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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE ENGENHARIA DE ALIMENTOS


TA 722 – PROCESSOS TECNOLÓGICOS III – 1°S/2021

Exercício 2 – Estabilidade e instabilidade das proteínas do leite; Leites

fermentados. Profa. Débora Baptista

DANIEL PIAU CANDIDO RA: 195863

1. Sobre a coagulação do leite, responda:


a) Explique a estabilidade da micela de caseína no leite e os mecanismos de
desestabilização e formação de coágulos (géis) que ocorrem durante a coagulação
ácida e durante a coagulação enzimática do leite.
As caseínas correspondem às proteínas insolúveis, que representam cerca de 80% do
teor total de proteínas constituídas no leite. Elas se organizam em estruturas chamadas
micelas, ou seja, na forma de uma suspensão coloidal. Pela presença de fosfoserina, as
caseínas tem a capacidade de ligar cálcio, e a partir disso podem formar complexos iônicos
com íon difosfato inorgânico, dando origem ao fosfato de cálcio coloidal, que formam
propriamente as micelas de caseína.
As micelas são constituídas resumidamente por tipos diferentes de caseína,
nanoclusters de fosfato de cálcio coloidal e a k-caseína na superfície da micela. Entre os
fatores que contribuem para a estabilidade das micelas dentro do sistema físico-químico do
leite, tem-se de grande impacto:
- a repulsão eletrostática, onde no pH do leite, as caseínas estão carregadas negativamente e
com isso existe uma repulsão entre as diferentes micelas que impede a agregação e
precipitação;
- o impedimento estérico, causado pela presença de cabelos de k-caseína na superfície da
micela;
- camada de hidratação, pela presença dos macro-peptídeos que interagem com água
formando uma camada.
Desse modo, qualquer fator que altere a estrutura das micelas ou que modifique as
condições que permitem que elas permaneçam estáveis causa a desestabilização desse
arranjo.
Para que aconteça a coagulação ácida do leite, é necessária a desestabilização desta
estrutura, e o mecanismo para romper a estabilidade da micela é a diminuição do pH pela
ação de bactérias ácido lácticas, por exemplo, ou seja, por meio da acidificação se obtém a
desestabilização e agregação das micelas de caseína. Com a redução do pH, tem-se uma
solubilização progressiva do fosfato de cálcio coloidal (FFC), ou seja, a remoção gradual dos
nanoclusters de FFC, ocasionando uma tendência de desagregação da estrutura interna da
micela. Essa acidificação promove a neutralização das cargas negativas reduzindo a repulsão
eletrostática, e a diminuição das cargas dos macro-peptídeos leva ao colapso dos cabelos de
k-caseína, o que reduz o impedimento estérico, culminando na desestabilização e agregação
das micelas.
Essa agregação dá origem a uma rede tridimensional, que irá aprisionar
mecanicamente os glóbulos de gordura e reter toda a água presente no sistema,
representando a conversão de um líquido à um gel ácido.
No caso de uma coagulação enzimática, o mecanismo de para romper a estabilidade
da micela é também a diminuição do pH, mas pela ação de enzimas proteolíticas
coagulantes, e através da hidrólise de uma ligação terminal específica que levará à remoção
dos cabelos da k-caseína. Com isso, tem-se uma redução de cargas negativas e do
impedimento estérico permitindo a agregação das micelas e consequente formação do gel de
paracaseinato de cálcio.

b) Compare, em tese, os coágulos (géis) obtidos pela coagulação ácida e pela


coagulação enzimática do leite em termos de capacidade de contração da matriz
proteica e sinérese.

Considerando que na coagulação ácida há a desmineralização da matriz da caseína, e


o fosfato de cálcio coloidal é solubilizado (ausência de cálcio), a estrutura do gel formado
pela desestabilização da caseína é fraca, com ligações fracas, e a capacidade de contração e
expulsão do soro é baixa, também chamada de sinérese.
Em contrapartida, no processo enzimático o gel formado é rico em fosfato de cálcio
coloidal. Pela remoção dos cabelos, há uma exposição de grupos reativos, gerando indução
de interação entre as micelas e com isso tem-se formação de pontes de cálcio, interações
hidrofóbicas, fatores estes que contribuem para a formação de um coágulo mais resiliente,
menos frágil, com maior capacidade de contração e expulsão de soro.

2. Uma indústria que fabricava iogurte por um processo artesanal cresceu e adquiriu
equipamentos contínuos para fazer tratamento térmico e homogeneização do leite
antes do processamento do iogurte. Os responsáveis técnicos foram convencidos pelos
vendedores que o tratamento térmico intenso e a homogeneização afetam
positivamente a viscosidade/consistência do iogurte. Na falta de equipamentos
sofisticados, os produtores utilizaram dois métodos empíricos para avaliar a
viscosidade/consistência do iogurte. Através do “falling sphere”, que consistia em
colocar o iogurte em uma proveta, adicionar uma esfera, marcar um determinado
tempo e medir a profundidade que a esfera afundava na proveta, eles avaliaram o que
chamaram de consistência do iogurte. Através do “posthumus funnel”, que consistia
em colocar uma determinada quantidade de iogurte em um funil e determinar o tempo
que o iogurte levava para passar através do funil, eles avaliaram o que chamaram de
viscosidade do iogurte. O leite foi tratado a quatro diferentes temperaturas (70, 78, 86
e 95°C) por 30 minutos, tendo sido homogeneizado (A) ou não (B). Os resultados dos
testes empíricos são apresentados na tabela abaixo.
Você foi chamado para ajudá-los a interpretar o que aconteceu. Assim, discuta os
resultados obtidos e explique para os produtores como (e por que) o tratamento
térmico e a homogeneização afetam a viscosidade/consistência do iogurte.

De acordo com os dados obtidos é possível avaliar primeiramente o efeito da


homogeneização e do tratamento térmico para a medida de consistência. Nesta, quanto
maior o falling sphere em centímetros, menor a consistência, pois maior o caminho
percorrido pela esfera num determinado tempo, ou seja, mais facilmente a esfera percorre a
coluna de iogurte. Pode-se concluir que com o aumento da temperatura, a consistência de
ambas as amostras aumentou, indicando que esse aumento de temperatura é diretamente
proporcional ao aumento da consistência. Sobre a homogeneização, as amostras que
passaram por essa etapa apresentaram maior consistência quando comparadas às que não
foram submetidas a este procedimento.
A homogeneização consiste na divisão/redução dos glóbulos de gordura (aumento da
área superficial) presentes no leite, e tem como objetivo principal a prevenção da
aglomeração dos glóbulos de gordura durante a etapa de fermentação ou durante seu período
de estocagem. A homogeneização completa resulta na ligação de glóbulos de gordura às
micelas de caseína, aumentando o volume das partículas de caseína, que podem conduzir à
uma formação de gel mais macio e mais viscoso durante a coagulação . Esta etapa visa
aumentar a estabilidade e consistência dos produtos fermentados, proporcionando um
melhor corpo e brilho.
Com relação ao teste de viscosidade, algo muito similar pôde ser notado. É possível
perceber que houve aumento da viscosidade com o aumento da temperatura, verificado pelo
aumento no tempo necessário para o fluido passar pelo funil. As amostras homogeneizadas
apresentaram maior viscosidade quando comparadas às não-homogeneizadas, onde o tempo
para as homogeneizadas passarem pelo funil foi aproximadamente o dobro do tempo para as
amostras que não passaram por esta etapa.
O aumento na viscosidade causado pela homogeneização está relacionado à mudança
na capacidade de retenção de água das proteínas do leite. A viscosidade também depende da
temperatura de homogeneização. Tempo e temperatura promovem modificações de
importância na estrutura físico-química das proteínas, provocando uma desnaturação parcial
das proteínas do soro. Essa desnaturação parcial é fundamental na estabilidade do gel no
iogurte. A interação promovida pelo calor entre a proteína do soro desnaturada e a caseína é
importante, uma vez que aumenta as propriedades hidrofílicas da caseína, facilitando a
formação de um coágulo estável.
Em outras palavras, durante o aquecimento há aumento do caráter hidrofílico das
proteínas, que reduz a sinérese e aumenta a consistência do gel. Este efeito é conseqüência
das ligações covalentes entre a κ-caseína e a β-lactoglobulina que dão lugar a uma nova
estrutura superficial com poucos grupos hidrofóbicos expostos. A máxima hidratação é
obtida aquecendo-se o leite a 85°C por 30 minutos e o iogurte elaborado com este leite
apresenta um comportamento tixotrópico verdadeiro. Um tratamento térmico mais severo
aumenta a hidrofobicidade, favorecendo a sinérese e produzindo um iogurte com qualidade
inferior.
O tratamento térmico a 95°C por 5 minutos ou o tratamento térmico a 85°C por 20 a
30 minutos desnatura mais de 85% das proteínas do soro, reduz consideravelmente a biota
original, ativa a cultura (por diminuir a quantidade de oxigênio dissolvido no meio) e
melhora a consistência do iogurte (devido à desnaturação das proteínas do soro e
subseqüente agregação das mesmas à micela de caseína). A desnaturação das proteínas do
soro reduz a contração do coágulo da caseína do iogurte, diminuindo, conseqüentemente, a
sinérese.

3. Sobre o processo de fabricação de iogurte:


a) Explique o mecanismo de simbiose durante a fermentação do leite para fabricação
de iogurte.
Streptococcus thermophillus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus
apresentam uma relação de protocooperação no leite. A simbiose entre as bactérias
iniciadoras começa quando o L. bulgaricus (que é proteolítico) produz enzimas que
degradam a caseína, liberando peptídeos e aminoácidos como treonina, metionina e valina,
moléculas utilizadas como fatores de crescimento para o S. thermophilus. Em contrapartida,
S. thermophilus produz ácido lático, dióxido de carbono e ácido fórmico a partir da
degradação da lactose, crescendo rapidamente até valor de pH 5,5. A liberação de ácido
fórmico e do composto volátil dióxido de carbono estimula o desenvolvimento do L.
bulgaricus. Devido a esta estimulação mútua, durante o crescimento combinado destas duas
bactérias no leite, a produção de ácido lático é muito mais rápida do que se fossem
empregadas as culturas puras. Ao final da fermentação, L. bulgaricus produz acetaldeído e
ácidos graxos, compostos que contribuem para o desenvolvimento do sabor característico
iogurte.

b) Discuta como o tempo e a temperatura de incubação afetam o equilíbrio entre cocos


e bacilos.

Um maior tempo de incubação, superior a 2,5h, pode ter um favorecimento dos


bacilos, e um menor tempo de incubação (que 2,5 horas) pode ter um favorecimento de
cocos. A razão é porque quanto maior o tempo de incubação, maior será a interação entre
bacilos e cocos até o ponto em que se inicia a antibiose, onde uma grande quantidade de
ácido lático se acumula no meio, e consequentemente o pH é reduzido. Com isso, inicia-se o
processo de inibição do desenvolvimento do Streptococcus thermophilus, enquanto o
Lactobacillus delbrueckii ssp. bulgaricus aumenta em número e predomina sobre o S.
thermophilus, por ser mais resistente à acidez.
A sobrevivência de culturas é diretamente proporcional à habilidade de se manter
sobre determinada faixa de pH, e além da acidez resultante do tempo de incubação das
bactérias, a temperatura afeta o equilíbrio de cocos e bacilos. Altas temperaturas favorecem
os bacilos em detrimento aos cocos, já que a temperatura ótima dos bacilos é superior. Logo,
em temperaturas superiores a 45 °C há favorecimento de crescimento de bacilos, e para
temperaturas mais baixas o inverso se torna verdadeiro. Essa proporção bacilos-cocos
dependerá, portanto, das condições de processamento do iogurte em cada etapa do processo.
A utilização de temperatura na etapa de tratamento térmico também afeta a atividade
proteolítica do produto em questão durante o armazenamento. A temperatura de 45 °C é
indicada para a incubação das BAL, por um período médio variável de 2,5 horas, tempo este
de melhor equilíbrio entre as duas bactérias, proporcionando condições ótimas de
crescimento.

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