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Psicologia do

UNIVERSIDADE
Desenvolviment
Núcleo de Educação a Distância
o e o Processo de
Aprendizagem

1 PÓS-GRADUAÇÃO
UNIVERSIDADE
Núcleo de Educação a Distância

Créditos e Copyright

SOUZA, Malu Alves de

Pós-graduação em Psicopedagogia (por) Malu Alves


de Souza. Santos: UNIMES VIRTUAL. UNIMES.

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UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS

PLANO DE ENSINO

CURSO: Pós-Graduação em Psicopedagogia / Educação Inclusiva

COMPONENTE CURRICULAR: Psicologia do Desenvolvimento e o Processo de


Aprendizagem

CARGA HORÁRIA TOTAL: 50 horas

EMENTA

Fundamentos psicológicos referentes aos processos de desenvolvimento e


aprendizagem, relações sociais e afetivas, implicações educacionais.

OBJETIVO GERAL

Abordar o crescimento e o desenvolvimento da criança e adolescente ,


compreender como é o desenvolvimento afetivo e o processo de
aprendizagem ..Avaliar o desenvolvimento humano considerando as relações
interpessoais e o uso do lúdico no desenvolvimento afetivo e cognitivo.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Analisar as teorias de desenvolvimento com a abordagem de vários educadores e


psicólogos que postularam sobre as etapas do desenvolvimento infantil. Avaliar a
importância da infância e das primeiras etapas do desenvolvimento para o processo
de ensino e aprendizagem .

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UNIDADE I

Concepções de Desenvolvimento: Correntes Teóricas e Repercussões no Contexto


Escolar

Apresentar as diferentes abordagens teóricas sobre o processo de desenvolvimento


e analisar suas repercussões para a área educacional.

UNIDADE II

A Concepção Interacionista: Piaget e a Psicologia Sócio-Histórica de Vygotsky

Apresentar as teorias dos dois autores na área da Psicologia que integram a


perspectiva interacionista acerca dos processos de desenvolvimento e
aprendizagem e mostrar os pontos básicos e as contribuições de cada um deles.

UNIDADE III

O Desenvolvimento Afetivo e Cognitivo

Abordar o crescimento e o desenvolvimento humanos; entender sobre a aquisição


de conceitos científicos e espontâneos pela criança e mostrar a importância das
inter-relações sociais e das brincadeiras no desenvolvimento afetivo e cognitivo.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ABRAMOVAY, Miriam; KRAMER, Sonia. O rei está nu: um debate sobre as funções
da pré-escola. Caderno Cedes, Campinas, n.9, 1985,p. 27-38.

AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo:


Ática, 2002.

BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a Aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Artes


Médicas: 1998.

CAMPOS, M.M.M. Pré-escola: entre a educação e o assistencialismo.

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Cadernos de Pesquisa, São Paulo (53): 21-24, maio, 1985.

COLL, César, PALÀCIOS, Jesús e MARCHESI, Álvaro (orgs). Desenvolvimento


Psicológico e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas , 1996. v.2

COLL, César et al. O Construtivismo na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1996.

CÒRIA-SABINI, Maria Aparecida. Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo:


Ática, 2004

DAVIS, Cláudia e OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na Educação. São Paulo:


Cortez, 1994.

FONTANA R.;CRUZ, N. Psicologia e o Trabalho Pedagógico. São Paulo: Atual,


1997.

GÓES, Maria Cecília R. A Natureza Social do Desenvolvimento Psicológico.


Cadernos Cedes. São Paulo (24): 17-24, 1991.

KRAMER, Sônia. Por Entre as Pedras: arma e sonho na escola. São Paulo: Ática,
1993

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

MALUF, Maria Regina. Psicologia e Educação: paradoxos e horizontes de uma difícil


relação. In: Psicólogo Escolar: identidade e perspectivas. Anais doI Congresso
Nacional de Psicologia Escolar. 1991. ABRAPEE/ Puccamp, Campinas, SP, 1992, p-
170-176.

MENACCI, Luciano. Conhecendo o Cérebro. São Paulo: Nobel, 1987.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes et al. Creches: Crianças, Faz de Conta & Cia.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.

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OLIVEIRA, Zilma de Moraes R. (org) Educação Infantil: muitos olhares. São Paulo:
Cortez, 1994.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2007.

SALTINI, Cláudio, J.P. Afetividade e Inteligência. Rio de Janeiro: DP & A Editora,


1997.

SALVADOR, César Coll. Aprendizagem Escolar e Construção do Conhecimento.


Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

SALVADOR, César Coll. Psicologia da Educação. Porto Alegre, Artes Médicas ,


1999.

SMOLKA, A.L. e GÓES, C. (org). A Linguagem e o outro no espaço escolar:


Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas, SP: Papirus, 1993.

ROCHA, M.S.P.de M.L. da. Não Brinco Mais: a (des)construção do brincar no


cotidiano educacional. Ijuí, RS: Ed. Ijuí, 2000.

VYGOTSKY,L.S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY,L.S, LURIA,A.R. e LEONTIEV,A.N. Linguagem, Desenvolvimento e


Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2001.

WADSWORTH, Barry, J. Inteligência e Afetividade da Criança na Teoria de


Piaget. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

WITTER,G.P. e LOMÔNACO,J.F.B. Psicologia da Aprendizagem: aplicações na


escola. São Paulo: EPU, 1987.

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METODOLOGIA

A disciplina esta dividida em unidades temáticas que serão desenvolvidas por meio
de recursos didáticos, como: material em formato de texto, vídeo aulas, fóruns e
atividades individuais. O trabalho educativo se dará por sugestão de leitura de
textos, indicação de pensadores, de sites, de atividades diversificadas, reflexivas,
envolvendo o universo da relação dos estudantes, do professor e do processo
ensino/ aprendizagem.

AVALIAÇÃO
A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e
apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como
forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte
teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos
específicos, como fóruns, chats, tarefas, avaliações a distância, de acordo com
a Portaria de Avaliação vigente.

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Sumário

Aula 01_ A Psicologia da Educação10


Aula 02_ As Contribuições da Psicologia para o Estudo do Desenvolvimento
Humano e o Processo de Aprendizagem13
Aula 03_ Romantismo - Maturacionismo19
Aula 04_ Transmissão Cultural - Behaviorismo25
Aula 05_ Progressivismo - Desenvolvimento Cognitivo - Interacionismo31
Aula 06_ Quem foi Piaget?34
Aula 07_ A Epistomologia Genética de Jean Piaget36
Aula 08_ Os Estágios de Desenvolvimento42
Aula 09_ Outros Aspectos da Teoria Piagetiana51
Aula 10_ Desenvolvimento, Aprendizagem e Educação: A Influência da Abordagem
Piagetiana na Escola54
Aula 11_ Quem foi Vigotsky?57
Aula 12_ A Elaboração do Conhecimento na Perspectiva Histórico-Cultural64
Aula 13_ A Mediação Simbólica67
Aula 14_ Pensamento e Linguagem70
Aula 15_ Desenvolvimento e Aprendizagem74
Aula 16_ A Influência da Abordagem Histórico-Cultural na Escola77
Aula 17_ Crescimento e Desenvolvimento: O Biológico, o Psicológico e o Social80
Aula 18_ A Aquisição dos Conceitos Científicos e Espontâneo83
Aula 19_ As Interações entre as Crianças e a Importância da Brincadeira para o
Desenvolvimento87
Aula 20_ O Desenvolvimento Afetivo e Cognitivo90

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Aula 01_ A Psicologia da Educação

O módulo que iremos estudar considera um campo de interesse bastante


abrangente e importante para o exercício da função: Desenvolvimento Humano e
Processo de Aprendizagem.

Como já é de nosso conhecimento, a educação vem modificando e


reorientando constantemente suas funções e seu papel; convive com um quadro de
dúvidas, de inquietações e de questões abertas sobre seus compromissos.
Encontra-se pressionada por várias instâncias, como a família, a sociedade, as
políticas educacionais, as ciências sociais e a psicologia, que apresentam interesses
distintos e muitas vezes opostos. A cada movimento de sua história podemos
perceber a influência de cada uma delas em maior ou menor grau.

Embora os textos destinados aos diferentes compromissos firmados


principalmente pela educação infantil obedeçam a uma ordem cronológica, na
prática tais mudanças de concepção sobre seus compromissos e funções não se
apresentam de forma linear.

Há pelo menos dois níveis que podem explicar esse fato. Quais são?

Num primeiro momento, Rocha (2000) aborda que a dificuldade da


formulação de um projeto corrente pelos educadores permite que, no interior das
instituições, encontrem-se educadores com tendências distintas.

Num segundo momento, considera a existência de um discurso formal que


indica o comprometimento dos professores com uma determinada opção que nem
sempre é evidenciada em suas práticas. Dessa forma, a educação se vê diante de
contextos de sobreposições, paradoxos, contradições e da constante procura do
professor na construção do seu perfil.

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Esse quadro apresenta maior complexidade se pensarmos que, para cada


modelo educacional escolhido, adota-se uma concepção sobre o homem, sobre o
seu desenvolvimento, bem como sobre o processo de aprendizagem. Assim, a
literatura voltada para a educação encontra-se difundida em áreas de
conhecimentos diversos.

Por que os estudos psicológicos são relevantes para a educação?

Dentre as ciências que lidam com a educação, é importante considerar a


relevância teórica dos estudos psicológicos e a necessidade de se efetivar um
intercâmbio entre a psicologia e a pedagogia, principalmente porque os problemas
que as instituições de ensino têm de enfrentar aumentam constantemente.

Uma proposta consistente da ciência aplicada à educação deve levar o


professor à compreensão do por quê de uma abordagem ser privilegiada em
detrimento de outra e, para isso, é preciso que os critérios sobre os quais se apoiou
a escolha teórica estejam claros. Isso se dá pela confrontação crítica das teorias
disponíveis no que se refere aos seus pressupostos, à sua abrangência e,
principalmente, às suas implicações para a prática docente.

No confronto dos conhecimentos científicos e da educação, o professor terá a


oportunidade de verificar as implicações de certos procedimentos de ensino na
apropriação do conhecimento pelos alunos e de traçar a relação entre
desenvolvimento, aprendizagem e educação.

Os resultados da aplicação científica na educação são satisfatórios?

Não. É preciso deixar claro que a aplicação da teoria científica na educação é


sempre uma questão em aberto. Transpor a teoria para a prática é uma tarefa
complexa e nem sempre é possível chegar aos resultados esperados em situações
de sala de aula.

É importante ressaltar também que as teorias psicológicas não se configuram


como conhecimentos estáveis. São provisórias e ainda não conseguem oferecer à
educação o que ela espera dessa ciência: definições do desenvolvimento infantil, do

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processo ensino-aprendizagem, das relações interpessoais, entre outros temas que


apontem estratégias claras para superar as dificuldades com que se depara. Lidar
com educação de crianças, de adolescentes ou mesmo de adultos é uma tarefa
complexa, se pensarmos que não existem alunos típicos e receitas precisas.

Sabemos ainda que, para planejar uma unidade de ensino, não existem
fórmulas prontas, derivadas ou não de teorias científicas, que dêem conta de todas
as variáveis que interferem nas situações de ensino-aprendizagem. No entanto, a
ciência pode auxiliar o trabalho do professor, fornecendo elementos para o
planejamento de ensino, facilitando a realização de várias propostas como para a
utilização de métodos pedagógicos adequados aos diferentes momentos de
desenvolvimento dos alunos.

Conhecer os seus alunos e a maneira pela qual se dá o seu desenvolvimento


no ambiente em que vivem, entender os mecanismos que possibilitam e facilitam a
apropriação de conhecimentos e ter a consciência da importância da docência
possibilitam ao professor uma avaliação crítica de sua ação, de modo que a
aprendizagem conduza a um desenvolvimento efetivo.

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Aula 02_ As Contribuições da Psicologia para o Estudo do


Desenvolvimento Humano e o Processo de Aprendizagem

Ao pensarmos em seres humanos, devemos partir do reconhecimento de que


cada um deles é único. Apesar das diferenças encontradas entre as pessoas, existe
também algo que as aproxima umas das outras e as distingue dos animais.

Todo ser humano aprende e se transforma, criando seu próprio caminho de


desenvolvimento.

O que nos torna humanos?

Para tal reflexão, vamos conhecer um pouco da história de Genie, que viveu
em condições bastante diversas daquelas em que as pessoas são criadas
normalmente.

[...] Genie era a quarta criança da sua família. A primeira morreu aos
dois meses, de pneumonia: o pai, para não ouvi-la chorar, a havia
trancado na garagem. A segunda morreu com apenas dois dias,
sufocada por seu muco. A terceira cresceu sadia, mas de acordo
com as ordens do marido, a mãe reprimiu-lhe todo choro e todo
movimento, de modo que ela logo mostrou um atraso psicomotor.

Genie era normal quando nasceu, em 1957, e cresceu bem, nos


primeiros meses de vida, mas depois de um ano, sofreu uma perda
brusca de peso. Com um ano e dois meses teve pneumonia, tendo
sido examinada por um pediatra que constatou atraso psicomotor.
Foi então que o pai condenou Genie ao isolamento mais completo
possível, destinando a ela apenas um quartinho. Ali ela iria
permanecer durante anos, presa a uma cadeira, podendo
movimentar apenas os pés e as mãos. Às vezes, de noite, era posta
numa caminha e, finalmente, podia deitar-se. Mas ficava numa
espécie de camisa-de-força: a cama não era senão um berço com
laterais e um “teto” de rede metálica.

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Ninguém podia entrar no quarto de Genie, a não ser para lhe dar um
pouco de comida: papinhas, cereais, e, no máximo, um ovo cozido.
Devia reinar o silêncio mais absoluto em casa, não havia rádio nem
televisão. Genie ouvia apenas o barulho do banheiro, queficava ao
lado de seu quarto, e os grunhidos que o pai fazia atrás da porta para
amendrontá-la, imitando um cachorro. Eram paupérrimos, também,
os estímulos visuais.

Quando descoberta, aos 13 anos, Genie demonstrou ser uma criança


curiosa, viva. Mas não sabia ficar de pé, caminhava mal, oscilando
de um lado para o outro. Nunca tendo comido alimentos sólidos, não
sabia mastigar. Não sabia controlar as fezes e a urina. Genie gostaria
de comunicar-se, mas não sabia como fazê-lo. Não sabia emitir
nenhum som com a boca. Usava seu corpo para emiti-los: arranhava
os objetos, batia os pés. Depois começou a compreender as palavras
e, pouco a pouco, a exprimir com elas suas curiosidades e
necessidades. Conquistou a linguagem, mas não a linguagem
aprendida com os pais e os professores. Conquistou uma linguagem
automática, não sendo capaz de expressar seu mundo interior ou de
refletir sobre sua vida e as pessoas que a rodeiam.. (Menacci,1987)

O que nos mostra a história de Genie?

Vimos que Genie, além da violência a que foi exposta, foi criada em um
ambiente desprovido de recursos. Ela ficou isolada, sem contato com a família ou
com outras pessoas que a integrassem ao ambiente social e cultural, fundamental
para a aprendizagem e o desenvolvimento.

É por meio da interação com as pessoas que se dá a aprendizagem da fala,


do recebimento e expressão de afeto e também da adaptação das rotinas de
alimentação e higiene. As relações entre as pessoas possibilitam ainda o ensino da
brincadeira e do trabalho, bem como nos mostra formas de vida, de pensamentos e
de sentimentos próprios de determinado grupo social.

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Genie pode ser considerada um ser humano?

Sem dúvida, trata-se de um ser humano, porém, um ser humano “não


humanizado” por lhe faltarem aspectos e características essenciais ao
desenvolvimento humano pleno. Para tornar-se humano não basta ter um organismo
humano “normal”. É preciso tornar-se humano por meio da aprendizagem e das
relações interpessoais com a sua cultura. Nesse contexto serão desenvolvidas as
formas tipicamente humanas de estar no mundo: a linguagem (a construção de
significados) que dará sentido à experiência, à consciência, à sua personalidade, à
capacidade de tomar decisões e agir intencionalmente. Ao transformar a natureza,
os homens criam cultura, refinam as técnicas e os instrumentos (o saber) e,
consequentemente, transformam a si mesmos: desenvolvem as suas funções
mentais, que são a percepção, a atenção, a memória, o raciocínio etc.

A investigação das modificações que ocorrem nos processos envolvidos na


relação do indivíduo com o mundo e a análise dos seus mecanismos básicos ficam a
cargo da psicologia. Para tal realização, a psicologia busca interagir com várias
ciências, como a biologia, a filosofia, a genética e outras.

Tais conhecimentos estão relacionados uns aos outros e de tal forma que, por
vezes, tem-se a dificuldade de saber em que domínio está atuando. Ao abranger
tantos e diferentes aspectos, a psicologia desenvolve campos de investigação mais
específicos e delimitados. São trazidos os conhecimentos advindos da psicologia do
desenvolvimento e da aprendizagem para a educação, áreas específicas da ciência
psicológica.

Como podemos pensar no desenvolvimento das pessoas?

Podemos definir o desenvolvimento como um processo pelo qual o indivíduo


constrói ativamente suas características nas relações que estabelece com o meio.
As características humanas não são, ao contrário de outras espécies,
biologicamente herdadas. São historicamente construídas. O grau de

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desenvolvimento que uma dada sociedade acumula e transmite vai influenciar desde
o nascimento, na percepção que o indivíduo vai formando sobre a realidade, o que
inclui também as explicações dos eventos e fenômenos do mundo natural.

Para a aquisição das características humanas é necessário que partam do


sujeito ações e operações motoras e mentais ao longo de sua interação com o
mundo social.

O que estuda a psicologia do desenvolvimento?

A psicologia do desenvolvimento estuda a origem e o desenvolvimento das


funções psicológicas que distinguem o homem de outras espécies.

Ou seja, a evolução da capacidade perceptual e motora, as funções


intelectuais, a sociabilidade e a afetividade no ser humano. Descreve e busca
explicar as modificações dessas capacidades. Possibilita a verificação de que as
manifestações complexas das atividades psíquicas no adulto são frutos de um
processo contínuo.

Para a aprendizagem infantil, a psicologia do desenvolvimento pode subsidiar


a organização das condições, de modo que se possa ativar na criança processos
internos de desenvolvimento que, por sua vez, serão transformados em aquisições
individuais.

Qual é o objeto de estudo da psicologia da aprendizagem?

Podemos pensar na aprendizagem como um processo pelo qual a criança


apropria-se ativamente do conteúdo da experiência humana que seu grupo social
conhece. A psicologia da aprendizagem busca explicar o complexo processo em que
as formas de pensar e os conhecimentos existentes numa determinada sociedade
são apropriados pela criança. Como a criança aprende por intermédio de ações
partilhadas mediadas pela linguagem e pela instrução, a interação entre adultos e
crianças, entre crianças e crianças, torna-se fundamental para a aprendizagem.

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A Psicologia da Aprendizagem aplicada à educação procura mostrar como – a


partir da interação entre professores e alunos, entre alunos e alunos – é possível a
aquisição do conhecimento e da cultura.

E o papel do professor nesse processo?

O papel do professor nesse processo é fundamental: possibilitar a ocorrência


de interações professor- alunos-objeto de estudo que levem à apropriação do
conhecimento.

No entanto, a tarefa de ensinar não está centrada apenas nas mãos do


professor. Na nossa sociedade, muito antes de ingressar na escola, a criança já vem
construindo hipóteses e desenvolvendo um conhecimento sobre o mundo.
Entretanto, a escola apresenta-se como a instituição social responsável pela
educação sistemática das crianças, de jovens e de adultos.

Então, os conhecimentos psicológicos realmente auxiliam o professor?

Antes de ir para a escola, os conhecimentos assimilados pela criança se dão


de maneira espontânea, a partir da sua experiência direta. Na sala de aula existe
uma organização estrutural que intenciona o aprimoramento dos processos de
pensamento e da capacidade de pensar.

Dessa forma, colocar as bases dos conhecimentos psicológicos sobre o


processo de desenvolvimento e de aprendizagem a serviço da educação e do
ensino significa um favorecimento da possibilidade de o professor planejar a sua
ação.

Como cada indivíduo chegou a ser o que é hoje?

Responder tal questionamento implica adotar uma explicação sobre o


desenvolvimento humano. Existem três principais correntes de pensamento
científico e educacional. Cada uma encontra-se fundamentada em

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diferentesconjuntos de suposições e constituem uma posição teórica distinta – os


pressupostos teóricos de cada uma delas compreende um conceito diferente de
criança, como também sugere formas diferentes de “educar” a criança.

Quais são estas três correntes teóricas?

O Romantismo: - Maturacionismo

A Transmissão Cultural: - Behaviorismo

O Progressivismo: - Desenvolvimento Cognitivo – Interacionismo

(Kohlberg Mayer apud Wadsworth, 2001)

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Aula 03_ Romantismo - Maturacionismo

O Romantismo, também chamado Inatismo, é originariamente um conceito


maturacionista de desenvolvimento. É como se as características genéticas do
indivíduo estivessem inscritas num carretel de linha. O seu desenrolar seria o

desenvolvimento. As qualidades e capacidades básicas de cada ser humano


já estariam definidas por ocasião do nascimento e as várias fases do
desenvolvimento estariam predeterminadas.

A experiência ou o meio só são importantes à medida que fornecem os


nutrientes necessários para o crescimento “natural” do organismo – os estágios
podem ser fixados ou confinados pela experiência, porém o curso do
desenvolvimento é considerado inato, congênito, herdado ou geneticamente
predeterminado.

O que os maturacionistas consideram mais importante para o


desenvolvimento da criança?

Os maturacionistas, como Freud e Montessori, acreditam que o que vem de


dentro da criança consiste no aspecto mais importante do desenvolvimento. Assim,
o ambiente educacional deve permitir que os aspectos internos “bons” aflorem e os
aspectos internos “maus” sejam controlados.

A ideia inatista serviu de base para a formulação de algumas teorias


pedagógicas e influenciou muitas práticas educativas, especialmente com crianças
pequenas, antes de ingressarem na escola de 1º grau. Foi criado o “Jardim de
Infância”, que mostra que a criança é concebida como uma planta, que se origina de
uma semente e todas as características que ela possa vir a desenvolver já estão
predeterminadas e contidas na semente.

A planta precisa de um bom ambiente para crescer. Além de retardar ou


maximizar o crescimento, os fatores ambientais não têm maiores efeitos sobre as
características da planta.

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Quem já não disse ou ouviu estas máximas?

“Maria ainda não está pronta para aprender a escrever”.

“Meu filho tem um grande dom musical”.

“Minha filha é inteligente como o pai”.

A aptidão, o dom, a maturidade e a inteligência são temas abordados


constantemente pela psicologia na perspectiva que atribui aos fatores biológicos um
papel fundamental no desenvolvimento da criança.

A perspectiva inatista-maturacionista parte do princípio de que fatores


hereditários ou de maturação são mais importantes para a determinação das
capacidades e desenvolvimento da criança do que propriamente os fatores
relacionados à aprendizagem e à experiência.

O que são os fatores hereditários ou de maturação?

Ao conjunto de qualidades ou características que estão presentes na criança,


já no nascimento, podemos chamar de hereditariedade. É a herança genética
individual que recebemos de nossos pais, como a cor dos olhos e dos cabelos, o
tipo sanguíneo etc.

Ao padrão de mudanças comum a todos os membros de determinada espécie,


que pode ser efetivado durante a vida de cada indivíduo, chamamos maturação. O
crescimento do feto no período de gestação, por exemplo, obedece a um padrão de
transformações biologicamente determinadas que, a princípio, não dependeria de
fatores externos.

Para os inatistas-maturacionistas, a inteligência é uma característica herdada,


correto?

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Sim. Teóricos da psicologia na perspectiva inatista-maturacionista fazem a


suposição de que as aptidões e a inteligência são características herdadas, que já
estão determinadas biologicamente no momento do nascimento, do mesmo modo
que a cor dos olhos. Assim, o crescimento do corpo, o desenvolvimento das
habilidades e o comportamento da criança são dirigidos por um processo de
maturação biológica que independe da aprendizagem ou da experiência.

“Tal pai, tal filho!”

A hereditariedade versus diferenças individuais

Interessados em saber por que as pessoas são diferentes umas das outras
quanto à personalidade, às habilidades e ao desempenho intelectual, pesquisadores
trabalharam na obtenção de dados que permitissem estabelecer comparações entre
pessoas.

Foi constatado que pessoas com aptidões musicais geralmente tinham


familiares que apresentavam o mesmo tipo de aptidão; que irmãos gêmeos idênticos
apresentavam um nível intelectual com um grau de semelhança maior do que o
encontrado entre irmãos não-gêmeos. Por outro lado, puderam estabelecer
diferenças de aptidões e habilidades mentais entre homens e mulheres ou entre
raças diversas.

Tais constatações foram interpretadas como indicadoras de que os fatores


inatos são determinantes para o desenvolvimento do indivíduo.

Binet e a mensuração da inteligência

A preocupação com as diferenças individuais originaram o desenvolvimento


dos primeiros estudos psicológicos para uma avaliação da inteligência. Alfred Binet
foi um dos pioneiros desses estudos. O pesquisador francês interessava-se pela
mensuração da inteligência por meio de testes.

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Nessa perspectiva, a ideia de inteligência não se confunde com os


conhecimentos acumulados pelo indivíduo, mas sua capacidade de julgar,
compreender e raciocinar. Segundo Binet, essas capacidades não podem ser
aprendidas, mas biologicamente herdadas. A inteligência, neste sentido, é
concebida como um atributo do indivíduo determinado pela hereditariedade e
variável de pessoa para pessoa.

O que é apropriado para cada idade?

Apesar das diferenças entre as pessoas, existem muitas semelhanças nas


sequências de comportamentos que parecem se repetir, como acontece com a
maioria dos bebês que se sentam antes de engatinhar e somente depois andam. Tal
fato sugere um certo padrão de desenvolvimento humano. Um dos primeiros
psicólogos a se preocupar com essa questão foi o americano Arnold Gesell. Ele fez
um estudo da evolução da criança, do nascimento aos 16 anos de idade, e se
preocupou com as formas que seu comportamento vai tomando nessa evolução.

Para o teórico, o fator explicativo da existência de um padrão de


desenvolvimento comum à maioria das crianças é o processo de maturação
biológica inerente às transformações por que passa o comportamento dela.

Assim como o crescimento do feto no útero materno, a evolução psicológica


da criança seria determinada biologicamente. À medida que seu sistema nervoso e
sua estrutura muscular desenvolvem-se, seus comportamentos e maneiras de
pensar tornam-se mais complexos. Também aqui o ambiente social e os fatores
externos limitam-se a dificultar ou favorecer o processo de maturação. Por exemplo,
uma criança que raramente é colocada à vontade no chão, provavelmente vai
demorar mais para engatinhar do que uma criança que, em condições adequadas,
pode experimentar-se no chão, tendo seu desenvolvimento no ritmo e na sequência
maturacional esperados.

Binet e Gesell: os estudos das diferentes faixas etárias

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Por acreditar que a inteligência e o desenvolvimento psíquico da criança são


determinados biologicamente, Binet e Gesell preocupam-se em descrever
comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária. Para construir um teste
de inteligência, Binet tinha a necessidade de investigar o que as crianças são
capazes de fazer em cada idade. Gesell, preocupado na compreensão da evolução
da criança, trabalhou nas escalas de desenvolvimento para comparar os
comportamentos manifestados por uma criança com aqueles considerados
esperados para sua idade.

Quais as relações entre desenvolvimento e aprendizagem?

Primeiramente, é importante deixar claro que, ao destacar o papel de fatores


internos na determinação da inteligência e do desenvolvimento, os teóricos da
abordagem inatista-maturacionista consideram que aquilo que a criança pode vir a
aprender não vai interferir no processo de desenvolvimento.

Nesta perspectiva, a aprendizagem depende do desenvolvimento, ou melhor,


a capacidade da criança para o aprendizado é determinada pelo nível de maturação
de suas habilidades e de seu pensamento, de sua inteligência.

O que marca o início da relação entre a psicologia e a educação?

A concepção inatista-maturacionista. Ela marca o início da relação entre a


psicologia científica e a educação. A necessidade nos meios educacionais franceses
da época de identificar as crianças mentalmente deficientes e criar métodos para
ensiná-las resultou na construção dos primeiros testes de inteligência Binet e Simon.
O trabalho de Gesell também foi direcionado para fins educacionais,
especificamente com crianças ditas desadaptadas.

Caberia, então, à educação fazer aflorar os atributos biológicos do gênero


humano, dos quais a criança já é portadora. A ideia resultou no destaque de noções
como prontidão, maturidade, aptidão.

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Quais os princípios norteadores dessa concepção?

São os que geram a ideia de que, para aprender os conteúdos escolares, a


criança precisaria já ter desenvolvido determinadas capacidades; que existe uma
idade determinada para a aprendizagem de conteúdos específicos e que o
aproveitamento das situações de aprendizagem depende diretamente de sua
prontidão ou maturidade.

Tal abordagem, além de influenciar o cotidiano escolar, sustenta a prática do


uso de testes psicológicos para a avaliação das capacidades educacionais da
criança.

Os testes de inteligência auxiliam ou prejudicam?

É sabido que testes de prontidão (para a alfabetização, por exemplo) e de


inteligência têm sido fortemente usados para avaliar crianças em idade escolar, o
que tem prejudicado muitas delas. Os resultados de tais testes impedem e dificultam
o acesso à escolarização de muitas crianças por indicarem uma imaturidade ou um
déficit de inteligência.

A ênfase na hereditariedade fez com que muitos educadores pensassem que


não há muito a fazer diante da criança. Se ela é inteligente, certamente vem de uma
boa família; se não o é, tal fato se justifica com a afirmação: “[...] também... no
ambiente familiar em que vive...”.

O que pode ocorrer com tal crença é o fato de o educador “cruzar os braços”
e achar que não poderia intervir em uma situação que já se encontra pré-
estabelecida.

24 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 04_ Transmissão Cultural - Behaviorismo

A educação tradicional adotada na maioria das sociedades ocidentais está


arraigada no conceito de que a transmissão direta do conhecimento acumulado, das
habilidades e dos valores da cultura, consiste na prática educacional.

O conceito de desenvolvimento da corrente da transmissão cultural, também


chamado de ambientalista e ainda de comportamentalista, expressa a ideia de que a
criança nasce sem características psicológicas predeterminadas. A criança nasce
como tábula rasa que vai sendo modelada, estimulada e corrigida pelo meio. O
ambiente é considerado o responsável pelo desenvolvimento infantil, segundo um
ideal de comportamento determinado pela cultura.

Como pensavam os associacionistas?

Subjacentes ao conceito mecanicista de desenvolvimento estão os conceitos


associacionistas de estímulo e resposta e reforçamento, cujas raízes estão nos
trabalhos de John Locke, Ivan Paulov, John Watson, A. H. Thorn-dike e de B. F.
Skinner. O desenvolvimento mental da criança, bem como dos valores morais e das
emoções, são entendidos como o resultado de associações adquiridas sob o
controle do meio por intermédio dos reforçamentos.

Qual o princípio do comportamentalismo?

A abordagem comportamentalista parte do princípio de que as ações e as


habilidades do indivíduo são determinadas por suas relações com o meio em que se
encontra. Trata, em primeiro plano, da importância da influência de fatores externos,
do ambiente e da experiência sobre o comportamento da criança.

25 PÓS-GRADUAÇÃO
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Qual a importância de Watson para o behaviorismo?

John B. Watson – filósofo e psicólogo norte-americano que viveu de 1878 a


1958 – foi o fundador do movimento comportamentalista na psicologia, também
conhecido como behaviorismo, do inglês behavior, que significa comportamento.
Watson formou-se em filosofia, mas logo se interessou pela psicologia animal. Em
1913, publicou o artigo A psicologia como um behaviorista a vê, considerado o
lançamento oficial da escola behaviorista.

A partir daí, o behaviorismo incluiu a psicologia entre as ciências naturais por


acreditar na existência de uma continuidade entre o animal e o homem. Para os
comportamentalistas, embora o comportamento do homem seja mais refinado e
complexo do que o dos animais, eles podem ser explicados pelos mesmos
princípios. Assim, no comportamentalismo não se estuda somente o comportamento
humano, mas também o comportamento animal.

O que é comportamento?

Na visão comportamentalista, o comportamento é sempre uma resposta do


organismo – humano ou animal – a algum estímulo surgido no meio ambiente. Por
estímulo entende-se toda modificação do ambiente captada pelos sentidos. Assim,
as respostas são as modificações que ocorrem no organismo em decorrência
desses estímulos.

O que interessa aos comportamentalistas é a relação entre estímulos e


respostas – fatos exteriores que podem ser empiricamente observados. Eles não
querem saber o que acontece no interior do organismo entre um estímulo e uma
resposta, pois isso não pode ser observado. Não que descartem a existência de
processos internos no organismo. Apenas consideram que esses processos devem
ser estudados pela fisiologia. Para eles, a psicologia deve estudar apenas as
respostas do organismo aos estímulos do meio. Assim, os problemas dos
comportamentalistas são prever a resposta, quando se conhece o estímulo, e

26 PÓS-GRADUAÇÃO
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identificar o estímulo, quando se conhece a resposta. Cabe então a eles descobrir


quais são os estímulos que provocam determinado comportamento.

Na visão comportamentalista, o comportamento humano ou animal é sempre


uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações que acontecem no
ambiente. Portanto, não existem aptidões, disposições intelectuais ou
temperamentos inatos ou hereditários, mas sim uma propensão para responder a
estímulos de uma forma determinada.

A aprendizagem é um tema importante no comportamentalismo?

Para os comportamentalistas, a aprendizagem é um tema central. Afirma que


o mais importante na determinação do comportamento do indivíduo são as suas
experiências, o que ele aprende durante a vida. Sua preocupação básica é explicar
como os comportamentos são aprendidos.

Skinner – outro importante psicólogo comportamentalista norte-americano,


que deu continuidade a algumas formulações de Watson – classificou a
aprendizagem em dois tipos: por condicionamento clássico e por condicionamento
operante.

Como é a aprendizagem por condicionamento clássico?

A aprendizagem por condicionamento clássico envolve um tipo de


comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também
determinado. Envolve uma reação do organismo para o meio e não uma ação do
organismo sobre o meio. A reação é um tipo de resposta não aprendida, um reflexo
do organismo.

No condicionamento clássico estão envolvidos um estímulo condicionado e


uma resposta que é simplesmente uma reação do organismo, sem implicar qualquer
iniciativa por parte de quem aprende.

27 PÓS-GRADUAÇÃO
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E a aprendizagem por condicionamento operante?

A aprendizagem por condicionamento operante não se apoia em reações


provocadas por estímulos, mas em comportamentos emitidos pelo próprio
organismo e seguidos por algum tipo de consequência. Se for seguido por uma
consequência agradável, o comportamento tende a se repetir. Se, ao contrário, a
consequência for desagradável, é mais provável que ele não se repita.

Os comportamentalistas chamam essas consequências de reforçadores.


Consideram que elas “modelam” o comportamento do indivíduo e são responsáveis
pela criação dos hábitos. Segundo a concepção de Skinner, a grande maioria das
pessoas aprende por condicionamento operante.

O que é empirismo?

A visão comportamentalista chama a atenção para a plasticidade do ser


humano, que pode adaptar-se a diferentes condições de existência e aprender
novos comportamentos, desde que existam certas condições favoráveis.

Esta concepção deriva da corrente filosófica conhecida por empirismo, que


coloca a experiência sensorial como fonte do conhecimento. Ainda, segundo o
empirismo, alguns fatores estão associados a outros e, ao serem identificadas tais
associações, é possível controlá-las pela manipulação.

O que propõe a teoria de Skinner?

A teoria proposta por Skinner preocupa-se com a explicação de


comportamentos observáveis do indivíduo, não atribuindo importância para a análise
de outros aspectos da conduta humana como o seu raciocínio, seus desejos, suas
fantasias e seus sentidos. Parte de uma concepção de ciência que entende como
fundamental a necessidade de medir, comparar, testar, experimentar, prever e

28 PÓS-GRADUAÇÃO
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controlar eventos de modo a explicar o objeto da investigação. A proposta é a


construção de uma ciência do comportamento.

Como é a aprendizagem na visão ambientalista?

Na visão ambientalista, a aprendizagem pode ser entendida como o processo


pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência. Além do
estabelecimento de associações entre um estímulo e uma resposta e entre uma
resposta e um reforçador, é importante que se leve em consideração o estado
fisiológico e psicológico do organismo. Por exemplo: crianças com fome tornam-se
apáticas, não prestam atenção aos estímulos, não conseguem discriminá-los e não
percebem as associações que eles provocam. Dessa forma, não conseguem
aprender. Ainda, crianças privadas de afetividade tornam-se extremamente
dependentes da aprovação da professora. São incapazes de qualquer iniciativa por
medo de que seu comportamento provoque sanções e punições.

Para que a aprendizagem ocorra faz-se necessário que se considere a


natureza dos estímulos presentes na situação, tipo de resposta que se espera obter
e o estado físico e emocional do organismo. Ainda, tornam-se importantes os
aspectos que resultarão da própria aprendizagem, como mais conhecimentos,
elogios, notas altas etc.

Quais as contribuições da teoria comportamentalista para a educação?

A teoria behaviorista contribuiu para que os educadores atribuíssem


importância ao planejamento do ensino. A organização das condições para que a
aprendizagem ocorra exige clareza a respeito dos objetivos que se pretende
alcançar, a estipulação da sequência das atividades que levarão ao objetivo
proposto e à especificação dos reforçadores que serão utilizados. Tal concepção
valoriza o papel dos professores, cuja importância havia sido minimizada pela
abordagem inatista.

29 PÓS-GRADUAÇÃO
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As teorias ambientalistas só tiveram efeitos positivos?

Não. Tiveram muitos efeitos nocivos na prática pedagógica. Elas acarretaram


um excessivo diretivismo pelo adulto e a organização de programas de educação
compensatória, nas décadas de 1960 e 1970. A educação foi sendo entendida como
tecnologia e foi deixando de lado a reflexão filosófica sobre a sua prática.

A crítica – com relação ao comportamentalismo – refere-se à própria visão de


homem adotada. Os seres humanos são considerados passivos face ao ambiente e
podem ser manipulados e controlados pela simples alteração das situações em que
se encontram. Em tal abordagem não existe uma preocupação em explicar os
processos pelos quais a criança raciocina e que certamente se encontrariam
presentes na maneira utilizada para a apropriação de conhecimentos.

30 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 05_ Progressivismo - Desenvolvimento Cognitivo -


Interacionismo

Pelo ponto de vista progressivista, também conhecido por abordagem


interacionista, nos conceitos de aprendizagem e desenvolvimento tanto a maturação
quanto o meio ambiente são fatores centrais, embora a relevância do meio e da

maturação seja construída diferentemente das construções nas outras


abordagens citadas anteriormente.

O desenvolvimento mental é o produto da interação do organismo da criança


com o meio. Esta posição foi elaborada inicialmente por Platão e também no início
do século XX por John Dewey e, recentemente, por Lev Vygotsky e Jean Piaget.

Como é vista a criança pelo ponto de vista progressivista?

A concepção considera a criança um “cientista”, um explorador, um


investigador. A criança é um instrumento na construção e organização do mundo e
do seu próprio desenvolvimento. A motivação para a aprendizagem é
fundamentalmente interna. Para a criança, a construção do conhecimento exige
elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo.

A aquisição do conhecimento é entendida como um processo construído pelo


indivíduo durante toda a vida, e, portanto, não está pronto no momento do
nascimento, nem é adquirido passivelmente diante das pressões do meio. As
experiências anteriores servem de base para novas construções e dependem
também da relação que o indivíduo estabelece com o ambiente numa situação
determinada. É por meio da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que o
bebê vai construindo seu modelo de agir, pensar, sentir, bem como sua visão de
mundo e seu conhecimento.

31 PÓS-GRADUAÇÃO
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Qual o papel do adulto?

O adulto assume o importante papel de mediador na relação da criança com o


meio. Desde o nascimento, a criança já se constitui repleta de significados
simbólicos e afetivos. Suas expectativas relacionadas às habilidades do recém-
nascido variam culturalmente, o que faz com que haja a atribuição de diferentes
significados e modos de agir do bebê.

Baseadas nas crenças e costumes determinados pelo grupo social, as


pessoas que cuidam do bebê organizam seu ambiente de maneira a favorecer o
desenvolvimento considerados próprios para tal idade. As decisões acerca de como
lidar com a criança terão diferentes consequências para o seu desenvolvimento, pois
lhe habilitam a atuar e a interagir de formas diversificadas com o meio e com as
pessoas, além de desenvolver diferentes funções e habilidades.

Qual o papel das interações sociais?

Na interação com outros seres humanos, quando começa a participar do


mundo simbólico do adulto, a criança garante sua capacidade adaptativa aos mais
diversificados meios físicos e sociais, pois compartilha com ele a linguagem, a
história, os costumes e os hábitos de seu grupo social.

É importante considerar que não é possível falarmos no desenvolvimento de


uma pessoa desvinculadamente de seu contexto social, pois estão envolvidos vários
protagonistas com necessidades próprias criadas em momentos históricos
específicos. Por ocasião do nascimento de um bebê, nasce também uma mãe, um
pai, um irmão, que passarão a constituírem-se como tais na interação com o ele. Há
a participação de todos nesse processo, constroem-se e constituem-se nas
interações que estabelecem uns com os outros.

O desenvolvimento humano constitui-se numa rede de relações em que


diferenciados papéis vão sendo atribuídos aos participantes num jogo de interações.
Assim, a representação do sujeito, em cada momento, depende fundamentalmente

32 PÓS-GRADUAÇÃO
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das interações que são estabelecidas com os outros, da atribuição de papéis que
são definidos pelas ideias e valores do grupo social determinado no confronto com
grupos que apresentam valores e costumes diferenciados.

E o papel do educador?

O papel do educador se constitui em interações estabelecidas com as


crianças, com as famílias e com os outros profissionais da instituição. Também o
educador vai se construindo e se transformando à medida que as crianças de seu
grupo se desenvolvem, propondo-lhe novos desafios.

Em seguida, duas correntes teóricas serão brevemente abordadas: a


elaborada por Piaget e seus seguidores e a defendida pelos teóricos soviéticos, em
especial por Vygotsky.

33 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 06_ Quem foi Piaget?

Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchãtel, na Suíça, e faleceu em 1980


aos 84 anos de idade. Desde pequeno, mostrou interesse por questões científicas:
estudou moluscos, pássaros e conchas marinhas. Aos dez anos publicou as
observações que fez sobre um pardal e, aos onze, trabalhou como assistente do
diretor do Museu de História Natural de sua cidade. Concluiu seus estudos em
Ciências Naturais em 1915 e, em 1918, doutorou-se nessa mesma área.

Interessado também por filosofia, encontrou na leitura da obra de Bergson, A


evolução criadora, elementos que o ajudaram a formular a questão à qual passou a
se dedicar pelo resto de sua vida: explicar a forma pela qual o homem atinge o
conhecimento lógico-abstrato que o distingue das outras espécies animais. Embora
se tratasse de uma questão tipicamente filosófica, Piaget interessava-se em abordá-
la de forma científica.

Piaget assumiu um importante desafio. Qual foi?

Ao longo de seu trabalho, Piaget assumiu o desafio de construir uma teoria do


conhecimento baseada na biologia em que as especulações filosóficas estivessem
ancoradas na pesquisa empírica. O elo que Piaget encontrou entre a filosofia e a
biologia foi a psicologia do desenvolvimento.

A elaboração da teoria explicativa da gênese do conhecimento no homem


levou à formulação de propostas teóricas e metodológicas inovadoras quanto à
natureza dos processos de desenvolvimento da criança que contrariavam as teses
inatistas-maturacionistas e do comportamento.

34 PÓS-GRADUAÇÃO
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Qual foi o foco do seu trabalho experimental?

O fundamento básico de sua concepção do funcionamento intelectual e do


desenvolvimento cognitivo é o de que as relações entre o organismo e o meio são
relações de troca pelas quais o organismo se adapta ao meio e, ao mesmo tempo,
assimila de acordo com suas estruturas num processo de equilibrações sucessivas.
Determinar as contribuições das atividades do indivíduo e das restrições do
ambiente na aquisição do conhecimento foi o foco do seu trabalho experimental.

Veja a importância da vasta produção de Piaget para a psicologia e para os


estudos do homem no século XX.

No período de 1921 a 1925, Piaget concentrou-se na coleta de dados que


permitissem esboçar os princípios e os fundamentos de sua teoria do conhecimento.
Abordou temas gerais como a relação entre pensamento e linguagem (1923), o
desenvolvimento do julgamento e do raciocínio na criança (1924), da representação
do mundo (1926), da causalidade física (1927) e do julgamento moral (1927). Esses
estudos foram retomados, revistos e aprofundados ao longo das décadas seguintes.
No período de 1925 a 1931, com o nascimento de seus três filhos, Piaget dedicou-se
à observação meticulosa do desenvolvimento dos bebês, elaborando análises sobre
a construção do real e o desenvolvimento da inteligência.

Na década de 1930, ajudado por seus colaboradores, concentrou a pesquisa


na gênese das noções de quantidade, número, tempo, espaço, velocidade,
movimento, mensuração, lógica e probabilidade. Na década de 1940 abordou o
desenvolvimento da percepção. A partir dos anos 1950, Piaget voltou-se para a
sistematização teórica da epistemologia genética e deixou para seus colaboradores
os estudos em psicologia. Em 1955 fundou o Centro Internacional de Epistemologia
Genética, onde reuniu cientistas de diferentes áreas (matemáticos, biólogos,
psicólogos, lógicos) interessados em pesquisar problemas epistemológicos.

35 PÓS-GRADUAÇÃO
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Na década de 1970, já trabalhando exclusivamente nas pesquisas do Centro


de Epistemologia, Piaget dedicou-se à investigação dos mecanismos de transição
que impulsionaram e explicam a evolução do desenvolvimento cognitivo.

(Extraído de FONTANA, R; CRUZ, N. Psicologia e trabalho pedagógico. São


Paulo: Atual, 1997.)

Aula 07_ A Epistomologia Genética de Jean Piaget

Como o homem adquire o conhecimento?

Procurando compreender como o homem elabora o seu conhecimento, Piaget


desenvolveu uma pesquisa que nomeou de epistemologia genética.

Por que epistemologia genética?

Aplicou a epistemologia genética à sua psicologia para referir-se à busca das


origens e aos processos de formação do pensamento e do conhecimento. É
importante deixar claro que a infância é considerada um período particular do
processo de formação do pensamento que somente completa seu ciclo na idade
adulta. Dessa forma, não devemos confundir as contribuições feitas por Piaget para
a compreensão do desenvolvimento cognitivo da criança com uma psicologia da
criança. Ele não se dedicou ao estudo do pensamento infantil, mas ao
desenvolvimento do conhecimento.

Qual o resultado da influência da biologia no sistema concebido por Piaget?

Para explicar o desenvolvimento cognitivo, o sistema concebido por Piaget foi


bastante influenciado pela sua formação em biologia. O seu trabalho como biólogo
possibilitou o conhecimento da interação dos moluscos com seu meio ambiente.
Assim como todos os organismos vivos, os moluscos adaptam-se constantemente
às mudanças das condições ambientais.

36 PÓS-GRADUAÇÃO
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Segundo Piaget, os atos biológicos são atos de adaptação ao meio e auxiliam


na organização deste. Abordou que a mente e o corpo não funcionam
independentemente um do outro e que a atividade mental é submetida às mesmas
leis que governam a atividade biológica.

Para Piaget, a atividade intelectual não pode ser separada do funcionamento


total do organismo. Assim, as atividades intelectual e biológica são partes do
processo global pelo qual o organismo adapta-se ao meio e organiza as
experiências. Em sua concepção, conhecer é organizar, estruturar e explicar a
realidade a partir do que pode ser vivenciado em experiências com os objetos de
conhecimento. No entanto, experiência não é a mesma coisa que conhecimento. O
conhecimento pressupõe a organização da experiência num sistema de relações.

Como se dá a inserção de um objeto de conhecimento num sistema de


relações?

Para responder tal questionamento, quatro conceitos cognitivos básicos


precisam ser colocados para o entendimento do processo de organização e
adaptação intelectual, como visto por Piaget. Tais conceitos são usados para
explicar como e por que ocorre o desenvolvimento cognitivo. Os conceitos são:
esquema, assimilação, acomodação e equilibração.

O que são os esquemas?

A existência dessas estruturas, os esquemas, é inferida. Os esquemas são as


estruturas mentais pelas quais os indivíduos cognitivamente adaptam-se e
organizam o meio. Como estruturas, esquemas são os correlatos mentais dos
mecanismos biológicos de adaptação. Podem ser pensados como conceitos ou
categorias. Wadsworth (2001) coloca como analogia um arquivo em que cada ficha
representa um esquema. Os adultos apresentam-se com muitas fichas ou
esquemas.

Os esquemas são utilizados para o processamento e identificação da entrada


de estímulos, como também para a generalização deles. A criança, quando nasce,

37 PÓS-GRADUAÇÃO
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tem poucos esquemas e, à medida que se desenvolve, seus esquemas tornam-se


mais generalizados, mais diferenciados e, paulatinamente, mais “adultos”.

Os esquemas mudam constantemente e tornam-se mais refinados. Eles são


de natureza reflexa no momento do nascimento. Dentro de seu ambiente restrito, o
bebê faz significativas diferenciações feitas via aparato motor e reflexo, que serão os
precursores das atividades mentais posteriores. Assim, os esquemas dos adultos
emergem dos esquemas da criança por meio da adaptação e da organização. Os
processos responsáveis pela transformação dos esquemas são a assimilação e a
acomodação.

O que é assimilação?

A assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo


dado percentual, motor ou conceitual aos esquemas ou padrões de comportamento
já existentes. O ser humano está continuamente processando um grande número de
estímulos. A assimilação ocorre continuamente. Teoricamente, ela não resulta em
mudança dos esquemas, mas afeta o crescimento deles e, assim, representa uma
parte do desenvolvimento. Piaget explica as transformações dos esquemas da
criança em esquemas adultos por meio do processo de acomodação.

O que é acomodação?

Ao ser confrontada com um novo estímulo, a criança tenta assimilá-lo aos


seus esquemas. Por vezes, a possibilidade de assimilar não acontece por não
contar a estrutura cognitiva com um esquema no qual ele se encaixe.

Os esquemas disponíveis da criança não se aproximam das características


do estímulo. O que pode fazer a criança então? Ela pode criar um novo esquema no
qual possa encaixar o estímulo ou modificar um esquema prévio, de modo que o
estímulo possa ser nele incluído. Ambas as formas descritas são consideradas
acomodação e resultam em mudança na configuração de um ou mais esquemas.

O que é equilibração?

38 PÓS-GRADUAÇÃO
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Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre por meio de


constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova
possibilidade orgânica no indivíduo ou mudança de alguma característica do meio
ambiente provoca a ruptura do estado de repouso, da harmonia entre organismo e
meio, causando um desequilíbrio. Os processos de assimilação e acomodação são
necessários para o crescimento e desenvolvimento cognitivo. De igual importância
são as quantidades relativas de assimilação e acomodação.

Imagine, por exemplo, o resultado, em termos de desenvolvimento mental, de


uma pessoa que só assimilou estímulos e nunca fez acomodações. Ela acabaria
com poucos esquemas amplos e, consequentemente, seria incapaz de detectar
diferenças nas coisas, pois elas seriam vistas como similares.

Por outro lado, o resultado de uma pessoa que só fizesse acomodações e


nunca assimilasse seria um grande número de esquemas muito pequenos, que
teriam pouca generalização. A maioria das coisas seria vista como diferente e esta
pessoa seria incapaz de detectar semelhanças. Dessa forma, o equilíbrio, um
balanço do melhor entre assimilação e acomodação, é tão necessário quanto os
processos em si.

A equilibração é o mecanismo interno que regula esses processos. É um


processo auto regulatório. Do mesmo modo que nos adaptamos biologicamente ao
mundo, o desenvolvimento cognitivo também é um processo de adaptação.

39 PÓS-GRADUAÇÃO
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Resumo_ Unidade I

Vimos que, historicamente, diferentes concepções sobre o desenvolvimento


humano têm sido tratadas pela psicologia. Elas buscam responder como cada
pessoa se desenvolve, abortam caminhos para as mudanças nessas maneiras de
ser e investigam as possibilidades de cada indivíduo para aprender.

Você conheceu a perspectiva inatista-maturacionista que parte do princípio de


que fatores hereditários ou de maturação são determinantes das capacidades e
desenvolvimento da criança e não considera importantes os fatores relacionados à
aprendizagem e à experiência. Vimos também que nessa abordagem caberia à
educação fazer aflorar os atributos biológicos do gênero humano dos quais a criança
já é portadora. Tal ideia destacou noções como prontidão, maturidade e aptidão.

A teoria comportamentalista, que parte do pressuposto de que a criança


nasce sem características predeterminadas, também foi abordada por nós, e
mostrou que o ambiente é o responsável pelo desenvolvimento infantil, segundo um
ideal de comportamento determinado pela cultura. Você viu que o
comportamentalismo contribui para que os educadores atribuam importância ao
planejamento de ensino. Ao contrário da abordagem inatista, valoriza o papel dos
professores, cuja importância havia sido minimizada. Viu que tal concepção não
preconiza a iniciativa do próprio sujeito, como também o fato de as reações dos
diversos sujeitos submetidos às pressões de um mesmo meio social não serem
semelhantes; que não existe nessa visão uma preocupação em explicar os
processos pelos quais a criança raciocina para a apropriação de conhecimentos.

Você aprendeu que o surgimento de uma vertente interacionista considera a


existência de uma relação de recíproca constituição entre o indivíduo e o meio, que,
segundo o interacionismo, o desenvolvimento humano não decorre da ação isolada
de fatores genéticos que buscam a maturação, nem de fatores ambientais que agem
sobre o organismo, procurando controlar seu comportamento. O desenvolvimento
constitui-se das trocas estabelecidas entre indivíduo e meio, sendo que cada
aspecto influi sobre o outro, pois há uma construção do homem em sua permanente
atividade de adaptar-se ao meio. Ao mesmo tempo em que a criança modifica seu

40 PÓS-GRADUAÇÃO
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meio, adota formas culturais de ação que transformam sua maneira de pensar, agir,
sentir, modificando-se por seu meio social.

Conceituamos, ainda, maturação, hereditariedade, comportamento, estímulo,


condicionamento clássico e condicionamento operante.

Referências bibliográficas

DAVIS, Cláudia; OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez,
1994.

FONTANA, R.; CRUZ, N. Psicologia e Trabalho Pedagógico. São Paulo: Atual,


1997.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes R. A criança e seu desenvolvimento: perspectivas


para se discutir a educação infantil. São Paulo: Cortez, 1996.

WADSWORTH, Barry, J. Inteligência e afetividade da criança na teoriade Piaget.


São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

41 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 08_ Os Estágios de Desenvolvimento

A hipótese geral de Piaget consiste no fato de que o desenvolvimento


cognitivo refere-se a um processo coerente de sucessivas mudanças qualitativas
das estruturas cognitivas (esquemas), derivando cada estrutura e sua respectiva
mudança lógica, inevitavelmente, da estrutura procedente. Os novos esquemas não
substituem os anteriores; eles o incorporam, o que resulta em uma mudança
qualitativa.

Piaget definiu o desenvolvimento cognitivo como um processo contínuo no


qual as mudanças ocorrem gradualmente. Com o propósito de definir o crescimento
cognitivo, o desenvolvimento intelectual pode ser dividido em quatro níveis
sequenciais. Piaget apud Wadsworth (2001) assim definiu os estágios do
desenvolvimento cognitivo:

1. O estágio da inteligência sensório-motora (de 0 a 2 anos,


aproximadamente)

Durante esse estágio, o comportamento é basicamente motor. A criança


ainda não representa eventos internamente e não “pensa” conceitualmente. Apesar
disso, o desenvolvimento cognitivo é constatado à medida que os esquemas são
construídos.

A criança de dois anos é diferente tanto cognitiva quanto afetivamente do


recém-nascido. Nos primeiros dias de vida, o comportamento do bebê é reflexo.
Mas, pela via do reflexo de sucção, ele chega ao segundo mês já fazendo as
primeiras diferenciações primitivas entre os objetos do seu meio imediato. Entre o
quarto e o oitavo mês ocorre a coordenação da visão e do tato. O bebê pega o que
vê. Por volta do final do primeiro ano, a criança começa a desenvolver a
permanência do objeto e a noção de que outros objetos, que não somente ela
própria, podem causar eventos.

42 PÓS-GRADUAÇÃO
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No início do segundo ano, o comportamento tipicamente inteligente começa a


se manifestar, a criança agora constrói novos meios para resolver problemas por
meio da experimentação e começa a se perceber como um objeto entre outros
objetos. Por volta do final do segundo ano, a criança torna-se capaz de representar
objetos e eventos internamente. Tal capacidade libera a criança da inteligência
sensório-motora e permite a invenção de diferentes meios para a resolução de
problemas por meio da atividade mental.

Os bebês são capazes de construir o conhecimento?

Para a teoria piagetiana, sim. O funcionamento da assimilação e da


acomodação é evidente logo após o nascimento. Muito do conhecimento construído
durante os dois primeiros anos de vida é conhecimento físico, conhecimento sobre
as características físicas dos objetos, que o bebê descobre pela manipulação
destes. Conceitos de causalidade e espaço, assim como o conceito de objeto, são
exemplos de conceitos lógico-matemáticos que lidam com relações e são
construídos mentalmente pela criança.

Paralelo ao desenvolvimento das estruturas cognitivas ocorre o


desenvolvimento das estruturas afetivas. Ao nascer, as reações de um bebê são
basicamente reflexas, como chorar, e sofrem da falta de diferenciações. Os
primeiros sentimentos adquiridos são observados como as primeiras diferenciações
cognitivas. Tais sentimentos estão ligados às ações da criança.

No segundo ano de vida, comportamentos de gostar e não gostar começam a


ser observados e o afeto começa a desempenhar um papel na rejeição e seleção
das ações. Na maior parte dos dois primeiros anos de vida, o afeto é dirigido às
próprias atividades e a si mesmo. Isso acontece porque cognitivamente o bebê
ainda não construiu a noção de que o mundo é composto por muitos objetos que
são fisicamente independentes, dos quais ele é um deles. Como resultado, aparece
no segundo ano a possibilidade de dirigir o afeto para outros objetos e para outras
pessoas, além de si mesmo. Pela primeira vez, o gostar e o não gostar de alguém é
expresso.

43 PÓS-GRADUAÇÃO
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O recém-nascido é um ser social?

Não. Na perspectiva piagetiana, ao nascer o bebê é um ser não-social.


Inicialmente, nada que o bebê faz envolve uma intenção de intercâmbio social.
Somente ao final do segundo ano a criança atinge um ponto do desenvolvimento em
que se torna possível o verdadeiro intercâmbio social.

Os aspectos cognitivos do período sensório-motor desenvolvem-se à medida


que a criança age sobre o meio. A motivação para uma ação é interna. As ações
infantis são espontâneas. A adaptação e a organização da assimilação e
acomodação operam desde o início, o que resulta nas transformações qualitativa e
quantitativa dos esquemas. Na medida em que a criança atribui significado às coisas
que a cercam, já está construindo o conhecimento em um nível primitivo, sendo este
um processo de auto regulação.

O desenvolvimento cognitivo do bebê provoca mudanças que afetam o


comportamento em todas as áreas. Os conceitos não são desenvolvidos de forma
independente um do outro. Por exemplo, quando uma criança consegue virar a
mamadeira e colocá-la na posição de pegar o bico pela primeira vez, que
implicações isso traz aos conceitos ou esquemas dela?

Em primeiro lugar, esse comportamento sugere que a criança já tem noção de


permanência ou constância da forma dos objetos. Os objetos não sofrem mudanças
na forma quando mudam de perspectivas (conceito de objeto). Como as ações
ocorrem no espaço, a criança deve ter também um conceito funcional de espaço e
das relações entre os objetos. E, ainda, o comportamento de virar a mamadeira é
um ato intencional que requer uma coordenação mão-olho. Cada uma das
capacidades surge mais ou menos na mesma época e tem o mesmo caminho de
desenvolvimento. Todos os esquemas são elaborados à medida que a criança faz
assimilações e acomodações. Dessa maneira, surgem comportamentos que
mostram mudanças qualitativas em muitos esquemas.

44 PÓS-GRADUAÇÃO
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Os processos de assimilação e acomodação são internamente controlados e


o desenvolvimento intelectual é auto regulatório. O afeto representa um importante
papel nesse controle. O que Piaget quer dizer quando afirma que “todo
desenvolvimento intelectual é adaptação no sentido biológico”?

Em cada momento do desenvolvimento sensório-motor, novas e mais


sofisticadas aptidões surgem, o que possibilita o aumento do autocontrole. Cada
progresso torna o indivíduo melhor equipado para lidar com as demandas da vida.
Ao completar o desenvolvimento sensório-motor, por volta dos dois anos de idade, a
criança já tem a possibilidade de ter alcançado um desenvolvimento conceitual
necessário ao desenvolvimento da linguagem falada e de outras habilidades
cognitivas e sociais, principais aspectos do nível seguinte: o pensamento pré-
operacional.

A partir desse momento, o desenvolvimento intelectual da criança se dá


principalmente na área simbólica, o que não significa o final do desenvolvimento
sensório-motor, mas indica apenas que o desenvolvimento intelectual passa a ser
predominantemente afetado pelas atividades representacional, simbólica e social.

2. O estágio do pensamento pré-operacional (de 2 a 7 anos,


aproximadamente)

Esse estágio é caracterizado pelo desenvolvimento da linguagem, bem como


outras formas de representação, e pelo rápido desenvolvimento conceitual. O
pensamento da criança pré-operacional representa um avanço qualitativo sobre o
pensamento da criança sensório-motora.

O pensamento pré-operacional não é preso aos eventos perceptivos e


motores, podendo chegar ao nível da representação; as sequências físicas, reais,
podem agora ser também mentalmente elaboradas. Mesmo assim, a percepção
ainda domina o raciocínio. As crianças do estágio pré-operacional fazem seus
julgamentos com base na percepção quando surgem conflitos entre a percepção e o
pensamento, como no caso dos problemas que envolvem conservação.

45 PÓS-GRADUAÇÃO
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Esse nível é marcado pela aquisição muito rápida da linguagem entre as


idades de dois a quatro anos e o comportamento, na fase inicial do período, é
predominantemente egocêntrico e não social. Tais características vão deixando de
ser dominantes à medida que o estágio avança e as conversas tornam-se
comunicativas e sociais por volta dos seis ou sete anos.

Como é o raciocínio nesse estágio?

O raciocínio é pré-lógico ou semilógico. No início, a criança ainda não é capaz


de reverter as operações e não consegue acompanhar as transformações. A
percepção tende a ser centrada, pois a criança é ainda egocêntrica. Tais
características tornam o pensamento relativamente mais lento, concreto e restrito.
Durante este estágio o pensamento ainda está sob forte controle do imediato e do
perceptivo, o que pode ser observado diante da resolução de problemas de
conservação. Enquanto ocorre o desenvolvimento cognitivo, acontece também o
desenvolvimento afetivo. As estruturas afetivas e sociais vão sendo constantemente
construídas e reconstruídas à medida que a criança assimila e acomoda suas
experiências nas estruturas cognitivas.

Por volta dos dois anos a criança ainda é egocêntrica em sua visão de mundo
e no uso da linguagem falada. Já em torno dos sete, sob pressão da interação social
durante o decorrer do período, a criança começa a perceber que o ponto de vista
dos outros pode ser diferente do seu. As experiências afetivas são representadas,
recordadas, e mudam definitivamente a natureza dos pensamentos afetivos. Assim
como o raciocínio neste nível é pré-lógico, as compreensões infantis sobre regras,
justiça e outros aspectos do raciocínio moral também o são.

No período que compreende dos dois aos sete anos de idade, o


desenvolvimento cognitivo e afetivo estão em contínua transformação, com os
processos de assimilação e acomodação resultando na construção de uma nova e
mais completa estrutura cognitiva. O comportamento da criança pré-operacional é,

46 PÓS-GRADUAÇÃO
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no início, semelhante ao da criança sensório-motora. Já aos sete anos há poucas


semelhanças.

3. O estágio das operações concretas (de 7 a 11 anos, aproximadamente)

Dos sete aos onze anos, a criança desenvolve a capacidade de aplicar o


pensamento lógico a problemas concretos, no presente. Esse é um estágio de
transição entre o pensamento pré-operacional e o pensamento formal. A criança,
pela primeira vez, consegue o uso das operações lógicas. A percepção deixa de
dominar o pensamento e ela já tem a capacidade de resolver problemas concretos
em sua experiência.

Como é a criança operacional concreta?

A criança operacional concreta não é egocêntrica em pensamento, ela já


assume o ponto de vista dos outros e sua linguagem é comunicativa e social. A
reversibilidade do pensamento é desenvolvida. A seriação e a classificação são as
duas operações intelectuais que se desenvolvem e formam a base para o conceito
de número.

O desenvolvimento cognitivo ocorre paralelamente ao desenvolvimento


afetivo. A regulação do julgamento afetivo se dá pelo desenvolvimento da vontade,
que comanda um senso de obrigação para com as próprias normas ou valores. A
autonomia de julgamento e o afeto continuam a se desenvolver nas relações sociais
que provocam o respeito mútuo. A criança agora desenvolve a capacidade de
avaliação das situações, das ideias, em vez de aceitar argumentações unilaterais
preestabelecidas.

Acontece, ainda, a compreensão da noção de intencionalidade e o aumento


da capacidade de considerar os motivos ao emitir julgamentos. Desenvolvem-se os
conceitos morais, a compreensão de regras, mentiras, acidentes e justiça.

47 PÓS-GRADUAÇÃO
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4. O estágio das operações formais (de 11 a 15 anos ou mais)

Nesse estágio, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais


elevado de desenvolvimento e as crianças tornam-se aptas a aplicar o raciocínio
lógico a todas as classes de problemas. O nível das operações formais incorpora e
amplia o desenvolvimento das operações concretas. Ocorre por volta dos doze anos
de idade e se completa aos dezesseis anos ou mais.

A lógica do período das operações concretas se restringe ao mundo concreto.


É somente após o desenvolvimento das operações formais que o raciocínio da
criança torna-se independente do concreto. O raciocínio dela agora pode lidar com o
possível tão bem quanto com o real.

Algumas estruturas surgem durante a construção das operações formais.


Quais são elas?

 O raciocínio hipotético-dedutivo, que se refere à capacidade de pensar sobre


o hipotético tanto quanto sobre o real e de deduzir conclusões de premissas
hipotéticas;

 o pensamento científico-indutivo, que é o raciocínio do específico ao geral,


típico do cientista;

 a abstração reflexiva que consiste na abstração do conhecimento novo a


partir do conhecimento existente, pela reflexão ou pensamento. É o
mecanismo básico do conhecimento lógico-matemático e vai sempre além do
observável;

 as operações proposicionais ou combinatórias que são semelhantes à lógica


simbólica ou proposicional, abstratas e sistemáticas;

 os esquemas operacionais formais que, tais como a proporção e a


probabilidade, são muito semelhantes ao raciocínio científico.

48 PÓS-GRADUAÇÃO
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A capacidade cognitiva do adulto é mais hábil do que a do adolescente?

Quando consolidadas as operações formais, a capacidade cognitiva do


adolescente é qualitativamente semelhante às do adulto. Somente pela sua maior
experiência o adulto pode ser mais hábil em raciocinar sobre mais coisas do que
pode o adolescente. Nem todas as pessoas desenvolvem as operações formais
completamente, mas, segundo Piaget, todos têm o potencial para desenvolvê-las.

O que acontece com o desenvolvimento afetivo?

Assim como o desenvolvimento cognitivo alcança um limite máximo com a


consolidação das operações formais, o mesmo acontece com o desenvolvimento
afetivo. As construções afetivas durante o período das operações formais são feitas
sobre aquelas do estágio das operações concretas. O desenvolvimento dos
sentimentos normativos, autonomia e vontade no estágio das operações concretas,
conduzem à construção dos sentimentos idealistas e ao posterior desenvolvimento
da personalidade durante o estágio das operações formais. A personalidade reflete
os esforços individuais para se adaptar ao mundo social do adulto.

O raciocínio moral também atinge o pleno desenvolvimento com as operações


formais. As regras podem agora ser compreendidas como sendo necessárias à
cooperação. A mentira é vista como uma atitude errada por quebrar a confiança. A
justiça passa a ser relacionada às intenções e às punições que são consideradas
adequadas para as transgressões sociais são aquelas baseadas na equidade.

Qual a importância dos aspectos cognitivo e afetivo na adolescência?

Os aspectos cognitivo e afetivo do desenvolvimento são necessários durante


a adolescência e importantes para a compreensão de muitos aspectos do seu
comportamento, até então atribuído frequentemente à puberdade ou ao despertar da
sexualidade. O egocentrismo do adolescente é marcado pela aplicação de um
critério lógico às ações humanas e sociais com uma compreensão de que o mundo
nem sempre é lógico e que também os seres humanos nem sempre o são.

49 PÓS-GRADUAÇÃO
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O adolescente é um idealista que busca explorar os modos de reformar a


sociedade. Tal fato ocorre não por força da puberdade, mas sim pelo
desenvolvimento intelectual e afetivo necessários, que ganham lugar durante a
aquisição das operações formais.

Um equilíbrio é conseguido no momento em que o adolescente ingressa no


mundo adulto e começa a trabalhar. A partir daí, os desequilíbrios surgem pelos
confrontos com pontos de vista de terceiros que já estão adaptados ao mundo que
nem sempre se apresenta ordenado de forma simples como os adolescentes
acreditam.

50 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 09_ Outros Aspectos da Teoria Piagetiana

É importante ressaltar alguns aspectos sobre a teoria piagetiana.

As idades cronológicas, para que o sujeito atinja o estágio seguinte de


desenvolvimento cognitivo, são fixas?

As idades cronológicas em que se espera que as crianças desenvolvam


comportamentos representativos de um determinado estágio não são fixas. A idade
em que um dado tipo de desenvolvimento ocorre pode variar de acordo com a
natureza da experiência individual ou do potencial hereditário. Ao contrário da teoria
da maturação, o progresso não é automático.

Uma criança pode passar do estágio pré-operatório para o formal sem


necessidade de ter vivenciado o estágio operatório concreto?

Um outro aspecto dessa teoria é invariável: toda criança passa,


necessariamente, por todos os níveis de desenvolvimento na mesma ordem, no
entanto, em ritmos de desenvolvimento diferentes. É importante ter em mente que é
grande a variação dos comportamentos intelectuais dentro de um determinado nível.
Por exemplo: embora a criança desenvolva o uso da linguagem verbal durante o
nível pré-operacional, de dois a sete anos, é esperado que, aos sete, o emprego da
linguagem seja qualitativamente diferente do que na idade de dois anos.

Piaget considerou quatro fatores e suas interações como condições


necessárias para o desenvolvimento cognitivo. A dinâmica no interior de cada nível e
entre os níveis de desenvolvimento é uma função da interação entre esses fatores: a
maturação, a experiência ativa, a interação social e um progresso geral do equilíbrio.

51 PÓS-GRADUAÇÃO
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Maturação e hereditariedade

Para Piaget, a maturação (fatores herdados) coloca restrições ao


desenvolvimento cognitivo. Essas restrições mudam à medida que a maturação
progride. O potencial a ser desenvolvido vai depender das ações da criança sobre o
seu meio.

Experiência ativa

Cada tipo de conhecimento construído pela criança – físico, lógico-


matemático e social – requer sua interação com os objetos ou com as pessoas. As
ações podem ser manipulações físicas ou mentais (pensamento) de objetos ou
eventos. As experiências ativas são provocadoras de assimilação e acomodação
que resultam em mudança cognitiva.

Interação social

Por interação social podemos entender a troca de ideias entre as pessoas. A


interação com outras pessoas serve, principalmente, para provocar desequilibração
relativa ao conhecimento físico e ao lógico-matemático. A interação social pode se
dar de várias maneiras: interações com colegas, pais e outros adultos. Em salas de
aula, as ocorrências são, frequentemente, interações de estudantes com outros
estudantes e com seus problemas. Enfim, todas as formas de interação e de
experiências sociais são importantes para o desenvolvimento intelectual.

Equilibração

A maturação, a experiência e a interação social não são suficientes para


explicar o desenvolvimento cognitivo. Um outro fator determinante é a equilibração.
Piaget usou o conceito de equilibração para explicar a coordenação dos outros
fatores e a regulação do desenvolvimento de uma maneira geral.

A construção do conhecimento ocorre conforme a criança vai tendo


experiências. Ocorre também a coordenação do conhecimento prévio com o novo

52 PÓS-GRADUAÇÃO
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conhecimento (assimilação e acomodação). A equilibração é o regulador que


permite que as novas experiências sejam incorporadas aos esquemas com sucesso.

53 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 10_ Desenvolvimento, Aprendizagem e Educação: A Influência


da Abordagem Piagetiana na Escola

Podemos pensar um pouco sobre os conceitos básicos da teoria de Piaget: os


conceitos de estágio e o construtivismo. Para o construtivismo, todo conhecimento é
adquirido por processos de interações contínuas entre os esquemas mentais do
sujeito que conhece e as especificidades do objeto a ser conhecido. O conceito de
estágio refere que o pensamento da criança e do adulto diferem qualitativamente e
que o desenvolvimento cognitivo se dá por etapas que são caracterizadas por
modificações na forma de raciocínio.

Partindo destes princípios, o objetivo fundamental da educação passa a ser a


formação de um sujeito que, tanto no aspecto intelectual quanto no plano moral,
adquira valores próprios. A visão tradicional de ensino, contrariamente ao que está
colocado acima, parte de pressupostos que colocam o sujeito em uma situação de
passividade diante do processo de aquisição de conhecimento e a criança é vista
como um adulto em “miniatura’, que pensa e raciocina como os adultos e cujo
conhecimento e processos cognitivos são dados pelos adultos. Pensa-se na criança
como um adulto “ignorante” e a tarefa do educador seria constituir o sujeito com
informações necessárias ao seu aprimoramento.

Para a prática pedagógica tradicional, a aprendizagem é um produto e se


manifesta pela quantidade de informações retidas pelo sujeito. Nesta concepção, a
inteligência funciona como um arquivo das informações apresentadas pelos
professores ou pelos livros. Esta metodologia de ensino é questionada pela
abordagem piagetiana, no sentido de que obriga o aluno a fazer uma grande
quantidade de exercícios repetitivos para garantir a fixação e a memorização de
conteúdos que serão esquecidos logo em seguida. Muitos professores acreditam
que somente as aulas expositivas e os exercícios de fixação tornam-se
fundamentais para a obtenção de instrumentos necessários à aprendizagem.

Para a concepção piagetiana, estes processos não auxiliam o


desenvolvimento cognitivo. A aprendizagem, neste sentido, é um processo de

54 PÓS-GRADUAÇÃO
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conquista do saber por si mesmo e por meio de investigação a partir do esforço


espontâneo. A pesquisa e a reflexão possibilitam a aquisição de uma metodologia
de estudo que será útil para o aluno por toda a vida. A partir do momento em que a
compreensão prevalece sobre a memorização, os conhecimentos deixam de ser
impostos e a ideia do professor como o grande detentor do saber é dissipada.

Se o aprendiz for solicitado a descobrir, em contextos de atividades


autônomas, as noções, implicações e relações existentes em diferentes eventos,
fenômenos e conteúdos, ele investigará soluções, analisará dados e,
consequentemente, descobrirá o quanto o processo de aprendizagem pode ser
gratificante.

Contra argumentando a posição de alguns defensores do ensino tradicional,


os quais colocam ênfase na ideia de que o aluno tem de ser guiado para a
aprendizagem, Piaget defende que esse é um dos erros cometidos quando se
considera que o princípio lógico subjacente a qualquer conceito possa ser ensinado
por meio de transmissões verbais e exercícios.

Sendo chamada à experimentação das correspondências lógicas em jogo,


como diante de um problema de velocidade, a criança pode demonstrar sua
capacidade de encontrar as relações existentes na situação-problema e garantir um
entendimento efetivo.

Pode parecer que se perde mais tempo para o desenvolvimento de


determinado conteúdo trabalhando nesta direção. Contudo, ganha-se muito ao
considerarmos o enriquecimento e aprimoramento cognitivo. Uma das causas do
fracasso da educação formal, segundo a abordagem piagetiana, encontra-se no fato
de apoiar-se na aula expositiva acompanhada de demonstrações e/ou ações fictícias
narradas, em vez da fundamentação da ação real e concreta. O objetivo da
educação para Piaget não diz respeito à repetição e conservação de verdades
acabadas, mas ao conhecimento que se conquista mesmo tendo de despender
tempo maior para tal e que passar pelos caminhos e desvios que uma atividade
intelectual real pressupõe.

55 PÓS-GRADUAÇÃO
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Vimos que, na concepção piagetiana, as estruturas cognitivas da criança são


elaboradas e reelaboradas de maneira contínua e parte de sua ação sobre o meio.
Segundo Piaget, a aprendizagem praticamente não interfere no curso do
desenvolvimento. A ênfase atribuída aos processos internos e à atividade
construtiva da criança resulta em uma abordagem que considera a aprendizagem
como dependente do processo de desenvolvimento. Isto é, o nível de
desenvolvimento das estruturas cognitivas da criança determina o que ela pode ou
não aprender.

Ao destacar o papel ativo da criança no processo de elaboração do


conhecimento, a teoria piagetiana tem direcionado ideias como: a criança deve ter
oportunidades de agir sobre os objetos de conhecimento; o professor deve ser um
mediador do processo de ensino-aprendizagem; a criança é quem constrói o seu
próprio conhecimento.

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Aula 11_ Quem foi Vigotsky?

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896, na Bielo-


Rússia. Lecionou e proferiu palestras de literatura e psicologia e dirigiu peças
teatrais na educação de adultos no período de 1917 a 1923, em Gomel. Nesta
época fundou uma revista literária e publicou sua primeira pesquisa em literatura.
Criou também um laboratório de psicologia no Instituto de Treinamento de
Professores.

Mudou-se para Moscou em 1924, trabalhou no Instituto de Psicologia, criou o


Instituto de Estudos das Deficiências e dirigiu um departamento de educação de
crianças deficientes físicas e retardadas mentais, em Narcompros (Comitês
Populares de Educação). Dava cursos no Instituto Pedagógico Estadual de Moscou
e no Instituto Pedagógico Hertzen, em Leningrado.

De 1925 a 1934 reuniu um grupo de trabalho com jovens cientistas que se


dedicavam ao estudo da psicologia e das anormalidades físicas e mentais.
Simultaneamente, Vygotsky concluiu o curso de medicina. Pouco antes de sua
morte, foi convidado para dirigir o departamento de psicologia no Instituto Soviético
de Medicina Experimental. Faleceu em 11 de junho de 1934, vítima de tuberculose.

LURIA, A. R. (Nota biográfica sobre L. S. Vygotsky) In VYGOTSKY. L. S.


Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Qual era a essência de seus pensamentos?

Consta que, desde seus estudos no ginásio, havia um decidido interesse pelo teatro,
pela literatura, pela filosofia e, ainda, pela semiologia e problemas lingüísticos. Como
observa Rivière:

57 PÓS-GRADUAÇÃO
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Antes de começar os estudos universitários em Moscou, Vygotsky


tinha desenvolvido uma importante formação humanista. É essencial
compreender isto para analisar a posterior contribuição de Vygotsky
para a psicologia: a análise crítica dos problemas com os que lhe
proporcionava a sensibilidade humanista, a tendência a considerá-los
desde uma perspectiva histórica com um enfoque dialético, e o
interesse por sua vertente semiológica foram as premissas em que
se basearam suas importantes contribuições posteriores (Rivière
apud Baquero, 1998, p.18)

A formação filosófica e literária de Vygotsky foi tão forte que Rivière chegou a sugerir
que ele foi, antes de tudo, um filósofo e um semiólogo.

Sua preocupação pelos mecanismos psicológicos da criação literária


e as questões semiológicas relacionadas com a estrutura e funções
dos símbolos, signos e imagens poéticas (...) não foi o resultado de
suas pesquisas psicológicas, mas antes a origem delas (Rivière apud
Baquero,1998, p. 18)

Por outro lado, os interesses semiológicos de Vygotsky estiveram sempre


guiados por uma orientação filosófica mais ampla, pela intuição – que engendraria a
ideia de que o aprofundamento na origem dos signos era também penetrar na
origem do próprio homem e da cultura.

Podemos destacar como um grande “marco” da produção de Vygotsky sua


obra “Pensamento e Linguagem”, concluída em 1934, ano de sua morte prematura.
Como disse o próprio Vygotsky, este texto, ou melhor, sua última obra, é o resultado
de quase dez anos de trabalho intenso do autor e seus colaboradores na
investigação do pensamento e da linguagem. As questões indagadas e os achados
encontrados, desenvolvidos ao longo da obra, foram enumerados pelo próprio
Vygotsky:

58 PÓS-GRADUAÇÃO
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(...) pode-se resumir nossa contribuição nos seguintes pontos: 1)


provar experimentalmente que os significados das palavras evoluem
na idade infantil e descrever as fases principais desse processo; 2)
descobrir o curso do desenvolvimento dos conceitos científicos na
criança, suas diferenças em comparação com a evolução dos
conceitos espontâneos e as leis fundamentais destes processos; 3)
demonstrar a natureza psicológica da linguagem escrita como função
independente da fala, assim como sua relação com o pensamento; 4)
comprovar experimentalmente a natureza psicológica da fala interna
e sua relação com o pensamento (Vygotsky apud Baquero, 1998,p.
22)

A maioria dos trabalhos situa-se, principalmente, nas últimas elaborações da


obra de Vygotsky, que foram Pensamento e Linguagem e História do
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Mas suas inquietações sobre
o problema educativo vinham desde o início de sua produção psicológica.

Ele cita os métodos de ensino da literatura, o uso da tradução na


compreensão da linguagem e a educação das crianças cegas, surdas-mudas,
retardadas e fisicamente incapacitadas. Consta que Vygotsky organizou um
laboratório de psicologia no Instituto Pedagógico de Gomel, onde se desenvolveram
várias pesquisas com crianças em idade pré-escolar e escolar, experiências que
serviram como parte do material básico para seu primeiro livro sobre a psicologia da
arte.

O problema educativo constituía para Vygotsky três questões que terminavam


por se fundir na maioria do seu trabalho: um campo profissional próprio, já que ele
foi docente; um campo de aplicações da pesquisa psicológica, pois em alguns
escritos apostava fortemente no poder da psicologia para fundamentar práticas
pedagógicas; e um problema inerente a sua teoria geral do desenvolvimento

59 PÓS-GRADUAÇÃO
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psicológico. O próprio Vygotsky expressou o grau de inerência que parecem guardar


os problemas pedagógicos no interior das questões psicológicas:

O problema educativo (...) ocupa um lugar central na nova maneira


de enfocar a psique do homem. Daí que a nova psicologia seja um
fundamento para a educação em muito maior medida que era a
psicologia tradicional (...) O novo sistema não terá que se esforçar
para extrair de suas leis as derivações pedagógicas em adaptar suas
teses à aplicação prática na escola, porque a solução do problema
pedagógico está contida em seu próprio núcleo teórico, e a educação
é a primeira palavra que menciona. Portanto, a própria relação entre
psicologia e pedagogia mudará consideravelmente, sobretudo
porque aumentará a importância que cada uma tem para a outra e se
desenvolverão, portanto, laços e o apoio mútuo entre ambas as
ciências ( Vygotsky apud Baquero, 1998, p. 23)

Consideramos, então, o projeto vygotskiano como uma busca dos


fundamentos da cultura humana, com um acentuado papel atribuído aos símbolos e
às práticas culturais.

60 PÓS-GRADUAÇÃO
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Resumo_ Unidade II

Você conheceu uma breve abordagem do trabalho de Piaget, que procura


explicar como o homem adquire o conhecimento. Vimos que Piaget entende a
inteligência sob os aspectos cognitivo e afetivo. O conhecimento depende das ações
físicas ou mentais que geram desequilíbrios e conduzem ao esforço de estabelecer
o equilíbrio (equilibração). A assimilação e a acomodação são os promotores de
equilibração, o auto regulador do desenvolvimento.

Conceituamos: esquema, assimilação, acomodação, equilibração, raciocínio


hipotético-dedutivo, pensamento científico-indutivo, abstração reflexiva. Você
aprendeu que os fatores da maturação, da experiência ativa, das interações sociais
e a equilibração, principalmente as suas interações, são fundamentais para o
desenvolvimento.

Foi estudado que o desenvolvimento cognitivo, enquanto um processo


contínuo, pode ser dividido em quatro estágios para fins de análise e descrição.
Vimos também que o desenvolvimento afetivo (valores, sentimentos e interesses)
ocorre de modo semelhante ao desenvolvimento cognitivo, sendo responsável ela
dinamização da atividade mental e pela seleção dos eventos sobre os quais agir.
Podemos perceber que, para que o desenvolvimento cognitivo cumpra seu curso, o
sujeito do conhecimento deve agir sobre o meio, elaborando suas estruturas
cognitivas.

Ainda, segundo Piaget, o que é trabalhado com a criança deve estar


adequado ao seu nível de desenvolvimento cognitivo, pois a aprendizagem depende
do desenvolvimento. Podemos atribuir a esta concepção o papel fundamental da
escola em possibilitar às crianças o agir sobre os objetos de conhecimento; que o
professor deve ser um agente facilitador e desafiador dos processos de elaboração
de conhecimento; a criança constrói seu próprio conhecimento.

Você conheceu a teoria sócio histórica elaborada por Lev Vygotsky, cujas
teorias concebem a construção do pensamento e da subjetividade como um
processo cultural e não como uma formação natural e universal da espécie humana.

61 PÓS-GRADUAÇÃO
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Ela se dá por meio do uso de signos e do emprego de instrumentos elaborados em


um contexto social determinado historicamente. Os instrumentos são construídos
por meio do trabalho coletivo e não se reduzem à dimensão material, mas incluem a
utilização de signos. Conceituamos: mediação, evolução filogenética, ontogênese,
instrumento, signo, zona de desenvolvimento proximal e zona de desenvolvimento
real. Vimos que toda função psicológica superior manifesta-se, primeiramente, em
uma situação interpessoal e, depois, em uma situação intrapessoal.

Você aprendeu que o conceito de zona de desenvolvimento proximal refere-


se à distância entre o nível de desenvolvimento real do indivíduo (ou seja, sua
capacidade de apresentar uma ação de forma independente, compreendendo
funções já amadurecidas) e a capacidade de responder com auxílio de outra pessoa
(ou seja, baseada em funções em processo de amadurecimento).

Foi salientado que a apropriação da linguagem do grupo social constitui o


processo mais importante do desenvolvimento do indivíduo. A linguagem permite
que o mundo seja representado na consciência humana por meio dos significados
culturais selecionados pelo sujeito e por ele apropriados com um sentido próprio,
relacionados a valores sociais historicamente determinados.

Finalmente, verificamos que a influência da perspectiva histórico-cultural na


escola refere-se ao fato de que os processos de aprendizado transformam-se em
processos de desenvolvimento e modificam os mecanismos biológicos da espécie.
Ou seja, o aprendizado, adequadamente organizado, resulta em desenvolvimento.

A avaliação do aluno deve considerar o seu nível de desenvolvimento


proximal e não somente referir-se ao nível de desenvolvimento real. O papel do
professor é intervir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos e provocar
avanços que não aconteceriam espontaneamente.

62 PÓS-GRADUAÇÃO
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Núcleo de Educação a Distância

Referências Bibliográficas

DAVIS, Cláudia e OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na educação. São Paulo:


Cortez, 1994.

FONTANA R.;CRUZ, N. Psicologia e o trabalho pedagógico. São Paulo: Atual,


1997.

GÓES, Maria Cecília R. A natureza social do desenvolvimento psicológico.


Cadernos Cedes. São Paulo (24): 17-24, 1991.

KRAMER, Sônia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo:Ática,
1993

OLIVEIRA, Zilma de Moraes et al. Creches: crianças, faz de conta & Cia.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes R. Educação infantil: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2007.

VYGOTSKY,L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

VYGOTSKY, L. S; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e


aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2001.

WADSWORTH, Barry, J. Inteligência e afetividade da criança na teoriade Piaget.


São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

Links:

http://www.aprendiz.com.br

63 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 12_ A Elaboração do Conhecimento na Perspectiva Histórico-


Cultural

De acordo com a perspectiva histórico-cultural, a relação entre o homem e o


meio físico e social não é natural e diretamente determinada pela estimulação do
ambiente. E também não é uma relação de adaptação do organismo ao meio.
Vygotsky destaca que o homem, pelo trabalho, transforma o meio e produz cultura,
diferentemente das outras espécies. Nesse sentido, Vygotsky questiona as teorias
psicológicas de seu tempo, especialmente aquelas que se apoiavam em modelos
biológicos para explicar o desenvolvimento humano.

A compreensão sobre o desenvolvimento humano, dentro da teoria histórico-


cultural, difere radicalmente de pensá-lo como um processo de atualização de
capacidades já potencialmente dadas desde o nascimento dos indivíduos, que
depende apenas do aspecto maturacional; difere também de analisá-lo
exclusivamente do ponto de vista de mudanças quantitativas, como processo de
aquisições acumulativas, hierarquicamente organizadas, configurando um repertório
que se amplia de forma gradual e linear. Vygotsky (1981) indica que o
desenvolvimento representa um processo complexo e dialético, caracterizado por
“desproporcionalidade no desenvolvimento de várias funções, por metamorfoses ou
conversões qualitativas de um conjunto de formas em outras, por complexas
combinações de processos de evolução e involução, por complexas misturas de
fatores externos e internos, e pelo processo de adaptação e de superação de
dificuldades.” (Vygotsky, 1981, p. 150)

Para compreender como o homem se constitui é necessário localizá-lo nas


condições concretas da vida, organizadas segundo particularidades culturais, olhar
cuidadosamente as formas sociais que participam de sua constituição e, somente a
partir desta perspectiva, elaborar categorias explicativas que respondam por suas
transformações. É necessário, ainda, buscar a história, seja quando se pensa nas
mudanças de ordem filogenética, seja do ponto de vista de cada indivíduo, com sua
trajetória particular, seja da perspectiva da gênese e desenvolvimento de cada um

64 PÓS-GRADUAÇÃO
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dos processos psicológicos que caracterizam o sujeito e cada sujeito em suas


relações interpessoais.

Sendo assim, a teoria histórico-cultural ocupa-se de rastrear elementos tanto


do ponto de vista filogenético, quanto ontogenético e micro genético, que possam
elucidar a natureza humana, buscando superar as dicotomiasentre social e
biológico, os planos internos (do sujeito) e externo (do meio social), cultural e
individual, psíquico e material, entre tantas outras, formuladas ao longo da
construção dos diversos sistemas psicológicos.

O que é a evolução filogenética?

A evolução filogenética, da qual resulta o ser humano como espécie, é a


trajetória dos homens aprendendo a interpor, entre eles e sua realidade concreta,
instrumentos (materiais e semióticos), que alteram, nos eixos quantitativos e
qualitativos, suas atividades, seus modos de ação sobre o meio, as relações com os
outros elementos de sua espécie e seu psiquismo.

O ser humano vem desenvolvendo formas mediadas de contato entre si e


com a natureza. Essas formas específicas de relação, esses instrumentos
construídos e utilizados pelo homem, alteram a realidade existente (externa e
psíquica) e, mais do que isso, constituem uma nova realidade: a realidade cultural.

A evolução filogenética constitui-se pela história de transformações da


atividade de trabalho, dos instrumentos utilizados nele, dos instrumentos semióticos
e das relações sociais que se estabelecem entre os homens. O mundo humano é,
então, o resultado da suplantação da ordem natural pela ordem da cultura. É
essencialmente da apropriação da cultura que derivam as possibilidades de
constituição e de desenvolvimento dos sujeitos.

Dada a evolução filogenética, os indivíduos que nascem dentro de uma


determinada cultura desenvolvem-se imersos numa realidade que já está constituída
e que é o resultado atual de uma história de transformações. Como diz Brasil (1988,

65 PÓS-GRADUAÇÃO
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p. 44), “[...] A primeira inscrição do sujeito é feita em relação a um sistema que


preexiste a ele. A ordem simbólica envolve a vida do homem numa rede tão
complexa que produz, antes de ele vir ao mundo, aquilo que vai engendrá-lo.”

O que é ontogênese?

A ontogênese, por sua vez, é entendida como o processo de transformação


do indivíduo em sujeito histórico-cultural; é o percurso do indivíduo como ser
biológico, imerso num mundo pleno de marcas culturais e que, no encontro com o(s)
outro(s), reorganiza seu psiquismo e emerge como homem.

Da perspectiva da psicologia histórico-cultural é necessário, a partir daí,


buscar novas categorias pelas quais seja possível entender como esse movimento
de humanização se processa; a unidade fundamental de análise forjada como
conceito explicativo é a atividade mediada. A mediação é a categoria que permite
entender a apropriação do mundo pelos sujeitos, as relações entre eles e a
emergência de processos psicológicos internos, chamados de processos mentais
superiores, e que marcam sua diferenciação em relação às capacidades dos
animais. Representa a base para todos os postulados da teoria histórico-cultural,
ocupando lugar de conceito básico.

66 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 13_ A Mediação Simbólica

O que é mediação?

É o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação: a


relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento.

Exemplificando, um indivíduo que aproxima sua mão à chama de uma vela e


a retira rapidamente ao sentir dor está estabelecendo uma relação direta entre o
calor da chama e a retirada da mão. Porém, se o indivíduo retirar a mão quando
apenas sentir o calor e lembrar-se da dor que sentiu em outro momento, a relação
entre a chama da vela e a retirada da mão será mediada pela lembrança da
experiência anterior. Ainda, se a retirada da mão for causada pelo aviso de alguém
para que ele não se queime, a relação estará sendo mediada pela intervenção
dessa outra pessoa.

O desenvolvimento histórico-cultural se dá através de três formas básicas de


mediação, de intervenções que ocorrem entre o indivíduo e o mundo
necessariamente interconectadas: a instrumental, a semiótica e a social.

Como se constitui o uso dos instrumentos?

O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu


trabalho. Por exemplo, a vasilha possibilita o armazenamento de água; o machado
que corta melhor que a mão humana. O instrumento constitui-se pela função para a
qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho
coletivo. Representa um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o
mundo.

A mediação pelos instrumentos refere-se à interposição de apoios externos,


concretos, que possibilitem ao indivíduo lidar com a realidade de uma forma indireta,
ampliando suas possibilidades de ação sobre o mundo. Desenvolver-se como ser

67 PÓS-GRADUAÇÃO
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humano significa apropriar-se dos instrumentos que a cultura produziu e produz, e


dominá-los em sua dimensão humana, no que se refere a seu uso, historicamente
definido.

Além dos instrumentos técnicos produzidos pela espécie humana, a


linguagem ocupa espaço privilegiado como instância mediadora: “a linguagem é o
traço distintivo da sociedade humana, pelo qual se instaura a cultura enquanto
sistema de intercâmbio simbólico” (Brasil, 1988, p. 27). Diferedos outros
instrumentos por suas características peculiares e possibilita uma forma particular de
mediação: a semiótica.

Como é o uso dos signos?

O signo é designado por Vygotsky como o “instrumento psicológico”. Tudo o


que o homem utiliza para representar, lembrar ou tornar presente o que está
ausente constitui um signo: os símbolos, as palavras, os desenhos etc. Ele age
como um instrumento da atividade psicológica de modo semelhante ao papel de um
instrumento no trabalho.

Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo, sendo sua função


provocar mudanças nos objetos. Os signos, por sua vez, são orientados para dentro
do indivíduo, promovem o controle de ações psicológicas, seja do ponto de vista do
próprio indivíduo, seja de outras pessoas. São ferramentas para os processos
psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos.

Para Vygotsky o signo é uma marca externa auxiliar para as tarefas que
exigem memória e atenção. Por exemplo, a utilização de palitos para o registro e
controle, a contagem de cabeças de gado, o que permite que o homem armazene
informações sobre quantidades bem superiores às que ele poderia memorizar.
Nesse sentido, os palitos são signos, são interpretáveis como representação da
realidade, podem referir-se a elementos ausentes do espaço e tempo presentes. A
memória mediada por signos torna-se muito mais capaz que a memória não
mediada.

68 PÓS-GRADUAÇÃO
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Como se relacionam os sistemas simbólicos e o processo de internalização?

Como vimos, Vygotsky trabalha com a ideia dos instrumentos e dos signos
como mediadores da atividade humana. Compara o papel dos instrumentos de
trabalho na transformação e no controle da natureza com o papel dos signos
enquanto instrumentos psicológicos, que se constituem em ferramentas que auxiliam
no controle da atividade psicológica. Nesta analogia com os instrumentos de
trabalho, os signos aparecem como marcas externas que funcionam como suporte
concreto para a atividade do homem no mundo.

Duas mudanças qualitativas importantes ocorrem com a evolução da espécie


humana e do desenvolvimento de cada indivíduo no uso dos signos. De um lado, a
utilização das marcas externas vai se transformando em processos internos de
mediação – que nada mais é que o assim chamado por Vygotsky: processo de
internalização.

De outro lado, ocorre o desenvolvimento de sistemas simbólicos, que


organizam os signos de forma estruturada, complexa e articulada. Tanto o processo
de internalização quanto a utilização de sistemas simbólicos são fundamentais para
o desenvolvimento dos processos mentais superiores e colocam em evidência a
importância das relações sociais na construção dos processos psicológicos.

69 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 14_ Pensamento e Linguagem

Tal como os homens historicamente criam e usam instrumentos na sua


relação com a natureza, com o fim de transformá-la e dominá-la, assim também
criam e usam, no curso da história, os signos – a linguagem, a escrita, os números –
pelos quais internalizam a cultura e se tornam capazes de agir como sujeitos
históricos produtores de cultura. A linguagem desempenha aqui um papel essencial
por ser constituidora da consciência e organizadora da ação humana.

E como linguagem e pensamento se inter-relacionam?

Para Vygotsky, há entre pensamento e linguagem uma unidade dinâmica de


elementos que são diferentes na sua gênese, mas que, no entanto, tornam-se
indissociáveis ao longo da evolução social do homem. Conectam-se e encadeiam-se
num movimento contínuo. E, na medida em que internaliza os sistemas de signos
produzidos culturalmente, a consciência do indivíduo sobre a realidade vai se
transformando, os processos mentais mudam, sua capacidade crítica vai sendo
construída, sua ação orientada. Nada se imobiliza ou congela, pois: a relação entre
o pensamento e a palavra é um processo vivo; o pensamento nasce por meio das
palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta e um
pensamento não expresso por palavras permanece uma sombra. A relação entre
eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do
desenvolvimento e também se modifica. (Vygotsky 1987, p. 131)

Nessa formação da consciência, a atividade do sujeito é fundamental. O


simples gesto de pegar, por exemplo, torna-se, para a criança, um ato com sentido
para a ação de apontar. Na constituição do psiquismo há, então, continuidade entre
os gestos e a linguagem, gestos que já são linguagem. Da mesma forma, se a
palavra é primeiramente apenas uma indicação, que se refere a objetos específicos
apontados e nomeados por diferentes atores do contexto social, aos poucos ela
caminha para significações generalizadas. Isso acontece no diálogo entre sujeitos
que vão descobrindo na palavra as infindas possibilidades de ampliarem a fala

70 PÓS-GRADUAÇÃO
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contextualizada muito além dos seus limites. Compreendida então a palavra na


intersubjetividade, fica visível o lugar privilegiado que ocupam as interações sociais
na construção de sentidos, e fica evidenciado o papel que ocupa a linguagem na
criação do sujeito.

Dessa forma, a atividade do sujeito – longe de ser vista como relação de um


suposto indivíduo isolado com objetos estanques do mundo físico – é percebida na
interação, sendo sempre mediada pelos signos linguísticos que são construídos
cultural e historicamente nas interações sociais. A constituição do psiquismo passa
pela linguagem, portanto, não como mera locução de palavras agregadas
logicamente, mas como produção e escolha de sentidos.

E o que dá sentido às palavras?

O contexto. Pois em contextos diferentes o sentido muda, enquanto o


significado permanece estável. Os sentidos se movem, são vivos; o significado é
cristalizado e só existe como abstração.

O que determina a escolha de um certo sentido pelo sujeito?

A motivação, a afetividade, as emoções. A comunicação direta entre duas


mentes é impossível, não só fisicamente como também psicologicamente. A
comunicação só pode ocorrer de forma indireta. A compreensão plena e verdadeira
do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetivo-
volitiva. (Vygotsky, 1987, p. 129)

Assim, exatamente porque as palavras e as frases que dizemos possuem


sempre um pensamento oculto por trás delas, para compreender a fala de alguém
não basta entender as suas palavras. Mais do que isso, é preciso compreender o
seu pensamento. Mas tampouco basta saber do seu pensamento: para
compreender o outro é necessário conhecer a sua motivação.

71 PÓS-GRADUAÇÃO
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Qual a dimensão que Vygotsky dá à linguagem?

A dimensão que Vygotsky dá à linguagem nos traz e nos conduz para a


produção cultural, artística e simbólica de um sujeito histórico criador de sentidos.
Para que se possa estudar alguma coisa historicamente é preciso estudá-la no seu
processo de mudança.

Entendendo que os fatos são sempre examinados à luz de alguma teoria e


não podendo, pois, o investigador desembaraçar-se da filosofia, como dele fala
Pereira (1987), Vygotsky procura construir uma teoria psicológica fundada na
concepção marxista do homem. Rejeita a situação que imperava na sua época, em
que a psicologia ora era vinculada a bases metafísicas e idealistas, ora reduzida a
fenômeno físico.

Acreditando que são as mudanças históricas na vida material, na sociedade e


na cultura, que produzem mudanças na consciência e no comportamento, Vygotsky
procura elucidar de que maneira esse processo ocorrena internalização dos signos
sociais. Para Vygotsky, historicamente, a psicologia herda o dilema enfrentado pela
filosofia de como explicar os níveis superiores do pensamento humano: pela sua
relação com a fisiologia ou por sua perspectiva racional?

A “crise” da psicologia ou seu “estado de cisão” está, portanto, no fato de


suas correntes permanecerem dualistas, já que umas se ocupam da “matéria” e
tentam reduzir tudo aos processos elementares (reflexos, reforços etc.); já as outras
tratam do “espírito”, da consciência ou da cultura sem se preocupar verdadeiramente
com as condições materiais de seu funcionamento.

Rompendo, então, tanto com o racionalismo idealista quanto com o


empirismo, Vygotsky contrapõe a essas tendências a possibilidade de compreender
o desenvolvimento humano à luz de seus determinantes econômicos e
socioculturais. Considerando os indivíduos como sujeitos sociais e destacando a
importância da sua história e da história dos grupos e classes em que estão
inseridos, ressalta o papel mediador e regulador da linguagem. Instrumento maior da

72 PÓS-GRADUAÇÃO
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atividade humana, a linguagem permite não só o contato com o mundo exterior, mas
também o contato “consigo mesma”, pois exerce uma função crucial no processo de
formação da consciência.

De que forma seus estudos representam uma ruptura com o dualismo


existente na psicologia?

Esse corte surge exatamente a partir do referencial teórico-metodológico de


suas pesquisas, à medida que, redefinindo o objeto, Vygotsky supera a dicotomia
descrição-explicação e redefine o próprio método de investigação; buscando estudar
processos de mudança e não objetos isolados, ele delineia uma psicologia
historicamente fundamentada em que procura compreensão do psiquismo na
história e no desenvolvimento; procurando a essência sob a aparência, desdobrando
uma análise dialética, Vygotsky se afasta tanto da abordagem naturalística quanto
do enfoque idealista e, ainda, da concepção organicista de Piaget.

73 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 15_ Desenvolvimento e Aprendizagem

Nesse sentido, ao aprofundar as suas análises sobre o desenvolvimento


humano, Vygotsky se recusa a aceitar:

I) A teoria que vê independência entre aprendizado e desenvolvimento;

II) A abordagem que identifica o desenvolvimento com a aprendizagem;

III) A concepção que tenta conciliar as duas tendências anteriores.

E por que as rejeita?

A primeira – da qual Piaget é exemplo – porque ela considera que o


desenvolvimento sempre se adianta ao aprendizado, excluindo a possibilidade de
que também o aprendizado tenha um papel relevante no desenvolvimento. A
segunda – na qual Vygotsky reconhece a reflexologia – porque aprendizagem e
desenvolvimento são encarados como acumulação gradativa de reflexos
condicionados. A terceira – exemplificada no gestaltismo - porque, embora
apresente aspectos novos, afirma que “as capacidades mentais funcionam
independentemente do material com que elas operam” (Vygotsky, 1984, p. 93)

Além de rejeitá-las, porém, Vygotsky anuncia uma nova abordagem


para uma velha questão.

Se podemos, com segurança, afirmar que o aprendizado começa muito antes


da entrada da criança na escola, podemos afirmar também que o aprendizado
escolar produz algo novo no desenvolvimento infantil.

74 PÓS-GRADUAÇÃO
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Como Vygotsky explica esse processo?

Propondo o conceito de zona de desenvolvimento proximal, ao lado do nível


de desenvolvimento real (manifesto na ação) e do nível de desenvolvimento
potencial (expresso por intermédio da solução de problemas pela criança sob
orientação de um adulto ou em colaboração com outros parceiros).

Segundo Vygotsky, enquanto o nível de desenvolvimento real caracteriza o


desenvolvimento mental retrospectivamente, e o nível de desenvolvimento potencial
caracteriza-o prospectivamente, a zona de desenvolvimento proximal define as
funções que estão em processo de maturação. Querdizer, o que é hoje zona de
desenvolvimento proximal, amanhã será nível de desenvolvimento real. E, nesse
sentido, os diversos problemas que a criança soluciona hoje, em situação de
cooperação com adultos ou com outras crianças, serão amanhã resolvidos por ela.
(sozinha)

Para Vygottsky, “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social


específica e um processo pelo qual as crianças penetram na vida intelectual dos que
as cercam”. (Vygotsky, 1984, p. 99)

Como decorrência, se a situação de ensino é adequadamente organizada, o


aprendizado não só deriva em desenvolvimento, como também é capaz de
desencadear vários processos, o que não aconteceria espontaneamente. É por isso
que “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
(Vygotsky, 1984, p. 101)

É nesse sentido que Vygotsky aborda a inter-relação entre os conhecimentos


científicos e os conhecimentos espontâneos, caso específico da relação entre
desenvolvimento mental e aprendizado escolar. Para ele, os conceitos científicos e
os conceitos espontâneos da criança surgem de formas diferentes e se movimentam
(ou desenvolvem) em direções contrárias: os científicos em direção descendente, os
espontâneos em direção ascendente.

75 PÓS-GRADUAÇÃO
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Contudo, os dois tipos de conhecimentos relacionam-se fortemente: os


conceitos cotidianos abrem caminho para os científicos e estes, simultaneamente,
ao se desenvolverem fornecem estruturas para o desenvolvimento dos conceitos
espontâneos. A disciplina formal dos conceitos científicos transforma gradualmente
a estrutura dos conceitos espontâneos da criança e ajuda a organizá-los num
sistema; isso promove a ascensão da criança para níveis mais elevados do
desenvolvimento. (Vygotsky, 1985, p. 100)

Logo, o desenvolvimento do conhecimento na história da humanidade não se


identifica com as etapas do desenvolvimento individual. Todo fenômeno tem a sua
história marcada por mudanças qualitativas e quantitativas. O que está em jogo é a
compreensão de como o mundo externo se torna interno ou, em outras palavras,
“como a natureza sociocultural das pessoas se torna igualmente sua natureza
psicológica” (Souza e Kramer, 1991, p. 72). E, nesse processo, a linguagem emerge
exercendo uma função primordial.

76 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 16_ A Influência da Abordagem Histórico-Cultural na Escola

Como vimos, o desenvolvimento é entendido por Vygotsky como um processo


de internalização de modos culturais de pensar e agir que tem seu início nas
relações sociais, e, por meio da linguagem e do jogo, adultos e crianças mais
experientes compartilham com a criança seus sistemas de pensamento e ação.

Como a aprendizagem é considerada um processo que impulsiona e suscita o


desenvolvimento, tudo o que a criança aprende com o outro vai sendo elaborado por
ela, vai incorporando a ela, transformando seus modos de agir e pensar. Assim, para
Vygotsky, o conhecimento do mundo passa pelo outro e a educação, muito mais que
exercer influência sobre os processos evolutivos, reestrutura de modo fundamental
todas as funções do comportamento.

Os processos de aprendizado transformam-se em processos de


desenvolvimento e modificam os mecanismos biológicos da espécie. O
desenvolvimento psicológico está diretamente relacionado às condições sociais em
que é produzido, dos modos como as relações sociais cotidianas são organizadas e
vividas, e do acesso às práticas sociais.

Vygotsky então coloca em discussão os indicadores de desenvolvimento


utilizados pela psicologia da época. Os psicólogos consideravam apenas as tarefas
e as atividades que a criança era capaz de realizar sozinha, sem a colaboração do
outro. Dessa forma, avaliavam somente o nível de desenvolvimento real, ou seja, o
nível de desenvolvimento de funções mentais de processos de desenvolvimento já
concluídos.

Somente lembrava Vygotsky que, em situações cotidianas e mesmo


escolares, pode-se perceber que as atividades realizadas pela criança de modo
independente, como amarrar os sapatos e escrever, forma anteriormente
compartilhada com outras pessoas. Sua proposta era a de que se trabalhasse
também com os indicadores de desenvolvimento proximal, que poderiam revelar os
modos de agir e de pensar ainda em elaboração e que requerem a ajuda de outras

77 PÓS-GRADUAÇÃO
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pessoas para serem realizadas. Os indicadores do desenvolvimento proximal seriam


as soluções que a criança consegue atingir com a orientação e a colaboração de um
adulto ou de outra criança mais experiente.

Segundo Vygotsky, a observação da atividade compartilhada da criança


possibilita um olhar para suas capacidades futuras, isto é, o que a criança é capaz
de fazer com a colaboração do outro hoje ela será capaz de fazer de forma
independente amanhã. O que é desenvolvimento proximal hoje será o nível de
desenvolvimento real amanhã. Enfatiza que, para possibilitar e consolidar o
desenvolvimento proximal, a criança necessita da mediação do outro. O mero
contato da criança com objetos de conhecimento não garante a aprendizagem nem
promove necessariamente o desenvolvimento.

Qual o papel do professor nessa concepção?

O professor tem um papel explícito de atuação na zona de desenvolvimento


proximal dos alunos e provoca avanços que não ocorreriam de forma espontânea.
Para Vygotsky, “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”. A
criança não consegue percorrer sozinha o caminho do aprendizado, sendo
fundamental a intervenção de outras pessoas para a promoção do desenvolvimento
do indivíduo.

O que vem a ser a mediação pedagógica ? Como o professor passa a


ser reconhecido como o outro no processo de desenvolvimento?

Se pensarmos que a participação de outros sujeitos torna-se fundamental


para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, a participação de sujeitos orientados
para promover desenvolvimento é especialmente importante. É o professor que
ocupa em nossa cultura este lugar de destaque. E inserido no contexto da zona de
desenvolvimento proximal é que se efetiva a mediação pedagógica.

O conceito de mediação pedagógica surge em contraposição às mediações


cotidianas e diferencia-se delas pelas características de intencionalidade e
sistematicidade.

78 PÓS-GRADUAÇÃO
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A mediação pedagógica é diretamente relacionada ao ensino escolar,


entendendo-se que na instituição escolar as circunstâncias de ensino poderiam ser
efetivamente favoráveis e promotoras de desenvolvimento. A oportunidade de se
inserir no contexto escolar e a mediação pedagógica são instâncias fundamentais
para o desenvolvimento, como consideram os teóricos da teoria histórico-cultural.

A escola é o lugar socialmente adequado para a apropriação os saberes


humanos e deve ser organizado para possibilitar mediações qualitativamente
diferentes e o professor, dentro da escola assim concebida, pode ser um
instrumento capacitado para promover aos sujeitos nela inseridos um avanço para
além dos níveis de desenvolvimento já consolidados na esfera de suas
competências individuais, e criar zonas de desenvolvimento proximais, no contexto
pedagógico.

79 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 17_ Crescimento e Desenvolvimento: O Biológico, o


Psicológico e o Social

De maneira geral, nos primeiros meses de vida, a criança apresenta um ritmo


rápido de crescimento. Com dois anos de idade, a criança adquire a metade da
altura do seu desenvolvimento físico completo. Aproximadamente dos três aos onze
anos, o crescimento é mais lento, porém regular. Na adolescência acontece nova
aceleração, geralmente conhecida como o estirão da adolescência. Durante alguns
anos há um aumento de cerca de dez centímetros por ano.

Por volta dos dezoito anos de idade, o crescimento físico se completa para a
maior parte das pessoas. Porém, há uma grande variabilidade de indivíduo para
indivíduo, tanto no que diz respeito ao momento de aceleração do crescimento
quanto à taxa de crescimento.

Acontecem contínuas mudanças nas dimensões das partes do corpo durante


o crescimento físico em proporções diversas e que atingem o seu limite em
momentos diferentes do processo. Os pés e as mãos são partes que têm um
desenvolvimento rápido durante a adolescência. Em seguida, podemos observar a
vez dos braços e das pernas. Há um período em que pés, mãos, braços e pernas
são desproporcionais em relação ao corpo, pois o tronco se constitui na parte do
corpo que apresenta um crescimento mais lento. Podemos assim pensar nas
dificuldades que o adolescente enfrenta para a sua adaptação a tais mudanças e
diferenciais das dimensões de seu corpo.

Que fatores interferem no crescimento físico?

Entre os fatores que interferem no desenvolvimento físico podemos citar:


hereditariedade, nutrição e saúde, equilíbrios hormonais, estados emocionais. Os
padrões de crescimento comuns à raça humana, que ocorrem em fases específicas,
pressupõem a existência de um processo de maturação como um dos agentes
dessas mudanças. Como um dos aspectos determinados pelos fatores genéticos
podemos pensar na sequência das mudanças na estatura. Porém, a altura que cada

80 PÓS-GRADUAÇÃO
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pessoa terá na fase adulta é um fator herdado, se pensarmos no aspecto individual


da herança genética.

Como vimos, o crescimento corporal é muito influenciado por fatores


hereditários. No entanto, a má nutrição, as enfermidades e o estresse, se forem
severos e prolongados, provavelmente terão efeitos negativos sobre o crescimento
físico. O desenvolvimento físico está diretamente relacionado à nutrição. Crianças
que não têm uma alimentação adequada tendem a ser mais baixas, a pesar menos
e, geralmente, apresentam um ritmo de crescimento mais lento quando comparadas
àquelas que se alimentam adequadamente.

Assim como as doenças prolongadas podem causar sérios danos ao


crescimento, se não forem superadas adequadamente, um ambiente tenso também
pode inibir o crescimento físico, o que acarreta mudanças rítmicas e inibitórias do
potencial de desenvolvimento.

Podemos entender o crescimento da criança como um processo


puramente biológico.

O crescimento humano não deve ser entendido como uma mera manifestação
do biológico, mas também como a expressão das condições existentes no mundo
social. Dessa maneira, o crescimento humano ocorre em um espaço que apresenta
contínua transformação pela ação social. Nele, o psíquico e o biológico encontram-
se em contínua interação, de modo que o primeiro impulsiona o seguinte em direção
a sucessivas modificações.

As possibilidades de crescimento da criança existem como capacidades


biopsicológicas potenciais. Assim, a realização dessas capacidades depende das
condições socioculturais disponíveis. É possível considerar que o crescimento e o
desenvolvimento são processos inseparáveis, ainda que distintos. A curva do
crescimento nem sempre coincide com a do desenvolvimento. A primeira tem a
tendência de atingir seu ponto mais alto quando a maturação biológica é alcançada.
Já a curva do desenvolvimento é contínua e acompanha o homem por toda a sua
vida. O processo de crescimento termina com o aparecimento de um tipo adulto que

81 PÓS-GRADUAÇÃO
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é previsto geneticamente. Com relação ao processo de desenvolvimento, este


favorece a construção de um padrão de individualidade que caracteriza determinada
sociedade. Os dois processos produzem mudanças físicas, mentais, emocionais e
sociais no indivíduo.

Dessa forma, a compreensão do crescimento e do desenvolvimento humanos


exige que se pense no homem, não apenas considerando o aspecto biológico, mas,
principalmente, como alguém que se encontra historicamente determinado.

82 PÓS-GRADUAÇÃO
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Aula 18_ A Aquisição dos Conceitos Científicos e Espontâneo

No processo do conhecimento é importante considerar a presença do sujeito


– representando “alguém” que conhece – e do objeto – que vem a ser o “algo” a ser
conhecido – e entre eles estabelecer relações que culminem num elemento
mediador. É o mesmo que fazermos uma comparação entre o trabalho material e o
trabalho intelectual. Nos dois casos são empregados instrumentos que atuam como
mediadores na relação sujeito/objeto.

No trabalho material, o lavrador, por exemplo, que é o sujeito, tem a enxada,


o instrumento “físico”, que permite a ele atuar sobre a matéria-prima, que é a
natureza. No trabalho intelectual, os conceitos, ou seja, as propriedades abstratas
aprendidas a partir da interação com objetos e eventos, nas mais variadas
situações, são os principais instrumentos.

A partir do momento em que a criança adquire a linguagem, os conceitos se


expressam por meio de palavras as quais representam generalizações de objetos,
eventos ou fenômenos.

Veja um exemplo desses conceitos:

A palavra “gato”, por exemplo, refere-se a diferentes raças, cada uma com
suas peculiaridades, as quais são abstraídas e resumidas no conceito “gato”. Mas, à
medida que a criança se desenvolve, os conceitos expressos pelas palavras vão
ganhando graus cada vez maiores de abstração e, consequentemente, de
generalização. Isso quer dizer que o sujeito sempre apreende novas propriedades
ou características do objeto, evento ou fenômeno, aumentando o seu conhecimento
sobre ele e expande assim o alcance do conceito que exprime tal conhecimento.
“Gato, mamífero, vertebrado, animal, ser vivo” formam uma sequência de palavras
que, partindo do objeto concreto “gato”, adquirem uma abrangência cada vez maior,
dependendo do grau de abstração e generalização que o conceito oferece. “Ser

83 PÓS-GRADUAÇÃO
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vivo”, por exemplo, por ser mais abstrato e geral do que “gato”, abrange mais
elementos, como plantas, pessoas e animais.

A criança constrói os conceitos tanto a partir de sua experiência individual


quanto a partir dos conhecimentos transmitidos na interação social, especialmente
na escola. Os conceitos adquiridos pela experiência individual são chamados de
“espontâneos”, pois se referem a objetos ou situaçõesem que a criança observa,
manipula e vivencia diretamente. Os conceitos alcançados pela atuação da escola
são denominados “científicos” por se referirem a eventos não diretamente acessíveis
à observação ou ação imediata. Portanto, conceitos espontâneos e científicos
diferem-se por se distanciarem da experiência concreta, o que implica,
necessariamente, em processos da construção também distintos.

Voltemos ao conceito “gato”

Construído no dia-a-dia pela criança pequena, não é o mesmo que o conceito


de “ser vivo” aprendido nas aulas. Este conceito ensinado na escola promove
intencionalmente uma percepção mais ampla, mais abstrata e mais generalizante do
que o conceito “gato” construído pela criança em sua vivência cotidiana.

Por isso, a instrução escolar assume um papel fundamental ao propiciar a


construção de conceitos científicos. Faz com que a criança perceba a articulação
entre diferentes conceitos, incluindo-os em um sistema hierárquico de abstrações.
Quando a criança toma consciência desse sistema conceitual e é capaz de localizar
nele o lugar de cada conceito, seu raciocínio ganha muito mais flexibilidade e
agilidade.

Para que um conceito se torne consciente é necessário que esteja incluído


em um sistema no qual conceitos mais abstratos englobam os menos abstratos.
Assim, uma criança pode ter os conceitos de “gato” e de “ser vivo” sem se dar conta
de que “ser vivo” é mais amplo do que “gato” e, por isso, mais abstrato. Nesse caso,
não ocorre nenhuma relação entre os dois conceitos, permanecendo justapostos.
Somente quando há consciência de que o conceito de “ser vivo” envolve não apenas
o de “gato”, mas também o de outros animais, plantas e pessoas, é que se pode

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dizer de um processo de elaboração de um sistema conceitual. Uma vez constituído,


esse sistema conceitual altera radicalmente a forma de a criança pensar e adquirir
conhecimentos.

Como se dá essa relação na escola?

Ao contrário das situações de experiência direta da criança, a relação entre


cada conceito e o objeto, fenômeno ou evento, ocorrerá sempre mediante outros
conceitos. A criança aprende conceitos que não são providos pela sua vivência
imediata.

A formação do sistema conceitual está em estreita dependência da


aprendizagem de conceitos científicos veiculados na escola e, só posteriormente,
estendendo-se aos conceitos espontâneos adquiridos na vida cotidiana. Esse é o
motivo pelo qual é mais fácil a criança utilizar a noção de causalidade em relação a
conceitos científicos do que aplicá-los a conceitos espontâneos. A ação do professor
de explicitar as relações de causa e efeito faz com que a criança aprenda por meio
dessa cooperação, faça uso dos resultados por ela trazidos, de modo que construa a
noção de causalidade apoiada em um sistema conceitual mais geral.

Essa mesma noção, quando aplicada voluntariamente sobre conceitos


espontâneos, implica maiores dificuldades devido à falta de consciência de seus
conceitos espontâneos por parte da criança.

A capacidade de definir os conceitos espontâneos por meio de palavras e


operar com eles de forma deliberada aparece mais tardiamente do que no caso dos
conceitos científicos. Estes, por sua vez, começam por sua definição verbal; desde o
início são tratados de modo diverso porque fazem uso de outras palavras, de outros
conceitos.

Estes dois tipos de conceitos são relacionados?

Sim. Embora distintos, eles são mutuamente relacionados. Os conceitos


científicos possuem maior sistematicidade, mas faltam-lhes a riqueza e a
diversidade de detalhes advindos da experiência pessoal. Os conceitos

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espontâneos, embora sejam plenos de significados, carecem de consciência e, por


isso, carecem da empregabilidade voluntária. Eles se desenvolvem em sentidos
opostos, mas encontram-se intimamente relacionados.

Os conceitos espontâneos da criança se desenvolvem “de baixo para cima”


em direção a níveis cada vez mais abstratos. Os conceitos científicos se
desenvolvem “de cima para baixo”, ou seja, em direção a níveis cada vez mais
concretos. Assim, considerando estas relações necessárias, é mais proveitoso
trabalhar no início da escolarização os conteúdos a partir dos conceitos que se
apoiam na experiência imediata dos alunos, ou seja, os espontâneos.

Os conceitos espontâneos, ao se dirigirem “para cima”, abrem espaço para


que os conceitos científicos se encaminhem “para baixo”, ganhando vitalidade e
concretude. Os conceitos científicos, por sua vez, asseguram aos espontâneos a
inserção em um sistema hierárquico de abstrações, tornando-se conscientes e
permitindo o seu uso voluntário.

Conceitos científicos e espontâneos influenciam-se mutuamente, e dependem


sempre um do outro para se desenvolverem na consciência da criança.

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Aula 19_ As Interações entre as Crianças e a Importância da


Brincadeira para o Desenvolvimento

O brincar constitui-se como fundamental para o desenvolvimento infantil. É a


atividade principal das crianças quando não estão às voltas com suas necessidades
básicas, como o repouso ou a alimentação etc. Todas as crianças se envolvem nas
brincadeiras, têm interesse por elas e se informam por meio delas. As brincadeiras
são envolventes no sentido de que colocam a criança em um contexto de interação
de suas atividades físicas e simbólicas; são interessantes por canalizarem,
orientarem e organizarem as energias da criança, dando-lhe forma de atividade ou
ocupação e, ainda, são informativas pois, neste contexto, ela pode aprender sobre
as características dos objetos, os conteúdos pensados ou imaginados.

O brincar é prazeroso por si mesmo. Na perspectiva da criança, brinca-se


pelo prazer de brincar, e não porque suas consequências sejam positivas ou
preparadoras de alguma outra coisa. Do ponto de vista do desenvolvimento, a
brincadeira se torna fundamental, pois possibilita à criança aprender consigo
mesma, com os objetos ou pessoas envolvidas nas brincadeiras, nos limites de suas
possibilidades e de seu repertório. Tais elementos quando mobilizados no contexto
da brincadeira organizam-se de várias maneiras, criam conflitos, diálogos, praticam
argumentações, resolvem ou possibilitam o enfrentamento de problemas.

O brincar implica em atenção (no sentido de que envolve muitos aspectos


inter-relacionados) e concentração, no sentido de que requer um foco motivador
para as brincadeiras e ainda supõe a disponibilidade, já que as coisas mais
importantes da vida da criança – o espaço, o tempo, o seu corpo, os seus
conhecimentos, suas interações com outras pessoas, objetos e atividades – são
todas oferecidas em uma situação na qual, frequentemente, é a única protagonista,
a responsável pelas ações e fantasias que compõem a atividade. Para os
adolescentes ou mesmo para os adultos o brincar continua com a mesma função: é
a retomada da criança que foi, um dia, a importância para as coisas pelo gosto e

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pelo valor que tinham em si mesmas, pelos benefícios ou consequências inerentes


ao próprio ato de sua realização.

Qual é o papel do brincar no desenvolvimento?

A atividade lúdica possibilita a apropriação do mundo pela criança e é através


dela que o mundo humano penetra em seu processo de constituição enquanto
sujeito histórico. A teoria histórico-cultural entende o brincar enfatizando sua
importante participação na constituição do sujeito e busca analisar os elementos
desta atividade que capacitam o indivíduo a dominar mais conhecimentos, modos de
agir e de relação entre sujeitos e os processos psicológicos necessários dentro de
sua cultura. Trata-se de uma atividade que permite ao sujeito que brinca romper os
limites do que ele já é, experimentar aquilo que pode ser, enquanto sujeito integrado
em sua cultura.

Podemos considerar uma criança como parceira de desenvolvimento de outra


criança?

A criança pequena vai adquirindo maior coordenação dos papéis que assume
nas situações em que realiza ações conjuntas, como nas brincadeiras infantis. Por
meio das brincadeiras ela começa a entender o que os outros pensam e busca
adequar ativamente seu espaço com o de seus parceiros. As brincadeiras de faz-de-
conta, brincar de ser outras pessoas ou personagens, assumem um fundamental
papel em seu desenvolvimento.

Contudo, nem sempre os educadores entendem a relevância das brincadeiras


e costumam dizer: “as crianças estão só brincando”, como se esse momento fosse
desprovido de algum sentido ou importância. O jogo simbólico, ou jogo de
representações, leva à construção pela criança de um mundo de situações
imaginárias, no qual objetos são substituídos por outros, conforme a criança os
emprega com gestos e falas adequadas.

Nessa situação, a criança faz a leitura das regras embutidas nos atos sociais,
as regulações culturais que fazem com que seja a mãe que fique em casa, enquanto
o pai sai para o trabalho, em certos grupos sociais, por exemplo. A criança vai

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experimentando vários papéis no brincar e pode verificar as consequências agindo


dessa ou daquela forma. Assim, há a internalização de regras e o desenvolvimento
do sistema de valores que orientarão seu comportamento. Ao exercitar e assumir
diferentes papéis com os quais a criança interage em seu cotidiano, na brincadeira
infantil podem-se criar novas significações, novas formas ou novos papéis e afastar-
se de significados já estabelecidos. Outra importante função da brincadeira de faz-
de-conta é que ela permite que a criança reviva situações que podem ter lhe
causado muita excitação e alegria ou medo, raiva e ansiedade, o que pode, nesse
momento, expressar e trabalhar tais emoções ou mesmo investigar questões que
deseja compreender melhor.

Ainda, o prazer pelas histórias de bruxas e fadas tem uma origem


semelhante. A criança identifica-se com os personagens e revive com eles emoções
e sentimentos contraditórios, como o medo da punição e de rebeldia aos pais. A
situação de fantasia possibilita o distanciamento que é extremamente importante
para o trabalho com as emoções mais intensas, da mesma maneira como ocorre
para os adultos.

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Aula 20_ O Desenvolvimento Afetivo e Cognitivo

Piaget considerou o desenvolvimento intelectual como um processo que


ocorre por toda a vida e que se apresenta como tendo os aspectos cognitivo, afetivo
e social. Ele reconheceu a dimensão afetiva como importante a partir dos seus
primeiros escritos. Uma leitura cuidadosa dos trabalhos de Piaget deixa claro que
uma visão do desenvolvimento intelectual que inclua apenas o desenvolvimento
cognitivo sem levar inteiramente em consideração os aspectos afetivos é
incompleta. Quando questionamos “o que a criança sabe”, estamos procurando
saber o conhecimento que ela tem naquele momento, queremos saber como são os
seus esquemas, o tipo de raciocínio que ela é capaz de fazer. Porém, quando
perguntamos “como a criança adquire o conhecimento”, estamos procurando
informações sobre o processo do desenvolvimento intelectual e os seus aspectos
cognitivos e afetivos.

Na teoria piagetiana, o conhecimento se desenvolve quando a criança faz


assimilações e acomodações das experiências. A desequilibração ocorre quando
uma experiência ou pensamento revela-se inconsistente com aquilo que os
esquemas da criança podem apreender no momento. Portanto, para haver atenção
à experiência ou pensamento, há uma seleção. É o “estar atento para”, um ato de
seleção, que determina quais eventos provocam o desequilíbrio e resultam em
desenvolvimento cognitivo. Tais decisões são tomadas pelo sistema afetivo que
inclui sentimentos, interesses, impulsos, tendências e valores.

Na concepção de Piaget, as dimensões afetiva e cognitiva desempenham um


importante papel no desenvolvimento intelectual. A afetividade decide quais
experiências são selecionadas para a construção e, metaforicamente, quais idéias
vivem ou quais morrem. Enfim, o desenvolvimento intelectual é uma unidade que
compreende as duas dimensões: o afetivo e o cognitivo.

A perspectiva interacionista de aquisição de conhecimento cria possibilidades


para o futuro da educação. Esse referencial não detém todas as respostas e nem
mesmo constitui-se em uma teoria da educação. O que ele pode fazer é nos ajudar

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a construir uma compreensão mais realista da criança e de como ela constrói o


saber, bem como a influência da afetividade e da atividade social sobre o
desenvolvimento.

Em última análise, esperamos por nossas crianças que possam aprender a


aprender, tenham confiança em si mesmas, sejam respeitadas e sintam
compromisso em relação a ideias, objetos e pessoas. Os interacionistas propõem
uma adaptação social mais adequada e um equilíbrio entre mudança e estabilidade
social.

Leia a carta que Kafka escreveu a seu pai:

Eu não prestava para nada. Tu me encorajavas, por exemplo,


quando eu caminhava em passos marciais e cumprimentava
corretamente, mas eu não era um futuro soldado; ou me encorajavas
quando eu conseguia comer copiosamente ou até beber cerveja,
quando repetia canções que não entendia ou papagueava as tuas
frases favoritas, mas nada disso pertence a um futuro. E é
significativo que ainda hoje só me encorajas nas coisas que te tocam
pessoalmente, quando o teu sentimento do próprio valor está em
causa, seja porque o firo (por exemplo, pelo meu projeto de
casamento), seja porque é ferido através de mim (por exemplo,
quando Pepe me insulta. Para que poderia me servir o
encorajamento, se ele só se manifesta quando, em primeiro lugar,
não se trata de mim?

A impossibilidade de ter relações pacíficas contigo teve ainda uma


outra consequência, muito natural, na verdade: eu perdi o uso da
fala... Desde cedo me proibiste de tomar a palavra: “Nada de
respostas” dizias. Esta ameaça e a mão erguida que a sublinhava
acompanharam-me o tempo todo. Diante de ti – quanto se tratavam
teus próprios negócios era um excelente orador – adotei uma forma
de falar entrecortada e gaguejante, mas isso ainda foi demais para o

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teu gosto e acabei por me calar, no começo por desafio, talvez,


depois porque já não era capaz de pensar nem de falar na tua
presença. E como tu eras um verdadeiro educador, os efeitos de
tudo isso fizeram-me sentir em toda minha vida.

Se eu tivesse te obedecido menos, certamente estarias muito mais


satisfeito comigo. Ao contrário do que pensavas, o teu sistema
pedagógico atingiu em cheio o seu objetivo: não escapei a nenhum
ato de posse tal como sou, eu sou o resultado da tua educação e da
minha obediência. Tu dizias: “Nada de respostas”, querendo desse
modo fazer com que emudecessem em mim as forças que te eram
desagradáveis; mas o efeito foi demasiadamente forte, eu era
demasiado obediente e tornei-me inteiramente mudo.

Casar, fundar uma família, aceitar todos os filhos que nasçam, fazê-
los viver num mundo incerto e mesmo, se possível, guiá-los um
pouco, eis – estou disso persuadido – o grau extremo do que um
homem pode esperar... Não são muitos os que verdadeiramente o
conseguem e, depois, esse pequeno número não “faz” geralmente
coisa alguma, ele “submete-se” tão somente a qualquer coisa.
(KAFKA apud SALTINI, 1997)

Para Saltini (1997), esta carta de Kafka a seu pai demonstra a revolta contra o
medo, a força fundamental de uma educação. Ainda no princípio deste século, a
prática da autoridade educativa priva a criança de toda e qualquer possibilidade de
oposição ou de afirmação como pessoa. Para o autor, a excessiva autoridade na
educação, tanto familiar quanto escolar, somente promoverá um sentimento de
insegurança fundada no medo, na hostilidade e na revolta.

Nesta carta, além de um desabafo de Kafka, existe uma confissão de cada


um de nós a todos aqueles que de uma forma consciente ou inconsciente nos
proibiram de sermos. O poder da violência do pai ou educador dissimulados sob a
máscara do liberalismo.

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A liberdade da criança é sempre ilusória; esta tem sempre de executar aquilo


que é previsto para ela e não tem outra saída senão adaptar-se a um mundo
construído para castrar e oprimir.

Para ser válida, toda educação, toda ação educativa deve


necessariamente estar precedida de uma reflexão sobre o homem e
de uma análise profunda do meio de vida concreta do homem
concreto a quem se deseja educar ou, para dizer melhor, a quem se
quer ajudar para que se eduque.

Se falta uma tal reflexão sobre o homem, corre-se o risco de adotar


métodos educativos e maneiras de fazer que reduzem esse homem
à condição de objeto, projeção de mal formadas e deterioradas
representações que temos deste.

Respeitar a vocação do homem, de ser sujeito e não objeto torna-se


fundamental. Na ausência de uma análise do meio cultural e
concreto se corre o risco de realizar uma educação pré-fabricada e
castradora.

Para ser válida, a educação deve levar em conta o fato primordial do


homem, ou seja, sua vocação ontológica, que é tornar-se sujeito,
situado no espaço e no tempo, no sentido de que vive em uma época
precisa, em um lugar preciso, em um contexto social e cultural
preciso. O homem é um ser com raízes espaço-temporais e cabe-lhe
a transformação. (PAULO FREIRE apud SALTINI, 1997)

O homem é, portanto, o resultado da ação da transformação da realidade e


de sua adaptação a ela, seguido da consciência de sua capacidade de transformá-
la.

Saltini (1997) não acredita que os atos de poder sobre a criança sejam frutos
de uma intencionalidade maléfica do adulto, seja ele pai ou professor.

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“Saber – poder – autoridade” constituem os elementos fundamentais de um


camuflado “chicote” sobre o pequeno ser que leva o nome de “aluno”, que só deseja
crescer, desenvolver-se e entender. As dificuldades da aprendizagem em crianças
que dificilmente aprendem ou nunca chegam a aprender mostram uma deficiência
na construção do real em termos de representações, estruturas lógico-matemáticas
e até mesmo dificuldades de desenvolvimento funcional do próprio pensamento.

Devemos nos perguntar: “onde repousa a etiologia destes problemas?


Será que o meio ainda opressor, castrador e violento em que vive a criança
(aluno) nada a tem a ver com isso?

Diante disso, cabe ao educador transformar o mundo em que vivemos na


medida das possibilidades tanto internas, relativas à nossa coragem, quanto
externas, naquilo que a cultura nos permite.

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