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E O NEUROPSICOPEDAGOGO
UNIDADE I
O CAMPO DA NEUROCIÊNCIA
Elaboração
Luciana Raposo dos Santos Fernandes
Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................. 4
UNIDADE I
O CAMPO DA NEUROCIÊNCIA......................................................................................................................................................... 7
CAPÍTULO 1
INFLUÊNCIAS NEUROLÓGICAS, BIOFISIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS NO DESENVOLVIMENTO
HUMANO E ALGUMAS ABORDAGENS TEÓRICAS............................................................................................................. 8
CAPÍTULO 2
ENSAIO SOBRE A NEUROCIÊNCIA E A EDUCAÇÃO....................................................................................................... 15
CAPÍTULO 3
A NEUROLOGIA: EDUCAÇÃO COGNITIVA......................................................................................................................... 20
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................31
INTRODUÇÃO
Objetivos
» Proporcionar informações sobre conceitos de ciências neurológicas, psicopedagógicas,
além da educação especial, deficiência intelectual e transtornos globais do
desenvolvimento.
» Apresentar recursos e técnicas para que os profissionais estejam aptos a lidar com
o desenvolvimento, o comportamento e a aprendizagem.
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O CAMPO DA
NEUROCIÊNCIA
UNIDADE I
7
CAPÍTULO 1
INFLUÊNCIAS NEUROLÓGICAS, BIOFISIOLÓGICAS E
PSICOLÓGICAS NO DESENVOLVIMENTO HUMANO E
ALGUMAS ABORDAGENS TEÓRICAS
Fonte: https://lovevery.com/community/blog/child-development/why-is-my-baby-crawling-in-their-sleep/.
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o Campo da neurociÊncia | UNIDADE I
Portanto, a dialética concebe uma concatenação histórica em cada um dos fenômenos que
estruturam a realidade: tudo se dá a partir dos fatos mais simples até os mais complexos;
e todo o novo e superior começa a se estruturar a partir do bom, que todo o velho tem.
É por isso que o movimento da criança, que representa sua primeira aprendizagem,
começa a partir da realização das mudanças de posição mais simples, no próprio berço,
até se sentar autonomamente, engatinhar, levantar-se e andar, exteriorizando assim as
manifestações de sua independência.
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UNIDADE I | o Campo da neurociÊncia
II. a fase do embrião (superior ao zigoto), no qual aparecem as três capas ou estruturas
biofisiológicas – a endoderme (a mais interna), a mesoderme (a capa média) e a
ectoderme (a capa externa) –, a partir das quais se estruturam todos os órgãos e
sistemas do corpo humano; e
III. a fase fetal, na qual todo ser humano em evolução intrauterina adota a estrutura
morfológica e fisiológica típica da espécie (STOLTZ, 2011; TARRAU, 2007).
1. As células somáticas, que darão origem a todos os órgãos e sistemas que estruturam
o corpo (com exceção do sistema reprodutor e do sistema nervoso), especializando-se
posteriormente para formar cada uma das partes específicas: músculos, ossos,
tendões, ligamentos, artérias, veias, vasos capilares, coração, pulmões, brônquios,
bronquíolos, traqueia, fossas nasais, rins, ureteres, bexiga, uretra, fígado, vesícula,
pâncreas, suprarrenais, estômago, intestinos, ânus, boca, dentes, pele, unhas.
As células somáticas têm funções especiais que garantem e asseguram a materialização
de todo o processo metabólico do organismo.
2. As células nervosas, que estruturarão toda a massa encefálica com seus órgãos mais
significativos: cérebro, cerebelo, corpo caloso, bulbo, medula, nervos cranianos,
nervos periféricos, analisadores ou órgãos dos sentidos.
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o Campo da neurociÊncia | UNIDADE I
Não é somente isso. Ainda há muitos fatos que vão influenciar na estrutura orgânica,
bioquímica, neurocortical e fisiológica da futura criança. Note que até a posição que o
feto adota no útero materno influencia, devido à pressão nas extremidades dos ossos
e na própria ossificação, aspecto que serve como um argumento a mais para ressaltar
a importância do processo evolutivo que acontece nos seres humanos enquanto se
desenvolvem no útero.
As contrações uterinas agudas finais, típicas de um parto natural, que ocorrem depois
da ruptura dos âmnios, assim como a saída apertada do feto através da abertura pélvica
da mãe, são variáveis determinantes que repercutem sobre a saúde da criança, pois
contribuem para a limpeza do trato respiratório, no qual podem existir substâncias
tóxicas contidas no líquido amniótico (produto do próprio metabolismo do feto), que,
no útero materno, entra e sai dos pulmões do feto, preparando os músculos respiratórios
para a sua função principal futura: a ventilação pulmonar, determinante no processo de
crescimento, maturidade e desenvolvimento psicomotriz do ser humano.
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Pesquisas demonstram que até os 35 anos a pessoa está no período ainda jovem do
ponto de vista cerebral, somático e sexual. Esta categoria evolutiva (juventude) está
determinada basicamente pelo processo de maturidade. Então, enquanto existir um órgão
em processo de maturidade, a pessoa é jovem biofisiologicamente. Consequentemente,
tudo o que for feito em matéria de aprendizagem na juventude é desenvolvido com
menos dificuldade nesta fase, desde que estejam bem estruturados os sistemas cognitivo,
emocional e motivacional na pessoa que está querendo aprender. Além disso, nos
primeiros 35 anos de vida, todos os processos psicomotores que ela manifeste deverão
ter muito mais qualidade que os processos psicomotores materializados por uma pessoa
com mais de 35 anos.
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atuam cerca de 100 bilhões de neurônios, que se inter-relacionam por meio de mais
de 100 trilhões de circuitos que permitem estruturar, desenvolver e manifestar as
peculiaridades dos processos psíquicos que caracterizam as peculiaridades da cognição,
da afetividade, da motivação e da personalidade. Entretanto, essa maturidade cerebral
não está concluída até os 35 anos de idade (SCOZ, 2002).
2. aparição do zigoto;
5. parto;
Já depois dos 35 anos, o ser humano entra em seu período ótimo de fertilização, no que
se refere à matéria de aprendizagem especializada, influenciado por dois fenômenos
psicossociais:
Portanto, as ideias apresentadas até aqui nos levam a afirmar que, quando o ser humano
tem um processo de crescimento, maturidade e desenvolvimento ontogênico satisfatório,
são criadas as condições bioneurofisiológicas para aprender com mais eficiência e eficácia,
desde que os interesses cognitivos e a motivação afetiva sejam satisfatórios, estejam
bem estruturados na consciência do indivíduo, independentemente da faixa etária
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UNIDADE I | o Campo da neurociÊncia
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CAPÍTULO 2
ENSAIO SOBRE A NEUROCIÊNCIA E A EDUCAÇÃO
Fonte: https://neuropsych4kids.com/about/.
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voltar seu olhar para crianças, adultos e idosos, o que exige dele a compreensão tanto
das principais desordens que levam à busca pela avaliação neuropsicopedagógica
em diferentes fases do desenvolvimento, quanto dos instrumentos necessários para
contemplar e discriminar a utilização deles.
O aluno, por exemplo, fica motivado à medida que seu professor consegue dar significado
para aquilo que está querendo ensinar. Quando isso acontece, o próprio aluno acessa
pela internet um universo de conhecimentos, principalmente os mais úteis ao dia a
dia, extrapolando o que a própria escola propicia, o que estimula o cérebro a funcionar
com a intenção de ajudar tanto a resolver problemas quanto de se adaptar melhor ao
ambiente. Mas como nem sempre o professor consegue obter essa motivação, ele tem
de descobrir uma forma de o aluno compreender e dar significado para aquilo que está
sendo apresentando. Como?
A neurociência nos faz entender do funcionamento cerebral. Portanto, ela não traz uma
educação nova, um novo jeito de aprender, pois o nosso cérebro aprende da mesma forma
que aprendia anos atrás. Consequentemente, à medida que compreendemos melhor
algumas teorias da educação, como as de Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Wallon, entre
outros pensadores, percebemos que todas têm respaldo da neurociência.
Então, quando Paulo Freire discutia a questão da aprendizagem significativa, aquilo que
dá sentido, obviamente isso é profícuo ao processo de aprendizagem. Porém não é só
isso que é importante, mas corrobora com a legitimidade dessa importância. Temos de
pensar que existem alguns conteúdos que são muito complexos para uma aprendizagem
sem nenhuma ajuda. Por exemplo, quando falamos do construtivismo, uma metodologia
mais exploratória, na qual o educando vai percebendo o ambiente e a partir de então
constrói seu conhecimento, devemos ficar atentos ao fato de que existem alguns conteúdos
que requerem uma ajuda mais formal para que sejam aprendidos; logo, eles precisam
de mediação (LENT, 2002, 2010; LIEURY, 1997).
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o Campo da neurociÊncia | UNIDADE I
Hoje, vivemos uma época em que várias áreas do conhecimento precisam dialogar entre
elas. Não podemos cair no erro de achar que a neurociência vai desbancar, por exemplo,
teorias da filosofia, da educação, do direito, da economia… Mas, à medida que essas
áreas estudam ou abordam o comportamento humano, existem conhecimentos sobre
o comportamento humano que podem fazer algumas modificações em outras áreas do
conhecimento, que são mais voltadas para a área de ciências humanas. Entretanto, na verdade,
quando estudamos algo humano estamos estudando o comportamento (LIDEN, 1993).
Para responder a essa questão, devem ser colocadas em uma mesa de discussão
especialistas de várias áreas do conhecimento, com o fim de esclarecer e até adotar novos
posicionamentos. Percebemos, então, que a neurociência não veio para determinar o
funcionamento das outras áreas. De qualquer maneira, a forma como nos comportamos
está ligada a uma rede de células nervosas que se estruturou com base em nossa genética,
mas que é modificável dentro de determinados limites pela interação com o ambiente. É
necessário saber tanto que essa rede tem algumas regras de funcionamento quanto que as
conexões entre as células nervosas podem ser reforçadas, o que significa que o indivíduo
terá memórias sobre as experiências que vivenciou, sobre determinados conteúdos, mas
que essas conexões também podem ser desfeitas e desbastadas (MACHADO, 2006) por
meio dos esquecimentos.
Outra questão muito importante diz respeito à organização que o cérebro tem e que
contribui nas interações com os ambientes ao não fazer julgamento de valor. O que
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UNIDADE I | o Campo da neurociÊncia
queremos dizer com isso? O cérebro se reorganiza com estímulos que são bons ou
ruins. Logo, é possível ajudar a pessoa a desenvolver comportamentos para o bem
ou para o mal. Consequentemente, toda a área de conhecimento que trabalha com
interação social pode se beneficiar do conhecimento advindo das bases neurobiológicas
ou do funcionamento cerebral. Afinal, ao trabalharmos o indivíduo na sociologia, na
antropologia, na educação, precisamos nos lembrar de que estamos trabalhando com
um ser que tem uma estrutura orgânica por detrás dos comportamentos. Portanto, os
comportamentos não ocorrem em outras dimensões (até aonde a ciência sabe) que não
sejam no equipamento neural que o ser humano tem e que se difere dos processadores
usados em computadores, porque ela tem dinamismo e se modifica cotidianamente.
Note que a pessoa que deseja aprender algo precisa dedicar energia e atenção para
aquilo que busca. Outras comentam que é muito difícil prestar atenção em duas coisas
ao mesmo tempo – e realmente é! Até é possível distribuir a atenção, mas sempre parte
das informações é perdida. Quando, por exemplo, alguém dirige e fala ao celular, devido à
alternância, alguns detalhes do trânsito são perdidos, e isso pode justificar certos acidentes
causados; e alguns detalhes da conversa não são registrados, porque o cérebro processa
de pior forma ou de maneira não tão eficiente cada um desses estímulos simultâneos
(LEITE, 1991). No caso do aluno, se ele está assistindo a uma aula e seu celular vibra,
a distração ocasionada compromete as informações que ele recebe naquele momento.
Logo, prestar atenção é uma regra e, para tanto, é necessário fazer uma opção.
Além disso, não existe aprendizagem quando não há reevocação da experiência que já
se teve. O professor, por exemplo, está explicando algumas questões sobre neurociência,
mas o aluno não presta atenção, não pensa nem lê sobre o assunto, não conversa ou busca
novas informações, por melhor que seja a aula, nada será registrado nem transformado em
memória. Portanto, é preciso entender que há gasto de energia, de tempo e de dedicação
para aprender. Se não há interesse em obter determinado conhecimento, é necessário
repensar a opção. Apesar disso, há uma grande diferença entre o aprendiz que está na
educação básica e aquele que já ingressou no Ensino Superior, por causa da maturação
neural, das escolhas feitas e das expectativas. Assim, espera-se que a aluno do curso
superior seja motivado a se engajar em um curso, pois ele possui interesse em obter
um conhecimento que o auxilie a se tornar um profissional mais habilitado, com mais
competências para determinadas tarefas. Ou seja, o estudante universitário precisa se
orgulhar em ser melhor do que ele era anteriormente. E ele precisa ter isso como meta.
Não basta apenas passar em uma disciplina ou se graduar. Esse aluno precisa, ao se
formar, dizer “eu sou muito melhor, eu sei muito mais, eu sou muito mais competente
e consigo resolver muito mais questões do que eu conseguia anteriormente”. Como essa
é a aprendizagem consolidada, não há dúvidas em relação ao que foi aprendido pelo
indivíduo (FIALHO, 2001; FONSECA, 1995, 2009; FIORI, 2008). Note que nem todas
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o Campo da neurociÊncia | UNIDADE I
as pessoas têm necessariamente esse objetivo. Elas podem ter outras metas na vida, o
que demanda uma reflexão sobre as opções que precisam ser feitas.
Note que o cérebro que aprende é aquele que deve estar funcionando. Então, em uma
sala de aula, é muito estranho que só o professor fale. Deveria ser exatamente o contrário,
quem está ali para aprender é quem mais deveria estar funcionando em uma sala de
aula. O professor deveria ser um orientador.
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CAPÍTULO 3
A NEUROLOGIA: EDUCAÇÃO COGNITIVA
Fonte: https://specialneedsprojecteec424.weebly.com/dyslexia.html.
Como foi mencionado no capítulo anterior, nós aprendemos para ter bem-estar e
poder viver melhor em termos pessoais, emocionais, sociais e profissionais. Portanto,
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O contexto familiar
As dificuldades de aprendizagem podem ser mais bem compreendidas se o contexto
familiar for analisado. Se a criança, por exemplo, está dormindo mal por ter uma
obstrução respiratória, ela também pode ter dificuldades de aprendizagem, devido à
exposição a uma diversidade de estímulos tão grande que a impede de focar sua atenção
no que tem real necessidade de aprender (PAÍN, 1992; RELVAS, 2010a; SILVA, 1995;
SISTO, 2001). Assim, a neurociência, que tem como subárea a neuropsicopedagogia
clínica, começa a explicar porque é tão importante o indivíduo ter atenção para aprender,
enquanto também ajuda na constatação de problemas relacionados ao cérebro. Apesar
desse aspecto, a maior parte das dificuldades de aprendizagem não está relacionada
com problemas cerebrais, mas, sim, com a prática pedagógica, o ambiente familiar, a
estimulação que a criança tem ou teve durante a vida… Ou seja, aos elementos externos.
Apenas um pequeno percentual está relacionado a diferenças que o cérebro da criança
tem. Inclusive, diferenças que são pequenas e que não são tão bem caracterizadas, como
síndromes, autismo, Síndrome de Down, Síndrome de Williams etc. Há crianças disléxicas
que têm dificuldades para aquisição da leitura e da escrita; que apresentam discalculias
e, em consequência, dificuldades com a matemática; que podem ter um déficit de atenção
– que, quando bem diagnosticado, é possível estabelecer intervenções terapêuticas e
medicamentosas e melhorar muito o desempenho escolar delas (PIAGET,1978).
Note que o neuropsicopedagogo pode tanto ajudar nos casos fisiológicos quanto atuar
colaborando nos casos em que a criança tem alguma diferença na constituição do sistema
nervoso. Quando a criança, por exemplo, não apresenta nenhum problema cerebral,
o profissional pode modificar os elementos que contribuem para a aprendizagem.
Para tanto, é imprescindível que o especialista conheça o funcionamento cerebral,
respeitando algumas regras que o cérebro tem, pois ao entendê-lo, torna-se possível
compreender o que são os comportamentos, como são organizados e como podemos
construir os novos comportamentos.
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UNIDADE I | o Campo da neurociÊncia
Portanto, o processo educacional faz parte dessa atuação quando visa à construção de
comportamentos e mudanças de hábitos, atitudes e habilidades dos seres humanos.
No entanto, precisamos eliminar os mitos, como o que diz que usamos apenas 10% do
cérebro. Na verdade, se ninguém sabe como quantificar a potencialidade do cérebro
(RELVAS, 2009), também é impossível dizer quanto dele usamos! Outro mito que
deve ser descartado frisa que todos temos muitas limitações, o que é uma inverdade,
pois o cérebro é plástico e permite ao ser humano aprender muitas coisas, inclusive
simultaneamente.
O destaque da neuroeducação
Como a neurociência vem se desenvolvendo muito nos últimos anos, o que nos permite
conhecer como as pessoas memorizam, como orientam a atenção, como percebem
as questões, a neuroeducação surge como uma nova área do conhecimento, com o
objetivo de melhorar as práticas e os métodos de ensino, e, assim, contribuir com
o desenvolvimento do indivíduo. Esse conhecimento é extremamente útil quando
o profissional planeja a intervenção adequada, para a avaliação e a construção do
planejamento ao atendimento da demanda de seu atendido. Como cada ser humano possui
suas dificuldades e potencialidades, o profissional deve manter um olhar genuinamente
empático em relação ao problema com a qual lidará. Portanto, tanto os profissionais
da equipe multidisciplinar quanto os professores da educação infantil (do berçário até
o final do segundo ciclo, quando a criança se encontra com 5 anos de idade) devem
ter acesso ao conhecimento necessário para ajudar a criança em seu desenvolvimento
neurológico, conhecer a melhor intervenção e qual prática pedagógica utilizar para
melhor estimular o cérebro infantil.
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Alguns profissionais não percebem detalhes, como a postura, o tom da voz, o não
julgamento ao passar uma instrução de atividade etc. Ele pode dar, por exemplo,
uma instrução de costas para o aprendente ou usar a voz muito alta. Essas questões
são inconscientes, mas, quando o docente foca na praxis com o conhecimento
adequado, os padrões comportamentais dele vão se diluindo, enquanto estratégias
funcionais são implementadas.
No início do século XX, o interesse em explicar as funções mais complexas foi crescente,
e a noção de que as diversas áreas cerebrais estavam interligadas ganhou espaço. Em
1940, Walter Hess defendeu a ideia de que o número de estruturas cerebrais envolvidas
para a realização de uma atividade seria proporcional à sua complexidade. James Papez e
Paul McLean ampliaram o conhecimento sobre o sistema límbico, explicando a existência
de um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas, no qual eram processados os
conteúdos emocionais. Nesse mesmo período, o médico William Scoville descreveu o
caso clínico do paciente H. M. (paciente epilético que, após uma cirurgia para remover
seu hipocampo e suas amígdalas, tornou-se incapaz de aprender novas informações), que
ficou amplamente conhecido na literatura como uma das primeiras evidências de que
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Esse campo fértil de contradições contribuiu para ideias como a de Constantin Von
Monakow, que defendia que a diásquise (dano em uma das regiões encefálicas gera prejuízo
em outras regiões) influenciava muitas pesquisas de tendência holística. A discussão
entre localizacionistas e holistas só tomou novos rumos a partir das descobertas de Lev
Vygotsky (1896-1934), que argumentava que a organização cerebral ocorria a partir de
uma inter-relação complexa entre suas partes e que seria responsável pelo funcionamento
do todo. Influenciado pelo psicólogo soviético Alexander Luria (1902-1977), que, a
partir do estudo com pacientes acometidos por lesão cerebral, desenvolveu um novo
conceito de função, Vygotsky desenvolveu estudos que mostraram que o funcionamento
mental variava entre os diferentes estágios do desenvolvimento humano e, ainda hoje,
as ideias dele destacam-se entre as mais importantes dos expoentes da psicologia da
aprendizagem. Graças a ele, as premissas localizacionistas deram lugar à proposta de
funcionamento interligado das áreas cerebrais que predomina na neuropsicopedagogia.
Note que Luria atuou junto a Vygotsky focalizando, inicialmente, no estudo da afasia e
na relação da linguagem com outros processos mentais, visando o desenvolvimento de
técnicas de reabilitação. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, Luria também
desenvolveu pesquisas no Hospital do Exército e focou na descoberta de métodos de
reabilitação de deficiências em pacientes com lesões cerebrais. Para tanto, elaborou
baterias completas para avaliação neuropsicológica que foram amplamente utilizadas em
meados do século XX e continuam a influenciar a forma como os testes são elaborados e
utilizados na avaliação neurológica, tanto que a primeira versão dos testes de Luria deu
origem a diversas outras baterias neuropsicológicas, como a Luria-Nebraska e o teste
de Barcelona, que consistem em avaliações amplas dos diversos domínios cognitivos.
Esses testes ainda são úteis, mas dividem espaço com uma infinidade de testes
neuropsicológicos que vêm sendo elaborados com o intuito de se tornarem cada vez
mais específicos. Além disso, na abordagem neuropsicológica de Luria, o funcionamento
cerebral é explicado com a coparticipação dos dois sistemas funcionais do cérebro.
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Para exemplificar essa condição, vamos abordar o atendimento a pessoas com Transtorno
do Espectro Autista (TEA). Enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) calculava
que, no começo de 2010, havia cerca de 70 milhões de pessoas com TEA em todo o
mundo, em março de 2021, segundo estimativas do Ministério da Saúde, o TEA atingia
mais de 2 milhões de pessoas no Brasil, número que pode ser bem maior se levarmos
em consideração que não existe um exame que identifique o autismo. Por sua vez,
dados do Center of Deseases Control and Prevention (CDC), órgão ligado ao governo
dos Estados Unidos, indicam um caso de autismo a cada 110 pessoas. Portanto, é
possível considerar que haja mais de 300 mil ocorrências somente no estado de São
Paulo. Notamos, então, que, apesar de numerosos, milhões de brasileiros autistas ainda
sofrem para encontrar tratamento adequado, principalmente, porque as causas do TEA
ainda são desconhecidas, embora as pesquisas na área sejam cada vez mais intensas e já
apontem para uma combinação de fatores que levam ao transtorno. Em consequência,
os profissionais que atendem essa demanda precisam estar atentos aos dados da
Avaliação Comportamental do Transtorno do Espectro Autista, pois este é diagnosticado
por meio da observação do comportamento, associado a antecedentes familiares,
informações do pré-natal e aplicação de escalas de comportamento vinculadas a Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC).
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o Campo da neurociÊncia | UNIDADE I
Como esses são apenas alguns sinais para alavancarmos o conhecimento a respeito do
TEA, a diferença entre os autistas traz relevância ao estudo do transtorno e dificuldades
de diagnosticá-lo. Portanto, o profissional tem por obrigação ética discutir o prognóstico
com os responsáveis, independentemente de dor, ansiedade e medo que a situação
venha a gerar. Consequentemente, ele precisa saber informar e esclarecer com muita
paciência aos pais que os progressos, mediante o grau de autismo apresentado pelo(s)
filho(s), podem parecer imperceptíveis ou discretos, mas são de suma importância para
o desenvolvimento da autonomia e do comportamento funcional do indivíduo com TEA.
De acordo com dados do Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB), ONG fundada, em
2005, por pais de pessoas com TEA (influenciado pelo movimento Aspies for Freedom,
organização norte-americana que luta pelos direitos civis dos autistas, fundada em junho
de 2004,), é comum e esperado que surjam questões ligadas à ansiedade dos pais perante
a condição do(s) filho(s) – aqui devemos abrir um parêntese a respeito de pais que
têm mais de um filho autista, pois, na realidade, isso não é raro e gera maior tensão na
relação tanto entre os cônjuges quanto entre os filhos. Sendo assim, também é importante
informar aos responsáveis que, ao fazer um diagnóstico do desenvolvimento atípico de
uma criança, os sintomas apresentam-se de forma intermitente, e, por isso, nem todos se
apresentarão na entrevista inicial. Logo, é essencial que os responsáveis estejam cientes
de que, para obter uma visão geral da criança e constatar a amplitude do distúrbio, é
preciso coletar dados em diferentes contextos. Além disso, a família pode caminhar para
a disfuncionalidade com maior facilidade se não conseguir lidar de forma proativa com o
autismo e os comportamentos que vêm em decorrência dele. Diante dessa situação, pode
haver necessidade de Treino de Pais (TP), de sessões psicoterapêuticas individuais, de casal
e familiar, bem como de grupos de apoio a pais como alternativa de troca de vivências.
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delas, o que inclui orientar a família e desenvolver um trabalho de excelência tanto com
o atendido quanto com o núcleo familiar dele, com base na neurociência e na psicologia
cognitiva, por meio de uma equipe multidisciplinar, formada por vários especialistas,
como psicólogo, neurologista, neuropsicopedagogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional,
fonoaudiólogo, psiquiatra, nutricionista, entre outros profissionais, que trabalharão
em benefício da criança ou de qualquer indivíduo que venha a apresentar dificuldade.
Retomando a psicoeducação
Knapp (2004) alega que essa técnica, quando bem empregada, melhora a motivação
para a mudança e estimula a participação proativa do paciente na recuperação – em
casos onde cabe este termo, pois, no caso do TEA, sabemos que ainda não existe uma
perspectiva de cura. Portanto, podemos dizer que a psicoeducação ajuda o atendido a
eliminar o aspecto distorcido que atribui a si mesmo, tanto por não ser capaz de resolver
algum problema quanto por se culpar pela queixa que o trouxe ao consultório, mesmo
quando apresenta um quadro de negação. Isso pode ser feito por intermédio de folhetos
explicativos, artigos de revistas, livros, páginas de internet, apresentação em flip-chart,
ou com qualquer outro material que possa transmitir informações adequadas ao atendido,
à família e à escola. Ainda de acordo com Knapp (2004), a ressignificação utilizada
na educação cognitiva é semelhante à reatribuição. Portanto, seu objetivo principal é
ajudar o atendido a produzir uma resposta racional aos eventos, ou seja, uma versão
mais lógica, realista e mais adaptativa do pensamento.
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o Campo da neurociÊncia | UNIDADE I
para o resultado final ou pelo reconhecimento de diferentes critérios usados para avaliar
a responsabilidade pessoal e a de terceiros. Cordioli (2008) mostra que essa técnica é
usada quando o paciente apresenta um padrão de autoatribuição de responsabilidades
irreais em relação a vários resultados negativos. Por sua vez, Knapp (2004) afirma que essa
técnica deve ser utilizada com pacientes que se consideram culpados por determinadas
situações ou, de forma oposta, colocam toda a culpa em terceiros. Logo, o objetivo do
profissional é levá-los a considerar todos os possíveis fatores e indivíduos envolvidos na
situação, bem como as circunstâncias, no intento de fazê-los fomentar a ponderação a
um nível mensurável de responsabilidade respectiva aos fatores e aos indivíduos.
Caso clínico
E.C., com 74 anos, foi facilmente diagnosticado com Alzheimer – uma lenta e fatal doença
do cérebro –,pelo psiquiatra, que, diante da situação do paciente, o encaminhou para
uma equipe multidisciplinar. Até então, E.C. era um homem ativo. Nascido no interior
do estado de Minas Gerais, desde cedo, como filho mais velho, começou a trabalhar na
lavoura com o pai. Ao entrar para o quartel, mudou-se para o Rio de Janeiro. Ao sair
do serviço militar, foi trabalhar como cobrador de ônibus. Sempre falante e atencioso,
com o tempo, foi admitido como motorista de uma empresa e, assim, permaneceu por
anos, até integrar no Sindicato dos Rodoviários do Rio.
Casado há 47 anos, tinha três filhos e quatro netos. Tudo caminhava bem, mas sua
esposa, que era técnica em enfermagem, notou lapsos de memória, respostas agressivas,
comportamentos que destoavam da forma como seu marido sempre havia agido. Idas a
médicos e baterias de exames propiciaram o diagnóstico, e os filhos foram informados.
E.C. continuou em seu serviço, porém com uma carga de exigência bem menor, por
causa da idade e por sua situação de saúde, aliada a um progressivo declínio em suas
funções cognitivas, tanto que o sindicato optou por colocar um ajudante junto a ele.
Esse fato desencadeou um quadro depressivo em E.C., que afetou sua relação tanto
conjugal quanto com os filhos, bem como a social. Ele passava os dias deitado na cama
ou no sofá, de acordo com o relato de sua esposa. O jogo de baralho com os colegas foi
abandonado. No trabalho, as reclamações que fazia eram inúmeras, afinal, ele sempre
atuou sozinho e agora tinha outra pessoa em sua sala, interferindo, metendo-se no
trabalho e fazendo tudo errado. Reclamações, mudança no linguajar, falta de paciência
com a esposa, que sempre o acolheu, amou e apoiou, mas que, de uma hora para outra,
passou a ser a mulher que ele aturou por 40 anos, indicaram que personalidade dele
estava sofrendo as interferências da patologia.
A memória mais recente também começou a apresentar falhas. A higiene, que era
impecável, passou a ser um problema, pois E.C. chegava a evacuar na roupa e se recusava
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a tomar banho. Por outro, ele se lembrava da roupa que sua esposa usava no primeiro
dia em que a viu pela primeira vez. Narrava com riqueza de detalhes como foi o primeiro
encontro, o início do namoro. Mas não sabia informar o que havia ingerido no café da
manhã. Consequentemente, a intervenção terapêutica era essencial para promover a
qualidade de vida dele – e das demais pessoas com Alzheimer –, pois, só por meio do
tratamento, o processo de evolução da doença pode ser retardado, conforme o estágio
apresentado pelo paciente.
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REFERÊNCIAS
CAPOVILLA, A. G. S.; CAPOVILLA, F. C. Problemas de leitura e escrita. 3. ed. São Paulo: Memmon, 2003.
FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
LEITE, M. Estudos sobre a teoria de Piaget. Cadernos CEDES, São Paulo: Cortez, n. 14, 1991.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais. São Paulo: Atheneu, 2002.
LINDEN, R. Fatores neurotróficos: moléculas de vida para células nervosas. Ciência Hoje 16 (94), 1993.
31
REFERÊNCIAS
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Machado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
REED, U. C. Neurologia: noções básicas sobre a especialidade. Rio de Janeiro: Wak, 2004.
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