
da mãe que nunca aparecia. Comentei com o pai que precisava
conversar com a mãe. Ele colocou vários empecilhos e começou a
anunciar que R. já estava querendo sair da escola. Ofereci-me para
visitar a escola e conversar com a professora, e também passei a
conversar um pouco mais com o pai na presença de R.

Diante da minha insistência, a mãe veio a uma entrevista sem a


presença do pai e contou-me a seguinte história: ela engravidara

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A gravidez e as etapas do desenvolvimento pré-natal 63

de R. muito nova. Sua família, que possuía uma excelente situa-


ção financeira, não concordou com o casamento e sugeriu à mãe
que abandonasse o namorado pobre e permanecesse com a fa-
mília, que iria apoiá-la. A mãe, apaixonada, recusou-se a terminar
o namoro e foi deserdada pela família. Ela e o marido passaram
por momentos muitos dificeis, sendo que ele teve de renunciar
aos seus estudos, naquele momento, para sustentar, com difi-
culdades, a família. R. representava o fracasso do pai. Sem saber,
inconscientemente, o pai buscava na “deficiência mental ines-
pecífica” do filho o motivo das suas dificuldades, frustrações e
sonhos perdidos.

Mesmo tendo aprendido a ler sem ir à escola e possuindo um


excelente vocabulário, R. era mantido pelos pais afastado das
outras crianças, não descia para brincar no play, e nas festas
permanecia afastado das outras crianças pelos pais, porque,
segundo a mãe, alguém poderia perceber a sua deficiência.
R. não podia brincar, estava preso ao desejo dos pais: alguém
tinha de ser o responsável pelo seu fracasso. A mãe não conse-
guia ajudá-lo, impotente diante da raiva do pai e do desprezo
de sua própria família.

Sugerimos que R. frequentasse a instituição outros dias para po-


der relacionar-se e brincar com as outras crianças, o que causou,
a princípio, grande resistência dos pais. R. perguntava-me: “Afi-
nal, o que é que eu tenho?” Pedi que começasse a deixar os seus
desenhos para que eu pudesse ajudá-lo. Insisti que permaneces-
se na escola. Com a ajuda das professoras, R. chegou ao final do
ano e, feliz, veio contar-me sobre a sua formatura. Seu pai, ainda
insatisfeito, não podia aceitar o êxito do filho e conviver com o
seu fracasso, insistia ainda no diagnóstico da deficiência e foi
aconselhado a procurar terapia.

A história de R. começou com a renúncia dos sonhos de seus


pais. Como se desenvolver e crescer diante de tanto ressenti-
mento? O inespecífico, o não nomeado, refere-se a algo que seus
pais, de maneira inconsciente, não conseguem identificar, mas
que paralisa e anula a sua mãe.

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64 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

Percebemos, pelo exemplo da história de R. e de sua fa-


mília, o quanto é importante um ambiente harmonioso e
tranquilo para um saudável desenvolvimento psico-afeti-
vo da gravidez.

Rappaport (1981) irá destacar alguns pontos a serem con-


siderados:

• As fantasias: cada gravidez é marcada por um


significado específico que irá ajudar ou facilitar a
aceitação pela mãe. De maneira geral, esse período
pode ser marcado por um sentimento de ambivalên-
cia: aceitar ou não a gravidez. Soifer, psicanalista ar-
gentina (apud RAPPAPORT, 1981, p.11), destaca que
“não é uma rejeição específica ao filho, mas, sim,
uma postura defensiva diante dos temores gerados
que levam a mãe a fantasias ou sintomas de rejei-
ção”. Para Soifer, quando uma gravidez é mantida, o
desejo de ser mãe sobrepõe-se ao medo.

• Fome, náuseas, diarreia e constipação: durante o


período da gestação, a mãe, assim como o pai, pode
retomar angústias passadas. Sentimentos que fa-
zem parte da sua história com a sua mãe e que são
atualizados na sua relação afetiva com o seu filho.
Diz Rappaport (1981, p. 15): “Se em sua fantasia
sente que atacou e destruiu sua mãe, agora terá o
sentimento de que será atacada e destruída por este
filho. Se a inveja e a voracidade foram sentimentos
que a dominaram durante o aleitamento, deve ter
restado um sentimento de que, para crescer, esva-
ziou e destruiu a mãe. Este sentimento poderá ser
agora atualizado, ficando a fantasia de que, para
crescer, o filho a destruirá.”

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A gravidez e as etapas do desenvolvimento pré-natal 65

• Esses processos inconscientes manifestam-se por


meio de sintomas orais e anais. Temos, então, a fome
(como aceitação) e a náusea (como rejeição). O mes-
mo pode ser entendido com as expressões da diar-
reia e da constipação.

Espero que você tenha conseguido acompanhar o nosso


relato desse período tão importante para a vida de todos
nós, seres humanos. A gestação conta a história de duas
pessoas que têm a responsabilidade de gerar outro ser que
já possui um lugar no desejo daqueles pais. A criança que
irá nascer carrega e desenvolve-se com os sentimentos de
amor e acolhimento oferecidos por seus pais e pelas fan-
tasias, imagens e lembranças construídas que também fa-
rão parte da sua história e do seu desenvolvimento.

Para Freud, só conseguiremos compreender o desenvolvi-


mento da criança se conhecermos a sua história e o lugar
que ela ocupa na história de sua família. Todo esse enredo
estará presente nos estágios de desenvolvimento psicos-
sexual que marcam o seu processo de desenvolvimento e
a estruturação de sua personalidade.

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66 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

O DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL
E AS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO
EDUCACIONAL

Neste tópico, esperamos que você aprenda a identificar


as contribuições do desenvolvimento psicossexual para a
prática educacional.

A criança que chega à escola já acumula uma longa traje-


tória que, como já aprendemos, é marcada pela história
dos ou com os seus pais. Cada um de nós carrega uma
bagagem emocional, afetiva, deste período que, mesmo
quando sujeito a períodos de perdas e frustrações, tem
também momentos de magia, felicidade e realizações.

Vejamos o que nos conta a nossa poetisa Cecília Meireles


(1901–1964), que não chegou a conhecer o seu pai, que
morreu três meses antes do seu nascimento, e que tam-
bém perdeu sua mãe aos três anos de idade. Cecília foi
criada pela avó materna, e relata-nos suas lembranças da
infância.

Recordo céus estrelados, tempestades, chuva nas flores, frutas


maduras, casas fechadas, estátuas, negros, aleijados, bichos, suí-
nos, realejos, cores de tapete, bacia de anil, nervuras de tábuas,
vidros de remédio, o limo dos tanques, a noite em cima das ár-
vores, o mundo visto através de um prisma de lustre, o encontro
com o eco, essa música matinal dos sabiás, lagartixas pelos mu-
ros, enterros, borboletas, o carnaval, retratos de álbum, o uivo
dos cães, o cheiro do doce de goiaba, todos os tipos populares, a

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 67

pajem que me contava com a maior convicção histórias do Saci e


Rimance
da Mula-sem-cabeça (que ela conhecia pessoalmente); minha avó O mesmo
que me cantava rimances e me ensinava parlendas. que romance.
Parlenda
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que pare- Palavreado,
cem negativas e foram sempre positivas para mim: silêncio e so- conversa,
lidão. Essa foi sempre a área da minha vida. Área mágica, onde os conjunto de rimas
caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde infantis, geralmente
os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas curtas e divertidas,
o jogo do seu olhar. (MEIRELES, C., 1972, p. 42) para memorizar
algo, escolher
alguém, etc. (por
exemplo: Uni
Assim como Cecília, cada um de nós traz uma história, du ni tê, salamê
minguê...; um dois,
fruto da nossa memória seletiva. feijão com arroz.)
(Fonte: Dicionário
Procure lembrar-se dos fatos marcantes da sua infância e como Aulete).
eles foram importantes na sua trajetória. Para a poetisa, o silêncio
e a solidão foram aspectos positivos; e para você...

Bem, por mais que você procure lembrar-se, certamente


não conseguirá resgatar tudo. Muitas informações você
recebeu e acumulou em função do que ouviu falar, já que,
principalmente os nossos primeiros anos de vida ficam
muito bem guardados, mas, como nos informa Freud, o
nosso acesso a tais lembranças ocorrerá por meio do nos-
so desenvolvimento psicoafetivo.

Como já havíamos comentado anteriormente, Freud irá pro-


por alguns estágios do desenvolvimento psicossexual, e é so-
bre eles que trataremos agora.

Você deve lembrar-se de quando falamos, no inicío das nossas


leituras sobre psicanálise, da nossa referência a uma energia
sexual que Freud denominou de libido. Só para você recor-
dar, libido é uma energia afetiva, originária dos instintos e
de natureza sexual. Ao longo do desenvolvimento do ser hu-

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68 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

mano, ela passa por progressivas organizações em busca da


obtenção do prazer. Assim, por um processo de maturação,
diferentes regiões do nosso corpo transformam-se em fontes
de prazer nas quais se localiza a libido.

Em um processo de desenvolvimento saudável, a energia libi-


dinal constrói um caminho que se desloca, em um primeiro
momento, para a boca, em seguida, para o ânus, e por fim,
para a região genital. Porém, ao longo desse processo podem
ocorrer experiências que, como verificamos no relato de Ce-
cília Meireles, podem ser vivenciadas de maneiras diversas,
sendo capazes de alterar a sequência do desenvolvimento. A
energia libidinal, que deveria fluir deslocando-se pelas áreas
do corpo citadas, pode, em função de um episódio marcante
de frustração ou de excesso de gratificação, fixar-se nessa
ou naquela região, diminuindo, então, o seu fluxo em outras
etapas do desenvolvimento.

Freud denominou a primeira dessas etapas de fase oral,


a qual é marcada por uma intensa necessidade de busca
pela satisfação que o bebê irá procurar na sua interação
com o meio ambiente. Essa fase envolve o período do nas-
cimento até o primeiro ano e meio de vida, e é direcionada,
primordialmente, pelos instintos. Portanto, como você já
sabe, com o predomínio do Id.

A fase oral tem a sua localização na região da boca, que


funciona como fonte primária de prazer. Graças à da ama-
mentação e ao prazer decorrente da satisfação, o bebê
sente-se protegido, amado e tem todas as suas necessida-
des satisfeitas. Como você também já sabe, não é só o pra-
zer da alimentação que o bebê encontra na região da boca.

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 69

Mesmo saciada, a criança mostra-se calma e satisfeita ao


levar outros objetos à boca, como a chupeta, por exemplo.

Esse período da fase da vida do bebê também é marcado


por determinada indiferença. Ele ainda não sabe discernir
sobre os seus limites e os do mundo à sua volta. A essa
falta de diferença entre o eu e o não eu, Freud chamará de
narcisismo primário. Aos poucos, com a ajuda da mãe, o
bebê irá reconhecendo-se, e no seu desenvolvimento sur-
girá a instância do Ego; porém, rudimentar e voltado para
a satisfação pessoal, sendo chamado, portanto, de ego-
cêntrico. No entanto, aos poucos se desenvolve e assume
a sua função de estabelecer o contato com a realidade que
circunda o bebê.

Os períodos iniciais de vida do bebê são marcados por lon-


gos períodos de sonolência e curtos períodos de vigília. A
mãe funciona como um elo de ligação da criança com o
mundo, protegendo-a dos excessos de estimulação. Esse
vínculo é fundamental para a saúde psíquica do bebê e para
a sua própria sobrevivência, favorecendo a construção da
sua própria identidade e de sua consciência do mundo.

No primeiro ano de vida, observa-se um desenvolvimento


extraordinário. O bebê, figura absolutamente dependente,
adquire, ao longo desse período, a capacidade de enga-
tinhar, manipular objetos entre outros, diminuindo, aos
poucos, a sua dependência da figura materna que perma-
nece, no entanto, como ponto de referência para sua esta-
bilidade emocional. Essa relação de afeto e confiança será
fundamental na aquisição da marcha.

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70 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

Quando aprende a andar, a criança, que mantém com a


mãe uma relação de amor e confiança, consegue afastar-
-se e explorar o mundo à sua volta. A possibilidade de
locomoção em posição ereta oferece à criança nova vi-
são do mundo associada à satisfação das suas necessida-
des, mediadas pela figura da mãe ou substituta. Assim,
na busca e no reconhecimento do mundo à sua volta, a
criança conta com as experiências e os vínculos afetivos
construídos que lhe permitem, mesmo afastado da mãe,
manter representação intrapsíquica da sua imagem.

É nesse período que se instala, segundo Freud, o segundo


estágio do desenvolvimento: a fase anal. A libido desloca-
-se para a região anal onde se instala a fonte dominante de
prazer. O ânus, as nádegas, os esfincteres, a uretra e todo o
sistema muscular adjacente encontram-se erotizados.

É também o período de desenvolvimento marcado por


muitas descobertas. Nessa fase, a criança já se apropriou
da linguagem e é orientada na aquisição de hábitos so-
ciais, quando se inclui o treino do esfincter. Sua família
e todos ao seu redor dão muita importância à sua habili-
dade na aprendizagem desse comportamento. A criança,
por sua vez, valoriza as suas fezes, consideradas por ela
como uma produção do seu próprio corpo, sendo, portan-
to, fundamental a receptividade e a valorização observa-
das na reação de seus pais e/ou pessoas que auxiliam na
sua educação.

As reações dos adultos variam de aprovação e incentivo


às tentativas bem-sucedidas às reações de desaprovação
e castigo quando malsucedidas. As crianças, então, per-
cebem a importância disso e utilizam-nos para presen-

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 71

tear ou castigar os pais. Freud irá destacar esses períodos


como fase anal-sádica, quando o modo de obter prazer é
eliminativo e a criança defeca ou expulsa as fezes, e a fase
anal-erótica, quando controla, retendo as fezes e a urina.

Trata-se de um período marcado por muita ansiedade, já


que a aprovação dos pais é interpretada pela criança como
uma aceitação dos seus produtos, gerando o fortalecimen-
to de sua autoestima. Quando, porém, tal período é marca-
do por muitas exigências e controle, geralmente a criança
encontra dificuldades para atender à demanda dos pais,
o que poderá promover um sentimento de inadequação,
vergonha e insegurança com relação à sua capacidade de
produzir coisas boas.

Como observamos até aqui, cada fase é marcada pela ero-


tização de determinada região do corpo, uma fantasia
particular e uma modalidade de relação com o objeto. O
mesmo irá ocorrer na fase seguinte, denominada fase fá-
lica. Ela localiza-se nos genitais e apresenta a fantasia de
todos, meninos e meninas, possuírem um pênis. A nova
organização da libido é marcada pelo interesse desperta-
do nas crianças com relação aos seus genitais, o que torna
a masturbação um ato normal e esperado. As diferenças
anatômicas são fontes de curiosidade e marcadas pela au-
sência ou presença do pênis. Aos olhos das crianças, o cli-
tóris é um pênis ainda em desenvolvimento. Aos poucos,
essa percepção inicial modifica-se, restando à menina a
condição de “castrada”.

Para Freud, esta será a base da diferença nas organizações


psicológicas masculina e feminina. Ao homem, portador
do pênis, resta o sentimento de superioridade e a convi-

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72 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

vência com o medo da castração. À mulher, resta o sen-


timento de inferioridade e a inveja do pênis. Essa é, por-
tanto, a tarefa básica da fase fálica: organizar os modelos
referentes a homem e mulher, o que ocorrererá mediante
o estabelecimento de um triângulo edípico denominado
por Freud de Complexo de Édipo, referência ao drama
Édipo Rei, de Sófocles.

É nessa fase que meninos e meninas buscam na figura


materna, responsável pelos vínculos de prazer da infân-
cia, seu objeto de amor. A figura da mãe preenche, na fan-
tasia, esse papel. No entanto, em nossa sociedade, essa
relação incestuosa é proibida. Se a relação de amor com a
mãe propicia o suporte necessário à vivência afetiva adul-
ta, neste momento, precisa ser reprimida. Entra, então,
em cena a figura do pai, símbolo da autoridade que fará
cumprir a lei, barrando a relação.

Para o menino, que nas suas brincadeiras infantis auto-


denominava-se o namorado da mãe, a figura do pai vem
proibir e ameçar simbolicamente a sua castração. Resta
ao menino resolver a sua ambivalência de sentimentos:
amar e odiar o pai que pode castrá-lo. O triângulo edípico
é estabelecido e o pai poderoso e possuidor da mãe é um
adversário contra o qual não se pode lutar. O filho renun-
cia à sua atração pela mãe, encerrando, assim, a sua etapa
fálica infantil que será retomada na entrada da adolescên-
cia, no estágio denominado por Freud de fase genital.

Para a menina, o percurso será diferente. O seu temor da


castração acontecerá por meio da percepção de um clitó-
ris que não cresce e que, portanto, não é um pênis. Desco-

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 73

brindo-se castrada, ela busca a conquista do órgão deseja-


do. A figura do pai surge, então, como representante fálico
no núcleo familiar. Ela precisa, pois, seduzi-lo, porém de-
para-se com o vínculo de amor existente entre seus pais. É
a mãe que seduz o pai. A menina, então, precisa introjetar
os valores femininos para tornar-se atraente ao pai. As-
sim, utilizando o mecanismo de defesa da identificação,
assimila, progressivamente, os valores femininos.

A fase fálica, geralmente, organiza-se até por volta dos


seis anos.

Em nossa cultura, o início da educação formal é uma épo-


ca de grandes descobertas e mudanças no meio social
da criança. Para Freud, a libido, nesse período conheci-
do como latência, encontra-se provisoriamente deslocada
dos seus objetivos sexuais. Podemos admitir que ocorre
uma repressão da energia sexual, que continua sendo pro-
duzida, mas é direcionada para outros interesses e/ou ne-
cessidades. Assim, é na escola que a criança irá utilizar
a energia libinal para aprender, descobrir novos conheci-
mentos, desenvolvendo uma rede de interação social.

A psicanalista Ana Cristina Kupfer (1989) ressalta a impor-


tância de utilizar esse momento especial na vida da criança,
que se coloca como um ser desejante de saber e que a todo
momento nos envolve com os seus porquês. Diz Kupfer
(p. 81): “O que se espera é que, ao final da época do con-
flito edipiano, a investigação sexual caia sob o domínio da
repressão.” Toda? Não. Parte dela “sublima-se” em pulsão
de saber [...]. Mais adiante complementa a autora (p. 83):
“Transforma-se em curiosidade agora dirigida, porque su-

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74 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

blimada, a objetos de modo geral. São seus derivados o pra-


zer de pesquisar, o interesse pela observação da natureza, o
gosto pela leitura, o prazer de viajar (ver coisas distantes e
novas), etc.” Assim, conclui Kupfer, para Freud, a mola pro-
pulsora do desenvolvimento intelectual é sexual.

Podemos dizer, então, que esse período extremamente


produtivo situa-se entre a genitalidade infantil (fase fáli-
ca) e a adulta (fase genital). A sexualidade ressurge com
as mudanças que irão ocorrer no início da puberdade.

Muito bem. Resta-nos estudar o último estágio, que Freud


denominou fase genital, que é correspondente à entrada
na adolescência. Esse período agrega todas as fases an-
teriores à subordinação da pulsão sexual. Para o pai da
psicanálise, citado por Rappaport (1981), a característica
essencial da puberdade — período que indica, do ponto de
vista biológico, o início da adolescência — é o crescimen-
to observável dos órgãos sexuais externos, acompanhado
do desenvolvimento dos órgãos sexuais internos, respon-
sáveis pela produção de hormônios sexuais ligados à re-
produção. Assim, alcançar a fase genital constitui, para
a psicanálise, atingir o pleno desenvolvimento do adulto
normal. As adaptações biológicas e psicológicas foram
realizadas. A pessoa aprendeu a amar e a competir, e dis-
criminou seu papel sexual. Ela desenvolveu-se intelectual
e socialmente. Agora é a hora das realizações. Ela é capaz
de amar no sentido genital amplo. Do ponto de vista só-
cio-afetivo, observa-se, nessa fase, a consolidação da iden-
tidade e o estabelecimento de uma moralidade autônoma,
características que se encontram refletidas na formulação
de valores e nas atividades psicossociais desenvolvidas

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 75

pelo jovem.

Imagino que você deva estar impressionado com a quantidade


de informação. Se considerar importante, dê uma parada, retor-
ne ao início do capítulo e verifique quais os conceitos que você
ainda não conseguiu assimilar. Mas não desanime, pois estamos
quase concluindo este capítulo.

As implicações no processo educacional


Ao longo deste capítulo aprendemos e percebemos a impor-
tância da teoria psicanalítica para a compreensão do com-
portamento humano e a necessidade da sua utilização como
ferramenta teórica na nossa atuação prática em sala de aula.

A criança, que ao nascer é um ser dependente física e psi-


cologicamente da mãe, durante o seu desenvolvimento vai
estuturando a sua personalidade e estabelecendo novas
relações e novos vínculos afetivos em um processo pro-
gressivo de independência.

Coutinho e Moreira (2001, p. 192) assinalam que:

Ao nascer, a criança, é movida pelo que Freud deno-


minou “Princípio do Prazer”. Toda a sua atividade
é impulsionada por instintos de sobrevivência que
buscam, antes de tudo, a satisfação, ou seja, redu-
ção das tensões. Para usar a expressão psicanalítica,
a criança é movida, inicialmente, pelo Id. Entretan-
to, muito cedo ela começa a reconhecer uma autori-
dade exterior a ela que tem o poder de lhe propiciar
ou restringir a satisfação de seus desejos e necessi-
dades. As primeiras experiências vivenciadas pela
criança, nesse sentido, suas primeiras frustrações
e satisfações, se dão, em grande parte, com os que
mais de perto se relacionam com ela: seus pais, ami-

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76 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

gos e professores.

Interessa-nos, particularmente, o momento do seu ingres-


so na escola, onde ocorre a construção de novos laços afe-
tivos com colegas e professores. Um mundo novo, diferen-
te, é oferecido para a criança que, como já vimos, deseja
saber, mas, como assinala Kupfer (1989), na escola, ela
aprende com o professor; ou melhor, deveria aprender,
pois como sabemos pelos índices nacionais da educação
brasileira, a relação professor-aluno nem sempre mostra-
-se produtiva no sentido da aprendizagem do aluno. Lem-
bra ainda a autora que aprender é sempre “aprender com
alguém”, alguém que se coloca em um determinado lugar,
em uma determinada posição.

Diz Kupfer (p. 85):

Freud nos mostra que um professor pode ser ouvi-


do quando está revestido por seu aluno de uma im-
portância especial”. Esta importância especial dada
pelo aluno ao professor coincide com o período de
latência vivido pelo aluno quando da sua entrada na
escola. Este professor assume, neste momento, um
lugar muito especial, até então, ocupado pelos pais.
Assim, sem o saber, recebem os sentimentos que o
aluno direcionava a seus pais na época da resolução
do complexo de Édipo. Cabe ao professor utilizar e
direcionar este investimento libidinal para facilitar
e promover a aprendizagem do seu aluno. A este
lugar ocupado pelo professor, a esta relação afetiva
que possibilita a aprendizagem Freud denominou
de transferência. Assim, o conceito de transferên-
cia, entendido como “uma manifestação do incons-
ciente”, pode favorecer ao professor, quando no
exercício da sua função, “tornar-se a figura a quem
serão endereçadas os interesses de seu aluno por-
que é objeto de uma transferência” (p. 88)

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 77

O mesmo lugar ocupado pelo professor pode também,


como se observa na atuação docente, ser utilizado de for-
ma autoritária. Do professor é exigido, diariamente, um
controle disciplinar sobre a sua turma. Também cabe a ele
punir o aluno que desafie sua autoridade, o que, muitas
vezes, leva-o a agir como um pai repressor. Para Coutinho
e Moreira (2001), esse processo pode fortalecer, no aluno,
um Superego inflexível e irracional e o desenvolvimento
de um Ego fragilizado e submisso.

Ressaltam ainda as autoras:

Do ponto de vista do desenvolvimento sócio-afeti-


vo, um dos papéis da escola é, portanto, o de ajudar
o aluno a ser capaz de equilibrar as exigências do
Id e do Superego com as exigências da realidade.
Numa visão psicanalítica, trata-se de fortalecer o
Ego na sua função de conciliador racional das exi-
gências inconscientes do Id e do Superego levando
a inteligência às emoções. O diálogo, a discussão, o
aumento da autoconsciência dos sentimentos con-
flituosos, a manutenção da perseverança apesar
das frustrações, o desenvolvimento do otimismo,
da empatia, da capacidade de ler as emoções nos
outros, da cooperação, do envolvimento e o enfren-
tamento racional são atitudes importantes nesse
processo. (p. 194)

Podemos concluir que a psicanálise, como ferramenta na


compreensão do comportamento humano, tem muito a
contribuir para o exercício docente, auxiliando o profes-
sor na construção de um relacionamento afetivo com o
seu aluno e promovendo o desenvolvimento e os proces-
sos de aprendizagem.

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78 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

Biografia de Sigmund Freud (MANNONI, O. Freud e a psicanálise)

1856 – 6 de maio: nascimento de Sigismund Freud (aos 22 anos


de idade trocará seu nome para Sigmund). De acordo com o cos-
tume, também recebe o nome judaico: Schlomo. Freiberg, o lugar
em que nasceu na Moravia, chama-se Pribor atualmente. Seu pai,
Jacob Freud, com 41 anos de idade, tem dois filhos de um primeiro
casamento, Emmanuel e Philippe. Emmanuel tem um filho, John,
um ano mais velho que Sigismund (seu tio), que mais tarde será seu
principal companheiro de folguedos. Esses meio-irmãos tinham
mais ou menos a mesma idade da mãe de Freud. Sua mãe tem 21
anos de idade e ele é seu primeiro filho. Jacob Freud é negociante
de lãs.

1859 – A crise econômica arruína o negócio de Jacob.

1860 - A família instala-se (mal) em Viena.

1865 – Sigmund entra para o Gymnasium (colégio) com um ano


de antecipação.

1873 – Recebe, no exame final dos estudos secundários, Summa


cum laude. É felicitado por seu estilo em alemão.
Ingressa na universidade e decide-se pelos estudos médicos.
Descobre o antisemitismo.
Faz leitura de Goethe.
Assiste às aulas de filosofia de Brentano (teórico do conceito de
consciência).

1876 – Primeiras investigações pessoais, em Trieste, sobre as glân-


dulas sexuais das enguias. Entra para o laboratório de Brücke.

1878 – Torna-se amigo de Breuer, 14 anos mais velho, que o ajuda


moral e materialmente. (Numerosos empréstimos de dinheiro)
Estudos de neuropsiquiatria.

1879 – Segue (sem muito entusiasmo) os cursos de psiquiatria de


Meynert. Interessa-se apenas pelo aspecto neurológico das ques-
tões.

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 79

1880 – Breuer empreende o tratamento de Berta Pappenheim


(Anna O.).

1881 – É aprovado (tardiamente) nos exames finais de Medicina.

1883 – Entra para o serviço de Meynert (psiquiatria).

1884 – Encarregado de um estudo sobre a cocaína, descobre


suas propriedades analgésicas e suspeita delas, mas negligencia
as mesmas. De maneira imprudente, Freud utiliza cocaína em si
mesmo. Como não tem qualquer disposição para a toxicomania,
não a sofre nem desconfia de seu perigo. Porém, provoca alguns
prejuízos em torno de si. Querendo curar seu amigo Fleischl, que
é morfinômano, transforma-o em cocainômano e agrava seu caso.
É criticado nos círculos médicos. Empreende o tratamento das do-
enças “nervosas” mediante a eletroterapia.

1885 – 1886 – Estada em Paris. Bolsa de estudos para trabalhar


com Charcot em Salpêtrière. Ali observa as manifestações da his-
teria e os efeitos da hipnose e da sugestão. Charcot causa-lhe pro-
funda impressão.
Deixa Paris por Berlim, onde se interessa pela neuropatologia in-
fantil. De volta à Viena, fará um estágio no Instituto de Doenças
Infantis. Realiza uma conferência sobre a histeria e relata o que
observou junto a Charcot; porém, suas observações não são bem
acolhidas. Abre seu consultório. Traduz as Leçons du Mardi de Char-
cot.
Casa-se com Martha Bernays.

1887 – Conhece Fliess.


Pratica a hipnose.
Nascimento de Mathilde (primeira filha).
Reside na França, em Nancy, para trabalhar com Bernheim.

1889 – Nascimento de Jean-Martin, assim nomeado em homena-


gem a Charcot.

1890 – Pratica com seus pacientes o método catártico.

1891 – Nascimento de Oliver.


Instala seu consultório na Berggasse, em Viena. Freud ficaria ali por
quase 50 anos, até sua partida para a Inglaterra.
1892 – Artigo sobre o tratamento hipnótico. Consegue com que
Breuer colabore com ele. Uma paciente, Elisabeth Von R., impõe-
-lhe o método das associações livres.
Nascimento de Ernst.

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80 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

1893 – Morre Charcot.


Redação, com Breuer, dos Estudos sobre a histeria.
Descoberta dos conceitos de defesa e recalcamento.
Nascimento de Sophie.

1894 – Rompimento com Breuer. Descoberta do conceito de


transferência.

1895 – Nascimento de Anna, seu quinto filho, que se tornaria uma


célebre psicanalista de crianças.
Publicação de Obsessões e Fobias.
Concepção do Projeto para uma psicologia científica.

1896 – Escandaliza o auditório numa conferência sobre a etiologia


sexual da histeria.
A palavra psicanálise é empregada pela primeira vez.
Morte do pai de Freud.

1896 – 1907 – Durante esses quase 10 anos, Freud gostava de via-


jar à Itália, muitas vezes, para passar suas férias de verão.

1897 – Descoberta do conceito de Édipo.


Começo da autoanálise.
Primeira teoria do aparelho psíquico.
Descoberta do inconsciente como um sistema.

1898 – Prepara a Psicopatologia da vida cotidiana e reúne


exemplos que servirão para o chiste. Publica Os mecanismos do
esquecimento. Conclui A interpretação dos sonhos (exceto o
capítulo VII).

1900 – Análise da jovem histérica Dora.

1901 – Escreve Sonho e histeria, que relata a análise de Dora, mas


que só será publicado em 1905 com outro título. Começam a dete-
riorar as relações com Fliess. Viagem a Roma.
Publicação de Psicopatologia da vida cotidiana.

1902 – Steckel, um discípulo de Freud, começa a praticar a psica-


nálise.
Viagem a Nápoles.

1903 – Fundação do primeiro grupo de psicanalistas, a “Sociedade


Psicológica das quartas-feiras”.
Descoberta da primeira teoria das pulsões: pulsão sexual e pulsão
do eu.

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 81

1904 – Viagem à Grécia, Atenas e à Acrópole.

1905 – Conhece Jung.


Descoberta dos estádios de desenvolvimento da sexualidade in-
fantil.
Três ensaios sobre a sexualidade. O chiste em suas relações com o
inconsciente.
Fragmento de uma análise de histeria (Dora).

1908 – Trava conhecimento com Sándor Ferenczi e Ernest Jones.


Primeiro Congresso Internacional de Psicanálise, em Salzburgo.
Descoberta do complexo de castração.

1909 – Viagem à América com Jung e Ferenczi.


Cinco conferências de iniciação na psicanálise, na Universidade
Clark (as Cinco lições de psicanálise)
Análise de uma fobia de um menino de cinco anos (o pequeno
Hans).
Observações sobre um caso de neurose obsessiva (o homem dos
ratos).

1910 – Congresso de Nuremberg.


Fundação da Sociedade internacional. Jung é o presidente.
Publicação de Cinco lições sobre a psicanálise (as conferências
pronunciadas na América).

1911 – Descoberta do conceito de narcisismo, graças ao estudo da


psicose paranoica.
Demissão de Adler.
Congressos de Weimar e de Budapeste.
Publicação do Presidente Schreber com o título de Observações
psicanalíticas sobre a autobiografia de um caso de paranóia.

1913 – Rompimento com Jung.


Congresso de Munique.
Publicação de Totem e Tabu.

1920 – Fundação da policlínica de Berlim e do International Jour-


nal of Psychoanalysis.
Segunda teoria do aparelho psíquico.
Segunda teoria das pulsões: pulsão de vida e pulsão de morte.
Além do princípio do prazer. Descoberta do conceito de com-
pulsão à repetição.
Morte de Sophie.

1922 – Congresso de Berlim.

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82 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

1923 – Diagnóstico de câncer na mandíbula. Primeira operação.


Publicação de O ego e o Id.
Instauração do conceito de falo.
Morte de seu neto “mais amado”, Heinz.

1925 – Morte de Abraham.

1926 – Inibição, sintoma e angústia.


Ano da fundação da Sociedade de Psicanálise de Paris.

1927 – O futuro de uma ilusão.

1929 – Mal-estar na civilização.


Rompimento com Ferenczi.

1930 – Recebe o prêmio Goethe (Anna representa o pai em


Frankfurt, onde lê o discurso de agradecimento que ele escre-
vera).
Morte da mãe de Freud.

1931 – Agravamento do câncer da mandíbula.

1932 – Novas conferências sobre a psicanálise.

1933 – Os nazistas queimam as obras de Freud em Berlim.

1936 – 80 anos, bodas de ouro.

1938 – Roosevelt e Mussolini intervêm em favor de Freud. Par-


tida para Londres acompanhado da mulher e da filha Anna. Ali
recebe pacientes quase até o fim da vida.
Dois últimos livros: Um esboço de psicanálise e Moisés e o mo-
noteísmo.

1939 – 23 de setembro: morte de Freud, aos 83 anos.

1951 – Morte de Martha Freud. A autobiografia de um caso de


paranoia. Publicação do Presidente Schreber com o título de Ob-
servações psicanalíticas sobre a autobiografia de um caso de
paranoia.

Sigmund Freud (1856–1939) – médico e fundador da psica-


nálise.

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 83

Segundo ele, a sexualidade infantil tem importância nos


acontecimentos vivenciados nessa etapa de nossa existência
como elementos determinantes nos distúrbios de personali-
dade apresentados pelo adulto.

A vida mental traduz-se por um jogo de forças contrárias,


que se estimulam e reprimem e que se estruturam por meio
dos elementos conscientes e inconscientes, gerando um
conflito que proporciona a variedade de comportamentos e
sentimentos humanos; e, em última instância, a formação da
nossa personalidade.

Trabalhou com Charcot em Paris e com Breuer em Viena uti-


lizando a hipnose como técnica de tratamento de pessoas
com histeria.

Resistência: força capaz de proteger o indivíduo da dor e do


sofrimento, mantendo a lembrança do fato traumático longe
da consciência.

Repressão: força que protege o indivíduo retirando da cons-


ciência algo que ele não pode suportar.

Instinto: elemento inato, representante psíquico dos estímu-


los que se originam no organismo e chegam à mente desejan-
do a satisfação.

Pulsões: a satisfação dos instintos funciona como uma mola


propulsora de novas fontes de motivações.

A pulsão sexual constitui um desvio do instinto. Tanto o ins-


tinto, como a pulsão necessitam de uma satisfação. Freud

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84 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

irá denominar esse mecanismo de princípio do prazer, que


ocorre graças à escolha de um objeto para a descarga desta
energia. Energia originária dos instintos e denominada por
ele de libido.

Libido, portanto, é uma energia afetiva de natureza sexual, e


como veremos mais à frente, passa por progressivas organi-
zações ao longo do desenvolvimento psicossexual, em busca
da obtenção do prazer.

Em 1923, no período pós-Guerra, Freud apresenta-nos a sua


estrutura dinâmica da personalidade: o Id, o Ego e o Supe-
rego.

Id: fonte de toda a energia, é constituída pelos impulsos ins-


tintivos inatos que direcionam o indivíduo na sua relação
com o mundo.

Ego: se orienta pelo princípio de realidade e procura me-


diar as solicitações do Id com as da realidade, buscando o
equilíbrio. Trabalha com as estruturas psíquicas de defesa e
controle dos impulsos. Adia a realização dos desejos, busca
novos caminhos para alcançar os seus objetivos, aumenta o
limiar de tolerância e frustração.

Superego: tem um papel importantíssimo na organização


e na estrutura do grupo social. Ele fortalece os valores da
comunidade, diminuindo e controlando as manifestações de
comportamentos delinquentes e quaisquer outras que amea-
çem o grupo social.

Mecanismos de defesa: repressão, regressão, projeção, nega-


ção, sublimação, identificação.

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 85

A importância da hereditariedade, do meio e dos padrões


maturacionais.

A hereditariedade irá influenciar a capacidade potencial do


homem e a sua maneira de interagir com o mundo, levando
em consideração o seu calendário maturacional.

As influências ambientais durante a vida intrauterina tam-


bém influenciam no desenvolvimento do feto, tais como
possíveis doenças que podem acometer a gestante, o uso de
substâncias tóxicas e/ou problemas emocionais.

Papalia e outros ressaltam a importância de outros aspectos


durante a gravidez: gestantes com o vírus HIV; estresse ma-
terno; idade materna; fatores ambientais externos; comporta-
mentos de riscos por parte dos pais.

Os problemas de ordem física/biológica e ambiental são inú-


meros, mas não são os únicos. O planejamento e a aceitação
da gravidez também são muito importantes.

É importante um ambiente harmonioso e tranquilo para o


desenvolvimento psico-afetivo saudável da gravidez.

Rappaport (1981) destaca alguns pontos a serem conside-


rados:

• As fantasias: cada gravidez é marcada por um signi-


ficado específico que irá ajudar ou facilitar a aceitação
pela mãe.

• Fome, náuseas, diarreia e constipação: durante o


período da gestação, a mãe, assim como o pai, pode

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86 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

retomar angústias passadas. Sentimentos que fazem


parte da sua história com a sua mãe e que são atuali-
zados na sua relação afetiva com o seu filho.

A gestação conta a história de duas pessoas que têm a res-


ponsabilidade de gerar um outro ser que já possui um lugar
no desejo daqueles pais. A criança que irá nascer carrega e
desenvolve-se com os sentimentos de amor oferecidos por
seus pais e pelas fantasias persecutórias que também farão
parte da sua história e do seu desenvolvimento.

A criança que chega a escola já acumula uma longa trajetória


que é marcada pela história dos seus pais e com eles. Cada
um de nós carrega uma bagagem emocional, afetiva, oriun-
da desse período, que, mesmo quando sujeito a períodos de
perdas e frustrações, tem também momentos de magia, feli-
cidade e realizações.

Ao longo do desenvolvimento do ser humano, a libido passa


por progressivas organizações em busca da obtenção do pra-
zer. Devido ao processo de maturação, diferentes regiões do
nosso corpo transformam-se em fontes de prazer, onde se
localiza a libido.

Em um processo de desenvolvimento saudável, a energia li-


bidinal constrói um caminho que se situa, em um primeiro
momento, na boca, e, em se seguida, desloca-se para o ânus, e
por fim, para a região genital.

Freud propõe alguns estágios do desenvolvimento psicos-


sexual:

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O desenvolvimento psicossexual e as implicações no processo educacional 87

• Fase oral: é marcada por uma intensa necessida-


de de busca pela satisfação, que o bebê irá procurar
na sua interação com o meio ambiente. Esta fase en-
volve o período do nascimento até o primeiro ano
e meio de vida, e é direcionada, primordialmente,
pelos instintos, com o predomínio do Id.

• Fase anal: a libido desloca-se para a região anal,


onde se instala a fonte dominante de prazer. O ânus,
as nádegas, os esfincteres, a uretra e todo o sistema
muscular adjacente encontram-se erotizados.

• Período de desenvolvimento marcado por muitas


descobertas, a criança nessa fase já se apropriou da
linguagem e é orientada na aquisição de hábitos so-
ciais, quando se inclui o treino do esfincteres.

• Fase fálica: localiza-se nos genitais e apresenta


a fantasia de todos, meninos e meninas, possuírem
um pênis. A nova organização da libido é marcada
pelo interesse despertado nas crianças com relação
aos seus genitais, o que torna a masturbação um ato
normal e esperado. As diferenças anatômicas são
fontes de curiosidade e são marcadas pela ausên-
cia ou presença do pênis. Aos olhos das crianças, o
clitóris é um pênis ainda em desenvolvimento. Aos
poucos, essa percepção inicial se modifica, restando
à menina a condição de castrada. Para Freud, esta
será a base da diferença nas organizações psicoló-
gicas masculina e feminina. Trata-se do Complexo
de Édipo: ao homem, portador do pênis resta o
sentimento de superioridade e a convivência com
o medo da castração. À mulher resta o sentimento
de inferioridade e a inveja do pênis. Meninos e me-
ninas buscam na figura materna, responsável pelos

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88 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte I

vínculos de prazer da infância, seu objeto de amor.


A figura da mãe preenche na fantasia este papel. Na
nossa sociedade, no entanto, a relação incestuosa é
proibida. Se a relação de amor com a mãe propicia
o suporte necessário à vivência afetiva adulta, nes-
se momento, precisa ser reprimida. Entra em cena
a figura do pai, símbolo da autoridade e que fará
cumprir a lei barrando esta relação.

• Período de latência: o início da educação formal


é a época de grandes descobertas e mudanças no
meio social da criança. Para Freud, a libido, neste
período, encontra-se provisoriamente deslocada
dos seus objetivos sexuais. Ocorre uma repressão
da energia sexual, que continua sendo produzida,
porém, agora é direcionada para outros interesses
e/ou necessidades. Assim, é na escola que a criança
irá utilizar a energia libinal para aprender, desco-
brir novos conhecimentos, desenvolvendo uma rede
de interação social.

• Fase genital: corresponde ao ingresso na adoles-


cência, agregando todas as fases anteriores à subor-
dinação da pulsão sexual. A característica essencial
da puberdade é o crescimento observável dos ór-
gãos sexuais externos, acompanhado do desenvol-
vimento dos órgãos sexuais internos, responsáveis
pela produção de hormônios sexuais ligados à re-
produção. Assim, alcançar a fase constitui atingir o
pleno desenvolvimento do adulto normal. As adap-
tações biológicas e psicológicas foram realizadas.
Ele aprendeu a amar e a competir. Discriminou seu
papel sexual. Desenvolveu-se intelectual e social-
mente. Agora é a hora das realizações. É capaz de

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89

amar num sentido genital amplo. Do ponto de vista


sócio-afetivo, observa-se, nessa fase, a consolidação
da identidade e o estabelecimento de uma morali-
dade autônoma, características que se encontram
refletidas na formulação de valores e nas atividades
psicossociais desenvolvidas pelo jovem.

A criança que ao nascer é um ser dependente fisica e psi-


cologicamente da mãe, durante o seu desenvolvimento, vai
estuturando a sua personalidade e estabelecendo novas re-
lações, novos vínculos afetivos em um processo progressivo
de independência.

A psicanálise como ferramenta na compreensão do compor-


tamento humano tem muito a contribuir para o exercício
docente, auxiliando o professor na construção de um rela-
cionamento afetivo com o seu aluno promovendo o desenvol-
vimento e os processos de aprendizagem.

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90

REFERÊNCIAS

COUTINHO, M. T. C. Psicologia da Educação: um estudo


dos processos psicológicos de desenvolvimento e apren-
dizagem humanos, voltados para a educação. Belo Hori-
zonte: Lê, 1992

GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo:


Companhia das Letras,1989.

KUPFER, A. C. Freud e a educação: o mestre do impossí-


vel. Rio de Janeiro: Scipione, 1989.

MANNONI, O. Freud e a psicanálise. Rio de Janeiro: Rio –


Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, 1975.

NASIO, J. D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Gro-


ddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Jor-
ge Zahar, 1995.

________. Lições sobre os 7 conceitos cruciais da psicanáli-


se. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1989.

RAPPAPORT, C. R.; FIORI, W. R.; DAVIS, C. Teorias do De-


senvolvimento. Conceitos fundamentais. v. 1 São Paulo:
EPU, 1981.

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 91
desenvolvimento humano

CAPÍTULO 3
ABORDAGENS
CONTEMPORÂNEAS
DA PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO – PARTE II

Estamos juntos já há algum tempo, e ficamos torcendo


para que esta caminhada permaneça.

Porém, sabemos que, em alguns momentos, ela fica mui-


to difícil e que temos a sensação de que não vamos dar
conta de tanta informação. Ao mesmo tempo, no entanto,
se você procurar pensar em tudo o que aprendeu e nas
informações interessantes de que já se apropriou, vai, cer-
tamente, valorizar o esforço dispendido na busca por uma
formação de qualidade.

Neste terceiro capítulo, continuaremos a estudar o desen-


volvimento humano, mas, agora, com um olhar mais dire-
cionado para a educação, para a escola.

No capítulo 2, aprendemos com Freud a compreender melhor o


comportamento humano e as fases do nosso desenvolvimento
psicossexual. Graças à sua teoria, surgiram muitas indagações,
reflexões e novas formas de perceber o outro e a si mesmo. O
professor que se apropria dessas informações, em sala de aula e
no seu dia a dia estará mais sensível às diversas manifestações

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92 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

de comportamento apresentadas pelos alunos e poderá auxiliar


no enfrentamento das dificuldades e dos desafios presentes no
cotidiano escolar.

De posse desses conhecimentos, você poderá, agora, estudar


outro teórico, contemporâneo a Freud, que se dedicou à com-
preensão do desenvolvimento humano, acentuando a impor-
tância da emoção na estruturação do nosso psiquismo, da nossa
personalidade, o que se constitui uma ferramenta que irá auxili-
á-lo no seu trabalho docente.

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 93
desenvolvimento humano

WALLON E A TEORIA DAS


EMOÇÕES: CONTRIBUIÇÕES
À COMPREENSÃO DA
COMPLEXIDADE DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Esperamos que você aprenda a reconhecer as contribui-


ções de H. Wallon para a compreensão do desenvolvimen-
to humano.

Este percurso será realizado na companhia de um psicó-


logo que investigou, durante toda a sua vida, o desenvol-
vimento infantil e suas interações com a ação pedagógico-
-educacional. Uma obra inovadora e revolucionária para
o seu tempo e que permanece atualíssima. Henri Wallon
(1879–1962) foi, nas palavras de Renê Zazzo (Wallon, H.,
1968, p.10):

[...] um observador, um clínico, um homem de in-


tuição, tanto ou mais que um experimentador, mas
também um filósofo no sentido mais profundo e
mais válido do termo[...] Wallon surge, mais que ne-
nhum outro, como um criador da Psicologia, porque
as suas contribuições científicas não são apenas
uma pedra a mais, um novo ladrilho para o edifício
comum, na medida em que provocam neste edifício
uma reorganização, ou melhor, a abertura de pers-
pectivas insuspeitas.

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94 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

Para que possamos entender melhor a sua importância,


é necessário realizar uma breve contextualização do mo-
mento histórico em que Wallon produz a sua teoria e, ao
final deste capítulo, você irá encontrar com mais detalhes
a biografia do grande pensador.

A Psicologia, como você já aprendeu no primeiro capítulo,


encontra-se no século XIX diante de um impasse e procu-
ra constituir-se como ciência. Ela precisa conciliar escolas
com visões heterogêneas e antagônicas que ora privile-
giam a matéria, ora enfatizam o espírito.

É nesse cenário, marcado, na entrada do século XX, por


duas grandes guerras mundiais, que Wallon investiga a
psique humana. Com formação em Filosofia e Medicina,
procura dialogar com outras fontes do conhecimento em
uma perspectiva interdisciplinar. Desde cedo se interessa
pela educação, considerando a escola o lugar privilegia-
do para estudar e conhecer a criança. Para ele, era funda-
mental entender a criança na sua interação com o meio,
e criticava aqueles que a percebiam como um adulto em
miniatura. Disse ele: “é comparando-a consigo que o adul-
to pretende penetrar na alma da criança. E esta pretensão
é vã: deste modo, não descobrirá na criança mais que uma
projeção de si mesmo.” (WALLON, H., 1968, p. 12)

Essa visão equivocada da criança, como você bem sabe,


era muito comum na educação do século XIX; mas, com
a força das ideias, permanece presente ainda nos nossos
dias, na fala e na ação de alguns educadores.

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 95
desenvolvimento humano

Machado de Assis, em um dos seus melhores contos, rela-


ta uma cena de uma escola primária, marcada pela figura
autoritária do professor, que, com algumas pequenas al-
terações, poderia estar acontecendo hoje na sua escola.
O relato ocorre nos idos de 1840, quando o personagem
frequentava os bancos escolares.

Convidamos você a acompanhar nesta deliciosa leitura,


como só o grande Machado de Assis poderia proporcio-
nar-nos.

Conto da escola

A escola era na rua do Costa, um sobradinho de grade de pau[...]


Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e
cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos de-
pois[...] Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinquenta anos ou
mais[...] Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada
dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os
trabalhos.

– Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho


do mestre.

Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inte-


ligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que
a outros levava apenas trinta ou cinquenta minutos; vencia com
o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso
um grande medo do pai. Era uma criança fina, pálida, cara doen-
te; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e re-
tirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.

– O que é que você quer?

– Logo, respondeu ele com voz trêmula.

Começou a lição escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais

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96 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos
mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de ex-
celente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se
que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de
ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de
todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na
tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo
caso ingênua[...]

– Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.

– Não diga isso, murmurou ele.

Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez
que queria pedir-me alguma coisa, e perguntei-lhe o que era.
Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperas-
se um pouco; era coisa particular.

– Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos.

– Que é?

– Você...

– Você quê?

Ele deitou os olhos no pai, e depois a alguns meninos. Um desses,


o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-
-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera.
Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei o Curvelo,
e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga,
natural indiscrição; mas podia ser também alguma coisa entre
eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze
anos, era mais velho que nós.

Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-


-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o
que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de
tarde...

– De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.

– Então agora...

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 97
desenvolvimento humano

– Papai está olhando.

Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o


filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais
aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no
livro, e continuamos a ler [...]

No fim de algum tempo – dez ou doze minutos – Raimundo me-


teu a mão no bolso das calças e olhou pra mim.

– Sabes o que tenho aqui?

– Não.

– Uma pratinha que mamãe me deu.

– Hoje?

– Não, no outro dia, quando fiz anos...

– Pratinha de verdade?

– De verdade.

Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda


do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dois tostões, não me
lembra; mas era uma moeda, e tão moeda que me fez pular o
sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido;
depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que
estava caçoando, mas ele jurou que não.

– Mas então você fica sem ela?

– Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovó lhe
deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?

Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois


de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele
e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida
propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a
moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não con-
seguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía
a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...

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98 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude


uma ideia antes própria de homem; não é também que não fos-
se fácil em pregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos
ambos enganar o mestre. A novidade estava nos termos da pro-
posta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma
lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa,
sem poder dizer nada.

Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimun-


do, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu
útil para escapar ao castigo do pai [...] O pobre-diabo contava
com o favor, – mas queria assegurar a eficácia, e daí recorreu à
moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou
brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha
vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca,
muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando
trazia alguma coisa, um cobre feio, grosso, azinhavrado [...]

Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la [...]

– Tome, tome...

Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós, disse


ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos obser-
vava, então dissimulei; mas daí a pouco, deitei-lhe outra vez o
olho, e – tanto se ilude a vontade! – não lhe vi mais nada. Então
cobrei ânimo.

– Dê cá...

Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na al-


gibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá
estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço,
ensinar a lição, e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao
menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um reta-
lho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção.
Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior
para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao cas-
tigo, tudo iria bem.

De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em


nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco,

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 99
desenvolvimento humano

voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o


mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impa-
ciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa,
o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.

– Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.

– Diga-me isto só, murmurou ele.

Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no


bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, dis-
farçando muito; depois, tornei a olhar o Curvelo, que me pareceu
ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, agora estava pior. […]

– Oh! Seu Pilar! Bradou o mestre com voz de trovão.

Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às


pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jor-
nais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me
adivinhar tudo.

– Venha cá! Bradou o mestre.

Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro


um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola
tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimen-
to. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a
curiosidade e o pavor de todos.

– Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos ou-


tros? Disse-me o Policarpo.

– Eu...

– Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! Clamou.

Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer
muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu
não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a
e entreguei-la. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de
raiva; depois estendeu o braço e atirou-a a rua. E então disse-nos
uma porção de coisas duras, que tanto o filho como eu acabá-

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100 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

vamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e


para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou a pal-
matória.

– Perdão, seu mestre... Solucei eu.

– Não há perdão! De cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê


cá a mão!

– Mas, seu mestre...

– Olhe que é pior!

Estendi-lhe a mão direita, depois à esquerda, e fui recebendo os


bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixa-
ram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a
mesma coisa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos.
Acabou, pregou-nos outro sermão. [...]

O cotidiano escolar narrado por Machado oferece-nos muitas in-


formações sobre a metodologia utilizada nas escolas da época e a
maneira como se pensava a educação das crianças. A autoridade
do mestre, o medo que afastava os alunos, os ritmos diferentes e
as dificuldades de aprendizagem dos alunos são alguns dos as-
pectos que podemos destacar em uma primeira leitura rápida.

Essas e outras questões direcionavam o interesse de


Wallon que, durante muito tempo, tratou de crianças com
deficiência mental. Sua produção teórica entende o desen-
volvimento e a aprendizagem em uma perspectiva dialé-
tica e humanista. O desenvolvimento infantil é entendido
em seus aspectos afetivo, cognitivo e motor, buscando
compreender o sistema de relações estabelecidas entre
a criança e seu ambiente. A criança walloniana é um ser
social desde a sua chegada ao mundo e, como destacam
Valsiner & Vasconcellos (1995, p. 40), “os seus processos
afetivos são anteriores a quaisquer outros tipos de com-
portamento, enfatizando a profunda vinculação existente

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 101
desenvolvimento humano

entre afetividade e movimento, na base de todas as for-


mas de interação da criança pequena.”

Destaca-se, dessa forma, na teoria walloniana os aspectos


emocionais, que constituem a gênese da consciência huma-
na. Como apontam Valsiner & Vasconcellos (1995, p. 41):

Por meio da emoção a criança adquire sequências


de ações diferenciadas e instrumentos intelectuais
capazes de ir construindo sua diferenciação e com-
preensão de si mesma e dos outros sociais. Dialetica-
mente, a distinção gradual entre o eu e o outro é ad-
quirida, mais claramente, em momentos de emoção.

Como já mencionamos, a escola, para Wallon, é o ambiente


ideal para estudar a personalidade da criança. Entendia a
criança como ser total, concreto e ativo, que deveria man-
ter-se em contato com o meio social.

Ele propunha ainda o diálogo permanente entre a Psicolo-


gia e a Pedagogia. Na sua concepção, ambas tinham muito
a acrescentar à compreensão do desenvolvimento infantil.
A escola era um campo valioso de investigação, e a Psico-
logia deveria ocupar esse espaço produzindo e comparti-
lhando o conhecimento com os educadores.

Ao longo de sua carreira, suas atividades foram aproximan-


do-se cada vez mais da educação. Ativista político, inte-
grou o Grupo Francês de Educação Nova, participando dos
debates educacionais de sua época e deixando a sua mar-
ca característica de pensador crítico e polêmico. Sempre
atento às propostas de renovação pedagógica, chamando
a atenção para os modismos, sinalizava o cuidado que os
educadores deveriam ter na adoção de “novos métodos”.

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102 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

O seu interesse estava voltado para a compreensão do psi-


quismo humano, que é investigado por meio da gênese dos
processos psíquicos da criança. Desta forma, o seu método
de trabalho envolvia a observação da criança nos vários
campos de suas atividades e nos vários momentos de sua
evolução psíquica. Para tanto, estudava suas origens, tra-
balhando com uma psicologia genética que busca compre-
ender o sujeito em suas sucessivas transformações. O ser
humano é sempre entendido em sua globalidade, em um
conjunto integrado, ou seja, naquilo que ele denominou de
campos funcionais que envolvem os aspectos da afetivida-
de, da inteligência e da motricidade.

O ser que se desenvolve apresenta uma gênese social, o


que significa dizer que o desenvolvimento humano está
atrelado às suas condições concretas de vida. Portanto, o
estudo do desenvolvimento humano só é possível contex-
tualizado, envolvendo as relações do sujeito com o seu
meio ambiente.

Para Galvão (2000), a teoria walloniana tem seus pilares


na perspectiva genética e na análise comparativa, o que
envolve a necessidade de buscar, em outros “planos de
comparação” a compreensão do fenômeno estudado. As-
sim, dada a sua formação interdisciplinar, Wallon utiliza
os conhecimentos produzidos pela neurologia, pela psico-
patologia, pela antropologia e por outras áreas afins como
recursos na compreensão do desenvolvimento infantil.

Além da utilização dos conhecimentos produzidos por


outros campos do saber, Wallon reconheceu e utilizou os
dados obtidos nas pesquisas desenvolvidas na época no
campo da psicologia da criança. Por sua própria caracte-
rística, esses estudos apresentavam um extenso material

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Wallon e a Teoria das Emoções: contribuições à compreensão da complexidade do 103
desenvolvimento humano

descritivo e longitudinal das crianças envolvidas na pes-


quisa. O próprio Wallon utilizava em suas pesquisas o mé-
todo da observação. Por meio dela, é possível verificar e
acompanhar as atividades desenvolvidas pelas crianças em
contextos distintos, identificando o seu significado. O au-
tor, segundo Galvão (2000, p. 36), chama a atenção para o
fato de que “toda observação supõe uma escolha, dirigida
pelas relações que podem existir entre o objeto ou fato e a
nossa expectativa, em outros termos, nosso desejo, nossa
hipótese ou mesmo nossos simples hábitos mentais”.

No cotidiano das escolas verifica-se, com frequência, o as-


pecto apontado pelo autor. O comportamento da criança
é interpretado em função de representações construídas
pelo professor, muitas vezes relacionadas à sua realidade
ou, como assinala Wallon, por “simples hábitos mentais”
sem levar em consideração o contexto no qual a criança
está inserida. Assim, atitudes, por exemplo, qualificadas
como agressivas ou de indisciplina podem apresentar sig-
nificados variados e distintos, como observamos no texto
de Machado de Assis. Cabe ao professor, na sua observa-
ção cotidiana, recolher dados sobre a história da criança,
sobre as suas relações com o seu meio social, os quais po-
derão ajudá-lo a entender e compreender o que significa
um determinado comportamento.

É comum, como já mencionamos, utilizarmos como refe-


rência na análise e na compreensão do comportamento
infantil o nosso comportamento de adulto, entendendo
a criança como um adulto em miniatura. Como já veri-
ficamos ao longo das nossas leituras (qualquer dúvida,
releia o primeiro capítulo desta Disciplina), a criança pos-
sui peculiaridades no seu desenvolvimento que a fazem
entender e reagir aos fatos de uma maneira muito pró-

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104 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

pria, subjetiva. Assim, compreender a criança a partir de


uma comparação com o comportamento do adulto coloca
a mesma em uma situação de incapacidade permanente,
não se levando em consideração as suas potencialidades
e as suas possibilidades de leitura e atuação no mundo
naquele momento. A infância não é entendida como um
estado provisório, mas como um período único e fecundo.

Pesquisador incansável, Wallon sofre a influência teórica


de Piaget e Freud (o qual você certamente já conhece) nos
desdobramentos da sua teoria da produção. Sempre com
um olhar curioso e contestador, característica que o acom-
panha em toda a sua trajetória de vida, ele mantém com
esses dois autores uma discussão fértil e produtiva.

Wallon adota o materialismo dialético como método de


análise e fundamento epistemológico. Portanto, sua psi-
cologia é dialética. Assim, utilizando como ferramenta de
análise o materialismo dialético, é possível agregar e uti-
lizar a contribuição de escolas filosóficas heterogêneas a
fim de compreender a realidade multifacetada na qual se
desenvolve a criança e a própria escola.

As ideias de Wallon refletem uma incrível mobilidade de


pensamento. A realidade é entendida em uma perspecti-
va dinâmica, heterogênea e extremamente original. Como
assinala Galvão (2000, p. 29):

Admite o organismo como condição primeira do


pensamento, afinal toda função psíquica supõe um
equipamento orgânico. Adverte, contudo, que não
lhe constitui uma razão suficiente, já que o objeto
da ação mental vem do exterior, isto é, do grupo
ou ambiente no qual o sujeito se insere. Entre os
fatores de natureza orgânica e os de natureza social

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105

as fronteiras são tênues, é uma complexa relação de


determinação recíproca. O homem é determinado
fisiológica e socialmente, sujeito, portanto, a uma
dupla história, a de suas disposições internas e a
das situações exteriores que encontra ao longo de
sua existência.

O homem estudado por Wallon aprende a enfrentar diaria-


mente uma realidade dinâmica e contraditória que cons-
titui o seu psiquismo e o seu próprio desenvolvimento.
Conteúdo que iremos estudar no próximo tópico.

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106 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

A DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL

Neste tópico, você vai aprender a identificar a relevância


das interações sociais na complexa dinâmica do desenvol-
vimento.

Wallon, assim como muitos psicólogos da época, estuda


o desenvolvimento humano por meio de etapas únicas e
diferenciadas. Cada uma dessas etapas apresentam carac-
terísticas, necessidades e interesses próprios. A criança é
entendida como um ser ativo, que interage continuamente
com o meio e que vai apresentar a cada etapa uma manei-
ra particular de interação. Esse meio é fundamental para a
compreensão do desenvolvimento apresentado pela crian-
ça. Assim, aspectos relacionados ao espaço físico, à lin-
guagem utilizada pelo seu grupo social, sua cultura e às
pessoas com as quais se relaciona são determinantes para
o seu processo de desenvolvimento.

Agora, leia novamente o parágrafo acima e responda: o que


posso compreender sobre o desenvolvimento de uma criança
observando o meio com o qual ela interage? Outra questão que
podemos colocar: o que posso fazer, enquanto educador, para
favorecer e estimular o desenvolvimento de uma criança?

Penso que você já tem essas respostas por tudo que já


veio estudando até agora. Além disso, irá concordar comi-
go quando afirmo que a nossa responsabilidade enquanto

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A dinâmica do desenvolvimento infantil 107

professor-educador é de extrema importância no proces-


so de desenvolvimento do aluno.

O ambiente escolar, a sala de aula, as oportunidades de


pesquisa e investigação, os desafios, os caminhos diver-
sos para chegar à aprendizagem, tudo isto você poderá
proporcionar ao seu aluno indo ao encontro do seu inte-
resse, da sua necessidade.

Claro que nem todas as crianças se beneficiarão das mes-


mas oportunidades oferecidas. Dependerá das compe-
tências, da faixa etária, e, como já assinalamos, das ne-
cessidades dela. Esse dado é de suma importância para
compreender a perspectiva dialética walloniana. Ou seja,
a criança, em função dos seus interesses e competên-
cias, interage com o meio transformando-o e sendo por
ele igualmente transformada. Dessa forma, como afirma
Galvão (2000, p. 40): “A determinação recíproca que se
estabelece entre as condutas da criança e os recursos de
seu meio imprime um caráter de extrema relatividade ao
processo de desenvolvimento.”

Como afirmamos, a criança, a cada etapa do seu desen-


volvimento, apresenta características próprias, as quais
marcam cada etapa por apresentar um ritmo e dinâmica
próprios. Wallon denomina estas características constan-
tes de princípios funcionais.

O nosso corpo (sua expressão) comunica algo, sempre car-


regado de emoção. O ser que se desenvolve apresenta uma
integração dos fatores emocionais e intelectuais, permi-
tindo a transição do fisiológico para o psicológico.

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108 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

Se pensarmos a criança no início do seu desenvolvimento, antes


da aquisição da linguagem oral, a sua comunicação com o mundo
ocorre por meio da sua linguagem corporal, que Wallon denomi-
nou de diálogo tônico ou motricidade emocional, que perma-
necerá ao longo de toda a nossa existência.

Segundo Valsiner & Vasconcelos (1995, p. 41) Wallon en-


tende que:
[...] o desenvolvimento da criança é fortemente in-
fluenciado pelo tipo de adulto que cada sociedade
deseja formar, dado que as potencialidades psicoló-
gicas existentes são, crucialmente, dependentes da
ideologia, da cultura e do contexto social onde se
desenvolve esta criança.

Podemos, portanto, entender que o desenvolvimento hu-


mano acontece em um processo interativo, em que a emo-
ção, na perspectiva walloniana, é um elemento sinalizador
das relações sociais.

Assim, a emoção orienta o desenvolvimento não só da


criança, mas também influencia o comportamento do
adulto, apresentando uma “função organizadora no de-
senvolvimento do sujeito” com características de fusão e
diferenciação nas relações interpessoais.

Para Wallon, a função principal da emoção no desenvolvi-


mento humano refere-se a:

[…] não somente como promotora da sobrevivência,


mas, sobremodo, como elemento conflituador entre
duas formas de relação do homem com o meio. A
primeira, motricidade emocional, é a habilidade de
reagir a situações externas utilizando-se de movi-
mentos apropriados, permitindo à criança relacio-
nar-se ao meio físico e social. A segunda, sensibili-

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A dinâmica do desenvolvimento infantil 109

dade emocional, é a habilidade de conceitualizar o


mundo externo internamente, via representação ou
palavras, transformando-o de acordo com as neces-
sidades pessoais ou de grupo. (Valsiner & Vascon-
cellos, 1995, p. 42)

Assim, a emoção envolve a expressão dos afetos, promove


e organiza os vínculos afetivos, efêmeros ou duradouros.
No entanto, envolve também a contradição, pois, ao mes-
mo tempo em que funciona como elemento propulsor da
ação, dialeticamente, pode também funcionar como um
impedimento à atividade. Daí a sua importância no con-
texto escolar, já que a sua expressão pode favorecer o pen-
samento simbólico, as representações e, dessa forma, o
próprio desenvolvimento cognitivo.

O desenvolvimento cognitivo, no entanto, deve ser enten-


dido em um contexto global. Para Wallon, a compreensão
do desenvolvimento humano é marcado pela observação
de fatores orgânicos e fatores sociais.

Se voltarmos ao texto de Machado de Assis, vamos encontrar o


pequeno Raimundo, o filho do mestre Policarpo, que “era mole,
aplicado, inteligência tarda [...] e que reunia a isso um grande
medo ao pai”.

Assim, é que, em função das condições concretas da exis-


tência, os estágios de desenvolvimento podem apresentar
mudanças significativas, principalmente marcadas pela cul-
tura e pela linguagem dos grupos sociais. Wallon destaca
que

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110 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

não é possível definir um limite terminal para o de-


senvolvimento da inteligência, nem tampouco da
pessoa, pois dependem das condições oferecidas
pelo meio e do grau de apropriação que o sujeito
fizer delas (Galvão, 2000, p. 41)

Por definição, os fatores orgânicos estão presentes em nosso ca-


lendário maturacional e apresentam uma sequência fixa, apesar de
ocorrerem variações de tempo de duração, influenciadas pelos fa-
tores sociais presentes na vida de todos os seres humanos.

Quando o meio Essas etapas podem tanto acelerar como retroceder, e são
no qual o sujeito
está inserido
marcadas por profundas mudanças observadas no com-
impõe obstáculos portamento e nas atividades desenvolvidas pelo sujeito,
às suas ações ou
o que não inviabiliza a permanência de alguns comporta-
comportamentos,
tanto de ordem mentos da etapa anterior. O referencial dialético que nor-
familiar como social teia as análise wallonianas não entende o desenvolvimen-
consideramos a
presença de um to em uma perspectiva linear. Assim, a superação de uma
conflito exógeno, etapa do desenvolvimento envolve a ideia de transforma-
quando o elemento
desequilibrador
ção ou reformulação, e apresenta como característica uma
ocorre em função da crise a ser superada pelo sujeito.
maturação nervosa,
consideramos, assim,
a presença de um
conflito endógeno.
As etapas do desenvolvimento são, então, influenciadas pelos fa-
tores sociais e pelos fatores orgânicos, e apresentam um ritmo
variável em função das interações realizadas pelo sujeito no seu
contexto social.

O evento desequilibrador pode ter uma origem exógena


ou endógena. A tentativa de equilíbrio apresenta-se, du-
rante um determinado período, variável para cada sujei-
to: comportamentos inusitados e desajustados em função
daquilo que se verificava em sua conduta habitual. Aos

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A dinâmica do desenvolvimento infantil 111

poucos, o equilíbrio retorna, devolvendo ao sujeito a sua


estabilidade.

Galvão (2000, p. 42, grifo nosso) destaca que

coerente com seu referencial epistemológico, para


o qual a contradição é constitutiva do sujeito e do
objeto, Wallon vê os conflitos como propulsores do
desenvolvimento, isto é, como fatores dinamogêni-
cos.

Nessa perspectiva, podemos considerar os conflitos en-


dógenos e exógenos como alavancadores do processo de
desenvolvimento e transformação do sujeito. Portanto, as
crises observadas no contexto escolar devem ser acompa-
nhadas por um olhar e ações pedagógicas atentas às ne-
cessidades e possibilidades apresentadas pela criança em
seu processo de crescimento individual. Não esquecendo
que, para Wallon, alguns desses conflitos podem ser apre-
sentados a qualquer etapa ou período do desenvolvimen-
to, em um movimento descontínuo e assistemático. Estas
características estão presentes em todos os estágios do
desenvolvimento estudados por ele, os quais fazem parte
do próximo tópico.

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112 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO E AS
CONTRIBUIÇÕES À PRÁTICA ESCOLAR

Esperamos que você aprenda a identificar as etapas do


desenvolvimento walloniano e a utilizá-las na sua prática
educacional.

Como já aprendemos, o desenvolvimento humano é mar-


cado por um processo complexo que envolve um movi-
mento não linear, descontínuo e assistemático. Uma etapa
após outra apresenta características diversificadas, e, em
algumas situações, opostas. Tais elementos, no entanto,
não significam que as etapas devem ser compreendidas
isoladas de um contexto global, muito pelo contrário,
Wallon entende o desenvolvimento humano como um con-
junto uno e interligado. Ao longo da sua trajetória, o ser
humano vivencia e apresenta várias facetas que se trans-
formam e recombinam-se a cada etapa.

Como já dissemos, Wallon utiliza como método de análise


a observação, e será esta conduta científica que ele utili-
zará na compreensão da psicogênese humana, destacando
cinco etapas do desenvolvimento. São elas:

1. O estágio impulsivo-emocional.

2. O estágio sensório-motor e projetivo.

3. O estágio do personalismo.

4. O estágio categorial.

5. O estágio da adolescência.

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 113

Vamos procurar entender cada uma delas.

1. O estágio impulsivo-emocional – Ao nascer, a criança


apresenta um comportamento marcado pela necessidade de
alimentação e repouso (sono) que, já nessa etapa, apresenta
ritmo e constância variáveis. A necessidade de sobrevivência
orienta a criança em busca da alimentação que, nas primeiras
semanas, organiza a sua relação com o meio. Aos poucos,
esse comportamento modifica-se e observamos sua tentativa
de comunicação e interação por meio de gestos assistemáti-
cos, que verificamos no contato com os seus pais e na hora
do banho. Os movimentos tornam-se mais visíveis a partir do
terceiro mês de vida, e, como já estudamos, são direciona-
dos pela emoção, porém, ainda se mostram timidamente na
maioria dos casos. Aos 6 meses as transformações são mais
significativas, e a criança já domina um repertório variado
que lhe permite a comunicação das necessidades por meio
das expressões de prazer e/ou desconforto. Esse estágio tem,
como elemento funcional, a afetividade, que permite à crian-
ça trocas e interações com o meio. As suas manifestações
emocionais são contrastantes com a sua inaptidão para agir
e intervir diretamente sobre a realidade.

2. O estágio sensório-motor e projetivo – O início des-


se estágio ocorre geralmente a partir do primeiro ano de
vida. Observam-se os primeiros movimentos sincrônicos
entre a mão que se eleva para alcançar algo e o olhar. A
comunicação torna-se mais eficiente. A criança adquire
a marcha e a linguagem, modificando o seu comporta-
mento e equilíbrio. Os objetos já podem ser alcançados,
transportados, manipulados e até modificados. Objetos
são empilhados, jogados e experimenta-se uma autono-
mia nos movimentos, podendo-se ir e vir, subir, descer,

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114 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

empurrar e até correr. O seu grupo social é direcionado,


novas relações são estabelecidas e o seu interesse é dire-
cionado para a exploração sensório-motora do mundo à
sua volta. Galvão (2000, p.44) destaca que

o termo projetivo empregado para nomear o estágio


deve-se à característica do funcionamento mental
neste período, ainda nascente: o pensamento preci-
sa do auxílio dos gestos para se exteriorizar, o ato
mental projeta-se em atos motores.

Nesse estágio, o elemento funcional predominante são as


relações cognitivas.

3. O estágio do personalismo – A liberdade de movimen-


tos adquirida no estágio anterior permite não só a ex-
ploração do mundo à sua volta, mas também a vivência
das suas limitações e impossibilidades. Por volta dos três
anos, a criança enfrenta o que Wallon denomina a crise de
oposição, ao mesmo tempo em que a ampliação do seu
mundo social desenvolve a sua capacidade de observação
e imitação. Outros aspectos da cognição destacam-se. A
criança é capaz de discriminar objetos, selecioná-los, or-
ganizá-los utilizando as categorias de forma, cor, tama-
nho, textura etc. É nessa etapa do seu desenvolvimento
que se torna mais sociável e demonstra prazer em agra-
dar e ser o centro das atenções. Seus gracejos, gestos e
palavras fazem a alegria de todo o seu contexto familiar,
e ela preocupa-se, como destaca Wallon, em perceber o
que pode ser e parecer, construindo a sua imagem, que
envolve uma idade, um nome ou um apelido, um lugar
que ocupa no espaço familiar, o que indica o seu proces-
so de formação da personalidade. A sua capacidade de
concentração também aumenta, podendo permanecer por

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 115

espaços maiores de tempo atenta a uma atividade ou a


qualquer outra coisa que seja do seu interesse, apegan-
do-se aos objetos que elege como seus, participando de
atividades grupais e desenvolvendo relações afetivas, que
se destacam como elemento funcional desse estágio que
se estende, geralmente, até os seis anos.

4. O estágio categorial – Período da idade escolar, que se


estende dos sete aos 12 anos, direcionando os interesses
para o mundo exterior, em um processo lento, às vezes
difícil, e marcado por crises que, quando bem acompa-
nhadas, funcionam como um elemento dinamogênico.
Etapa, em nossa cultura, da apropriação da leitura e da
escrita, que exigem da criança uma capacidade maior de
concentração e um direcionamento para atividades, que,
até então, não faziam parte do seu repertório. Diz Wallon
(1968, p. 230) que “a criança que aprende a ler perde de
repente os hábitos anteriormente adquiridos de manipula-
ções práticas e de investigações concretas: uma orientação
nova, pode, pois, suspender completamente a antiga”. As-
sim, continuando, diz o autor:

As tarefas impostas devem desligar mais ou menos


a criança dos seus interesses espontâneos; e, na
maior parte das vezes, não obtêm mais que um es-
forço constrangido, uma atenção artificial ou mes-
mo uma verdadeira sonolência intelectual. São, em
muitos casos, exercícios de utilidade a longo prazo
e que não é de modo algum patente para o execu-
tante. Por isso, pensou-se que era necessário apoiar
a sua atividade por meio de estimulantes acessó-
rios; este é o objetivo das recompensas e das puni-
ções, cuja fórmula essencial é ainda, para muitos, “o
torrão de açúcar ou o cacete”, quer dizer, um sim-
ples procedimento de adestramento de animais. (p.
230-231)

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116 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

Wallon teceu críticas ferozes ao sistema educacional fran-


cês, que, na sua perspectiva, exigia da criança uma mudan-
ça de comportamento arbitrária, sem conhecer e respeitar
o seu processo de desenvolvimento. A criança é obrigada
a submeter-se a um processo de aprendizagem, que, para
ele, correspondia a um adestramento, retirando dela, que
estava em formação, as condições para a construção da
sua autonomia em um período no qual se consolidam as
suas funções simbólicas, que ampliam a rede de catego-
rias, classificações e relações, permitem o desenvolvimen-
to da inteligência e direcionam para o interesse na pesqui-
sa e na investigação, o que caracteriza esse estágio com a
predominância da cognição. Para Wallon (1968, p.232):

O gosto que a criança toma pelas coisas pode-se ava-


liar pelo desejo e pelo poder que tem de as mane-
jar, de as modificar, de as transformar. Destruir ou
construir são as tarefas que ela se atribui a si própria
incessantemente. Assim, explora os pormenores das
coisas, as suas relações, as suas diversas origens.

5. O estágio da adolescência – É um período marcado pe-


los desequilíbrios provenientes dos fatores endógenos e
exógenos que “invadem” a vida da criança que vivencia a
puberdade. O comportamento modifica-se e as transfor-
mações físicas também estarão presentes na vida psíqui-
ca. Surgem as inquietações, os questionamentos, a busca
pela definição de sua personalidade, promovendo, então,
uma revisão dos valores morais e existenciais e verifica-
mos a predominância funcional da afetividade.

A sociedade ocidental valoriza essa etapa da vida, e


muitos psicólogos dedicam-se ao seu estudo específico.

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 117

Você vai estudar mais detalhadamente esta fase no próxi-


mo capítulo.

Durante a leitura dos estágios wallonianos, você deve ter


verificado que cada estágio corresponde à predominância
funcional de uma determinada característica. Diz Galvão
(2000, p. 45, grifo nosso):

O predomínio do caráter intelectual corresponde


às etapas em que a ênfase está na elaboração do
real e no conhecimento do mundo físico. A domi-
nância do caráter afetivo e, consequentemente, das
relações com o mundo humano, correspondem às
etapas que se prestam à construção do eu.

Além da predominância funcional, você deve ter verifi-


cado que, a cada etapa, ocorre uma alternância funcional,
ou seja, as atividades, os interesses modificam-se: ora a
criança está voltada para o seu mundo interior, ora ela
está voltada para o mundo exterior.

Este movimento alternado, característico das fases de desenvolvi-


mento, é, portanto, denominado de alternância funcional.

Porém, entendendo o desenvolvimento em uma perspecti-


va dialética, Wallon não exclui a possibilidade de observar
em um mesmo estágio de desenvolvimento a presença da
afetividade e da cognição; vamos lembrar que o sujeito é
entendido na sua integralidade. Esta interação constante
propicia um movimento de integração e diferenciação. Ve-
rifica-se, portanto, uma integração funcional, ou seja, o
desenvolvimento de determinadas funções que permane-
cem, modificam-se e integram-se auxiliando o desenvolvi-

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118 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

mento do seu humano, promovendo o que Wallon assinala


como um ritmo descontínuo do processo de desenvolvi-
mento, permitindo que cada um de nós aproprie-se das
suas características, da sua subjetividade.

Como você percebeu ao longo deste capítulo, as contribui-


ções de Wallon à compreensão do desenvolvimento hu-
mano e a sua preocupação com o processo educacional
norteiam toda a sua obra. Galvão destaca que:

Em suas ideias pedagógicas, Wallon propõe que a


escola reflita acerca de suas dimensões sócio-polí-
ticas e aproprie-se de seu papel no movimento de
transformação da sociedade. Propõe uma escola
engajada, inserida na sociedade e na cultura, e, ao
mesmo tempo, uma escola comprometida com o de-
senvolvimento dos indivíduos, numa prática que in-
tegre a dimensão social e a individual. (2000, p. 113)

Esta atitude proposta por Wallon, entre tantas experiências já


ocorridas, foi sugerida a uma determinada escola pública de São
Paulo, que ofereceu aos seus professores a oportunidade de co-
nhecer e discutir a teoria genética walloniana, e, a partir dela, re-
pensar a sua prática e buscar respostas e estratégias para o seu
trabalho pedagógico. Com a coordenação do pesquisador Edson
Sayeg, da PUC/SP, os professores, a partir da leitura de alguns
textos, identificaram alguns elementos presentes no dia a dia da
escola que poderiam ser repensados mediante a proposta wallo-
niana.

Antes de continuar esta leitura, procure lembrar-se do epi-


sódio escolar narrado por Machado de Assis e das figuras
do mestre Policarpo e dos seus alunos; seguramente, com
algumas pequenas alterações, não tão distantes da reali-
dade de muitas escolas brasileiras, e procure identificar

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 119

elementos da dinâmica escolar que você poderia modifi-


car com o auxílio das formulações wallonianas.

Lembrando que uma das preocupações de Wallon centra-


va-se na dicotomia existente na época — e ainda presente
no cenário educacional —, que se refere à relação entre
sociedade e indivíduo. Suas críticas aos modelos que ou
privilegiam os conteúdos — centrados na transmissão do
conhecimento — ou que enfatizam o interesse do aluno —
estimulando o individualismo e destinando ao professor
um papel secundário — apontam a necessidade de pensar
o papel político da educação e, nesse contexto, o lugar e a
ação do educador.

Nesse sentido, é preciso pensar na qualidade da educação


oferecida e na nossa responsabilidade enquanto educado-
res diante de uma realidade que ainda assinala índices sig-
nificativos de analfabetismo e evasão escolar.

A seletividade promovida pelo sistema escolar condena boa par-


te dos jovens a um ensino sem qualidade, o que inviabiliza o aces-
so às universidades e ao mundo do trabalho uma considerável
parcela de alunos brasileiros.

Wallon, na sua produção teórica, acentua e destaca o papel


da emoção, do movimento, da linguagem, do pensamento,
do atendimento às aptidões e às necessidades individuais
como relevante para o desenvolvimento do ser humano, e
deve ser atendido pela ação pedagógica.

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120 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

Enquanto você seleciona os seus elementos, vamos aos


destaques dos professores paulistas após a leitura e dis-
cussão dos textos:

• A importância do meio.
• A organização dos grupos.
• A diversificação das atividades.
• A necessidade da observação.
• O interesse do aluno.
• As relações entre os alunos e deles com o pro-
fessor.

• O autocontrole do professor nas situações de


conflito com os alunos.

• O papel do professor.
• As relações entre atitude, tônus, aprendizagem
e atenção.

Verifique os seus destaques.

Coincidem com os dos professores paulistas?


Você concorda com os elementos destacados?

O que se verifica é a riqueza de possibilidades e alternati-


vas que a proposta walloniana oferece aos educadores e à
própria escola.

A escola não pode esquecer e ignorar a heterogeneidade


da sua clientela, que envolve interesses e necessidades
distintas que se modificam a cada momento, a cada etapa

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 121

do seu desenvolvimento. O não reconhecimento dessa sin-


gularidade, em muitas situações, é denunciada pela falta
de interesse do aluno, pelos baixos índices de rendimento
escolar, pelas reações agressivas e pela própria falta de
entusiasmo do professor. Para Galvão (2000, p. 97):

Ao fornecer informações e explicações acerca das ca-


racterísticas da atividade da criança nas várias fases
do seu desenvolvimento a psicologia genética cons-
titui-se numa valiosa ferramenta para a educação.
Possibilita uma maior adequação dos objetivos e mé-
todos pedagógicos às possibilidades e necessidades
infantis, favorecendo uma prática de melhor qualida-
de, tanto em seus resultados como em seu processo.

Esperamos que você tenha aprendido e aproveitado este capítulo


integrando a produção walloniana à sua formação docente. Es-
tamos chegando quase ao final da nossa disciplina, e estaremos
juntos no último capítulo, que discute o desenvolvimento do ser
humano em uma perspectiva dinâmica e permanente.

Saiba mais: biografia de Henri Wallon.

1879 – em 15 de junho, nasce Wallon em Paris, França; ali perma-


necendo até 01 de dezembro de 1962, quando falece. Membro de
uma família de tradição universitária e republicana, foi criado em
uma atmosfera humanista. Estuda Medicina e Filosofia. Seu avô,
Henri-Alexandre Wallon, historiador, político de oposição ao se-
gundo Império, deputado na Assembleia Constituinte, foi o autor
da emenda conhecida como “emenda Wallon”, que introduziu a
palavra República na Constituição de 1875. Wallon viveu um pe-
ríodo marcado por muita instabilidade social e turbulência polí-
tica. Passou pelas duas grandes Guerras Mundiais (1914–1919 e
1939–1945).

1899 – Inicia seus estudos na Escola Normal Superior.

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122 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

1902 – Aos 23 anos forma-se em Filosofia pela Escola Normal Su-


perior. Lecionou no ensino secundário, não concordando com os
métodos autoritários empregados.

1908 – Forma-se em Medicina.

1914 – No período da 1ª Grande Guerra Mundial atua como mé-


dico do exército francês, permanecendo vários meses no front de
combate. Quando retorna à Paris dedica-se ao atendimento dos
feridos de guerra e ao seu trabalho em Salpetrière. Momento pro-
fícuo, que o leva a rever algumas concepções neurológicas, de-
senvolvidas no seu atendimento a crianças portadoras de defici-
ências, por meio de atendimento de ex-combatentes com lesões
cerebrais.

O atendimento às crianças orienta o seu interesse pela psicologia


infantil. Os conhecimentos no campo da neurologia e da psicopa-
tologia contribuem para a elaboração da sua teoria psicológica.

1920–1937 – Leciona na Sorbonne – Universidade de Paris. Perío-


do marcado por várias conferências sobre a psicologia da criança
na Sorbonne e em outras instituições do ensino superior.

1925 – Funda o laboratório de pesquisa e atendimento clínico à


criança – Laboratório de Psicobiologia da Criança – que funciona
até hoje.
Publica sua tese de doutorado – A criança turbulenta.
Escreve ao longo de vida, diversos artigos sobre temas ligados à
educação: orientação profissional, adaptação escolar, formação
de professores, interação entre alunos.

1931 – Vai a Moscou para um congresso. Manifesta simpatia pela


Revolução Russa. Adere ao partido socialista, desligando-se em
seguida.
Atua como médico em hospitais psiquiátricos – Hospital de Bi-
cêtre, Hospital da Salpetrière – dedicando-se ao atendimento de
crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de compor-
tamento.

1932 – Integra o Círculo da Rússia Nova – grupo de intelectuais


que aprofundam o estudo do materialismo dialético.

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 123

Elabora o prefácio dos livros (2 volumes) elaborados pelos partici-


pantes do Círculo – A luz do marxismo.

1935 – Visita o Brasil e junto com Gilberto Freire, seu anfitrião,


conhece escolas e o morro da Mangueira.

Final dos anos 30 – participa de movimentos contra o fascismo


– contra a ditadura de Franco.

1937–1949 – Leciona no Colégio de França, ocupando a cadeira


de psicologia e educação da criança. Durante a ocupação alemã
interrompe a cátedra. Neste período da resistência envolveu-se
em discussões sobre a reforma do sistema de ensino francês.
Logo após a libertação é designado, pelo Conselho Nacional da
Resistência, como secretário-geral da educação nacional. Perma-
nece no cargo por apenas um mês, quando o governo do Mare-
chal De Gaulle nomeia um ministro para ocupar o cargo.

1937–1962 – Presidiu a Sociedade Francesa de Pedagogia.

1941–1944 – No período da 2ª Grande Guerra, com a ocupação


da França pelos alemães, atua na Resistência Francesa, vivendo
na clandestinidade. Neste período não interrompe suas pesqui-
sas, e chega a publicar o livro – Do ato ao pensamento.

1942 – Filia-se ao Partido Comunista. Assina o manifesto – “A car-


ta dos Dez” repudiando a invasão da Hungria. Demonstra gran-
de interesse pelas Artes, sendo amigo de artistas como Renoir,
Matisse e Sgnac. “De Marx ele ficou com o ideal de libertação e,
no plano científico, conservou do marxismo não o ensino de um
dogma e sim um método de análise.” (GALVAO, p. 20)

1944 – É convidado a integrar uma comissão nomeada pelo Mi-


nistério da Educação encarregada da reformulação do sistema de
ensino francês. Como seu presidente, a partir de 1946, coordena
os trabalhos da comissão na elaboração de um projeto de refor-
ma do ensino – O plano Langevin-Wallon.

1945 – Publica o seu último livro – Origens do pensamento na


criança.

1946-1962 – Presidiu o grupo francês de Educação Nova.

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124 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

1948 – Lança a revista Enfance, publicando artigos sobre pesqui-


sas individuais e com colaboradores.

Wallon investigou o desenvolvimento infantil e suas inte-


rações com a ação pedagógica-educacional.

Ele considera a escola um lugar privilegiado para estudar


e conhecer a criança.

Durante muito tempo, seu interesse foi voltado para crian-


ças com deficiência mental.

Wallon entende o desenvolvimento e a aprendizagem em


uma perspectiva dialética e humanista (aspectos afetivo,
cognitivo e motor e as relações entre as crianças e seu
meio).
Investiga a gênese dos processos psíquicos da criança.

Ele busca compreender o sujeito em suas sucessivas trans-


formações.

O ser humano é sempre entendido em sua globalidade


(campos funcionais).

O estudo do desenvolvimento humano só é possível con-


textualizado, envolvendo as relações do sujeito com o seu
ambiente.

O pesquisador utiliza o método da observação para ve-


rificar e acompanhar as atividades desenvolvidas pelas

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 125

crianças em diversos contextos, para identificar o seu sig-


nificado.

O professor deve, por meio da observação, recolher dados


sobre a história da criança, suas relações com o meio so-
cial para compreender um determinado comportamento.

Ele adota o materialismo dialético como método de aná-


lise.

O homem aprende a enfrentar uma realidade dinâmica e


contraditória que constitui seu psiquismo e seu desenvol-
vimento.

Wallon estuda o desenvolvimento humano por meio de


etapas únicas e diferenciadas.

A criança (um ser ativo) interage com o meio e apresenta


a cada etapa uma maneira particular de interação (princí-
pios funcionais).

No início do desenvolvimento e por toda a nossa existên-


cia, comunicamo-nos com o mundo mediante o diálogo
tônico ou motricidade emocional.

A emoção é um sinalizador das relações sociais, envolven-


do afetos e promovendo tanto vínculos afetivos efêmeros
como duradouros.

As etapas do desenvolvimento são influenciadas pelos fa-


tores sociais e pelos fatores orgânicos, com ritmo variável
em função das interações.

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126 Abordagens contemporâneas da Psicologia do Desenvolvimento - Parte II

Um evento desequilibrador pode ter origem endógena ou


exógena, que funcionam como alavancadores do processo
de desenvolvimento e transformação do sujeito.
Wallon considera cinco etapas do desenvolvimento:

1o Estágio: impulsivo-emocional.
2o Estágio: sensório-motor e projetivo.
3o Estágio: do personalismo.
4o Estágio: categorial.
5o Estágio: da adolescência.

Cada estágio corresponde à predominância funcional de


determinada característica, além de uma alternância fun-
cional, não excluindo a possibilidade de serem observa-
das, em mesmo estágio, a presença da afetividade e da
cognição (integração funcional).

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As etapas do desenvolvimento e as contribuições à prática escolar 127

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. 50 contos de Machado de Assis. São


Paulo: Companhia das Letras, 2007.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do de-


senvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 2000.

MACHADO DE VASCONCELLOS, V. M. R. de; VALSINER, J.


Perspectiva co-construtivista na psicologia e na educa-
ção. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

SAYEG, Edson. Formação continuada de professores: di-


reções sugeridas pelas respostas de professores do ensino
fundamental após o estudo de conceitos e princípios da
teoria de desenvolvimento de H. Wallon. [S.l]: [s.n]Dispo-
nível em: <www.psicolatina.org/cuatro/formaçao.html>.
Acesso em: 29 jul. 2012.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Pau-


lo: Martins Fontes, 1968.

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128

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Adolescência: conceito e características 129

CAPÍTULO 4
OS PROCESSOS DE
DESENVOLVIMENTO DO
ADOLESCENTE E SUA
TRANSIÇÃO PARA O MUNDO DO
ADULTO

Estamos concluindo o nosso trabalho juntos. O tempo


passou rápido e esperamos que você tenha alcançado, à
sua maneira, o conhecimento e o aprendizado idealizados
para este tema.

Ao chegarmos a este capítulo, o cenário já se encontra


diferente. Agora, estamos conversando com você, que
já possui certo conhecimento sobre a Psicologia do De-
senvolvimento, e assim podemos, juntos, concordar, dis-
cordar, acrescentar, questionar de uma perspectiva mais
abrangente. Afinal, ao longo do assunto, fomos construin-
do significados sobre as informações recebidas, e elas,
certamente, irão auxiliar-nos na leitura e na compreensão
deste último capítulo.

Convidamos você, então, a buscar na memória, nas lem-


branças e — por que não? — nos fatos do nosso cotidiano
as manifestações e os relatos desse período fascinante da

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130 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

espécie humana que conhecemos como adolescência. Indo


um pouco mais à frente, vamos relacioná-la à etapa se-
guinte, à fase adulta que, como verificamos, está atrelada
a uma história, uma história singular e, ao mesmo tempo,
plural, por que se refere à história do desenvolvimento
humano.

Parafraseando o nosso poeta Chico Buarque: “Não se


afobe não, que nada é pra já”. Temos, ainda, caminhos a
percorrer...

Concluindo, a nossa disciplina. Vamos, agora, estudar, em


uma perspectiva do ciclo vital, a adolescência e sua transi-
ção para o mundo adulto.

Relembrando...

Ao longo das unidades anteriores fomos verificando e aprenden-


do sobre a história do desenvolvimento humano na perspectiva
da Psicologia do Desenvolvimento. De mãos dadas com Madame
Bovary, visitamos sua filhinha e deparamo-nos com a invenção da
infância e da própria organização familiar tal qual hoje conhece-
mos. Demos mais alguns passos e, junto com Freud, verificamos
que, “quando o adulto balança”, a história da criança vem “nos dar
a mão” na compreensão do nosso processo de desenvolvimento
e estruturação da nossa personalidade. “Caminhando, ainda, um
pouco mais” na companhia de Henri Wallon, entendemos o de-
senvolvimento e a aprendizagem em uma perspectiva dialética
e humanista, envolvendo os aspectos afetivo, cognitivo e motor
presentes nas relações estabelecidas entre o sujeito e seu am-
biente.

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Adolescência: conceito e características 131

ADOLESCÊNCIA: CONCEITO E
CARACTERÍSTICAS

Esperamos que você aprenda a conceituar e caracterizar a


adolescência.

Iremos iniciar nosso estudo sobre a adolescência na com-


panhia de um velho conhecido, muitas vezes mal compre-
endido pelos jovens, que, na infância e na adolescência,
consideravam-no um autor difícil. Estamos novamente
nos referindo a Machado de Assis, que nos oferece mais
um dos seus belos contos. Neste, o escritor, com a sua
sensibilidade, compara o sentimento confuso, vago e in-
quieto de um jovem adolescente de 15 anos de idade a
“alguma coisa que deve sentir a planta, quando abotoa a
primeira flor.” O conto chama-se Uns Braços.

Convidamos você à leitura deste magistral relato de um


instante fugaz da adolescência do nosso Inácio.

Como você deverá verificar, o conto aponta de maneira


extremamente delicada o conflito, o sofrimento de Inácio
para assumir a sua nova identidade, as novas exigências
do mundo do trabalho, como também o seu recolhimento
ao mundo do sonho e da fantasia e a luta com um corpo
que deseja.

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132 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

Uns braços

[...] Tinha quinze anos feitos e benfeitos. Cabeça inculta, mas


bela, olhos de rapaz que sonha que adivinha que indaga que
quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre
um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai
barbeiro na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que
quer que era, do solicitador Borges, com esperança de vê-lo no
foro, porque lhe parecia que os procuradores de causas ganha-
vam muito. Passava-se isto na rua da Lapa, em 1870 [...].

Inácio demorou o café o mais que pôde. Entre um e outro gole,


alisava a toalha, arrancava dos dedos pedacinhos de pele imagi-
nários, ou passava os olhos pelos quadros da sala de jantar [...]
A única defesa do moço Inácio é que ele não via nem um nem
outro; passava os olhos por ali como por nada. Via só os braços
de D. Severina, – ou porque sorrateiramente olhasse para eles,
ou porque andasse com eles impressos na memória.

– Homem, você não acaba mais? Bradou de repente o solicitador.

Não havia remédio; Inácio bebeu a última gota, já fria, e retirou-


-se, como de costume, para o seu quarto, nos fundos da casa.
Entrando, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois en-
costar-se a uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco
minutos depois, a vista das águas próximas e das montanhas ao
longe restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe
doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a planta, quando
abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar. [...]

– Deixe estar, – pensou ele e, – um dia fujo daqui e não volto mais.

Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Se-


verina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação
que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente, parece
até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco
a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi
descobrindo, mirando e amando. No fim de três semanas eram
eles, moralmente falando, as suas tendas de repouso. Aguenta-
va toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da solidão e do
silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três
vezes por dia, o famoso par de braços. [...]

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Adolescência: conceito e características 133

A agitação de Inácio ia crescendo, sem que ele pudesse acal-


mar-se nem entender-se. Não estava bem em parte nenhuma.
Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua, trocava de
esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e não via mu-
lher, ao longe ou ao perto, que lha não trouxesse à memória. Ao
entrar no corredor da casa, voltando do trabalho, sentia sempre
algum alvoroço, às vezes grande, quando dava com ela no topo
da escada, olhando através das grades de pau de canela, como
tendo acudido a ver quem era. [...]

Não reparou que D. Severina tinha um xale que lhe cobria os bra-
ços; reparou depois, na segunda-feira, e na terça-feira, também,
e até sábado, que foi o dia em que Borges mandou dizer ao pai
que não podia ficar com ele; e não o fez zangado, porque o tra-
tou relativamente bem e ainda lhe disse à saída:

– Quando precisar de mim para alguma coisa, procure-me.

– Sim, senhor. A Sra. D. Severina...

– Está lá para o quarto, com muita dor de cabeça. Venha amanhã


ou depois despedir-se dela.

Inácio saiu sem entender nada. [...] Não importa; levava consigo
o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores,
mais efetivos e longos, nenhuma sensação achou nunca igual à
daquele domingo, na rua da Lapa, quando ele tinha quinze anos.
[...]

Esperamos que você tenha saboreado os pequenos trechos do


conto machadiano e, logo que puder, não deixe de conhecer
toda a história de Inácio.

Essas características relatadas por Machado de Assis fa-


zem parte da conceituação da adolescência, que se iniciou
no século XVIII, com a divisão das crianças e jovens por

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134 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

faixas etárias e sua separação do mundo dos adultos. Ca-


bia, nessa época, aos colégios religiosos a responsabilida-
de pela educação de crianças e jovens enfatizando uma
severa disciplina que incluía castigos corporais. No século
seguinte, a adolescência passa a ser percebida como um
período de crise sobre a qual reproducirá, principalmente
na área médica, um conhecimento específico que possa
ajudar os jovens a manterem-se calmos e disciplinados.
Período considerado de turbulência, o comportamento e
a sexualidade dos jovens são vigiados e controlados. O
século XX é marcado, como já sabemos, por muitas mu-
danças e transformações sociais, irá favorecendo manifes-
tações promovidas em várias culturas e sociedades por jo-
vens, que questionam a educação recebida tanto dos pais
quanto das escolas.

Para Françoise Dolto (1990), a adolescência é uma fase de


mutação. O jovem apresenta-se frágil e sensível a todas
as mudanças que ocorrem à sua volta. Tanto no contexto
familiar como no contexto social. Diz ela:

Para melhor entendermos o que é a privação, a fra-


gilidade do adolescente tomemos o exemplo dos
lagostins e das lagostas quando perdem sua casca:
nessa época, eles se escondem sob os rochedos, o
tempo suficiente para segregarem uma nova casca,
para readquirirem suas defesas. Mas se, enquanto
estão vulneráveis forem golpeados, ficarão feridos
para sempre, sua carapaça recobrirá as cicatrizes,
jamais se apagará. (1990, p.19)

Se não podemos negar as visíveis transformações físicas


dessa etapa do nosso desenvolvimento e de como ficamos
sensíveis a elas, o mesmo não podemos afirmar sobre os
estereótipos de uma adolescência marcada por violência,

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Adolescência: conceito e características 135

agressividade e irresponsabilidade. As pesquisas realiza-


das assinalam a diversidade de comportamento apresen-
tada pelos jovens em várias sociedades e grupos culturais,
o que nos faz admitir a vivência da adolescência de ma-
neira diferente em várias culturas, constituindo-se, dessa
forma, uma representação social inerente ao grupo social
e cultural no qual o adolescente encontra-se inserido.

Estudos sobre a adolescência realizados no século XX por Mar-


garet Mead em Samoa, na Oceania, assinalaram que os jovens
desse grupo cultural não apresentavam nenhum sinal especial
de sofrimento, tormenta ou dificuldade diante das transforma-
ções fisiológicas que marcam esse período. Meninos e meninas
eram iniciados na vida adulta levando-se em consideração as
suas possibilidades para assumir responsabilidades. Mead tam-
bém verificou a importância dada pelos adultos à gerência dos
conflitos, proporcionando oportunidade do diálogo na resolu-
ção dos problemas.

O que se verifica é que, ao longo do tempo, ritos de pas-


sagem foram construídos e modificados para facilitar ao
jovem e à sociedade formas de demarcar esse momento: o
início e o fim. Assim, quando a sociedade não apresenta de
forma clara esses ritos, observa-se certa confusão e inse-
gurança por parte dos jovens sobre aquilo que consideram
que a sociedade espera deles. Sílvio Tubert destaca que:

Quando um grupo humano não regula claramente


este momento de passagem ou transição, quando
fracassa na tarefa de preparar emocionalmente e in-
telectualmente seus membros para assumir funções
adultas, pode-se observar que surgem formas equi-
valentes aos ritos de iniciação, geradas pela estrutu-
ra grupal adolescente. (Congresso internacional de
Psicanálise, 1999, p. 49)

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136 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

É neste período que, Para o autor, os ritos de passagem, com seu cerimonial,
para Freud, como
oferecem ao jovem a oportunidade de vivenciar simbolica-
você já estudou,
instala-se a fase mente a morte e a ressurreição. Permite o luto, a ruptura
genital, e a busca
com o corpo infantil e com a sua infância, como também o
pela identidade
reestabelece-se em início de uma nova fase, um renascer com muitas outras
movimentos instáveis possibilidades. A identidade pode modificar-se e transfor-
e de pequena
duração. mar-se ao sabor dos acontecimentos do grupo, da família
e da própria sociedade.

Como você deve estar lembrado(a), a crise edípica – que se


instala opondo o garoto apaixonado por sua mãe e o pai
que admira e teme – se ameniza retornando após o perío-
do de latência. Veja quanta coisa você já conhece!

É no início da adolescência que esses sentimentos retor-


nam, porém, direcionados para outro objeto, para outra
pessoa. O amor pela mãe e pelo pai sobrevive idealizado
e marcado pela lei que o pai representa e que se refere
a uma lei universal; a lei do incesto, da qual o pai é o
guardião e modelo. Com a lei internalizada, o jovem pode,
agora, ir à busca dos seus amores, nem sempre de tão fácil
escolha. Nesse percurso, será auxiliado por todos os inte-
grantes do seu grupo social, empenhados em uma escolha
definitiva, que pode ou não corresponder ao seu desejo.
Isso se refere não só à sua escolha sexual, mas também à
profissional, às suas amizades etc.

Essa busca desenfreada gera sofrimento, e é comum os jo-


vens apresentarem um comportamento antissocial. Evitam
o contato, recolheram-se (como os lagostins e as lagostas
de Dolto) aos seus ninhos e buscam a companhia dos li-
vros, da televisão, do computador, dos games, procurando,
assim, fugir de uma realidade que, às vezes, apresenta-se

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Adolescência: conceito e características 137

de forma ameaçadora e com a qual não sabem, ainda, inte-


ragir. O mundo da fantasia permite ensaios do mundo real,
com a possibilidade de refazer, desligar-se e recomeçar.

Período longo, a adolescência estende-se na maioria das


culturas ocidentais, até a entrada na fase adulta. Em nos-
so país, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(acesse o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA no
endereço: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L8069.htm>), delimita esse período entre os 12 e 18 anos
de idade, podendo, em casos especiais, estender-se até
os 21 anos de idade. Verifica-se, no entanto, em algumas
classes sociais, o alongamento desse período até o térmi-
no da formação acadêmica, que pode prolongar-se até os
30 anos de idade, devido ao doutorado ou ao pós-douto-
rado, permanecendo, assim o jovem no convívio familiar,
dependendo financeiramente dos pais. Em contrapartida,
em outras classes sociais, a necessidade de contribuir com
o sustento e a manutenção do grupo familiar encaminha
muitos jovens precocemente ao mundo do trabalho, an-
tes mesmo de completarem 18 anos de idade. Todavia, o
ECA, em seu Capítulo V, assegura, a partir dos 14 anos de
idade, os direitos trabalhistas e previdenciários ao adoles-
cente aprendiz.

Acompanhada por significativas transformações físicas,


cognitivas, afetivas e sociais, a adolescência é considerada
um período psicossociológico que se prolonga por vários
anos, caracterizado pela passagem da infância à idade
adulta. O seu início é conhecido por um período denomi-
nado puberdade, caracterizado por um processo de trans-
formações físicas que acompanham a maturação sexual e
que é universal; ou seja, trata-se de um fenômeno presen-

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138 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

te em todos os membros da nossa espécie, como fato bio-


lógico que nos capacita para a reprodução. O corpo que se
altera de forma desordenada e desproporcional provoca,
geralmente, certo desconforto e a necessidade de um pe-
ríodo de adaptação. As mudanças envolvem os caracteres
sexuais primários e secundários. Em Papalia, encontramos
a seguinte informação:

Os caracteres sexuais primários são alterações bio-


lógicas que envolvem diretamente os órgãos neces-
sários à reprodução. Na menina, esses órgãos são
os ovários, tuba uterina, útero e vagina; no menino
são os testículos, pênis, saco escrotal, vesículas se-
minais e próstata.
Os caracteres sexuais secundários são os sinais fi-
siológicos da maturação sexual que não envolvem
diretamente os órgãos sexuais: por exemplo, os
seios das meninas e os ombros largos dos meninos.
Outros caracteres sexuais secundários são as altera-
ções na voz e na textura da pele, o desenvolvimento
muscular e o crescimento de pelos púbicos, faciais,
axilares e corporais. (2010, p. 400-401)

Os primeiros sinais de maturidade sexual caracterizam-se


no adolescente pela produção de esperma. A primeira eja-
culação, resultado de uma polução noturna, ocorre, geral-
mente, por volta dos 13 anos de idade e está associada a
sonhos eróticos. Na adolescente, a primeira menstruação
— menarca — costuma ocorrer por volta dos 12 anos de
idade, sendo esperadas variações para mais ou menos na
idade. Alguns autores relacionam a ocorrência da menarca
a fatores hereditários, ambientais e emocionais. Ao final da
puberdade, os corpos masculinos e femininos encontram-
-se diferenciados em função de todas as transformações
físicas desencadeadas por uma série de mecanismos hor-
monais, garantindo que a sequência do calendário matura-
cional ocorra de maneira similar nos diferentes indivíduos.

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Adolescência: conceito e características 139

O que se percebe, no entanto, é a importância da reação


dos membros do contexto familiar diante desses episó-
dios, favorecendo ou dificultando a entrada dos jovens
nesse novo momento de suas vidas.

Erikson (1976) considera esse período que antecede a


entrada no mundo adulto como uma etapa de transição
denominada por ele de moratória social. Assim, o gru-
po social ofereceria aos seus membros mais jovens — os
adolescentes — um tempo necessário para que se prepa-
rassem para exercer os seus papéis de adultos. A forma
como os adolescentes viveciam essa moratória social e
preparam-se para a vida adulta pode ser afetada por um
conjunto de fatores que, como você já sabe pela leitura
dos capítulos anteriores, estariam relacionados à história
evolutiva anterior à adolescência, às relações com os adul-
tos e com os seus iguais, e com o êxito ou fracasso escolar.

Dentre os fatores que podem contribuir com esse período


de transição, destacamos o conflito que se estabelece nas
relações familiares no momento em que a criança chega
à adolescência e pode deparar-se com pais atravessando
momentos de crises — tão comuns no mundo adulto —
relacionadas aos seus afetos, às escolhas profissionais e à
própria identidade. A vivência da crise impede ou mesmo
inviabiliza, em determinados momentos, o diálogo, a dis-
ponibilidade para ouvir e atender à demanda adolescente,
ocasionando ou acentuando atitudes autoritárias diante
de situações que não são suportadas pelo grupo familiar.

Assim, cada conflito vivenciado pelo adolescente fará com


que os pais retomem o mesmo conflito vivido quando ado-
lescentes. O conflito é vivido a dois. Rappaport comenta que:

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140 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

Os pais seguros de suas opções profissional, sexu-


al e ideológica sentir-se-ão menos ameaçados pelos
caminhos que seus filhos tomarem, porque é a se-
gurança do que somos e a coerência de nossas esco-
lhas que nos permitem aceitar o que o outro é, e a
escolha que faz. (1982, p. 14)

No enfrentamento desse período de transformações, os


adolescentes apresentam comportamentos às vezes con-
siderados patológicos pelos adultos, que parecem “esque-
cer” a sua própria passagem pela adolescência.

Assim, segundo Rappaport (1986,p.37–45), as característi-


cas dessa síndrome envolvem:

a) A busca por si mesmo e por sua identidade


Como característica desse processo, o adolescente pode
adotar diferentes identidades, as qual elas podem ser:

• transitórias: modelos de conduta vividos em fun-


ção de uma aquisição: a sedução que a menina assu-
me quando se julga mulher.

• ocasionais: modelo referente à vivência de situ-


ações novas que exigem condutas diferenciadas: a
postura que o adolescente assume no primeiro baile.

• circunstanciais: conduta que assume em função


do grupo ao qual está ligado: a agressividade na es-
cola.

As várias identidades tanto se alternam como coexistem


no mesmo período, refletindo a luta para assumir novos
papéis e o luto pela perda da infância. O adolescente, en-
tão, escolhe entre retomar modelos perdidos no passado

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Adolescência: conceito e características 141

e experimentar modelos virtuais. É da experimentação dos


modelos virtuais que ele progressivamente se apresentará
como adulto. Portanto, experimentar vários modelos de
identidade nesse momento não é patologia, mas, sim, lu-
tar pela construção da normalidade. O adolescente preco-
cemente definido seria patológico. Estaria dentro de iden-
tificações e defesas rígidas que não permitiriam a busca
da verdadeira identidade.

b) A tendência grupal
O grupo serve como um processo defensivo que ajuda o
adolescente a configurar-se. A uniformidade que o gru-
po traz atualiza a segurança de saber quem é. Ocorre um
processo de superidentificação maciça, em que todos se
identificam com cada um. Essa organização, além de es-
tar a serviço da segurança emocional, também oferece a
possibilidade de identificar-se com promessas mágicas de
valor e continuidade.

A dependência do grupo é, na verdade, a transferência de


parte da dependência familiar para o grupo, o que é uma
etapa intermediária para a independência. Ou seja, o gru-
po ajuda o adolescente a sair de casa, ajudando também,
a vivenciar, na prática, o exercício do bem e do mal. O
adolescente solitário, tão comportado, entra em atuações
destrutivas quando está em grupo. Se esses episódios se
prolongassem, haveria o estabelecimento de comporta-
mentos ou modelos psicopáticos, mas a característica que
os torna normais para a adolescência é a sua brevidade.
Os grupos ajudam o adolescente a defrontar-se com suas
Fato corriqueiro entre os jovens que se vestem, por exemplo, de
fantasias destrutivas
preto e utilizam para, embem
um vocabulário seguida, poder dominá-las.
peculiar.

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142 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

c) Necessidade de intelectualizar e fantasiar


O ponto central do processo psicodinâmico que leva o
adolescente a intelectualizar e fantasiar é a luta que trava
contra a perda do corpo da infância, as regras que orga-
nizavam esse período e as vivências infantis com os pais.
Ele perde o modelo de proteção e a onipotência infantil,
como também perde a bissexualidade da identidade infan-
til. Perde o que era e ainda não pode construir o que será.
Só o que pode fazer é fantasiar. Não é o mundo que ele
quer reconstruir ou salvar, mas é a si que deseja construir
e estabilizar. Encontramos aqui a atitude de recolhimento,
a necessidade de isolamento para alguns e outros o inte-
resse por assuntos filosóficos e discussões intelectualiza-
das, para outros, por exemplo, com relação a um filme que
assistiu ou a um determinado fato político etc.

d) Crises religiosas
É normal para o adolescente oscilar entre posições reli-
giosas ou místicas bastante acentuadas, em períodos nos
quais há um posicionamento ateísta absoluto. O adoles-
cente começa a enfrentar a separação definitiva dos pais
e também a possível morte dos mesmos. Assim, toda a
segurança que era dada pela imagem dos pais durante a
infância fica perdida, e, dessa forma, o adolescente pode
chegar a ter muita necessidade de fazer identificações pro-
jetivas com figuras muito idealizadas. Deus, seja qual for o
modelo que assuma, é substituto paterno nas relações de
proteção e segurança. Porém, nos momentos de segurança,
ele pode questionar os pais e a fé como uma postura inicial
de preservação de seu lugar. Tanto os momentos místicos
como os de negação da fé são oscilações normais, uma vez

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Adolescência: conceito e características 143

que simbolizam os embates domésticos travados pela in-


dependência.

Observa-se nesse período interesse e participação de grupos jo-


vens em congregações religiosas e em seitas místicas.

e) Desestruturação temporal
A elaboração do tempo é uma das mais importantes aqui-
sições elaboradas na adolescência. Está no centro da ela-
boração dos lutos típicos do período. O adolescente en-
contra-se entre a elaboração das perdas da infância, do
corpo infantil, da dependência parental, e as perspectivas
ainda incertas da construção futura, entre as quais estão
as angústias da morte dos pais e da própria morte.

O adolescente imobiliza o tempo, reduzindo ao presente


o passado e o futuro, tentando preservar as conquistas
passadas e apaziguar as angústias vinculadas ao futuro.
O tempo vivencial, em oposição ao cronológico, torna-se
dominante. O pensamento temporal assume característi-
cas típicas do processo primário, uma vez que está mais
centralizado no desejo do que na realidade. Para Knobel,
o adolescente pode reconhecer um passado e formular
projetos de futuros, com capacidade de espera e elabora-
É comum
ção observarsuperando
no presente, o adolescente aflito sem
grande saber
parte como irá a umada
problemática
festa no final
adolescência. do mês e não demonstrar nenhuma preocupação
com a prova da escola que irá acontecer no dia seguinte e para a
qual irá preparar-se algumas horas antes.

f) A evolução sexual

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144 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

A organização da sexualidade adolescente é uma retoma-


da evolutiva das etapas sexuais anteriores, notadamente o
complexo de Édipo clássico da fase fálica. A evolução se-
xual será organizada por meio da retomada das angústias
passadas para buscar agora uma solução genital definiti-
va. Portanto, alguns momentos de vivência esquizopara-
noide estarão presentes na sexualidade dos adolescentes.
O temor ligado ao ato sexual poderá surgir. Porém, os ge-
nitais serão progressivamente liberados destas angústias
primitivas e integrados à imagem corporal. A masturba-
ção tem importante finalidade, permitindo um orgasmo
inicialmente com características bissexuais e infantis. Ou
seja, como os dois órgãos, masculino e feminino, estão
configurados pelo mesmo indivíduo, a fantasia de bisse-
xualidade (e de onipotência) ainda persiste, até que, por
meio da superação das angústias, da integração genital e
da aceitação do próprio sexo, o indivíduo poderá voltar-se
para a escolha da sua identidade sexual adulta.

Os comportamentos exploratórios, na tentativa de superação-ma-


nutenção da bissexualidade, envolvem eventuais episódios ho-
mossexuais que, geralmente, são resolvidos ao longo do processo.

g) Atitude social reivindicatória


O adolescente funciona por projeções maciças. Portanto,
todos os conflitos de construção do corpo e da identidade
que ele está elaborando são elaborados por projeção nos
questionamentos sociais. O corpo que o angustia é traba-
lhado na ordem social, sentido como incerto e assustador.

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Adolescência: conceito e características 145

A microssociedade do adolescente é ainda seu grupo fami-


liar. A ambivalência dual, ou seja, a vivência dos conflitos de
escolha ressonando nas relações pais-filhos criará um cam-
po de batalha doméstico, no qual cada um tenderá a aferrar-
-se em suas próprias posições, tentando impô-las ao outro.
Esses combates, deslocados para a relação com a sociedade,
apoiados pela radicalização de postura que caracteriza o
momento, levarão o adolescente a ver somente os pontos
de vista, a lutar para impô-los e a fantasiar-se de guerrei-
ro da reconstrução e da normatização social. Guerreiro que
trava suas inconscientes batalhas internas, desenhando-as
nas telas da ordem social. Seu superego, rígido e de certa
forma cruel nas lutas que trava contra os valores parciais de
infância ­— notadamente na luta contra o incesto que é reto-
mada — projeta-se também numa estrutura social sentida
como cruel e restritiva. Sofre-se a perda da proteção do que
definimos sob o rótulo “pais da infância”, e o adolescen-
te projetivamente que a sociedade forneça-lhes as mesmas
proteções e cuidados que recebera em casa quando criança.

Ao conseguir elaborar bem suas perdas referentes a deixar


o rol da infância e buscar a reconstrução no rol de adultos,
o adolescente poderá ingressar na vivência de fracassos
e conquistas reais, condições básicas para sua adaptação
ao grupo social, sem perder as energias motivadoras para
a permanente reconstrução de uma ordem social melhor.

Esse é um momento importante na vida do adolescente, que deve


ser aproveitado pela escola e pelo professor para estimula-lo a
participar de projetos sociais. “Geralmente a resposta oferecida
pelo adolescente é muito positiva, e ele participa com entusias-
mo, sentindo-se útil e capaz de ‘mudar o mundo”.

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146 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

h) Separação progressiva dos pais


O grau de angústia que o adolescente apresentará na pro-
gressiva saída de casa está relacionado ao montante de
angústia vivenciado na elaboração da fase genital prévia.
Se a figura dos pais está bem definida e se a imagem do
relacionamento homem-mulher é amorosa e gratificante,
a evolução da sexualidade, a busca do parceiro e a entrada
no rol adulto serão facilitadas. Frequentemente, a exacer-
bação do conflito também será indicativa da fixação do
adolescente em angústias anteriores, como a não resolu-
ção, em si, dos próprios conflitos dos pais. Pais que não
resolveram seus próprios conflitos, em geral, negarão o
crescimento dos filhos, passando a viver com acentuadas
características persecutórias. A progressiva separação dos
pais será intermediada pela ligação a ídolos idealizados,
em geral, artistas, atletas e outros heróis valorizados pela
cultura específica.

É comum, nesse período, por exemplo, pertencer ao fã-clube de


determinado artista.

i) Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo


O adolescente está sujeito a “microcrises maníaco-depres-
sivas”. Os estados de luto e depressão são típicos da ela-
boração da adolescência. A defesa contra a depressão é a
organização maníaca. O adolescente, dentro da labilidade
emocional dessa etapa, alternará momentos de recolhi-
mento quase que autistas com fantasias mágicas de ale-
gria e realização. Por exemplo, a adolescente é capaz de
chorar desesperadamente porque o corte de cabelo não a
agradou, mas, logo em seguida, atender ao telefonema de

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Adolescência: conceito e características 147

uma amiga e ficar longos momentos conversando anima-


damente.

Talvez ajude associar os elementos teóricos a situações práticas


do dia a dia. Assim, você pode buscar na sua memória dados re-
ferentes ao período da sua adolescência. Lembrou-se de algum
fato importante? Consegue relacioná-lo a alguns dos assuntos
estudados neste capítulo? Lembre-se de que você não está so-
zinho diante da dúvida, pergunte, participe dos fóruns. Alguns
dos conceitos e temas trabalhados, certamente, fazem parte da
sua história; outros farão parte da história dos seus alunos. Desse
modo, acreditamos que você, ciente do que está acontecendo,
poderá lidar com tais manifestações de uma maneira mais segu-
ra e afetuosa. Afinal, o seu lugar de professor é muito importante
para o desenvolvimento saudável dos seus alunos.

O conjunto de manifestações possíveis, que agora conhe-


cemos por síndrome da adolescência normal, acompa-
nha o adolescente na sua passagem para a fase adulta.
As oportunidades de interações sociais frequentes nos
grupos de referência, a influência dos meios de comunica-
ção, as dificuldades enfrentadas no diálogo com a família
e, e, algumas situações, com a própria escola podem ser
favoráveis na aquisição de comportamentos de risco que
preocupam pais, educadores e a sociedade.

Iremos abordar alguns desses comportamentos no próxi-


mo tópico.

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148 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

GRAVIDEZ, DROGAS E VIOLÊNCIA

Neste tópico, esperamos que você aprenda a relacionar os


principais momentos de crise na adolescência e suas con-
sequências.

Para iniciarmos este tópico, escolhemos um compositor


brasileiro que, conta-se, escreveu esta bela composição
musical quando recebeu a notícia de que sua filha ado-
lescente iria sair de casa. Estamos referindo-nos ao velho
Cartola e à música O mundo é um moinho. Talvez você já
tenha escutado.

Diz a letra:
“Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos”

Cartola soube, como poucos, expressar os sentimentos de


um pai diante de um filho que decide partir e enfrentar os
riscos que a vida oferece.

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Gravidez, drogas e violência 149

Assim como para a adolescente filha de Cartola, um mun-


do de possibilidades descortina-se para todos que chegam
à adolescência, período marcado por conquistas e pela di-
minuição da tutela familiar. Agora, junto com seus cole-
gas, o jovem pode ir aos espaços sociais sem a companhia
dos pais. Frequenta as festas, vai ao shopping, realizar pe-
quenas viagens, além da escola e do cinema, inicia-se no
mundo do trabalho. Enfim, aos poucos, vai conquistando
sua autonomia.

Pesquisas apontam que a integração em pequenos grupos


favorece a construção da identidade e, como vimos com
Knobel, isso faz parte da síndrome da adolescência nor-
mal. Porém, pode também proporcionar o confronto com
comportamentos, hábitos e atitudes que, até então, não
faziam partes do repertório familiar, mas que podem “tri-
turar os sonhos”, colocando em risco a própria vida do
adolescente.

Independentemente da classe social, é cada vez mais preo-


cupante o número de mortes causadas por acidentes (mui-
tas vezes provocadas pelo consumo de bebidas alcoólicas)
homicídios e suicídios entre os adolescentes.

Além disso, verifica-se no comportamento apresentado


pelos jovens, mesmo com a divulgação pelos meios de
comunicação dos seus malefícios, o uso do cigarro, de
bebidas alcoólicas e, em alguns casos, de drogas ilícitas.
Pesquisas têm apontado alguns fatores de risco no uso
abusivo das drogas.

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150 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

São eles (Papalia, 2010, p.411):

1. temperamento difícil;

2. pouco controle dos impulsos e tendência a bus-


car sensações;

3. influências da família (como predisposição gené-


tica a alcoolismo, uso ou aceitação parental de dro-
gas, práticas de educação inconsistentes ou precá-
rias, conflito familiar e relacionamentos familiares
problemáticos ou distantes);

4. problemas comportamentais persistentes desde


a infância, principalmente a agressão;

5. fracasso escolar e falta de comprometimento


com os estudos;

6. rejeição por parte dos colegas;

7. associação com usuários de drogas;

8. alienação e rebeldia;

9. atitudes favoráveis ao uso de drogas;

10. iniciação prematura no uso de drogas.

Para os jovens, a ameaça e o perigo parecem coisas mui-


to distantes, preocupações para quem já envelheceu. Sen-
tem-se no direito de experimentar, de viver todas as emo-
ções. Encontramos no texto de Nazir Hamad a opinião de
uma adolescente de 13 anos. Diz ela:

Os adultos são assim, eles tiveram tempo para fazer


as besteiras deles e, quando se sentem alcançados
pela morte, param de viver. Prestam atenção nisso,
não querem mais comer aquilo, fazem comentários
desagradáveis sobre os fumantes e não sei mais o
quê. Pois eu sou ainda jovem e não penso na morte
como eles. Tenho tempo para fazer isso mais tarde.
(Congresso Internacional de Psicanálise, 1999, p.15).

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Gravidez, drogas e violência 151

Administrar a própria vida, conviver com a perda da de-


pendência parental; deparar-se com a angústia da possi-
bilidade da morte dos próprios pais ou com um futuro
incerto desperta nos adolescentes o desejo de “congelar o
tempo no presente”. A desestruturação temporal, condu-
ta que você já conhece, impede que muitos jovens possam
enfrentar a realidade com segurança, apostando no dese-
jo de um presente que se mantém eterno, mas, como se
descobre aos poucos, pois, assim como disse Cazuza, “o
tempo não para”.

Outro aspecto importante a ser considerado na adoles-


cência refere-se aos distúrbios alimentares, muitas vezes
provocados pela propagação de discursos sobre a estética
e a imagem corporal. Sabemos que o adolescente procura
adaptar-se ao seu novo corpo que sofreu transformações e
que se mostra sedutor. Um corpo que é fonte de angústia,
que o adolescente ainda não conhece e que se transforma
em uma velocidade estonteante. Assim, permanece “horas
no espelho”, questionando o novo corpo que quer e teme
conhecer. A indústria do consumo não permite tréguas e o
corpo passa a ser controlado e mensurado a cada instante.
Temos aí o sofrimento de jovens — moças e rapazes —
que se submetem a dietas e controles alimentares muitas
vezes sem perceber realmente o seu próprio corpo.

Acrescente-se a isso uma tendência, presente no mundo


ocidental, das comidas rápidas e semiprontas, que, na
maioria das vezes, não dá espaço para frutas e legumes.
Tal procedimento desencadeia hábitos alimentares noci-
vos à saúde, que envolvem porções generosas de doces,
chocolates e refrigerantes, os quais são fonte de gordura
e calorias, mas de quase nenhum valor nutritivo. O que se

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152 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

observa é o aumento desenfreado do peso, principalmen-


te nas mulheres, em todas as classes sociais. A obesida-
de gera a insatisfação, mas, como observa Papalia (2010,
p. 408), “a determinação de não ter excesso de peso pode
resultar em problemas mais graves do que o próprio ex-
cesso de peso”. Temos aí o fenômeno dos distúrbios ali-
mentares: a anorexia e a bulimia.

Destaca a autora:

Anorexia nervosa – É potencialmente uma ameaça


à vida. Pessoas com anorexia têm uma imagem cor-
poral distorcida; embora estejam constantemente
fazendo dieta e comam muito pouco, consideram-se
muito gordas. A anorexia pode estar acompanhada
por irregularidade ou interrupção da menstruação e
crescimento de pelos corporais moles ou felpudos.
Bulimia nervosa – A pessoa costuma se entregar a
grandes compulsões alimentares num pequeno in-
tervalo de tempo, geralmente duas horas ou menos
e depois tenta reverter à alta ingestão calórica com
autoindução de vômito, dieta rigorosa ou jejum,
exercícios em excesso ou laxativos, enemas ou diu-
réticos para purgar o corpo. (p. 409)

Os distúrbios alimentares podem vir associados a outras


manifestações como, por exemplo, a depressão. Sua ocor-
rência na adolescência é esperada e nem sempre se mani-
festa com tristeza, pois, em muitos casos, ela aparece com
sintomas de irritabilidade, tédio, baixa libido e baixa auto-
estima. Sua manifestação deve ser acompanhada com cui-
dado, dada a possibilidade de suicídio. Os fatores de risco
incluem ansiedade, medo do contato social, eventos estres-
santes, doenças crônicas como diabetes ou epilepsia, con-
flito entre pais e filhos, abuso ou negligência e ter um dos
pais com histórico de depressão. (PAPALIA, 2010, p. 413)

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Gravidez, drogas e violência 153

Assim, tanto a família como a escola e seus professores


devem estar atentos às mudanças de comportamento que
podem significar “um grito de alerta” do adolescente que,
da sua maneira, pede ajuda. As mortes, nessa etapa da
vida, geralmente são trágicas (acidentes de automóveis e
motos, armas de fogo, suicídio), denunciando uma socie-
dade violenta e a dificuldade e a inexperiência dos jovens.
Sobre suicídios, Papalia assinala que:

Jovens que tentam suicídio ou pensam nele tendem


a ter históricos de problemas emocionais. Tendem
a ser praticantes ou vítimas de violência e a ter pro-
blemas na escola, seja nos estudos, seja no compor-
tamento. Muitos sofreram maus-tratos na infância
que resultaram em graves problemas de relacio-
namento na adolescência. São propensos a desva-
lorizar a si próprios, a perder a esperança e a ter
pouco controle sobre os impulsos e baixa tolerância
à frustração e ao estresse. Esses jovens geralmente
estão alienados dos pais e não têm ninguém fora da
família a quem recorrer. (2010, p. 415)

Por último, o comportamento que se apresenta com fre-


quência na sociedade brasileira: a gravidez precoce. Se-
gundo dados do Portal Brasil (2012), no período compre-
endido entre 2005 a 2009 ela vem diminuindo. Os dados
do Ministério da Saúde apontam que o número de par-
tos realizados entre jovens de 10 a 19 anos de idade caiu
22,4% se comparado à década anterior. Se esses dados re-
forçam atitudes otimistas, não podemos esquecer que as
informações da Organização Mundial de Saúde referem-se
ao fato de mais de 22% dos adolescentes iniciam as suas
atividades sexuais aos 15 anos de idade.

Os dados tornam-se preocupantes quando se entende esse


período tão marcado por instabilidades comportamentais

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154 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

e emocionais, características do período que estamos es-


tudando. Além do problema da gravidez precoce, os dados
apontam para a contaminação por doenças sexualmente
transmissíveis.

Dessa forma, pode-se pensar na necessidade ainda pre-


sente de proporcionar aos jovens maiores informações
sobre a sua sexualidade, não só no sentido do esclareci-
mento sobre o funcionamento do seu corpo, mas também
possibilitando espaços para o diálogo e para a expressão
de dúvidas e medos referentes aos seus desejos. Rappa-
port (1998, p. 55) esclarece que pesquisas que procuraram
avaliar os resultados dos projetos de orientação sexual
nas escolas constatam que uma das razões do fracasso
de tais iniciativas deve-se ao fato de que não basta ofe-
recer explicações sobre a anatomia dos corpos e orientar
sobre doenças sexualmente transmissíveis como a AIDS,
mas deve-se também desenvolver um trabalho que leve
em consideração às emoções tanto do educador como do
educando.

Diz a autora:

Para aceitar a expressão da sexualidade do outro


é preciso que haja certa harmonia em relação a si
próprio quanto à sua identidade sexual. Quando
isto ocorre, isto é, quando os pais, principalmen-
te, ou os educadores lidam bem com seu corpo e
a sua própria sexualidade, as crianças e os jovens
se sentirão acolhidos e absorverão naturalmente as
informações sobre a concepção, a relação sexual, os
modos de se evitar a gravidez ou a transmissão do
vírus da AIDS. (p. 55)

Outros dados retirados do Portal Brasil destacam o fato de


que nem sempre a gravidez na adolescência é indesejada. Em

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Gravidez, drogas e violência 155

muitas situações ela está relacionada a um desejo e uma ne-


cessidade de atenção, afeto, além da conquista de uma vida
melhor, percebida pela adolescente como possível mediante
à gestação.

A presença e o apoio da família mostram-se essenciais, já


que, na maioria das vezes, o jovem pai não consegue par-
ticipar e assumir a sua função paterna.

Aos poucos, no enfrentamento e na superação das crises,


o adolescente vai se preparando para assumir o seu lugar
no mundo dos adultos.

Nesse sentido, sugerimos que você assista ao documentário Me-


ninas, da diretora Sandra Werneck. Nele são relatados as histórias
de três jovens adolescentes da cidade do Rio de Janeiro que, ao
descobrirem-se grávidas, têm reações similares de aceitação, dú-
vida e conflito diante da realidade concreta dos fatos.

Diz Dolto:

Um jovem sai da adolescência quando a ansiedade


dos pais não produz mais sobre ele nenhum efeito
inibidor. Os filhos atingem o estado adulto no mo-
mento em que são capazes de libertar-se da influên-
cia paterna, tendo o seguinte nível de julgamento:
“Meus pais são como são eu não os mudarei e não
procurarei mudá-los.” “Eles não me aceitam como
sou, pior para eles, eu os isolo.” E sem sentir-se cul-
pado por isso. Nesse momento de ruptura fecunda,
muitos pais gostariam que seus filhos se sentissem
culpados, porque sofrem e estão angustiados por
não poder mais vigiá-los. (1990, p. 27)

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156 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

Bem, estamos chegando quase ao final de nosso assunto.


Convidamos você a acompanhar-nos nesta passagem, nes-
ta ruptura, junto com os adolescentes para a idade adulta.

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A transição para o mundo adulto e as contribuições à dinâmica escolar 157

A TRANSIÇÃO PARA O MUNDO ADULTO


E AS CONTRIBUIÇÕES À DINÂMICA
ESCOLAR

Esperamos que você aprenda a relacionar as transições


para o mundo adulto e as exigências da prática docente.

Como você deve estar percebendo, os modos de passa-


gem para o mundo adulto não se apresentam de maneira
uniforme para todos os adolescentes. Vários elementos
interferem nela. Você, provavelmente, já tem condições de
apontar alguns deles.

Tente lembrar: a família, a história evolutiva do sujeito, os seus


amigos, o seu grupo social; enfim, o seu contexto de desenvol-
vimento.

A etapa de transição exige do adolescente o enfrentamen-


to de muitos desafios e, como você já sabe, o posiciona-
mento, as vivências e as escolhas nem sempre são fáceis.
Entrar no mundo adulto significa, em nossa cultura, na
maioria das vezes, alcançar a autonomia residencial,
conjugal, profissional e financeira. Assim, no período de
moratória social, o jovem deve preparar-se para assumir
as responsabilidades do mundo adulto que, na cultura oci-
dental, cada vez mais, exige uma formação especializada.
Estamos referindo-nos, particularmente, ao mundo do tra-
balho e à sua relação com a escolaridade.

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158 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

Para Proença Soares (presidente do IPEA, 2006):

As dificuldades decorrentes de uma sociedade ainda


marcada por expressivas disparidades sociais, obstá-
culos para o acesso e a permanência no sistema edu-
cacional, ingresso ainda precoce e difícil no mercado
de trabalho e persistência de significativa faixa de ex-
cluídos são algumas das questões enfrentadas pelos
jovens brasileiros.

Dentre os elementos citados por Proença Soares, particularmen-


te o desempenho escolar do adolescente no Ensino Médio, é um
desafio a ser enfrentado pelo jovem, por sua família, pela escola e
pela própria sociedade.

A análise realizada pelo Inep, em 2005, com base nas in-


formações colhidas pela pesquisa nacional por amostra
de domicílios do IBGE, destaca que 1,7 milhões de jovens
entre 15 e 17 anos não estudaram em 2005. Desse total,
conclui o estudo:

• Três em cada quatro jovens (75%) não completa-


ram o Ensino Fundamental, mas, a maioria (68%) ao
menos chegou até a 5ª série;

• Entre os jovens que estudaram, 1,6% engravidou


e, dentre as que não estudaram, o percentual sobe
para 28,8%.

Outro dado que preocupa refere-se aos motivos alegados


pelos jovens para não frequentar a escola: “mais do que a
falta de vagas, de transporte ou mesmo a necessidade de
trabalhar, é a falta de vontade de estudar que os empur-

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A transição para o mundo adulto e as contribuições à dinâmica escolar 159

ra para fora do sistema de ensino”. (Folha de São Paulo,


p. C1, 2007).

No mesmo estudo, o Inep aponta que, dadas as exigências


do mercado de trabalho e a baixa escolaridade dos adoles-
centes, dos 1,7 milhões de jovens fora da escola, 43,4%, ou
740 mil jovens, não trabalham nem sequer estão procu-
rando emprego. Mesmo quando conseguem achar um tra-
balho (caso de 44% dos que não estudam mais), exercem
a atividade de maneira precária, já que não têm a carteira
assinada.

Você poderá observar, na tabela a seguir, alguns dados


referentes à taxa de promoção, evasão, reprovação e dis-
torção idade-série.

Ensino
Ensino
Fundamen- Ensino
Fundamental
tal primei- Médio
anos finais
ros anos
Taxa de distorção 18,5 % 29,6 % 34,5 %
idade-série (2010)
Taxa de eva- 7,4 % 14,1 % 3,4 %
são (2005)
Taxa de promo- 78,3 % 68,5 % 81,8 %
ção (2005)
Taxa de repe- 14,3 % 17,4 % 14,8 %
tência (2005)
Taxa de aban- 1,8 % 4,7 % 10,3 %
dono (2010)
Taxa de repro- 8,3 % 12,6 % 12,5 %
vação (2010)
Taxa de apro- 91,2 % 83,4 % 77,4 %
vação (2011)
Fonte: MEC/Inep.

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160 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

As informações da tabela revelam, em um primeiro olhar,


que uma parcela significativa de jovens já chega ao Ensino
Médio carregando os efeitos da reprovação, já que 34,5%
encontram-se fora da idade esperada para essa etapa da
escolaridade. O abandono da escola também é significativo
— 10,3% —, se pensarmos no universo de alunos em nosso
país e naqueles que ficaram retidos no Ensino Fundamen-
tal. Psicólogos ouvidos pela reportagem do jornal Folha de
São Paulo (2007) apontam alguns fatores que consideram
responsáveis por tal realidade:

disciplinas desconectadas do cotidiano dos jovens,


escolas sem a participação dos alunos nas decisões
do dia a dia, professores desestimulados e avalia-
ções que terminam em reprovação, desmotivam o
estudante após sucessivos fracassos.

Em uma sociedade competitiva como a nossa, não estar


preparado para o mundo do trabalho pode inviabilizar
a conquista da autonomia e a entrada segura no mundo
adulto. Não há dúvida, como acentua Palácios (1995), que
a entrada no mundo do trabalho e a formação de uma
unidade familiar própria são identificadas como papéis,
atividades e relações da maior importância a partir do fi-
nal da adolescência. Por outro lado, exigir do jovem, nes-
sa etapa da sua vida, que faça escolhas definitivas e res-
ponsáveis é ignorar o seu momento e considerá-lo alguém
que apresenta condições de amadurecimento tanto social
como afetivo para, com segurança, assumir esse ou aquele
posicionamento.

Além dos aspectos relacionados à sua escolaridade, for-


mação profissional e trabalho, não podemos deixar de
incluir na nossa discussão a vivência da sexualidade e

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A transição para o mundo adulto e as contribuições à dinâmica escolar 161

a possibilidade de reprodução. Em síntese, a marcante


experiência da paternidade e da maternidade na vida de
todos nós é porta de entrada para muitos jovens no mun-
do adulto.

Processo considerado, durante muito tempo, como um


rito de passagem para a idade adulta, o casamento não
apresenta mais um consenso no mundo contemporâneo.
Fato é que, cada vez mais, se observa uma diminuição,
e mesmo uma demora na decisão em casar, como tam-
bém da própria maternidade, talvez em função do número
crescente de mulheres jovens no mercado de trabalho.

Camarano (2006), em estudo realizado pelo IPEA, destaca


que:

[…] não se tem um consenso sobre qual processo


define a formação de família: casamento, parenta-
lidade e/ou saída de casa. Essa última dúvida se
acentua com a tendência crescente de dissociação
entre sexualidade e casamento e entre casamento e
parentalidade.

A sua função de professor é fundamental no acolhimento dos jo-


vens e no seu compromisso com a sua formação plena.

Como você deve ter percebido ao longo de todo o estudo


sobre a adolescência, muito ainda precisa ser pesquisado
e sistematizado.

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162 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

Esperamos tê-lo ajudado nesta caminhada que se iniciou


e que apresenta desafios neste longo percurso, que não
termina ao final do curso de Pedagogia, mas que, como ve-
rificamos ao longo de nossas leituras e discussões, pros-
seguem durante toda a nossa vida como mais uma etapa
de desenvolvimento.

Ao longo desta obra, procuramos dialogar com outras


áreas do conhecimento. Assim, lemos alguns trechos li-
terários, cantamos algumas músicas e recitamos poesias.
Deixamos o nosso abraço afetuoso com um trecho das Me-
mórias da Emília, que encontramos no trabalho de pesqui-
sa do IPEA (2006):

“A vida das gentes neste mun-


do, senhor Sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama;
pisca e anda;
pisca e brinca;
pisca e estuda;
pisca e ama;
pisca e cria os filhos;
pisca e geme os reumatismos;
por fim pisca pela última vez e morre.
E depois que morre? - perguntou o Visconde
- Depois que morre, vira hipótese.”

Monteiro Lobato

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163

REFERÊNCIAS

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164 Os processos de desenvolvimento do adolescente e sua transição para o mundo adulto

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166

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de tudo que explanamos neste livro, esperamos


que você tenha compreendido melhor o que envolve esse
tema tão vasto e fascinante, que desperta em muitos pes-
quisadores o interesse pela compreensão das diversas ma-
neiras de o homem relacionar-se e interagir com o outro e
com o próprio meio ambiente, na busca contínua por um
contexto favorável ao seu desenvolvimento.

No primeiro capítulo, você entendeu muitas concepções


sobre o desenvolvimento, que foram surgindo e modifi-
cando-se. A observação atenta do comportamento humano
proporcionou, ao longo dos séculos, a compreensão desse
processo ininterrupto, que é iniciado na infância e desen-
volvido ao longo de toda a nossa existência.

Esse caminho, que agora estamos finalizando, exige com-


promisso e interesse pelo conhecimento. Afinal, como fu-
turo educador, você deve compreender e conhecer o ser
humano em suas diversas possibilidades de desenvolvi-
mento. Trata-se de uma tarefa que, em alguns momentos,
exigiu e irá ainda exigir certa desconstrução de tudo que
acreditávamos saber para só então descobrirmos que exis-
tem outras alternativas e que somos “peças-chave” nesse
processo de transformação.

No segundo capítulo, prosseguimos com a nossa leitura


e discussão sobre os aspectos relacionados ao desenvol-
vimento humano, refletindo sobre a criança de hoje, que
167

é um ser historicamente construído e constituído simbo-


licamente pela sociedade. Vimos que essa criança pensa,
sente, compreende e intui o mundo a partir de um campo
de visão bem diferente do nosso. Para que possamos com-
preendê-la em sua totalidade, precisamos aprender, entre
outras coisas, sobre o seu desenvolvimento pessoal e, as-
sim, traçar os paralelos referentes à sua educação, pois sa-
bemos agora que é na infância que o ser humano se consti-
tui e se estrutura. Assim, principalmente a partir do século
XVIII, a infância foi tão cantada e exaltada.

No terceiro capítulo, continuamos a estudar o desenvolvi-


mento humano, mas com um olhar mais direcionado para
a educação, para a escola. Aprendemos com Freud a com-
preender melhor o comportamento humano e as fases do
nosso desenvolvimento psicossexual. Graças à sua teoria,
surgiram muitas indagações, reflexões e novas formas de
perceber o outro e a si mesmo. O professor que se apropria
dessas informações, em sala de aula e no seu dia a dia, es-
tará mais sensível às diversas manifestações.

Por fim, no quarto capítulo, você certamente tinha ad-


quirido o conhecimento necessário sobre Psicologia do
Desenvolvimento, de modo que podemos, juntos, concor-
dar, discordar, acrescentar e questionar a partir de uma
perspectiva mais abrangente. Afinal, ao longo do assunto,
fomos construindo significados sobre as informações rece-
bidas, e elas, certamente, nos auxiliaram na compreensão
do capítulo final.

Convidamos você, então, a buscar na memória, nas lem-


branças e — por que não? — nos fatos do nosso cotidiano
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as manifestações e os relatos desse período fascinante da


espécie humana que conhecemos como adolescência. Indo
um pouco mais à frente, a relacionamos à etapa seguinte, à
fase adulta que, como verificamos, está atrelada a uma his-
tória singular e, ao mesmo tempo, plural, porque se refere
à história do desenvolvimento humano.

Desejamos, assim, que o conhecimento adquirido a par-


tir do estudo desta obra seja bastante útil para auxiliá-lo
em seus estudos, ajudando-lhe a compor o conhecimento
necessário para o desempenho de suas funções de forma
segura.

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