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Reinaldo Matias Fleuri

Intercultura e educação*

Reinaldo Matias Fleuri


Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação

Introdução âmbito nacional, outras questões que ocorrem em âm-


bito internacional vêm desafiando os estudos no cam-
Desde o lançamento dos Parâmetros Curriculares po da intercultura. A globalização da economia, da
Nacionais, que elegeram a pluralidade cultural como tecnologia e da comunicação intensifica interferências
um dos temas transversais (Brasil, Ministério da Edu- e conflitos entre grupos sociais de diferentes culturas,
cação, 1997), o reconhecimento da multiculturalidade particularmente na conjuntura recentemente agravada
e a perspectiva intercultural ganharam grande relevân- por ações políticas de caráter belicista por parte de
cia social e educacional com o desenvolvimento do nações hegemônicas, assim como pelas diversas for-
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indí- mas de “terrorismo” desenvolvidas por organizações
genas, com as políticas afirmativas das minorias étni- fundamentalistas. Diante desses problemas, diferen-
cas, com as diversas propostas de inclusão de pessoas tes iniciativas e movimentos vêm desenvolvendo pro-
portadoras de necessidades especiais na escola regu- postas de educação para a paz, para os direitos huma-
lar, com a ampliação e reconhecimento dos movimen- nos, para a ecologia, para os valores etc.
tos de gênero, com a valorização das culturas infantis e Tais propostas educativas pressupõem a renova-
dos movimentos de pessoas de terceira idade nos dife- ção dos paradigmas científicos e metodológicos. Nessa
rentes processos educativos e sociais. direção, o pensamento complexo, as relações inter-
Além desses temas, que vêm se consolidando em disciplinares, o desenvolvimento da telemática, abrem
novas perspectivas epistemológicas indispensáveis
* Contribuíram na elaboração dos subsídios para este artigo para a compreensão e promoção da transversalidade
Maria Izabel Porto de Souza, Silvana Maria Bitencourt e Lia Vainer das relações interculturais (Yus Ramos, 1998, p. 10).
Schucman, principalmente por ocasião da construção das seguin- Em todos estes movimentos sociais e educacio-
tes publicações precursoras: Souza (2002); Souza e Fleuri (2003); nais que propõem a convivência democrática entre
Fleuri, Bitencourt e Schucman (2002). diferentes grupos e culturas, em âmbito nacional e

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internacional, assim como a busca de construir refe- relação entre grupos “folclóricos”; há quem amplia o
renciais epistemológicos pertinentes, o trabalho in- conceito de interculturalidade de modo a compreen-
tercultural pretende contribuir para superar tanto a der o “diferente” que caracteriza a singularidade e a
atitude de medo quanto a de indiferente tolerância ante irrepetibilidade de cada sujeito humano; há ainda
o “outro”, construindo uma disponibilidade para a quem considera interculturalidade como sinônimo de
leitura positiva da pluralidade social e cultural. Tra- “mestiçagem”.
ta-se, na realidade, de um novo ponto de vista basea- Também o adjetivo “transcultural” é utilizado
do no respeito à diferença, que se concretiza no reco- segundo diferentes sentidos. É entendido às vezes
nhecimento da paridade de direitos. como elemento transversal já presente em diferentes
Tal perspectiva configura uma proposta de “edu- culturas (universais culturais inscritos na estrutura
cação para a alteridade”, aos direitos do outro, à igual- humana), ou então como produto original da hibridi-
dade de dignidade e de oportunidades, uma proposta zação de elementos culturalmente diferentes.
democrática ampla que, no mundo anglo-saxão, se A dificuldade de se controlar o entrelaçamento
define como Multicultural Education (EUA, Canadá, da terminologia e de interpretar corretamente o con-
Grã-Bretanha), e que, nos outros países da Europa, junto das diferentes propostas, impede-nos de produ-
assume diferentes denominações: pedagogia do aco- zir esquemas simplificatórios eficazes. Mas, por isso
lhimento, educação para diversidade, educação co- mesmo, torna o debate particularmente criativo e aber-
munitária, educação para a igualdade de oportunida- to ao aprofundamento.
des ou, mais simplesmente, educação intercultural. Para além da polissemia terminológica e da evi-
Por este motivo, Stephen Stoer e María Luiza Corte- dente diversidade de perspectivas que se expressam
são, de Portugal, têm utilizado o termo educação inter/ nas teorias e propostas relativas ao multiculturalis-
multicultural para indicar o conjunto de propostas mo, interculturalismo, transculturalismo, constitui-se
educacionais que visam a promover a relação e o res- um campo de debate que se torna paradigmático jus-
peito entre grupos socioculturais, mediante proces- tamente por sua complexidade: a sua riqueza consis-
sos democráticos e dialógicos. te justamente na multiplicidade de perspectivas que
Entretanto, é preciso ter claro que os mesmos interagem e que não podem ser reduzidas por um úni-
termos têm sido utilizados para indicar concepções co código e um único esquema a ser proposto como
distintas. O termo “multicultural” tem sido utiliza- modelo transferível universalmente.
do como categoria descritiva, analítica, sociológica Entretanto, o eixo conceitual em torno do qual
ou histórica, para indicar uma realidade de convi- se situam as questões e as reflexões emergentes nesse
vência entre diferentes grupos culturais num mes- campo, e que caracteriza os mais espinhosos proble-
mo contexto social (Moreira, 2001; Silva, 2001; mas do nosso tempo, é o da possibilidade de respei-
2003). Também tem se referido a diferentes pers- tar as diferenças e de integrá-las em uma unidade
pectivas de respostas a esta realidade social multi- que não as anule. Isso vale, de fato, tanto para o dis-
cultural. Pode, inclusive representar concepções pe- curso das diferenças étnicas e culturais, de gênero e
dagógico-políticas divergentes: algumas defendem de gerações, a serem acolhidas na escola e na socie-
um modo de aproximar as diferenças étnico-cultu- dade, quanto para a distinção entre os povos, a ser
rais, isolando-as reciprocamente; outras propugnam considerada nos equilíbrios internacionais e planetá-
a perspectiva de convivência democrática entre to- rios. Vale também para a diversidade das propostas
dos os grupos diferentes. metodológicas, assim como para a possibilidade da
Por sua vez, o adjetivo “intercultural” tem sido articulação em rede das informações e dos novos sa-
utilizado para indicar realidades e perspectivas incon- beres nas formas do pensamento complexo (Terranova,
gruentes entre si: há quem o reduz ao significado de 1997, p. 13).

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Intercultura: notas históricas do debate ciar a relação entre culturas com poder desigual (co-
lonizadores x colonizados; mundo ocidental x mundo
O amadurecimento da sensibilidade para com o oriental; saber formal escolar x saber informal cotidia-
tema das diferenças culturais é uma conquista recen- no; cultura nacional oficial x culturas locais etc.), con-
te.1 Mas o problema do encontro e do conflito entre tribuindo para a manutenção e difusão dos saberes mais
culturas é antigo. E tem sido enfrentado e resolvido fortes contra as formas culturais que eram considera-
geralmente valendo-se de perspectivas etnocêntricas, das como limitadas, infantis, erradas, supersticiosas.
que pretendem impor o próprio ponto de vista como Nos processos de colonização nos Estados Uni-
o único válido. De modo particular, no mundo oci- dos, no Canadá, em países da américa Latina, assim
dental a cultura européia tem sido considerada natu- como em países de outros continentes, tal concepção
ral e racional, erigindo-se como modelo da cultura etnocêntrica justificava a escravização e o genocídio
universal. Desse ponto de vista, todas as outras cultu- dos povos nativos. Os imigrantes invasores trataram
ras são consideradas inferiores, menos evoluídas, jus- o continente americano como terra de conquista e não
tificando-se, assim, o processo de colonização cultu- reconheceram a culturas dos indígenas, que foram
ral. A doutrinação, nesta perspectiva, era interpretada obrigados a aceitar a cultura dos conquistadores. Con-
como uma forma de ajuda que os povos “desenvolvi- siderando-se civilizadores e colocando em questão até
dos” dirigem aos “subdesenvolvidos” para favorecer mesmo a humanidade dos interlocutores, os primei-
o seu crescimento. Da mesma forma, considerava-se ros colonizadores empreenderam uma ação de exter-
necessário combater todas as formas “erradas” de pen- mínio e de escravização, geralmente justificada por
samento mítico, religioso, popular, consideradas con- uma teorização pseudocientífica baseada em uma con-
trárias ao pensamento científico-racional: a supersti- cepção evolucionista-biológica da diferença racial. Em
ção deveria ser eliminada para ceder lugar a verdades nome de uma visão iluminista do progresso, procla-
racionais e objetivas. A própria educação, em parti- maram a inferioridade daqueles povos e destruíram suas
cular a escola, tem desempenhado o papel de agen- diferentes culturas, impondo a própria civilização com
o poder das armas (Terranova, 1997, p. 14-15).
O nascimento dos Estados Unidos da América,
1
Um documento da UNESCO, a “Declaração sobre a raça e como confederação de estados democráticos, foi mar-
os preconceitos raciais”, aprovada e proclamada pela Conferência cada pela luta contra a escravidão, pela afirmação da
Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên- liberdade e da igualdade de direitos para todos. Ini-
cia e a Cultura (UNESCO), em sua 20ª reunião, realizada em Paris ciou-se, então, o processo de construção de uma nação
em 27 de novembro de 1978, foi um dos primeiros textos a propor unitária acomunando em uma mesma identidade ame-
os conceitos fundantes da educação intercultural. A Declaração ricana pessoas etnicamente diferentes. Esperava-se que,
afirma que “todos os povos e todos os grupos humanos, qualquer nesse contexto, a escola conseguisse produzir a neces-
que seja a sua composição ou a sua origem étnica, contribuem sária homogeneização lingüística e cultural. Acredita-
conforme sua própria índole para o progresso das civilizações e
va-se que, na convivência espontânea entre pessoas de
das culturas, que, na sua pluralidade e em virtude de sua interpre-
grupos étnicos diferentes, ocorresse um processo de
tação, constituem o patrimônio comum da humanidade”; enfatiza
assimilação cultural recíproca, em que cada um esque-
que “o processo de descolonização e outras transformações histó-
cesse suas próprias raízes. A expressão que se popula-
ricas conduziram a maioria dos povos precedentemente domina-
rizou para indicar esse fenômeno foi chamada de
dos a recuperar sua soberania, de modo a fazer com que a comuni-
dade internacional seja um conjunto universal e ao mesmo tempo
melting pot, que significa “cadinho onde várias cultu-
diversificado”; reconhece, enfim, “o direito de todos os grupos ras se fundem para formar uma só, perdendo caracte-
humanos à identidade cultural e ao desenvolvimento da sua pró- rísticas próprias em favor de uma nova unidade – no
pria vida cultural no contexto nacional e internacional”. caso, a americana, predominantemente anglo-saxã”

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(Lima, 1997, p. 263). Entretanto, as diferenças étnicas diferenças. No período seguinte (1970-1980) fortes
e culturais, aparentemente negadas, de fato não desa- pressões da base – de filhos e netos de imigrantes que
pareciam, mas se transformavam em desigualdades se tornaram verdadeiros cidadãos ingleses e começa-
sociais e em processos de marginalização. E, por rea- ram a se organizar – suscitaram muitos projetos mul-
ção, os grupos étnicos subalternos buscavam encon- ticulturais (embora na maioria tenham sido superfi-
trar nova coesão, polarizando suas forças em torno da ciais e folclóricos). Baseavam-se na filosofia de que a
defesa de suas identidades originárias. Mesmo as rela- elevação da auto-estima das crianças proporcionaria
ções de força permaneceram desequilibradas, pois ape- o aumento do seu rendimento e a adaptação ao con-
nas poucos pertencentes às etnias subalternas conse- texto escolar. Estava-se ainda distante do reconheci-
guiram, com muita dificuldade, penetrar nos estratos mento da diferença cultural como riqueza, e se manti-
socioculturais dominantes.2 nham componentes de assimilação e de controle social.
Fenômeno semelhante aconteceu mais recente- Mas tal debate promoveu a mudança de leis, que cul-
mente na Europa. Após a Segunda Guerra Mundial, a minaram na publicação do Swann Report, de 1985.
Europa acolheu muitos imigrantes do sul do mundo Este propunha a adoção de práticas multiculturais para
para trabalhar na reconstrução da sociedade destruída todos, e não só para cada grupo étnico específico.
pelo conflito militar. Inicialmente, particularmente na No período 1980-1985 surgiu a proposta do anti-
Inglaterra, predominava a idéia de que, se todos os racismo. O objetivo da educação anti-racista é o de
homens são iguais, não é preciso promover nenhuma promover atividades educativas para aprofundar a
ação específica a favor dos grupos estrangeiros des- consciência de cada um, de modo a saber identificar
privilegiados. Antes, acreditava-se que a acentuação e desmontar práticas racistas, implícitas ou explicitas,
da diferença étnica ou cultural poderia reforçar desi- pessoais ou institucionais. Critica a abordagem mul-
gualdades, segregação, exclusão. Após alguns confli- ticultural, na medida em que esta poderia evitar o pro-
tos por motivos raciais no fim dos anos de 1950, o blema do racismo e, concentrando-se somente na com-
governo inglês tomou medidas para reduzir o ingres- preensão e na aceitação da diferença, correria o risco
so e diminuir os direitos dos imigrantes e, ao mesmo de avalizar mais ou menos intencionalmente o racis-
tempo, tentou integrar os novos chegados à cultura mo, deixando intactos todos os aspectos discrimina-
britânica. O trabalho educativo passou a ser marcado tórios e as hierarquias que a sociedade impõe nas re-
pelo esforço de promover a assimilação dos estran- lações entre culturas e grupos étnicos. Entretanto, a
geiros (1960-1970). Predominou uma pedagogia com- oposição entre a multicultural education (liberais) e
pensatória que estimulava os imigrantes a abandonar a antiracist education (defendida pelos radicais) fa-
a cultura de origem, vista como deficiência. Ao mes- voreceu a vitória dos conservadores, com a aprova-
mo tempo, desenvolveram-se trabalhos que tentaram ção da Education Reform Act (em 1988).
promover a integração (1965-1970) e assumir a ne- O movimento de educação anti-racista foi acu-
cessidade de dar espaço à diversidade para criar clima sado de se constituir de maneira exageradamente ideo-
de respeito mútuo e tolerância. Passou-se a admitir lógica, como expressão de minorias étnicas orienta-
elementos das culturas de origem para garantir maior das principalmente numa perspectiva de oposição
pluralismo. Buscava-se a integração, ou seja, a assi- sectária, contra o poder oficial e as desigualdades ra-
milação na cultura anfitriã, sem um achatamento das ciais, ao invés de se dirigir a todos os cidadãos e cida-
dãs numa perspectiva de construção de abertura e aco-
lhimento dos diferentes. A própria categorização
2
A cultura norte-americana dominante tem sido caracteri- racial, como todas as categorizações, não é neutra e
zada como WASP, ou seja White, Anglo-saxan and Protestant representa a opção por evidenciar algumas caracte-
(Branca, Anglo-saxã e Protestante). rísticas (físicas, somáticas, culturais, étnicas...) e de

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considerá-las como elementos caracterizadores de um assume hoje o sentido de coletividade, em sociedades


sujeito. Racializar e biologizar as diferenças, portan- complexas, onde os jovens se encontram vivendo em
to, produz uma fossilização e obscurece todos os ou- ambientes culturais plurais e indefinidos que – mesmo
tros aspectos da relação social que contribuem para não deixando de exercer efeitos condicionantes – per-
definir a identidade do sujeito. Conseqüentemente, são dem sua função de orientar e transmitir valores conso-
colocados em xeque tanto o racismo quanto o anti- lidados. No plano da atividade formativa e didática res-
racismo, que, denunciando os preconceitos assumi- saltam-se, portanto, as formas e os conteúdos da cultura
dos por outros, corre o risco de, ele mesmo, consoli- interiorizada pelos indivíduos na vida cotidiana, a va-
dar estereótipos e representações identitárias étnicas, riedade dos canais e das experiências com que esta-
alimentando uma forma de “metarracismo”, legitiman- belecem contato de acordo com sua posição social, as
do as categorias que sustentam justamente o que se sínteses de modelos – freqüentemente contraditórios –
quer combater (Terranova, 1997, p. 24). que vão elaborando no decurso da própria vida. Nessa
O enfoque da educação intercultural na Europa direção, aparece como questão central na prática peda-
tem enfatizado a relação entre culturas diferentes como gógica a visão de mundo dos sujeitos em formação,
fator pedagógico importante. Mas, tal como o multi- assim como a relação entre tal visão e os modelos (de
culturalismo e o anti-racismo, sua elaboração mante- conhecimento, de avaliação, de comportamento) trans-
ve estreita relação com a presença de imigrantes que, mitidos através de situações educativas, particularmente
em quantidade cada vez mais maciça, vêm buscando na escola. Tal deslocamento de perspectiva, que legiti-
inserir-se no mercado de trabalho e na vida social de ma a cultura de origem de cada indivíduo, traz conse-
vários países, inclusive aqueles – como a Itália – que, qüências para a elaboração dos métodos e das técnicas
não tendo um passado de poderio colonial, não tinham de ação pedagógica e de transmissão da cultura oficial.
até recentemente conhecido a imigração proveniente Na América Latina, a diversidade cultural foi
do terceiro mundo. Pela própria natureza de sua ori- historicamente relegada e deixada à margem das pro-
gem, a educação intercultural assumiu a finalidade de postas políticas e práticas educativas que, a exemplo
promover a integração entre culturas, a superação de do que ocorreu na Europa, se pautaram no ideal
velhos e novos racismos, o acolhimento dos estran- homogeneizador do Estado-Nação. Como resultado
geiros e, particularmente, dos filhos dos imigrantes na destas práticas homogeneizadoras, vários estudos
escola. Mas vêm se acirrando na Europa também dra- constatam, a partir da década de 1960, o baixo rendi-
máticas situações de conflito interétnico (valendo como mento escolar entre crianças com língua materna dis-
exemplo extremo o que aconteceu na ex-Iugoslávia), tinta da empregada no sistema escolar oficial. Mas a
em gritante contraste com o projeto de construção da implementação de propostas educativas institucionais
União Européia. Também emergem conflitos mesmo pautadas por um caráter compensatório não resolve-
entre comunidades autóctones de um mesmo país, ram os altos índices de repetência e evasão escolar
quando explodem os bairrismos, as divisões, a feti- registrados, conduzindo a uma reavaliação sobre o
chização da identidade cultural, que representam a papel das diferenças culturais no processo ensino-
convergência de interesses de alguns grupos socioe- aprendizagem.
conômicos (Marin, 2002).
O debate europeu relativo à intercultura envolveu O termo educação bicultural foi utilizado, inicialmen-
campos de reflexão e de intervenção que ultrapassa- te, para designar as ações institucionais que levavam em
ram progressivamente o caráter emergencial do pro- consideração a diferença cultural dos alunos. Os projetos
blema de inserção dos migrantes e entrou no coração implementados nesta perspectiva buscavam distinguir as
das temáticas ligadas à formação da identidade, à va- situações culturais envolvendo as culturas indígenas e oci-
lorização das diferenças, à configuração e à função que dentais-européias. A transição para a noção de intercultu-

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ralidade nos anos 80 ganha novas proporções de caráter no, tem representações no Parlamento e são protegi-
propositivo e político-pedagógico, convertendo-se em uma dos por lei (Marin, 2002).
categoria central nas propostas de educação bilíngüe. A no- No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi um
ção de interculturalidade, além de expressar a coesão étni- marco na redefinição das relações entre o Estado bra-
ca de um grupo social, proporcionando condições para o sileiro e as sociedades indígenas. Ela passou a asse-
fortalecimento da identidade cultural, vai também estimu- gurar o direito das comunidades indígenas a uma edu-
lar a aquisição do conhecimento cultural de outros povos. cação escolar diferenciada, específica, intercultural e
Isto significa que não houve somente uma transição de ter- bilíngüe. Os índios deixaram de ser considerados ca-
mos conceituais, mas uma mudança no tratamento da tegoria social em vias de extinção e passaram a ser
pluriculturalidade no espaço da escola. Das preocupações respeitados como grupos étnicos diferenciados, com
marcadamente lingüísticas, características da educação direito a manter sua organização social, costumes, lín-
bicultural e bilingüe, a interculturalidade considera o con- guas, crenças e tradições. Além disso, a Constituição
texto sociocultural dos alunos. (Silva, 2003, p. 41-42) Federal assegurou a eles o uso de suas línguas mater-
nas e processos próprios de aprendizagem, devendo
Nessa direção, encontra-se uma série de termos o Estado proteger suas manifestações culturais. Des-
para identificar as iniciativas dos educadores: Etnoe- sa forma, fica garantido às comunidades indígenas o
ducação (Colômbia), Educação Bilíngüe (Bolívia), acesso a uma escola com características específicas,
Educação Bilíngüe Bicultural e Educação Intercultu- que busque a valorização do conhecimento tradicio-
ral Bilíngüe (Guatemala, Brasil). nal vigente em seu meio, ao mesmo tempo em que
As propostas de trabalho intercultural surgiram forneça instrumentos necessários para enfrentar o
principalmente a partir da emergência das identida- contato com outras sociedades.
des indígenas que buscam defender seus direitos, Ao lado dos movimentos indígenas, vêm se de-
como é o caso do Movimento Zapatista de Chiapas, senvolvendo os movimentos étnicos, principalmente
no México, onde o modelo político do Estado-Nação dos afro-brasileiros. A identidade afro-brasileira vem
é questionado em sua capacidade de representar a se afirmando principalmente com base em movimen-
sociedade multicultural mexicana. As revoltas indí- tos culturais negros de massa que incluem desde as
genas no Equador, na Bolívia, no Chile, na Colômbia Casas de Minas do Maranhão, os candomblés da
e no Brasil reclamam a posse dos territórios por eles Bahia, as escolas de samba de capitais como Rio Ja-
ocupados ancestralmente, assim como o direito de neiro, São Paulo e Florianópolis, as congadas, mo-
revalorização de suas línguas e culturas através de çambiques e outros agrupamentos negros que, por
programas educativos adequados. meio dos pagodes, blocos baianos ou carnaval de rua,
As respostas políticas a essas reivindicações vêm verbalizam críticas à situação social brasileira. Esse
sendo elaboradas pelos diferentes governos. No Chi- variado movimento vem conquistando reconhecimen-
le, por exemplo, a Educação Intercultural Bilíngüe é to político e social principalmente através das políti-
propiciada pela Lei Orgânica Constitucional de Ensi- cas de ação afirmativa, influenciando inclusive o cam-
no (LOCE), promulgada em março de 1990, assim po da educação e da pesquisa.3
como pela Lei Indígena, promulgada em março de
1990. Essa lei reconhece, pela primeira vez, a multiet- 3
A problemática enfrentada pelos afro-brasileiros vem sen-
nicidade do Chile, e expressa seu reconhecimento das
do estudada por pesquisadores brasileiros contemporâneos como
etnias Mapuches, Aymaras, Rapa Nui, Atacamenhos, Ana Célia da Silva (1995), Ana Lúcia Valente (1994), Luiz Alberto
Colla, Kawashar e Yagana. Na Venezuela, onde a O. Gonçalves (1985), Nilma Lino Gomes (2002), Iolanda de Oli-
Constituição de 1961 declarava os indígenas em fase veira (2000), Petronilha B. G. M. Silva (1993), Regina Pahim Pinto
de extinção, hoje estes são reconhecidos pelo gover- (1993a, 1993b).

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Esse movimento de reconhecimento dos direitos no início dos anos de 1960, visava a promover a edu-
sociais e culturais das comunidades indígenas e da cação de adultos com base na sua cultura. Com o gol-
população afro-brasileira articula-se com os amplos pe militar de 1964, os movimentos sociais e culturais
e variados movimentos de luta pelos direitos huma- foram submetidos a rígidos processos de controle e
nos que vêm se desenvolvendo no Brasil, relaciona- censura, favorecendo a homogeneização e alienação
dos com a problemática enfrentada pelos diferentes cultural. O silêncio, o isolamento, a descrença, ele-
grupos sociais que se identificam pelas relações étni- mentos fundamentais da cultura do medo, começa-
cas, regionais, de gênero, de gerações, de condições ram, entretanto, a ser quebrados no final dos anos de
físicas e psicológicas. Através da luta por seus direi- 1970. Emergiram os movimentos de base, assentados
tos e do reconhecimento legal e social que vêm ga- sobretudo nas associações de moradores, nas Comu-
nhando,4 estes grupos sociais vão construindo suas nidades Eclesiais de Base (CEB) e nos novos movi-
respectivas identidades sociais e culturais. mentos sindicais. Irromperam novamente no cenário
Nesse sentido, os processos de educação popu- nacional os movimentos populares, caracterizados
lar desenvolvidos principalmente a partir dos movi- pela imensa variedade de interesses. Articularam-se
mentos sociais têm contribuído significativamente lutas sociais no plano eminentemente econômico-po-
para o reconhecimento e valorização das culturas dos lítico, como os movimentos operários e sindicais, os
diferentes grupos sociais subalternos e excluídos. De movimentos ligados aos bairros, ao consumo, à ques-
modo particular no Brasil, a partir dos anos de 1950, tão agrária. Ao mesmo tempo, configuraram-se no-
os movimentos de “cultura popular” – e que poste- vos movimentos sociais. São movimentos que, trans-
riormente vieram a ser denominados de “educação versalmente às lutas no plano político e econômico,
popular” – contribuíram significativamente para pro- articulam-se em torno do reconhecimento de suas
mover processos educativos tomando-se por base os identidades de caráter étnico (tal como os movimen-
componentes culturais dos diversos grupos popula- tos dos indígenas, dos negros), de gênero (os movi-
res. No início da década de 1960, na onda de grandes mentos de mulheres, de homossexuais), de geração
mobilizações urbanas e camponesas, floresceram nu- (assim como os meninos e meninas de rua, os movi-
merosos trabalhos educativos que valorizavam a cul- mentos de terceira idade), de diferenças físicas e men-
tura popular. Iniciativas como o Centro Popular de tais (com os movimentos de reconhecimento e inclu-
Cultura (CPC), o Movimento de Educação de Base são social das pessoas portadoras de necessidades
(MEB), o Movimento de Cultura Popular (MCP), a especiais, dos movimentos específicos dos surdos, dos
campanha “De Pé no Chão também se aprende a ler”, cegos etc.) (Fleuri, 2001).
liderados por intelectuais, estudantes, movimentos Esse campo de debate entre as variadas concep-
eclesiais, mobilizaram a sociedade civil naquele con- ções e propostas que enfrentam a questão da relação
texto. A própria proposta elaborada por Paulo Freire, entre processos identitários socioculturais diferentes
constitui o que aqui estamos chamando de intercultura.
Os estudos mais recentes que vimos desenvol-
vendo estão abrindo uma nova perspectiva epistemo-
4
O Programa Nacional de Direitos Humanos, criado em 13
lógica que aponta para a compreensão do hibridismo
de maio de 1996, oferece uma visão ampla e atualizada da proble-
e da ambivalência, que constituem as identidades e
mática e das propostas que vêm se desenvolvendo hoje no Brasil,
relações interculturais. Assim, nossa atenção volta-
particularmente relativas ao direito à igualdade, dos afrodescen-
dentes, crianças e adolescentes, idosos, mulheres, do gays, lésbi-
se mais precisamente para a busca de entendimento
cas, travestis, transexuais e bissexuais (GLTTB), estrangeiros, re- dos “entrelugares” (Bhabha, 1998), ou seja, dos con-
fugiados, migrantes, ciganos, pessoas portadoras de deficiência. textos intersticiais que constituem os campos identi-
Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/>. tários, subjetivos ou coletivos, nas relações e nos pro-

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cessos interculturais. Nessa perspectiva, a intercultura conteúdos e costumes culturais pré-dados. A diversi-
vem se configurando como um objeto de estudo in- dade representa uma retórica radical da separação de
terdisciplinar e transversal, no sentido de tematizar e culturas totalizadas, que se fundamentam na utopia
teorizar a complexidade (para além da pluralidade ou de uma memória mítica de uma identidade coletiva
da diversidade) e a ambivalência ou o hibridismo (para única. Em contraposição a esta perspectiva essencia-
além da reciprocidade ou da evolução) dos processos lista, a diferença cultural se constitui, para Bhabha,
de elaboração de significados nas relações intergru- como o processo de enunciação da cultura. Trata-se
pais e intersubjetivas, constitutivos de campos iden- de um processo de significação através do qual afir-
titários em termos de etnias, de gerações, de gênero e mações da cultura e sobre a cultura diferenciam, dis-
de ação social. O objeto de nosso estudo, assim, cons- criminam e autorizam a produção de campos de for-
titui-se transversalmente às temáticas de cultura, de ça, referência, aplicabilidade e capacidade.
etnia, de gerações, de gênero e de movimento social.
Mesmo cuidando de compreender com rigor a espe- Intercultura e identidade
cificidade destas temáticas e a diversidade dos enfo-
ques teórico-metodológicos da produção científica O Brasil se constitui historicamente como uma
nestas áreas, nosso esforço consiste na busca de de- sociedade multiétnica tomando-se por base uma
senvolver investigações, numa perspectiva interdisci- imensa diversidade de culturas. Reconhecer nossa
plinar e complexa, sobre a dimensão híbrida e “desli- diversidade étnica implica ter clareza de que os fa-
zante” do “inter-” (-cultural, -étnico, -geracional, -sexual, tores constitutivos de nossas identidades sociais não
-grupal etc.) constitutiva de possibilidades de trans- se caracterizam por uma estabilidade e fixidez natu-
formação e de criação cultural. rais. As identidades culturais – aqueles aspectos de
nossas identidades que surgem de nosso pertencimento
O afastamento das singularidades de “classe” ou “gê- a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas, na-
nero” como categorias conceituais e organizacionais bási- cionais – sofrem contínuos deslocamentos ou descon-
cas resultou em uma consciência das posições do sujeito – tinuidades. Segundo Hall (1999, p. 16), as socieda-
raça, gênero, geração, local institucional, localidade geo- des modernas não têm nenhum núcleo identitário
política, orientação sexual – que habitam qualquer preten- supostamente fixo, coerente e estável.
são à identidade no mundo moderno. O que é teoricamente
inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar As sociedades modernas, argumenta Laclau, não têm
além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais nenhum centro, nenhum princípio articulador ou organiza-
e de focalizar aqueles momentos ou processos que são pro- dor único e não se desenvolvem de acordo com o desdobra-
duzidos na articulação de diferenças culturais. Esses mento de uma única “causa” ou “lei”, à medida que são
“entrelugares” fornecem o terreno para a elaboração de es- caracterizadas pela diferença, ou seja, elas são atravessa-
tratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão das por diferentes divisões e antagonismos sociais que pro-
início a novos signos de identidade e postos inovadores de duzem uma variedade de diferentes “posições de sujeitos” –
colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia isto é, identidades. (Hall, 1999, p. 17)
de sociedade. (Bhabha, 1998, p. 19-20)
Nesse sentido, o que significa ser brasileiro, ou
Nessa perspectiva, Homi Bhabha distingue ser sulista, gremista ou corintiano, nordestino, bran-
paradigmaticamente o conceito de diversidade do co, negro, índio, homem, mulher, criança, idoso, mi-
conceito de diferença. A diversidade cultural, para litante, camponês, sem-terra, estudante, operário,
Bhabha (1998, p. 63 e ss.), refere-se à cultura como classe média...? Cada uma dessas identidades assu-
um objeto do conhecimento empírico, reconhecendo me significados específicos conforme os sujeitos, as

Revista Brasileira de Educação 23


Reinaldo Matias Fleuri

relações sociais e os contextos históricos em que se tuação, Hall (1999, p. 20-21) destaca os seguintes ele-
colocam? Mais do que isso, cada identidade dessa não mentos: que as identidades são contraditórias, se cru-
seria híbrida, deslizante, possibilitando a coexistên- zando ou se deslocando mutuamente; que as contradi-
cia de identidades contraditórias? ções atuam tanto fora, na sociedade, atravessando
Segundo Stuart Hall (1999, p. 12-13), “o sujeito grupos políticos estabelecidos, quanto no íntimo de
previamente vivido como tendo uma identidade cada indivíduo; que nenhuma identidade singular (de
unificada e estável, está se tornando fragmentado; classe, de gênero, de raça etc.) pode englobar todas as
composto não de uma única, mas de várias identida- diferentes identidades; que existem hoje identifica-
des, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas”. ções rivais e deslocantes, emergentes de novas iden-
Assim, a identidade, sendo definida historicamente, tidades oriundas dos novos movimentos sociais (o fe-
é formada e transformada continuamente em relação minismo, as lutas negras, os movimentos de libertação
às formas pelas quais somos representados ou inter- nacional, os movimentos pacifistas e ecológicos etc.);
pelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. À que a identidade muda de acordo com a forma como o
medida que os sistemas de significação e representa- sujeito é interpelado ou representado, num processo
ção cultural se multiplicam, somos confrontados por descrito como uma mudança de uma política de iden-
uma multiplicidade desconcertante e cambiante de tidade (de classe) para uma política da diferença.
identidades possíveis, com cada uma das quais pode- Tais considerações perturbam e deslocam o eixo
ríamos nos identificar – ao menos temporariamente. das tendências estáveis e unificantes que muitas ve-
Diante de uma situação que coloque em evidên- zes perpassam as nossas conversas ou os nossos estu-
cia o jogo de várias identidades possíveis, quais se- dos. Quando as diferenças culturais são consideradas
riam as suas conseqüências políticas? Hall (1999, numa perspectiva estereotipada, focaliza-se apenas as
p. 18-20) apresenta, para análise da complexidade da manifestações externas e particulares dos fenômenos
identidade, o caso de um juiz negro que foi acusado culturais. Deixa-se de valorizar devidamente os su-
de assédio sexual a uma mulher negra, sua funcioná- jeitos sociais que produzem tais manifestações cultu-
ria. Várias possibilidades de identidades em jogo fluí- rais, ou não se consegue compreender a densidade, a
ram desse acontecimento. Alguns negros apoiaram o dinamicidade e a complexidade dos significados que
assediador, baseados na questão da raça; outros a ele eles tecem.
se opuseram, tomando como base a questão sexual. Na maioria das vezes, as relações entre culturas
Alguns ainda estavam divididos, dependendo do fa- diferentes são consideradas a partir de uma lógica bi-
tor identitário que prevalecesse: seu sexismo ou seu nária (índio x branco, centro x periferia, dominador x
liberalismo. As mulheres negras estavam divididas, dominado, sul x norte, homem x mulher, normal x anor-
dependendo da identidade que prevalecesse: sua iden- mal...) que não permite compreender a complexidade
tidade como negra ou sua identidade como mulher. dos agentes e das relações subentendidas em cada pólo,
Os homens brancos estavam divididos, dependendo nem a reciprocidade das inter-relações, nem a plurali-
da forma como se identificavam com respeito ao ra- dade e a variabilidade dos significados produzidas nes-
cismo e ao sexismo. As mulheres brancas estavam sas relações. Mesmo concepções críticas das relações
divididas, conforme sua oposição ou manifestação de interculturais podem ser assimiladas a entendimentos
apoio ao feminismo. Além disso, as fragmentações redutivos e imobilizantes. Assim, o conceito de domi-
identitárias eram também atravessadas pela relação nação cultural, se enredado numa lógica binária e
entre um membro da elite judiciária e uma funcioná- bipolar, pode levar a supor que os significados produ-
ria subalterna, trazendo para dentro do jogo a questão zidos por um sujeito social são determinados unidire-
da classe social. cionalmente pela referência cultural de outro sujeito.
Nesse jogo de identidades ante a uma mesma si- Esse entendimento pode reforçar o processo de sujei-

24 Maio/Jun/Jul/Ago 2003 Nº 23
Intercultura e educação

ção à medida que, ao enfatizar a ação de um sujeito vista como um momento de distanciamento da famí-
sobre o outro, obscurece o hibridismo das identidades, lia. Os conflitos familiares por eles vivenciados não
a ambivalência e a reciprocidade das relações sociais, colocaram em questão a família como o espaço cen-
assim como a capacidade de autoria dos diferentes su- tral de relações de experiências estruturantes. As re-
jeitos sociais (Souza & Fleuri, 2003). lações familiares constituem um filtro por meio do
Tal questão é abordada por Juarez Tarcísio qual compreendem e se inserem no mundo social. A
Dayrell (2002) no trabalho intitulado O jovem como terceira imagem questionada é a da juventude como
sujeito social, apresentado na 25ª Reunião Anual da um momento de crise. Não se constata uma crise na
ANPEd, em 2002.5 O autor discute “o que é ser jo- entrada da juventude, nem sinais de conflitos atribuí-
vem?” e focaliza, mediante pesquisa etnográfica, a dos tipicamente aos adolescentes. A crise aparece na
vida de jovens que participam de grupos de rap e funk, passagem para a vida adulta. Ser adulto é ser obriga-
buscando compreendê-los em sua totalidade como su- do a trabalhar para sustentar a família e ganhar pou-
jeitos sociais, que, como tais, constroem um determi- co, na lógica do trabalho subalterno. É diminuir os
nado modo de ser jovem. A compreensão da subjeti- espaços e tempos de encontro, da alegria e das emo-
vidade construída por esses jovens problematiza as ções que vivenciam no estilo de juventude. Por fim, a
imagens de juventude hoje predominantes. trajetória desses jovens questiona a visão romântica
As trajetórias de vida de João e Flavinho, dois da juventude. Para os rappers e funkeiros, a juventu-
sujeitos principais da investigação, bem como as his- de é um momento de dificuldades concretas de so-
tórias de outros jovens pesquisados, questionam as brevivência, de tensões com as instituições, como no
imagens de juventude hoje predominantes em nossa trabalho e na escola. A realidade do trabalho assala-
cultura. A primeira é pressuposição de que a juventu- riado aparece na sua precariedade e a escola não con-
de seja vivida como fase transitória, de preparação segue entender os interesses nem responder às neces-
para o futuro. Para esses jovens, o tempo da juventu- sidades destes jovens.
de localiza-se no aqui e agora, imersos em um pre- João, um rapper, negro, 22 anos, excluído da es-
sente vivido no que este pode oferecer de diversão, cola na 5a série do ensino fundamental, lembra a es-
de prazer, de encontros e de trocas afetivas, mas tam- cola como um espaço que não o envolvia. Sente a falta
bém de angústias e incertezas diante da luta da sobre- do diploma para concorrer no mercado de trabalho. Mas
vivência que se resolve a cada dia. Outra imagem que lembra com mágoa das três reprovações e da imagem
esses jovens colocam em questão é a da juventude de mau aluno que tinha, envolvido em brigas e discus-
sões com as professoras. Flavinho, funkeiro, branco,
19 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio em uma
5
O tema da diferença e da identidade cultural aparece com escola estadual. Mas a escola não consegue envolvê-lo
muita força no campo da educação. Um dos indicadores da atuali- e não se mostra sensível à realidade vivenciada pelos
dade do tema é sua presença nos trabalhos que foram apresenta- alunos fora de seus muros. Flavinho diz que “a escola
dos em 2002, na 25ª Reunião Anual da Associação Nacional de tem muito funkeiro, mas os professores nem sabem que
Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPEd. Dos 491 tra- todos os alunos lá gostam do funk... eu mesmo, ne-
balhos inscritos para esta reunião, identificamos cerca de setenta nhum professor sabe que eu escrevo letras, nem a de
que discutem questões relacionadas ao tema das diferenças na edu-
português...” (Dayrell, 2002).
cação, no campo das relações étnicas, geracionais, de gênero, as-
A dificuldade que a escola manifesta de acolhi-
sim como das diferenças físicas e mentais. Aqui retomamos a dis-
mento e de entendimento das diferentes vivências
cussão de alguns dos trabalhos já analisados por nós, de modo
culturais dos estudantes é analisada, de um ponto de
mais detalhado, em Fleuri, Bitencourt, Schucman (2002), texto
disponível no portal da ANPEd <http://www.anped.org.br/
vista étnico e cultural, por Gilberto Ferreira da Silva
inicio.html>. Acesso em: 20 mar. 2003. (2002) em seu trabalho Interculturalidade e educa-

Revista Brasileira de Educação 25


Reinaldo Matias Fleuri

ção de jovens: processos identitários no espaço urba- construída historicamente sobre os aspectos visíveis
no popular. Pesquisando a rede pública de ensino de do corpo negro, como o cabelo e a pele, serviu para
Porto Alegre, Gilberto Silva verifica que a escola é justificar a colonização e encobrir intencionalidades
apontada pelos estudantes como um território de vi- econômicas e políticas, constituindo um padrão de be-
vência de situações discriminatórias em maior grau leza e de fealdade que até hoje estigmatiza os negros.
que o espaço da rua, do trabalho e da própria comuni- Entretanto, algumas famílias negras, ao arruma-
dade. A escola constitui-se em território de enfrenta- rem o cabelo das crianças, sobretudo das mulheres, o
mentos invisíveis, onde as diferenças são marcadas fazem na tentativa de romper com os estereótipos do
por aspectos visíveis como a deficiência física, o “negro descabelado e sujo”. A variedade de tipos de
vestuário (indicador de pertencimento a uma classe so- tranças e o uso de adereços coloridos explicita a exis-
cial), as práticas religiosas, o sexo e a cor da pele. Alu- tência de um estilo negro de se pentear e se adornar
nos e professores vivenciam tais conflitos e encami- constitutivo da identidade negra. Para Nilma Gomes,
nham soluções, na maioria das vezes sem a busca por embora existam aspectos comuns que remetem à cons-
uma compreensão de âmbito maior. Nesse sentido, o trução da identidade negra no Brasil, é preciso consi-
autor propõe a perspectiva da educação intercultural derar os modos como os sujeitos a constroem, não
como estratégia para potencializar a própria ação de- somente no nível coletivo mas também individual. A
sencadeada pelo conflito, mediante o diálogo e o en- relação do negro com o cabelo os aproxima dessa es-
contro, de modo que constitua espaços alternativos pro- fera mais íntima.
dutores de outras formas de identidades, marcadas pela
fluidez, pela interação e pela acolhida do diferente. Cortar o cabelo, alisar o cabelo, raspar o cabelo, mu-
dar o cabelo pode significar não só uma mudança de estado
Ressignificação dos símbolos étnicos dentro de um grupo, mas também a maneira como as pes-
na construção da identidade soas se vêem e são vistas pelo outro, um estilo político, de
moda e de vida. Em suma, o cabelo é um veículo capaz de
A discussão sobre os processos alternativos de transmitir diferentes mensagens, por isso possibilita as mais
constituição identitária é assumida de modo original diferentes leituras e interpretações. [...] Na escola, não só
no trabalho de Nilma Lino Gomes, intitulado Traje- aprendemos a reproduzir as representações negativas sobre
tórias escolares, corpo negro e cabelo crespo : repro- o cabelo crespo e o corpo negro. Podemos também apren-
dução de estereótipos e/ou ressignificação cultural? – der a superá-las. (Gomes, 2002, p. 50)
um dentre os numerosos trabalhos apresentados na
25ª Reunião da ANPEd, em 2002, focalizando a Dessa maneira, a pesquisa de Nilma Gomes in-
temática do Negro e a educação. O estudo aponta a dica que o significado e os símbolos da cultura não
escola como um espaço tanto de reprodução como de têm fixidez primordial e que os mesmos signos po-
ressignificação de símbolos culturais historicamente dem ser apropriados, traduzidos, reistoricizados e li-
marcados. Discute o significado social do cabelo e dos de outro modo. O cuidado com o corpo pode cons-
do corpo, buscando compreender os sentidos a eles tituir a estratégia de trabalhar a diferença dentro da
atribuídos pela escola e pelos sujeitos negros entre- diferença, como propõe Joan Scott (1999). Pelo cui-
vistados. dado com o próprio corpo, a pessoa expressa inten-
Nilma Gomes constata que os padrões de estéti- cionalidades e modalidades estéticas que, interpelan-
ca corporal desenvolvidos historicamente pelos ne- do os outros, vão constituindo diferenças simbólicas
gros no Brasil têm sido objeto de estereótipos e re- de sua identidade pessoal e cultural. Identidade que
presentações negativas, reforçados em grande parte se constitui dinamicamente, de modo fluido, polissê-
pela escola. Argumenta que a dimensão simbólica mico e relacional.

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Intercultura e educação

Nesse sentido, constata Nilma Gomes, cada pes- to de sujeição cultural, a escola indígena constitui-se
soa negra reage de uma maneira particular diante do como espaço da ambivalência, do hibridismo, onde
preconceito, de acordo com seu processo pessoal de ocorre um vaivém de processos simbólicos de nego-
subjetivação e de socialização, podendo alimentar re- ciação ou tradução dentro de uma temporalidade que
lações que acirram ou, pelo contrário, diluem os pre- torna possível conceber a articulação de elementos
conceitos. antagônicos ou contraditórios, processos que abrem
lugares e objetivos de luta e destroem as polaridades
Ambivalência das relações interétnicas de negação entre os saberes e as práticas sociais
(Bhabha, 1998).
O estudo de Valéria Wegel (2002) sobre os senti-
dos da escola para o povo Baniwa revela um comple- Para além dos padrões de normalidade
xo processo de negociações entre diferentes sujeitos
e entre diferentes projetos educacionais. Em tal pro- A construção da identidade é determinada pelas
cesso, no campo tenso que se configura entre a sujei- relações geracionais, étnicas e, de modo determinan-
ção e a sobrevivência, esse povo tece novos signifi- te, pelas relações de gênero. Joan Scott (1990, p. 15)
cados, a partir dos quais reelabora sua identidade e explica que “gênero é um elemento constitutivo de
sua organização social. Na mesma direção, o traba- relações sociais fundadas sobre as diferenças perce-
lho de Maria Paes (2002), demonstra que os Paresi, bidas entre os sexos. O gênero é um primeiro modo
vivendo os dilemas da escola indígena, assumem a de dar significado às relações de poder”. Propor uma
aprendizagem da língua portuguesa como apropria- educação intercultural sem considerar o gênero6 como
ção de uma ferramenta e um instrumento de poder uma categoria primordial para se explicar as relações
que lhes possibilite marcar o seu lugar na sociedade sociais que mantemos e estabelecemos, é esquecer
envolvente, ao mesmo tempo em que este processo que a primeira distinção social é feita através do sexo
implica a ressignificação de seus hábitos tradicionais. dos indivíduos. O sexo é construído socialmente atra-
Tal como Valéria Wegel, o estudo de Maria Paes vés das relações motivadas por contextos manifestos
reitera a concepção de que a escola, além de inculcar e expostos à diferença sexual. No entanto, o gênero
nessas comunidades indígenas conceitos e valores da não é necessariamente o que visivelmente percebe-
sociedade ocidentalizada, possibilita a configuração de mos como masculino e feminino, mas o que construí-
novos sujeitos e de novas identidades, assim como de mos, sentimos e conquistamos durante as relações
novos processos de organização grupal e de relação
intercultural. Dessa forma, o domínio dos códigos oci-
6
dentais de comunicação foi se tornando necessário à A identidade de gênero é construída socialmente, pelas

sobrevivência dos Paresi. Ao mesmo tempo em que relações sociais que marcam a vida dos indivíduos em diferentes
tempos históricos e sociais. O gênero é construído pelo contraste
foram sendo capturados pelo discurso da “escola ne-
da alteridade, ou seja, do confronto com “o outro”. Um dos mais
cessária”, ou seja, acreditando na escola como único
sérios problemas na definição do conceito de gênero está na visão
instrumento para se adentrar nesse mundo novo, os Pa-
ocidental de associar o sexo biológico ao gênero social. Segundo
resi vêm se reestruturando e ressignificando suas prá-
Miriam Pillar Grossi, “de forma simplificada diria que sexo é uma
ticas, com instrumentos próprios e adquiridos, e nego- categoria que ilustra a diferença biológica entre os homens e as
ciando cotidianamente sua posição nas relações sociais. mulheres, que gênero é um conceito que remete à construção cul-
Esses, entre outros estudos sobre a educação junto tural de atributos de masculinidade e feminilidade (nomeamos de
a populações indígenas, apontam para a compreen- papéis sexuais), que identidade de gênero é uma categoria perti-
são da escola como espaço híbrido de negociações e nente para pensar o lugar do indivíduo no interior de uma cultura”
de traduções. Mesmo sendo um poderoso instrumen- (1998, p. 15).

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sociais. Então, é na problematização do sexo que co- minantes da heterossexualidade sobre a homossexua-
meçam os problemas relativos a essa temática, pois o lidade. E os próprios educadores podem renovar seu
gênero se constrói na relação com a diferença; e essa olhar sobre sua própria sexualidade e sobre como ima-
não necessariamente deverá ser biológica. Por isso, ginam a sexualidade do outro, podendo navegar entre
compreendemos o conceito gênero como plural, di- as fronteiras existentes entre nós e dentro de nós.
nâmico e constitutivo das relações sociais significadas Ao assumir o conceito de “gênero”, os movimen-
por jogos de poder. Conforme Margaret Mead, em tos feministas passaram a enfrentar simultaneamente
Macho e fêmea (1971), a cultura sexual traça um este- questões relativas à pobreza, saúde, educação, demo-
reótipo que separa, desde quando crianças, indivíduos cracia etc. Gênero deixou, assim, de ser assunto de
que devem agir masculinamente ou femininamente con- mulheres para ser assunto de toda a sociedade. Da
forme a cultura em que estão inseridos. mesma forma – considera Pimentel – o tema do ho-
Essa “naturalização”, ou melhor, “normalização” moerotismo (como estratégia de descentramento des-
das relações de gênero é problematizada por Nilton se “sujeito” sexual chamado “homossexual”), “mais
Poletto Pimentel (2002), em seu trabalho intitulado do que associar as práticas dos jovens gueis ao proble-
Jovens gueis, aids e educação: da fabricação política ma do preconceito e seus desdobramentos históricos,
de vulnerabilidade na escola. No século XIX, afirma ele busca apontar para outras possíveis produções que
o autor, desenvolveu-se um esforço por se definir, a podem estar se movimentando” (Pimentel, 2002).
partir de critérios biológicos, as características básicas Assim, ao focalizar o tema do homoerotismo e a
da masculinidade e da feminilidade normais, assim constituição da identidade homossexual, Nilton
como por classificar diferentes práticas sexuais, pro- Pimentel traz uma contribuição relevante para discu-
duzindo uma hierarquia que permite distinguir o anor- tir uma questão tão presente, mas tão pouco estudada
mal e o normal. Desta classificação emergiu a divisão no campo da educação. Problematiza os padrões de
rígida entre homo e heterossexual. Tal classificação e normalidade segundo os quais são considerados – e
dicotomia precisam ser problematizadas, pois tal como discriminados – os diferentes comportamentos e as
argumentou Britzman (1996, p. 74, apud Pimentel, diversas opções sexuais. Valoriza, assim, os movimen-
2002), nenhuma identidade sexual existe sem nego- tos sociais que, atravessando a escola, contribuem para
ciação ou construção, pois toda identidade sexual é um desconstruir os discursos hegemônicos e abrir espa-
constructo instável, mutável e volátil, uma relação so- ços para a expressão das diferenças.
cial contraditória e não-finalizada. O trabalho educati- A problematização dos padrões de normalidade
vo com as questões de gênero precisa alimentar-se nos implica reconsiderar a relação com todas aquelas pes-
fatos mesmos vivenciados por todos os integrantes da soas que, por suas limitações físicas, são considera-
escola, problematizando, sem individualizar, as das “deficientes”.7 Mas, sobretudo, em questionar as

[...] relações sexuais entre professoras(es) e alunos(as), pas-


7
sando por professoras “lésbicas”, merendeiras sedutoras, Os trabalhos apresentados no GT 15 Educação Especial,
durante a 25ª Reunião Anual da ANPEd, refletem o imenso deba-
guardas “bissexuais”, pais gueis, etc., até as muitas relações
te nacional que vem se desenvolvendo em torno da questão da
que os alunos estipulam em suas comunidades com paren-
inclusão na escola regular de pessoas diferentes, tradicionalmente
tes, vizinhos ou amigos com práticas homoeróticas, sem fa-
identificadas como deficientes, excepcionais, anormais, e hoje
lar na televisão, é claro, uma infinidade de temas ligados ao
chamadas de “portadoras de necessidades educacionais especiais”.
campo da sexualidade. (Pimentel, 2002)
Os estudos referentes às diferenças físicas e mentais concentram-
se no GT Educação Especial, disponíveis no site da ANPEd, na
Trabalhando com uma estratégia aberta ao ines- página da 25ª Reunião Anual: <http://www.anped.org.br/
perado, é possível ir desconstruindo os discursos do- inicio.html>. Acesso em: 20 mar. 2003.

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Intercultura e educação

próprias relações de poder e os próprios dispositivos 1988). Os movimentos de resistência da comunidade


de elaboração de saber vigentes na escola, que ne- surda aparecem não como uma oposição binária a um
gam as narrativas e as formações culturais que no- poder externo a eles, mas sim como resistências, no
meiam e constroem as subjetividades, as expressões plural, com múltiplas, imprevisíveis possibilidades de
e as interações dos estudantes. construir novos significados. E tal dinâmica, a meu
Nesse sentido, Márcia Lise Lunardi (2002), em ver, constitui o campo fértil do trabalho educativo com
seu trabalho Medicalização, reabilitação, normaliza- as diferenças.
ção: uma política de educação especial, analisa a Po- Dulcéria Tartuci, no trabalho O aluno surdo na
lítica Nacional de Educação Especial (PNEE), parti- escola inclusiva: ocorrências interativas e construção
cularmente no que se refere à educação de surdos, de conhecimentos (2002), realizado com um grupo
entendendo-a como um dispositivo de normalidade. de nove alunos surdos no contexto de classe comum
Para a autora, e em diferentes disciplinas, problematiza os proces-
sos de educação inclusiva.
[...] a educação especial como um dispositivo de normali- Um dos pontos mais problemáticos dos proces-
zação, ao diagnosticar a surdez como uma anormalidade, sos de inclusão de surdos na escola regular é a falta
lança mão de suas estratégias terapêuticas e corretivas, a de domínio de uma língua comum entre surdos e ou-
fim de docilizar, disciplinar, “ouvintizar” e transformar os vintes. Este é um dos fatores que dificulta ou mesmo
sujeitos surdos em indivíduos produtivos e governáveis. impede a interação, a comunicação e a própria cons-
trução de conhecimentos no processo educativo des-
Com isso, a educação especial produz novos con- ses alunos.
ceitos e técnicas de reeducação e reabilitação, ao A interação do aluno surdo com professores e
mesmo tempo em que constitui outras formas de su- colegas ouvintes acaba por se dar através de formas
jeitos. Ao construir os discursos sobre a surdez, que híbridas de comunicação que, por não serem promo-
por muito tempo foram tidos como “verdadeiros”, vidas de modo crítico e sistemático, são impregnadas
constitui o sujeito surdo mediante as práticas sociais de mal-entendidos, restringindo a possibilidade de
do controle e da vigilância. Mas – ressalta a autora – ensino-aprendizagem no contexto escolar. Nas esco-
a constituição desses “verdadeiros” discursos da Edu- las pesquisadas, Dulcéria Tartuci constata a inexis-
cação Especial, da Medicina, são construções histó- tência de estratégias organizadas de comunicação
ricas de múltiplos significados, e a fabricação desses entre surdos e ouvintes na sala de aula. Em algumas
saberes se dá através de relações de poder que, se- situações, alguns dos alunos surdos buscam se comu-
gundo Foucault, “se exerce a partir de inúmeros pon- nicar através de gestos, expressão facial, escrita e de
tos e em meio a relações desiguais e móveis” (1988, outros meios. Da parte dos ouvintes, verifica-se um
p. 89-90). Por isso, Márcia Lunardi questiona os certo esforço por criar estratégias de comunicação com
binarismos que constituem a educação de surdos – o sujeito surdo, cuja presença, no entanto, por vezes é
ouvinte x surdo, língua oral x língua de sinais, inteli- desconsiderada ou ignorada. Em quase todas as aulas
gência x deficiência, inclusão x exclusão, educação x observadas, a professora passa atividades no quadro,
reeducação. Assim, é possível compreender que a edu- vai falando e explicando de costas para os alunos.
cação dos surdos não é definida unilateralmente pe-
los sujeitos ouvintes, nem a comunidade surda en- Como, na escola, as interações se estabelecem prin-
contra-se subordinada inexoravelmente às práticas cipalmente pela modalidade oral, os sujeitos surdos perma-
“ouvintistas”. Pois não há, no princípio das relações necem, na maior parte do tempo, excluídos das situações
de poder e como matriz geral, uma oposição binária e de ensino-aprendizagem. [...] Na realização das tarefas, os
global entre os dominadores e dominados (Foucault, professores explicam, falam durante algum tempo, estabe-

Revista Brasileira de Educação 29


Reinaldo Matias Fleuri

lecendo poucas oportunidades para um diálogo com os alu- identidades a partir de unidades já conhecidas e acei-
nos em geral, menos ainda com o aluno surdo. O foco está tando apenas fragmentos ordenados do outro.
na produção de exercícios escritos. A dinâmica dialógica Em contraposição aos processos de sujeição, que
que se alterna com a escrita é empobrecida. Por isso, o alu- se constituem mediante os dispositivos disciplinares
no surdo pode simular a participação nos rituais, sem estar de normalidade e da diversidade, emerge a política
realmente construindo conhecimentos (o que talvez seja da diferença. Segundo Skliar, a diferença se consti-
verdade também para os ouvintes). (Tartuci, 2002) tui pela auto-afirmação do outro, que resiste contra a
violência física e simbólica dos processos de coloni-
Ao explicitar as dificuldades de comunicação que zação. Embora os outros, os diferentes, freqüente-
a escola enfrenta com a presença de alunos surdos mente tenham sido domesticados pelo discurso e pelo
nas salas de aula, assim como as estratégias desen- poder colonial, a irrupção (inesperada) do outro, do
volvidas por esses alunos para se adequar aos rituais ser-outro-que-é-irredutível-em-sua-alteridade, cria
escolares, o estudo de Dulcéria Tartuci, aponta para um distanciamento, uma diferença entre perspecti-
diferentes desafios emergentes no processo da inclu- vas, um entrelugar, um terceiro espaço, que ativa o
são de crianças diferentes no sistema regular de ensi- deslocamento entre múltiplas alternativas de inter-
no. Torna-se necessário desenvolver novas estratégias pretações e ao mesmo tempo constitui os posiciona-
de comunicação, múltiplas linguagens e técnicas di- mentos singulares no contexto desta luta de interpre-
dáticas – como indica o trabalho de Gizeli Aparecida tações possíveis. A irrupção do outro produz um
Ribeiro de Alencar (2002), O direito de comunicar, interstício entre o anúncio e a denúncia, configuran-
por que não? Comunicação alternativa aplicada a do o espaço de enunciação de novos, múltiplos, flui-
portadores de necessidades educativas especiais no dos, ambivalentes significados. Entre a identidade (o
contexto de sala de aula. É fundamental, ainda, com- eu, o mesmo) e a alteridade (o outro, o diferente) se
preender e implementar criticamente a formação dos produzem processos de tradução e de negociação
professores – como estuda Ana Dorziat (2002), no tra- cujos enunciados não são redutíveis ao mesmo ou ao
balho Concepções de ensino de professores de surdos. diferente. “A irrupção do outro é o que possibilita
sua volta [...] e sua volta nos devolve nossa alterida-
A emergência do outro de, nosso próprio ser outro [...] A irrupção do outro é
uma diferença que difere, que nos difere e que se
Esses trabalhos, entre muitos outros discutidos difere sempre de si mesma” (Skliar, 2002).
na 25ª Reunião da ANPEd, descortinam novas pers- O reconhecimento do outro a partir dos comple-
pectivas de compreensão das diferenças e das identi- xos processos que constituem sua subjetividade per-
dades culturais no campo das práticas educativas. Para mite compreendê-lo em sua alteridade. Tal é o que
além de uma compreensão rígida, hierarquizante, dis- propõe Alessandra de Oliveira (2002) em relação à
ciplinar, normalizadora da diversidade cultural, emer- infância. A autora defende que é preciso ver e ouvir
ge o campo híbrido, fluido, polissêmico, ao mesmo tem- as crianças a partir de si próprias, na sua alteridade e
po trágico e promissor da diferença, que se constitui positividade, como sujeitos produtores de cultura. Re-
nos entrelugares e nos entreolhares das enunciações conhecer a alteridade da infância implica acolher sua
de diferentes sujeitos e identidades socioculturais. diferença em relação ao mundo dos adultos. O olhar
Carlos Skliar, em seu texto É o outro que retorna da criança interpela e questiona o olhar dos adultos,
ou é um eu que hospeda? Notas sobre a pergunta obs- desvelando múltiplas linguagens e revelando realida-
tinada pelas diferenças em educação (2002), questiona des sociais só perceptíveis do ponto de vista das crian-
justamente a política da diversidade que produz um ças. Reconhecer a diferença no “Outro”, criança, re-
novo sujeito da mesmice. A diversidade multiplica suas quer, por isso, a construção de um novo modo de

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Intercultura e educação

organização das práticas de educação infantil capaz No espaço escolar estamos atentos para acolher
de, para além do instituído, acolher e elaborar o ines- o que as crianças nos dizem na sua alteridade? Para
perado, através das múltiplas linguagens e de múlti- compreender os sentidos que suas ações e posições
plas estratégias que se configuram nas relações que assumem no contexto de seus respectivos padrões
as crianças estabelecem entre elas mesmas e com os culturais? Ou atuamos apenas com as representações
adultos. de criança e de infância abstraídas de padrões cultu-
Nessa direção, podemos dizer que a imagem de rais genéricos e universalizantes, que despem essas
criança e de infância só poderia ser compreendida em crianças e essas infâncias de suas particularidades
sua significação a partir do encontro com crianças e culturais? A adoção dessa imagem universal de crian-
infâncias específicas. Ao contrário da imagem cor- ça e de infância não seria produtora da desconexão
rente de criança e de infância, pressupostamente es- do saber escolar dos fatos e acontecimentos que en-
sencial e universal, que retrata o que se diz e o que se volvem as suas vidas, no cotidiano? E, por ser uni-
sabe sobre ela, propondo implicitamente também o versalizante e homogeneizante, tal imagem assumida
que se deve fazer com elas. A significação da infân- não seria também responsável pela desconsideração
cia e da criança não se encontra, entretanto, no que das diferenças, que dificulta o reconhecimento e a
dizemos dela, mas no que ela nos diz na sua alterida- comunicação entre as culturas escolares e as cultu-
de. Essa compreensão rompe com uma visão de edu- ras vividas?
cação que pressupõe já saber o que são as crianças e a
infância e sobre o que se deve fazer com elas. Considerações finais
Tal olhar nos coloca, assim, face a face com o
estranho, com a diferença, com o desconhecido, que O que nós estamos aqui chamando de intercultura
não pode ser reconhecido nem apropriado, mas ape- refere-se a um campo complexo em que se entrete-
nas conhecido na sua especificidade diferenciadora. cem múltiplos sujeitos sociais, diferentes perspecti-
Não se trata de reduzir o outro ao que nós pensamos vas epistemológicas e políticas, diversas práticas e
ou queremos dele. Não se trata de assimilá-lo a nós variados contextos sociais. Enfatizar o caráter rela-
mesmos, excluindo sua diferença. Trata-se de abrir o cional e contextual (inter) dos processos sociais per-
olhar ao estranhamento, ao deslocamento do conhe- mite reconhecer a complexidade, a polissemia, a flui-
cido para o desconhecido, que não é só o outro sujei- dez e a relacionalidade dos fenômenos humanos e
to com quem interagimos socialmente, mas também culturais. E traz implicações importantes para o cam-
o outro que habita em nós mesmos. po da educação.
Dessa forma, somos convidados a viver os nos- A mais importante implicação constitui-se na
sos padrões culturais como apenas mais um dentre os própria concepção de educação. A educação, na pers-
muitos possíveis, abrindo-nos para a aventura do en- pectiva intercultural, deixa de ser assumida como
contro com a alteridade. um processo de formação de conceitos, valores, ati-
É sob esta perspectiva que a educação intercul- tudes baseando-se uma relação unidirecional, unidi-
tural se preocupa com as relações entre seres huma- mensional e unifocal, conduzida por procedimentos
nos culturalmente diferentes uns dos outros. Não ape- lineares e hierarquizantes. A educação passa a ser
nas na busca de apreender o caráter de várias culturas, entendida como o processo construído pela relação
mas sobretudo na busca de compreender os sentidos tensa e intensa entre diferentes sujeitos, criando con-
que suas ações assumem no contexto de seus respec- textos interativos que, justamente por se conectar di-
tivos padrões culturais e na disponibilidade de se dei- namicamente com os diferentes contextos culturais
xar interpelar pelos sentidos de tais ações e pelos sig- em relação aos quais os diferentes sujeitos desen-
nificados constituídos por tais contextos. volvem suas respectivas identidades, torna-se um

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Reinaldo Matias Fleuri

ambiente criativo e propriamente formativo, ou seja, se transformam, mediatizados pelas próprias pessoas
estruturante de movimentos de identificação subje- em relação.
tivos e socioculturais. Nesse processo, desenvolve- A compreensão dos processos e contextos edu-
se a aprendizagem não apenas das informações, dos cativos que permitem a articulação entre diferentes
conceitos, dos valores assumidos pelos sujeitos em contextos culturais – baseada na concepção de mente
relação, mas sobretudo a aprendizagem dos contex- formulada por Bateson (1986, p. 99-100) – indica que
tos em relação aos quais esses elementos adquirem o processo educativo desenvolve-se como um siste-
significados. Nesses entrelugares, no espaço ambiva- ma mental, composto por múltiplos elementos, cuja
lente entre os elementos apreendidos e os diferentes interação é acionada por diferenças que, ativadas por
contextos a que podem ser referidos, é que pode emer- energia colateral, desencadeiam versões codificadas
gir o novo, ou seja, os processos de criação que po- e circulam em cadeias de determinação complexas,
dem ser potencializados nos limiares das situações que se articulam em uma hierarquia de tipos lógicos
limites. inerente ao próprio processo de transformações.
A educação se constitui, assim, por processos de Tal concepção de educação traz como corolário
aprendizagem de segundo nível (Bateson, 1986, a necessidade de se repensar e ressignificar a con-
p. 319-328), ou seja, a compreensão do contexto que, cepção de educador. Pois, se o processo educativo
construído pelos próprios sujeitos em interação, con- consiste na criação e desenvolvimento de contextos
figura os significados de seus atos e relações. Tais educativos, e não simplesmente na transmissão e as-
processos de deuteroaprendizagem (aprendizagem de similação disciplinar de informações especializadas,
segundo nível) promovem o desenvolvimento de con- ao educador compete a tarefa de propor estímulos
textos educativos que permitem a articulação entre (energia colateral) que ativem as diferenças entre os
diferentes contextos subjetivos, sociais e culturais, sujeitos e entre seus contextos (histórias, culturas,
mediante as próprias relações desenvolvidas entre organizações sociais...) para desencadear a elabora-
sujeitos. Os processos educativos desenvolvem-se, as- ção e circulação de informações (versões codificadas
sim, à medida que diferentes sujeitos constituem sua das diferenças e das transformações) que se articu-
identidade, elaborando autonomia e consciência crí- lem em diferentes níveis de organização (seja em
tica, na relação de reciprocidade (cooperativa e con- âmbito subjetivo, intersubjetivo, coletivo, seja em ní-
flitual) com outros sujeitos, criando, sustentando e veis lógicos diferentes). Educador, nesse sentido, é
modificando contextos significantes, que interagem propriamente um sujeito que se insere num processo
dinamicamente com outros contextos, criando, sus- educativo e interage com outros sujeitos, dedicando
tentando e modificando metacontextos, na direção de particular atenção às relações e aos contextos que vão
uma “ecologia da mente”.8 se criando, de modo a contribuir para a explicitação e
Nessa perspectiva, já é possível compreender – elaboração dos sentidos (percepção, significado e di-
com Paulo Freire – que as pessoas se educam em re- reção) que os sujeitos em relação constroem e re-
lação, mediatizadas pelo mundo, ao mesmo tempo constroem. Nesses contextos, o currículo e a pro-
em que seus respectivos mundos culturais e sociais gramação didática, mais do que um caráter lógico,
terão uma função ecológica, ou seja, sua tarefa não
será meramente a de configurar um referencial teóri-
8
co para o repasse hierárquico e progressivo de infor-
A noção de ecologia da mente implica um modo novo de
pensar “interdisciplinar, mas não no sentido simples e ordinário
mações, mas prever e preparar recursos capazes de
de consentir uma troca de informações através dos confins das ativar a elaboração e circulação de informações entre
disciplinas, mas de permitir a descoberta de estruturas comuns a sujeitos, de modo que se auto-organizem em relação
muitas disciplinas” (Bateson apud Donaldson, 1997, p. 18). de reciprocidade entre si e com o próprio ambiente.

32 Maio/Jun/Jul/Ago 2003 Nº 23
Intercultura e educação

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