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Guia de Estudos

Desenvolvimento e aprendizagem: da
infância à idade adulta
Reitor: Benedito Guimarães Aguiar Neto

Vice-Reitor: Marco Tullio de Castro Vasconcelos

Chanceler: Davi Charles Gomes

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO E ASSUNTOS ACADÊMICOS

Pró-Reitor: Cleverson Pereira de Almeida

Coordenadora de Apoio Pedagógico: Marili Moreira da Silva Vieira

Coordenadora de Apoio Didático-Pedagógico: Ana Lúcia de Souza Lopes

CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coordenadora Geral: Esmeralda Rizzo

Coordenadora de Apoio Técnico-Administrativo: Jussara Cristina Paulon

Coordenadores da Produção de Materiais Didáticos:

Solange Duarte Palma de Sá Barros

Ubirajara Carnevale de Moraes

COMISSÃO DE CONCEPÇÃO E ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO

Ana Lúcia de Souza Lopes

Esmeralda Rizzo

Marili Moreira da Silva Vieira

Solange Duarte Palma de Sá Barros

Ubirajara Carnevale de Moraes

PROFESSORAS

Maria Elisa Pereira Lopes

Marili Moreira da Silva Vieira

Sheila Carla de Souza

Márcia de Oliveira Regis


© 2017 Universidade Presbiteriana Mackenzie
Todos os direitos reservados à Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nenhuma parte desta
publicação poderá ser substituída por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização.

G943 Guia de estudos [livro eletrônico] : Desenvolvimento e aprendizagem: da


infância à idade adulta / Universidade Presbiteriana Mackenzie ... [et al.]. São
Paulo : Editora Mackenzie, 2017.

7.856 KB ; PDF.

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-67981-23-9

1. Desenvolvimento. 2. Aprendizagem. 3. Infância. 4. Idade adulta.


5. Conhecimento. 6. Educação. I. Título. II. Lopes, Maria Elisa Pereira. III. Vieira,
Marili Moreira da Silva. IV. Souza, Sheila Carla de. V. Regis, Márcia de Oliveira.
VI. Universidade Presbiteriana Mackenzie.

CDD 370.1523

Universidade Presbiteriana Mackenzie


Rua da Consolação, 930
São Paulo – SP – CEP 01302-907
Tel.: (11) 2114-8000
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Sumário

Introdução ao estudo da disciplina ������������������������������������������������������������������������������������� 5


Unidade 1 – Conhecimento e suas influências na Educação���������������������������������������������������� 9
Unidade 2 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: diferentes abordagens teóricas����31
Unidade 3 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: contribuições de Jean Piaget�������48
Unidade 4 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: contribuições de Lev Vygotsky�����67
Unidade 5 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: contribuições de Henri Wallon������88
Introdução ao estudo da disciplina

A escola compõe seu currículo a partir de uma seleção de informações e conteúdos


advindos da cultura; é portadora do conhecimento acumulado ao longo da história e do
modo como se vive nas diversas nações e nos diversos grupos étnicos, espalhados mundo
afora. A partir de uma cultura global, uma cultura parcial considerada excelente para a
formação das futuras gerações é selecionada (GAUTHIER; TARDIF, 2010). Ocorre que
essa escolha se dá sob a influência da cosmovisão de quem a faz e de quem a exercita
no ensino. Então, devemos nos perguntar: qual cosmovisão sustentamos?

Nessa perspectiva, estudaremos o “Conhecimento e suas influências na Educação” e


refletiremos sobre “a forma como aprendemos”. Você fará isso ao interagir com o texto
“Mênon”. Tendo como base a estrutura para aquisição de conhecimento proposta por
Platão, estudaremos também a epistemologia de Michael Polanyi. Isso ampliará nosso
pensamento a respeito da construção do conhecimento, ao entendermos que ele pode ser
desenvolvido de modo objetivo ou subjetivo e aplicado na Educação.

Estudaremos os tipos de conhecimento e suas influências na educação. O conhecimento


objetivo, fundamentado por Francis Bacon, e o princípio da “falseabilidade” defendido por
Popper, em sua crítica aos Positivistas Lógicos, é incorporado na sala de aula com processos
de ensino e aprendizagem mais objetivos. O conhecimento subjetivo, apresentado a partir
da ideia de inconsciente de Freud e Jung, na educação, teve influências em práticas não
diretivas de ensino. A subjetividade na aprendizagem é apresentada a partir da ideia de
inconsciente de Freud e Jung.

Nesse trajeto, examinaremos o caminho trilhado por algumas teorias do conhecimento, em


especial a do conhecimento objetivo, de Francis Bacon e Karl Raymond Popper. Sobre a
teoria do conhecimento subjetivo, estudaremos as ideias de Carl Jung e Sigmund Freud.
E, sobre o conhecimento tácito, a epistemologia de Michael Polanyi, o qual postula sua
teoria partindo da valorização do conhecimento tácito nas relações de desenvolvimento
humano e do modo como é vista a construção do conhecimento. A partir desses elementos,
pensaremos sobre o momento em que vivemos hoje. Refletir sobre as teorias apresentadas
e levar em consideração o cenário educacional brasileiro são passos fundamentais
para arriscarmo-nos a assumir nossa posição como educadores na sociedade da qual
fazemos parte.

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É interessante pensar que, na condição de docentes deste curso, foi unânime a
percepção de um questionamento dos alunos: por que estudar psicologia em um curso de
pedagogia? Muito do que a ciência propõe sobre processos de desenvolvimento humano
e aprendizagem decorre de estudos provenientes da Psicologia, os quais são aplicados
à educação.

Aí está a resposta! É necessário compreender e agregar as contribuições da Psicologia


para a área educacional. Por isso, caros alunos, existe a necessidade de estudar Psicologia
em um curso de formação de professores! A isso chamamos de Psicologia na Educação
ou Psicologia da Educação, ou seja, significa estudar e compreender um fenômeno
convergente entre uma área de conhecimento e outra, a Psicologia e a Pedagogia.

Coll, Marchesi e Palácios (2004) apontam o estado atual da Psicologia da Educação; diz
que ela está fortemente marcada por três fatores: primeiro, a reconsideração das funções
e das finalidades da educação em geral, além da revisão crítica da velha aspiração de
construir uma teoria e uma prática educacionais sobre bases científicas; segundo, o
surgimento de novos conceitos e enfoques teóricos em psicologia do desenvolvimento,
em psicologia da aprendizagem e, particularmente, em psicologia da educação e do
ensino; terceiro, a mudança das relações adotadas entre psicologia e educação e as
contribuições e os aportes da primeira em relação à segunda.

Para ficar mais claro, a equipe docente responsável pela composição deste Guia de Estudos
optou pela elaboração de cinco unidades teóricas acerca do Tema Desenvolvimento e
Aprendizagem: da infância à idade adulta.

Unidade 1 – Conhecimento e suas influências na Educação

Nesta unidade, estudaremos a história do conhecimento em companhia de filósofos,


autores e pensadores que se debruçaram na compreensão deste fenômeno e, assim,
compreenderemos sua influência na educação.

Unidade 2 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: diferentes abordagens teóricas

Nesta unidade, são apresentados os conceitos teóricos que contribuíram para a com-
preensão do desenvolvimento humano e para as relações existentes com a aprendizagem.
O objetivo é problematizar, debater e ilustrar as correntes teóricas da Psicologia que
influenciaram os processos de condução de comportamentos e aprendizagens na escola.

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Unidade 3 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: contribuições de Jean Piaget

A temática desta unidade é a compreensão do desenvolvimento humano de acordo com


as perspectivas teóricas de Piaget. Levando em conta a extensão de sua obra, optou-se
por destacar os postulados voltados à área educacional. Dessa maneira, os principais
objetivos desta unidade são apresentar os processos mentais de equilíbrio, desequilíbrio,
assimilação, acomodação e adaptação, além das fases – também conhecidas como
estágios e/ou estádios – do pensamento humano: 1) sensório-motor; 2) pré-operatório; 3)
operatório concreto e 4) lógico formal. Vale ressaltar que cada uma das fases e/ou estágios
correspondem a uma faixa etária para a Teoria piagetiana, a qual compreenderemos
melhor quando chegarmos a esta etapa do estudo.

Unidade 4 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: contribuições de Lev Vygotsky

Nesta unidade, serão apresentados conceitos acerca da obra de Vygotsky e suas rela-
ções com a área educacional. A unidade tem o objetivo de apontar a prospecção de sua
obra por meio da definição de conceitos básicos, como a mediação, a cultura, a Zona
de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e a linguagem. Nesse sentido, é importante pensar
sobre a evolução das funções psicológicas elementares para as funções psicológicas
superiores, destacando-se o pensamento e a linguagem como as principais ferramentas
humanas.

Unidade 5 – Desenvolvimento humano e aprendizagem: contribuições de Henri Paul


Hyacinthe Wallon

Nesta unidade, são apresentados conceitos teóricos propostos por Henri Wallon sobre
o desenvolvimento humano e a aprendizagem. É interessante constatar que apesar
de pouco presente na área educacional no Brasil, esse teórico conseguiu observar e
aproveitar muitos conceitos contemporâneos sobre a integração do indivíduo (pessoa)
e o seu processo de desenvolvimento de maneira geral, inclusive no aspecto cognitivo.
Resumidamente, para Wallon, a personalidade e a inteligência são instâncias psíquicas
indissociáveis e é assim que o indivíduo consegue interagir operacional e evolutivamente
na natureza.

Finalizamos esta breve apresentação com um desafio. Assista ao documentário “A invenção


da infância” (2015) e reflita sobre o tema do desenvolvimento humano e da aprendizagem.

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Recentemente, tivemos em pauta um assunto que gerou debate em vários setores
da sociedade: a Lei nº 13.010, também chamada Lei da Palmada (BRASIL, 2014).

Reflita sobre estas questões:

1) Você acredita que todas as crianças brasileiras têm infância?

2) Você é a favor ou contra a Lei da Palmada? Justifique sua resposta.

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UNIDADE 1

Unidade 1 – Conhecimento e suas influências


na Educação

Nesta unidade, viajaremos pelo tempo e pelas regiões na medida em que teorias e
pensamentos nos são apresentados. Por meio de leituras, vídeos e filmes, estabeleceremos
o contexto que embala a cosmovisão dos autores, filósofos, pensadores e educadores
que orientam a prática educacional ainda nos dias atuais.

O modo como a educação moderna é influenciada pela sociedade em que se encontra


impacta diretamente na escolha das teorias que norteiam suas práticas educativas.
Tal movimento nos leva a refletir sobre como essas teorias são construídas e em quais
contextos elas nasceram e se desenvolveram.
Fonte: istockphoto.com

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UNIDADE 1

Objetivos de aprendizagem

Objetivos conceituais

• Conhecer as diferentes teorias do conhecimento dentro de um universo de teorias do
conhecimento e de desenvolvimento humano existentes.
• Identificar as visões de homem e de mundo nas teorias de conhecimento e de
desenvolvimento humano apresentadas.

Objetivos procedimentais e habilidades

• Desenvolver a metacognição a partir da reflexão sobre as teorias de conhecimento


estudadas.
• Desenvolver a própria percepção para proceder a avaliações críticas das visões de
homem e de mundo.

Objetivos atitudinais e valores

• Atentar-se ao mundo que nos cerca, sendo capaz de acreditar que a postura
pedagógica adotada e desenvolvida pode influenciar o modo de vida dos alunos e da
sociedade, vislumbrando a possibilidade de transformação.

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UNIDADE 1

Explorando os conceitos (parte 1)

O que é conhecer? O que é conhecimento? Como aprendemos? Como você aprende?


Procure identificar como se dá o seu processo de construção do conhecimento. Busque
em sua memória suas experiências de aprendizagem. Você identifica alguma diferença
entre a forma de aprendizagem da escola e da vida cotidiana?

Assista ao vídeo “The Potter” (2008). Tome nota de suas considerações, buscando
responder às provocações feitas anteriormente.

Sugerimos, ao longo dessa unidade, que você tome notas de suas considerações e de
suas reflexões para compreender o desenvolvimento e o percurso dos processos de
construção do conhecimento e do desenvolvimento humano.

Para tanto, precisamos partir de alguns conceitos.

Para desenvolver a ideia de conhecimento e aprendizagem, ou de como esse tema tem


sido construído ao longo da história, propomos que você trilhe o caminho realizado pelos
gregos. Observemos que, por meio de diversas experiências, os gregos antigos formaram
as bases da civilização ocidental; foram eles que descobriram a geometria, a matemática
teórica, a lógica, a gramática, a retórica, a filosofia, a física, a biologia, a astronomia
científica. Além disso, também desenvolveram a arte do teatro e aquilo que podemos
chamar de arte humanista, a qual se propõe a representar os seres humanos, não os
deuses ou a natureza.

Os gregos também criaram os jogos olímpicos e o conceito de democracia. O que


caracteriza com fidelidade a identidade grega é a vontade de compreender o que
lhes acontecia, enquanto seres humanos, e o empenho que tiveram em traduzir essa
compreensão em um novo tipo de linguagem: o discurso racional, como concluem Gauthier
e Tardif (2010).

É nesse contexto que destacamos um dos textos que compõem os diálogos socráticos,
registrados por Platão, “Uma questão de época: a virtude é coisa que se ensina?”. O
diálogo apresenta como personagens principais Sócrates e Mênon e, apesar de Ânito,
que hospeda Mênon em Atenas, estar presente na conversa, provavelmente, possui um
ginásio ou uma ágora como espaço.

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UNIDADE 1

A ágora desempenhava importante papel na cidade grega de Atenas,


pois era o espaço público em que pessoas de uma mesma comunidade
se relacionavam; ideias e pessoas se reuniam nesse grande centro de
circulação de produtos. Esta “praça” pública se caracterizava como Ágora ;
“assembleia”, “lugar
um espaço construído onde se deliberavam assuntos importantes para de reunião”, derivada
a vida dos cidadãos e da sociedade como um todo (CASTELANI, 2016). de , “reunir”.

Fonte: Castellani, 2016.

Sócrates, filósofo grego, praticava, sobretudo com os jovens, um tipo


de questionamento que teve grande influência na cultura da época
e na educação: os “diálogos socráticos”. Pertencia a uma família
da nobreza que teve importantes ligações com Pérsia e Atenas. No
desenvolvimento do diálogo visto entre Sócrates e Mênon, a questão
que se abre por Sócrates é da definição sobre o que é a virtude?
Movimento típico dos diálogos desse grupo.

O autor aponta que, para Sócrates, o ensino consistia basicamente de:

• Pressupor o que o aprendiz já sabe e, de alguma forma, o que se Para aprofundar


pretende transmitir. um pouco mais sua
compreensão do
• Facilitar o processo de “relembrar” as verdades já conhecidas. diálogo sofístico, leia
• Confiar que a alma busca, reconhece e recebe a verdade toda vez que “Como sabemos?”
(GOMES, 2008).
consegue contemplá-la.

Conheça um pouco mais sobre o filósofo ateniense, assistindo ao


vídeo: “Grandes Pensadores: Sócrates” (2015), ou com a belíssima
exposição de Mário Sergio Cortella.

Podemos nomear essa visão de homem, que orienta os educadores, a forma


de ensinar e de promover o desenvolvimento, de Essencialista. Nesta visão,
existe uma essência humana, um modelo a ser atingido pela educação. Vale
ressaltar que, epistemologicamente, essa visão de mundo e de conhecimento
se reflete como uma teoria chamada de Inatismo. Você saberia dizer a razão
disso?

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UNIDADE 1

Você identificaria outra dificuldade no processo educacional a partir da


análise do diálogo na íntegra? Amplie suas anotações, escrevendo um texto
que apresente suas impressões e críticas ao modelo de aprendizagem
identificado no diálogo sofístico. Esse tipo de exercício é importante para
auxiliá-los a estabelecer relações em sua leitura.

Apesar de ser categorizada na era Antiga, ainda hoje convivemos com


visões de mundo que influenciam a prática pedagógica a partir desse ideal
essencialista estudado. O ser humano, ao estudar e buscar a verdade,
interpreta o mundo, conhece a realidade e desenvolve teorias diferentes. Para Platão, a
verdadeira educação
Inaugura-se, por volta do século XVII, e tem seu ápice no século XIX, uma ajuda o ser humano
visão naturalista de ser humano que influenciará a compreensão do que é a superar sua
existência real e a
conhecimento e de como se dá o processo de ensino e desenvolvimento buscar a essência
humano. verdadeira, no mundo
das ideias.

O século XIX de Bacon – No período compreendido como Assista ao vídeo


“Mito da Caverna de
Renascimento, uniram-se vários elementos da cultura cristã, florescida Platão” (2010).
na Idade Média, e da cultura clássica (greco-latina), a qual passou a
ter uma dimensão maior na Europa Ocidental, sobretudo nas regiões
de intenso comércio marítimo, como Itália (ao sul), Holanda e Países
Baixos (ao norte), os quais tiveram um intenso desenvolvimento urbano
ainda no período medieval. Já no auge do Renascimento, ocorreram
dois acontecimentos decisivos no âmbito intelectual, religioso, moral e
político da Europa: invenção da imprensa, por Joannes Gutemberg,
e a Reforma Protestante, destacada por Martinho Lutero.

Ao abordarmos a temática de como aprendemos, queremos aprofundar as


discussões sobre as teorias do conhecimento. Conheceremos agora três
teorias: Conhecimento Objetivo, Conhecimento Subjetivo e Conhecimento
Tácito. Vamos lá?

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UNIDADE 1

Explorando os conceitos (parte 2)

Conhecimento objetivo

Para desenvolvermos as ideias relacionadas ao conhecimento e à


aprendizagem objetiva, apresentaremos dois teóricos que defendem seus
procedimentos para o conhecimento objetivo do mundo natural.

FRANCIS BACON (1561-1626)


Fonte: Colony Of Commodus

Francis Bacon nasceu em Londres,


Para compreender a
em 22 de janeiro de 1561, na York
ideia de organização
House, residência de seu pai, apresentada por
Bacon, é interessante
Sir Nicholas Bacon, guardião do
conhecer o
Sinete da rainha Elizabeth. A mãe, significado da palavra
Método. De origem
Lady Anne Cook, foi linguista e
grega, significa
teóloga com habilidades para se caminho. Segundo
o dicionário Silveira
corresponder em grego com os
Bueno (1990, p. 379)
bispos da época. Sendo assim, ela método “[...] é a
ordem que se segue
mesma instruiu o filho, dedicando
na investigação da
todo seu esforço para isso. Bacon começou sua carreira como político e verdade, no estudo
de uma ciência ou
jurista, antes sob a rainha Isabel, depois, sob o rei Jaime I, subindo até os
para alcançar um
mais altos cargos. fim determinado;
marcha racional
da inteligência
Com sua inteligência privilegiada e muito esclarecida em diferentes áreas do para chegar ao
conhecimento ou à
conhecimento, logo compreendeu sua vocação para cientista, de acordo com
demonstração de
o espírito positivo e prático da mentalidade anglo-saxônica. Foi uma figura uma verdade”.
importante no período de transição do Renascimento para a Era Moderna,
contribuindo grandemente no campo da Filosofia Natural e da Metodologia
Científica.

O pensamento indutivo de Bacon pede que iniciemos com situações


observáveis para depois raciocinar com afirmações e leis. Para ele, indução
é a lógica de se chegar a generalizações baseadas em observações
sistemáticas de particularidades. A indução envolve coletar dados a
respeito de particularidades, mas não é meramente uma catalogação ou
enumeração de dados. Os dados devem ser analisados; onde contradições

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UNIDADE 1

forem encontradas, algumas ideias devem ser descartadas. Além disso,


os fatos devem ser processados ou interpretados ao mesmo tempo.
(GALVÃO, 2007, p. 36)

Que implicações teria essa concepção para a educação? Tome notas de


suas ideias a esse respeito. Elas serão muito úteis para seu processo de
conhecimento.

Para o filósofo inglês, o estudo deveria ser dirigido para os fenômenos


da natureza, como único meio de obter o equilíbrio entre a prática e o
conhecimento. Caberia aos seus sucessores tornar essa nova e produtiva
Conheça a obra de
espécie de conhecimento a essência da educação escolar. Francis Bacon, Nova
Atlântida (1984).

Nessa época, psicólogos voltados para o estudo da aprendizagem e


do comportamento propuseram que a aprendizagem também pode ser
mecanizada e controlada para que se alcance o planejado para cada situação.
Nesta direção, vieram os behavioristas, sobre os quais aprenderemos mais
na próxima unidade.

Cláudio Saiani (2004, p. 30) organiza o Método Científico de Bacon defendendo


que, para o bom conhecimento do mundo natural, seriam necessários os
seguintes procedimentos:

• Primeira etapa: Observação dos fatos, registro das observações e


compilação de um volume considerável (o máximo que for possível) de
dados confiáveis.
• Segunda etapa: Formular uma hipótese acerca da lei natural presente
nos fenômenos observados. Trata-se de criar generalizações a partir
de observação dos fatos particulares, indutivamente, para chegar à
formulação de leis e de teorias”.
• Terceira etapa: Testar a hipótese por meio de um experimento crítico.
Se tal experimento confirmar a hipótese, estamos diante de uma lei
natural.

Advindo do Círculo de Viena e, contrapondo a concepção baconiana de


ciência, apresentamos as ideias de Popper.

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UNIDADE 1

KARL RAYMUND POPPER


Fonte: LSE library

(1902-1994)

Karl Raymund Popper nasceu A Viena de Popper:


Entre os anos
em 1902, em Viena. Filho de pais 1897 e 1910, Karl
judeus convertidos ao cristianismo, Lueger, um socialista
cristão, ocupou a
recebeu uma formação luterana. Foi prefeitura de Viena e
de seu pai, profundo apaixonado se tornou o prefeito
mais famoso. Ele
pelos clássicos e pela Filosofia, que promoveu uma
recebeu o interesse pela política e grande reforma
municipal que ficou
pelas Ciências Sociais. A herança conhecida como
recebida por sua mãe foi a paixão os fanáticos do
antissemitismo. Tal
pela música: chegou a ser bastante ativo na vanguarda musical liderada por reforma foi dirigida
Shoenberg. Nesse período, desenvolveu uma amizade com o compositor especialmente aos
“judeus orientais”
Anton Webern e 1919 foi fundamental para a formação intelectual do jovem da Galizia, bem
Popper: nessa ocasião, participou ativamente da política de esquerda, tendo como à burguesia
vienense. Naquela
sido marxista por um certo período, e, por fim, desiludiu-se com seu caráter época, a cidade
doutrinário (SAIANI, 2004, p. 27) tornou-se o centro
de art nouveau. Na
música, originou-se
Inicialmente, Popper estudou para ser professor, contudo, em sua obra, a segunda Escola
Vienense de Arnold
não é possível perceber qualquer preocupação com a transmissão de Schoenberg.
conhecimento. Em 1925, recebeu o diploma para lecionar nas escolas
O vídeo “Vienna, in
primárias e passou a trabalhar no Instituto de Pedagogia de Viena. Obteve the late 1920s and
um PhD em Filosofia, em 1928 e licenciou-se, em 1929, para ensinar Física e early 1930s, Wien”
(2013) mostra, ao
Matemática em escolas secundárias, como relata Saiani (2004, p. 28). som instrumental,
imagens da cidade
de Viena na década
O positivismo é uma corrente de pensamento filosófico, sociológico e de 1920, período em
político que surgiu por volta do século XIX, na França, e que fundamenta que Popper viveu
sua juventude e início
a tendência Naturalista. A principal ideia do positivismo é que o de sua formação
conhecimento científico devia ser reconhecido como único método acadêmica. Vale
apreciar!
de adquirir-se conhecimento verdadeiro. O principal idealizador do
movimento positivista foi o pensador francês Auguste Comte (1798-
1857). Saiba mais em “Significado de Positivismo” (2016).

Para Popper, o que distingue a racionalidade científica é a atitude crítica;


para tal, é necessária a busca da verdade ao invés da defesa de teorias
que possam eventualmente escondê-la ou dela se afastar. A partir dessa

16
UNIDADE 1

ideia, o filósofo compreende que a ciência se assemelha a um pântano, lugar em que, de


vez em quando, é possível encontrar uma pedra firme. Seu racionalismo crítico coloca-se
frontalmente contra algumas das principais construções teóricas de seu tempo, sobretudo
a Psicanálise de Freud, a Psicologia Individual de Adler e o Marxismo (além do Positivismo
Lógico), segundo Oliveira (2012).

Em oposição ao Método científico de Bacon, Popper propõe o princípio da “falseabilidade”,


colaborando com a lógica dedutiva e, claramente, colocando-se contra a linha indutiva de
pensamento. Para ele, a ciência necessita cumprir três etapas (SAIANI, 2004, p. 31):

• Primeira etapa: colocação de um problema.


• Segunda etapa: elaboração de conjecturas, (hipóteses) no sentido de resolver, ainda
que de modo provisório, o problema em pauta.
• Terceira etapa: tentativas honestas de refutar tais conjecturas.

De acordo com as ideias de Popper, o “experimento decisivo” não é aceitável. A verificação


cabal de uma teoria não deve ser concebida, deve existir a possibilidade de refutá-la. Para
ele, uma boa teoria comporta apenas corroborações provisórias e não a comprovação
definitiva. Toda teoria deve ser passível de ser refutada, devendo, até mesmo, prever
as condições segundo as quais ocorreriam tais refutações. Em certo sentido, deve ser
proibitiva, ou seja, proibir algo, e ser falseada quando tal tema se verifique. Além disso,
Popper recusa a observação pura; considerada toda observação realizada como modo de
comprovar ou refutar uma teoria (SAIANI, 2004, p. 31).

Façamos uma breve pausa para verificar nossa compreensão.

1. Compare os dois teóricos apresentados, indicando as diferenças observadas em


relação ao tempo histórico e ao contexto social e político em que viveram.
2. Quais semelhanças presentes tanto no pensamento de Bacon quanto no de
Popper serviram de alicerce para a evolução dos conceitos dentro da investigação
científica?
3. Escolha um artista do Renascimento e um famoso músico de Viena e pesquise
sobre suas vidas e obras. Você observa traços do pensamento dos teóricos
estudados nessas obras?
4. Em sua opinião, a contribuição de Bacon e Popper para a educação ainda
permanece nos dias de hoje?

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UNIDADE 1

Em 1972, entretanto, Popper considera a existência de epistemologias


subjetivistas e dedica todo um livro para combatê-las. Popper estabelece a
distinção entre conhecimento subjetivo e conhecimento objetivo.

• O conhecimento ou pensamento, em sentido subjetivo, é constituído de


um estado de espírito, de consciência, ou de uma disposição para reagir.
• Conhecimento ou pensamento, em sentido objetivo, é constituído de
problemas, teorias e argumentos como tais (SAIANI, 2004, p. 39).

Conhecimento subjetivo

SIGMUND FREUD (1856-1939)


Fonte: Institut für Psychotherapie Berlin

Na região da Moravia, Freiberg


A Primeira Guerra
(atual Príbor), em 6 de maio de
Mundial, de 1914
1856, nasceu Sigmund Freud, o até 1918, foi
devastadora para
fundador da Psicanálise. Filho
Freud e o movimento
de Jacob Freud com sua terceira psicanalítico. “Para
Freud, a Grande
esposa, Amália Freud, teve nove
Guerra, é, antes
irmãos, dois do primeiro casamento de tudo, a vivência
do abismo de uma
do pai e sete do casamento entre
forte desilusão, que
seu pai e sua mãe. Ele era o filho decorre da perda de
sentido do processo
mais velho e muito querido por sua
civilizador”. Saiba
mãe, a qual costumava chamá-lo de “meu Sigi de ouro”. mais em “Freud e
a Guerra de 1914”
(LESSA, 2014).
Seu pai, comerciante de lãs, em 1860, mudou-se com a família para Viena,
cidade em que Freud passou quase toda sua vida. Morreu em 23 de setembro
de 1939, em Londres, exilado pelos efeitos do nazismo.

De família pobre, formou-se em medicina em 1882 e casou-se com Martha


Bernays, durante seu estabelecimento como médico. Tiveram seis filhos:
Mathilde, Martin, Oliver, Ernst, Sophie e Anna.

Sigmund Freud não deve ser considerado apenas o pai da psicanálise, mas,
sobretudo, o fundador de um modelo muito particular e inédito de produzir
ciência e conhecimento. Ele reinventou o que se sabia sobre a alma humana,
a (psique), quebrando os paradigmas de toda a tradição do pensamento
ocidental, a partir de uma obra em que o pensamento racional, consciente

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UNIDADE 1

e cartesiano perdeu seu lugar exclusivo e seguro. Estudos sobre a vida inconsciente,
realizados ao longo de sua vasta obra, tornaram-se referência para a ciência e filosofia
contemporâneas. A influência de Freud no pensamento ocidental não é apenas
incontestável, ela amplia seu alcance ao influenciar e dialogar com as mais variadas
áreas do saber, como a filosofia, as artes, a literatura, a teoria política e as neurociências
(FREUD, 2011).

O nascimento da Psicanálise é marcado pela afirmação de que o inconsciente e a


sexualidade eram campos inexplorados da alma humana, áreas em que repousava todo
um potencial para uma ciência que ainda não havia sido despertada. Neurologista de
formação, durante sua prática clínica, percebeu que as pacientes histéricas, manifestando
sintomas físicos sem que as causas fossem aparentes, acabavam sendo tratadas com
indiferença médica e negligência no ambiente hospitalar. Nesse contexto, Freud defendeu
a necessidade de uma nova ciência que estudasse a histeria e, debruçando-se sobre a
observação dessas pacientes, buscou, desde o início, as raízes psíquicas do sofrimento
histérico e não a explicação neurofisiológica desses sintomas. Para isso, procurava dar
voz às pacientes, ouvindo o que elas tinham a dizer. No início de seus estudos, Freud
fazia uso das hipóteses levantadas como técnica de cura. Segundo ele: “o paciente tem
sempre razão. A doença não deve ser para ele um objeto de desprezo, mas ao contrário,
um adversário respeitável, uma parte do seu ser em que tem boas razões para existir e
que lhe deve permitir obter ensinamentos preciosos para o futuro” (FREUD, 2011, p. 7).

A cura pela palavra, pensada por Freud na dimensão de tornar consciente o inconsciente,
propõe-se como uma fala do sujeito endereçada à escuta de um outro (o psicanalista).

Freud deixa claro que seus fundamentos, e suas expectativas em contribuir com a ciência
que desenvolveu, são pautados em um modelo subjetivo de conhecimento. Contudo,
para considerá-los, faz-se necessário um certo distanciamento que permita uma análise
passível de julgamento.

19
UNIDADE 1

CARL JUNG (1875-1961)


Fonte: Soultherapynow

Carl Gustav Jung nasceu no vilarejo de Kesswill,


junto ao lago de Constança, em 26 de julho de
1875, na Suíça, país onde residiu durante toda
sua vida. Recebe o nome como homenagem ao
avô que era professor de medicina. Filho de Johan
Paul Achilles Jung (pastor) e Emilie Preiswerk
(descendente de uma família tradicional de
Basiléia), durante a infância, mostrou-se um
menino solitário, preferindo as brincadeiras
individuais mesmo depois do nascimento de sua
irmã, quando tinha nove anos. Não gostava de ser perturbado e ficava profundamente
concentrado nas brincadeiras. Ele não se mostrava receptivo às críticas nem às pessoas
que interferissem em suas atividades (JUNG, 2002).

Em sua própria tipologia, um introvertido intuitivo, Jung não estava interessado nos
aspectos práticos do viver no mundo. Seu foco foi sobre individuação por meio de ciência
do inconsciente. Jung fundou uma escola de psicoterapia e psicologia, a qual denominou
psicologia analítica.

Jung desenvolveu uma elaborada metapsicologia. Seu construto do aparelho psíquico


diferia da topologia freudiana de ego, superego, id e ideal do ego, diagramada para fins
de comparação na Figura 1 (a seguir). A Figura 2 apresenta a visão de Jung do aparelho
psíquico. Abaixo de uma margem externa de consciência está o inconsciente pessoal,
contendo os complexos. Contidos dentro do inconsciente pessoal e conectados aos
complexos estão os arquétipos, os elementos do self, que, por sua vez, conectam-se a
superfície da personalidade como o ego.

Arquétipos: conceito criado por Carl Jung em 1919. Refere-se a um “conjunto


de imagens” primordiais originadas de uma mesma experiência durante muitas
gerações, armazenadas no inconsciente coletivo. Os arquétipos da Morte, do Herói
e do Fora da Lei são exemplos de algumas figuras que todos temos no imaginário
desde criança. Independentemente de onde fomos criados, do país em que vivemos
e de nossas religiões e crenças, essas imagens são muito parecidas para todos.
É por isso que os arquétipos estão presentes nos mitos, lendas e contos de fadas.
Saiba mais em “O que é arquétipo?” (2016).

20
UNIDADE 1

Figura 1 - A topologia freudiana do aparelho psíquico

Figura 2 - O aparelho psíquico jungiano

Leia abaixo o trecho que introduz os estudos de Carl Jung e pense nas escolhas que
definem o que se aprende na escola. Quais aspectos são preponderantes nessas
escolhas de conteúdos? Aspectos subjetivos ou objetivos? Existe uma preocupação com
ambos os aspectos de modo a valorizar os dois processos presentes no desenvolvimento
humano? Não se esqueça de tomar notas sobre o que considera relevante a respeito dos
questionamentos levantados.

21
UNIDADE 1

“Ao meditarmos sobre o processo da vida humana, vemos que a sorte de uns está mais
condicionada pelas coisas de seu interesse objetivo, ao passo que a de outros está mais
dependente do próprio íntimo, do sujeito. Ora, como todos propendemos, até um certo
ponto, mais para um lado do que para o outro, é natural que, em cada caso, a nossa
tendência seja para interpretar tudo de acordo com nosso próprio tipo” (JUNG, 1981, p.
27, apud SAIANI, 2004, p. 19).

Conhecimento tácito

MICHAEL POLANYI (1891- 1976)


Fonte: Eoht

Michael Polanyi nasceu em 1891, em Budapeste,


Hungria. Veio de uma família judaica de ilustres
cientistas e acabou seguindo os passos da
ciência. Formou-se em Medicina, serviu como
médico no exército austro-húngaro durante
a Primeira Guerra Mundial e, em seguida,
especializou-se em química. Teve o interesse
por política acentuado durante as décadas de
1930 e 1940, com o mundo vivendo sob intensa
incerteza acerca do futuro. Fundou, em 1947, ao
lado de figuras como Hayek, Popper, Milton Friedman e George Stigler, a Sociedade Mont
Pelerin, uma das mais renomadas defensoras do liberalismo no mundo.

Segundo Polanyi, “A crença principal que embasa uma sociedade livre é a de que o homem
é ao mesmo tempo receptivo à razão e suscetível aos clamores de sua consciência”.

O liberalismo é uma doutrina político-econômica que se caracteriza pela sua


atitude de abertura e tolerância a vários níveis. De acordo com essa doutrina, o
interesse geral requer o respeito pela liberdade cívica, econômica e da consciência
de cidadãos. Esse movimento surgiu na época do iluminismo contra a tendência
absolutista e indica que a razão humana e o direito inalienável à ação e realização
própria, livre e sem limites são o melhor caminho para a satisfação dos desejos e
necessidades da humanidade. Este otimismo da razão exigia não só a liberdade
de pensamento, mas também a liberdade política e econômica. Saiba mais em
“Significado de Liberalismo” (2016).

22
UNIDADE 1

A defesa pela ciência pura – ciência pela ciência, como busca pela verdade – recebeu de
Polanyi uma enorme relevância. Ele defendia ser mantida, enquanto muitos defendiam a
necessidade de sua manutenção em uma época que a ciência só era válida se tivesse uma
utilidade social clara ou até imediata. Ele afirmava que a essência da ciência está no amor
ao conhecimento. Contudo, essa visão batia de frente com o marxismo de seu tempo, o
qual tratava da ciência apenas como um instrumento para o bem-estar material, que seria
antes utilizado pela burguesia de acordo com interesses de classe. Ele não aceitava essa
imagem da ciência e lutou para desvincular a atividade científica criativa de uma visão
determinista do mundo. Polanyi, entretanto, apoiou-se em seu extenso conhecimento
científico e amplo interesse em múltiplas áreas de investigação do conhecimento humano
para investir em uma proposição filosófica de compreensão de mundo que tem no
conhecimento seu pilar (SAIANI, 2004). Tais ideias, segundo Prosch (apud SAIANI, 2004,
p. 50), consistiam em:

I. rejeição de toda autoridade;


II. existência de estados objetivos (“algo independente de nossa mente, que cabe a
nós conhecer”);
III. o observador manter uma postura distanciada, não participativa;
IV. o árbitro final de uma teoria ser um experimento crucial (algo, portanto, distante do
observador).

Polanyi decide, então, construir uma epistemologia independente da objetividade científica,


e, para isso, baseia-se naquilo que ele mesmo pode observar. A partir de uma questão
da psicologia Gestalt, a do reconhecimento fisionômico, constrói, passo a passo, uma
estrutura conceitual complexa a partir de insights e generalizações sucessivas em torno
da concepção de conhecimento tácito.

Conhecimento tácito é adquirido pelo indivíduo ao longo da vida. São conceitos,


ideias, relacionamentos. Normalmente, é um conhecimento difícil de se explicar a
outra pessoa, pois é subjetivo, está ligado às habilidades que o indivíduo acumula
ao longo da vida, por meio de múltiplas experiências. Algo que está dentro do
indivíduo e que não pode ser medido, explicitado nem registrado.

A palavra “tácito”, do latim tacitus, significa “não expresso por palavras”. Logo, a
melhor forma de transmiti-lo é por meio da convivência, da troca de experiências,
das interações que fazemos com o grupo dos quais participamos, utilizando a
comunicação oral e contato direto com as pessoas. Fonte: Mendes, 2005.

23
UNIDADE 1

Os seus argumentos articulam um poderoso e abrangente modelo de


construção de conhecimento que, aplicado à experiência da busca de
conhecimento, enquanto objeto da atividade de pesquisa científica em
si, explica como se dá esta experiência, validando o modelo conceitual Assista ao vídeo
“Gestão do
proposto, enquanto desafia o objetivo declarado da ciência moderna de conhecimento –
estabelecer um conhecimento que seja estritamente objetivo e independente Tácito” (2015), e
tome notas sobre
do observador. suas observações
a respeito do
conhecimento tácito.
É preciso distinguir entre aquilo que é percebido, isto é, captado pelos
nossos órgãos sensoriais, e a forma pela qual esses objetos percebidos
são processados ou interpretados pelo cérebro. Segundo Polanyi, quando
vemos um objeto contra um fundo, executamos um ato mental onde o todo
funciona de modo subsidiário. Alguns indícios utilizados na percepção não
são notados nem o podem ser. Contudo, por participarem, mesmo de modo
subsidiário, na estruturação de um objeto integrado, é possível dizer que
“sabemos mais do que podemos relatar” (SAIANI, 2004, p. 53).

Servindo-se de termos utilizados na anatomia, Polanyi atribui ao conhecimento


dois componentes: proximal (subsidiários) e distal (focal) para desenvolver a
ideia de generalizações da Gestalt. Ele propõe uma relação funcional entre os
A pintura Uma tarde
termos. Ao observar um rosto, confiando em diversas características, como de domingo na ilha
cor dos olhos, formato da boca etc, nosso interesse principal de percepção de La Grande Jatte,
de Georges – Pierre
(distal) é o rosto, não as características percebidas de modo subsidiário Seurat, é feita por
(proximal). Podemos aplicar o mesmo conceito às pinceladas (proximal) meio de pontos
coloridos (daí o
que constroem um quadro (focal). A relação existente entre os dois termos nome de pontilhismo
apresentados por Polanyi, além de funcional, é semântica, uma vez que o para esse estilo). No
detalhe fica claro a
distal é conforme o significado do proximal. Assim, é possível concluir que a estrutura dos pontos,
percepção é sempre significativa. que cria uma ilusão
de tonalidades em
quem a observa
a partir de uma
distância adequada.
Essas tonalidades
não necessariamente
fazem parte do
quadro e são
inseridas pela
observação e
decorrentes
interpretação do
nosso cérebro
(0STERMANN &
CAVALCANTI, 2010).
Figura 3 – Uma tarde de domingo na ilha de La Grande Jatte – Pierre Seurat

24
UNIDADE 1

Por meio do corpo, percebemos e conhecemos tacitamente, por isso nosso corpo é a única
coisa que não experimentamos como algo externo a nós. Se consideramos a transformação
de uma ferramenta (ou de outro elemento mediador de nossa experiência no mundo) em
uma extensão sensorial de nosso corpo e passarmos a esperar a apreensão de outras
entidades a partir dela, ela poderá ser interiorizada, incorporada. A interiorização, tomada
como integração de particularidades, é um meio de fazer com que certas coisas funcionem
como termo proximal do conhecimento prático, de modo que, ao invés de observá-las em
si mesmas, possamos percebê-las na entidade abrangente que constituem (LAGE, 2010).

Assim, segundo Polanyi:

[...] estendemos continuamente o nosso corpo no mundo, incorporando conjuntos


de particularidades que associamos a entidades que nos parecem razoáveis.
Desta forma, criamos um universo interpretado, populado de entidades cujas
particularidades tenham sido por nós internalizadas na intenção de compreender
os seus significados e dar forma a entidades coerentes. (POLANYI, apud LAGE,
2010)

A experiência da apreciação artística, um mergulho na mente do artista, é uma forma


de interiorização enquanto estrutura do conhecimento tácito. Do mesmo modo que a
interiorização de preceitos morais, o que estabelece uma estrutura tácita para as nossas
ações e julgamentos. A identificação do conhecimento tácito com a interiorização enfatiza
o fato de que não é olhando de fora, como um observador, mas envolvendo-se com os
objetos de conhecimento, experienciando-os, interiorizando-os, que apreendemos seu
significado conjunto (LAGE, 2010).

25
UNIDADE 1

Síntese

Após o percurso feito nesta unidade, é importante que você revise suas anotações,
discussões e compreensões sobre o que é conhecer e como se aprende. Pudemos conhecer
alguns autores e suas formas de pensar o conhecimento. Agora, sistematizaremos tudo o
que você conseguiu apreender:

1. A partir do estudo deste Tema, volte ao seu primeiro registro e retome:


a. O que é conhecimento?
b. Como você conhece?
c. Quais implicações existem para a Escola?

2. A partir dos estudos realizados, como você descreve o que vivemos no sistema
educacional hoje? Você consegue, a partir de suas observações e vivências como
aluno, identificar o tipo de visão de mundo preponderante hoje?

3. Como educadores, quais cuidados devemos ter ao ensinar nossos alunos?

Organizar essas ideias será muito útil para compreender o que significa conhecimento e
quais são suas influências na educação.

Aplicando os conceitos

Observe um trecho de um diálogo ocorrido na Grécia Antiga, o qual difere da visão de


conhecimento dos gregos. Leia e relacione essas ideias com a proposição de Polanyi.

Escreva, também, como esse texto revela a posição que um educador deve ter para
favorecer a aprendizagem. Que visão de conhecimento e de homem esse texto pressupõe?

E alguns dos filósofos epicureus e estóicos contendiam com ele; e uns diziam: Que
quer dizer este paroleiro? E outros: Parece que é pregador de deuses estranhos;
porque lhes anunciava a Jesus e a ressurreição.
E tomando-o, o levaram ao Areópago, dizendo: Poderemos nós saber que nova
doutrina é essa de que falas?
Pois coisas estranhas nos trazes aos ouvidos; queremos, pois, saber o que vem a
ser isto

26
UNIDADE 1

(Pois todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma outra coisa se


ocupavam, senão de dizer e ouvir alguma novidade).
E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos
vejo um tanto supersticiosos;
Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em
que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o
conhecendo, é o que eu vos anuncio.
O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não
habita em templos feitos por mãos de homens;
Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma
coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas;
E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a
face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua
habitação;
Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda
que não está longe de cada um de nós;
Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos
poetas disseram: Pois somos também sua geração.
Sendo nós, pois, geração de Deus, não havemos de cuidar que a divindade seja
semelhante ao ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida por artifício e imaginação dos
homens.
Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os
homens, e em todo o lugar, que se arrependam;
Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por
meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre
os mortos.
E, como ouviram falar da ressurreição dos mortos, uns escarneciam, e outros diziam:
Acerca disso te ouviremos outra vez.
E assim Paulo saiu do meio deles. (Bíblia Sagrada – Atos 17:18-33 – SBB – NVI).

27
UNIDADE 1

Referências

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<https://www.youtube.com/watch?v=c0L82N1C7AQ&feature=youtu.be>. Acesso em: 10
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BRASIL. Lei nº 13.010. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem
educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante,
e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27
jun. 2014. Seção 1, p. 2. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2014/Lei/L13010.htm>. Acesso em: 1 dez. 2016.

BACON, F. Nova Atlântida. Tradução e notas José Aluysio Reis de Andrade. 3. ed. São
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FREUD, S. O futuro de uma ilusão. Tradução Renato Zwick; revisão técnica e prefácio
Renata Udler Cromberg; ensaio bibliográfico Paulo Endo e Edson Sousa. Porto Alegre:
L&PM, 2011.

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28
UNIDADE 1

GAUTHIER, C.; TARDIF, M. (Orgs.). A pedagogia: teorias e práticas da Antiguidade aos


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OLIVEIRA, P. E. (Org.) Ensaios sobre o pensamento de Karl Popper. Curitiba: Círculo de


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SAIANI, C. O valor do conhecimento tácito: a epistemologia de Michael Polanyina escola.


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29
UNIDADE 1

SIGNIFICADO DE LIBERALISMO. Significados, 2016. Disponível em: <https://www.


significados.com.br/liberalismo/>. Acesso em: 11 out. 2016.

SIGNIFICADO DO POSITIVISMO. Significados, 2016. Disponível em: <https://www.


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THE POTTER. Direção e produção: Josh Burton, 2012. Disponível em: <https://vimeo.
com/2676617>. Acesso em: 11 out. 2016.

VIENNA, IN THE LATE 1920S AND EARLY 1930S, WIEN. [S.l.]: Stefan Weingäetner, 2013.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OHG4xz95F28>. Acesso em 11 out.
2016.

30
UNIDADE 2

Unidade 2 – Desenvolvimento humano e


aprendizagem: diferentes abordagens teóricas

Nesta unidade, encontraremos uma apresentação sobre o desenvolvimento humano e a


aprendizagem de acordo com as diferentes abordagens teóricas da psicologia utilizadas
na área educacional.

Praticamente, todos os processos de aprendizagem ocorrem conjuntamente com o


desenvolvimento humano, ora avançando, ora retrocedendo com interferências biológicas,
psicológicas e interações socioculturais em ambientes nos quais os seres humanos estão
inseridos.

Pensando na formação do aluno da área de Licenciatura, problematiza-se: Por que é


necessário que os professores saibam a respeito do desenvolvimento e da aprendizagem
humana? Quais as contribuições que esses conhecimentos trazem para sua prática
pedagógica? As inúmeras formas de aprendizagens são um tema instigante e, ainda hoje,
causam polêmica na comunidade científica.

Desta maneira, encontraremos neste Guia de Estudos as abordagens teóricas que


evoluíram e foram repensadas e modificadas ao longo do tempo acerca das contribuições
da Psicologia para a Educação. Tudo isso graças à evolução da ciência, que aponta
novos conhecimentos acerca de aprendizagens mais significativas aos nossos alunos.

Finalizamos esta breve apresentação informando que você encontrará a seguir informações
iniciais acerca do desenvolvimento e da aprendizagem humana que convidarão você
a refletir sobre suas futuras práticas pedagógicas. Na sequência, estudaremos as três
principais correntes teóricas, a saber: o ambientalismo, o inatismo e o interacionismo, as
quais servirão de aporte para suas observações no estágio supervisionado.

1) O ambientalismo: “[...] a concepção ambientalista atribui um imenso poder ao


ambiente no desenvolvimento humano [...]”. (DAVIS; OLIVEIRA, 2010, p. 36). Observe
como o professor trabalha situações de acertos com reforçamentos, por exemplo,
gratificando alunos com estrelinha, ou situações de erros, nas quais os comportamentos
indesejados são inibidos/ extintos.

31
UNIDADE 2

2) O inatismo: “[...] a concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos


que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o
desenvolvimento [...] as qualidades e capacidades básicas de cada ser humano
– sua personalidade, seus valores, seus hábitos e suas crenças, sua forma de
pensar, suas reações emocionais e mesmo sua conduta social – já se encontrariam
basicamente prontas e em sua forma final por ocasião do nascimento, sofrendo pouca
diferenciação qualitativa e quase nenhuma transformação ao longo da existência”
(DAVIS; OLIVEIRA, 2010, p. 34). Nesta ocasião, observe atentamente se esta corrente
teórica estará presente na sala de aula em que você realizará o estágio.

3) O interacionismo: “[...] a concepção interacionista de desenvolvimento apoia-se,


portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento
como processo construído pelo indivíduo durante toda sua vida, não estando pronto ao
nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio [...]” (DAVIS;
OLIVEIRA, 2010, p. 43). Então, observe atentamente, no estágio, as interações dos
professores com os alunos e vice-versa para a promoção da aprendizagem na sala
de aula.

32
UNIDADE 2

Objetivos de aprendizagem

Objetivos conceituais

• Refletir sobre aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem humana, e


compreender as implicações desses conceitos na prática pedagógica.
• Estudar as correntes teóricas que fornecem subsídios para as diferentes explicações
sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humana.
• Compreender as correntes teóricas que abordam o desenvolvimento humano e
a aprendizagem visando fornecer elementos teóricos que subsidiem a prática
pedagógica.

Objetivos procedimentais e habilidades

• Identificar e analisar os pressupostos teóricos que subsidiam as práticas pedagógicas.


• Analisar as contribuições das diferentes postulações teóricas para a construção de
práticas educacionais.

Objetivos atitudinais e valores

• Sensibilizar-se para o conhecimento teórico-prático que determinará diferentes olhares


para uma educação de qualidade.
• Interessar-se pelos diferentes aspectos do desenvolvimento humano e da
aprendizagem.
• Sensibilizar-se quanto à importância do conhecimento sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem humana, visando as transformações na educação da infância.

33
UNIDADE 2

Explorando conceitos (parte 1)

Caros alunos, na introdução desta unidade, vimos três das principais teorias do
desenvolvimento humano: a ambientalista, a inatista e a interacionista, as quais também
são conhecidas como Teorias da Aprendizagem Humana.

Reflita: Você já parou para pensar de que maneira o ser humano se desenvolve e aprende?
Ainda, o que é necessário para que a aprendizagem torne uma pessoa atuante no mundo?
No espaço a seguir, registre seu conhecimento atual sobre as formas de desenvolvimento
e aprendizagem humana, ou seja, o que você acha necessário ao homem para que ele
seja atuante (operacional) no mundo?

Reflita sobre o assunto “Desenvolvimento e Aprendizagem” registre suas ideias sobre


como nos desenvolvemos e aprendemos. É importante elencar verbos que, na sua opinião,
estejam relacionados a processos de desenvolvimento e aprendizagem humana.

A seguir, propomos uma exposição que descortinará alguns dos principais conceitos
sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humana; especificamente, o período da
infância e de suas relações com os aspectos cognitivos associados à aprendizagem.
Nesse contexto, convidamos você a conhecer algumas das maneiras pelas quais as
crianças se desenvolvem e aprendem. Esta apresentação destaca autores renomados da
Psicologia que estudaram a infância e a aprendizagem e, de maneira compromissada e
competente, desenvolveram abordagens teóricas que contribuíram para diversas áreas
de conhecimento, inclusive para a Pedagogia. São eles: Jean William Fritz Piaget (1869-
1980), Lev Semënovič Vygotsky (1896-1934) e Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962).

34
UNIDADE 2

Neste momento, é importante sinalizar que os objetivos específicos desta unidade são
extensos, principalmente se considerarmos os conhecimentos individuais que você já
traz para este curso. No entanto, vale destacar que alguns desses objetivos pretendem
conduzir a conhecimentos os quais permitirão a compreensão do desenvolvimento e da
aprendizagem humana.

Assim, é necessário refletir sobre as diferentes correntes teóricas voltadas para o


desenvolvimento humano e relacionadas à aprendizagem humana. Além disso, ponderar
sobre como elas foram transpostas para o cotidiano escolar, a fim de colaborar com os
processos de formação pedagógica e com um aprendizado mais significativo dos alunos.

CURIOSIDADE 1

Nem sempre tivemos um período determinado para a infância. Durante muitos séculos, as
crianças foram consideradas “mini adultas”. Para saber mais sobre esse assunto, leia a
obra História das crianças no Brasil (PRIORE, 1999).

Veja as imagens a seguir e compare-as. Na sequência, elabore um texto crítico com suas
observações. O que mudou? Como era a infância das crianças na época imperial quando
comparada à das crianças de hoje?
Fonte: istockphoto.com

Fonte: istockphoto.com

CURIOSIDADE 2

Assista a dois vídeos interessantes que tratam da mente humana e da ciência do


aprendizado. Registre o que mais chamou sua atenção em ambos.

1) “Insight em um macaco-prego” (2011).


2) “A mente humana e a nova ciência do aprendizado – aprendizagem significativa”
(2011).

35
UNIDADE 2

Explorando conceitos (parte 2)

Iniciaremos nossa apresentação discorrendo sobre o processo de Desenvolvimento


Humano que também é chamado de desenvolvimento do ciclo de vida, ou seja, dura toda
uma vida. Dentro desta complexa compreensão sobre o que é Desenvolvimento Humano,
facilmente encontramos na literatura a definição de que o ser humano se desenvolve da
concepção até a morte. Ou seja, os chamados domínios de desenvolvimento humano
ocorrem em três principais aspectos: o físico, o cognitivo e o psicossocial.

Sendo assim, pense que, desde a mais tenra idade, estamos munidos de condições:
biológicas para desenvolver (físico), captar e processar informações ambientais;
psicológicas para interagir e internalizar elementos do mundo externo, visando uma
compreensão organizada e adequada para nosso bem estar psíquico e nossa convivência
social; sociais, pois, por natureza, o ser humano é gregário, ou seja, vive em grupos
(PAPALIA, 2013).

Muitos pesquisadores do desenvolvimento também apontam aspectos culturais para o


desenvolvimento. São as formas de vida reguladas por símbolos, normas, valores etc.
Aqui, destacam-se as compreensões acerca da influência da cultura no desenvolvimento
humano e na aprendizagem. Indica-se um aprofundamento de conhecimento por meio da
leitura adicional das páginas 13 à 32 da obra O ser humano é um ser social (CHAUI, 2013).

Neste conjunto de aspectos sobre o desenvolvimento humano, destacam-se os processos


cognitivos, os quais podemos relacionar aos processos de aprendizagem, que também
acompanham o curso do desenvolvimento humano, ou seja, o ser humano aprende se
desenvolvendo e se desenvolve aprendendo.
Fonte: istockphoto.com

36
UNIDADE 2

Desta forma, vale definir que o Desenvolvimento e a Aprendizagem são processos


indissociáveis que contam com a cultura para sua ocorrência. (COLL; MARCHESI; &
PALÁCIOS, 2004, p. 36). Não é tarefa fácil, principalmente porque não há um consenso
bem estipulado na literatura vigente sobre o assunto em pauta. Mas, para que haja um
constructo teórico sobre os conceitos adotados, faz-se necessário definir:

1) Desenvolvimento:
O campo do desenvolvimento humano concentra-se no estudo científico dos
processos sistemáticos de mudanças e estabilidade que ocorre nas pessoas.
Os cientistas do desenvolvimento (ou desenvolvimentais) indivíduos empenhados
no estudo profissional do desenvolvimento humano – observam os aspectos
em que as pessoas se transformam desde a concepção até a maturidade,
bem como as características que permanecem razoavelmente estáveis.
(PAPALIA, 2013, p. 36-37)

2) Aprendizagem:
A aprendizagem é definida como uma mudança relativamente permanente no
comportamento ou no potencial comportamental como resultado da prática ou da
experiência [...] a aprendizagem consiste em uma mudança no comportamento
ou no potencial comportamental, ela pode gerar mudanças imediatas no
comportamento [...] ou pode consistir em mudanças que ocorrem muito depois,
mas são resultados de experiências. Aprender pode até mesmo consistir em
mudanças que poderiam potencialmente ser iniciadas, mas nunca o foram
porque a oportunidade nunca apareceu [...]. Observe que a aprendizagem é
relativamente permanente [...]. (HUFFMAN, 2003, p. 197-198)

É importante salientar que, na literatura encontrada sobre os dois assuntos (desenvolvimento


e aprendizagem), sempre há destaque para as variáveis individuais e sociais que influenciam
diretamente a maneira como os indivíduos se desenvolverão. Além destas, há uma relação
direta de um fator sobre o outro, ou seja, desenvolvimento e aprendizagem caminham juntos.

Tendo em vista que o egresso deste curso pode acompanhar o desenvolvimento infantil
desde a criança na creche, destaca-se a importância dos sentidos humanos para a
aprendizagem infantil. Considerando as distinções da aprendizagem humana e animal,
inclusive apresentadas nos vídeos sobre aprendizagem, é preciso ter clareza que
uma condição tão complexa não está condicionada a um único fator, mas a vários, e a
aprendizagem por meio das sensações humanas e dos aspectos psicomotores podem ser
usados por profissionais da educação.

37
UNIDADE 2

Assim sendo, os órgãos dos sentidos humanos (visão, audição, tato, paladar
e olfato) funcionam como portas de entradas de informações sensoriais para
o recebimento de estímulos e informações ambientais desde o início do ciclo
vital. É por meio das sensações que essas informações serão processadas
em percepções e traduzidas em conteúdos significativos no cérebro humano.
A esse processo se dá o nome de sensopercepção.

Os Cinco
Sentidos

Aqui, caríssimos, enriqueceremos nossos conhecimentos ao assistir ao vídeo


apresentado pelo Dr. Dráuzio Varella sobre a aprendizagem no início da vida e
sobre a maturação dos cinco sentidos humanos. Optamos por esse pequeno
vídeo, porque ele retrata a importância dos aspectos cerebrais e biológicos e Assista ao vídeo
“Drauzio Varela – 5
as interações do bebê com o meio ambiente para a formação de repertórios Sentidos” (2012).
de aprendizagens.

Agora, façamos uma pausa necessária! Apesar da ampla gama teórica que
destaca os processos sensoperceptivos, é notável que seria muito pobre e
reducionista analisar processos de aprendizagem tão complexos a partir de
apenas uma premissa teórica.

Cabe acrescentar que a perspectiva interacionista considera inúmeros outros


elementos importantes para a aprendizagem, tais como a aquisição de
habilidades psicomotoras; a atenção, a memória, o pensamento, a aquisição
e a ampliação de linguagem; o despertar da consciência de si, do outro e
do ambiente, visando o estabelecimento de interações sociais saudáveis e
equilibradas.

38
UNIDADE 2

Acrescenta-se que processos cognitivos que contam com o cérebro e a realização de


processos cerebrais sinápticos (elétricos e químicos) contribuem para o desenvolvimento
orgânico e cerebral dos processos de aprendizagem humana. No entanto, considerando
que esse não é o foco do nosso Guia de Estudos, recomendamos a leitura do capítulo “A
evolução das ideias sobre a relação entre cérebro, comportamento e cognição”, da obra
Neuropsicologia: Teoria e Prática (CONSENZA; FUENTES; MALLOY-DINIZ, 2008).

Enfim, o ciclo vital humano carece da interação de muitos fatores para que haja efetivamente
uma evolução tanto no desenvolvimento quanto na aprendizagem. Vale destacar que os
aspectos cognitivos ganham muita atenção da ciência, principalmente a partir da década
de 1960. Com isso, o cérebro e as formas de processamento de informações cerebrais,
já destacadas anteriormente, passaram a habitar o cenário docente com a pretensão
de agregar novas formas de intervenções e práticas pedagógicas, tendo como objetivo
uma aprendizagem direcionada, eficiente e significativa. Toda essa evolução contribui,
inclusive, para que possamos pensar sobre a competência humana de pensamento
autônomo, crítico e reflexivo a partir da interação de ambientes de aprendizagens virtuais.

Sendo assim, podemos acrescentar como ponto de análise o homem imerso na sociedade
tecnológica e que tem a seu favor: a informação, a comunicação e a interatividade. Então,
questionamos: Você tem ideia de como a tecnologia pode influenciar o aprendizado das
novas gerações? Assista ao vídeo “Bebê pensa que revista é um iPad” (2011); em seguida,
registre sua opinião sobre tecnologia e aprendizagem em cursos a distância no espaço
a seguir.

39
UNIDADE 2

Retomando, para expandir os conhecimentos sobre o ciclo de desenvolvimento humano


assista ao documentário de Dráuzio Varela, elaborado pela Globo: “Viagem Fantástica do
Corpo Humano, o incrível processo do Nascimento até a morte” (2014).

Neste momento, é extremamente pertinente que sejam destacadas as três principais


correntes teóricas da Psicologia que, dentre outros postulados teóricos, tratam da
aprendizagem humana. Desse modo, apresentaremos sequencialmente o ambientalismo,
o inatismo, e o interacionismo, bem como os seus principais representantes e pressupostos
teóricos.

1. O AMBIENTALISMO
Fonte: Bitgarden

O ambientalismo, também conhecido como


comportamentalismo ou behaviorismo, tem
como principais representantes Pavlov, Watson e
Skinner. “A aprendizagem, na visão ambientalista,
pode assim ser entendida como processo pelo
qual o comportamento é modificado como
resultado da experiência” (DAVIS; OLIVEIRA,
2010, p. 40). Agrega extrema importância ao
empirismo, ou seja, fenômenos observáveis que
sejam passíveis de mensuração e comprovação
científica. Destaca a experiência juntamente com o ambiente como fontes da construção
do desenvolvimento e conhecimento humano. Esta corrente preocupa-se em explicar o
porquê das coisas, não acreditando na existência de fenômenos naturais (metafísicos), ou
seja, acontecimentos que não possuam explicações científicas. Frente a isso, sentimentos,
desejos, fantasias, entre outros, devem ser comportamentos explicados cientificamente.

Reiterando, dependemos do ambiente para que os estímulos modelem os comportamentos


de acordo com as respostas esperadas. Assim, os fatores externos (ambientais) sobrepõem
os fatores internos (subjetivos) do indivíduo, retratando o behaviorismo metodológico de
Skinner.

Com a pretensão de que você consiga entender melhor como essa corrente teórica subsidia
práticas pedagógicas em sala de aula, vale lembrar que o behaviorismo influenciou, e
influencia até os dias atuais, muitas das condutas e práticas docentes na sala de aula.

40
UNIDADE 2

Ou seja, na prática, essa corrente aplicada à Educação destaca basicamente a ideia do


estímulo-resposta-reforço e/ou estímulo-resposta-punição. Assim, parece fácil pressupor
que o estímulo-resposta-reforço é aplicado quando há o oferecimento de um estímulo
(informação ambiental) que será reforçado (geralmente feito com uma gratificação) diante
de um comportamento desejado (resposta).

Entretanto, o estímulo-resposta-punição ocorre quando há um estímulo (informação


ambiental) precedido de um comportamento (comportamento habitualmente indesejada)
e, consequentemente, uma punição que visa extinguir o comportamento indesejado do
indivíduo.

Vale a pena destacar que:

O Behaviorismo Radical de B. F. Skinner está ligado na questão do reforço e do


condicionamento operante, ou seja, de um meio de serem utilizadas formas mais
eficazes de ensino e por isso, Skinner utiliza de meios mecanicistas em suas
teorias, que baseadas nas teorias de Watson, estão ligadas ao comportamento
dos organismos biológicos. (FRANÇA, 2002, p. 1)

Essa corrente teórica é conhecida na área educacional com outros nomes, portanto, preste
atenção às terminologias tecnicista e mecanicistas de ensino! Considerando a vasta
amplitude dessa corrente teórica que se imbrica com o sistema histórico da educação
brasileira, recomenda-se o aprofundamento no tema por meio da leitura do artigo
“Behaviorismo Radical na Sala de Aula Contemporânea” (FRANÇA, 2012).

Pensem na proposta apresentada no vídeo, pensem em exemplos a partir de suas


vivências como alunos. Você acredita que o professor utilize o behaviorismo em sala de
aula, ou seja, que ele atue com reforços e punições na escola?

41
UNIDADE 2

2. O INATISMO
Fonte: Marie-Lan Nguyen / Wikimedia Commons

Uma definição para a corrente inatista, que


tem Platão como um de seus principais
precursores, está amparada na compreensão
de que o ser humano nasce com capacidades
e competências básicas, ou seja, é programado
desde o nascimento para a ocorrência da
atuação no mundo e consequente aprendizagem.
Resumidamente, a corrente inatista defende que,
ao nascermos, trazemos em nossos genes (de
forma inata) todas as informações necessárias
para aprendermos e nos desenvolvermos no mundo.

Neste sentido, pode-se considerar que o ser humano se desenvolve porque nasce
programado geneticamente para isso. Quanto a aprendizagem, esta corrente teórica
descarta a importância do ambiente e o indivíduo aprende porque já nasce com
competências inatas para isso.

Com vistas a isso, nascemos programados para ações como o choro, a sucção, o
engatinhar, o andar e o falar. Essa ideia garante ao sujeito autonomia no curso de seu
desenvolvimento e, de certa forma, concentra toda a responsabilidade da aprendizagem
sobre o educando, minimizando o papel das práticas pedagógicas e a função da escola
e do professor.
Fonte: istockphoto.com

42
UNIDADE 2

Um exemplo prático em sala de aula é considerar que crianças em creches


se desenvolvem e aprendem independentemente dos estímulos ofertados
pelo ambiente. A criança seria programada para adquirir conhecimentos e
funcionar a contento no mundo. As aprendizagens ocorreriam de maneira
natural.

Vamos pensar? Será mesmo que a dicotomia inata vs. adquirida poderia
definir as condições humanas de desenvolvimento e aprendizagem?
Se você tivesse que escolher entre a corrente teórica inatista e a
ambientalista, qual escolheria? Por quê? Justifique sua resposta.

Se você optou pela explicação inatista, então desconsiderou a


influência do ambiente para a aprendizagem. Em contrapartida, se
optou pelas explicações ambientalistas, desconsiderou a importância
dos aspectos biológicos humanos. Assim, fica a questão: Como
resolver esse impasse?

É interessante observar que, mesmo com todas essas informações, é ponto


convergente entre as correntes teóricas que, para ocorrer um desenvolvimento
saudável e a ampliação de repertórios de aprendizagens, o ser humano
necessita de interação para se desenvolver e aprender. Por isso, a díade
“organismo” e “meio ambiente” são aspectos amplamente explorados
nas áreas da Psicologia, Pedagogia, Sociologia, Filosofia etc. Assim, essa
parece ser uma combinação promissora para a concretização de repertórios
significativos de aprendizagens.

3. O INTERACIONISMO
Fonte: Marxists.org – Lev Vygotsky

A corrente interacionista, também


conhecida como interacionismo,
é um conglomerado de ideias que
valoriza a interação recíproca entre
o meio e o sujeito. Sendo assim,
compreende o homem como um ser
que não é passivo, ou seja, é ativo
e interage como o meio ambiente
tanto para se desenvolver quanto
para aprender.

43
UNIDADE 2

A concepção interacionista apoia-se, portanto, na interação entre organismo


e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo
indivíduo durante toda a sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo
adquirido passivamente graças as pressões do meio. Experiências anteriores
servem de base para novas construções que dependem, todavia, também da
relação que o indivíduo estabelece com o ambiente em uma situação determinada
(DAVIS; OLIVEIRA, 2010, p. 43).

Portanto, os postulados interacionistas desconstroem as ideias apontadas anteriormente


sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das correntes ambientalistas e inatistas.

Os principais defensores das ideias interacionistas são Piaget, Vygotsky e Wallon que
ganharão destaque nas próximas unidades deste Guia de Estudos por sua contribuição
na área educacional.

Síntese

Nesta unidade, vimos algumas ideias sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humana.


Também foram apresentados o inatismo, o ambientalismo e o interacionismo.

Não se esqueça de que:

1. O homem se desenvolve da concepção até a morte e, para isso, pode-se compreender


que existem aspectos fundamentais para a aprendizagem e o desenvolvimento
humano, sendo eles: o desenvolvimento biológico (físico), psicológico e social.
2. A interlocução entre Psicologia e Educação explica processos cognitivos de desen-
volvimento e aprendizagem humana que devem contribuir para práticas educacionais
efetivas.
3. No texto, optou-se por destacar as correntes inatistas, ambientalistas e interacionistas
para a aproximação do leitor com as propostas de desenvolvimento e aprendizagem
da área da Psicologia para a Educação.

44
UNIDADE 2

Veja o resumo a seguir.

Aplicando os conceitos

Nesta unidade, foram apresentadas diferentes correntes teóricas explicativas sobre os


processos de desenvolvimento e aprendizagem humana. Você teve a oportunidade de
conhecer a temática por meio da leitura de diversas fontes literárias e também de vídeos
extraídos da internet ligados à Educação. Agora, três tarefas serão propostas:

1. Reveja os textos que abordam as teorias inatistas, ambientalistas e interacionistas.


2. A partir da revisão das teorias apontadas escolha e justifique aquela que na sua
percepção melhor embasa os processos de desenvolvimento e aprendizagem nos
dias atuais.
3. De acordo com a apresentação das correntes teóricas, reflita sobre as possibilidades
de observar as diferentes formas de aprendizagens de acordo com cada uma delas.

45
UNIDADE 2

Referências

A MENTE HUMANA E A NOVA CIÊNCIA DO APRENDIZADO – APRENDIZAGEM


SIGNIFICATIVA. São Paulo: Educamos Online, 29 mar. 2011. Disponível em: <http://moodle.
mackenzie.br/link/17c>. Acesso em: 6 set. 2016.

BEBÊ PENSA QUE REVISTA É UM IPAD. Minas Gerais: Gazeta Setelagoana, 2011.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Govj6R-USBM>. Acesso em: 21 out.
2015.

CHAUI, M. O ser humano é um ser social. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

CONSENZA, R. M.; FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L. A evolução das ideias sobre a relação
entre cérebro, comportamento e cognição. In: FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: Teoria
e Prática. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 15-19.

DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. M. R. Psicologia na educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

DRAUZIO VARELA – 5 SENTIDOS. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?feature=player_detailpage&v=c5ODGzBUMNc>. Acesso em: 6 dez. 2016.

FRANÇA, W. R. S. Behaviorismo radical na sala de aula contemporânea. 2012. Monografia


(Pedagogia) – Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, 2012. Disponível em: <http://
www.administradores.com.br/producao-academica/behaviorismo-radical-na-sala-de-
aula-contemporanea/5977/>. Acesso em: 15 nov. 2015.

HUFFMAN, K.; VERNOY, M.; VERNOY, J. Psicologia. São Paulo: Atlas, 2003.

INSIGHT EM UM MACACO-PREGO. Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?v=rXsHNHA-7xA>. Acesso em: 6 set. 2016.

PAPALIA, D. E.; FELDMAN, E. D.; MONTOREL G. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto
Alegre: AMGH, 2013.

PRIORE, M. D. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.

46
UNIDADE 2

Bibliografia básica

COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J. (Orgs.). Desenvolvimento Psicológico e Educação:


Psicologia da Educação Escolar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

47
UNIDADE 3

Unidade 3 – Desenvolvimento humano e


aprendizagem: contribuições de Jean Piaget

Nesta unidade, apresentaremos a teoria piagetiana e sua utilização na escola.

Os estudos de Piaget marcam notoriamente novas condutas no fazer escolar e revelam


que existem formas de compreender e agir no mundo que variam de acordo com a faixa
etária da criança. As mudanças comportamentais de um funcionamento menos avançado
para um mais avançado são os dados mais fundamentais investigados pelo psicólogo
suíço. Compreender as características do funcionamento cognitivo da criança ajuda o
professor a planejar o ensino e suas intervenções educativas.

JEAN PIAGET (1896-1980)


Fonte: Psicopedagogia Brasil

Um pioneiro no estudo da inteligência infantil.

Jean Piaget foi um renomado psicólogo e filósofo


suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no
campo da inteligência infantil. Piaget passou
grande parte de sua carreira profissional intera-
gindo com crianças e estudando seu processo
de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande
impacto sobre os campos da Psicologia e
Pedagogia.
Fonte: psicopedagogiabrasil.com.br

A visão do desenvolvimento de Piaget é interacionista, os sujeitos interagem em um


processo ativo e contínuo com o meio físico e social, utilizando mecanismos mentais para
entender o mundo e, assim, construir conhecimentos.

[...] se o conhecimento é fruto de uma interação entre sujeito e objeto, será


essencialmente uma construção. É certo que a criança encontra objetos em seu
ambiente físico e noções transmitidas por seu ambiente social; porém, segundo
Piaget, não os adota tal e qual, mas os transforma e os assimila a suas estruturas
mentais (PIAGET, 1978, p. 35 apud COLL; MARTÍ, 2004, p. 47)

48
UNIDADE 3

Assim, sob sua perspectiva teórica, o desenvolvimento não se explica pela reprodução de
cópias internalizadas da realidade externa, mas sim pela produção de estruturas lógicas
que possibilitam ao indivíduo atuar sobre o mundo de formas cada vez mais complexas.
O conhecimento é uma construção, não uma reprodução, daí o termo construtivismo para
denominar sua posição teórica.

Piaget descreve o desenvolvimento como transformações sucessivas nos modos de


pensar e agir no mundo, um processo de enriquecimento qualitativo que ocorre a partir
das relações que o sujeito humano estabelece com o meio em que está inserido. Essas
transformações ou mudanças de pensamento, por ele investigadas, não devem ser
interpretadas de forma aditiva, uma vez que as características dominantes de um dado
estado de funcionamento cognitivo são descritas em função dos estados precedentes e
subsequentes, revelando saltos qualitativos do processamento cognitivo. Piaget estudou
o desenvolvimento do conhecimento da lógica, do espaço, do tempo, da casualidade, da
moralidade, do brinquedo, da linguagem e da matemática, lidando com vários processos
psicológicos, como o pensamento, a percepção, a imaginação, a memória, a imitação e
a ação.

Você já teve a oportunidade de observar grupos de crianças? Já havia pensado sobre as


diferenças de raciocínio que elas possuem? Sobre as diferenças de atitudes das crianças
frente a diversas situações?
Fonte: istockphoto.com

49
UNIDADE 3

Nesta unidade, trataremos de elucidar essas questões, a partir da perspectiva de Piaget,


apresentando os pressupostos teóricos que podem subsidiar práticas pedagógicas
referentes à compreensão do desenvolvimento da criança e de sua aprendizagem. Aliados
ao estudo teórico, teremos a oportunidade de descrever e analisar comportamentos infantis
por meio do estágio supervisionado, o que enriquecerá a construção de seu conhecimento
e ampliará as discussões sobre o tema.

A bibliografia básica para o desenvolvimento desta unidade contempla os seguintes textos:

• O capítulo “Aprendizagem e desenvolvimento: a con-


cepção genética-cognitiva da aprendizagem” nas páginas
45 a 59 de Psicologia da educação escolar, v. 2 (COLL,
2004).

• O capítulo “A criança: ser em transformação” nas páginas


31 a 78 de Psicologia da educação (GAMEZ, 2010).

50
UNIDADE 3

Objetivos de aprendizagem

Objetivos conceituais

• A partir da perspectiva teórica de Piaget, compreender como ocorre o desenvolvimento


cognitivo da criança e refletir sobre suas implicações nos processos de aprendizagem.
• Refletir sobre as implicações da teoria piagetiana nas práticas educacionais e
pedagógicas escolares e não escolares.

Objetivos procedimentais e habilidades

• Identificar e analisar os pressupostos teóricos que podem subsidiar práticas


pedagógicas no que se refere à compreensão do desenvolvimento humano e da
aprendizagem, a partir da perspectiva teórica de Piaget.
• Analisar as contribuições da teoria piagetiana para a construção de práticas
educacionais.

Objetivos atitudinais e valores

• Sensibilizar-se quanto ao conhecimento teórico-prático que determinará diferentes


olhares para uma educação de qualidade.
• Interessar-se pelos diferentes aspectos do desenvolvimento humano e da
aprendizagem.
• Sensibilizar-se quanto à importância do conhecimento sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem humana, visando transformações na educação da infância.

51
UNIDADE 3

Explorando conceitos (parte 1)

Dialogaremos com alguns conceitos da teoria piagetiana.

Para iniciarmos, relembre o tempo em que você estava na escola e relate suas memórias.
Redija um texto contando o que lembra sobre as aprendizagens que vivenciou na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para ajudar, propomos
algumas questões:

• Como a professora organizava os grupos de trabalho?


• Como você se sentia diante das novas descobertas na escola?
• Você tinha espaço para troca de aprendizagens?
• Você manipulava materiais para a organização de novos conceitos? Que tipos de
materiais?
• Que ideias tinha sobre a escola?

Essas questões ajudarão a resgatar suas lembranças. Não precisam ser respondidas
literalmente.

Observe as seguintes imagens:


Fonte: istockphoto.com

Fonte: istockphoto.com

52
UNIDADE 3

A partir das imagens e das memórias de seus processos de aprendizagem,


reflita sobre o papel do professor. Como as interações evidenciadas nas
imagens apresentadas promovem a construção de conhecimento? O que
você pensa a esse respeito?

Quando observamos atentamente as interações que as crianças estabelecem


quando estão brincando, por exemplo, podemos perceber que elas
expressam as próprias ideias, a curiosidade e a compreensão de mundo de
forma muito diferente dos adultos. Elas expressam uma lógica própria, que foi
objeto de estudo de Piaget ao investigar a gênese/origem e desenvolvimento
do conhecimento humano – quais os processos mentais envolvidos em
uma dada situação de resolução de problemas pela criança e quais são os
processos que possibilitam aquele tipo de atuação.

A obra desse pensador é denominada epistemologia genética – explicação


científica de como o conhecimento se desenvolve, desde as estruturas
mentais rudimentares presentes em recém-nascidos até o pensamento lógico
formal dos adolescentes, ou, dito de outra forma, procura compreender como
as estruturas iniciais se transformam, dando lugar a outras cada vez mais
complexas e flexíveis.

O sujeito epistêmico ou sujeito cognoscente (sujeito do conhecimento) foi


a sua principal preocupação. São conceitos que significam o estudo dos
processos de pensamento presentes desde a infância até a idade adulta, ou
Para saber mais,
o que é geral aos seres humanos, nossas estruturas mentais as quais nos pesquise sobre Jean
permitem aprender por meio das relações estabelecidas entre as múltiplas Piaget no site da
Revista Nova Escola.
informações e interações com o conhecimento.

Agora que você resgatou algumas memórias sobre o seu processo de


ensino-aprendizagem, estudaremos alguns conceitos da teoria piagetiana,
conheceremos mais sobre Piaget e sobre sua contribuição para a educação.
Vamos lá?

53
UNIDADE 3

Explorando conceitos (parte 2)

Piaget, biólogo de formação, inicia suas pesquisas por volta de 1920, pois queria
compreender como passamos a conhecer o que conhecemos. Assim, recorre à
Psicologia e estrutura seus estudos com base na gênese do conhecimento e constrói a
Teoria Psicogenética. Seu interesse era compreender a lógica e as transformações do
pensamento infantil.

Para complementar seus conhecimentos, pesquise na internet e assista ao vídeo “Jean


Piaget” (2006), da Coleção Grandes Educadores.

Neste vídeo, você verá a biografia de Jean Piaget e a explanação de sua teoria pelo
professor Yves de La Taille. Este explica a teoria piagetiana de forma bastante didática. Os
exemplos nos ajudarão a entender os estágios de desenvolvimento e os saltos qualitativos
que ocorrem em cada etapa do desenvolvimento infantil, comparativamente à etapa
anterior.

A preocupação de Piaget era a compreensão da gênese do conhecimento e, em sua teoria,


a questão da aprendizagem foi evidenciada, porém em uma relação de dependência do
estágio de desenvolvimento cognitivo do sujeito.

Qualquer aprendizagem terá de ser medida em relação às competências


cognitivas próprias de cada estágio, já que estes indicam, segundo Piaget,
as possibilidades que os sujeitos têm de aprender e, por isso será necessário
identificar seu nível cognitivo antes de iniciar as sessões de aprendizagem.
(COLL; MARTÍ, 2004, p. 46)

Piaget descreve o desenvolvimento cognitivo como uma sucessão de estágios que se


caracterizam pela formação de conceitos que se organizam em novas estruturas de
pensamento.

De acordo com Piaget, os fatores imprescindíveis ao desenvolvimento são: a) a maturação


das estruturas biológicas herdadas – sensoriais e neurológicas – que amadurecerão em
contato com o meio ambiente; b) a experiência com os objetos; e c) a experiência com as
pessoas.

54
UNIDADE 3

Acrescenta-se a esses três fatores a dinâmica da equilibração, que é construída pelo


indivíduo sempre que as interações com o meio o desequilibram, provocando desafios e
exigindo uma nova organização conceitual. Assim, a inteligência humana se transforma
continuamente a cada nova aprendizagem.

Essa dinâmica de equilibração introduz os conceitos de assimilação, acomodação e


adaptação. A assimilação é uma ação externa, que consiste em utilizar os chamados
esquemas de ação – a maneira como interagimos com o mundo, como classificamos,
ordenamos, organizamos e relacionamos os conceitos para compreender as características
de novos conceitos. É o processo pelo qual o indivíduo cognitivamente capta o ambiente
e o organiza, possibilitando assim a ampliação de seus esquemas. Na assimilação, o
indivíduo usa as estruturas que já foram construídas.

A acomodação é um processo interno de construção de novas estruturas cognitivas que


têm como ponto de partida as estruturas cognitivas preexistentes. Neste processo, além
da construção, ocorre também a modificação das estruturas já existentes. Essa ampliação
e/ou reconstrução de outra estrutura promove a assimilação, a qual conduz a um novo
estágio de equilíbrio. Assim, o contato com novos conhecimentos promove um desequilíbrio
que conduz ao processo de assimilação e acomodação.

O processo de equilibração desemboca na adaptação, que é a nova organização do


conhecimento. A equilibração atua como motor do desenvolvimento.

Quando uma criança experiência um novo estímulo (ou quando um velho


estímulo lhe é reapresentado), ela tentará assimilá-lo a um esquema já existente
em sua estrutura cognitiva. Se ela for bem-sucedida, o equilíbrio é imediatamente
alcançado. No entanto, se a criança não conseguir assimilar esse novo estímulo,
ela tentará, então, fazer uma acomodação, modificando um esquema ou criando
um esquema novo. Quando isso é feito, ocorre a assimilação do estímulo, e,
nesse momento, o equilíbrio é alcançado. (GAMEZ, 2010, p. 44)

Convidamos você a pensar sobre o seu processo de aprendizagem e organização do


funcionamento cognitivo diante de novas aprendizagens.

55
UNIDADE 3

Perante uma nova situação de aprendizagem em seu cotidiano, por exemplo, como
aprender uma língua estrangeira ou aprender a mexer em um aparelho eletrônico, como
você age? Que recursos utiliza para essa nova aprendizagem?
Fonte: istockphoto.com

Em grupos de quatro alunos, discuta sobre essas questões e elabore uma síntese de ideias.
Depois, relacione com os conceitos piagetianos de equilibração, assimilação e adaptação.

Estamos falando sobre o funcionamento cognitivo diante de novas aprendizagens, e Piaget


pontua que cada nova aprendizagem pressupõe a assimilação do novo conhecimento ao
conhecimento já existente. Diante do conflito entre o conhecimento existente e a nova
informação, há a necessidade de transformação na estrutura cognitiva. Assim, a criança
não introjeta os conhecimentos como mera reprodução ou cópia, mas transforma as
próprias estruturas internas, assim como o conteúdo aprendido.

Vejamos um trecho de Gamez (2010, p. 54-55) explicando a apresentação dessa questão


por Piaget:

Piaget se preocupou em explicar que a inteligência, e consequentemente


a aprendizagem, se processa através do contato do ser humano com o meio
ambiente e que essa relação é a responsável pelo desenvolvimento de novas
estruturas cognitivas. Para ele, o conhecimento não é uma cópia da realidade.
Conhecer um objeto ou um evento não é simplesmente observá-lo e fazer uma
cópia mental dele, mas atuar sobre ele, modificá-lo, transformá-lo e compreender
o processo dessa transformação e, como consequência, compreender como
está construído. Essa proposição inspirou a construção de um arcabouço
teórico denominado Construtivismo, que teve Piaget como um dos principais
representantes.

56
UNIDADE 3

Como vimos, a teoria piagetiana nos revela a construção crescente para aprendizagens
mais complexas, descrevendo essa evolução em fases e/ou estágios. O próximo passo é
compreender os estágios de desenvolvimento cognitivo:

Cada Estágio marca o aparecimento de uma etapa de equilíbrio, uma etapa


de organização das ações e das operações do sujeito, descrita mediante uma
estrutura lógico-matemática. O equilíbrio próprio de cada uma dessas etapas não
é alcançado de súbito, mas precedido de uma etapa de preparação. Para que
possamos falar de “estágios” é necessário, segundo Piaget, que se cumpram
três condições: a ordem de sucessão dos estágios deve ser constante para todos
os sujeitos, embora as idades médias correspondentes a cada estágio possam
variar de uma população para outra; um estágio tem de ser caracterizado por uma
forma de organização (estrutura de conjunto) e as estruturas que correspondem a
um estágio integram-se nas estruturas do estágio seguinte como caso particular.
(COLL; MARTÍ, p. 46-47, grifo nosso)

Estágios (fases ou períodos) de desenvolvimento

Em cada estágio, novas capacidades cognitivas são construídas, ampliando as


possibilidades dos estágios anteriores. Trata-se de um processo de equilibração
progressiva que caminha para a conquista das operações formais na adolescência, cujo
padrão intelectual persistirá na vida adulta. É o que estudaremos a seguir.

• Estagio sensório-motor (0-18/24 meses): a inteligência surge neste estágio através


das percepções (sensório) e das ações (motor). É a inteligência que se revela atrelada
aos movimentos. Piaget foi muito feliz na escolha deste nome para indicar este estágio,
pois o bebê percebe o mundo e atua sobre ele coordenando as sensações com
comportamentos motores; ele expressa as próprias sensações e participa do mundo
por meio de movimentos motores que revelam a interdependência entre sensações e
movimentos, por isso o título sensório-motor. Neste estágio, a inteligência é prática. O
contato com o meio ambiente é direto, sem mediação de representações, e as crianças
adquirem conhecimentos sobre os objetos através de suas ações. Vale a pena assistir
novamente ao vídeo do Dr. Dráuzio Varella intitulado “Os cinco sentidos”, indicado na
segunda unidade.

Na fase sensório-motora, Piaget distingue três subestágios específicos, localizados entre


o nascimento e o final desse período:

57
UNIDADE 3

• dos reflexos: como o próprio nome sugere, são as ações reflexas como sugar,
agarrar etc;
• das organizações, percepções e hábitos: quando os reflexos da etapa anterior se
organizam em novas condutas adquiridas pela experiência;
• inteligência sensório-motora propriamente dita. (GAMEZ, 2010, p. 46)

Vale destacar que o que marca a passagem do estágio sensório-motor para o estágio
pré-operatório é a construção de esquemas mentais cada vez mais complexos, ou
seja, a possibilidade de representação que preparam e dão origem ao aparecimento
da função simbólica, ou seja, “a capacidade de representar eventos futuros, de libertar-
se, portanto, do universo restrito do aqui-e-agora. O aparecimento da função simbólica
altera drasticamente a forma como a criança lida com o meio e anuncia uma nova etapa”
(DAVIS; OLIVEIRA, 2010, p. 48).
Fonte: istockphoto.com

Você já observou o desenvolvimento dos bebês? Quais ações eles desenvolvem?


Quando realizar o estágio supervisionado, aproveite para levantar aspectos que
lhe chamem a atenção nesse sentido e observe a reação dos pequenos diante de
estímulos.

• Estágio pré-operatório (2-6/7 anos). Nosso foco agora é pensar sobre as


possibilidades das crianças na faixa etária de 2 a 7 anos. Você tem contato com elas?
Estudaremos na prática o que Piaget aponta em sua teoria, o estágio curricular será
uma excelente oportunidade para você realizar tais observações.

58
UNIDADE 3

Pois bem, segundo Piaget, nesta etapa o pensamento infantil constrói a função simbólica,
a representação que modifica as condutas práticas do estágio sensório-motor anterior, ou
seja, a criança ganha a possibilidade de representação mental, adquire a capacidade de
pensar sobre fatos e objetos que não estão presentes no ambiente imediato, e assim vence
os limites do aqui e agora. Essa nova capacidade pode ser evidenciada nas brincadeiras
de faz de conta, na representação de papéis. Aqui, cabe destacar uma das características
deste estágio muito presente no desenvolvimento infantil que é o animismo, ou seja, a
criança, dá vida aos objetos inanimados em suas brincadeiras.

Você já parou para observar como a cultura influencia os diferentes gêneros (masculino
e feminino) em suas brincadeiras? E como cada um exerce um papel no ato do brincar?
Por exemplo, a menina embala a boneca para dormir, ou seja, dá vida à boneca (objeto
inanimado). O menino desloca o carrinho e atribui som como se ele estivesse um motor
funcionando, por exemplo, o som Brum!! Brum!! Assim, fica fácil de compreender o conceito
de animismo e o plano simbólico do pensamento infantil de crianças de 2 a 7 anos.
Fonte: istockphoto.com

Neste estágio, a linguagem promove transformações significativas em relação aos


aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança. É a linguagem que permitirá a
exteriorização da vida interior. Isto é fácil de entender, pois o aparecimento da linguagem
insere a criança em novas formas de relações interindividuais, relações que agora incluem
o outro. A capacidade de representação conquistada nesse estágio possibilita atribuir
significados e sentidos à realidade. A possibilidade de comunicação verbal que surge
com a capacidade de representação organiza as brincadeiras simbólicas, a imitação, o
“faz de conta” característico desse estágio, assim a criança verbaliza o que anteriormente
apenas realizava motoramente.

59
UNIDADE 3

Como as crianças ainda se apresentam muito centradas em si próprias, elas


não conseguem compreender diferentes pontos de vista. O pensamento
é egocêntrico justamente por não conseguir conceber a realidade com
objetividade. Neste estágio, é muito comum o comentário de crianças quando
observam a lua dentro de um carro em movimento: “A lua está me seguindo”.
Aqui, neste estágio é muito interessante observar crianças brincando de faz
de conta, seus comentários e explicações sobre o mundo.

A passagem do estágio pré-operatório para o estágio operatório-concreto


ocorrerá por meio da possibilidade de reversidade de pensamento. “As ações
do período pré-operatório, embora internalizadas, não são ainda reversíveis”
Para saber
(DAVIS; OLIVEIRA, 2010, p. 51).
mais sobre as
características do
Fonte: istockphoto.com

pensamento infantil
deste estágio em
relação aos conceitos
de egocentrismo,
centralização,
animismo e realismo
nominal, acesse a
Biblioteca Virtual
Universitária 3.0
Pearson e leia o
fragmento da obra
Pontos de psicologia
do desenvolvimento
(BARROS, 2008, p.
104-107).

Outra obra importante


que nos ajudará a
melhor compreender
essas fases é Teorias
da aprendizagem:
um encontro entre
os pensamentos
• Estágio operatório concreto (7-11/12 anos). Coincide com a entrada filosófico, pedagógico
e psicológico
da criança no Ensino Fundamental. Nesta etapa, a criança raciocina
(NOGUEIRA, 2015, p.
de forma coerente – os conhecimentos a respeito da realidade externa 121-141).
adquiridos na fase anterior são gradualmente transformados em
verdadeiros esquemas conceituais e ela trabalha com eles de acordo
com os princípios da lógica, mas ainda depende da existência dos
objetos do mundo exterior.

60
UNIDADE 3

Para tanto, há a construção da capacidade da interiorização de suas ações, por meio da


qual consegue realizar as operações mentalmente. Este é um salto qualitativo ao longo do
desenvolvimento, que culmina com a capacidade de desenvolvimento da reversibilidade
do pensamento. Como exemplo de reversibilidade de pensamento, podemos comparar
a resposta de uma criança do período pré-operatório (2 a 7 anos) com a resposta de
uma criança do período operatório concreto (7 a 12 anos) quando questionadas sobre a
mesma situação: conto para elas que peguei o carro e percorri 30 quilômetros para ir da
minha casa até o sítio. Portanto, quantos quilômetros deverei percorrer para voltar do sítio,
ou seja, do sítio até minha casa?

A criança do estágio pré-operatório ficará na dúvida, poderá dizer que não sabe ou então
mencionar qualquer número. A criança que cognitivamente opera com a reversibilidade
do pensamento, característica do estágio operatório-concreto, com certeza entenderá que
se para ir de minha casa até o sítio percorri 30 quilômetros, portanto, para voltar, deverei
percorrer os mesmos 30 quilômetros ou mesmo compreender a reversibilidade diante de
uma operação de adição e subtração, se 7 + 2 = 9, portanto, 9 – 2 = 7 ou 9 – 7 = 2.

Essa nova forma de atuar cognitivamente sobre o mundo possibilita a compreensão de


diferentes pontos de vista. Há a aceitação de regras e, agora, a criança pode planejar as
próprias ações e pensar antes de agir, o que permite que ela conviva melhor em grupos
sociais.

A entrada para o estágio formal é caracterizada pela modificação e evolução do pensamento


para uma maneira mais abstrata, ou seja, o pensamento se torna independente da realidade
concreta.
Fonte: istockphoto.com

61
UNIDADE 3

• Estágio operatório formal (12 anos em diante). Este é o último estágio


do desenvolvimento cognitivo. Agora, o sujeito apresenta capacidade de
abstração, elaboração de teorias e hipóteses. O pensamento formal opera
independentemente, sem o apoio da percepção ou mesmo da experiência
concreta. Há aqui uma ação exaustiva de trabalhar com a representação
da representação que promove a construção de proposições, ou seja, é
o pensar sobre o pensar. Então, a partir do real, o adolescente reconstrói
o próprio pensamento e efetiva relações de causa e efeito a partir de
hipóteses, esquema hipotético dedutivo. A característica do pensamento
excede a execução das operações realizadas sobre objetos, pois agora
essas operações podem ser realizadas independentemente dos objetos
ou de situações concretas. O sujeito adolescente será capaz de formar
esquemas conceituais abstratos – conceituar amor, fantasia, justiça,
democracia, por exemplo, o que lhe possibilitará uma imensa riqueza em
termos de conteúdo e flexibilidade de pensamento; discutir os valores
morais dos pais e construir os seus próprios; compreender e discutir
doutrinas filosóficas e teorias científicas –, ou seja, ele terá atingido a
forma final de equilíbrio cognitivo: o estágio operatório formal.

Por meio dos vídeos a seguir, você encontrará as famosas provas piagetianas
nas quais o autor tenta demonstrar a fase do desenvolvimento infantil e as
características do pensamento expressas pelas respostas das crianças.
Acesse a Biblioteca
Virtual Universitária
Fonte: Revista Nova Escola

3.0 Pearson e leia um


fragmento da obra
Pontos de psicologia
do desenvolvimento
As pesquisas de Piaget (na foto em uma (BARROS, 2008, p.
107-108).
escola nos anos 1970) deram relevo à
primeira infância. Leia o artigo “Esquemas
de ação de Piaget” (FERNANDES, 2011).

62
UNIDADE 3

No vídeo “D-11 – Desenvolvimento cognitivo” (2011), você encontrará crianças diante das
provas piagetianas. Verifique a forma como elas respondem às solicitações do pesquisador.

No quadro a seguir, anote as suas percepções estabelecendo relações com os conceitos


estudados até agora. Por que você acha que as crianças dão essas respostas? Separe
suas anotações seguindo os critérios dos Estágios de Desenvolvimento.

Por meio dos argumentos apresentados, acreditamos ter despertado em você o desejo de
observar como o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem. Sugerimos que pesquise
sobre as provas piagetianas.

Para finalizar, utilizamos um trecho de Gamez (2010, p. 55) para entendermos que na
teoria piagetiana:

Não são só o desenvolvimento e a maturidade física do indivíduo os responsáveis


por seu desenvolvimento cognitivo e social, mas também, os desafios e
problemas que ele precisa enfrentar ao longo da vida e as situações de interação
social e cultural com as quais se envolve que determinam o desenvolvimento da
inteligência humana.

63
UNIDADE 3

Síntese

Pois bem, foi possível perceber como a teoria piagetiana provocou uma revolução
nas escolas e na atuação dos professores? A partir da compreensão dessa teoria
sobre o desenvolvimento, não podemos ignorar as diferenças e as possibilidades de
desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Assim, estes conhecimentos devem ser
considerados para o planejamento e para as práticas pedagógicas.

É importante a retomada do texto que você redigiu sobre as próprias memórias de


aprendizagem a fim de elencar os aspectos da teoria piagetiana mencionados. Elabore um
esquema com os principais aspectos que você compreendeu sobre a teoria piagetiana.
Reveja suas anotações e a discussão realizada no fórum e compare com as próprias
memórias de aprendizagem escolar.

A partir da síntese encontrada em Gamez (2010), registre no quadro a seguir os principais


conceitos que você pôde apreender seguindo os termos-chave apresentados a seguir:

Desenvolvimento cognitivo

Piaget e o desenvolvimento infantil

Estágios do desenvolvimento e suas relações com a aprendizagem

Relevância desses aspectos para o cotidiano escolar

Desenvolvimento da inteligência

64
UNIDADE 3

Aplicando os conceitos

Nesta unidade, foram apresentados conceitos da teoria piagetiana. Você pôde compreender,
por meio de vídeos e textos, esses conceitos e refletir sobre o desenvolvimento infantil e a
aprendizagem. Propomos, então, três tarefas:

• A partir de suas anotações, relembre momentos da sua vivência escolar e relate-os de


acordo com a teoria piagetiana.
• Organize um glossário com os termos mais significativos da teoria piagetiana que
estão destacados ao longo desta unidade.
• Após elaboração e registro do esquema organizado na síntese, elabore um texto com
os conceitos estudados, relacionando-os a alguma experiência vivida em seu período
escolar.

Atividade

Com o aporte da teoria piagetiana, colabore com as professoras:

• Rita é professora do 2º ano do Ensino Fundamental e ela precisa planejar uma atividade
com o conceito de adição para a sua turma.

Descreva a atividade passo a passo. Destaque os pontos que ela deverá levar em
consideração de acordo com a teoria piagetiana, justificando-os teoricamente.

• Após a leitura da tirinha a seguir, explique as características do pensamento/ do


estágio de desenvolvimento de Calvin.
Fonte: Revista Nova Escola

65
UNIDADE 3

Referências

BARROS, C. S. G. Pontos de psicologia do desenvolvimento. Ática: São Paulo, 2008.

COLL, C. et al. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação escolar.


2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. 2 v.

COLL, C.; MARTÍ, E. Aprendizagem e desenvolvimento: a concepção genético-cognitiva


da aprendizagem. In: COLL, C. et al. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia
da educação escolar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 45-59. 2 v.

D-11 – DESENVOLVIMENTO COGNITIVO. Produção: Univesp TV. São Paulo: Univesp, 15


dez. 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=U1gvFJ99C-A>. Acesso
em 22 fev. 2016.

DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. M. R. Psicologia na educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

DRAUZIO VARELA – 5 SENTIDOS. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/


watch?feature=player_detailpage&v=c5ODGzBUMNc>. Acesso em: 6 dez. 2016.

FERNANDES, E. Esquemas de ação de Piaget. Nova Escola, São Paulo, jan./fev. 2011.
Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/esque
mas-acao-piaget-sujeito-epistemico-jean-617999.shtml?page=0>. Acesso em: 1 out. 2015.

GAMEZ, L. Psicologia da educação. São Paulo: Cortez, 2010.

JEAN PIAGET. Roteiro e apresentação: Yves de La Taille. Brasil: Atta Mídia e Educação,
2006. (Coleção Grandes Educadores) 57 min. 1 DVD. Disponível em: <http://www.attamidia.
com.br/produtos.php?/prd/149/grandes-educadores/>. Acesso em: 21 dez. 2015.

NOGUEIRA, M. O. G.; LEAL, D. Teorias da aprendizagem: um encontro entre os pensamentos


filosófico, pedagógico e psicológico. 2. ed. Curitiba: Intersaberes, 2015.

REVISTA NOVA ESCOLA (2015). Jean Piaget: desenvolvimento e aprendizagem. São


Paulo: Editora Abril. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/jean-
piaget-428139.shtml?page=3>. Acesso em: 15 fev. 2016.

66
UNIDADE 4

Unidade 4 – Desenvolvimento humano e


aprendizagem: contribuições de Lev Vygotsky

Seja bem-vindos a quarta unidade, “Desenvolvimento Humano e Aprendizagem:


contribuições de Lev Vygotsky”, deste Guia de Estudos. Neste tema, serão apresentados
alguns conceitos da obra de um dos principais contribuintes da área da Psicologia para a
Pedagogia. Certamente, você se encantará com esses pressupostos teóricos, pois o autor
conseguiu discorrer sobre as influências das interações sociais, históricas e culturais no
desenvolvimento humano.

Chamamos sua atenção para alguns conceitos teóricos da obra de Vygotsky, os


quais, em uma perspectiva sócio histórica, agregam à compreensão fundamental de
alguns conceitos teóricos, tais como: Funções Psicológicas Superiores, Pensamento
e Linguagem, Nível de Desenvolvimento Real e Nível de Desenvolvimento Potencial,
Zona de Desenvolvimento Proximal e a importância da Mediação para os processos de
aprendizagem e desenvolvimento.

Aqui, vale acrescentar que a obra desse pensador foi influenciada pelo contexto histórico-
cultural da União Soviética, que ainda se encontrava em situação de isolamento político-
econômico durante o período Stalinista. Essas circunstâncias permitiram que o autor se
aproximasse das ideias de Marx e Engels. Além disso, Vygotsky contou com pensadores
como Luria e Leontiev para a elaboração de uma rica produção intelectual e científica que
ganhou prospecção apenas em 1962, nos Estados Unidos, por meio da tradução da obra
Pensamento e Linguagem (1993). Posteriormente, sua produção foi traduzida também
para o espanhol e vastamente divulgada por todo o ocidente.

Neste momento, o conceito de materialismo-dialético utilizado por Vygotsky teve amparo


nas ideias marxistas, ou seja:

Marcado pela orientação predominante na União Soviética pós-revolucionária,


Vygotsky via no materialismo histórico dialético de Marx e Engels uma fonte
importante para suas próprias elaborações teóricas. Alguns postulados básicos
do marxismo claramente incorporados por Vygotsky são:
• O modo de produção da vida material condiciona a vida social, política e
espiritual do homem.

67
UNIDADE 4

• O homem é um ser histórico, que se constrói através de suas relações com o


mundo natural e social. O processo de trabalho (transformação da natureza) é o
processo privilegiado nessas relações homem/mundo.
• A sociedade humana é uma totalidade em constante transformação. É um
sistema dinâmico e contraditório, que precisa ser compreendido como processo
em mudança, em desenvolvimento.
• As transformações qualitativas ocorrem por meio da chamada “síntese dia-
lética” onde, a partir de elementos presentes numa determinada situação,
fenômenos novos emergem. Essa é exatamente a concepção de síntese utilizada
por Vygotsky ao longo de toda sua obra” (OLIVEIRA, 1997, p. 28).

Assim, ancorado no materialismo dialético de Marx e Engels, sua obra visa quebrar as
ideias mecanicistas de desenvolvimento humano e ressalta, a partir de uma perspectiva
explicativa, que o homem é um sujeito que interage com o meio ambiente (interacionista).
Dessa forma, o indivíduo possui um desenvolvimento dinâmico e contínuo, ou seja, é por
meio da interação com o ambiente que o homem desenvolverá a própria consciência a
partir das influências sociais (consciência social).

Vygotsky postulou que as funções psicológicas superiores são funções tipicamente


humanas, construídas a partir da interação do homem com a cultura.

O autor atribui importância para a relação estabelecida entre pensamento e linguagem


como formas específicas de distinção da raça humana das demais espécies.
Fonte: istockphoto.com

68
UNIDADE 4

De maneira rica para a pedagogia e para a área educacional, o autor também cunhou os
termos Nível de Desenvolvimento Real (as funções mentais já fazem parte do repertório
cognitivo do sujeito sendo uma aprendizagem já adquirida), Nível de Desenvolvimento
Potencial (as funções mentais que ainda não amadureceram, mas que estão em processo
de maturação, ou seja, aquilo que o sujeito consegue realizar com a ajuda de um adulto
ou de um par mais experiente). Entre os dois níveis de desenvolvimento (real e potencial),
encontra-se a Zona de Desenvolvimento Proximal que é a distância da aprendizagem entre
o nível de desenvolvimento real e potencial. Então, “a Zona de Desenvolvimento Proximal
refere-se, assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções
que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas,
estabelecidas no seu Nível de Desenvolvimento Real” (OLIVEIRA, 1997, p. 60).

Por fim, o conceito de Mediação pode ser compreendido como todas as formas de interação
entre o sujeito e o meio externo, ou seja, é a utilização de elementos intermediários em
sua relação com o mundo. Vygotsky distingue a mediação realizada por instrumento, por
exemplo, quando nos utilizamos de uma caneta para escrever, e por signos que são a
representação mental de um elemento mediador, por exemplo, a palavra cadeira é um
signo que representa o objeto cadeira.

Notoriamente, Vygotsky foi um dos principais contribuintes para a área educacional,


com sua visão revolucionária à época, principalmente se considerarmos as pessoas que
apresentavam algum tipo de deficiência no curso de seu desenvolvimento. O psicólogo
russo discorreu brilhantemente sobre uma interação dialética entre o homem e o meio
ambiente no qual estivesse inserido.

É importante destacar que Vygotsky possui renome na área educacional, uma vez que suas
propostas são amplamente aceitas pela comunidade acadêmica, porque revela a aceitação
do educando dentro da própria realidade, ou seja, contextualizando e considerando
variáveis importantes, tais como: aspectos inatos, estrutura familiar e sua rede social
estendida, desenvolvimento psicológico, capital cultural, realidade socioeconômica etc.

69
UNIDADE 4

Objetivos de aprendizagem

Objetivos conceituais

• Compreender, a partir da perspectiva teórica de Vygotsky, como ocorre a aprendizagem


e o desenvolvimento humano.
• Refletir sobre as implicações da obra de Vygotsky nas práticas educacionais e
pedagógicas.

Objetivos procedimentais e habilidades

• Apresentar os pressupostos teóricos da obra de Vygotsky os quais podem subsidiar


práticas pedagógicas, no que se refere à compreensão da aprendizagem e do
desenvolvimento humano.

Objetivos atitudinais e valores

• Sensibilizar-se quanto ao conhecimento teórico-prático que determinará diferentes


olhares para uma educação de qualidade.
• Interessar-se pelos diferentes aspectos do desenvolvimento humano e da
aprendizagem.
• Sensibilizar-se quanto à importância do conhecimento sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento na perspectiva vygotskyniana.

70
UNIDADE 4

Explorando os conceitos

Estudaremos agora as proposições de Lev Vygotsky. Para isso, é importante que conheça
uma história clássica para os estudiosos desse pensador, o “Conto das Meninas Lobo”
(LEYMOND, 1965 apud ARRUDA ARANHA; PIRES MARTINS, 2003).

AS MENINAS LOBO – AMALA E KAMALA

Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos,


descobriram-se em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de
uma família(?) de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano
mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada
de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus
irmãos lobos.
Elas caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os
pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou
podre. Comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente
e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia
acabrunhadas e prostradas numa sombra. Eram ativas e ruidosas durante a
noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choravam ou riam.
Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se (?)
lentamente. Necessitou de seis anos para aprender a andar e, pouco antes de
morrer, tinha um vocabulário de apenas cinquenta palavras. Atitudes afetivas
foram aparecendo aos poucos. Chorou pela primeira vez por ocasião da morte
de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela bem como
às outras com as quais conviveu. Sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se
por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar,
aprendendo a executar ordens simples”.

Pare e pense!

Você conhecia esse conto? O que achou dele? Do seu ponto de vista, por que Amala
e Kamala apresentavam comportamentos semelhantes aos de lobos (animais)?
Além disso, você concorda que os elementos biológicos não foram suficientes para
o desenvolvimento e a aprendizagem humana? A partir de sua compreensão, quais
variáveis fizeram falta para o desenvolvimento das meninas lobas?

71
UNIDADE 4

Fonte: 3.bp.blogspot.com

Para complementar
este contato inicial
com a obra de
Vygotsky, assista ao
vídeo “Lev Vygotsky
Coleção Grandes
Educadores”,
elaborado pela
ATTA Editora, que
é apresentado
pela pesquisadora
brasileira Marta Kohl.
Fonte: 1.bp.blogspot.com

Registre a seguir suas reflexões sobre as indagações mencionadas.

72
UNIDADE 4

Explorando os conceitos

[...] a educação é o processo central da humanização, e a escola, o principal


‘laboratório’ para estudar a dimensão cultural, especificamente humana, do
desenvolvimento (CUBERO; LUQUE, 2004, p. 94).

Iniciada a apresentação sobre este intrigante autor, aprofundaremos nossos conhecimentos


acerca da obra de Vygotsky, destacando a sua relevância para a educação, especialmente
para a prática pedagógica. Aproveitamos este momento para alertar sobre a importância de
aproximar os conceitos teóricos estudados em Vygotsky, relembrando-os posteriormente
nas observações que serão realizadas no estágio supervisionado.

Lev Semenovich Vygotsky nasceu na Rússia em


Fonte: Biografías y vidas (2016)

1896 e faleceu 1934, com apenas 37 anos, vítima


de tuberculose. Ávido pelo conhecimento, transi-
tou em diversas áreas do saber e formou-se em
Direito em 1918, pela Universidade de Moscovo.
Aos 29, titulou-se doutor em Psicologia da Arte,
tendo concluído Graduação em Medicina para
aperfeiçoar suas hipóteses teóricas.

Estudou profundamente as teorias da época


e tornou-se crítico da gestalt terapia, da psica-
nálise, do behaviorismo e do interacionismo pro-
posto por Piaget.

Não há como deixar de apontar que Vygotsky produziu um vasto e rico material intelectual,
com características próprias, marcado por efervescências de ideias que contaram
com dados e informações de distintas áreas do conhecimento, tornando sua produção
peculiar e de grande utilidade nas áreas humanas do saber. Ele opôs-se veementemente
ao enquadramento descritivo quantitativo (diagnóstico) do indivíduo, valorizando o
enfoque qualitativo para a compreensão do desenvolvimento das funções intelectuais, da
consciência e da atuação do indivíduo na natureza.

Opôs-se à compreensão do desenvolvimento humano com base na ciência natural, ou


seja, com explicações calcadas em processos elementares do desenvolvimento, como
processos sensoriais e reflexos. Além disso, foi contrário às ideias provenientes da

73
UNIDADE 4

Psicologia Experimental que utilizava métodos empíricos para explicar o desenvolvimento


humano por meio de quantificações e fenômenos observáveis.

Então, a partir de uma perspectiva contrária às correntes inatistas e ambientalistas (caso


tenha dúvida, retome a apresentação feita na segunda unidade deste Guia), o autor
formulou, juntamente com os seus colaboradores (Leontiev, Luria, entre outros), uma
reestruturação da Psicologia, a qual chamou de “Nova Psicologia”, cujo método foi
chamado de genético experimental. Almejou apresentar e compreender o homem
de maneira integrada, ou seja, o ser humano (biológico), mente (psicológico) e social
(cultural). Uma espécie orgânica, animal participante de um processo histórico e cultural
(CUBERO; LUQUE, 2004).

Totalmente amparado pelas proposições do materialismo histórico dialético de Karl Marx,


Hegels e Engels, o autor ampara suas ideias sobre aprendizagem e desenvolvimento em
uma perspectiva sócio-histórico-cultural, opondo-se às ideais tecnicistas de aprendizagem
e desenvolvimento humano. Vale a pena entender que as concepções acerca do
materialismo histórico dialético utilizadas por Vygotsky possuem origem em grandes áreas
do conhecimento, tais como a Filosofia e a Sociologia. Para uma melhor compreensão, leia
o artigo “Introdução ao Materialismo Dialético”.

Então, o desenvolvimento psicológico humano é calcado no materialismo dialético, ou


seja, não é descontextualizado ou abstrato, mas contextualizado historicamente, a partir
de determinado ambiente (tempo e espaço) e, ainda, individual ao invés de universal.

Essa constatação foi amplamente importante para que o autor compreendesse, em um


contexto pós Primeira Guerra Mundial, o crescente número de crianças desnutridas,
deficientes, com distúrbios emocionais, abandonadas e delinquentes. Esse fato contribuiu
para suas pesquisas e reflexões acerca da aprendizagem e do desenvolvimento humano,
tendo como premissa básica a interação do indivíduo com o ambiente para a constituição
do sujeito.

Diante disso, criou a hipótese de que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento e o


desenvolvimento é influenciado pelo contexto sócio-histórico-cultural.

Dessa maneira, Vygotsky utilizou um modelo explicativo dos mecanismos cerebrais


subjacentes ao funcionamento psicológico, defendendo a constituição do sujeito ao longo
de um processo histórico-cultural.

74
UNIDADE 4

Fonte: istockphoto.com

Então, a compreensão do sujeito humano na perspectiva de Vygotsky é


qualitativa, interdisciplinar, dinâmica, singular e orientada para as interações
que o sujeito estabelece com o meio sociocultural.

Dessa forma, vale observar que, já naquela época, o autor apresentou a ideia
de que o cérebro humano é mutável, dinâmico, e vastamente adaptável,
susceptível às mudanças e transformações em interações recíprocas com o
ambiente.

Agora, façamos uma pausa para acrescentarmos uma informação importante


que tem sido objeto de pesquisa na área da neurociência e possui ligação
direta com os processos de desenvolvimento e aprendizagem humana: a
plasticidade cerebral. Para mais
informações assista
ao vídeo “VS
Assim, os processos de desenvolvimento humano dependem de uma estrutura Ramachandran:
os neurônios
básica inicial (cérebro), que, de forma maturacional, está em constante que moldaram a
transformação. O seu modus operandis é moldado ao longo da história da civilização” (2009).

espécie e do desenvolvimento individual do sujeito, de acordo com a interação


que este estabelece com o ambiente. Vygotsky acredita na construção social
do indivíduo. Dessa maneira, o desenvolvimento biológico é importante, mas
secundário no curso do desenvolvimento humano. Consequentemente, ele
defende que o desenvolvimento humano está atrelado ao ambiente social-
histórico-cultural que pode fornecer ou não condições para interações
satisfatórias à aprendizagem e ao desenvolvimento humano.

75
UNIDADE 4

Vamos refletir!

Descreva o que você compreendeu até o momento sobre o desenvolvimento e a


aprendizagem na perspectiva de Vygotsky. Não deixe de responder à questão:
você acredita que apenas os aspectos biológicos são suficientes para que ocorra
desenvolvimento e aprendizagem? Registre sua opinião no espaço a seguir.

Bem, compreendida a ideia central de Vygotsky sobre a aprendizagem e o desenvolvimento,


a partir de agora, agregaremos os conceitos teóricos que o autor apresenta para
defender as próprias ideias. É preciso que você compreenda que os conceitos teóricos
serão apresentados separadamente apenas para fins didáticos, mas que, no curso da
aprendizagem e do desenvolvimento, eles ocorrem concomitantemente, ou seja, ao
mesmo tempo. Para isso, utilizaremos uma citação que aborda quatro conceitos teóricos
importantes da obra vygotskyniana: a filogênese, a ontogênese, a sociogênese e a
microgênese.

O comportamento e o funcionamento mental humano devem ser estudados em


quatro diferentes planos genéticos: o plano da filogênese (relativo à história
da espécie humana); o da ontogênese (relacionado à história do indivíduo na
espécie, do nascimento à morte); o da sociogênese (relacionado à história de
cada grupo cultural) e o da microgênese (referente à história, relativamente de
curto prazo, da formação de cada processo psicológico específico; referente,
também, à configuração única das experiências vividas por cada indivíduo em
sua própria história singular) (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 24, grifo nosso).

76
UNIDADE 4

Esses conceitos teóricos não são de difícil compreensão se desmembrarmos a sua


apresentação e refletirmos sobre possíveis exemplos, principalmente relacionando-os
com a aprendizagem e o desenvolvimento humano, de preferência no ambiente escolar.

Filogênese Ontogênese Sociogênese Microgênese

Trata-se da Termo cunhado Está relacionada É o processo


identificação de para descrever à história dos psicológico
características a história do distintos grupos específico
históricas indivíduo dentro sociais e de de cada um
Paráfrase

essencialmente da espécie suas respectivas (portanto, de


relacionadas humana. culturas. curto prazo),
à evolução da Abrange a o qual envolve
espécie. evolução do experiências e
indivíduo, do singularidades
nascimento até a do ser.
morte.

Origem e Origem e Cultura e grupos Constituição do


Resumo

evolução da evolução do sociais. ser/indivíduo.


espécie. indivíduo.
Ilustração

Ricardo possui Apesar de Ricardo, Apesar de


DNA da espécie Ricardo possuir Pedro e Paulo Ricardo ser
humana, tal uma sequência frequentam a amigo de Pedro
Exemplos

como Pedro e biológica similar mesma escola e de Paulo, suas


Paulo. à de Pedro, e possuem preferências
ele aprendeu influências culinárias e
a andar dois culturais hábitos são
meses mais semelhantes. distintos dos dois
cedo. colegas.
Fonte: Elaborado a partir de “Vygotsky e as complexas relações entre cognição e afeto” (OLIVEIRA; REGO, 2003).

77
UNIDADE 4

Compreendidos os conceitos teóricos da Filogênese, da Ontogênese, da Sociogênese e


da Microgênese, convidamos você a compreender os conceitos teóricos denominados
Funções Psicológicas Inferiores e Funções Psicológicas Superiores.

No domínio ontogenético, que se refere ao desenvolvimento pessoal, podem-


se distinguir dois planos de desenvolvimento: a linha natural e a linha cultural
do desenvolvimento. A linha natural do desenvolvimento é determinada pelas
características biológicas da espécie, transmitidas geneticamente e que em
determinados aspectos fazem sua aparição de acordo com um calendário
maturativo comum. Tais características configuram e possibilitam o funcionamento
mental elementar, os chamados processos psicológicos inferiores. Esses
processos, resultantes da evolução filogenética da espécie, aproximam-
nos das demais espécies animais; contudo, ao longo do desenvolvimento
humano são modificados pela herança socialmente transmitida. Na concepção
vygotskyniana, a evolução histórico-cultural da espécie cria e define outro
repertório de funções psicológicas que supõe um salto qualitativo em relação aos
processos psicológicos inferiores. Assim, funções psicológicas como a atenção,
o pensamento ou a memória aparecem primeiro como processos elementares
para mais tarde se transformarem em processos superiores. A influência da
linha cultural do desenvolvimento, por meio da linguagem e de outros elementos
simbólicos, traduz-se, portanto, na aquisição das funções psicológicas superiores,
genuinamente humanas (CUBERO; LUQUE, 2004, p. 97, grifo do autor).

Sendo assim, as funções psicológicas possuem um suporte biológico, pois são produto de
atividades cerebrais que evoluem de funções psicológicas inferiores do desenvolvimento
infantil para funções psicológicas superiores, forma mais complexa do pensamento dos
adultos. Isso permite compreender que o desenvolvimento psicológico é um processo
tipicamente humano, particularmente por causa das transformações das Funções
Psicológicas Inferiores em Superiores, fortemente amparadas nos modos históricos e
culturais para a constituição do psiquismo de um ser humano real, distinto das demais
espécies animais.

78
UNIDADE 4

Façamos uma pausa importante para resgatar conceitos teóricos tratados nesta
unidade. Registre suas ideias sobre:
1) Funções Psicológicas Inferiores.
2) Funções Psicológicas Superiores.

Depois de entendermos a natureza sócio-histórico-cultural da teoria de Vygotsky,


avançaremos na compreensão de mais dois importantes postulados teóricos do autor:
pensamento e linguagem.

Aqui, é importante acrescentar, a título de curiosidade, que a obra de Vygotsky teve


inserção no ocidente de maneira bastante expressiva e contundente em 1962, quando
uma de suas obras, ainda em russo, foi traduzida para o inglês com o nome Thought and
language (1986). Na versão em português, é um livro bastante divulgado na comunidade
acadêmica das áreas humanas e intitulado Pensamento e Linguagem (2008).

Então, ao apresentarmos os conceitos teóricos de pensamento e linguagem, de antemão,


destacamos a importância destes postulados na diferenciação da espécie humana para
a espécie animal. O autor indica que é por meio da estruturação do pensamento e da
linguagem que existe o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Observe que fantástico!

É por meio da linguagem que desenvolvemos a capacidade de representar a realidade,


os significados e as representações de mundo historicamente produzido. A linguagem,
na teoria sócio-histórico-cultural, ultrapassa a compreensão do fenômeno linguístico,

79
UNIDADE 4

e é apresentada como ato de pensamento, pois o significado de cada palavra é uma


generalização. Essa generalização torna-se um conceito, e a formação de conceitos é
necessariamente o ato do pensar que envolve a capacidade de planejar e executar ações,
de calcular, projetar ideias relacionadas ao passado, presente e futuro. Ou seja, é por meio
do pensamento que podemos afirmar que existimos. A linguagem retrata-se como uma
herança que envolve todas as categorizações apresentadas e abrange desde a filogênese,
a ontogênese, a microgênese e a sociogênese, retratando explicitamente a evolução da
espécie humana dentro de um contexto ambiental que é sócio-histórico-cultural.

Para melhor compreendermos essa relação, apontamos para outro conceito importante
dessa teoria: a internalização. No processo de internalização, ocorre a passagem, a
transição do social para o individual. Assim, a aprendizagem inicialmente interpsíquica
transforma-se em ação intrapsíquica. A interiorização é a reconstrução de um nível
interpsicológico para uma operação intrapsicológica. Para Vygotsky, esse processo vai
além da adaptação; é uma apropriação que assinala a reconstrução de conceitos e
comportamentos desenvolvidos historicamente. Ao longo de seu desenvolvimento, toda
função aparece duas vezes: no nível social e, mais tarde, no nível individual; primeiro
entre pessoas (interpsicológica), e, posteriormente, no interior da própria criança
(intrapsicológica). Assim, as funções psicológicas possuem a sua origem a partir das
relações entre seres humanos.

Reflita: você já havia pensado sobre essas questões? Ou seja, sobre como nossa
capacidade de pensamento e de utilização da linguagem nos diferencia das demais
espécies animais?

Nessa perspectiva de interiorização e apropriação do universo tipicamente humano


está o conceito de Nível de Desenvolvimento Real (NDR) e Nível de Desenvolvimento
Potencial (NDP).

O NDR é definido como aquilo que o aprendiz já possui internalizado em seu repertório
de conhecimento, ou seja, aquilo que ele já sabe, é determinado pelas competências e
capacidades do indivíduo para resolver situações problemáticas de maneira independente.
Já o NDP caracteriza-se como as possibilidades de realização de tarefas e ações com a
ajuda e a colaboração de alguém mais experiente.

A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) é um preceito interativo que se organiza


como estrutura de apoio que possibilita ao sujeito avanços em relação às competências.

80
UNIDADE 4

Esse conceito revela a característica prospectiva da teoria vygotskyniana, pois não basta
compreender os conhecimentos e as capacidades que já estão estabilizados, ou seja, o
que as crianças ou adultos realizam sem o suporte de outros adultos ou crianças mais
experientes em relação a uma dada situação. Vygotsky aponta que é na interação que
criamos espaço para a organização de novas competências.

O autor destaca que circundando o Nível de Desenvolvimento Real está a Zona de


Desenvolvimento Proximal. Está é dinâmica, não estática, e conduz a aprendizagens
intermediadas o tempo todo por estímulos ofertados pelo meio ambiente, por instrumentos,
ferramentas e pessoas. Ocorre quando uma interação iniciada é determinada
concomitantemente pelo nível de desenvolvimento da criança e pelas formas de ensino
presentes no desenvolvimento de uma atividade.

A partir desses conceitos, a importância do ato educativo e do papel do professor na


proposição de situações de aprendizagens ficam evidentes. A intervenção do professor
reveste-se, então, de um novo sentido. Não é suficiente apenas o contato das crianças
com os objetos de conhecimento ou, como muitos professores designam a própria função,
“passar o conhecimento”. É preciso uma prática pedagógica que invista em ricas situações
em sala de aula, que promova interações positivas e que considere as capacidades atuais
e potenciais dos alunos.

Antes dessa teoria, nossos olhos se voltavam apenas para o que a criança já era capaz
de realizar sozinha. Veja, por exemplo, o papel da avaliação. Ao voltarmos os nossos
olhos para a compreensão da aprendizagem, evidenciando o caráter retrospectivo e o
conhecimento já adquirido pelas crianças, o caráter prospectivo da teoria de Vygotsky
aponta a escola como palco privilegiado de novas aprendizagens. É na escola que os
conhecimentos sistematizados, construídos ao longo da história pela humanidade,
ganham intencionalidade. Essa aprendizagem não ocorre de forma espontânea como
os conhecimentos do cotidiano; ela necessita de organização de estratégias próprias,
diferentemente dos conhecimentos informais. A construção do conhecimento em sala de
aula é um processo social e compartilhado entre todos.

Vale ressaltar, mais uma vez, a importância da escola para a aprendizagem e o


desenvolvimento do sujeito humano.

81
UNIDADE 4

Conforme pode ser observado na figura anterior, para Vygotsky, uma completa compreensão
do desenvolvimento humano implica em considerar dois níveis de desenvolvimento: o real
e o potencial, sendo que, entre os dois níveis, há uma zona de desenvolvimento proximal/
dinâmica – espaço de atuação/mediação docente.

Outro conceito importante na obra de Vygotsky é a mediação. O autor destaca que “[...]
na ausência do outro, o homem não se constrói homem, portanto aponta que somos
geneticamente sociais [...]”.

Assim, o papel do meio social de maneira geral – família, escola, educadores, comunidade
estendida etc. – configura-se palco de construções de aprendizagens e desenvolvimento
humano. Vale apontar que é a aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento. A escola,
então, é caracterizada como espaço privilegiado de relação e inserção cultural dos sujeitos
humanos.

Para Vygotsky, o conceito de mediação é fundamental, pois revela que nosso contato
com o mundo não é direto, mas mediado pela cultura na qual estamos inseridos. Quando
nascemos, estamos em estado de total indiferença com o meio. Essa indiferença revela-
se como a forma que nos apresentamos misturados com as pessoas e os objetos. O
processo de diferenciação é gradual e depende de nossa relação com o ambiente,
portanto, a cultura é a grande responsável (enquanto mediadora) para os processos de
aprendizagem e desenvolvimento humano.

82
UNIDADE 4

Retomando, é a partir das interações com o meio cultural que desenvolvemos as funções
psicológicas inferiores e superiores, constituindo-se e apropriando-se do universo humano.
A mediação apresenta-se como mecanismo de significação do mundo, das pessoas,
dos objetos, dos sentimentos. Essa mediação pode ser realizada por instrumentos ou
signos. Os instrumentos são as ferramentas culturalmente produzidas que ampliam
as possibilidades de interação do homem. Nos relacionamos com o mundo usando
instrumentos intermediários, como uma faca para descascar uma fruta.

Os signos se organizam em sistemas simbólicos que representam ideias, permitem


compreender o mundo em que vivemos, por exemplo, a escrita e as diferentes linguagens.
Nos diferenciamos dos animais quando nos apropriamos desses sistemas simbólicos,
tornando-nos sujeitos tipicamente humanos.

Observe a imagem a seguir. De acordo com o conceito teórico vygotskyniano de


mediação, explique no espaço a seguir o que você compreendeu acerca do processo de
aprendizagem e desenvolvimento humano.
Fonte: istockphoto.com

83
UNIDADE 4

Embora Vygotsky e Piaget sejam nomeados como interacionistas, é válido


destacar que ambos possuem uma compreensão distinta acerca do que
é interação. Piaget entende o interacionismo sob uma vertente biológica e
Saiba mais sobre
evolucionista de desenvolvimento. Vygotsky considera que o interacionismo
o conceito de
é um processo complexo de avanços e retrocessos, crises, mudanças, Mediação a partir
da leitura do
transformações, aquisições e interações constantes do indivíduo com o meio
texto “Vygotsky
ambiente, sob uma perspectiva socio-histórica-cultural. e o conceito de
aprendizagem
mediada”
Síntese (MONROE, 2016).

Como podemos perceber, a teoria de Vygotsky nos instiga a pensar sobre


a importância do contexto sociocultural na construção do sujeito humano e
as influências do ambiente histórico para a constituição do sujeito. Essas
questões que atualmente nos parecem óbvias emergem e são descritas na
obra de Vygotsky.

Após a leitura desta unidade, é importante que você tenha se apropriado


de alguns conceitos teóricos fundamentais para a compreensão da
aprendizagem e do desenvolvimento humano de acordo com a premissa
teórica de Vygotsky. Para isso, retomamos alguns conceitos:

• A aprendizagem e o desenvolvimento humano ocorrem por meio das


interações do sujeito com o meio, sob uma perspectiva sócio-histórica-
cultural.
• Possuem como base a compreensão da importância dos aspectos
biológicos humanos e a necessidade das intervenções sociais para a
transformação e a constituição do sujeito. Nesse sentido, os conceitos
da filogênese, ontogênese, microgênese e sociogênese estão totalmente
interligados com a compreensão do desenvolvimento biológico,
psicológico e social do ser humano.
• Essas variáveis influenciam diretamente a constituição do pensamento e da
linguagem humana agregando peculiaridades únicas à espécie humana e
distinguindo-a das demais espécies animais. Vale destacar a evolução das
formas de pensamento das funções psicológicas inferiores (tipicamente
infantis) para as funções psicológicas superiores (tipicamente adultas).

84
UNIDADE 4

• Além disso, vale apontar que a mediação possibilita evolução no Nível de Desenvol-
vimento Real (aquilo que o aprendiz já possui em seu repertório de aprendizagem);
Nível de Desenvolvimento Potencial (aquilo que se encontra na instância psíquica
do aprendiz, mas ainda não compõe seu repertório de aprendizagem) e Zona de
Desenvolvimento Proximal (ou seja, o que a criança realiza com o auxílio dos mais
experientes).

Aplicando os conceitos

Depois de refletir sobre como construímos a nossa condição humana a partir de determinado
contexto sócio histórico, sugerimos a organização de uma síntese das ideias presentes na
teoria de Vygotsky.

Atividade

Relate uma cena de um caso fictício, utilizando a proposição de Vygotsky:

• Descreva a cena.
• Exponha a forma como os alunos estavam organizados no espaço físico da sala de
aula.
• Explique como a professora conduziu a atividade.
• Como foi realizada a correção?
• Atente-se para as interações que ocorrerem durante a cena, seja entre as crianças,
seja entre professores e crianças.

A partir da síntese elaborada anteriormente, utilize os conceitos teóricos de Vygotsky,


estudados durante esta quarta unidade. Reflita se esses conceitos foram observados na
cena descrita por você.

85
UNIDADE 4

Referências

ARRUDA ARANHA, Maria Lúcia de e PIRES MARTINS, Maria Helena. Filosofando:


introdução à filosofia. 3ª edição revista. São Paulo: Moderna, 2003.

CUBERO, R.; LUQUE, A. Desenvolvimento, educação e educação escolar: a teoria


sociocultural do desenvolvimento e da aprendizagem. In: COLL, C.; MARCHESI, A.;
PALÁCIOS, J. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação
escolar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 94-106.

LEV VYGOTSKY COLEÇÃO GRANDES EDUCADORES. Mídia Educação, 2015. Disponível


em: <https://youtu.be/KwnIKDXeEdI>. Acesso em: 6 jan. 2017.

MONROE, C. Vygotsky e o conceito de aprendizagem mediada. Nova Escola, 31 ago.


2016. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/vygotsky-conceito-
aprendizagem-mediada-636187.shtml?page=1>. Acesso em: 8 dez. 2016.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um desenvolvimento sócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

OLIVEIRA, M. K.; REGO, T. C. Vygotsky e as complexas relações entre cognição e afeto. In:
ARANTES, V. A. (Org.). Afetividade na Escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, 2003. p. 13-35. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=GlGJjoD
Vt1EC&lpg=PP1&hl=pt-BR&pg=PA14#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 19 dez. 2015.

REVISTA VIVER MENTE & CÉREBRO. Coleção Memória da Pedagogia: Liev Seminovich
Vygotsky, n. 2. Editor Manoel da Costa Pinto; [colaboradores Adriana Lia Frizzman...et
al]. – Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Segmento-Duetto, 2005. p. 1-37. Disponível em:
<http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/>. Acesso em 21 dez. 2015.

VS RAMACHANDRAN: OS NEURÔNIOS QUE MOLDARAM A CIVILIZAÇÃO. Produção:


Technology, Entertainment and Design. Nova York: TED Conference, nov. 2009.
Disponível em: <https://www.ted.com/talks/vs_ramachandran_the_neurons_that_shaped_
civilization?language=pt-br>. Acesso em: 8 dez. 2016.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Tradutor Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:


Martins Editora, 2008.

86
UNIDADE 4

Bibliografia complementar

OLIVEIRA, Z. M. R. L. S. Vygotsky: algumas ideias sobre o desenvolvimento e o jogo infantil.


São Paulo: FDE, 1994. p. 43-46. (Série Ideias, v. 2). Disponível em: <http://www.crmariocovas.
sp.gov.br/pdf/ideias_02_p043-046_c.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2015.

87
UNIDADE 5

Unidade 5 – Desenvolvimento humano e


aprendizagem: contribuições de Henri Paul
Hyacinthe Wallon

Sejam bem-vindos a quinta unidade “Desenvolvimento Humano e Aprendizagem:


contribuições de Henri Paul Hyacinthe Wallon”. Aqui, serão apresentados os principais
postulados teóricos da obra de Wallon. Você se surpreenderá com as pressuposições do
autor, porque, de maneira ímpar, ele contribuiu para a área educacional, acrescentando
um fator diferente dos demais teóricos, a questão da afetividade.

Assim como Piaget, Wallon ampara a sua teoria na perspectiva psicogenética a fim de
auxiliar a compreensão do desenvolvimento e da aprendizagem humana. No entanto,
as propostas dele acerca das fases do desenvolvimento infantil não são percebidas
como impassíveis de retrocessos. Pelo contrário, o autor acredita que no curso do
desenvolvimento, adquirimos, perdemos e readquirimos habilidades, ressignificando e
interiorizando conhecimentos já adquiridos, assim como novos conhecimentos.

O autor fundamentou suas ideias em quatro pilares básicos a afetividade, o movimento,


a inteligência e a formação do eu como pessoa. É importante perceber que esses
componentes estão presentes cotidianamente no ambiente escolar, e o educador, certamente,
usufruirá e conseguirá adequar sua prática com as explanações teóricas de Wallon, pois
brilhantemente ele é o autor que traz as emoções infantis para dentro de sala de aula.

Em sua obra, ele destaca a afetividade e o movimento como molas propulsoras para
o desenvolvimento da inteligência e consequentemente da aprendizagem infantil.
O professor da Educação Infantil que atua com crianças da primeira infância poderá
perceber o desabrochar dos aspectos psicomotores e a aprendizagem da criança, que
em um processo contínuo, evidenciará a ligação entre essas duas instâncias.

Lembre-se de que além disso, a afetividade proposta por Wallon em nada se aproxima da
afetividade conhecida por nós como o acolhimento, beijos, abraços, afagos etc., mas sim
uma compreensão da necessidade do outro para o desenvolvimento do indivíduo.

Compreender e fazer uso da teoria de Wallon significa cuidado, zelo e atenção aos
processos de desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos, evitando o distanciamento
deles e preservando uma relação de respeito necessária para a relação professor-aluno.

88
UNIDADE 5

Objetivos de aprendizagem

Objetivos conceituais

• Compreender, na perspectiva teórica de Wallon, o desenvolvimento cognitivo da


criança e refletir sobre suas implicações nos processos de aprendizagem.
• Refletir sobre as implicações nas práticas educacionais e pedagógicas, escolares e
não escolares, da obra de Wallon.

Objetivos procedimentais e habilidades

• A partir de alguns pressupostos teóricos de Wallon, identificar e analisar os pressupostos


teóricos que podem subsidiar práticas pedagógicas referentes à compreensão do
desenvolvimento humano e da aprendizagem.

Objetivos atitudinais e valores

• Sensibilizar-se quanto ao conhecimento teórico-prático que determinará diferentes


olhares para uma educação de qualidade.
• Interessar-se pelos diferentes aspectos do desenvolvimento humano e da
aprendizagem.
• Sensibilizar-se quanto à importância do conhecimento sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem humana, visando transformações na educação da infância.

89
UNIDADE 5

Explorando os conceitos

Convidamos você a conhecer os principais


Fonte: Studio Harcourt

destaques das obras de um dos grandes autores


da Psicologia para a Educação: Henri Paul
Hyacinthe Wallon.

É bastante razoável conhecer, minimamente, a


biografia de determinado estudioso para que
se possa ter uma visão mais abrangente de sua
produção.

Wallon nasceu na França em 1879 e morreu em


1962, aos 83 anos. Ele estudou, apresentou e
repensou conceitos teóricos acerca da interação do indivíduo com o meio. Ele possuiu
ampla formação acadêmica, a qual abrangeu diversas áreas do conhecimento, como
a Filosofia, a Medicina e a Psicologia. Foi militante político na França e abraçou ideias
Marxistas, destacando a necessidade da compreensão do indivíduo inserida na teoria
psicogenética do desenvolvimento humano.

Wallon atendeu crianças com deficiência e combatentes de guerra nas duas grandes
guerras, acreditando em suas potencialidades para a aprendizagem e recuperação
de traumas. Academicamente, atuou na condição de professor chefe de cadeira em
renomadas universidades, como a l’Université de Sorbonne.

Sua obra é fascinante, pois o leitor pode realizar uma viagem em um texto simples, mas
extremamente completo, que apresenta uma relação materialista dialética do ser. Para
Wallon, não existem verdades absolutas, mas condições de novas direções, reconstruções
e ressignificações, principalmente na aprendizagem.

Amparado na versão psicogenética, Wallon criticou bravamente os postulados reducionistas


do desenvolvimento e da aprendizagem, assim com Piaget e Vygotsky.

90
UNIDADE 5

Com o propósito de expandir seu conhecimento sobre este autor, vale destacar suas
principais obras:

1) Evolução psicológica da criança (2007).

2) Psicologia e educação da infância (1981).

3) Origens do pensamento na criança (1989).

Observe que Wallon aponta o desenvolvimento humano como um processo pelo qual o
indivíduo é transferido de uma completa imersão social, na qual ele não se diferencia do
meio, para um estado no qual ele pode efetivamente distinguir-se do meio, avançando em
seu processo de individuação e internalização de conteúdos sociais para a formação de
processos interpsíquicos e intrapsíquicos.

Aqui, é importante entender que a partir desta ótica de desenvolvimento humano, Wallon
concebeu quatro campos funcionais para a aprendizagem:

1) Movimento (caráter motor).

2) Inteligência (caráter cognitivo).

3) Afetividade (caráter afetivo).

4) Formação do eu (Pessoa).

Portanto, de maneira integrada, esses quatro campos funcionais explicam o desenvolvimento


e as formas de aprendizagem humana para a constituição de um sujeito funcional no mundo.

1) MOVIMENTO – CARÁTER MOTOR

De maneira geral, o movimento é destacado como a principal forma de interação da


criança com o meio ambiente durante a primeira infância. Por meio do movimento, a
criança experimenta as primeiras emoções. O movimento ajuda na potencialização e
no desenvolvimento do terceiro campo funcional (afeto/emoção), sendo ele o elemento
mediador das relações sociais. O autor destaca que movimento e emoção são indissociáveis
no curso do desenvolvimento e da aprendizagem.

91
UNIDADE 5

2) INTELIGÊNCIA – CARÁTER COGNITIVO

Este campo funcional possui importância singular no campo cognitivo infantil e é marcado
por duas funções específicas:

a) Raciocínio simbólico: possibilidade de pensar sobre um objeto na ausência dele. A


competência cognitiva da abstração se desenvolve gradualmente.
Por exemplo, penso na imagem de um cachorro sem necessariamente vê-lo.

b) Linguagem: aquisição de habilidades linguísticas propriamente ditas. À medida


que o raciocínio simbólico se desenvolve, a linguagem se expande quantitativa e
qualitativamente. Esta habilidade também potencializa a capacidade de abstração.
Por exemplo, crianças de sete anos de idade possuem um repertório linguístico maior
e mais eficientes se comparadas com crianças mais novas.

3) AFETIVIDADE – CARÁTER AFETIVO

A afetividade é um dos primeiros campos funcionais a se desenvolver juntamente com o


campo funcional do movimento e é a base para o desenvolvimento dos demais. Nesse
sentido, a afetividade é separada didaticamente em instrumental e expressiva.

a) Instrumental: ação executada a partir de uma motivação inicial para alcançar um


objetivo imediato. Por exemplo, ações como andar, pegar objetos, mastigar.

b) Expressivos: função comunicativa que se forma a partir da interação com o meio e


se manifesta de dentro para fora do indivíduo (movimento centrífugo) e é usualmente
associada a outros indivíduos ou é usada para uma estruturação do pensamento do
próprio movimentador. Por exemplo, falar, gesticular, sorrir etc.

4) FORMAÇÃO DO EU – PESSOA

O campo funcional, denominado “formação do eu” ou “pessoa”, praticamente gerencia


os demais campos (movimento, afetividade e inteligência) e é o responsável pelo
desenvolvimento da identidade e da consciência. Apresenta constantes conflitos na tentativa
de integrar os demais campos funcionais, o que é algo saudável, porque coloca a pessoa
sempre em questionamentos, com possibilidades de revisitar as próprias convicções acerca
da aprendizagem. Ou seja, é a possibilidade que o indivíduo possui de modificar opiniões,
crenças etc., reposicionando-se diante das próprias convicções ao longo da vida.

92
UNIDADE 5

APROPRIANDO-SE DE CONCEITOS

Agora, com o objetivo de compreender melhor a proposta de Wallon, propomos uma breve
reflexão sobre os campos funcionais apresentados. Neste sentido, pedimos que você redija
um texto de quatro páginas (uma para cada campo funcional), no qual discorrerá sobre o
que compreendeu de cada um dos campos funcionais apresentados, exemplificando de
que maneira entende o conceito teórico no cotidiano docente do professor. Assim, deixamos
algumas dicas a fim de guiar o seu pensamento para a solidificação da aprendizagem.

Pense nos campos funcionais e em suas conexões com a rotina escolar de alunos da
Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental:

1) Motricidade: você consegue pensar de que maneira a criança exercita a motricidade


na escola? Não se esqueça de que, na perspectiva teórica do autor, esta ação possui
relação direta com os campos do movimento e da afetividade. Formule um exemplo.

2) Cognição: de que maneira você acredita que o professor pode observar a


manifestação da inteligência em seus alunos?

3) Afetividade: na sua opinião, qual é o papel da afetividade nas interações que


ocorrem em sala de aula?

Façamos uma pausa importante para destacar que, nas proposições teóricas de Wallon,
a afetividade não se refere ao acolhimento maternal, toque, afagos, beijos e abraços do
professor ao aluno e vice-versa; é uma percepção, observação e compreensão do professor
nos processos de aprendizagem de seus alunos, com vistas a instigá-los, provocá-los e
despertar desejo e motivação para a aprendizagem.

4) Pessoa: de que forma você acha que a escola contribui para a formação da
personalidade da criança? Justifique a sua resposta.

Observe a imagem a seguir. Reflita sobre o papel do professor, tendo como referência a
teoria de Wallon. De que maneira você acredita que a ilustração contribui para o processo
de aprendizagem?

93
UNIDADE 5

Fonte: istockphoto.com

Como você entende a questão da afetividade na educação?

Tal como Piaget, Wallon postulou que o desenvolvimento humano e a aprendizagem


ocorrem por meio de fases ou estágios. Mas, diferentemente de Piaget, o estudioso acredita
que os estágios ocorrem de forma descontínua, ou seja, podem sobrepor-se e, inclusive,
apresentar regressões no curso do desenvolvimento infantil. Diante disso, o próximo passo
é compreender os estágios de desenvolvimento cognitivo.

Estágios de desenvolvimento

Os estágios do desenvolvimento propostos por Wallon contam com possibilidades


de adequações e ressignificações que ampliam e reformam os estágios psíquicos
interiores. Nesse sentido, Wallon pressupõe que os momentos afetivos são sucedidos por
momentos cognitivos (focados na construção do eu), ou seja, a emoção surge em um
primeiro momento, seguidos pela aprendizagem (momentos direcionados à construção
do mundo real).

É interessante notar que, na perspectiva do autor, os processos emocionais e cognitivos


estão imbricados e acompanham o ser durante toda vida. Desse modo, afetividade e
inteligência se revezam na constituição dos estágios mencionados.

94
UNIDADE 5

1º) ESTÁGIO IMPULSIVO-EMOCIONAL (DE 0 A 1 ANO)

• Estágio predominantemente afetivo, no qual as emoções são o principal instrumento


de interação com o meio.
• A relação com o ambiente desenvolve sentimentos internos associados à emoção e
ao afeto.
• O movimento, como campo funcional, ainda não está totalmente desenvolvido, mas
em processo de maturação e desenvolvimento.
• Os movimentos infantis são um tanto desorientados, mas a contínua resposta do
ambiente ao movimento infantil permite que a criança evolua da desordem gestual às
emoções diferenciadas.

Você já observou o movimento dos bebês?


Fonte: istockphoto.com

2º) ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR E PROJETIVO DE 3 MESES A 3 ANOS)

• É a fase em que a inteligência predomina e o mundo externo prevalece nos fenômenos


cognitivos.
• Nesse período, a inteligência é tradicionalmente dividida entre inteligência prática,
obtida pela interação de objetos com o próprio corpo, e inteligência discursiva,
adquirida pela imitação e apropriação da linguagem (a partir de aproximadamente
dois anos).
• Os pensamentos geralmente se projetam em atos motores.

95
UNIDADE 5

Você já observou que podemos aprender por imitações? Pesquise e relate uma
aprendizagem não humana que utiliza esse processo de imitação. Qual é a diferença
desse movimento para o movimento cognitivo humano?

Pense nas brincadeiras realizadas pelas crianças com os brinquedos, por exemplo, blocos
de montar.

Com relação à inteligência discursiva pense, por exemplo, em crianças reproduzindo


comportamentos de seus amigos por meio da observação.

3º) ESTÁGIO DO PERSONALISMO (DE 3 A 6 ANOS)

• Período crucial para a formação da personalidade do indivíduo e da autoconsciência.


• Predominância afetiva no sujeito.
• Surgimento da crise negativista: a criança opõe-se sistematicamente ao adulto como
forma de se auto afirmar.
• Observamos também uma fase de imitação motora e social.

Por exemplo, nesta etapa, é facilmente observável que a criança protesta veemen-temente
contra as ordens dos adultos e também os questiona utilizando “por quês” com frequência.

4º) ESTÁGIO CATEGORIAL (DE 6 A 11 ANOS)

• Acentuada predominância da inteligência sobre as emoções.


• Desenvolvimento das capacidades de memória e atenção voluntárias, ou seja, por
desejo consciente da criança.
• É neste estágio que se formam as categorias mentais: conceitos abstratos que
abarcam vários conceitos concretos sem se prender a nenhum deles.
• Neste estágio, o poder de abstração da mente da criança é consideravelmente
amplificado. Provavelmente por isso, é neste estágio que o raciocínio simbólico se
consolida como ferramenta cognitiva.

Por exemplo, aqui é facilmente observado que a criança consegue manter a atenção
sustentada por mais tempo se comparada com crianças menores. É válido apontar que,
nesta faixa etária, as crianças já estão inseridas nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

96
UNIDADE 5

5º) ESTÁGIO DA ADOLESCÊNCIA (A PARTIR DOS 11 ANOS)

• Associado às transformações físicas e psicológicas da adolescência.


• Estágio caracteristicamente afetivo, no qual o indivíduo passa por uma Assista ao vídeo
“Você faz o que
série de conflitos. realmente ama? –
• Os grandes marcos deste estágio são a busca de autoafirmação e o Somos a Geração Y
(Legendado)” (2015).
desenvolvimento da sexualidade.

Observe as diferentes interações e os diferentes comportamentos da geração


Y na contemporaneidade. Volte sua atenção para a influência tecnológica e
como dispositivos e aplicativos transformaram e continuam transformando os
processos de desenvolvimento e aprendizagem humana.

Síntese

Nesta unidade, apresentamos os conceitos da teoria walloniana. Dos


conteúdos estudados aqui, não se esqueça de que:

• Wallon foi um psicólogo que contribuiu para a Educação ao estudar o


desenvolvimento infantil e os processos de aprendizagem humana.
• Explicou o desenvolvimento cognitivo como uma evolução descontínua
em campos funcionais denominados: movimento, inteligência, afetividade
e eu-pessoa.
• Organizou a evolução do pensamento em estágios:
1. impulsivo-emocional;
2. sensório-motor e projetivo;
3. do personalismo;
4. categorial;
5. da adolescência.

Finalizamos esta unidade explicitando que Wallon é um autor que pode ser
bastante estudado por profissionais da área educacional, principalmente
porque ele utiliza como base os aspectos da afetividade, os quais funcionam
como alicerceres para o progresso de todos os outros campos funcionais do
desenvolvimento humano.

97
UNIDADE 5

Aplicando os conceitos

Nesta unidade, apresentamos a teoria de Henri Wallon, por meio de vídeos e textos. Você
teve a possibilidade de compreender essa teoria e refletir sobre como o desenvolvimento
infantil e a aprendizagem ocorrem, a partir da ótica do autor. Portanto, propomos uma
tarefa para consolidação de seu conhecimento.

1) Organize um glossário com os termos mais significativos da teoria walloniana, os


quais estão destacados ao longo do texto.

Atividade

Por meio do material apresentado, foi possível conhecer melhor os pressupostos teóricos
de Wallon e refletir sobre a prática pedagógica. Agora, convidamos você a explicar o
estágio do Personalismo relacionando-o com uma situação corriqueira que pode ocorrer
na escola, na qual os alunos apresentem as características desta fase.

A atividade consistirá na elaboração de um texto que deverá descrever a cena de


observação, compreensão do conceito teórico e a relação com a teoria de Wallon.

Bom trabalho!

98
UNIDADE 5

Referências

FERRARI, M. Henri Wallon, o educador integral. Nova Escola, São Paulo, jul. 2008.
Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/educador-integral-423298.
shtml>. Acesso em: 19 jul. 2015.

VOCÊ FAZ O QUE REALMENTE AMA? SOMOS A GERAÇÃO Y. Produção: BOX1824. Somos
Geração Y, 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dhmZrZSwTPs>.
Acesso em: 21 dez. 2015.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

______. Origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.

______. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1981.

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