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BREVE HISTÓRIA DO PROTESTANTISMO NO BRASIL

Alderi Souza de Matos

1. O contexto político-religioso (1500-1822)

Portugal surgiu como nação independente da Espanha durante a Reconquista (1139-


1249), ou seja, a luta contra os muçulmanos que haviam conquistado boa parte da
Península Ibérica vários séculos antes. Seu primeiro rei foi D. Afonso Henriques. O
novo país tinha fortes ligações com a Inglaterra, com a qual iria firmar posteriormente o
Tratado de Windsor, em 1386. O apogeu da história de Portugal foi o período das
grandes navegações e dos grandes descobrimentos, com a conseqüente formação do
império colonial português na África, Ásia e América Latina.

No final da Idade Média, a forte integração entre a igreja e o estado na Península


Ibérica deu origem ao fenômeno conhecido como “padroado” ou patronato real. Pelo
padroado, a Igreja de Roma concedia a um governante civil certo grau de controle sobre
uma igreja nacional em apreciação por seu zelo cristão e como incentivo para futuras
ações em favor da igreja. Entre 1455 e 1515, quatro papas concederam direitos de
padroado aos reis portugueses, que assim foram recompensados por seus esforços no
sentido de derrotar os mouros, descobrir novas terras e trazer outros povos para a
cristandade.

Portanto, a descoberta e colonização do Brasil foi um empreendimento conjunto


do Estado português e da Igreja Católica, no qual a coroa desempenhou o papel
predominante. O estado forneceu os navios, custeou as despesas, construiu as igrejas e
pagou o clero, mas também teve o direito de nomear os bispos, recolher os dízimos,
aprovar documentos e interferir em quase todas as áreas da vida da igreja.

Um dos primeiros representantes oficiais do governo português a visitar o Brasil


foi Martim Afonso de Souza, em 1530. Três anos depois, foi implantado o sistema de
capitanias hereditárias, que, todavia, não foi bem-sucedido. Diante disso, Portugal
começou a nomear governadores-gerais, o primeiro dos quais foi Tomé de Sousa, que
chegou em 1549 e construiu Salvador, na Bahia, a primeira capital da colônia.
Com Tomé de Sousa vieram os primeiros membros de uma nova ordem religiosa
católica que havia sido oficializada recentemente (1540) – a Sociedade de Jesus ou os
jesuítas. Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e seus companheiros foram os primeiros
missionários e educadores do Brasil colonial. Essa ordem iria atuar ininterruptamente
no Brasil durante 210 anos (1549-1759), exercendo enorme influência sobre sua história
religiosa e cultural. Muitos jesuítas foram defensores dos índios, como o afamado padre
Antonio Vieira (1608-97). Ao mesmo tempo, eles se tornaram os maiores proprietários
de terras e senhores de escravos do Brasil colonial.

Em 1759 a Sociedade de Jesus foi expulsa de todos os territórios portugueses


pelo primeiro-ministro do rei D. José I, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês
de Pombal (1751-1777). Por causa de sua riqueza e influência, os jesuítas tinham muitos
inimigos entre os líderes eclesiásticos, proprietários de terras e autoridades civis. Sua
expulsão resultou tanto do anticlericalismo que se alastrava pela Europa quanto do
“regalismo” de Pombal, isto é, a noção de que todas as instituições da sociedade, em
especial a igreja, deviam ser inteiramente subservientes ao rei. Pombal também
determinou a transferência da capital colonial de Salvador para o Rio de Janeiro.

Desde o início da colonização, a coroa portuguesa foi lenta em seu apoio à


igreja: a primeira diocese foi fundada em 1551, a segunda somente em 1676 e em 1750
havia apenas oito dioceses no vasto território. Nenhum seminário para o clero secular
foi criado até 1739. Todavia, a coroa nunca deixou de recolher os dízimos, que vieram a
ser o principal tributo colonial. Com a expulsão dos jesuítas, que eram em grande parte
independentes das autoridades civis, a igreja tornou-se ainda mais fraca.

Durante o período colonial, a atuação dos bandeirantes, aventureiros que se


embrenhavam pelo interior em busca de pedras preciosas e escravos, foi decisiva para a
expansão territorial do Brasil. Suas ações foram facilitadas e incentivadas pela União
Ibérica, ou seja, o controle de Portugal pela Espanha durante sessenta anos (1580-1640).
Os bandeirantes chegaram a atacar as missões jesuíticas da bacia do rio Paraná,
conhecidas como “reduções”, levando centenas de indígenas para os mercados de
escravos de São Paulo. A escravidão de índios e negros foi uma constante no período
colonial. Outro fenômeno marcante foi a corrida do ouro nas Minas Gerais (1693-1760),
que trouxe benefícios e problemas.

No período colonial houve dois tipos bastante distintos de catolicismo no Brasil.


Em primeiro lugar, havia a religiosidade dos colonos, escravos e senhores de engenho,
centralizada na “casa grande” e caracterizada pela informalidade, pequena ênfase em
dogmas, devoção aos santos e Maria e permissividade moral. Ao mesmo tempo, nos
centros urbanos havia o catolicismo das ordens religiosas, mais disciplinado e alinhado
com Roma. Havia ainda as irmandades, que por vezes tinham bastante independência
em relação à hierarquia.

Em conclusão, no período colonial o estado exerceu um rígido controle sobre a


área eclesiástica. Com isso a igreja teve dificuldade em realizar adequadamente o seu
trabalho evangelístico e pastoral. O catolicismo popular era culturalmente forte, mas
débil nos planos espiritual e ético. Apesar das suas debilidades, a igreja foi um
importante fator na construção da unidade e da identidade nacional.

2. Presença protestante no Brasil colonial

Nos séculos 16 e 17, duas regiões do Brasil foram invadidas por nações
européias: a França e a Holanda. Muitos dos invasores eram protestantes, o que
provocou forte reação dos portugueses numa época em que estava em pleno curso a
Contra-Reforma, ou seja, o esforço da Europa católica no sentido de deter e mesmo
suprimir o protestantismo. O esforço pela expulsão dos invasores fortaleceu a
consciência nacional, mas ao mesmo tempo aumentou o isolamento do Brasil.

2.1 Os franceses na Guanabara (1555-1567)

Em dezembro de 1555 chegou à baía de Guanabara uma expedição comandada


por Nicolas Durand de Villegaignon. O empreendimento contou com o apoio do
almirante Gaspard de Coligny (1519-1572), um simpatizante e futuro correligionário
dos protestantes franceses (huguenotes).
Inicialmente, Villegaignon se mostrou simpático à Reforma. Escreveu ao
reformador João Calvino, em Genebra, na Suíça, pedindo pastores e colonos
evangélicos para sua colônia. Uma segunda expedição chegou em 1557, trazendo um
pequeno grupo de huguenotes liderados pelos pastores Pierre Richier e Guillaume
Chartier. Um integrante da comitiva era Jean de Léry, que mais tarde se tornou pastor e
escreveu o livro História de uma viagem à terra do Brasil, publicado em Paris, em
1578. No dia 10 de março de 1557 esse grupo realizou o primeiro culto protestante da
história do Brasil e das Américas.

Rapidamente surgiram divergências entre Villegaignon e os calvinistas acerca


dos sacramentos e de outras questões. O pastor Chartier foi enviado de volta para a
França e os colonos protestantes foram expulsos. O navio em que vários deles voltaram
para a França começou a apresentar problemas e cinco deles se ofereceram para retornar
à terra: Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon,, André Lafon e Jacques le
Balleur.

Em resposta a uma série de perguntas apresentadas pelo comandante, esses


homens escreveram um belo documento, a Confissão de fé da Guanabara (1558). Três
deles foram executados por causa de suas convicções. André Lafon, o único alfaiate da
colônia, teve a vida poupada. Le Balleur fugiu para São Vicente, ficou encarcerado por
vários anos em Salvador, e finalmente foi levado para o Rio de Janeiro em 1567, sendo
enforcado quando os últimos franceses foram expulsos pelos portugueses.

Os calvinistas tiveram uma preocupação missionária em relação aos índios, mas


pouco puderam fazer por eles. Léry expressou atitudes contraditórias que
provavelmente eram típicas dos seus comanheiros: embora interessado na situação
espiritual dos indígenas, a relutância dos mesmos em aceitar a fé cristã o levou a
concluir que eles talvez estivessem entre os não-eleitos. A França Antártica entrou para
a história como a primeira tentativa de se estabelecer uma igreja e um trabalho
missionário protestante na América Latina.

2.2 Os holandeses no Nordeste (1630-1654)


Em 1568 as Províncias Unidas dos Países Baixos tornaram-se independentes da
Espanha. A nova e próspera nação calvinista criou em 1621 a Companhia das Índias
Ocidentais, na época em que Portugal estava sob o domínio da Espanha (1580-1640).
Em 1624 os holandeses tomaram Salvador, a capital do Brasil, mas foram expulsos no
ano seguinte.

Em 1630 a Companhia das Índias Ocidentais tomou Recife e Olinda e dentro de


cinco anos apossou-se de grande parte do nordeste brasileiro. O maior líder do Brasil
holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau-Siegen, que governou por apenas sete
anos (1637-1644). Ele foi notável administrador e incentivador das ciências e das artes.
Concedeu uma boa medida de liberdade religiosa aos habitantes católicos e judeus do
Brasil holandês.

Os holandeses criaram sua própria igreja estatal nos moldes da Igreja Reformada
da Holanda. Durante os 24 anos de dominação, foram organizadas 22 igrejas e
congregações, dois presbitérios e um sínodo. As igrejas foram servidas por mais de 50
pastores (“predicantes”), além de pregadores auxiliares (“proponentes”) e outros
oficiais. Havia também muitos “consoladores dos enfermos” e professores de escolas
paroquiais.

As igrejas destacaram-se pela sua atuação beneficente e sua ação missionária


junto aos índios. Havia planos de preparação de um catecismo, tradução da Bíblia e
ordenação de pastores indígenas. Todavia, levados por considerações econômicas e
agindo contra as suas convicções religiosas, os holandeses mantiveram intacto o sistema
de escravidão negra, ainda que tenham concedido alguns direitos aos escravos.

Após alguns anos de divergências com os diretores da Companhia das Índias


Ocidentais, Maurício de Nassau renunciou em 1644 e no ano seguinte começou a
revolta dos portugueses e brasileiros contra os invasores, que finalmente foram expulsos
em 1654. No restante do período colonial, o Brasil manteve-se isolado, sendo
inteiramente vedada a entrada de protestantes. Porém, com a transferência da família
real portuguesa, em 1808, abriram-se as portas do país para a entrada legal dos
primeiros protestantes (anglicanos ingleses).
3. Igreja e Estado no Brasil Império (1822-1889)

Com a independência do Brasil, surgiu a necessidade de atrair imigrantes


europeus, inclusive protestantes. A Constituição Imperial, promulgada em 1824,
concedeu-lhes certa liberdade de culto, ao mesmo tempo em que confirmou o
catolicismo como religião oficial. Até a Proclamação da República, os protestantes
enfrentariam sérias restrições no que diz respeito ao casamento civil, uso de cemitérios e
educação.

Desde o século 18, começaram a se tornar influentes no Brasil novos conceitos e


movimentos surgidos na Europa, tais como o iluminismo, a maçonaria, o liberalismo
político e os ideais democráticos americanos e franceses. Tais idéias tornaram-se
especialmente influentes entre os intelectuais, políticos e sacerdotes, e tiveram dois
efeitos importantes na área religiosa: o enfraquecimento da Igreja Católica e uma
crescente abertura ao protestantismo.

O liberalismo de muitos religiosos brasileiros, inclusive bispos, é ilustrado pelo


padre Diogo Antonio Feijó (regente do império de 1835 a 1837), que em diferentes
ocasiões propôs a legalização do casamento clerical, sugeriu que os irmãos morávios
fossem convidados para educar os índios brasileiros e defendeu um concílio nacional
para separar a igreja brasileira de Roma.

O imperador D. Pedro II (1841-1889) utilizou plenamente seus direitos legais de


padroado, bem como os poderes adicionais do recurso (em casos de disciplina
eclesiástica) e do beneplácito (censura de todos os documentos eclesiásticos antes de
sua publicação no Brasil), em virtude da sua preocupação com o ultramontanismo. Um
autor comenta que, durante o longo reinado de Pedro II, a igreja não passou de um
departamento do governo.

Todavia, no pontificado do papa Pio IX (1846-1878) Roma começou a exercer


um maior controle sobre a igreja brasileira. As idéias da encíclica Quanta cura e seu
Sílabo de Erros tiveram rápida difusão, apesar de não terem recebido o beneplácito de
Pedro II. O Sílabo atacou violentamente a maçonaria numa época em que os principais
estadistas brasileiros e o próprio imperador estavam ligados às lojas. Isto acabou
desencadeando a famosa “Questão Religiosa” (1872-75), um sério confronto entre o
governo e dois bispos do norte do Brasil (D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira e D.
Antônio de Macedo Costa) que enfraqueceu o Império e contribuiu para a Proclamação
da República.

A Questão Religiosa marcou o início da renovação católica no Brasil, que se


aprofundou no período republicano. À medida que afirmava sua autonomia diante do
Estado, a Igreja tornou-se mais universalística e mais romana. O próprio sacerdócio
tornou-se mais estrangeiro. Ao mesmo tempo, ela teve de enfrentar a concorrência de
outros grupos religiosos e ideológicos além do protestantismo, tais como o positivismo
e o espiritismo.

O século 19 testemunhou um longo esforço dos protestantes no sentido de obter


completa legalidade e liberdade no Brasil, 80 anos de avanço lento, porém contínuo, em
direção à plena tolerância (1810-1890). Um passo importante na conquista da liberdade
de expressão e de propaganda ocorreu quando o missionário Robert Reid Kalley,
pressionado pelas autoridades, consultou alguns juristas destacados e obteve opiniões
favoráveis quanto às suas atividades religiosas. Finalmente, em 1890, um decreto do
governo republicano consagrou a separação entre a Igreja e o Estado, assegurando aos
protestantes pleno reconhecimento e proteção legal. A nova expressão religiosa se
implantou no Brasil em duas fases: protestantismo de imigração e protestantismo
missionário.

4. Protestantismo de imigração

O historiador Boanerges Ribeiro observa que “ao iniciar-se o século XIX, não
havia no Brasil vestígio de protestantismo” (Protestantismo no Brasil monárquico, p.
15). Em janeiro de 1808, com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, o príncipe-
regente João decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas. Em novembro,
um novo decreto concedeu amplos privilégios a imigrantes de qualquer nacionalidade
ou religião.

Em fevereiro de 1810, Portugal assinou com a Inglaterra tratados de Aliança e


Amizade e de Comércio e Navegação. Este último, em seu artigo 12, concedeu aos
estrangeiros “perfeita liberdade de consciência” para praticarem sua fé. Tratava-se de
uma tolerância limitada, porque vinha acompanhada da proibição de fazer prosélitos e
de falar contra a religião oficial. Além disso, as capelas protestantes não teriam forma
exterior de templo nem poderiam utilizar sinos.

O primeiro capelão anglicano, Robert C. Crane, chegou em 1816. A primeira


capela anglicana foi inaugurada no Rio de Janeiro em 26 de maio de 1822; seguiram-se
outras nas principais cidades litorâneas. Outros estrangeiros protestantes que chegaram
nos primeiros tempos foram americanos, suecos, dinamarqueses, escoceses, franceses e
especialmente alemães e suíços, de tradição luterana e reformada.

Boanerges Ribeiro continua: “Quando se proclamou a Independência, contudo,


ainda não havia igreja protestante no país. Não havia culto protestante em língua
portuguesa. E não há notícia de existir, então, sequer um brasileiro protestante” (Ibid., p.
18). Com a independência, houve grande interesse na vida de imigrantes, inclusive
protestantes. Isso exigiu que se garantissem os direitos religiosos desses imigrantes. A
Constituição Imperial de 1824 afirmou no artigo 5º: “A religião católica apostólica
romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão
permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem
forma alguma exterior de templo”.

Em 1820, um contingente de suíços católicos iniciou a colônia de Nova


Friburgo. Logo a área foi abandonada e oferecida a alemães luteranos que chegaram em
maio de 1824. Eram 324 imigrantes acompanhados do seu pastor, Friedrich Oswald
Sauerbronn (1784-1864). A maior parte dos imigrantes alemães foi para o sul, cerca de
4.800 entre 1824 e 1830, 60% dos quais eram protestantes. Seus primeiros pastores
foram Johann Georg Ehlers, Karl Leopold Voges e Friedrich Christian Klingelhöffer.

Em junho de 1827, por iniciativa do cônsul da Prússia, Wilhelm von Theremin,


foi criada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, congregando
luteranos e calvinistas, cujo primeiro pastor foi Ludwig Neumann. Em 1837, o primeiro
santuário passou a funcionar em um edifício alugado, sendo o edifício próprio
inaugurado em 1845.
Por falta de ministros ordenados, os primeiros luteranos organizaram sua própria
vida religiosa. Elegeram leigos para serem pastores e professores, os “pregadores-
colonos”. Todavia, na década de 1850, a Prússia e a Suíça “descobriram” os alemães do
sul do Brasil e começaram a enviar-lhes missionários e ministros. Isso criou uma igreja
mais institucional e européia.

Em 1868, o Rev. Hermann Borchard, que havia chegado em 1864, e outros


colegas fundaram o Sínodo Evangélico Alemão da Província do Rio Grande do Sul, que
foi extinto em 1875. Em 1886, o Rev. Wilhelm Rotermund (chegado em 1874),
organizou o Sínodo Rio-Grandense, que se tornou modelo para outras organizações
similares. Até o final da II Guerra Mundial as igrejas luteranas permaneceram
culturalmente isoladas da sociedade brasileira.

Uma conseqüência importante da imigração protestante é o fato de que ela


ajudou a criar as condições que facilitaram a introdução do protestantismo missionário
no Brasil. O autor Erasmo Braga observou que, à medida que os imigrantes alemães
exigiam garantias legais de liberdade religiosa, estadistas liberais criaram “a legislação
avançada que, durante o longo reinado de D. Pedro II, protegeu as missões evangélicas
da perseguição aberta e até mesmo colocou as comunidades não-católicas sob a
proteção das autoridades imperiais” (The Republic of Brazil, p. 49). Em 1930, de uma
comunidade protestante de 700 mil pessoas no país, as igrejas imigrantes tinham
aproximadamente 300 mil filiados. A maior parte estava ligada à Igreja Evangélica
Alemã do Brasil (215 mil) e vivia no Rio Grande do Sul.

5. Protestantismo missionário (1835-1889)

As primeiras organizações protestantes que atuaram junto aos brasileiros foram


as sociedades bíblicas: Britânica e Estrangeira (1804) e Americana (1816). Havia duas
traduções da Bíblia em português, uma protestante, feita pelo Rev. João Ferreira de
Almeida (1628-1691), e outra católica, do padre Antônio Pereira de Figueiredo (1725-
1797). Os primeiros agentes oficiais das sociedades bíblicas foram: da SBA, James C.
Fletcher (1855); da SBBE, Richard Corfield (1856). Nesse período pioneiro, foi muito
importante o trabalho dos colportores, isto é, vendedores de Bíblias e literatura
religiosa.
A Igreja Metodista Episcopal foi a primeira denominação a iniciar atividades
missionárias junto aos brasileiros (1835-1841). Seus obreiros iniciais foram Fountain E.
Pitts, Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder. Eles fundaram no Rio de Janeiro a
primeira escola dominical do Brasil. Também atuaram como capelães da Sociedade
Americana dos Amigos dos Marinheiros, fundada em 1828.

Daniel P. Kidder foi uma figura importante dos primórdios do protestantismo


brasileiro. Ele viajou por todo o país, vendeu Bíblias e manteve contactos com
intelectuais e políticos destacados, como o padre Diogo Antônio Feijó, regente do
império (1835-1837). Kidder escreveu o livro Reminiscências de viagens e permanência
no Brasil, publicado em 1845, um clássico que despertou grande interesse pelo Brasil.

James Cooley Fletcher (1823-1901) era pastor presbiteriano. Estudou no


Seminário de Princeton e na Europa, e se casou com uma filha de César Malan, teólogo
calvinista de Genebra. Chegou ao Brasil em 1851 como o novo capelão da Sociedade
dos Amigos dos Marinheiros e como missionário da União Cristã Americana e
Estrangeira. Atuou como secretário interino da legação americana no Rio de Janeiro e
foi o primeiro agente oficial da Sociedade Bíblica Americana. Foi um promotor
entusiasta do protestantismo e do “progresso”. Escreveu O Brasil e os brasileiros,
publicado em 1857, uma versão atualizada da obra de Kidder.

Robert Reid Kalley (1809-1888) era natural da Escócia. Estudou medicina e foi
trabalhar como missionário na Ilha da Madeira (1838). Oito anos depois, escapou de
uma violenta perseguição e foi com seus paroquianos para os Estados Unidos. Fletcher
sugeriu que ele fosse para o Brasil, onde Kalley e sua esposa Sarah Poulton Kalley
(1825-1907) chegaram em maio de 1855. No mesmo ano, fundaram em Petrópolis a
primeira escola dominical permanente do país (19 de agosto). Em 11 de julho de 1858,
Kalley fundou a Igreja Evangélica, depois Igreja Evangélica Fluminense (1863), cujo
primeiro membro brasileiro foi Pedro Nolasco de Andrade. Kalley teve importante
atuação na defesa da liberdade religiosa (1859). Sua esposa foi autora do famoso hinário
Salmos e hinos (1861). A Igreja Fluminense aprovou sua base doutrinária, elaborada por
Kalley, em 2 de julho de 1876. No mesmo ano, o missionário voltou em definitivo para
a Escócia. Os estatutos da igreja foram aprovados pelo governo imperial em 22 de
novembro de 1880.

Os missionários pioneiros da Igreja Presbiteriana foram Ashbel Green Simonton


(1859), Alexander Latimer Blackford (1860) e Francis Joseph Christopher Schneider
(1861). As primeiras igrejas organizadas foram as do Rio de Janeiro (1862), São Paulo
(1865) e Brotas (1865). Duas importantes realizações iniciais foram o jornal Imprensa
Evangélica (1864-1892) e o Seminário do Rio de Janeiro (1867-1870). O primeiro
pastor evangélico brasileiro foi o ex-sacerdote José Manoel da Conceição, ordenado em
17 de dezembro de 1865. Em 1870, os presbiterianos fundaram em São Paulo a Escola
Americana (atual Universidade Mackenzie). Em 1888, foi organizado o Sínodo do
Brasil, que marcou a autonomia eclesiástica da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Após a Guerra Civil americana (1861-1865), muitos imigrantes norte-


americanos se estabeleceram no interior da Província de São Paulo. Eles foram seguidos
por missionários presbiterianos, metodistas e batistas. Os pioneiros enviados pela Igreja
Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (PCUS) foram George Nash Morton e Edward
Lane (1869). Eles fundaram o Colégio Internacional, instalado oficialmente em 1873.

A Igreja Metodista Episcopal (do sul dos Estados Unidos) enviou Junius E.
Newman para trabalhar junto aos imigrantes (1876). O primeiro missionário aos
brasileiros foi John James Ransom, que chegou em 1876 e dois anos depois organizou a
primeira igreja no Rio de Janeiro. A professora Martha Hite Watts iniciou uma escola
para moças em Piracicaba (1881). A partir de 1880, a I.M.E. do norte dos EUA enviou
obreiros ao norte do Brasil (William Taylor, Justus H. Nelson) e ao Rio Grande do Sul.
A Conferência Anual Metodista foi organizada em 1886 pelo bispo John C. Granbery,
com a presença de apenas três missionários.

Os primeiros missionários da Igreja Batista, Thomas Jefferson Bowen e sua


esposa (1859-1861), não foram bem sucedidos. Em 1871, os imigrantes batistas de
Santa Bárbara organizaram duas igrejas. Os primeiros missionários junto aos brasileiros
foram William Buck Bagby, Zachary Clay Taylor e suas esposas (chegados em 1881-
1882). O primeiro membro e pastor batista brasileiro foi o ex-padre Antônio Teixeira de
Albuquerque, que já estivera ligado aos metodistas. Em 1882 o grupo fundou a primeira
igreja brasileira em Salvador, na Bahia. A Convenção Batista Brasileira foi criada em
1907.

A Igreja Protestante Episcopal foi a última das denominações históricas a iniciar


trabalho missionário no Brasil. Um importante e controvertido precursor havia sido
Richard Holden (1828-1886), que durante três anos atuou com poucos resultados no
Pará e na Bahia (1861-1864). O trabalho permanente teve início em 1890 com James
Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving. Inspirados pela obra de Simonton e por um
folheto sobre o Brasil, eles se estabeleceram em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul,
um estado até então pouco ocupado por outras missões. Em 1899, Kinsolving tornou-se
o primeiro bispo residente da Igreja Episcopal do Brasil.

6. Igreja e estado: período republicano

A separação entre a igreja e o estado foi efetivada pelo Decreto nº 119-A, de 7


de janeiro de 1890, que consagrou a plena liberdade de culto. Em fevereiro de 1891, a
primeira Constituição republicana confirmou a separação entre a igreja e o estado, bem
como proclamou outras medidas liberais como a plena liberdade de culto, o casamento
civil obrigatório e a secularização dos cemitérios. Sob influências liberais e positivistas,
a Constituição omitiu o nome de Deus, afirmando assim a caráter não religioso do novo
regime, e a Igreja Católica foi colocada em pé de igualdade com todos os outros grupos
religiosos; a educação foi secularizada, sendo a religião omitida do novo currículo. Em
uma carta pastoral de março de 1890, os bispos deram as boas-vindas à República, mas
também repudiaram a separação entre a igreja e o estado.

A partir de então, a Igreja teve duas grandes preocupações: obter o apoio do


Estado e aumentar a sua influência na sociedade. Um dos primeiros passos foi fortalecer
a estrutura interna da igreja: criaram-se novas estruturas eclesiásticas (dioceses,
arquidioceses, etc.) e fundaram-se novos seminários. Foi incentivada a vinda de muitos
religiosos estrangeiros para o Brasil (capuchinhos, beneditinos, carmelitas,
franciscanos). A igreja também manteve sua firme oposição contra a modernidade, o
protestantismo, a maçonaria e outros movimentos.
Dois grandes líderes foram especialmente influentes nesse esforço renovador:
primeiro, o padre Júlio Maria, que desde 1890 até sua morte em 1916 foi muito ativo
como pregador e escritor, visando mobilizar a igreja e tornar o Brasil verdadeiramente
católico. Ainda mais notável foi D. Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942), o
líder responsável pela orientação e mobilização da Igreja Católica brasileira na primeira
metade do século 20, como arcebispo de Olinda e Recife (1916-21), coadjutor no Rio de
Janeiro (1921-30) e cardeal arcebispo do Rio até a sua morte.

Em 1925, D. Leme propôs emendas à constituição que dariam reconhecimento


oficial à Igreja Católica como a religião dos brasileiros e permitiriam a educação
religiosa nas escolas públicas. As chamadas “emendas Plínio Marques” enfrentaram a
vigorosa oposição dos protestantes, maçons, espíritas e da imprensa, sendo
eventualmente rejeitadas. Todavia, mediante um decreto de abril de 1930, Getúlio
Vargas permitiu o ensino religioso nas escolas. Por fim, a Constituição de 1934 incluiu
todas as exigências católicas, sem oficializar o catolicismo. O Centro Dom Vital, cujos
líderes iniciais foram Jackson de Figueiredo e Alceu de Amoroso Lima, deu
continuidade à luta pela ascendência católica. A agenda da Liga Eleitoral Católica
incluía tópicos como a oficialização do catolicismo, o casamento religioso, o ensino
religioso nas escolas públicas, capelanias católicas nas forças armadas e sindicatos
católicos. Também foram realizadas campanhas contra as missões estrangeiras
protestantes.

7. Católicos e protestantes

Nas primeiras décadas do período republicano, os protestantes tiveram diferentes


atitudes diante da reação católica. Uma delas foi a criação de uma frente unida contra o
catolicismo. A entidade conhecida como Aliança Evangélica havia sido criada
inicialmente na Inglaterra (1846) e nos Estados Unidos (1867). A congênere brasileira
surgiu em São Paulo, em julho de 1903, tendo como presidente Hugh C. Tucker
(metodista) e como secretário F. P. Soren (batista). Todavia, o Congresso do Panamá e a
subsequente Conferência do Rio de Janeiro, em 1916, revelaram atitudes divergentes
em relação ao catolicismo, sendo alguns elementos, principalmente norte-americanos,
favoráveis a uma aproximação e mesmo colaboração com a igreja católica. Uma das
questões discutidas foi o rebatismo ou não de católicos convertidos à fé evangélica.
Esse período também viu o recrudescimento de perseguições contra os protestantes em
muitos lugares do Brasil.

Na década de 1920, a Comissão Brasileira de Cooperação, liderada pelo Rev.


Erasmo de Carvalho Braga (1877-1932) procurou unir as igrejas evangélicas na luta
pela preservação dos seus direitos e no exercício de um testemunho profético junto à
sociedade brasileira. Esse esforço teve prosseguimento até os anos 60 na Confederação
Evangélica do Brasil. Após 1964, as relações das igrejas evangélicas e da Igreja
Católica com o estado brasileiro tomaram rumos por vezes diametralmente opostos,
cujas conseqüências se fazem sentir até os dias de hoje.

8. Progressistas x conservadores

Nas primeiras décadas do século 20, o protestantismo brasileiro sofreu a


influência de algumas correntes teológicas norte-americanas, como o evangelho social,
o movimento ecumênico e o fundamentalismo. Inspirado em parte pelos dois primeiros,
surgiu um notável esforço cooperativo entre as igrejas históricas, sob a liderança do
Rev. Erasmo Braga, secretário da Comissão Brasileira de Cooperação (1917). Essa
entidade se uniu em 1934 à Federação das Igrejas Evangélicas do Brasil e ao Conselho
Nacional de Educação Religiosa para formar a Confederação Evangélica do Brasil
(CEB). Nos anos 50 e início da década de 60, a CEB criou a Comissão de Igreja e
Sociedade (1955), depois Setor de Responsabilidade Social da Igreja. Sua quarta
reunião, conhecida como Conferência do Nordeste, realizada em Recife em 1962, teve
como tema “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”. Seus líderes foram Carlos
Cunha, Almir dos Santos e Waldo César, sendo preletores Sebastião G. Moreira,
Joaquim Beato, João Dias de Araújo e o bispo Edmundo K. Sherill.

O movimento ecumênico havia surgido com a Conferência Missionária Mundial


(1910), em Edimburgo, na Escócia, que deu origem ao Concílio Missionário
Internacional (1921). Outros dois movimentos, “Vida e Trabalho” e “Fé e Ordem” se
uniram para formar o Conselho Mundial de Igrejas (Utrecht, 1938; Amsterdã, 1948).
Algumas das primeiras igrejas brasileiras a se filiarem a essa organização foram a
metodista (1942), a luterana (1950), a episcopal (1965) e a Igreja Evangélica
Pentecostal O Brasil Para Cristo (1968).
Por fim, o espírito denominacional suplantou o ecumenismo. Duncan Reily
observa: “O ecumenismo no Brasil foi muito mais um projeto dos missionários e das
sociedades missionárias do que dos brasileiros” (História Documental, 233). Além de
algumas igrejas históricas, também se opuseram ao ecumenismo os grupos pentecostais,
as “missões de fé” e “missões indenominacionais”, e o movimento fundamentalista de
Carl McIntire.

9. Denominações históricas (1889-1964)

9.1 Igreja Congregacional

Essa foi a primeira denominação brasileira inteiramente nacional (não sujeita a


nenhuma junta missionária). Até 1913, foram organizadas somente treze igrejas
congregacionais no Brasil, todas autônomas. Oito eram filhas da Igreja Fluminense:
Pernambucana (1873), Passa Três (1897), Niterói (1899), Encantado (1903), Paranaguá,
Paracambi e Santista (1912), Paulistana (1913), e três da Igreja Pernambucana: Vitória
(1905), Jaboatão (1905) e Monte Alegre (1912). Em julho de 1913, essas igrejas se
reuniram em 1ª Convenção Geral, no Rio de Janeiro. Daí até 1942, a denominação
mudou de nome dez vezes.

Os ingleses fundaram missões para atuar na América do Sul: Help for Brazil
(criada em 1892 por iniciativa de Sarah Kalley e outros), South American Evangelical
Mission (Argentina) e Regions Beyond Missionary Union (Peru). Após a Conferência de
Edimburgo (1910), essas missões vieram a constituir a União Evangélica Sul-
Americana – UESA (1911). Dos seus esforços, surgiu no Brasil a Igreja Cristã
Evangélica.

Os congregacionais uniram-se à Igreja Cristã Evangélica em 1942, formando a


União das Igrejas Congregacionais e Cristãs do Brasil. Separaram-se em 1969, tomando
o nome de União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil. A outra ala
dividiu-se em duas: Igreja Cristã Evangélica no Brasil (Anápolis) e Igreja Cristã
Evangélica do Brasil (São Paulo).
9.2 Igreja Presbiteriana

A Igreja Presbiteriana do Brasil alcançou sua autonomia formal em 1888, com a


criação do Sínodo Presbiteriano. Surgiu então uma crise no período 1892-1903 em torno
das questões missionária, educativa e maçônica que resultou em divisão, surgindo a
Igreja Presbiteriana Independente. Dois eventos significativos no início do século 20
foram a criação da Assembléia Geral (1910) e o estabelecimento de um plano de
cooperação entre a igreja e as missões americanas, conhecido como Modus Operandi ou
“Brazil Plan” (1917). Com a Constituição de 1937, a Assembléia Geral foi transformada
em Supremo Concílio. Em 1955 surgiu o Conselho Interpresbiteriano, criado para gerir
as relações da igreja com as missões americanas e com as juntas missionárias nos
Estados Unidos.

Em 1948, Samuel Rizzo representou a IPB na Assembléia do Conselho Mundial


de Igrejas em Amsterdã. No ano seguinte, a igreja optou pela “eqüidistância” entre o
CMI e o CIIC de Carl McIntire. Em 1962, o Supremo Concílio aprovou o
“Pronunciamento Social da IPB”.

Entre a juventude surgiu um crescente questionamento da posição conservadora


da igreja. Um importante canal de expressão foi o controvertido Jornal Mocidade
(1944). Billy Gammon, filha do Rev. Samuel Gammon, foi nomeada secretária da
mocidade a partir de 1946. Até 1958 o número de sociedades locais cresceu de 150 para
600, com 17 mil membros. O Rev. M. Richard Shaull veio ao Brasil para trabalhar entre
universitários. Em 1953 tornou-se professor do Seminário Presbiteriano de Campinas e
começou a cooperar com o Departamento de Mocidade e a União Cristã de Estudantes
do Brasil (UCEB). Tornou-se uma voz influente na mocidade evangélica em geral. Em
1962, o Supremo Concílio reestruturou o Departamento de Mocidade, tirando sua
autonomia.

Igreja Presbiteriana Fundamentalista: Israel Gueiros, pastor da 1ª Igreja


Presbiteriana de Recife e ligado ao Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (Carl
McIntire) liderou uma campanha contra o Seminário do Norte sob a acusação de
modernismo. Fundou outro seminário e foi deposto pelo Presbitério de Pernambuco em
julho de 1956. Em 21 de setembro do mesmo ano foi organizada a IPFB com quatro
igrejas locais (inclusive elementos batistas e congregacionais), que formaram um
presbitério com 1800 membros.

9.3 Igreja Presbiteriana Independente

Essa igreja surgiu em 1903 como uma denominação totalmente nacional, sem
qualquer vinculação com igrejas estrangeiras. Resultou do projeto nacionalista de
Eduardo Carlos Pereira (1856-1923). Em 1907 tinha 56 igrejas e 4.200 membros
comungantes. Fundou um seminário em São Paulo. Em 1908 foi instalado o Sínodo,
inicialmente com três presbitérios. Mais tarde, em 1957, foi criado o Supremo Concílio,
com três sínodos, dez presbitérios, 189 igrejas locais e 105 pastores. Seu jornal oficial
era O Estandarte, fundado em 1893. Após o Congresso do Panamá (1916), a IPI
aproximou-se da IPB e das outras igrejas evangélicas. A partir de 1930, surgiu um
movimento de intelectuais (entre eles o Rev. Eduardo Pereira de Magalhães, neto de
Eduardo Carlos Pereira) que pretendia reformar a liturgia, certos costumes eclesiásticos
e até mesmo a Confissão de Fé. A questão eclodiu no Sínodo de 1938. Um grupo
organizou a Liga Conservadora, liderada pelo Rev. Bento Ferraz. A elite liberal retirou-
se da IPI em 1942 e formou a Igreja Cristã de São Paulo.

A Igreja Presbiteriana Conservadora foi fundada pelos membros da Liga


Conservadora em 1940. Em 1957, contava com mais de vinte igrejas, em quatro
estados, e tinha um seminário. Seu órgão oficial é O Presbiteriano Conservador. Filiou-
se à Aliança Latino-Americana de Igrejas Cristãs e à Confederação de Igreja
Evangélicas Fundamentalistas do Brasil.

9.4 Igreja Metodista

A Conferência Anual Metodista foi organizada no Rio de Janeiro em 15 de


setembro de 1886 pelo bispo John C. Granbery, enviado ao Brasil pela Igreja Metodista
Episcopal do Sul. Tinha apenas três missionários, James L. Kennedy, John W. Tarboux
e Hugh C. Tucker, sendo a menor conferência anual já criada na história do metodismo.
Em 1899, a IME do Norte transferiu seu trabalho no Rio Grande do Sul para a
Conferência Anual. Em 1910 e 1919 surgiram outras duas conferências (norte, sul e
centro).
A Junta de Nashville continuou a interferir na vida da igreja de modo indevido,
culminando com a insistência em nomear o presidente do Colégio Granbery (1917).
Cresceu o movimento pelo sustento próprio, liderado por Guaracy Silveira. Em 1930 a
IMES cedeu a autonomia desejada. No dia 2 de setembro de 1930, na Igreja Metodista
Central de São Paulo, foi organizada a Igreja Metodista do Brasil. O primeiro bispo
eleito foi o velho missionário John William Tarboux. O primeiro bispo brasileiro foi
César Dacorso Filho (1891-1966), eleito em 1934, que por doze anos (1936-1948) foi o
único bispo da igreja. A Igreja Metodista foi a primeira denominação brasileira a filiar-
se ao Concílio Mundial de Igrejas (1942).

9.5 Igreja Batista

A Convenção Batista Brasileira foi organizada no dia 24 de junho de 1907 na


Primeira Igreja Batista da Bahia (Salvador), quando 43 delegados, representando 39
igrejas, aprovaram a “Constituição Provisória das Igrejas Batistas do Brasil”.

Na chamada “questão radical”, líderes batistas do nordeste apresentaram um


memorial aos missionários em 1922 e um manifesto à Convenção em 1925
reivindicando maior participação nas decisões, principalmente na área financeira. Não
atendidos, mais tarde organizaram-se como um facção separada da Convenção e da
Junta. As bases de cooperação entre a igreja brasileira e a Junta de Richmond voltaram a
ser discutidas em 1936 e 1957.

9.6 Igreja Luterana

O Sínodo Rio-Grandense surgiu em 1886. Posteriormente, surgiram outros


sínodos autônomos: Sínodo da Caixa de Deus ou “Igreja Luterana” (1905), com forte
ênfase confessional; Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná (1911) e Sínodo
Brasil Central (1912). O Sínodo Rio-Grandense, ligado à Igreja Territorial da Prússia,
filiou-se à Federação Alemã das Igrejas Evangélicas em 1929. Em 1932, o Sínodo
Luterano também se filiou à federação e começou a se aproximar dos outros sínodos.
Em 1939 o Estado Novo exigiu que toda a pregação pública fosse feita em português.
Em 1949 os quatro sínodos se organizaram em Federação Sinodal, a Igreja
Luterana propriamente dita. No ano seguinte a igreja solicitou admissão ao Conselho
Mundial de Igrejas e em 1954 adotou o nome de Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil (IECLB). A Igreja Luterana filiou-se à Confederação Evangélica do
Brasil em 1959.

9.7 Igreja Episcopal

Uma Convocação especial reunida em Porto Alegre em 30 de maio de 1898


definiu a relação formal entre a missão e a Igreja Episcopal dos Estados Unidos e elegeu
Lucien Lee Kinsolving como o primeiro bispo residente da igreja brasileira. Ele foi
sagrado bispo em Nova York em 6 de janeiro de 1899) e foi o único bispo episcopal no
Brasil até 1925. O primeiro bispo brasileiro foi Athalício Theodoro Pithan, sagrado em
21 de abril de 1940.

Em abril de 1952, foi instalado o Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira,


contando com três bispos: Athalício T. Pithan, Luís Chester Melcher e Egmont
Machado Krischke. Em 25 de abril de 1965 a Igreja Episcopal do Brasil obteve da
igreja-mãe sua plena emancipação administrativa e passou a ser uma província
autônoma da Comunhão Anglicana. Logo em seguida, filiou-se ao CMI.

10. Denominações Históricas (após 1964)

Dois eventos cruciais na década de 60 foram: (a) o Concílio Vaticano II (1962-


65), que marcou a abertura aos protestantes (“irmãos separados”) e revelou novas
concepções sobre o culto, a missão da igreja e a relação com a sociedade; (b) o Golpe de
1964 e o regime militar no Brasil.

10.1 Igreja Presbiteriana

Esse período marcou o fim do antigo relacionamento da IPB com as missões


norte-americanas. Em 1954 havia sido criado o Conselho Interpresbiteriano. Em 1962, a
Missão Brasil Central propôs-se a entregar à igreja brasileira toda a sua obra
evangelística, educativa e médica. Em 1972 a igreja rompeu com a Missão Brasil
Central, sendo uma das possíveis causas a adoção da Confissão de 1967 pela Igreja
Presbiteriana Unida dos EUA. Em 1973 a IPB rompeu relações com a Igreja Unida
(criada em 1958) e firmou novo convênio com a missão da Igreja do Sul.

Duas questões candentes da época foram o ecumenismo e a postura social. A


igreja enviou representantes à assembléia do Conselho Mundial de Igreja em Amsterdã
(1948) e observadores a outras assembléias. Missionários como Richard Shaull deram
ênfase a questões sociais, influenciando os seminários e a mocidade da igreja. O
Supremo Concílio de 1962 realizou um importante pronunciamento social.

Houve uma forte reação conservadora no Supremo Concílio de 1966, em


Fortaleza, com a eleição de Boanerges Ribeiro, reeleito em 1970 e 1974. As principais
preocupações do período foram a ortodoxia, a evangelização e a rejeição do
ecumenismo. Multiplicaram-se os processos contra pastores, igrejas locais e concílios.

Nessa época surgiram alguns grupos dissidentes, como o Presbitério de São


Paulo e a Aliança de Igrejas Reformadas (1974), que defendiam maior flexibilidade
doutrinária. Em setembro de 1978, na cidade de Atibaia, foi criada a Federação
Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP).

10.2 Igreja Presbiteriana Independente

A IPI inicialmente teve uma postura menos rígida que a IPB, mas a partir de
1972 tornou-se mais inflexível quanto ao ecumenismo e à renovação carismática. Em
1978 admitiu aos seus presbitérios os três primeiros missionários da sua história,
Richard Irwin, Albert James Reasoner e Gordon S. Trew, que antes colaboravam com a
IPB. Em 1973, um segmento separou-se para formar a Igreja Presbiteriana Independente
Renovada, que depois se uniu a um grupo semelhante egresso da IPB, formando a Igreja
Presbiteriana Renovada.

10.3 Igreja Batista

No período em questão, os batistas foram caracterizados por forte ênfase


evangelística, tendo realizado grandes campanhas. Billy Graham pregou no Maracanã
durante o X Congresso da Aliança Batista Mundial (julho de 1960). O pastor João
Filson Soren, da 1ª Igreja Batista do Rio, foi eleito presidente da Aliança Mundial. Em
1965 foi realizada a Campanha Nacional de Evangelização como uma resposta ao golpe
de 1964. Seu lema foi “Cristo, a Única Esperança”, indicado que soluções meramente
políticas eram insuficientes. Seu coordenador foi o pastor Rubens Lopes, da Igreja
Batista de Vila Mariana, em São Paulo. Houve ainda a Campanha das Américas (1967-
1970) e a Cruzada Billy Graham, no Rio de Janeiro, em 1974, tendo como presidente o
pastor Nilson do Amaral Fanini. Houve também uma Campanha Nacional de
Evangelização em 1978-1980.

10.4 Igreja Metodista

No início dos anos 60, Nathanael Inocêncio do Nascimento, reitor da Faculdade


de Teologia, liderou o “esquema” nacionalista que visava substituir os líderes
missionários do Gabinete Geral por brasileiros (saíram Robert Davis e Duncan A. Reily
e entraram Almir dos Santos e Omar Daibert, futuros bispos).

Os universitários e estudantes de teologia pleiteavam uma igreja mais voltada


para a ação social e a política. A ênfase na justiça social dominou a Junta Geral de Ação
Social (Robert Davis, Almir dos Santos) e a Faculdade de Teologia. Dom Helder
Câmara paraninfou a turma de 1967. No ano seguinte, uma greve levou ao fechamento
da Faculdade e à sua reestruturação.

De 1968 em diante a igreja voltou-se para problemas internos como o


regionalismo. Em 1971 cada um dos seis concílios regionais elegeu, pela primeira vez,
o seu próprio bispo (os bispos sempre tinham sido eleitos no Concílio Geral, como
superintendentes gerais da igreja) e surgiram vários seminários regionais. Essa
tendência perdurou até 1978.

Nos anos 70 a IMB investiu na educação superior. No campus da antiga


Faculdade de Teologia surgiu o Instituto Metodista de Ensino Superior e em 1975 o
Instituto Piracicabano (fundado em 1881) foi transformado em Universidade Metodista
de Piracicaba. Em 1982 foi elaborado o Plano Nacional de Educação Metodista, cuja
fundamentação deu ênfase ao conceito do Reino de Deus e à teologia da libertação.
10.5 Igreja Luterana

Em 1968, os quatro sínodos, originalmente independentes um do outro,


integraram-se em definitivo na IECLB, aceitando uma nova constituição. No VII
Concílio Geral (outubro de 1970) foi aprovado unanimemente o “Manifesto de
Curitiba,” contendo o posicionamento político-social da igreja. Esse manifesto foi
entregue ao presidente Emílio Médici por três pastores. Em 1975 entrou em vigor a
reforma do currículo da faculdade de teologia de São Leopoldo, refletindo as
prioridades da igreja.

11. Igrejas pentecostais e neopentecostais

As três ondas ou fases do pentecostalismo brasileiro foram as seguintes: (a)


décadas de 1910-1940: chegada simultânea da Congregação Cristã no Brasil e da
Assembléia de Deus, que dominaram o campo pentecostal por 40 anos; (b) décadas de
1950-1960: fragmentação do pentecostalismo com o surgimento de novos grupos –
Evangelho Quadrangular, Brasil Para Cristo, Deus é Amor e muitos outros (contexto
paulista); (c) anos 70 e 80: advento do neopentecostalismo – Igreja Universal do Reino
de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus e outras (contexto carioca).

(a) Congregação Cristã no Brasil: fundada pelo italiano Luigi Francescon


(1866-1964). Radicado em Chicago, foi membro da Igreja Presbiteriana Italiana e
aderiu ao pentecostalismo em 1907. Em 1910 (março-setembro) visitou o Brasil e
iniciou as primeiras igrejas em Santo Antonio da Platina (PR) e São Paulo, entre
imigrantes italianos. Veio 11 vezes ao Brasil até 1948. Em 1940, o movimento tinha
305 “casas de oração” e dez anos mais tarde 815.

(b) Assembléia de Deus: teve como fundadores os suecos Daniel Berg (1885-
1963) e Gunnar Vingren (1879-1933). Batistas de origem, eles abraçaram o
pentecostalismo em 1909. Conheceram-se numa conferência pentecostal em Chicago.
Assim como Luigi Francescon, Berg foi influenciado pelo pastor batista William H.
Durham, que participou do avivamento de Los Angeles (1906). Sentindo-se chamados
para trabalhar no Brasil, chegaram a Belém em novembro de 1910. Seus primeiros
adeptos foram membros de uma igreja batista com a qual colaboraram.

(b) Igreja do Evangelho Quadrangular: fundada nos Estados Unidos pela


evangelista Aimee Semple McPherson (1890-1944). O missionário Harold Williams
fundou a primeira IEQ do Brasil em novembro de 1951, em São João da Boa Vista. Em
1953 teve início a Cruzada Nacional de Evangelização, sendo Raymond Boatright o
principal evangelista. A igreja enfatiza quatro aspectos do ministério de Cristo: aquele
que salva, batiza com o Espírito Santo, cura e virá outra vez. As mulheres podem
exercer o ministério pastoral.

(c) Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo: fundada por Manoel de
Mello, um evangelista da Assembléia de Deus que depois tornou-se pastor da IEQ.
Separou-se da Cruzada Nacional de Evangelização em 1956, organizando a campanha
“O Brasil para Cristo”, da qual surgiu a igreja. Filiou-se ao CMI em 1969 (desligou-se
em 1986). Em 1979 inaugurou seu grande templo em São Paulo, sendo orador oficial
Philip Potter, secretário-geral do CMI. Esteve presente o cardeal arcebispo de São
Paulo, Paulo Evaristo Arns. Manoel de Mello morreu em 1990.

(d) Igreja Deus é Amor: fundada por David Miranda (nascido em 1936), filho de
um agricultor do Paraná. Vindo para São Paulo, converteu-se numa pequena igreja
pentecostal e em 1962 fundou sua igreja em Vila Maria. Logo transferiu-se para o
centro da cidade (Praça João Mendes). Em 1979, foi adquirida a “sede mundial” na
Baixada do Glicério, o maior templo evangélico do Brasil, com capacidade para dez mil
pessoas. Em 1991 a igreja afirmava ter 5.458 templos, 15.755 obreiros e 581 horas
diárias em rádios, bem como estar presente em 17 países (principalmente Paraguai,
Uruguai e Argentina).

(e) Igreja Universal do Reino de Deus: fundada por Edir Macedo (nascido em
1944), filho de um comerciante fluminense. Trabalhou por 16 anos na Loteria do
Estado, período no qual subiu de contínuo para um posto administrativo. De origem
católica, ingressou na Igreja de Nova Vida na adolescência. Deixou essa igreja para
fundar a sua própria, inicialmente denominada Igreja da Bênção. Em 1977 deixou o
emprego público para dedicar-se ao trabalho religioso. Nesse mesmo ano surgiu o nome
IURD e o primeiro programa de rádio. Macedo viveu nos Estados Unidos de 1986 a
1989. Quando voltou ao Brasil, transferiu a sede da igreja para São Paulo e adquiriu a
Rede Record de Televisão. Em 1990 a IURD elegeu três deputados federais. Macedo
esteve preso por doze dias em 1992, sob a acusação de estelionato, charlatanismo e
curandeirismo.

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A FRANÇA ANTÁRTICA E A CONFISSÃO DE FÉ DA GUANABARA

Alderi Souza de Matos

1. A França Antártica
Após o descobrimento do Brasil, Portugal demorou a interessar-se pela ocupação
e a colonização dos novos domínios. Por isso, outras nações européias voltaram os seus
olhos para o Brasil, atraídas por suas riquezas naturais. Entre essas nações estava a
França. Na primeira metade do século 16, esse país, cujo rei era Francisco I,
experimentava conflitos em duas frentes. Externamente havia a antiga rivalidade com o
Sacro Império Germânico, governado por Carlos V. No interior do país, surgia um
fenômeno novo e inquietante: o protestantismo.

No Brasil, após a experiência mal-sucedida das capitanias hereditárias e as


constantes incursões de outras nações, Portugal resolveu tomar providências concretas.
Em 1549 chegou o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, que construiu Salvador,
na Bahia, a primeira capital da colônia. Todavia, o controle da imensa costa era ainda
muito limitado.

Foi então que um aventureiro francês teve a idéia de fundar uma colônia no
Brasil, em região já bem conhecida pelos franceses: a baía da Guanabara. Nicolas
Durand de Villegaignon (1510-1571) era vice-almirante da Bretanha (noroeste da
França) e cavaleiro da Ordem de Malta, também conhecida como Ordem de São João de
Jerusalém.

São controvertidas as razões que teriam levado Villegaignon a planejar esse


empreendimento. Possivelmente ele teve um conjunto de motivações: adquirir fama e
riquezas, conquistar novos territórios para o seu país e dar refúgio a pessoas que sofriam
intolerância religiosa na França.

Villegaignon aproximou-se do vice-almirante Gaspard de Coligny, um dos


principais conselheiros do reino, que nutria fortes simpatias pela Reforma. Com isso,
conseguiu o apoio do rei Henrique II (1547-1559), que lhe forneceu dois navios
aparelhados e recursos para as despesas de viagem. Depois de reunir um bom número
de trabalhadores, recrutando-os inclusive nas prisões de Paris e Rouen, Villegaignon
deixou o porto de Havre, na Normandia, em 15 de julho de 1555.
Chegaram ao Rio de Janeiro em 10 de novembro, sendo bem recebidos pelos
nativos tupinambás, acostumados à presença de franceses naquela região.
Eventualmente o grupo instalou-se na pequena ilha de Serigipe, mais tarde denominada
Villegaignon, onde foi construído o Forte Coligny. A colônia recebeu o nome de
“França Antártica”.

O líder em pouco tempo granjeou a antipatia dos colonos: impunha-lhes


trabalhos pesados e não proporcionava alimentação adequada. Logo surgiu uma
conspiração, que foi punida com rigor. Um dos companheiros de Villegaignon nesse
período foi o frade franciscano André Thévet, cosmógrafo do rei Henrique II, que mais
tarde escreveu duas obras – Singularidades da França Antártica (1558) e Cosmografia
universal (1575) –, em que defendeu Villegaignon e fez pesadas críticas aos
reformados. Jean de Léry afirma ter escrito suas narrativas em parte para rebater as
alegações de Thévet.

Diante das dificuldades surgidas, Villegaignon decidiu escrever à Igreja


Reformada de Genebra, solicitando o envio de pastores e outras pessoas que ajudassem
a elevar o nível religioso e moral da colônia e evangelizassem os indígenas. Coligny, a
quem também foi enviada uma carta, convidou para liderar o novo grupo de colonos um
ex-vizinho seu, Filipe de Corguilleray, conhecido como senhor Du Pont, que agora
residia em Genebra.

Por sua vez, Calvino e seus colegas escolheram alegremente para acompanhar o
grupo os pastores Pierre Richier (50 anos) e Guillaume Chartier (30 anos). Richier era
doutor em teologia e ex-frade carmelita. Depois da estadia no Brasil residiu em La
Rochelle, onde faleceu em 1580. Chartier, natural da Bretanha, também estudou em
Genebra. Mais tarde foi capelão de Jeanne D’Albret, mãe do futuro rei Henrique IV.

Os huguenotes que acompanharam os pastores foram Pierre Bourdon, Matthieu


Verneil, Jean du Bourdel, André Lafon, Nicolas Denis, Jean Gardien, Martin David,
Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques Rousseau e o sapateiro Jean de Léry, o
notável cronista da viagem. Eram ao todo 14 pessoas.
O grupo deixou Genebra no dia 16 de setembro de 1556. Após visitarem o
almirante Coligny em Chatillon-Sur-Loing, seguiram para Paris, onde outros se uniram
à comitiva. Alguns acreditam que entre eles estava Jacques Le Balleur. Após passarem
por Rouen, chegaram ao porto de Honfleur, na Normandia, embarcando para o Brasil no
dia 19 de novembro.

A frota de três navios era comandada por Bois Le Conte, sobrinho de


Villegaignon. A bordo iam cerca de 290 pessoas, inclusive algumas mulheres. Como de
costume, a viagem foi muito penosa. A certa altura, diante da situação em que se
achavam, os reformados recitaram o Salmo 107 (ver os versos 23-30). No dia 7 de
março de 1557, os viajantes finalmente entraram no “braço de mar” chamado
Guanabara pelos selvagens e Rio de Janeiro pelos portugueses.

O desembarque no forte Coligny deu-se no dia 10 de março, uma quarta-feira. O


vice-almirante recebeu o grupo afetuosamente e demonstrou alegria porque vinham
estabelecer uma igreja reformada. Logo em seguida, reunidos todos em uma pequena
sala no centro da ilha, foi realizado um culto de ação de graças, o primeiro culto
protestante ocorrido no Brasil e no Novo Mundo.

O ministro Richier orou invocando a Deus. Em seguida foi cantado em uníssono,


segundo o costume de Genebra, o Salmo 5: “Dá ouvidos, Senhor, às minhas palavras”
(“Aux paroles que je veux dire, plaise-toi l’aureille prester”). Esse hino constava do
Saltério Huguenote, com metrificação de Clemente Marot e melodia de Luís Bourgeois,
e até hoje se mantém nos hinários franceses. Bourgeois foi diretor de música da Igreja
de Genebra de 1545 a 1557 e um dos grandes mestres da música francesa no século 16.
A versão mais conhecida em português (“À minha voz, ó Deus, atende”) tem música de
Claude Goudimel (†1572) e metrificação do Rev. Manoel da Silveira Porto Filho.

Em seguida, o pastor Richier pregou um sermão com base no Salmo 27:4: “Uma
coisa peço ao Senhor e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias
da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo”. Após o
culto, os huguenotes tiveram a sua primeira refeição brasileira: farinha de mandioca,
peixe moqueado e raízes assadas no borralho. Dormiram em redes, à maneira indígena.
Por ordem de Villegaignon, passaram a realizar-se preces públicas noturnas após
o trabalho diário, devendo os pastores pregar diariamente e duas vezes aos domingos. A
Santa Ceia segundo o rito reformado foi celebrada pela primeira vez no domingo 21 de
março de 1557. Em todos os cultos entoavam-se salmos, segundo o uso das igrejas
reformadas.

Inesperadamente, o vice-almirante, que de início se mostrara muito simpático à


igreja reformada, começou a levantar dúvidas sobre pontos doutrinários, em especial a
Ceia do Senhor. Achava que a presença de Cristo no sacramento era não somente
espiritual, mas física. No início de junho, enviou o pastor Chartier de volta à França
para colher opiniões de teólogos, especialmente Calvino, a esse respeito.

Com o passar do tempo, Villegaignon começou a insistir em outros pontos: era


necessário adicionar água ao vinho da Ceia, o pão consagrado beneficiava tanta a alma
como o corpo, era necessário pôr sal e óleo na água do batismo, um ministro não podia
contrair segundas núpcias. Finalmente, declarou ter mudado de opinião sobre Calvino,
considerando-o um herege desviado da fé. Restringiu as prédicas a meia hora e passou a
assisti-las raramente. Qual a razão dessa mudança? Léry opina que Villegaignon
recebera cartas do cardeal de Lorena censurando-o fortemente por ter abandonado a fé
católica e ele, temeroso das conseqüências, teria mudado de opinião.

Os reformados passaram a celebrar a Ceia à noite, sem o conhecimento do


comandante, que em fins de outubro os expulsou para a terra firme. Eles se instalaram
em um lugar denominado Briqueterie (olaria), onde permaneceram dois meses à espera
de um navio que os levaria de volta para a pátria. Como já faziam quando estavam na
ilha, continuaram a visitar os indígenas, com os quais tinham ótimo relacionamento.

Foram esses contatos que permitiram a Jean de Léry (1534-1611) escrever o


relato sobre a vida dos nativos que hoje tanto impressiona os estudiosos. Nesse relato,
que abrange mais da metade do seu livro, ele descreve com detalhes todos os aspectos
da vida indígena, revelando grande percepção, simpatia e sensibilidade. Entre outras
informações interessantes, Léry preservou pela primeira vez algumas canções dos
nossos índios. Uma dessas canções tupinambás diz: pirá-uassú a uêh, camurupuí-uassú
a uêh (“Peixe grande, estou com fome! Camurupim, estou com fome!”).
2. A Confissão de Fé da Guanabara

Frustrados os objetivos da sua missão, os reformados contrataram transporte em


um navio vindo de Havre. Partiram no dia 4 de janeiro de 1558, depois que o Jacques
foi carregado com pau-brasil, pimentão, algodão, bugios, sagüis, papagaios e outras
coisas da terra. Villegaignon havia dado ao mestre do navio cartas dirigidas a várias
pessoas, inclusive um processo em que pedia ao primeiro magistrado da França que os
huguenotes fossem presos e queimados como hereges.

O navio era velho e tinha pequena capacidade. Somados os marujos e os


passageiros, havia 45 pessoas a bordo. Logo, começou a entrar água em muitos pontos
do casco. O comandante avisou que a viagem iria ser penosa e não haveria alimento
para todos. À vista disso, Léry e alguns companheiros se ofereceram para voltar à terra.
O sapateiro desistiu no último momento, quando já se encontrava no bote. Os outros
eram Pierre Bourdon, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, André Lafon e Jacques Le
Balleur.

Os cinco homens foram parar em uma praia, onde vários indígenas vieram ao
seu encontro. Resolveram voltar para o forte Coligny. Villegaignon os recebeu de modo
cordial. Doze dias depois, mudou radicalmente de atitude: concluiu que os calvinistas
haviam mentido e eram traidores e espiões. Decidiu executá-los por heresia. Como
representante do rei Henrique II, podia exigir que eles declarassem publicamente a sua
fé. Formulou um questionário sobre questões doutrinárias que já havia levantado
anteriormente e deu-lhes doze horas para responderem por escrito.

Tudo de que dispunham os huguenotes era um exemplar das Escrituras. Além


disso, não eram teólogos, e sim leigos. Para redigir a resposta escolheram Jean du
Bourdel, não só o mais velho deles, mas o mais letrado e conhecedor do latim.
Concluída a redação, com tinta de pau-brasil, Bourdel leu-a várias vezes perante os
companheiros, interrogando-os sobre cada ponto. Cada um a assinou de próprio punho,
indicando que a recebia como sua própria.
A Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense foi escrita em
resposta às perguntas ou quesitos apresentados por Villegaignon. Estritamente, trata-se
de um credo, pois quase todos os artigos começam com a palavra “cremos”. Todavia, a
sua extensão e a variedade de temas a coloca na categoria das confissões de fé, comuns
na época da Reforma. Na verdade, é um dos primeiros documentos confessionais
reformados. A Confissão Galicana (1559), a Confissão Belga (1561), o Catecismo de
Heidelberg (1566) e a Confissão de Fé de Westminster (1648) são todos posteriores.

A Introdução faz uma bela aplicação do texto de 1 Pedro 3.15. A Confissão de


Fé em si é composta de 17 parágrafos de diferentes tamanhos que tratam de cinco ou
seis questões principais:

1. Parágrafos 1-4: a doutrina da Trindade, em especial a pessoa de Cristo, com


suas naturezas divina e humana.

2. Parágrafos 5-9: a doutrina dos sacramentos; a Ceia é tratada em quatro artigos


e o batismo em um.

3. Parágrafo 10: a questão do livre arbítrio.

4. Parágrafos 11-12: a autoridade dos ministros para perdoar pecados e impor as


mãos.

5. Parágrafos 13-15: divórcio, casamento dos bispos, voto de castidade.

6. Parágrafos 16-17: a intercessão dos santos e orações pelos mortos.

O texto faz diversas referências aos concílios da igreja antiga e aos pais da
igreja, revelando os conhecimentos históricos dos seus autores. Os parágrafos 1 a 4
utilizam uma linguagem tirada do Credo Niceno-Constantinopolitano (ano 381) e da
Definição de Calcedônia (ano 451). As expressões “o Filho eternamente gerado do Pai”
e “o Espírito Santo, procedente do Pai e do Filho” (Filioque) são bem conhecidas na
história da teologia. O parágrafo 3 se refere ao “símbolo”, ou seja, o Credo dos
Apóstolos ou algum dos outros credos antigos. O parágrafo 5 se refere explicitamente
ao Concílio de Nicéia (ano 325).

A confissão também menciona quatro pais da igreja ou escritores da igreja


antiga: Tertuliano (c.160-c.220) – parágrafo 5; Cipriano (c.200-258) – parágrafos 11 e
15; Ambrósio (c.339-397) – parágrafos 11 e 13; e principalmente Agostinho (354-430)
– parágrafos 5 (três vezes), 7, 11 e 17. Há também referências a um grande número de
passagens bíblicas, principalmente na segunda metade do documento.

Considerando o documento como um todo, percebem-se três características: (a)


é uma confissão de fé bíblica: está repleta de referências e argumentos extraídos
diretamente das Escrituras; (b) é uma confissão de fé cristã: expressa convicções e
conceitos dos primeiros séculos da igreja; (c) é uma confissão de fé reformada: contém
pontos importantes do calvinismo, como a centralidade das Escrituras, a natureza
simbólica dos sacramentos, a supremacia de Cristo, a importância da fé, o batismo
infantil e a eleição, entre outros.

3. O martírio dos huguenotes

Recebido o texto da confissão, o almirante declarou heréticos vários artigos,


especialmente os relativos aos sacramentos e aos votos, e decidiu pela morte dos
reformados. No dia 8 de fevereiro, mandou trazer do continente os signatários (Pierre
Bourdon ficou na aldeia por se achar enfermo). Lançou-os em uma prisão pequena e
escura, onde os condenados oraram e cantaram salmos. Decidiu que fossem
estrangulados e lançados ao mar, pois o carrasco não tinha preparo para eliminá-los de
outro modo.

Chegou a sexta-feira, 9 de fevereiro de 1558. O primeiro a ser chamado foi o


redator da Confissão de Fé, Jean du Bourdel. Depois de ser agredido e humilhado por
Villegaignon, foi conduzido à rocha escolhida para a execução, entoando salmos e
louvores no caminho. Orou antes de ser sufocado e lançado às águas. Matthieu Verneil
foi o próximo. Perguntou porque estava sendo executado. Diante da resposta, observou
que oito meses antes o almirante havia confessado publicamente os mesmos pontos
doutrinários pelos quais condenara à morte os reformados. Após orar, pediu a
Villegaignon que, em vez de fazê-lo morrer, o tomasse como escravo. O almirante lhe
disse que, caso se retratasse, iria pensar no assunto. Verneil se negou a isso e foi
executado.

André Lafon deixou-se persuadir por sugestões de auxiliares de Villegaignon,


que lhe disseram como poderia salvar a vida. Declarou que não queria ser obstinado em
suas idéias calvinistas e se comprometeu a retratar-se quando lhe provassem os seus
erros pela Palavra de Deus. Foi poupado e ficou preso na fortaleza, como alfaiate do
líder e dos seus homens. Pierre Bourdon foi conduzido pessoalmente por Villegaignon e
alguns auxiliares da casa onde se achava gravemente enfermo até a ilha. Disseram-lhe
que iria receber tratamento. Teve o mesmo fim que os dois colegas.

Às 10 horas, Villegaignon reuniu toda a sua gente e lhes dirigiu palavras de


cautela contra a “seita dos luteranos”. Em sinal de regozijo pelas execuções, mandou
fazer farta distribuição de víveres aos seus servos. Ao voltar à França publicou diversos
escritos contra a fé reformada, sendo devidamente refutado.

Jacques Le Balleur conseguiu escapar. Alguns acreditam que viera ao Brasil na


primeira expedição. Além de eloqüente e teólogo, era versado em espanhol, latim, grego
e hebraico. Surgiu na Capitania de São Vicente em 1559, onde chegou em uma canoa de
tamoios. Pôs-se a pregar as suas convicções. O jesuíta Luiz de Grã desceu de São Paulo
de Piratininga (fundada há cinco anos) para desarraigar a heresia. Balleur ia ganhando
terreno e dia a dia aumentava o número dos seus ouvintes. O jesuíta não ousou disputar
com ele, mas mandou prendê-lo e o enviou para a Bahia, sede do governo de Mem de
Sá, onde ficou encarcerado por oito anos.

Condenado à morte, a execução foi suspensa por algum tempo. Finalmente foi
levado ao Rio de Janeiro, para ser executado no lugar onde começara a pregar as suas
“heresias”. Foi enforcado na época da expulsão dos últimos franceses, pouco após a
fundação da cidade do Rio de Janeiro. No momento da execução, revelando-se inábil o
carrasco, foi auxiliado pelo padre José de Anchieta, que julgara haver convertido o
calvinista e temia que a demora da execução o fizesse voltar atrás. Esse fato contribuiu
para a demora do processo de canonização de Anchieta.
O Jacques e seus passageiros só chegaram à França em fins de maio de 1558,
após quase cinco meses de viagem. Algumas pessoas que voltaram para a França quatro
meses depois contaram ao senhor Du Pont, em Paris, que haviam testemunhado as
execuções. Trouxeram consigo não só a Confissão de Fé, mas todo o processo
instaurado contra os calvinistas por Villegaignon, entregando-o a Du Pont, de quem
mais tarde o obteve Jean de Léry.

Visando a preservação do documento, Léry o entregou no mesmo ano de 1558 a


Jean Crespin, para que o inserisse “no livro dos que em nossos dias foram martirizados
na defesa do Evangelho” (História dos Mártires, 1564). Léry diz que alguém, mui
justamente, apelidou Villegaignon o “Caim da América”.

Léry regressou a Genebra, onde concluiu os estudos teológicos e foi ordenado.


Foi pastor em Belleville-Sur-Saône, perto de Lyon. Voltou para Genebra em 1562 e, a
instâncias de amigos, escreveu a sua obra mais famosa, Viagem à terra do Brasil. A
seguir exerceu o ministério em Nevers e La Charité. Escapou por milagre do massacre
de São Bartolomeu e refugiou-se na fortaleza de Sancerre, vindo a escrever uma
narrativa do cerco dessa cidade, publicada em 1574. Perdeu dois manuscritos da sua
obra principal (Viagem à terra do Brasil), mas reencontrou o primeiro deles em 1576,
publicando-o dois anos depois em La Rochelle.

A 2ª edição, revista e aumentada, veio a lume em Genebra em 1580. Seguiram-


se outras quatro até 1600. Foi um dos livros de viagens mais lidos nos séculos 16 a 18.
Paul Gaffarel, estudioso francês, publicou uma valiosa edição comentada em 1880.
Serviu de base para a tradução para o português, feita por Sérgio Milliet e publicada em
1941.

Em 1907, os delegados do Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, reunidos no


Rio de Janeiro, fizeram uma visita à Ilha de Villegaignon. Em 1910, quando da
organização da Assembléia Geral (Supremo Concílio), fizeram nova visita,
comemorando o quarto centenário do nascimento de Calvino, transcorrido no ano
anterior. Hoje a Ilha de Villegaignon abriga a Escola Naval, tendo ao lado o aeroporto
Santos Dumont.
A CONFISSÃO DE FÉ DA GUANABARA (1558)

(Tradução de Erasmo Braga)

Segundo a doutrina de São Pedro Apóstolo em sua primeira epístola, todos os cristãos
devem estar sempre prontos para dar a razão da esperança que neles há, e isso com toda
a doçura e benignidade. Nós, abaixo assinados, Senhor de Villegaignon, unanimemente
(segundo a medida de graça que o Senhor nos concedeu) damos razão a cada ponto,
como nos haveis apontado e ordenado, começando no primeiro artigo:

I. Cremos em um só Deus, imortal e invisível, criador do céu e da terra, e de todas as


coisas, tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e
o Santo Espírito, que não dizem respeito senão a uma mesma substância em essência
eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de todo o bem; o Filho,
eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude do tempo, se manifestou em
carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nascido da virgem Maria, feito sob
a Lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que recebêssemos a adoção de
próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do Pai e do Filho, mestre de toda a
verdade, falando pela boca dos Profetas, sugerindo todas as coisas que foram ditas por
nosso Senhor Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o unico consolador na aflição, dando
constância e perseverança em todo o bem.

Cremos que é mister somente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a majestade
de Deus em fé ou particularmente.

II. Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da outra,
confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana, nele inseparáveis.

III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espírito, o que a Palavra de Deus, a
doutrina apostólica e o Símbolo[1] nos ensinam.

IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos, em forma
visível e humana como subiu ao céu, executando tal juízo na forma em que nos predisse
em São Mateus, vigésimo quinto capítulo, tendo, enquanto homem, todo o poder de
julgar, a ele dado pelo Pai. E, quanto ao que dizemos em nossas orações, que o Pai
aparecerá enfim na pessoa do Filho, entendemos por isso que o poder do Pai, dado ao
Filho, será manifestado no dito juízo, não, todavia, que queiramos confundir as pessoas,
sabendo que elas são realmente distintas uma da outra.

V. Cremos que no Santíssimo Sacramento da Ceia, com as figuras corporais do pão e do


vinho, as almas fiéis são realmente e de fato alimentadas com a própria substância de
nosso Senhor Jesus, como nossos corpos são alimentados de alimentos, e assim não
queremos dizer que o pão e o vinho sejam transformados ou transubstanciados no corpo
e sangue dele, porque o pão continua em sua natureza e substância, semelhantemente o
vinho, e não há mudança ou alteração.

Distinguimos, todavia, este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso comum,
sendo que este nos é um sinal sacramental, sob o qual a verdade é infalivelmente
recebida.

Ora esta recepção não se faz senão por meio da fé e nela não convém imaginar nada de
carnal, como quem prepara os dentes para o comer, como santo Agostinho nos ensina,
dizendo: “Porque preparas tu os dentes e o ventre? Crê, e tu o comeste”.

O sinal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa significada; mas nosso Senhor Jesus
Cristo, por seu poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas, e as faz
participantes de sua carne, de seu sangue e de todos os seus benefícios.

Vejamos a interpretação das palavras de Jesus Cristo: “Este pão é o meu corpo”.

Tertuliano, no livro quarto contra Marcião, explica estas palavras assim: “Este é o sinal
e a figura do meu corpo”.

Santo Agostinho diz: “O Senhor não evitou dizer: Este é o meu corpo, quando dava
apenas o sinal de seu corpo”.

Portanto (como é ordenado no primeiro cânon do Concílio de Nicéia), neste santo


Sacramento não devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrair no pão e no vinho,
que nos são neles propostos por sinais, mas levantar nossos espíritos ao Céu para
contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus, sentado à destra de Deus, seu
Pai.

Neste sentido podíamos juntar o artigo da Ascenção, com muitas outras sentenças de
Santo Agostinho, que omitimos temendo ser longas.

VI. Cremos que, se fosse necessario pôr água no vinho, os evangelistas e São Paulo não
teriam omitido uma coisa de tão grande conseqüência.

E quanto ao que os doutores antigos têm observado (fundamentando-se sobre o sangue


misturado com água que saiu do lado de Jesus Cristo), desde que tal observância não
tem nenhum fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que isso aconteceu depois da
instituição da Santa Ceia, nós não a podemos hoje admitir necessariamente.

VII. Cremos que não há outra consagração que a que se faz pelo ministro, quando se
celebra a Ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem conhecida, a instituição
desta Ceia literalmente, segundo a forma que nosso Senhor Jesus Cristo nos prescreveu,
admoestando o povo da morte e paixão de nosso Senhor. E mesmo, como diz Santo
Agostinho, a consagração e a palavra de fé que é pregada e recebida em fé. Pelo que,
segue-se que as palavras secretamente pronunciadas sobre os sinais não podem ser a
consagração como aparece da instituição que nosso Senhor Jesus Cristo deixou aos seus
apóstolos, dirigindo suas palavras aos seus discípulos presentes, aos quais ordenou
tomar e comer.

VIII. O Santo Sacramento da Ceia não é alimento para o corpo, como o é para as almas
(porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo quinto),
recebendo-o por fé, a qual não é carnal.

IX. Cremos que o batismo é Sacramento de arrependimento, e como uma entrada na


Igreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Cristo. Representa-nos a remissão
de nossos pecados passados e futuros, a qual é adquirida plenamente só pela morte de
nosso Senhor Jesus.
Demais, a mortificação de nossa carne aí nos é representada, e a lavagem, representada
pela água lançada sobre a criança, é sinal e selo do sangue de nosso Senhor Jesus, que é
a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição nos é ensinada na Palavra de
Deus, a qual os santos apóstolos observaram usando de água em nome do Pai, do Filho
e do Santo Espírito.

Quanto aos exorcismos, renúncia a Satanás, crisma, saliva e sal, nós os registramos
como tradições dos homens, contentando-nos só com a forma e instituição deixada por
nosso Senhor Jesus.

X. Quanto ao livre-arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de


Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que
era o livre-arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este dom
de Deus, assim dele foi privado por seu pecado, e todos os que descendem dele, de sorte
que nenhum da semente de Adão tem uma centelha do bem.

Por esta causa, diz São Paulo que o homem sensual não entende as coisas que são de
Deus. E Oséias clama aos filhos de Israel: “Tua ruína vem de ti, ó Israel”.

Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito.

Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em


novidade de vida, nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre-arbítrio, e reforma a
vontade para todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa
vontade não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este Santo
Apóstolo declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “O querer o bem está em
mim; não, porém, o efetuá-lo”.

O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana,
todavia não pode cair em impenitência. A este propósito, São João diz que ele não vive
pecando, porque a eleição permanece nele.

XI. Cremos que pertence só à Palavra de Deus perdoar os pecados, da qual, como diz
Santo Ambrósio, o homem é apenas o ministro; portanto, se ele condena ou absolve,
não é ele, mas a Palavra de Deus que ele anuncia.

Santo Agostinho neste lugar diz que não é pelo mérito dos homens que os pecados são
perdoados, mas pela virtude do Santo Espírito. Porque o Senhor dissera a seus
apóstolos: “Recebei o Santo Espírito”; depois acrescentara: “Se perdoardes a algum
seus pecados”, etc.

Cipriano diz que o servidor não pode perdoar a ofensa contra o Senhor.

XII. Quanto à imposição das mãos, essa serviu em seu tempo, e não há necessidade de
conservá-la agora, porque pela imposição das mãos não se pode dar o Santo Espírito,
porquanto isto só a Deus pertence.

No tocante à ordem eclesiástica, cremos no que São Paulo dela escreveu na Primeira
Epístola a Timóteo, e em outros lugares.

XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por casamento não
se pode fazer senão por causa de adultério, como nosso Senhor ensina em Mateus,
capítulo dezenove, verso cinco. E não somente se pode fazer a separação por essa causa,
mas ainda, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada, não
podendo se conter, pode casar-se, como Santo Ambrósio diz sobre o capítulo sete da
Primeira Epístola aos Coríntios. O magistrado, todavia, deve nisso proceder com
madureza de conselho.

XIV. São Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher, não diz que
lhe seja lícito tornar-se a casar, mas o santo apóstolo condena a bigamia a que os
homens daqueles tempos eram muito afeitos; todavia, nisso deixamos o julgamento aos
mais versados nas Santas Escrituras, não se fundando a nossa fé sobre esse ponto.

XV. Não é licito consagrar a Deus, senão o que ele aprova. Ora, é assim que os votos
monásticos só tendem à corrupção do verdadeiro serviço de Deus. É tambem grande
temeridade e presunção do homem fazer votos além da medida de sua vocação, visto
que a Santa Escritura nos ensina que a continência é um dom especial (Mateus quinze e
a I Epístola de São Paulo aos Coríntios, sete). Portanto, segue-se que os que se impõem
esta necessidade, renunciando ao matrimônio toda a sua vida, não podem ser
desculpados de extrema temeridade e confiança excessiva e insolente em si mesmos.

E por este meio tentam a Deus, visto que o dom da continência é em alguns apenas
temporal, e o que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois,
os monges, padres e outros tais que se obrigam e prometem viver em castidade, tentam
contra Deus, por isso que não está neles cumprir o que prometem. São Cipriano, no
capítulo onze, diz assim: “Se as virgens que se dedicam de boa vontade a Cristo
perseverarem em castidade sem defeito, sendo assim fortes e constantes, podem esperar
o galardão preparado para a sua virgindade; se não querem ou não podem perseverar
nos votos, é melhor que se casem do que serem precipitadas no fogo da lascívia por seus
prazeres e delícias”. Quanto à passagem do apóstolo São Paulo, é verdade que as
viúvas, tomadas para servir à Igreja, se submetiam a não mais casar, enquanto
estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se lhes reputasse ou atribuisse
alguma santidade, mas porque não podiam bem desempenhar os seus deveres sendo
casadas, e, querendo casar, renunciassem à vocação para que Deus as tinha chamado,
contudo, que cumprissem as promessas feitas na Igreja, sem violar a promessa feita no
batismo, na qual está contido este ponto: “Que cada um deve servir a Deus na vocação
em que foi chamado”. As viúvas, pois, não faziam voto de continência, senão que o
casamento não convinha ao ofício para que se apresentavam, e não tinham outra
consideração que cumpri-lo. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes
permittido casar-se que abrasar-se e cair em alguma infâmia ou desonestidade.

Ademais, para evitar tal inconveniente, o apóstolo São Paulo, no capítulo citado, proíbe
que sejam recebidas para fazer tais votos sem que tenham a idade de sessenta anos, que
é uma idade comumente fora da incontinência. Acrescenta que os eleitos só devem ter
sido casados uma vez, a fim de que, por essa forma, tenham já uma aprovação de
continência.

XVI. Cremos que Jesus Cristo é o nosso único Mediador, Intercessor e Advogado, pelo
qual temos acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e
por ele já reconciliados teremos plena vitória contra a morte.
Quanto aos santos falecidos, dizemos que desejam a nossa salvação e o cumprimento do
Reino de Deus, e que o número dos eleitos se complete; todavia não nos devemos
dirigir a eles como intercessores para obtermos alguma coisa, porque desobedeceríamos
o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos, enquanto estamos unidos como
membros de um corpo, devemos orar uns pelos outros, como nos ensinam muitas
passagens das Santas Escrituras.

XVII. Quanto aos mortos, São Paulo na 1 Epístola aos Tessalonicenses, quarto capítulo,
nos proibe entristecer-nos por eles, porque isto convém aos pagãos, que não têm
esperança alguma de ressuscitar. O apóstolo não manda e nem ensina orar por eles, o
que não teria esquecido, se fosse conveniente. Santo Agostinho, sobre o Salmo quarenta
e oito, diz que os espíritos dos mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a
vida; que, se nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos.

Esta é a resposta que damos aos artigos por vós enviados, segundo a medida e porção da
fé que Deus nos deu, suplicando que lhe praza fazer que em nós não seja morta, antes
produza frutos dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos crescer e perseverar nela, lhe
rendamos graças e louvores para sempre jamais. Assim seja.

Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André Lafon

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[1] O Símbolo referido é o Credo dos Apóstolos.

O PRIMEIRO CULTO PROTESTANTE NO BRASIL

Alderi Souza de Matos

Cabe aos presbiterianos a honra de terem realizado o primeiro culto evangélico


na história do Brasil e das Américas. Esse evento singular ocorreu há 450 anos em uma
pequena colônia fundada pelos franceses na baía de Guanabara.
1. A França Antártica

Após o descobrimento do Brasil, Portugal demorou a interessar-se pela ocupação


e a colonização dos novos domínios. Com isso, a colônia atraiu a atenção de outras
nações européias, especialmente a França. Após a experiência mal-sucedida das
capitanias hereditárias e as constantes incursões estrangeiras, Portugal resolveu tomar
providências concretas. Em 1549 enviou o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé
de Souza, que se instalou em Salvador. Todavia, o controle da imensa costa era ainda
muito limitado. Foi nesse contexto que o militar e aventureiro Nicolas Durand de
Villegaignon teve a idéia de fundar uma colônia numa região bem conhecida dos
franceses: a baía de Guanabara.

Villegaignon aproximou-se do vice-almirante Gaspard de Coligny, um dos


principais conselheiros do reino, que nutria fortes simpatias pela Reforma. Com isso,
conseguiu o apoio do rei Henrique II (1547-1559), que lhe forneceu dois navios
aparelhados e recursos para a viagem. A expedição chegou à Guanabara no dia 10 de
novembro de 1555, sendo bem recebida pelos índios tupinambás, acostumados à
presença de franceses na região. O grupo instalou-se na pequena ilha de Serigipe, mais
tarde denominada Villegaignon, onde foi construído o Forte Coligny.

2. A vinda dos reformados

Diante de várias dificuldades surgidas, Villegaignon escreveu à Igreja


Reformada de Genebra solicitando o envio de pastores e colonos evangélicos que
contribuíssem para a elevação do nível moral e espiritual da colônia. Coligny convidou
para liderar o grupo um ex-vizinho seu, Filipe de Corguilleray, conhecido como senhor
Du Pont. Por sua vez, João Calvino e seus colegas alegremente escolheram para
acompanhar os colonos os pastores Pierre Richier (50 anos) e Guillaume Chartier (30
anos). Os seus objetivos específicos eram implantar a fé reformada entre os franceses e
evangelizar os indígenas.

Os huguenotes que os acompanharam foram Pierre Bourdon, Matthieu Verneil,


Jean du Bourdel, André Lafon, Nicolas Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolas
Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques Rousseau e o sapateiro Jean de Léry, o cronista da
viagem, que escreveria a obra Viagem à Terra do Brasil (publicada em 1578). Eram ao
todo 14 pessoas. O grupo deixou Genebra em 16 de setembro de 1556. Após visitarem o
almirante Coligny, seguiram para Paris, onde outros se uniram à comitiva. Alguns
pensam que entre eles estava Jacques Le Balleur. No dia 19 de novembro embarcaram
para o Brasil no porto de Honfleur, na Normandia.

A frota de três navios, comandada por Bois Le Conte, sobrinho de Villegaignon,


levava cerca de 290 pessoas, inclusive algumas mulheres. Como de costume, a viagem
foi muito penosa. A certa altura, diante da situação em que se achavam, os reformados
recitaram o Salmo 107 (ver os vv. 23-30). No dia 7 de março de 1557, os viajantes
finalmente entraram no “braço de mar” chamado Guanabara pelos selvagens e Rio de
Janeiro pelos portugueses.

3. O primeiro culto

O desembarque no forte Coligny deu-se no dia 10 de março, uma quarta-feira. O


vice-almirante recebeu o grupo afetuosamente e demonstrou alegria porque vinham
estabelecer uma igreja reformada. Logo em seguida, reunidos todos em uma pequena
sala no centro da ilha, foi realizado um culto de ação de graças, o primeiro culto
protestante ocorrido nas Américas, o Novo Mundo.

O ministro Richier orou invocando a Deus. Em seguida foi cantado em uníssono,


segundo o costume de Genebra, o Salmo 5: “Dá ouvidos, Senhor, às minhas palavras”.
Esse hino constava do Saltério Huguenote, com metrificação de Clement Marot e
melodia de Louis Bourgeois, e até hoje se mantém nos hinários franceses. Bourgeois foi
diretor de música da Igreja de Genebra de 1545 a 1557 e um dos grandes mestres da
música francesa no século 16. A versão mais conhecida em português (“À minha voz, ó
Deus, atende”) tem música de Claude Goudimel (†1572) e metrificação do Rev. Manoel
da Silveira Porto Filho.

Em seguida, o pastor Richier pregou um sermão com base no Salmo 27:4: “Uma
coisa peço ao Senhor e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias
da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo”. Após o
culto, os huguenotes tiveram sua primeira refeição brasileira: farinha de mandioca,
peixe moqueado e raízes assadas no borralho. Dormiram em redes, à maneira indígena.
A Santa Ceia segundo o rito reformado foi celebrada pela primeira vez no domingo 21
de março de 1557.

4. Eventos posteriores

Infelizmente, o vice-almirante acabou entrando em conflito com os huguenotes


sobre questões doutrinárias e os expulsou da colônia. Em 4 de janeiro de 1558, eles
partiram para a França a bordo de um velho navio. O comandante avisou que a viagem
iria ser difícil e não haveria alimento para todos. Diante disso, cinco huguenotes se
ofereceram para voltar à terra. Inicialmente Villegaignon os recebeu de modo cordial,
mas logo os acusou de serem traidores e espiões. Formulou um questionário sobre
pontos doutrinários e lhes deu doze horas para responderem por escrito. O resultado foi
a bela Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense.

O almirante declarou heréticos vários artigos e decidiu pela morte dos


reformados. No dia 9 de fevereiro de 1558, Jean du Bourdel, Matthieu Verneil e Pierre
Bourdon foram estrangulados e lançados ao mar. André Lafon foi poupado devido às
suas vacilações religiosas e ao fato de ser o único alfaiate da colônia. Jacques Le Balleur
fugiu e foi para São Vicente. Levado preso para a Bahia, ficou encarcerado por oito
anos, sendo então conduzido ao Rio de Janeiro, onde foi enforcado. Ele e seus
companheiros ficaram conhecidos como os mártires calvinistas do Brasil.

Essa efêmera presença calvinista no início da história do Brasil não produziu


efeitos permanentes. Não foi possível aos reformados alcançar seus dois intentos
principais: criar uma igreja reformada e evangelizar os nativos. Todavia, esse episódio é
considerado um marco significativo na história das missões cristãs, pois foi a primeira
vez que os protestantes buscaram anunciar a sua fé a um povo pagão. O fruto mais
duradouro do singelo empreendimento foi a bela confissão de fé selada com sangue.

PRIMÓRDIOS DO MOVIMENTO REFORMADO NO BRASIL

Alderi Souza de Matos


Os primeiros calvinistas chegaram ao Brasil ainda no começo da sua história. No
final de 1555, um grupo de franceses liderados por Nicolas Durand de Villegaignon
instalou-se em uma das ilhas da baía de Guanabara. Um ano e meio mais tarde, chegou
à “França Antártica” um grupo de colonos e pastores reformados enviados pelo próprio
João Calvino, em resposta a um pedido de Villegaignon. No dia 10 de março de 1557
esses evangélicos realizaram o primeiro culto protestante no Brasil e possivelmente no
Novo Mundo. Eventualmente, surgiram desavenças teológicas entre Villegaignon e os
calvinistas. Cinco deles foram presos e forçados a escrever uma declaração de suas
convicções. O resultado foi a bela Confissão de fé da Guanabara. Com base nessa
declaração, três dos calvinistas foram executados e um deles foi poupado por ser o
único alfaiate da colônia. O quinto autor da confissão de fé, Jacques le Baleur,
conseguiu fugir, mas eventualmente foi preso e mais tarde enforcado. Dentre os que
conseguiram retornar para a França estava o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde
tornou-se pastor e escreveu a célebre obra Viagem à terra do Brasil.

A próxima tentativa de introdução do calvinismo no Brasil ocorreu em meados


do século 17 através dos holandeses. No contexto da guerra contra a Espanha, a
Companhia das Índias Ocidentais ocupou o nordeste brasileiro por vinte e quatro anos
(1630-1654). O mais famoso governante do Brasil holandês foi o príncipe João
Maurício de Nassau-Siegen (1637-1644). Embora os residentes católicos e judeus
tenham gozado de tolerância religiosa, a igreja oficial da colônia foi a Igreja Reformada
da Holanda, que realizou uma grande obra pastoral e missionária. Ao longo dos anos
foram criadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paraíba) e até
mesmo um sínodo (1642-1646). Além da assistência aos colonos europeus, a igreja
reformada fez um grande trabalho missionário junto aos indígenas. Ao lado da pregação
e ensino, houve a preparação de um catecismo na língua nativa. Outros projetos
incluíam a tradução das Escrituras e a ordenação de pastores indígenas, o que não
chegou a efetivar-se. Com a expulsão dos holandeses, as igrejas nativas vieram a
extinguir-se e por um século e meio desapareceram os vestígios do calvinismo no
Brasil.

O protestantismo em geral e o presbiterianismo em particular só puderam


estabelecer-se definitivamente no Brasil após a chegada da família real em 1808. Em
1810, Portugal e a Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação cujo
artigo XII pela primeira vez em nossa história concedeu liberdade religiosa aos
imigrantes protestantes. Logo, muitos deles começaram a chegar de diversas regiões da
Europa, inclusive reformados franceses, suíços e alemães. Em 1827, por iniciativa do
cônsul da Prússia, foi fundada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemã-
Francesa, que congregava luteranos e calvinistas.

Durante várias décadas, o calvinismo ficou restrito às comunidades imigrantes,


sem atingir os brasileiros. Os poucos pastores reformados ou presbiterianos que por aqui
passaram restringiram suas atividades religiosas aos estrangeiros. Tal foi o caso do Rev.
James Cooley Fletcher, um pastor presbiteriano norte-americano que teve uma longa e
frutífera ligação com o Brasil a partir de 1851. Ele deu assistência religiosa a
marinheiros e imigrantes europeus, procurou aproximar o Brasil e os Estados Unidos
nas áreas diplomática, comercial e cultural e escreveu o livro O Brasil e os brasileiros,
publicado em 1857. Através de seus contatos com políticos e intelectuais brasileiros,
Fletcher contribuiu indiretamente para a introdução do protestantismo no Brasil. Foi por
sua sugestão que o missionário congregacional inglês Robert Reid Kalley veio para o
Brasil em 1855.

Finalmente, o presbiterianismo foi implantado entre os brasileiros graças ao


trabalho do Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867), que chegou ao Brasil em 12 de
agosto de 1859 e dois anos e meio mais tarde organizou a Igreja Presbiteriana do Rio de
Janeiro (12-01-1862). Em março de 1865, seu colega e cunhado Alexander Latimer
Blackford organizou a segunda comunidade presbiteriana em terras brasileiras, a Igreja
Presbiteriana de São Paulo.

ROBERT REID KALLEY: PIONEIRO DO PROTESTANTISMO


MISSIONÉRIO NA EUROPA E NAS AMÉRICAS

Alderi Souza de Matos

Introdução

Ao escreverem sobre a implantação da fé protestante em países do terceiro mundo, os


estudiosos têm feito uma distinção que aponta para duas modalidades desse fenômeno:
o “protestantismo de imigração”, representado por imigrantes protestantes normalmente
procedentes da Europa central e setentrional, os quais tenderam a restringir as suas
práticas religiosas ao seu próprio grupo étnico, e o “protestantismo de missão”,
representado por indivíduos e organizações da Europa e dos Estados Unidos que
trabalharam naqueles países com a intenção expressa de angariar adeptos e plantar
igrejas entre a população nacional. O médico escocês Robert Reid Kalley é um notável
pioneiro dessa segunda modalidade, tendo sido o primeiro missionário protestante a
atuar com êxito em várias regiões de língua portuguesa dos dois lados do Atlântico,
apesar dos formidáveis obstáculos que teve de enfrentar. Personagem controvertido e
polêmico, caracterizado por um espírito empreendedor e independente, Kalley exerceu
uma influência profunda e duradoura sobre o protestantismo luso-brasileiro, em
diferentes aspectos.

Apesar de Kalley ter se tornado uma figura quase lendária na história do protestantismo
brasileiro, alguns aspectos da sua vida, obra e peculiaridades são ainda pouco
conhecidos. Daí a oportunidade e relevância de reconsiderar esse pioneiro, visto ter
transcorrido recentemente o sesquicentenário da sua chegada ao Brasil (2005). O artigo
começa por mostrar as circunstâncias que levaram Kalley da sua Escócia natal à
pequena Ilha da Madeira, no Oceano Atlântico. Em seguida, observa-se como a
tremenda oposição surgida contra o missionário e seus conversos teve um desfecho não
antecipado nem pretendido pelos perseguidores: a difusão da fé evangélica em outras
terras. São apontados os fatores que trouxeram Kalley ao Brasil, bem como as
influências sofridas e as mudanças experimentadas por ele ao longo da sua
caleidoscópica história de vida. Conclui-se com uma avaliação das principais
contribuições do personagem, bem como de algumas de suas idiossincrasias pessoais e
teológicas.[1]

1. De Glasgow à Ilha da Madeira

Robert Kalley nasceu em Mount Florida, um subúrbio de Glasgow, Escócia, no dia 8 de


setembro de 1809. Foi batizado aos oito dias de vida na tradicional e antiga Igreja da
Escócia (Presbiteriana).[2] Seu pai, um próspero comerciante e dedicado membro da
igreja, faleceu um ano mais tarde. Sua mãe voltou a casar-se, mas morreu em 1815,
deixando o filho para ser criado pelo padrasto. Este também era membro da igreja e
desejou que o jovem seguisse a carreira ministerial. Aos vinte anos, em agosto de 1829,
Robert diplomou-se cirurgião e farmacêutico pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de
Glasgow, tendo feito os seus estudos práticos no Hospital Real da mesma cidade.
Aceitou um emprego de médico de bordo em duas viagens a Bombaim, na Índia, tendo
a oportunidade de visitar muitos portos, inclusive Funchal, na Ilha da Madeira. Sentiu
em primeira mão a grande necessidade de médicos no Oriente.[3]

Em 1832, Kalley começou a praticar a medicina em Kilmarnock, a cerca de 30 km de


Glasgow, onde se destacou pela sua competência e veio a prosperar financeiramente.
Desde a juventude havia sido um incrédulo e agnóstico, tendo sido influenciado pelos
escritos do deísta Thomas Paine (1737-1809) e outros autores. Todavia, a atitude de
uma paciente cristã, que enfrentou grandes sofrimentos com serenidade e fé, bem como
as conversas que teve com ela, levaram o jovem médico a reconsiderar as asserções do
cristianismo. O estudo da Bíblia, especialmente das profecias relativas aos judeus e à
Palestina, levou-o à conversão e a um interesse pela evangelização dos judeus. Outro
fato marcante daqueles anos de transição foi a morte de Robert Morrison (1782-1834),
missionário de origem escocesa e presbiteriana, ligado à Sociedade Missionária de
Londres, que foi o pioneiro protestante na China (Cantão).

Kalley sentiu que a morte de Morrison representava um desafio e um chamado para ele.
Ofereceu os seus serviços à Junta de Missões da Igreja da Escócia como médico
missionário e evangelista, mas a junta não o aceitou pelo fato de a China não estar
incluída entre os seus campos missionários. Buscou então a Sociedade Missionária de
Londres[4], que em fins de novembro de 1837 o admitiu como médico missionário para
a China. Foi instruído a embarcar para o campo em 1839, devendo fazer, no ínterim,
novos estudos médicos, além de estudos teológicos. Fechou o seu consultório médico e
matriculou-se na Universidade de Glasgow, obtendo o grau de doutor em medicina em
abril de 1838. Todavia, dois meses após a sua nomeação como missionário, ele havia
ficado noivo de Margaret Crawford, de Paisley, cuja frágil saúde a desqualificava para o
trabalho na China. A nomeação foi suspensa até uma ocasião oportuna.

Embora a China ainda estivesse nos seus planos, a deterioração da saúde da esposa fez
com que Kalley planejasse levá-la por uns tempos para a Ilha da Madeira, cujo clima o
havia encantado. Chegaram a Funchal no dia 12 de outubro de 1838. Naquela cidade
havia uma grande colônia de escoceses ligada à indústria do vinho e mais tarde Kalley
foi eleito presbítero da Igreja Presbiteriana Escocesa ali existente. Logo que chegou,
sentiu-se desafiado a empregar as suas aptidões e recursos para auxiliar a população
pobre e analfabeta da ilha, e anunciar-lhe o evangelho. Resolveu estudar a língua
portuguesa e seguiu para Lisboa, onde, em 17 de junho de 1839, depois de ter sido
examinado pela Escola Médico-Cirúrgica daquela cidade, foi habilitado para exercer a
medicina nos territórios de Portugal. Seguiu então para Londres, para contatos com a
Sociedade Missionária, à qual pedira que o ordenasse pastor e o nomeasse como seu
agente na Ilha da Madeira. A Sociedade aprovou a sua ordenação, mas não o aceitou
como agente por ainda não ter trabalho naquela ilha. Apesar de não ter feito estudos
formais de teologia, sendo aparentemente um autodidata nessa área, Kalley foi aprovado
nos exames e ordenado no dia 8 de julho de 1839 por seis ministros presbiterianos
ligados à Sociedade. Estes agiram em sua capacidade individual, sem representar uma
denominação.[5] Em outubro do mesmo ano, ele retornou à Ilha da Madeira.

Em 1840, Kalley abriu um pequeno hospital com doze leitos em Funchal, com farmácia
e consultório grátis para os pobres. Quase cinqüenta pessoas o consultavam diariamente.
As consultas eram precedidas por um pequeno culto em que ele lia e explicava as
Escrituras e fazia uma oração. Seguia a mesma prática quando visitava os pacientes nos
seus lares. Ao mesmo tempo, utilizando recursos próprios e de amigos, abriu escolas
diurnas para as crianças e noturnas para os adultos em vários pontos da ilha, nas quais
as pessoas aprendiam a ler e eram instruídas nas Escrituras. Nessas escolas mais de
2000 pessoas aprenderam a ler, nos seis anos em que elas funcionaram. Nesse período,
Kalley compôs os seus primeiros hinos e escreveu os seus primeiros tratados
evangélicos para o povo. Milhares de exemplares das Escrituras foram distribuídos. Aos
domingos, grandes grupos reuniam-se nas montanhas para ouvir a pregação do
Evangelho e cantar os apreciados “hinos calvinistas”.[6]

2. O espectro da perseguição

A princípio, as autoridades elogiaram o Dr. Kalley pelas suas atividades filantrópicas,


registrando em ata, em maio de 1841, a sua gratidão ao “bom doutor inglês”. O povo,
reconhecendo os seus serviços, chegou a denominá-lo “o santo inglês”. O ano de 1842
foi particularmente frutífero no trabalho educacional e evangelístico. Porém, no final de
janeiro do ano seguinte a hostilidade latente do clero deu início a um movimento anti-
herético que, com a cooperação das autoridades civis, rapidamente assumiria proporções
assustadoras.[7] Vale lembrar que essas reações antiprotestantes resultaram em parte do
caráter conservador de uma comunidade isolada, religiosamente homogênea, como a
pequena Ilha da Madeira. Por outro lado, a igreja católica européia vivia um de seus
períodos mais conturbados, em que o forte sentimento tridentino e ultramontano da
Contra-Reforma fora reforçado ainda mais pela Revolução Francesa e suas
conseqüências. O papa então reinante, Gregório XVI (1831-1846), caracterizou-se por
seu espírito reacionário e intolerante, manifestando-se fortemente contra os valores da
modernidade, tais como a democracia, a liberdade religiosa e a separação entre a Igreja
e o Estado.[8] Essa atitude não sofreria alteração durante o longo pontificado do seu
sucessor, Pio IX (1846-1878).

Na Ilha da Madeira, as autoridades sucessivamente ordenaram o fechamento das escolas


evangélicas, proibiram o Dr. Kalley de exercer a medicina e de realizar cultos
domésticos e, invocando uma lei inquisitorial de 1603, o prenderam por seis meses sem
direito a fiança (julho de 1843 a janeiro de 1844). Ele tinha a permissão de receber três
visitantes de cada vez, mas não podiam cantar hinos e ler as Escrituras. Sob a liderança
do cônego Carlos Telles de Meneses, houve um grande esforço no sentido de suprimir o
movimento evangélico, do qual resultou a prisão de muitos crentes sob acusações de
apostasia, heresia e blasfêmia. Uma pobre mãe de sete filhos, Maria Joaquina Alves,
ficou presa durante dois anos e meio (janeiro de 1843 a maio de 1845). Foram
terminantemente proibidas a posse e a leitura da Bíblia, embora a versão distribuída
fosse a do padre Antônio Pereira de Figueiredo. Após a sua libertação, o Dr. Kalley
prosseguiu com o seu trabalho de modo mais limitado e cauteloso, concentrando-se na
localidade de Santo Antônio da Serra, onde aos domingos chegavam a reunir-se
seiscentas pessoas. Teve o apoio incondicional da Igreja Escocesa de Funchal e de um
missionário recém-chegado, o Rev. William Hepburn Hewitson.[9] Em 23 de março de
1845, na casa pastoral da Igreja Escocesa, a Ceia do Senhor foi celebrada pela primeira
vez em português segundo a liturgia presbiteriana. Pouco depois, em 8 de maio, foi
organizada sob a liderança do Rev. Hewitson a primeira igreja presbiteriana portuguesa,
com mais de sessenta membros comungantes, sendo eleitos vários presbíteros e
diáconos.
Após passar alguns meses na Escócia, onde falou sobre as suas experiências à
Assembléia Geral da Igreja da Escócia em agosto de 1845, Kalley e sua esposa
retornaram à Ilha da Madeira. Nos meses seguintes se desencadearam novas
perseguições com fúria ainda maior. Os evangélicos continuaram sendo presos,
espancados, apedrejados e alguns tiveram suas casas queimadas. Ressoavam na
imprensa e outros meios clamores de morte contra os protestantes. Uma série de artigos
aparecidos no jornal O Imparcial foi publicada sob o título “Revista histórica do
proselitismo anticatólico exercido na Ilha da Madeira pelo Dr. Roberto Reid Kalley,
médico escocês, desde 1838 até hoje”. Kalley escreveu uma resposta a esse panfleto
acusatório contra os evangélicos, resposta essa que foi publicada em Lisboa e circulou
ali e na Ilha da Madeira em julho de 1846. Essa controvérsia aberta parece ter sido o
estopim da explosão final, no mês seguinte.[10]

No dia 2 de agosto, um bando chefiado pelo cônego Telles atacou a casa de algumas
senhoras inglesas onde cerca de quarenta madeirenses, na maior parte mulheres, haviam
se reunido para o culto. Vidros e portas foram quebrados, mas a chegada da polícia
impediu que fosse causado dano físico às pessoas reunidas. Nos dias seguintes, muitos
“calvinistas” no interior da ilha tiveram suas casas atacadas e sofreram toda sorte de
indignidades. O Rev. Kalley tornou-se o alvo principal dos perseguidores e
multiplicaram-se ferozes ameaças de morte contra ele. Seus apelos ao cônsul britânico e
às autoridades locais foram recebidos com frieza. Na manhã do dia 9, um domingo, a
Sra. Kalley foi levada sob disfarce para a residência do cônsul, que havia ido para a sua
casa de campo. Disfarçado como uma mulher enferma, o Dr. Kalley foi conduzido em
uma rede para uma chácara e dali, antes do raiar do dia 9, foi levado para o navio inglês
“Forth”, ancorado na baía de Funchal. Sua casa, móveis, equipamento médico,
biblioteca e manuscritos foram todos destruídos em um incêndio, cuja fumaça ele pôde
ver do navio. O hospital foi saqueado e muitas das escolas do interior foram queimadas,
bem como todas as Bíblias e literatura evangélica que foram encontradas.

Naquela mesma noite, o navio partiu para Trinidad, nas Antilhas (Caribe), onde o Dr.
Kalley encontrou a esposa e, juntos, seguiram para a Inglaterra. Nas semanas seguintes
à partida do missionário, seus discípulos, acossados, ameaçados e maltratados, também
tiveram de fugir para salvar a vida. Os incidentes da Madeira coincidiram com um plano
inglês de recrutar trabalhadores para as ilhas de Trinidad, Antigua e St. Kitts, e alguns
navios ingleses em busca de trabalhadores haviam chegado a Funchal naquele mesmo
mês. No dia 23, duzentos refugiados religiosos partiram a bordo do “William”, levando
apenas a roupa do corpo. Dias depois, mais de quinhentos os seguiram no “Lord
Seaton” e nos meses seguintes muitos outros abandonaram os seus lares, buscando
liberdade de culto do outro lado do oceano. Estima-se que mais de dois mil evangélicos
deixaram a sua ilha na perseguição de 1846.

Surpreendentemente, o movimento evangélico na Madeira não foi inteiramente


suprimido e, em 1853, uma nova leva de emigrantes calvinistas partiu para o Novo
Mundo. A partir de 1875, em um clima de maior tolerância e com o apoio da Igreja da
Escócia, várias igrejas presbiterianas foram formadas naquela ilha, que continuaram em
existência ao longo do século 20.[11] Com o apoio de igrejas norte-americanas, muitos
dos madeirenses que se fixaram nas Antilhas, bem como os emigrados de 1853, foram
para os Estados Unidos, estabelecendo-se nas cidades de Springfield e Jacksonville, no
Estado de Illinois.[12] As igrejas que formaram eventualmente filiaram-se à Igreja
Presbiteriana dos Estados Unidos da América, a Igreja do Norte (PCUSA), e deram uma
importante contribuição para o início dos trabalhos congregacional e presbiteriano no
Brasil.

3. Interregno e transferência para o Brasil

Depois de passar algum tempo na Escócia e na Inglaterra, Kalley trabalhou como


médico missionário durante dois anos na Ilha de Malta e outros dois na Palestina (1850-
1852). Em Safed, organizou uma pequena igreja na qual metade dos participantes era
constituída de judeus convertidos e a outra metade de ex-muçulmanos e
nestorianos.[13] Sua primeira esposa, Margaret, veio a falecer no início de 1852. No
final daquele ano, ele contraiu segundas núpcias com Sarah Poulton Wilson (1825-
1907), a quem conhecera na Palestina. Sarah nasceu em Nottingham, Inglaterra, sendo
sobrinha pelo lado materno de Samuel Morley, rico industrial e filantropo, membro
destacado do Parlamento Britânico e líder da igreja congregacional.[14] A família
também tinha ligações com os Irmãos de Plymouth através de outro tio de Sarah, John
Morley.[15]
Sarah recebeu uma educação esmerada e cultivou muitos dotes artísticos, revelados
mais tarde na poesia, na pintura e na música. Foi grande defensora do nascente
movimento das Escolas Dominicais. Seu trabalho evangélico teve início em Torquay,
onde dirigiu uma classe bíblica que se tornou instrumento para a conversão de muitos
jovens. Ela visitou a Palestina em março de 1852 em companhia de um irmão mais
novo, que veio a falecer de tuberculose em Beirute.[16] Nessa viagem Sarah conheceu o
Dr. Kalley, com o qual veio a casar-se em 14 de dezembro do mesmo ano. Esse
casamento contribuiu para que Kalley eventualmente se afastasse de suas raízes
presbiterianas e se voltasse para o congregacionalismo. Devido às suas extraordinárias
qualificações, Sarah deu contribuições à obra do esposo que exigem uma análise mais
detalhada do que é possível neste estudo.

No inverno seguinte (1853-1854), Kalley, acompanhado da esposa, foi visitar os amigos


madeirenses em Illinois. Passando por Nova York, esteve na Sociedade Bíblica
Americana, onde conversou a respeito dos refugiados portugueses. Poucos dias depois,
o dirigente da Sociedade Bíblica recebeu uma carta do Rev. James Cooley Fletcher
(1823-1901),[17] pastor presbiteriano que trabalhava no Rio de Janeiro para a
Sociedade de Amigos dos Marinheiros Americanos, pedindo-lhe o envio de alguns
refugiados madeirenses para trabalharem no Brasil como colportores da Sociedade
Bíblica. Kalley foi informado sobre isso e decidiu ele mesmo vir para o Brasil no ano
seguinte.

O casal Kalley partiu de Southampton em 9 de abril de 1855, chegando ao Rio de


Janeiro no dia 10 de maio. Por dois meses e meio se hospedaram em hotéis, mas não
encontraram um local adequado onde pudessem residir e iniciar o trabalho evangélico.
No final de junho visitaram Petrópolis e ficaram bem impressionados com a cidade.
Viram que havia melhor possibilidade de iniciar o trabalho missionário ali do que no
Rio de Janeiro, graças ao auxílio que poderiam receber dos colonos alemães. Souberam
que uma bela propriedade (Gernheim = lar muito amado) situada em uma encosta do
Bairro Suíço ficaria disponível em outubro. Mudaram-se para Petrópolis em fins de
julho, hospedando-se em um hotel. Tendo feito amizade com a família do embaixador
americano, Sr. Webb, que ocupava Gernheim, foi-lhes permitido iniciar ali uma escola
dominical. Na tarde do dia 19 de agosto, a Sra. Kalley iniciou a classe dominical com as
crianças da casa e de uma família vizinha. Leram a história de Jonas, cantaram
hinos[18] e oraram. Assim nasceu a primeira Escola Dominical do Brasil. Algum tempo
depois foi criada uma classe de adultos, dirigida pelo Rev. Kalley. Em 15 de outubro o
casal mudou-se para Gernheim. A escola dominical cresceu e no ano seguinte surgiram
classes em alemão, inglês e português, para crianças de oito anos para cima.

De agosto de 1855 a maio de 1856, o Rev. Kalley escreveu várias cartas aos irmãos de
Illinois, convidando-os para virem ajudá-lo no Brasil. Em dezembro de 1855 chegou
William D. Pitt, que havia sido aluno de escola dominical de D. Sarah na Inglaterra, e
em agosto de 1856 vieram Francisco da Gama, Francisco de Souza Jardim e Manoel
Fernandes, com suas famílias. No dia 10 de agosto daquele ano, na casa alugada por
esses crentes no morro da Saúde, o Rev. Kalley oficiou pela primeira vez a Ceia do
Senhor, com a presença de dez pessoas. O missionário viu desde o início a importância
da literatura e convidou o Sr. Gama para trabalhar como colportor, o que este fez com
muita eficiência, vendendo Bíblias e livros evangélicos. Algumas publicações foram
encomendadas de Lisboa e outras produzidas pelo próprio Dr. Kalley. Ele também
traduziu a famosa obra de John Bunyan, “A Viagem do Cristão” (O Peregrino),
publicando-a no Correio Mercantil (outubro a dezembro de 1856) e depois em forma de
livro. Também escrevia artigos religiosos nesse periódico. Ao mesmo tempo, desde que
chegou a Petrópolis, Kalley procurou relacionar-se com as autoridades civis, inclusive
com o imperador Pedro II, do qual se tornou amigo. Como seu vizinho, este foi visitá-lo
várias vezes para ouvir sobre as suas viagens através da Palestina.

O casal Kalley partiu para a Inglaterra no dia 17 de janeiro de 1857, a fim de visitar uma
tia de Sarah que se achava gravemente enferma. De Londres, onde ficaram por alguns
meses, o Rev. Kalley enviou para o Rio de Janeiro uma grande quantidade de literatura.
Chegaram de volta ao Brasil em 9 de outubro. Extremamente cauteloso após as
perseguições sofridas na Ilha da Madeira, Kalley trabalhou dentro dos limites impostos
pela lei brasileira, adotando como modelo básico de evangelização o “culto
doméstico”.[19] No dia 8 de novembro, foi batizado o primeiro crente em Petrópolis, o
português José Pereira de Souza Louro. No Rio, havia reuniões em português na casa de
Francisco da Gama e em inglês na residência de William Pitt. Nos meses seguintes,
começaram a surgir artigos na imprensa do Rio revelando preocupação com a
propaganda protestante e a distribuição de “Bíblias falsas”. Um motivo a mais de
inquietação para os líderes católicos eram as discussões sobre a instituição do
casamento civil e outras medidas liberalizantes do governo imperial.

4. O congregacionalismo brasileiro

Em 11 de julho de 1858, Kalley batizou o seu primeiro converso brasileiro, Pedro


Nolasco de Andrade, no Rio de Janeiro. Esse dia passou a ser considerado como a data
da organização da “Igreja Evangélica”, mais tarde denominada Igreja Evangélica
Fluminense (18-09-1863), para distingui-la da igreja presbiteriana organizada pelo Rev.
Ashbel Green Simonton no início de 1862. Em Petrópolis, porém, não se chegou a
organizar uma igreja, embora houvesse reuniões domésticas semanais, e os crentes ali
batizados foram incorporados à igreja do Rio de Janeiro. A igreja do bairro da Saúde foi
a primeira comunidade evangélica de língua portuguesa a surgir no Brasil, isto é, a
primeira igreja “de missão” que conseguiu lançar raízes permanentes no país. Todas as
outras igrejas existentes naquela época ou anteriormente eram constituídas de
estrangeiros.[20] Kalley também continuou a exercer suas atividades como médico,
prestando assistência gratuita aos pobres e oferecendo os seus serviços à comunidade,
como ocorreu durante uma epidemia de cólera em Petrópolis no mesmo ano da sua
chegada ao Brasil.

Outro marco importante do ministério do Dr. Kalley foi o batismo de duas senhoras de
alta posição, Gabriela Augusta Carneiro Leão e sua filha Henriqueta Soares do Couto,
ocorrido em Petrópolis no dia 7 de janeiro de 1859. Dona Gabriela era irmã do Marquês
do Paraná e do Barão de Santa Maria. Elas haviam sido evangelizadas pelo crente
pioneiro José Pereira de Souza Louro e mais tarde se transferiram para a igreja
presbiteriana, na qual permaneceram até o final da vida. Esse batismo parece ter
contribuído para o surgimento de pressões contra o trabalho do missionário, que em 26
de maio daquele ano foi proibido de clinicar pelo subdelegado de Petrópolis.

Mediante pressão do núncio, o governo imperial fez chegar à Legação Britânica um


comunicado com diversas queixas contra Kalley, tais como propaganda de doutrinas
contrárias à religião do Estado e tentativa de conversão de católicos à fé protestante. O
missionário formulou uma série de quesitos sobre as suas atividades e os apresentou
simultaneamente aos melhores juristas da época, os Drs. Joaquim Nabuco, Urbano S.
Pessoa de Melo e Caetano Alberto Soares. Os pareceres foram altamente satisfatórios e
no dia 16 de julho Kalley enviou à Legação Britânica uma resposta ao comunicado do
Ministro do Governo e uma carta particular ao cônsul William Stuart explicando as suas
atividades e os tipos de pessoas que freqüentavam as suas reuniões. Concluiu que a
liberdade por ele exercida estava dentro dos limites da lei. Acrescentou que, caso o
governo insistisse nas suas tentativas de silenciá-lo, se sentiria na direito de publicar os
motivos para tanto e fazê-los conhecidos em todos os países de onde o Brasil esperava
colonos.[21]

No dia 29 de agosto de 1859, Kalley defendeu tese na Escola de Medicina do Rio de


Janeiro, sendo reconhecido como médico e autorizado a exercer essa profissão no
Brasil. Nesse ínterim, recebeu forte apoio de brasileiros e alemães de Petrópolis, que
produziram abaixo-assinados em sua defesa.[22] Kalley fez uma segunda viagem à
Inglaterra de agosto de 1862 a agosto de 1863. Pretendia tratar do joelho que havia
ferido em um acidente com o cavalo, procurar uma pessoa para ajudá-lo no seu trabalho
e visitar a Palestina. Antes da sua partida, a igreja elegeu os seus primeiros presbíteros.
Kalley retornou ao Rio de Janeiro no início de setembro de 1863 e no dia 2 de outubro
foi formalmente eleito pastor da igreja a fim de poder realizar casamentos religiosos
com efeitos civis, uma importante conquista dos protestantes brasileiros.[23] Em
novembro de 1865, preocupado com o fato de um membro da sua igreja possuir
escravos, Kalley fez uma “exortação” expondo seu ponto de vista contrário à
escravidão. Seu primeiro pastor-auxiliar foi o Rev. Richard Holden (1828-1886), de
março de 1865 a julho de 1871.[24] Isso permitiu a Kalley fazer uma terceira viagem
mais prolongada à Europa e à Palestina, ausentando-se por dois anos e meio (dezembro
de 1868 a junho de 1871). Em fins de 1873, o missionário foi para Recife, onde fundou
a Igreja Evangélica Pernambucana, cujo primeiro pastor residente foi o Rev. James
Fanstone (1851-1937), pai do Dr. James Fanstone (1890-1987), fundador do Hospital
Evangélico Goiano, em Anápolis.

Em 31 de dezembro de 1875, foi eleito co-pastor da Igreja Fluminense o Rev. João


Manoel Gonçalves dos Santos, um membro da igreja que havia estudado desde 1872 no
“Pastor’s College”, de Charles H. Spurgeon, em Londres. Ele haveria de pastorear a
igreja por quase quarenta anos. Estando mais livre das preocupações do trabalho
pastoral, o Rev. Kalley pode dedicar-se à preparação de uma súmula das doutrinas
aceitas pela Igreja Evangélica Fluminense, que recebeu o título de “Breve Exposição
das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo” e foi publicada em 1876. No dia 2 de
julho daquele ano, após o acréscimo de um artigo sobre a natureza de Deus (atual artigo
4), a igreja aceitou formalmente os 28 artigos, que são até hoje a base doutrinária dos
congregacionais brasileiros. Em novembro de 1880, o governo imperial haveria de
sancionar tanto os artigos orgânicos (estatutos) da igreja quanto a sua base doutrinária.

O Dr. Kalley partiu definitivamente para a Escócia no dia 10 de julho de 1876, vindo a
falecer em Edimburgo em 17 de janeiro de 1888.[25] Até o seu falecimento, não deixou
de corresponder-se com freqüência com os líderes de suas igrejas no Brasil e em outros
lugares de língua portuguesa (Portugal, Madeira, Trinidad, Illinois). Foi o pai espiritual
e o mentor de toda uma geração de ministros e missionários que imitaram a sua visão,
zelo e dedicação. Sentiu o desejo de criar uma sociedade missionária não-
denominacional para enviar obreiros ao Brasil, desejo esse cumprido por sua esposa
anos mais tarde, com a criação da sociedade “Help for Brazil” (Auxílio para o Brasil),
precursora da União Evangélica Sul-Americana (UESA).[26]

5. Kalley e os presbiterianos

Como já foi observado, Kalley nasceu na Igreja da Escócia e manteve ligações com o
presbiterianismo durante boa parte da sua vida. As igrejas que resultaram do seu
trabalho na Ilha da Madeira, onde seus discípulos eram conhecidos como “calvinistas”,
bem como aquelas fundadas por refugiados madeirenses no Caribe e nos Estados
Unidos, foram todas presbiterianas.[27] No Brasil, embora ele tenha sido o introdutor
do congregacionalismo, suas ligações com os presbiterianos e suas contribuições diretas
e indiretas à obra presbiteriana são dignas de nota.[28]

Em primeiro lugar, houve o relacionamento pessoal e direto entre Kalley e o pioneiro do


presbiterianismo brasileiro, Ashbel Green Simonton. No mesmo mês em que chegou ao
Brasil (agosto de 1859), Simonton visitou a igreja do bairro da Saúde e conversou com
o Dr. Kalley, que em tom paternal o incentivou e lhe transmitiu conselhos e
advertências.[29] Simonton passou a pregar com certa regularidade na Igreja
Evangélica, até que, no mês de dezembro, surgiu um conflito entre os dois obreiros.
Devido a um mal-entendido, Kalley sentiu que o colega mais jovem estava invadindo o
seu campo de trabalho e expressou as suas críticas a terceiros, inclusive através de uma
nota anônima. O problema foi resolvido satisfatoriamente quando, ao ser interpelado,
Kalley pediu desculpas por todas as alegações levantadas, revelando, segundo o
testemunho do próprio Simonton, um espírito profundamente humilde e generoso.[30]
Nos anos seguintes, formaram-se laços muito estreitos entre as duas comunidades
evangélicas. Em 1896, durante o pastorado do Rev. James B. Rodgers, quando o templo
presbiteriano precisou de uma grande reforma, a igreja reuniu-se no templo da sua
congênere durante todo o período das obras.[31]

Kalley também contribuiu com a obra presbiteriana em um sentido mais amplo, através
de pessoas originalmente ligadas ao seu trabalho. Quatro líderes das igrejas portuguesas
de Illinois foram notáveis missionários presbiterianos no Brasil: Emanuel N. Pires
(1866-1869), Hugh Ware McKee (1867-1870), Robert Lenington (1868-1886) e João
Fernandes Dagama (1870-1891).[32] Pires e McKee foram dois dos primeiros pastores
da Igreja Presbiteriana de São Paulo, por breve tempo. Todavia, Lenington e Dagama
tiveram longos ministérios, evangelizando extensamente o interior de São Paulo e, no
caso de Lenington, também o Paraná e o sul de Minas. Outro pioneiro extremamente
operoso foi William Dreaton Pitt, um inglês que estudou na escola dominical de Sarah
Kalley em Torquay, trabalhou junto aos portugueses em Illinois e foi a primeira pessoa
a vir para o Brasil em resposta a um apelo de Kalley. Foi um dos fundadores da Igreja
Evangélica Fluminense e um dos quatro primeiros presbíteros daquela igreja. Mudando-
se para São Paulo, onde trabalhou no comércio, associou-se aos presbiterianos,
tornando-se um valioso cooperador do Rev. Alexander Blackford. Faleceu em 1870,
poucos meses após a sua ordenação ao ministério. O ministro presbiteriano Rev. José
Manoel da Conceição (1822-1873), ex-sacerdote e primeiro pastor protestante de
nacionalidade brasileira, trabalhou durante oito meses em 1867 e 1868 nas igrejas
portuguesas de Illinois, com as quais se correspondeu até o final da sua vida.

Outros elementos ligados a Kalley que prestaram o seu concurso à obra presbiteriana no
Brasil foram colportores, os mais destacados dentre eles tendo sido Manoel Pereira da
Cunha Bastos, que precedeu o Rev. Blackford em São Paulo, e Manoel José da Silva
Viana, fundador da igreja congregacional em Recife e colaborador do Rev. John
Rockwell Smith. O português Bastos, um ex-diácono da Igreja Evangélica Fluminense,
tornou-se colportor da Sociedade Bíblica Americana e foi enviado a São Paulo pelo
Rev. Simonton, poucos meses antes da chegada de Blackford. Evangelizou um patrício,
José Maria Barbosa da Silva, seu vizinho à rua Aurora, que por sua vez foi instrumento
para a conversão dos jovens portugueses Antônio Bandeira Trajano e Miguel Gonçalves
Torres, dois dos primeiros pastores presbiterianos nacionais.[33] Um último exemplo de
contribuição congregacional ao presbiterianismo brasileiro foram alguns membros das
igrejas de Kalley que se filiaram à igreja presbiteriana, dentre os quais se destacam as já
citadas Gabriela Augusta Carneiro Leão e sua filha Henriqueta Soares do Couto.
Henriqueta veio a casar-se com o irlandês William Esher e foi membro sucessivamente
das Igrejas do Rio e de São Paulo. Foi mãe do Dr. Nicolau Soares do Couto Esher
(1867-1943), conhecido médico e primeiro presidente da Associação Cristã de Moços
do Rio e de São Paulo.[34] As ligações entre congregacionais e presbiterianos no Brasil
se explicam pelo fato de, por muitos anos, esses terem sido os únicos representantes do
protestantismo missionário no país, bem como pelas suas afinidades históricas e
doutrinárias.

6. Peculiaridades pessoais e teológicas

Ao se avaliar a personalidade e contribuições desse missionário pioneiro, vários pontos


merecem consideração, a começar do fato de que ele era movido por um profundo senso
de vocação e de compromisso com a evangelização de outros povos. Ao deixar o
conforto de sua terra natal e buscar o bem-estar material e espiritual desses povos,
Kalley procurou identificar-se com as culturas em que trabalhou, embora não tenha se
libertado de vários condicionamentos que afetavam a maior parte dos missionários
europeus e americanos da época. Um exemplo disso era a sua tendência paternalista,
própria de alguém que se considerava pertencente a uma cultura superior e que tinha,
portanto, algo a transmitir a pessoas menos instruídas. Ele pagava as contas,
administrava os fundos, decidia o que era heresia ou não, estabelecia as metas e era a
instância final de apelação para todos os problemas,[35] mas não teve muita
preocupação em preparar líderes para substituí-lo. As suas igrejas ficaram
excessivamente dependentes dele e experimentaram pequeno crescimento após o seu
afastamento e morte.

Outra razão para o pequeno crescimento da obra congregacional foi o isolamento inicial
das comunidades, ciosas do princípio da plena autonomia da igreja local. Cinqüenta e
cinco anos após a criação da Igreja Evangélica Fluminense (1858) havia somente treze
igrejas organizadas no país. Foi só então, em 1913, que os congregacionais começaram
a criar uma estrutura nacional, realizando a sua primeira convenção geral. Em termos de
comparação, os presbiterianos, cuja primeira igreja foi organizada em 1862, já possuíam
cerca de sessenta comunidades por ocasião da criação do Sínodo (1888) e em 1910,
época da organização da Assembléia Geral, o número de igrejas haviam subido para
150, apesar das grandes perdas sofridas com o cisma independente de 1903.

Curiosamente, embora tivesse um forte sentimento anticatólico, Kalley demonstrou


algumas vezes uma atitude positiva para com certos representantes da igreja majoritária,
tendo se tornado amigo do bispo de Funchal e de um sacerdote culto do Rio de Janeiro.
No Brasil, ao menos por algum tempo, ele não exigiu o rebatismo dos seus conversos, a
não ser que o solicitassem explicitamente. Todavia, sua “Breve Exposição das
Doutrinas Fundamentais do Cristianismo”, adotada como padrão doutrinário das igrejas
congregacionais no Brasil, parece apontar em seu artigo 25 para o batismo de adultos
somente.[36] Segundo o Rev. James Fanstone, Kalley se sentia inquieto quanto à
validade do seu próprio batismo e no final da vida teria considerado seriamente a
possibilidade de submeter-se ao batismo por imersão.[37] As noções de Kalley acerca
da Ceia do Senhor são mais zuinglianas do que calvinistas: o sacramento é antes uma
comemoração da morte de Cristo no passado distante e um testemunho ao mundo do
que a alegre celebração da sua presença viva e do seu sacerdócio atual.[38] Outra
característica de Kalley era a sua forte ênfase à santidade do domingo: ninguém era
admitido como membro da igreja se não o observasse criteriosamente, mantendo-se
afastado das atividades seculares.[39]

Seu uso da medicina e da educação como meios de serviço cristão e instrumentos para a
evangelização continua válido até hoje. Outras estratégias que utilizou também se
revelaram muito eficazes e exerceram uma influência duradoura sobre o protestantismo
luso-brasileiro: reuniões informais nos lares; distribuição ampla das Escrituras (na
tradução católica do padre Figueiredo) e de literatura cristã; uso da imprensa diária para
a publicação de artigos e livros (como fez no Rio de Janeiro ao publicar O Peregrino, de
John Bunyan); produção de hinos visando a instrução dos crentes e a evangelização
(hinos esses utilizados por muitas gerações de evangélicos)[40]; treinamento de líderes
leigos como colportores e evangelistas. Os esforços de Kalley no sentido de ter um bom
relacionamento com as autoridades civis e outros líderes destacados, especialmente no
Brasil, onde chegou a fazer amizade com o próprio imperador, expandiram os limites da
liberdade religiosa e ajudaram a preparar as condições para a introdução e rápido
crescimento do protestantismo.

Formalmente, Kalley permaneceu um presbiteriano toda a sua vida. Todavia, a sua


personalidade e experiências contribuíram para torná-lo um obreiro auto-sustentado que
nunca trabalhou sob os auspícios de qualquer denominação ou agência missionária.
Seus conversos da Ilha da Madeira abraçaram o presbiterianismo nos diferentes países
em que viveram graças, principalmente, ao apoio fiel e decidido da Igreja da Escócia.
Todavia, no Brasil ele veio a adotar a forma de governo congregacional. Isso é
explicado por vários fatores: sua falta de simpatia por estruturas denominacionais, suas
ligações com a Sociedade Missionária de Londres (majoritariamente congregacional),
sua ordenação por um grupo independente de ministros e o seu casamento com Sarah
Wilson, cuja família tinha fortes laços com essa igreja. Alguns autores chamam a
atenção para uma conexão darbista, visto que um tio de Sarah era filiado aos Irmãos de
Plymouth e o Rev. Richard Holden, um inglês que trabalhou com Kalley por vários
anos no Rio de Janeiro, filiou-se a esse movimento e criou uma divisão na Igreja
Fluminense em torno dessa questão. Kalley deplorava o anti-eclesiasticismo dos Irmãos
e algumas de suas doutrinas, chegando a escrever oito longas cartas pastorais à Igreja
Fluminense sobre os erros do darbysmo (1878-1879), mas certamente foi influenciado
por seu estilo de vida simples, seu culto singelo e seu “franco individualismo”.[41]

A teologia de Kalley pode ser descrita como um tipo de evangelicalismo amplo. Duas
expressões significativas das suas idéias teológicas são os hinos que ele e sua esposa
escreveram e a “Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo”. O
professor Antonio Gouvêa Mendonça sintetizou as concepções do casal Kalley
expressas em seus hinos: Deus ama todos os seres humanos, apesar dos seus pecados; a
resposta a esse amor é individual e voluntária (em contraste com a doutrina calvinista da
predestinação); a salvação não é definitiva, como no calvinismo ortodoxo, mas está
sujeita a quedas; isso requer uma ética rigorosa que traça uma nítida linha divisória
entre o fiel e o mundo.[42] O referido autor conclui que Kalley era um legítimo
representante do puritanismo escocês mesclado com o wesleyanismo metodista. A
“Breve Exposição” declara em seu artigo 19 que a igreja de Cristo é composta “de todos
os sinceros crentes no Redentor, os quais foram escolhidos por Deus, antes de haver
mundo, para serem chamados e convertidos nesta vida, e glorificados durante a
eternidade”.[43] Todavia, a maior parte dos artigos poderiam ser aceitos por qualquer
evangélico, reformado ou não. Os elementos específicos do calvinismo, tais como a
soberania de Deus, a eleição divina e a perseverança dos santos, não são
enfatizados.[44]

Apesar das deficiências que possa ter tido, Kalley ocupa um lugar de honra na história
das modernas missões protestantes. No que diz respeito ao Brasil, ele estabeleceu a
primeira igreja protestante permanente entre os brasileiros de língua portuguesa e foi
instrumento para a abertura das portas para a evangelização do povo brasileiro. Através
de sua amizade com elementos destacados da sociedade, dos seus métodos de trabalho,
de suas consultas a juristas respeitados e de suas reações a tentativas de intimidação por
parte do clero, ele contribuiu para a ampliação da liberdade religiosa no Brasil, que veio
a ser usufruída por outros missionários e igrejas. Através de suas práticas evangelísticas,
dos cultos domésticos e da escola dominical, do uso da hinologia, literatura e imprensa,
de seus colportores e conversos que depois se tornaram presbíteros, pastores e
evangelistas em outras igrejas, Kalley exerceu uma profunda influência sobre os mais
diferentes aspectos do protestantismo nacional. Em especial, seu modelo de
evangelização e culto exerceu uma influência profunda e duradoura na cultura
evangélica brasileira. A venda de Bíblias e Novos Testamentos de casa em casa, a
distribuição de folhetos, as conversas com amigos e colegas de trabalho sobre Cristo e
os convites para participar dos cultos domésticos diários foram formas não-agressivas e
criativas que permitiram a inserção da nova opção religiosa num período em que ainda
existiam diversas restrições legais à propaganda protestante.

Erasmo Braga, o grande líder e estudioso do protestantismo brasileiro, nutria grande


admiração pela obra congregacional no Brasil, entendendo que refletia a influência do
não-conformismo inglês e do espírito independente dos puritanos. Fascinava-o em
especial o caráter eminentemente nacional do novo movimento. Escrevendo em 1931,
Braga afirmou: “Sua característica peculiar é o fato de que se trata de um movimento
inteiramente nacional, que nunca esteve eclesiasticamente sujeito ou foi financeiramente
dependente de qualquer sociedade estrangeira e representa na América Latina uma
tendência muito significativa, a saber, uma resposta de mentes ibero-americanas ao
Evangelho que não pode ser atribuída à atividade missionária estrangeira”.[45] Kalley
tornou-se um marco na história das missões e um pioneiro reverenciado no vasto mundo
de língua portuguesa. Dezenas de homens e mulheres influenciados por ele divulgaram
a mensagem cristã e plantaram igrejas na Ilha da Madeira, nas Antilhas, nos Estados
Unidos, em Portugal e no Brasil. Seu trabalho continua a produzir frutos no presente.
Pessoas que pouco sabem a seu respeito são herdeiras do seu ministério e seguem as
suas pegadas. A sua coragem, heroísmo e fidelidade continuam a inspirar os cristãos
evangélicos – reformados e não-reformados – no cumprimento da tarefa inacabada.

English Abstract

The Scottish medical missionary Robert R. Kalley (1809-1888) holds an honorable


place in the Protestant missionary movement, having been a prominent pioneer in
Portuguese-speaking countries. Struggling against immense difficulties and occasional
deadly opposition, he was instrumental to the establishment of Presbyterianism in the
island of Madeira (1839) and Congregationalism in Brazil (1855). He also influenced
Portuguese-speaking churches in the Caribbean, Portugal, and the United States. His
wisdom, courage, and commitment are an inspiration to the new generations of
evangelical Christians. The author shows how Kalley left his native Scotland and ended
up in the isolated Atlantic island of Madeira. He then proceeds to describe how Kalley’s
medical and evangelistic efforts produced both an increasing number of converts and
violent outbursts of religious intolerance. While thousands of “Calvinists” fled the
island for their lives and eventually settled in the Antilles and the United States, Kalley
spent a few years in Malta and Palestine. After the death of his first wife, he married a
refined and talented Englishwoman, Sarah P. Wilson, member of a prominent
Congregational family. Eventually the Kalleys went to Brazil, where they started the
first native Protestant church in the history of that country. The author finishes his
analysis by pointing out some interesting connections between Kalley and the
Presbyterian missions in Brazil and makes a few remarks about his personality,
theological ideas, and lasting influence on Brazilian Protestantism.

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[1] Uma versão resumida deste artigo, sob o título “Robert Kalley: De goede engelse
dokter” (Robert Kalley: O bom doutor inglês) foi publicada na revista holandesa
Terdege (23/10/2002), 28-29, 31.

[2] A Igreja da Escócia foi criada por ato do Parlamento em 1560, graças os esforços do
reformador John Knox (c.1514-1572). Conhecida popularmente como “Kirk”, ela tem
sido sempre presbiteriana, à exceção de dois períodos de episcopalismo modificado na
época dos reis Stuart (século 17).

[3] A principal fonte dos dados históricos/biográficos deste artigo é Michael P. Testa,
“The Apostle of Madeira: Dr. Robert Reid Kalley”, Journal of Presbyterian History 42/3
(Setembro 1964), 175-197, e 42/4 (Dezembro 1964), 244-271. A versão eletrônica do
texto pode ser encontrada em:
http://freepages.genealogy.rootsweb.com/~klondike98/Exiles/apostle/Apostle%20of%2
0Madeira.rtf . Um estudo mais recente é a obra de William B. Forsyth, The Wolf from
Scotland: The Story of Robert Reid Kalley, Pioneer Missionary (1988). Um texto
bastante sucinto pode ser encontrado em Ruth A. Tucker, “Até aos Confins da Terra”.
Uma História Biográfica das Missões Cristãs, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 1996), 503-
507.

[4] A Sociedade Missionária de Londres, fundada em 1795, foi uma conseqüência do


avivamento evangélico inglês do século 18 e, mais especificamente, dos esforços de
William Carey (1761-1834), que resultaram no movimento missionário protestante do
século 19. A sociedade era de caráter interdenominacional, mas seus fundos e pessoal
procediam majoritariamente dos congregacionais. Kenneth S. Latourette, A History of
Christianity, 2 vols., Vol. II: Reformation to the Present (Nova York: HarperCollins,
1975), 1033.

[5] Quanto à Ata da Comissão de Exame, ver Testa, “The Apostle of Madeira”, I:177.
Quanto à ordenação, ver Esboço Histórico da Escola Dominical da Igreja Evangélica
Fluminense: 1855-1932 (Rio de Janeiro, 1932), 27, 30s. O diploma de ordenação,
escrito em latim, declara: “Por esta carta, fazemos saber a todos que o Sr. Robert Reid
Kalley, versado em ciências e letras, e aprovado pela piedade da sua vida para o
sacrossanto ministério cristão, foi ordenado, tendo sido oferecidas preces com
imposição de mãos, por nós... (seguem os nomes dos seis ministros). Londres, 18 de
julho de 1839 A.D.”

[6] Os discípulos de Kalley na Ilha da Madeira eram regularmente denominados


“calvinistas”, o que aponta não tanto para as convicções teológicas do missionário
quanto para as suas raízes escocesas e presbiterianas.

[7] Uma obra importante escrita por uma testemunha ocular é: João Fernandes Dagama,
Perseguição dos Calvinistas da Madeira: Subsídios para a História das Perseguições
Religiosas (Rio Claro: Tipografia Magalhães e Gerlach, 1896). O Rev. Dagama (1830-
1906), um dos conversos de Kalley, foi missionário e pastor presbiteriano no Brasil por
mais de trinta anos.

[8] Ver Richard P. McBrien, Os Papas – Os Pontífices: de São Pedro a João Paulo II
(São Paulo: Loyola, 2000), 343-345, e Eamon Duffy, Santos e Pecadores: História dos
Papas (São Paulo: Cosac & Naify, 1998), 218-221.

[9] No seu valioso estudo, Michael Testa destaca a extraordinária contribuição do Rev.
Hewitson para a obra ligada a Kalley, tanto na Ilha da Madeira como no Caribe. Ver
“The Apostle of Madeira”, I:187-193; II:248s.

[10] Testa, “The Apostle of Madeira”, I:191s.

[11] No dia 25 de janeiro de 1999, em uma cerimônia ecumênica que contou com a
presença de representantes de todas as confissões cristãs existentes na Ilha da Madeira,
o bispo de Funchal, D. Teodoro de Faria, se penitenciou em nome da igreja católica
pelos episódios de intolerância contra os calvinistas ocorridos mais de um século e meio
antes. Ver http://www.presbiterianismo.com.br/Historia/Funchal.htm.

[12] O rigor do clima dessa região levou alguns dos imigrantes a se dirigirem para
Massachusetts e Nova Jersey. Émile-G. Léonard, O Protestantismo Brasileiro: Estudo
de Eclesiologia e História Social, 2ª ed. (Rio de Janeiro e São Paulo: JUERP/ASTE,
1981), 50.
[13] Testa, “The Apostle of Madeira”, II:256.

[14] Para maiores informações sobre a família de Sarah Kalley, ver Carl Joseph
Hahn, História do Culto Protestante no Brasil (São Paulo: ASTE, 1989), 138s (e notas).

[15] Os Irmãos de Plymouth surgiram como um protesto contra a frieza, formalismo e


sectarismo existentes nas igrejas evangélicas no início do século 19. Embora o
movimento tenha iniciado em Dublin, Irlanda, a primeira congregação foi criada em
Plymouth, Inglaterra, em 1831, sendo seu líder mais influente John Nelson Darby
(1800-1882), o criador do dispensacionalismo. O grupo caracterizava-se por sua
simplicidade de culto, profunda devoção, zelo evangelístico e interesse por estudos
proféticos. Em 1848 houve um cisma que resultou em dois grupos: Irmãos Abertos e
Irmãos Exclusivos (Darbistas). Ver J. D. Douglas, ed., The New International
Dictionary of the Christian Church (Grand Rapids: Zondervan, 1978), 789.

[16] Segundo Hahn, Sarah havia ido com o pai ao Egito e à Síria para
acompanhar o irmão, que veio a morrer de tuberculose em Beirute, sendo sepultado no
Cemitério de Estrangeiros. A primeira esposa de Kalley morrera alguns dias antes e eles
se encontraram no cemitério. História do Culto Protestante no Brasil, 149 (nota 385).

[17] Para valiosas informações sobre Fletcher, ver David Gueiros Vieira, O
Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, 2ª ed. (Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1980), 61-94.

[18] Entre 1842 e 1846, quando ainda na Ilha da Madeira, o Rev. Kalley escreveu sete
hinos (“Louvemos todos ao Pai do céu”, “Todos que na terra moram”, “O meu fiel
Pastor”, “Jesus Cristo já morreu”, “Alma! escuta ao bom Senhor!”, “Cá sofremos
aflição” e “Tem compaixão de mim, Senhor”). Esses provavelmente foram os primeiros
hinos evangélicos cantados no Brasil, sendo posteriormente incorporados ao hinário
Salmos e Hinos. Henriqueta Rosa Fernandes Braga, Música Sacra Evangélica no Brasil:
Contribuição à sua História (Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, 1961), 109.
[19] Duncan Alexander Reily, História Documental do Protestantismo no Brasil (São
Paulo: ASTE, 1993), 103.

[20] Os metodistas já haviam feito um trabalho inicial no Rio de Janeiro (1835-1841),


sob a liderança dos Revs. Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder, trabalho esse que
teve de ser interrompido e não deixou frutos em termos de conversos e igrejas. Kidder
tornou-se um personagem célebre na história religiosa do Brasil, tendo sido o primeiro
missionário protestante a viajar extensamente pelo país, distribuindo as Escrituras e
fazendo contatos com políticos e intelectuais. Registrou as suas experiências na
importante obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, publicada
originalmente em 1845, em Filadélfia.

[21] Ver a narrativa detalhada dos fatos em Reily, História Documental do


Protestantismo no Brasil, 104-108.

[22] Esboço Histórico da Escola Dominical, 70s.

[23] Léonard, O Protestantismo Brasileiro, 52-54.

[24] Sobre o controvertido Holden, ver o rico material reunido por Vieira,
Protestantismo, Maçonaria e Questão Religiosa, 163-207.

[25] A obra de Kalley no Brasil é descrita de modo sucinto em Esboço Histórico da


Escola Dominical da Igreja Evangélica Fluminense e com maiores detalhes em uma
obra de seu filho adotivo João Gomes da Rocha, Lembranças do Passado, 3 vols. (Rio
de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade, 1941-1946). Um 4º volume foi publicado
em 1957 pelo periódico O Cristão.

[26] Braga, Música Sacra Evangélica no Brasil, 119. As igrejas que se organizaram
como fruto do trabalho da UESA se filiaram a dois grupos distintos com base na forma
adotada para o batismo: União das Igrejas Evangélicas Congregacionais (aspersão) e
Igreja Cristã Evangélica do Brasil (imersão). Os dois grupos se uniram em 1942,
surgindo a União das Igrejas Evangélicas Congregacionais e Cristãs do Brasil. Quanto
às dificuldades encontradas pelos congregacionais brasileiros para definir a sua
identidade denominacional, ver Reily, História Documental do Protestantismo no
Brasil, 219-222.

[27] Em Springfield, Illinois, os imigrantes organizaram a Primeira Igreja Presbiteriana


Portuguesa (1849) e a Segunda Igreja Presbiteriana Portuguesa (1858). Em
Jacksonville, no mesmo estado, também surgiram duas igrejas com os mesmos nomes,
em 1849 e 1855. A razão da existência de duas igrejas em cada cidade foi a controvérsia
então existente no presbiterianismo americano entre “Velha Escola” e “Nova Escola”.

[28] As ligações entre presbiterianos e congregacionais eram freqüentes. Um exemplo


bem conhecido foi o Plano de União (1801-1852), um acordo de cooperação feito entre
as duas igrejas para a evangelização da fronteira norte-americana.

[29] Ashbel G. Simonton, O Diário de Simonton: 1852-1866, trad. D. R. Moraes


Barros, 2ª ed. (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2002), 127 (31/08/1859).
Simonton achou que não precisava ser tão cauteloso quanto aos seus objetivos e
métodos evangelísticos como recomendava o missionário mais idoso.

[30] Ibid., 134-135 (19/12/1859). Alguns meses depois, Simonton passou duas semanas
em Petrópolis, participando todas as tardes dos cultos realizadas na residência dos
Kalley, que o convidaram a ficar com eles no final da sua estadia. Ver anotações de
11/04/1860.

[31] Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro: Primeiro Centenário, 1862-1962 (Rio de


Janeiro, 1962), 9-11. No dia 25 de junho, em assembléia realizada na Igreja Fluminense,
a comunidade presbiteriana elegeu o seu novo pastor, Rev. Álvaro Reis.

[32] As datas referem-se ao período em que eles trabalharam como missionários da


PCUSA no Brasil.

[33] Merece um estudo especial a presença maciça de elementos portugueses nos


primórdios da obra presbiteriana no Brasil.
[34] Alderi Souza de Matos, “Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900):
Missionários, Pastores e Leigos do Século 19” (obra a ser publicada pela Editora
Cultura Cristã).

[35] Hahn, História do Culto Protestante no Brasil, 148.

[36] Diz o artigo: “O Batismo com água foi ordenado por nosso Senhor Jesus Cristo
como figura do Batismo verdadeiro e eficaz, feito pelo Salvador quando envia o Espírito
Santo para regenerar o pecador. Pela recepção do Batismo com água, a pessoa declara
que aceita os termos do pacto em que Deus assegura aos crentes as bênçãos da
salvação”. Reily entende que essa rejeição implícita do batismo infantil distingue os
congregacionais brasileiros dos demais congregacionais do mundo. Ver História
Documental do Protestantismo no Brasil, 113s, 158 (n. 212).

[37] Testa, “The Apostle of Madeira”, II:268, citando Eduardo H. Moreira, Vidas
Convergentes (Lisboa, 1958). Testa conclui que, caso isso pudesse ser comprovado,
representaria um afastamento significativo da posição anterior de Kalley quanto ao
batismo por imersão. Ver Rocha, Lembranças do Passado, vol. 2, p. 37.

[38] Hahn, História do Culto Protestante no Brasil, 143s.

[39] Ibid., 153. Segundo Hahn, Kalley tornou-se mais propenso ao legalismo no Brasil
do que havia sido na Ilha da Madeira, onde possuía uma sortida adega de vinho. No Rio,
chegou a proibir seus adeptos de alugarem uma carruagem no domingo para irem a um
funeral. Ibid., 139. É importante lembrar que o “sabatarianismo” (observância estrita do
dia do Senhor segundo Êxodo 20.8) foi característico de todos os primeiros evangélicos
brasileiros.

[40] O casal Kalley, principalmente D. Sarah, produziu o primeiro e mais amplamente


usado hinário evangélico em português, Salmos e Hinos. A 1ª edição foi impressa pela
Tipografia Laemmert, no Rio de Janeiro, em 1861, e continha 18 salmos e 32 hinos,
totalizando 50 cânticos. Seguiram-se novas edições em 1865 (83 cânticos), 1868 (100
cânticos), 1873 (138 cânticos), 1877 (180 cânticos) e muitas outras. A primeira edição
de hinos com música (Música Sacra Arranjada para Quatro Vozes) foi impressa em
1868, em Leipzig. Ver Braga, Música Sacra Evangélica no Brasil, 111-115, 125-129.

[41] Testa, “The Apostle of Madeira”, II:267.

[42] Antonio Gouvêa Mendonça, O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no


Brasil, 2nd ed. (São Paulo: ASTE, 1995), 176s. Mendonça opina que essas ênfases estão
presentes no clássico de Bunyan, O Peregrino, que Kalley traduziu e publicou.

[43] Ver Reily, História Documental do Protestantismo no Brasil, 113. A Igreja


Fluminense aceitou formalmente os 27 artigos escritos por Kalley, acrescidos de um
outro sobre a natureza de Deus (atual artigo 4), no dia 2 de julho de 1876. Em novembro
de 1880, o governo imperial sancionou tanto a base doutrinária da igreja quanto os seus
estatutos (Artigos Orgânicos).

[44] Hahn, História do Culto Protestante no Brasil, 143s.

[45] Erasmo Braga e Kenneth G. Grubb, The Republic of Brazil: A Survey of the
Religious Situation (Londres: World Dominion Press, 1932), 57. Para reflexões
adicionais sobre a vida, pensamento e práticas pastorais de Kalley, ver as obras de
Douglas Nassif Cardoso, Robert Reid Kalley: Médico, Missionário e Profeta (São
Bernardo do Campo, São Paulo, 2001) e Práticas Pastorais do Pioneiro na
Evangelização do Brasil e de Portugal (São Bernardo do Campo, 2002).

O PROTESTANTISMO BRASILEIRO NO PERÍODO REPUBLICANO

Alderi Souza de Matos

1. Situação geral

1.1 A Proclamação da República

Em 1889, com a Proclamação da República, ocorreu a separação entre a Igreja e


o Estado no Brasil, ou seja, a Igreja Católica deixou de ser a religião oficial do país e os
protestantes brasileiros alcançaram a tão esperada liberdade de culto. Isto se deu através
do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, que declarou o seguinte:

Art. 1º – É proibido à autoridade federal, assim como à dos estados federados,


expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou
vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à
custa do orçamento, por motivo de crenças ou opiniões filosóficas ou religiosas.

Art. 2º – A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de


exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos
particulares ou públicos que interessem ao exercício deste decreto.

Art. 3º – A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos


individuais, senão também as igrejas, associações e institutos em que se acharem
agremiados, cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem
coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder
público.

Art. 4º – Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e


prerrogativas. (...)

No ano seguinte, a Constituição de 1891 garantiu plenamente o livre exercício e


propaganda da fé evangélica, bem como instituiu o casamento civil e a secularização
dos cemitérios.

1.2 Conflitos

Os bispos católicos, através de várias cartas pastorais publicadas a partir de


1890, saudaram a Proclamação da República porque ela libertou a igreja da tutela e
interferência do estado, que havia sido uma constante desde o início da colonização do
Brasil. Ao mesmo tempo, os bispos deploraram a perda de status e influência da Igreja
Católica, resultante da sua separação do Estado. Eles começaram a referir-se ao novo
regime republicano como um governo ateu.
A Igreja Católica também empreendeu uma intensa campanha para recuperar os
seus antigos privilégios e voltar a ocupar os espaços perdidos. Nesse esforço, a igreja
mostrou-se muito agressiva contra os protestantes, acusando-os de serem inimigos da
identidade e cultura católicas do Brasil e de estarem a serviço de interesses estrangeiros,
principalmente norte-americanos. Os evangélicos se referiram a essas pressões com o
termo “clericalismo”.

Ironicamente, após a instauração do regime republicano a ainda pequena


comunidade protestante viu-se alvo de ataques e perseguições ainda maiores do que as
ocorridas na época do Império. Foram comuns, nas primeiras décadas da República, as
mais variadas manifestações de intolerância contra os evangélicos. As autoridades com
freqüência protegiam-nos desses ataques, mas houve casos em que foram coniventes
com os agressores.

Dois líderes destacaram-se nesse esforço de mobilização católica e


antiprotestante: o sacerdote e conferencista Júlio Maria (que atuou no período 1890-
1917) e especialmente D. Sebastião Leme da Silveira Cintra, que foi arcebispo de
Olinda e Recife (1916-1921), bispo coadjutor do Rio de Janeiro (1921-1930) e cardeal
arcebispo do Rio de Janeiro nos últimos anos da sua vida (1930-1942). Um dos
principais instrumentos utilizados por D. Leme foi o movimento de intelectuais leigos
denominado Centro D. Vital (1922-33), cujos primeiros líderes foram Jackson de
Figueiredo e Alceu Amoroso Lima.

Em 1925, D. Leme propôs algumas emendas à Constituição visando o


reconhecimento da Igreja Católica como a religião do Brasil e o ensino religioso nas
escolas públicas. Essas emendas, apresentadas pelo deputado Plínio Marques, foram
vigorosamente combatidas pelos protestantes e outros grupos, sendo finalmente
rejeitadas. No governo de Getúlio Vargas, a Constituição de 1934 favoreceu
amplamente o catolicismo, sem, contudo, oficializá-lo.

1.3 Mobilização protestante

Em 1846, havia sido criada na Inglaterra a Aliança Evangélica, uma frente unida
contra o catolicismo. Esse movimento foi iniciado nos Estados Unidos em 1867. No
Brasil, os problemas iniciais do período republicano levaram os protestantes a criar uma
organização semelhante, cuja primeira reunião verificou-se em São Paulo em julho de
1903. Seu primeiro presidente foi o Rev. Hugh Clarence Tucker (metodista) e seu
primeiro secretário, o pastor F. P. Soren (batista).

Em 1910, realizou-se em Edimburgo, na Escócia, a célebre Conferência


Missionária Mundial. Essa conferência pretendia tratar dos problemas missionários
relacionados com o “mundo não-cristão” e, portanto, excluiu a América Latina das suas
considerações. As missões que trabalhavam na América Latina e as igrejas dessa região
sentiram-se desprestigiadas com essa atitude, que parecia questionar a validade do
trabalho missionário nesse continente e a legitimidade das suas igrejas evangélicas.

Um grupo de líderes missionários interessados na América Latina reuniu-se em


Nova York em 1913 e criou o Comitê de Cooperação na América Latina, que
patrocinou o igualmente famoso Congresso de Ação Cristã na América Latina, reunido
no Panamá em 1916. O principal líder dessa iniciativa foi Robert Elliot Speer (1867-
1947), secretário da Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos (PCUSA).

Ao congresso do Panamá compareceram alguns missionários que trabalhavam


no Brasil e apenas três brasileiros natos: os pastores presbiterianos Álvaro Reis, Erasmo
Braga e Eduardo Carlos Pereira. Esse congresso foi seguido por vários encontros
regionais, o último dos quais realizou-se no Rio de Janeiro. Pouco depois, foi criada
uma sucursal do CCAL, a Comissão Brasileira de Cooperação, que teve como
secretário, de 1920 a 1932, o ilustre Rev. Erasmo de Carvalho Braga (1877-1932).

Sob a liderança de Erasmo Braga, a Comissão Brasileira de Cooperação tornou-


se um eficiente centro de apoio e coordenação do trabalho evangélico no Brasil. A
Comissão desenvolveu muitos projetos úteis nas áreas de educação religiosa, missões
aos indígenas, educação teológica e produção de literatura. Apoiou a criação de
empreendimentos cooperativos como a Missão Evangélica Caiuá e a Associação
Evangélica Beneficente, ambos em 1928. Outra contribuição importante foi a defesa dos
direitos dos protestantes junto às autoridades governamentais, diante das ameaças do
“clericalismo”.
Após a morte de Erasmo Braga, a Comissão Brasileira de Cooperação uniu-se à
Federação das Igrejas Evangélicas do Brasil e ao Conselho Nacional de Educação
Religiosa para formar a Confederação Evangélica do Brasil (1934), que prestou
relevantes serviços à comunidade evangélica brasileira por várias décadas.

1.4 Tensões internas

Em meados da década de 50, a CEB criou a Comissão de Igreja e Sociedade,


depois denominada Setor de Responsabilidade Social da Igreja. Esse órgão promoveu
vários encontros, um dos quais, a chamada Conferência do Nordeste, teve como tema
“Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”. Com o início do regime militar em
1964, a postura progressista da CEB gerou crescentes dificuldades no seu
relacionamento com o governo e com os setores mais conservadores do protestantismo
brasileiro, agora marcadamente diferente daquele das décadas de 1920 e 1930.

Outro problema dos anos 60 foi uma conseqüência do Concílio Vaticano II


(1962-65). Inspirados pelas mudanças que estavam ocorrendo na Igreja Católica, muitas
igrejas e pastores adotaram uma postura de aproximação e diálogo com os católicos, o
assim chamado “ecumenismo”. Tornou-se comum na época a realização de cultos
ecumênicos ou de cerimônias ecumênicas de casamento, que geraram inúmeras
controvérsias e até mesmo processos eclesiásticos nas igrejas evangélicas.

Um importante promotor do ecumenismo foi o Conselho Mundial de Igrejas,


cujo processo de organização teve início em 1938 e foi concluído em 1948, em
Amsterdã. Nas suas primeiras décadas, filiaram-se ao mesmo as seguintes igrejas
brasileiras: Metodista (1942), Luterana (1950), Episcopal (1965) e até mesmo uma
igreja pentecostal, O Brasil Para Cristo (1968).

O ecumenismo foi interpretado por muitos como mais uma manifestação do


liberalismo teológico, outro fator de tensão e divisões nas igrejas protestantes do Brasil.
O liberalismo clássico havia surgido no hemisfério norte na segunda metade do século
passado. Na década de 1920, houve nos Estados Unidos uma famosa e acirrada
controvérsia que colocou em campos radicalmente opostos os liberais ou modernistas e
os fundamentalistas.

Para complicar ainda mais um quadro já tão confuso, surgiu ainda outro
movimento nos anos 60 que teve grandes repercussões nas igrejas evangélicas: o
movimento carismático ou de renovação. À semelhança de outros movimentos vindos
para o Brasil, esse também surgiu inicialmente nos Estados Unidos, quando tanto
católicos quanto membros de igrejas protestantes tradicionais começaram a ter
experiências carismáticas semelhantes às dos pentecostais do início do século 20. No
Brasil, esse movimento dividiu algumas igrejas e causou o surgimento de novas
denominações.

Nos anos 80 e 90, novos movimentos e ênfases teológicas continuaram a ser


importados dos Estados Unidos e a causar grandes transformações na face do
protestantismo brasileiro. Os exemplos mais importantes são o movimento do
crescimento da igreja, a teologia da prosperidade e a batalha espiritual. Outras ênfases
recentes são a confissão positiva, cura interior, maldição hereditária e o movimento G-
12. Existem também modismos mais passageiros que têm tido diferentes graus de
impacto no ambiente evangélico.

1.5 Situação atual

Neste início do século 21, o protestantismo brasileiro impressiona muito mais


pela sua diversidade e complexidade do que por elementos comuns. De um lado, há
uma imensa maioria de pentecostais clássicos e a contínua proliferação e crescimento de
grupos neopentecostais. Do outro lado, temos as igrejas tradicionais ou históricas, que
por sua vez se subdividem em dois grupos: progressistas e conservadores. Passemos ao
estudo dos diferentes períodos dessa história.

2. Primeiro período (1889-1930)

Quando da Proclamação da República, as principais denominações históricas do


protestantismo já estavam presentes no Brasil, a saber, congregacionais (1855),
presbiterianos (1859), metodistas (1876), batistas (1881) e episcopais (1890). Além
destes, havia as antigas igrejas resultantes da imigração, como anglicanos (1816) e
luteranos (1824).

O protestantismo brasileiro era ainda muito pequeno em termos numéricos. A


Igreja Presbiteriana do Brasil foi a maior denominação nas primeiras décadas da
República. Em 1910, quando foi criada a Assembléia Geral da IPB, os números
aproximados de membros comungantes eram os seguintes: IPB: 10 mil; metodistas: 6
mil; batistas: 5 mil; IPI: 5 mil; episcopais: mil.

Em 1930, o total de presbiterianos era 44.500; batistas: 40.500; metodistas:


15.500 e Assembléia de Deus: 13.500. As maiores denominações isoladas eram a
Convenção Batista Brasileira, com 34 mil comungantes e a IPB, com 29 mil. O número
total dos evangélicos comungantes era de 135 mil, que, somados aos não-comungantes,
totalizavam 406 mil. Os dois grupos luteranos tinham 70 mil comungantes, que subiam
para 236 mil com o acréscimo dos não-comungantes. A comunidade protestante do
Brasil era calculada em 700 mil pessoas, em uma população total de 41 milhões de
habitantes.

Outros grupos evangélicos existentes nessa época eram os seguintes: (a) igrejas:
Irmãos, Igreja Cristã, Igreja Batista Independente, Exército da Salvação, Congregação
Cristã no Brasil, Adventistas; (b) missões: União Evangélica Sul-Americana; (c)
entidades interdenominacionais: Sociedade Bíblica Americana, Missão Evangélica
Caiuá, Comissão Brasileira de Cooperação, Associação Cristã de Moços, Associação
Cristã Feminina.

A principal característica desse período foi o processo de nacionalização dos


diferentes grupos, que se tornaram mais autônomos em relação às suas igrejas de
origem. Vejamos os dados das principais denominações históricas:

2.1 Igreja Congregacional

Foi a primeira denominação brasileira inteiramente nacional (não sujeita a


nenhuma junta missionária). Até 1913, só foram organizadas treze igrejas
congregacionais no Brasil, todas autônomas. Oito eram filhas da Igreja Fluminense:
Pernambucana (1873), Passa Três (1897), Niterói (1899), Encantado (1903), Paranaguá,
Paracambi e Santista (1912), Paulistana (1913), e três da Igreja Pernambucana: Vitória
(1905), Jaboatão (1905) e Monte Alegre (1912). Em julho de 1913, essas igrejas se
reuniram na 1ª Convenção Geral, no Rio de Janeiro. Dessa época até 1942, a
denominação mudou de nome dez vezes.

Os ingleses fundaram algumas missões para atuar na América do Sul: Help for
Brazil (criada em 1892 por iniciativa de Sarah Kalley e outros), South American
Evangelical Mission (Argentina) e Regions Beyond Missionary Union (Peru). Após a
Conferência de Edimburgo (1910), essas missões vieram a constituir a União
Evangélica Sul-Americana (UESA, 1911). Dos seus esforços, surgiu no Brasil a Igreja
Cristã Evangélica.

2.2 Igreja Presbiteriana

A IPB alcançou a sua autonomia formal em 1888, com a criação do Sínodo do


Brasil. Até então, os presbitérios brasileiros estavam filiados às igrejas norte-
americanas, a do norte (PCUSA) e a do sul (PCUS). Quando se organizou o Sínodo, a
IPB tinha 60 igrejas, 20 missionários e 12 pastores nacionais. De 1892 a 1903 houve
uma séria crise em torno das questões missionária, educativa e maçônica que resultou
em cisma, surgindo assim a Igreja Presbiteriana Independente, cujo principal líder foi o
Rev. Eduardo Carlos Pereira.

Em 1910 foi criada a Assembléia Geral, sendo eleito seu primeiro moderador o
Rev. Álvaro Reis, pastor da I. P. do Rio de Janeiro, por muitos anos a maior igreja
evangélica do Brasil (quando Reis faleceu, em 1925, a igreja tinha mais de 2.600
membros). Em 1917, foi firmado com as missões norte-americanas um acordo
conhecido como Modus Operandi ou Brazil Plan, mediante o qual os missionários
começaram a retirar-se dos presbitérios brasileiros. Até cerca de 1925, a IPB foi a maior
denominação evangélica do Brasil, tendo grande crescimento em regiões como o leste
de Minas Gerais. Seus principais órgãos eram a Revista das Missões Nacionais (1887) e
especialmente O Puritano (1899).

2.3 Igreja Presbiteriana Independente


A IPI surgiu em 1903 como uma denominação inteiramente nacional, sem
qualquer vínculo com igrejas estrangeiras. Resultou do projeto nacionalista do Rev.
Eduardo Carlos Pereira (1856-1923). Em 1907, a IPI tinha 56 igrejas e 4.200 membros
comungantes. Fundou um seminário em São Paulo. Em 1908 foi instalado o Sínodo,
inicialmente com três presbitérios. O Estandarte, fundado em 1893, era o seu periódico
oficial. Após o Congresso do Panamá (1916), a IPI aproximou-se da IPB e das outras
igrejas evangélicas, tendo participado de muitos projetos cooperativos daquela época.

2.4 Igreja Metodista

A Conferência Anual Brasileira foi organizada no Rio de Janeiro em 15-09-1886


pelo bispo John C. Granbery, enviado pela Igreja Metodista Episcopal do Sul. Tinha
apenas três missionários, James L. Kennedy, John W. Tarboux e Hugh C. Tucker, sendo
a menor conferência anual já criada na história do metodismo. Em 1899, a I.M.E. do
Norte transferiu seu trabalho no Rio Grande do Sul para a Conferência Anual. Em 1910
e 1919 surgiram outras duas conferências, passando a existir três: norte, sul e centro.

A Junta de Nashville interferia na vida da igreja de modo indevido, segundo os


brasileiros, culminando com a insistência em nomear o presidente do Colégio Granbery
(1917). Isso fez crescer o movimento pelo sustento próprio, liderado por Guaracy
Silveira. Em 1930 a I.M.E. do Sul cedeu a autonomia desejada. No dia 02-09-1930, na
Igreja Metodista Central de São Paulo, foi organizada a Igreja Metodista do Brasil. O
primeiro bispo eleito foi o velho missionário John William Tarboux.

2.5 Igreja Batista

A Convenção Batista Brasileira foi organizada no dia 24-06-1907 na Primeira


Igreja Batista da Bahia (Salvador), quando 43 delegados, representando 39 igrejas,
aprovaram a “Constituição Provisória das Igrejas Batistas do Brasil”. A partir dessa
época, a Igreja Batista passou a ter acentuado crescimento em relação às outras
denominações tradicionais.
Na década de 1920, surgiu a chamada “questão radical”. Os líderes batistas do
nordeste apresentaram um memorial aos missionários (1922) e um manifesto à
Convenção (1925) reivindicando maior participação nas decisões, principalmente na
área financeira. Não atendidos, mais tarde organizaram-se como uma facção separada
da Convenção e da Junta de Missões. As bases de cooperação entre a igreja brasileira e
a Junta de Richmond voltaram a ser discutidas em 1936 e 1957.

2.6 Igreja Luterana

O Sínodo Rio-Grandense surgiu em 1886. Posteriormente, surgiram outros


sínodos autônomos: o Sínodo da Caixa de Deus ou “Igreja Luterana” (1905), com forte
ênfase confessional; o Sínodo Evangélico de Santa Catarina e Paraná (1911) e o Sínodo
Brasil Central (1912). O Sínodo Rio-Grandense, ligado à Igreja Territorial da Prússia,
filiou-se à Federação Alemã das Igrejas Evangélicas em 1929. Em 1932, o Sínodo
Luterano também se filiou à federação e começou a aproximar-se dos outros sínodos.
Em 1939, o Estado Novo (governo de Getúlio Vargas) exigiu que toda pregação pública
fosse feita em português.

2.7 Igreja Episcopal

Uma Convocação especial reunida em Porto Alegre em 30-05-1898 definiu a


relação formal entre a missão e a Igreja Episcopal dos Estados Unidos, elegendo Lucien
Lee Kinsolving como o primeiro bispo residente da igreja brasileira. Kinsolving foi
sagrado bispo em Nova York em 06-01-1899, sendo o único bispo episcopal no Brasil
até 1925.

3. Segundo período (1930-1964)

Nesse período, que vai do Estado Novo de Getúlio Vargas até o início do regime
militar em 1964, as igrejas protestantes em sua maior parte já haviam se tornado
independentes das suas igrejas-mães estrangeiras. Nessas décadas, a situação relativa
dos diferentes grupos sofreu uma alteração radical, com o acelerado crescimento das
igrejas pentecostais, que ultrapassaram em muito as denominações históricas.
Os estudiosos falam em três ondas do pentecostalismo brasileiro: (a) Décadas de
1910-1940: chegada simultânea da Congregação Cristã no Brasil e da Assembléia de
Deus, que dominaram o campo pentecostal por 40 anos; (b) Décadas de 1950-1960: o
campo pentecostal se fragmentou, surgindo novos grupos – Evangelho Quadrangular,
Brasil Para Cristo, Deus é Amor e muitos outros (contexto paulista); (c) Anos 70 e 80:
surge o neopentecostalismo – Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional
da Graça de Deus e outras (contexto carioca). Vejamos os principais grupos das duas
primeiras “ondas” pentecostais:

(a) Congregação Cristã no Brasil: foi fundada pelo italiano Luigi Francescon
(1866-1964). Radicado em Chicago, foi membro da Igreja Presbiteriana Italiana e
aderiu ao pentecostalismo em 1907. Em 1910 (março-setembro) visitou o Brasil e
iniciou as primeiras igrejas em Santo Antonio da Platina (PR) e São Paulo, entre
imigrantes italianos. Veio 11 vezes ao Brasil até 1948. Em 1940, o movimento tinha
305 “casas de oração” e dez anos mais tarde 815.

(b) Assembléia de Deus: a Assembléia de Deus brasileira foi fundada pelos


suecos Daniel Berg (1885-1963) e Gunnar Vingren (1879-1933). Originalmente
batistas, abraçaram o pentecostalismo em 1909 nos Estados Unidos. Conheceram-se
numa conferência pentecostal em Chicago. Assim como Luigi Francescon, Berg foi
influenciado pelo pastor batista William H. Durham, que participou do avivamento de
Los Angeles (1906). Sentindo-se chamados para trabalhar no Brasil, chegaram a Belém
em novembro de 1910. Seus primeiros adeptos foram membros de uma igreja batista
com a qual colaboraram.

(c) Igreja do Evangelho Quadrangular: foi fundada nos Estados Unidos pela
evangelista Aimee Semple McPherson (1890-1944). O missionário Harold Williams
fundou a primeira IEQ do Brasil em novembro de 1951, em São João da Boa Vista, São
Paulo. Em 1953 teve início a Cruzada Nacional de Evangelização, sendo Raymond
Boatright o principal evangelista. A igreja enfatiza quatro aspectos do ministério de
Cristo: aquele que salva, batiza com o Espírito Santo, cura e virá outra vez. As mulheres
podem exercer o ministério pastoral.
(d) Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo: foi fundada por
Manoel de Mello, um evangelista da Assembléia de Deus que depois tornou-se pastor
da IEQ. Separou-se da Cruzada Nacional de Evangelização em 1956, organizando a
campanha “O Brasil para Cristo,” da qual surgiu a igreja. Filiou-se ao Conselho
Mundial de Igrejas em 1969 e desligou-se em 1986. Em 1979 inaugurou seu grande
templo no bairro da Água Branca, em São Paulo, sendo orador oficial Philip Potter,
secretário-geral do Conselho Mundial de Igrejas. Na inauguração, esteve presente o
cardeal arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns. Manoel de Mello morreu em
1990.

Quanto às denominações históricas, destacamos alguns aspectos de sua trajetória


nesse novo período:

3.1 Congregacional

Os congregacionais se uniram à Igreja Cristã Evangélica em 1942, formando a


União das Igrejas Congregacionais e Cristãs do Brasil. Separaram-se em 1969, tomando
o nome de União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil. A outra ala
dividiu-se em duas, a Igreja Cristã Evangélica no Brasil (Anápolis) e a Igreja Cristã
Evangélica do Brasil (São Paulo), que mais tarde se uniram. O crescimento desses
grupos foi pequeno, representando uma parcela cada vez menor do protestantismo
brasileiro.

3.2 Presbiteriana

Com a nova Constituição da Igreja, aprovada em 1937, foi criado o Supremo


Concílio da IPB. Um novo desafio para a igreja foi como posicionar-se em relação aos
novos organismos ecumênicos que estavam se formando. Em 1948, Samuel Rizzo
representou a IPB na Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas em Amsterdã. No ano
seguinte, a igreja optou pela “equidistância” entre o CMI e o Concílio Internacional de
Igrejas Cristãs, do líder fundamentalista norte-americano Carl McIntire. Em 1962, o
Supremo Concílio aprovou o “Pronunciamento Social da IPB”.
Entre os jovens, surgiu um questionamento da posição conservadora da igreja. O
jornal Mocidade foi lançado em 1944 e dois anos depois Billy Gammon tornou-se a
secretária nacional da mocidade. Até 1958 o número de UMPs cresceu de 150 para 600,
com 17 mil membros. O Rev. M. Richard Shaull veio ao Brasil trabalhar entre os
universitários. Em 1953 tornou-se professor do Seminário de Campinas e começou a
cooperar com o Departamento de Mocidade e a União Cristã de Estudantes do Brasil
(UCEB). Tornou-se uma voz influente na mocidade evangélica brasileira. Em 1962, o
Supremo Concílio reestruturou o Departamento de Mocidade, tirando sua autonomia.

Nos anos 50, Israel Gueiros, pastor da 1ª I. P. de Recife e ligado ao Concílio


Internacional de Igrejas Cristãs, liderou uma campanha contra o Seminário do Norte sob
a acusação de modernismo. Fundou outro seminário e foi deposto pelo Presbitério de
Pernambuco em julho de 1956. Em 21 de setembro foi organizada a Igreja Presbiteriana
Fundamentalista do Brasil com quatro igrejas locais (incluindo elementos batistas e
congregacionais), que formaram um presbitério com 1800 membros.

3.3 Presbiteriana Independente

A partir de 1930, surgiu um movimento de intelectuais (entre eles o Rev.


Eduardo Pereira de Magalhães, neto de Eduardo Carlos Pereira) que pretendia reformar
a liturgia, certos costumes eclesiásticos e até mesmo a Confissão de Fé. A questão
eclodiu no Sínodo de 1938. Outro grupo organizou a Liga Conservadora, liderada pelo
Rev. Bento Ferraz. A elite liberal retirou-se da IPI em 1942 e formou a Igreja Cristã de
São Paulo. Em 1957 foi criado o Supremo Concílio da IPI, com três sínodos, dez
presbitérios, 189 igrejas locais e 105 pastores.

Em 1940, os membros da Liga Conservadora fundaram a Igreja Presbiteriana


Conservadora, que em 1957, contava com mais de vinte igrejas, em quatro estados, e
tinha um seminário. Seu órgão oficial era O Presbiteriano Conservador. Filiou-se à
Aliança Latino-Americana de Igrejas Cristãs e à Confederação de Igreja Evangélicas
Fundamentalistas do Brasil.

3.4 Metodista
O primeiro bispo metodista brasileiro foi César Dacorso Filho (1891-1966),
eleito em 1934, que por doze anos (1936-1948) foi o único bispo da Igreja. A Igreja
Metodista foi a primeira denominação brasileira a filiar-se ao Conselho Mundial de
Igrejas, em 1942. Seu órgão oficial era O Expositor Cristão. O crescimento dessa
denominação foi pequeno, sendo uma de suas principais ênfases a educação.

3.5 Luterana

Em 1949 os quatro sínodos luteranos organizaram-se em Federação Sinodal, a


Igreja Luterana propriamente dita. No ano seguinte, a igreja solicitou admissão ao
Conselho Mundial de Igrejas e em 1954 adotou o nome de Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A Igreja Luterana filiou-se à Confederação
Evangélica do Brasil em 1959. Foi nesse período que a igreja se nacionalizou, deixando
de estar voltada apenas para o seu grupo étnico original.

3.6 Episcopal

O primeiro bispo brasileiro foi Athalício Theodoro Pithan, sagrado em 21-04-


1940. Em abril de 1952, foi instalado o Sínodo da Igreja Episcopal Brasileira, contando
com três bispos (Athalício T. Pithan, Luís Chester Melcher e Egmont Machado
Krischke). Em 25-04-1965 a Igreja Episcopal do Brasil obteve da igreja-mãe a sua plena
emancipação administrativa e passou a ser uma província autônoma da Comunhão
Anglicana. Logo em seguida, filiou-se ao CMI.

4. Terceiro período (1964-2000)

Dois eventos de grande impacto marcaram o início deste período: (a) O Concílio
Vaticano II (1962-65), que assinalou a abertura da Igreja Católica para os protestantes
(“irmãos separados”) e revelou novas concepções sobre o culto, a missão da igreja e a
relação com a sociedade. O ecumenismo tornou-se alvo de muitas controvérsias. (b) O
movimento de 1964 e o regime militar. Na realidade, esse período foi marcado pelo
surgimento de ditaduras militares e movimentos de esquerda em toda a América Latina.
Na área religiosa, um dos resultados foi o surgimento da Teologia da Libertação.
Vejamos alguns eventos desse período conturbado:
4.1 Igreja Presbiteriana

Em 1962, a Missão Brasil Central (UPCUSA) propôs-se a entregar à Igreja toda


a sua obra evangelística, médica e educacional. Em 1972, a IPB rompeu com a Missão
Brasil Central, sendo uma das possíveis causas a adoção da Confissão de 1967 pela
Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos. Em 1973, a IPB rompeu suas relações
com essa denominação (criada em 1958) e firmou novo convênio com a missão da
Igreja Presbiteriana do Sul (PCUS).

O Supremo Concílio de Fortaleza (1966) marcou o início da administração do


Rev. Boanerges Ribeiro, que foi reeleito presidente em 1970 e 1974. Nesse período, a
maioria conservadora empreendeu forte luta contra o liberalismo teológico, o
ecumenismo e a renovação carismática. Foi uma época de forte confrontação, com
muitos processos contra pastores, concílios e igrejas locais. No entanto, o período
também testemunhou crescimento na área de missões. A IPB expandiu o seu trabalho na
Amazônia e em alguns países vizinhos, como o Paraguai e a Bolívia.

Com o passar dos anos, surgiram alguns grupos dissidentes, como o Presbitério
de São Paulo e a Aliança de Igrejas Reformadas (1974), e a Federação Nacional de
Igrejas Presbiterianas (FENIP), organizada em Atibaia, em setembro de 1978. Esta
federação eventualmente constituiu-se em uma nova denominação, a Igreja
Presbiteriana Unida do Brasil, que possuindo uma orientação teológica fortemente
progressista. Em 1999, faleceu um de seus líderes mais conhecidos, o Rev. Jaime
Wright, que foi muito atuante na área de direitos humanos.

4.2 Igreja Presbiteriana Independente

Com uma postura inicialmente menos rígida que a IPB, a partir de 1972 a IPI
tornou-se mais inflexível quanto ao ecumenismo e à renovação carismática. Em 1978,
essa denominação admitiu aos seus presbitérios os três primeiros missionários
estrangeiros da sua história, Richard Irwin, Albert James Reasoner e Gordon S. Trew,
que antes colaboravam com a IPB.
Em 1973, um segmento da IPI separou-se para formar a Igreja Presbiteriana
Independente Renovada, que depois se uniu a um grupo semelhante egresso da IPB,
formando a Igreja Presbiteriana Renovada, de orientação carismática.

Nos últimos anos, a IPI tem abraçado uma postura teológica mais aberta,
estreitando os seus laços com a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos e aceitando o
ministério feminino. Há alguns anos, um documento denominado Ordenações
Litúrgicas produziu tantas controvérsias que precisou ter a sua aplicação suspensa pela
igreja.

4.3 Igreja Batista

Acentuadamente conservadora nas áreas de teologia e política, a Convenção


Batista Brasileira tem dado grande ênfase à obra missionária. Nos anos 60 e 70 foram
realizadas grandes campanhas evangelísticas. Em 1960, Billy Graham pregou no
Maracanã durante o X Congresso da Aliança Batista Mundial. O Pr. João Filson Soren
(da 1ª Igreja Batista do Rio) foi eleito presidente da Aliança. Em 1965, foi realizada a
Campanha Nacional de Evangelização, como uma espécie de resposta ao golpe de 1964.
Seu tema foi “Cristo, a Única Esperança”, implicando que as soluções meramente
políticas eram insuficientes. O coordenador da campanha foi o Pr. Rubens Lopes (I. B.
Vila Mariana). Em 1967-1970 houve a Campanha das Américas e, em 1974, a Cruzada
de Billy Graham no Rio de Janeiro. Seu presidente foi o Pr. Nilson do Amaral Fanini.
Em 1978-1980 foi realizada a Campanha Nacional de Evangelização.

O grande ímpeto evangelístico explica o acentuado crescimento da Convenção


Batista Brasileira, que no ano 2000 contava com mais de 1,5 milhão de membros. A
Convenção também tem realizado um amplo trabalho missionário no exterior, com mais
de 500 missionários em 52 países. Outros grupos batistas expressivos são a Igreja
Batista Nacional (renovada), Igreja Batista Regular e Igreja Batista Independente.

4.4 Igreja Metodista

No início dos anos 60, Nathanael Inocêncio do Nascimento, reitor da Faculdade


de Teologia de Rudge Ramos, liderou o “esquema” nacionalista que visava substituir os
líderes missionários do Gabinete Geral por brasileiros (saíram Robert Davis e Duncan
A. Reily e entraram Almir dos Santos e Omar Daibert, futuros bispos).

Os universitários e estudantes de teologia pleiteavam uma igreja mais voltada


para a ação social e a política. A ênfase na justiça social dominou a Junta Geral de Ação
Social (Robert Davis, Almir dos Santos) e a Faculdade de Teologia. Dom Helder
Câmara paraninfou a turma de 1967. No ano seguinte, uma greve levou ao fechamento
da Faculdade de Teologia e à sua reestruturação.

Nos anos 70 a IMB investiu na educação superior. No campus da antiga


Faculdade de Teologia surgiu o Instituto Metodista de Ensino Superior e em 1975 o
Instituto Piracicabano (fundado em 1881) foi transformado em Universidade Metodista
de Piracicaba. Em 1982 foi elaborado o Plano Nacional de Educação Metodista, cuja
fundamentação deu ênfase ao conceito do Reino de Deus e à teologia da libertação. O
movimento carismático também encontrou acolhida em muitas comunidades
metodistas.

4.5 Igreja Luterana

Em 1968, os quatro sínodos, originalmente independentes um do outro,


integraram-se em definitivo na IECLB, aceitando uma nova constituição. No VII
Concílio Geral (outubro de 1970) foi aprovado unanimemente o “Manifesto de
Curitiba”, contendo o posicionamento político-social da igreja. Esse manifesto foi
entregue ao presidente Emílio Garrastazu Médici por três pastores. Em 1975 entrou em
vigor a reforma do currículo da faculdade de teologia de São Leopoldo, refletindo as
prioridades da igreja. A Igreja Evangélica Luterana, ligada ao Sínodo de Missouri, é
mais conservadora que a IECLB.

As últimas décadas do século 20 testemunharam um fracionamento ainda maior


do protestantismo brasileiro, com o surgimento de muitos grupos neopentecostais.
Dentre esses grupos, destacam-se a Igreja Deus é Amor e especialmente a Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD), o maior fenômeno religioso contemporâneo em
nosso país. Vejamos alguns dados dessas igrejas:
(a) Igreja Deus é Amor

Seu fundador é David Miranda (nascido em 1936), filho de um agricultor do


Paraná. Vindo para São Paulo, converteu-se numa pequena igreja pentecostal e em 1962
fundou sua igreja em Vila Maria. Logo transferiu-se para o centro da cidade (Praça João
Mendes). Em 1979, foi adquirida a “sede mundial” na Baixada do Glicério, o maior
templo evangélico do Brasil, com capacidade para dez mil pessoas. Em 1991 a igreja
afirmava ter 5.458 templos, 15.755 obreiros e 581 horas diárias em rádios, bem como
estar presente em 17 países (principalmente no Paraguai, Uruguai e Argentina). A Igreja
Deus é Amor dá preferência exclusiva ao uso do rádio como meio de divulgação, não se
utilizando da televisão.

(b) Igreja Universal do Reino de Deus

Foi fundada por Edir Macedo (nascido em 1944), filho de um comerciante


fluminense. Macedo trabalhou por 16 anos na Loteria do Estado (subiu de contínuo para
um posto administrativo). De origem católica, ingressou na Igreja de Nova Vida na
adolescência. Deixou essa igreja para iniciar a sua própria, inicialmente denominada
Igreja da Bênção. Em 1977 deixou o emprego público para dedicar-se ao trabalho
religioso. Nesse mesmo ano surgiu o nome IURD e o primeiro programa de rádio.
Macedo viveu nos EUA de 1986 a 1989. Voltando ao Brasil, transferiu a sede da igreja
para São Paulo e adquiriu a Rede Record. Em 1990 a IURD elegeu três deputados
federais. Macedo esteve preso por doze dias em 1992, sob a acusação de estelionato,
charlatanismo e curandeirismo. A IURD também investe maciçamente no exterior,
atuando em mais de 70 países.

Outros conhecidos grupos neopentecostais são a Igreja Renascer em Cristo (do


“apóstolo” Estevam Hernandes), a Igreja Internacional da Graça de Deus (do pastor
Romildo Soares, cunhado de Edir Macedo), a Igreja Sara Nossa Terra e as
Comunidades Evangélicas.

Conclusão
A história do protestantismo brasileiro no período republicano é uma história de
notável crescimento e crescente visibilidade social. Nesse longo período, as igrejas
evangélicas deram importantes contribuições a indivíduos, famílias e à sociedade nas
áreas evangelística, educacional e ética. Infelizmente, é também uma história de
lamentáveis divisões e, particularmente nos últimos anos, de um testemunho
questionável e valores distorcidos. Trabalhemos e oremos para que a fé evangélica
produza em nosso país os seus melhores frutos no século 21.

Sugestões bibliográficas

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de Janeiro: CPAD, 1982.

Azevedo, Israel Belo de. A Celebração do Indivíduo: A Formação do Pensamento


Batista Brasileiro. Piracicaba: Unimep; São Paulo: Exodus, 1996.

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Conde, Emílio. História das Assembléias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro, 1960.

Crabtree, A.R. História dos Batistas do Brasil: Até o Ano de 1906. Rio de Janeiro: Casa
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Gueiros Vieira, David. O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil.


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Léonard, Émile-G., O Protestantismo Brasileiro: Estudo de Eclesiologia e História


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Mendonça, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no Brasil.


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_________ . Protestantismo e Cultura Brasileira: Aspectos Culturais da Implantação do


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Rocha, Isnard. Histórias da História do Metodismo no Brasil: Em Comemoração ao


Primeiro Centenário de Implantação Definitiva do Metodismo no Brasil (1867-1967).
São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1967.

______ . Pioneiros e Bandeirantes do Metodismo no Brasil (Cem Biografias): Bispos,


Ministros, Pregadores Locais e Leigos da Igreja Metodista do Brasil. São Bernardo do
Campo: Imprensa Metodista, 1967.
Tarsier, Pedro. História das Perseguições Religiosas no Brasil. 2 vols. Editora Cultura
Moderna.

ERASMO BRAGA: UM LÍDER SINGULAR NO PROTESTANTISMO


BRASILEIRO

Alderi Souza de Matos

A história do protestantismo deve os seus maiores feitos à atuação de indivíduos


que se destacaram por sua inteligência, energia, visão e capacidade de mobilizar os seus
correligionários em torno de grandes causas. Desde o século 16, a Europa, a América do
Norte e até mesmo algumas regiões do hemisfério sul têm revelado muitos exemplos
notáveis desses grandes líderes. No Brasil, todavia, o movimento protestante tem sido
pobre em termos de personalidades cuja atuação tenha exercido uma influência salutar e
construtiva sobre as igrejas em geral. O que tem ocorrido no ambiente evangélico
parece ser o oposto: líderes que, apesar das suas qualificações e das expectativas que
despertam, não têm se mostrado à altura das suas posições e responsabilidades,
causando decepção e desalento. Porém, nas primeiras décadas do século 20 viveu um
personagem excepcional que hoje é considerado o maior líder do protestantismo
brasileiro em toda a sua história.

1. Experiências iniciais

Erasmo de Carvalho Braga (1877-1932) era filho do Rev. João Ribeiro de


Carvalho Braga e de D. Alexandrina Braga. Nasceu em Rio Claro, no interior de São
Paulo, uma região que experimentava grande progresso em virtude do cultivo do café. A
Igreja Presbiteriana, à qual a família pertencia, era na época a maior denominação
evangélica do Brasil, experimentando grande crescimento. Após estudar em Botucatu,
para onde os pais haviam se mudado, o menino concluiu os estudos secundários na
Escola Americana, em São Paulo, e ingressou no Seminário Presbiteriano. Foi ordenado
pastor em 1898, iniciando o seu ministério em Niterói. Três anos depois regressou à
capital paulista, tendo sido convidado para lecionar no Mackenzie College, uma grande
escola missionária. Também se tornou professor do seminário em que havia se formado,
acompanhando essa instituição quando a mesma se transferiu para Campinas em 1907.

Nesse período e nos anos seguintes ele revelou algumas características


marcantes. Tinha grande inteligência, memória privilegiada e enorme capacidade de
trabalho. Era um leitor insaciável, estando a par de quase tudo o que era publicado no
Brasil e no exterior. As pessoas começaram a referir-se a ele como uma “enciclopédia
ambulante”. Também possuía qualidades de caráter e temperamento que atraíam
prontamente a simpatia dos que o conheciam: integridade, cortesia, altruísmo,
generosidade. Além de pastor dedicado e professor competente, destacou-se na área do
jornalismo, tendo colaborado com muitos periódicos religiosos e seculares. Tornou-se
sócio, com freqüência sócio-fundador, de diversas entidades literárias, científicas e de
serviços. Em 1910, começou a escrever a famosa Série Braga, livros de leitura para a
escola primária que vieram a ser usados por muitos anos em todo o Brasil. Na mesma
época, mediante concurso, conquistou a cadeira de inglês do Ginásio do Estado, em
Campinas.

2. Um ponto de transição

Desde o início do seu ministério, Erasmo Braga vinha observando com interesse
alguns movimentos do protestantismo anglo-saxão voltados para missões e cooperação
intereclesiástica. Em 1910, quando a Conferência Missionária Mundial se reuniu em
Edimburgo, na Escócia, as missões na América Latina não foram contempladas por se
entender que esse continente já era cristão. Em reação a isto, foi criado três anos mais
tarde o Comitê de Cooperação na América Latina (CCAL), que promoveu em 1916 o
célebre Congresso da Obra Cristã na América Latina, na Cidade do Panamá. Essa foi a
primeira vez que os protestantes ibero-americanos se reuniram para discutir o seu
trabalho. Erasmo Braga participou desse encontro e foi profundamente impactado pelo
mesmo.

Regressando ao Brasil, ele abraçou de modo crescente as propostas resultantes


do Congresso do Panamá: cooperação evangélica, envolvimento social, testemunho
cristão na sociedade, educação teológica de alto nível, evangelização das elites. A fim
de participar desses projetos, afastou-se gradativamente da maior parte dos seus
compromissos denominacionais. Em 1920, assumiu em tempo integral a direção de uma
sucursal do CCAL criada no Rio de Janeiro – a Comissão Brasileira de Cooperação
(CBC). Nessa função, que exerceu até a sua morte em 1932, Erasmo Braga se tornou o
propulsor do maior esforço de aproximação e cooperação das igrejas evangélicas do
Brasil empreendido até hoje. Ele não só foi o líder protestante brasileiro mais conhecido
do seu tempo, mas representou o Brasil e a América Latina em inúmeros encontros do
protestantismo mundial em outros continentes. Nesses encontros, ele patrocinou de
modo competente e apaixonado os interesses do trabalho evangélico na América Latina.

3. Visão missiológica

Nos seus esforços e iniciativas, Erasmo associou a sua formação calvinista a


alguns elementos positivos de movimentos como o “evangelho social”, tendo em vista
formular um projeto grandioso e ousado para as igrejas evangélicas. Analisando
cuidadosamente a história das nações latinas, ele concluiu que elas haviam recebido
uma formação inadequada nos aspectos religioso, social e cultural. Por sua vez, as
nações protestantes haviam herdado da Reforma do século 16 um cristianismo
dinâmico, valores éticos, instituições democráticas, ênfase na educação, progresso
econômico e social. Ele concluiu que somente a mensagem e os valores transmitidos
pelas igrejas evangélicas poderiam livrar os povos latino-americanos dos profundos
problemas que os afligiam: atraso, analfabetismo, ignorância, superstição, ceticismo. Na
elaboração dessa proposta, um tema bíblico e teológico se tornou dominante – o “reino
de Deus”. O objetivo das igrejas evangélicas seria pregar e viver o evangelho com tal
intensidade a ponto de gerar uma profunda transformação da sociedade: a implantação
do reino de Deus na terra.

Havia alguns requisitos para que as igrejas pudessem cumprir esse papel. Elas
deviam desfazer-se do seu complexo de inferioridade e atitude de isolamento,
irmanando-se umas às outras e criando laços com as igrejas mais antigas do hemisfério
norte; elas deviam dispor-se a ter uma presença forte e envolvente na comunidade; elas
precisavam atualizar os seus métodos e falar uma linguagem com que as pessoas
pudessem se identificar. Durante alguns anos, os apelos de Erasmo receberam diferentes
graus de receptividade nas denominações protestantes históricas: presbiterianos,
metodistas, congregacionais, episcopais. Porém, com o passar do tempo a mentalidade
paroquial, as diferenças doutrinárias, o temor do envolvimento na sociedade e outros
fatores levaram a um certo esfriamento do trabalho cooperativo. Problemas ocorridos
nos Estados Unidos também tiveram um impacto negativo: a crise econômica de 1929,
a controvérsia modernista-fundamentalista e novas percepções acerca da missão da
igreja.

4. Avaliação e contribuições

Erasmo Braga viveu apenas 55 anos, tendo a sua morte prematura resultado em
parte do desgaste sofrido no trabalho cooperativo. O lema de sua vida e ações foi o texto
de Romanos 14.7: “Nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si”. Seu caráter
nobre e idealista, dedicação a Cristo e espírito conciliador o qualificaram para criar um
ambiente mais fraterno e generoso no protestantismo brasileiro da época. Seu desejo
intenso de que o evangelho redimisse os indivíduos e a sociedade motivou as igrejas a
se envolverem de modo coerente, altruísta e criativo com o seu país e o seu povo. Ele
pode ter sido um tanto ingênuo em algumas de suas expectativas, excessivamente
otimista em relação a certos problemas, mas ninguém jamais questionou a seriedade,
sinceridade e dedicação com que buscou os seus objetivos.

Além do seu testemunho nas muitas entidades de que participou e de suas


importantes contribuições como educador, escritor e pensador protestante, Erasmo se
envolveu em iniciativas valiosas como o Seminário Unido (Rio de Janeiro), a Federação
Universitária Evangélica e a Missão Evangélica Caiuá. Seu trabalho principal resultou
na Confederação Evangélica do Brasil, que preservou por muitos anos o ideal da
cooperação evangélica. Seus livros e outros escritos continuam relevantes, em especial
Pan-americanismo: aspecto religioso e A República do Brasil: uma análise da situação
religiosa. Que Deus possa despertar líderes competentes, íntegros e idealistas como
Erasmo Braga no conturbado cenário protestante brasileiro.

O DESAFIO DO NEOPENTECOSTALISMO E AS IGREJAS REFORMADAS

Alderi Souza de Matos

Introdução
O objetivo deste estudo é refletir sobre um fenômeno recente e controvertido do cenário
religioso do Brasil que é o movimento neopentecostal. Esse movimento é importante
por causa do grande impacto que tem causado e pela visibilidade que tem adquirido nos
últimos anos na sociedade brasileira. Os métodos arrojados e agressivos da Igreja
Universal do Reino de Deus, o estilo de vida sofisticado do casal que dirige a Igreja
Renascer em Cristo, os onipresentes programas de televisão das igrejas neopentecostais,
os testemunhos de fé de artistas, atletas e outras celebridades, tudo isso e muito mais
tem contribuído para tornar esse movimento conhecido e discutido.

O impacto do neopentecostalismo tem sido particularmente sentido pelas igrejas


evangélicas do Brasil. O protestantismo brasileiro não é mais o mesmo desde que surgiu
o novo movimento. Esse impacto tem sido experimentado de duas maneiras:
primeiramente, muitas igrejas, sejam elas históricas ou pentecostais, têm perdido
membros para o neopentecostalismo; em segundo lugar, essas igrejas, especialmente as
históricas ou tradicionais, tem sido influenciadas em sua teologia, liturgia e organização
pelas práticas neopentecostais. O “sucesso” do novo movimento tem sido especialmente
cativante para os líderes de muitas igrejas, levando-os a acreditar que, se adotarem os
mesmos métodos e ênfases, suas igrejas também irão obter o tão sonhado crescimento.

O objetivo deste estudo não é simplesmente criticar ou condenar o movimento


neopentecostal como um todo. A Igreja Presbiteriana do Brasil já tem se pronunciado
oficialmente sobre a questão, reconhecendo que as igrejas neopentecostais são cristãs e
são evangélicas. Todavia, tais igrejas apresentam desvios ou distorções em seus ensinos
e práticas que as afastam do cristianismo histórico em alguns aspectos e que, mais
especificamente, as põem em conflito com a fé reformada.[1] À luz da Confissão de Fé
de Westminster, podemos considerá-las como “igrejas menos puras”. Diz a Confissão
de Fé que a Igreja de Cristo “tem sido ora mais, ora menos visível. As igrejas
particulares, que são membros dela, são mais ou menos puras conforme nelas é, com
mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e
celebrado o culto público. As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura
e ao erro...” ( cap. 25, itens IV e V).

Por outro lado, essa reflexão deve conduzir-nos a uma séria autocrítica e ao
reconhecimento de que o novo movimento tem ocupado espaços que já deveriam ter
sido ocupados pelas igrejas mais antigas, inclusive a presbiteriana. Portanto, o propósito
desta análise é tríplice: conhecer melhor o neopentecostalismo em seus diferentes
ângulos; identificar os seus pontos fracos nas áreas já aludidas; apontar maneiras como
melhor se pode enfrentar esse desafio e quais as áreas em que as igrejas reformadas
devem progredir.

É importante ressaltar que não se pretende nem é possível neste breve estudo fazer uma
análise profunda e exaustiva do neopentecostalismo. Para tomar apenas a área da
doutrina, existem dezenas de questões altamente complexas sobre os quais muitos livros
têm sido escritos. O interesse primordial é dar uma visão ampla do movimento e
destacar os seus aspectos mais relevantes no que diz respeito à igreja presbiteriana.

Inicialmente será feita uma breve abordagem histórica, destacando alguns exemplos
interessantes de movimentos “carismáticos” ao longo da história da igreja até se chegar
ao pentecostalismo brasileiro. Em seguida, se fará um apanhado das principais
peculiaridades desse movimento nas áreas da teologia, culto, métodos, liderança e ética.
Procurar-se-á avaliar esses pontos à luz das Escrituras e da fé reformada.

1. Aspectos históricos

São mencionados a seguir alguns poucos exemplos ilustrativos de movimentos e


fenômenos carismáticos extraídos da história da igreja.

1.1 A igreja primitiva

1.1.1 Corinto

Já nos dias da igreja primitiva houve a ocorrência de manifestações que hoje chamamos
de carismáticas. O exemplo clássico é o da comunidade cristã de Corinto. Como todos
sabem, naquela igreja apostólica houve manifestações extraordinárias de línguas,
profecias e outros fenômenos. Todavia, tais manifestações estavam diretamente
associadas com muitos dos problemas e conflitos vividos por aquela comunidade. Era
como se os dons do Espírito, ao invés de serem um fator de união, estivessem sendo um
fator de divisão no corpo de Cristo. Portanto, desde o início os fenômenos carismáticos
foram um elemento tanto de vitalidade quanto de controvérsia no seio da cristandade.
Curiosamente, tais fenômenos espetaculares parecem ter estado especialmente ligados à
igreja de Corinto. Pouco se diz a respeito dos mesmos nos outros documentos do Novo
Testamento (por exemplo, as línguas são mencionadas apenas em Mc 16.17; At 2.3-11;
10.46; 19.6; e 1 Co 12-14). Parece que nas outras igrejas apostólicas, essas
manifestações eram inexistentes, moderadas ou exercidas de modo mais equilibrado e
menos egocêntrico do que em Corinto.

1.1.2 Montanismo

Com o passar do tempo, o exercício dos ministérios e dons carismáticos entrou em


declínio na vida da igreja. Uma das razões principais foi a luta contra as heresias que
caracterizou os primeiros séculos do cristianismo. Houve casos em que as manifestações
carismáticas estavam associadas com ensinos e práticas que a igreja antiga considerou
divergentes da fé bíblica e apostólica. Um bom exemplo disso foi o movimento
conhecido como montanismo ou “nova profecia”, que surgiu por volta do ano 157 na
Frígia, uma província da Ásia Menor. Dizendo-se inspirado pelo Espírito Santo, um
cristão chamado Montano começou a profetizar extaticamente, sendo seguido por duas
profetizas, Priscila e Maximila. Eles afirmavam serem os últimos de uma linhagem de
profetas e convocaram os crentes a se prepararem para a descida da Jerusalém Celestial.
O montanismo teve algumas ênfases positivas (o Espírito Santo, a santidade da igreja) e
chegou a atrair um grande teólogo, Tertuliano, que abraçou o movimento. Ao fim,
todavia, a “nova profecia” foi rejeitada pela igreja, principalmente por seu
emocionalismo, desobediência às autoridades da igreja e revelações extrabíblicas. Os
profetas montanistas afirmavam receber comunicações diretas de Deus, e as suas
profecias ou oráculos eram considerados como normativos pelos seguidores,
praticamente no mesmo nível das Escrituras. Além disso, foram acusados de falsas
profecias, pois suas previsões acerca do iminente final dos tempos não se cumpriram.
Mesmo assim, o montanismo subsistiu por vários séculos.

Durante a Idade Média, continuaram a surgir movimentos esporádicos que tinham as


mesmas características básicas do montanismo. Mais tarde, com a Reforma do século
16, também houve ocorrências similares entre grupos protestantes, como foi o caso de
alguns anabatistas e dos quakers. Os quakers surgiram na Inglaterra, no século 17, sob a
liderança de George Fox (1624-1691), que pregou a mensagem da “nova era do
Espírito.” O movimento enfatizava a “luz interior,” ou comunicações diretas do
Espírito, que eram tão importantes quanto as Escrituras. Nas suas reuniões, os quakers
aguardavam que o Espírito Santo falasse a eles e através deles.

1.2 O século 19

1.2.1 Edward Irving

Um interessante exemplo do início do século 19 é o de Edward Irving (1792-1834),


considerado um dos precursores do moderno movimento carismático.[2] Irving era um
pastor da Igreja Presbiteriana da Escócia que se transferiu para Londres após um
ministério inicial em Glasgow. Logo, seus dotes de oratória, seu carisma pessoal e suas
mensagens ungidas começaram a atrair grandes multidões à igreja que pastoreava. Ele
passou a fazer parte de um grupo que se reunia para estudar escatologia. Convicto da
iminente volta de Cristo, o grupo passou a orar por um derramamento do Espírito. No
início da década de 1830, após surgirem algumas manifestações carismáticas na
Escócia, houve a ocorrência de línguas e profecias na igreja de Irving, que as considerou
uma obra do Espírito Santo. Em 1832, Irving foi afastado do pastorado da igreja, sendo
acompanhado por cerca de 600 seguidores, que criaram uma nova denominação, a
Igreja Católica Apostólica, caracterizada por uma eclesiologia complexa e uma liturgia
altamente elaborada, além da sua ênfase carismática. No ano seguinte, Irving foi
deposto do ministério sob acusação de heresia. Ele afirmava que Cristo havia nascido
com uma natureza humana pecaminosa, que foi, todavia, preservada sem pecado e
incorruptível graças à atuação do Espírito Santo. No final de 1834, Irving veio a falecer
com apenas 42 anos, vitimado pela tuberculose. Nos seus últimos meses de vida, ele
estava convicto de que seria curado da sua enfermidade; porém, a cura não veio e ele
deixou de tomar precauções que talvez pudessem ter evitado sua morte prematura.

1.2.2 Miguel Vieira Ferreira

Um exemplo mais próximo de um movimento com características carismáticas é aquele


ligado ao Dr. Miguel Vieira Ferreira (1837-1885), um antigo membro da Igreja
Presbiteriana do Rio Janeiro. Dr. Miguel era membro de uma família aristocrática do
Maranhão e formou-se em engenharia na então capital do império. Antes de ingressar na
Igreja Presbiteriana, havia tido contatos com o espiritismo. Foi recebido como membro
da Igreja do Rio de Janeiro em 1874, durante o pastorado do Rev. Alexander L.
Blackford. No início, teve um comportamento incomum. Certa vez, terminado o culto,
permaneceu cerca de meia hora totalmente imóvel, sem poder mover as mãos ou os pés
e abrir os olhos. Mais tarde, foi eleito presbítero e acompanhou o Rev. Blackford em
viagens evangelísticas. O pastor-auxiliar da Igreja do Rio, Rev. Dilwin M. Hazlett,
ocupado que estava com uma tipografia de sua propriedade, deixou o Dr. Miguel ocupar
o púlpito da igreja. Este começou a fundamentar o seu ensino em sonhos e visões,
pretendendo ter revelações diretas do céu (“Deus fala e quer falar de viva voz aos
homens”). Em 1879, foi suspenso do presbiterato e da comunhão. Ele deixou a igreja
presbiteriana com outros 27 membros e fundou a Igreja Evangélica Brasileira, que
perdura até os dias atuais.[3]

1.3 O século 20

1.3.1 O pentecostalismo

O início do século 20 testemunhou um dos eventos mais marcantes da história do


cristianismo. Fenômenos que até então haviam ocorrido um tanto esporadicamente,
entre grupos minoritários, passaram a ser parte de um influente e vasto movimento
composto de milhões de adeptos. Em muitos países, os pentecostais passaram a
constituir a grande maioria dos evangélicos.

O pentecostalismo resultou de uma somatória de influências: o movimento pietista do


século 18, os grandes despertamentos nos Estados Unidos, o metodismo de João Wesley
e, mais especificamente, o chamado movimento de “santidade” (holiness) do final do
século 19. A busca de avivamento e de santificação, ao lado de uma forte expectativa do
final dos tempos, levou muitos cristãos à convicção de que haveria um derramamento
especial do Espírito Santo, evidenciado pela ocorrência de manifestações sobrenaturais
semelhantes àquelas mencionadas no Novo Testamento.[4]

Um importante pioneiro foi Charles Fox Parham (1873-1929), que fora criado em
igrejas metodistas e “holiness,” e passou a ensinar aos seus alunos no Kansas e no
Texas que os crentes deviam esperar um batismo “com o Espírito Santo e com fogo”. O
evangelista R. A. Torrey (1856-1928), outrora companheiro de Dwight L. Moody, fez
uma turnê mundial de reavivamento que teve o efeito de aproximar muitas pessoas que
mais tarde iriam participar do movimento pentecostal. Finalmente, o evento decisivo
ocorreu em um reavivamento iniciado em 1906 na Missão Fé Apostólica, na Rua Azusa,
em Los Angeles, onde um ex-aluno de Parham, o pregador negro William J. Seymour
(1870-1922) iniciou uma longa série de reuniões que enfatizavam o falar em línguas
como evidência do batismo com o Espírito Santo, a marca registrada do
pentecostalismo. Logo, o movimento difundiu-se para outras cidades norte-americanas
(especialmente Chicago) e para outros países.

1.3.2 O pentecostalismo no Brasil

Pouco tempo depois do seu surgimento nos Estados Unidos o movimento pentecostal
chegou ao Brasil. Quase que simultaneamente, duas igrejas pentecostais iniciaram suas
atividades em solo brasileiro, uma no sul e a outra no norte do país. Em poucas décadas,
esse movimento haveria de transformar de modo permanente e profundo a face do
protestantismo nacional.

Em um conhecido ensaio sobre o pentecostalismo brasileiro, Paul Freston observa que a


história desse movimento pode ser dividida em três “ondas” de implantação de
igrejas.[5] A primeira onda iniciou-se na década de 1910, com a chegada da
Congregação Cristã no Brasil (1910) e da Assembléia de Deus (1911). A Congregação
Cristã foi fundada pelo italiano Luigi Francescon (1866-1964), que emigrou para os
Estados Unidos, converteu-se ao evangelho, tornou-se um dos fundadores da Igreja
Presbiteriana Italiana, em Chicago, e eventualmente foi alcançado pelo nascente
movimento pentecostal. Chegou ao Brasil em 1910, em resposta a uma profecia para
que levasse a obra pentecostal aos seus patrícios. Iniciou as suas atividades entre
imigrantes italianos residentes em São Paulo e Santo Antonio da Platina, no Paraná. Já a
Assembléia de Deus brasileira resultou dos esforços de dois suecos de origem batista,
Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1885-1963), que igualmente emigraram
para os Estados Unidos e foram alcançados pelo movimento pentecostal na cidade de
Chicago. Os dois obreiros fixaram-se em Belém do Pará, onde passaram a freqüentar a
igreja batista, cujo pastor também era de nacionalidade sueca. Alguns meses mais tarde,
a mensagem pentecostal de Vingren e Berg produziu um cisma na igreja, surgindo
assim o primeiro grupo da nova denominação.

Essas igrejas virtualmente dominaram o campo pentecostal durante 40 anos, pois as


suas rivais eram poucas e inexpressivas.[6] Das duas pioneiras, a Assembléia de Deus
foi a que mais se expandiu numérica e geograficamente, a ponto de ser praticamente a
única expressão do protestantismo em alguns estados do norte.[7] A Congregação Cristã
no Brasil, após um período em que ficou mais limitada à comunidade italiana, sentiu a
necessidade de assegurar a sua sobrevivência por meio do trabalho entre os
brasileiros.[8] Após um rápido crescimento inicial, foi ultrapassada pela Assembléia de
Deus no final dos anos 40.

A segunda onda pentecostal ocorreu na década de 50 e início dos anos 60, quando o
campo pentecostal se fragmentou e surgiram, entre muitos outros, três grandes grupos
ainda ligados ao pentecostalismo clássico: a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951),
a Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo (1955) e a Igreja Pentecostal Deus
é Amor (1962), todas elas acentuando de maneira especial a cura divina. Essa segunda
onda começou quando a urbanização e o surgimento de uma sociedade de massas
possibilitam um crescimento pentecostal que rompeu com as limitações dos modelos
existentes, especialmente em São Paulo. Freston argumenta que o estopim foi a chegada
da Igreja Quadrangular, com seus métodos arrojados, forjados precisamente no berço
dos modernos meios de comunicação de massa, a Califórnia do período entre as duas
guerras mundiais.[9] Todavia, quem lucrou com o novo modelo, no primeiro momento,
não foi a Igreja Quadrangular, excessivamente estrangeira, e sim a sua criativa
dissidência nacionalista, a Igreja O Brasil para Cristo.

A Igreja do Evangelho Quadrangular foi fundada nos Estados Unidos pela controvertida
evangelista Aimee Semple McPherson (1890-1944) e chegou ao Brasil através do
missionário Harold Williams, um ex-ator de filmes de faroeste, que fundou a primeira
igreja em novembro de 1951 em São João da Boa Vista, São Paulo. Em 1953 teve início
a Cruzada Nacional de Evangelização, sendo Raymond Boatright o principal
evangelista. Desde então a Igreja Quadrangular tem crescido constantemente, sendo
uma de suas peculiaridades a forte ênfase dada ao ministério feminino.[10]
Um dos primeiros pastores da Igreja Quadrangular brasileira foi um ex-evangelista da
Assembléia de Deus chamado Manoel de Mello. Em 1956, ele separou-se da Cruzada
Nacional de Evangelização, organizando a campanha “O Brasil Para Cristo”, da qual
eventualmente surgiu a igreja de mesmo nome. Manoel de Mello surpreendeu o mundo
evangélico em 1969, quando filiou a sua igreja ao Conselho Mundial de Igrejas, filiação
essa que perdurou até 1986.[11] Em 1979, a Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para
Cristo inaugurou o seu gigantesco templo em São Paulo, sendo orador oficial Philip
Potter, secretário-geral do CMI, e estando entre os presentes o cardeal arcebispo de São
Paulo, D. Paulo Evaristo Arns.[12]

Outra importante denominação da segunda onda pentecostal, a Igreja Deus é Amor, foi
fundada por David Miranda (nascido em 1936), filho de um agricultor do Paraná. Vindo
para São Paulo, converteu-se numa pequena igreja pentecostal e em 1962 iniciou a sua
igreja em Vila Maria. Pouco depois, a igreja transferiu-se para o centro da cidade e em
1979 foi adquirida a “sede mundial” da Baixada do Glicério, um dos maiores templos
evangélicos do Brasil, com capacidade para dez mil pessoas.[13]

A terceira onda histórica do pentecostalismo brasileiro começou no final dos anos 70 e


ganhou força na década de 80. Sua representante máxima é a Igreja Universal do Reino
de Deus (1977), mas existem outros grupos expressivos como a Igreja Internacional da
Graça de Deus (1980), as Comunidades Evangélicas, Igreja Renascer em Cristo,
Comunidade Sara Nossa Terra, etc. Segundo Paul Freston, essas igrejas representam
“uma atualização inovadora da inserção social e do leque de possibilidades teológicas,
litúrgicas, éticas e estéticas do pentecostalismo”.[14] A terceira onda começou após a
modernização autoritária do país, principalmente na área das comunicações, quando a
urbanização já atingia dois terços da população, o milagre econômico estava exaurido e
iniciava-se a “década perdida” dos anos 80. A onda começou e se firmou no Rio de
Janeiro economicamente decadente, com sua violência, máfias de jogo e política
populista. O novo pentecostalismo, também denominado “pentecostalismo
autônomo”[15] por alguns estudiosos, adaptou-se facilmente à cultura urbana
influenciada pela televisão e pela ética da nova geração. Uma das características do
movimento é o uso inteligente dos meios de comunicação de massa, nacionalizando um
pentecostalismo bem-sucedido nos Estados Unidos.[16]
Uma importante precursora dos grupos neopentecostais foi a Igreja de Nova Vida,
fundada pelo canadense Robert McAlister, que rompeu com a Assembléia de Deus em
1960. A Nova Vida foi pioneira de um pentecostalismo de classe média, menos
legalista, e investiu fortemente na mídia. Foi também a primeira igreja pentecostal a
adotar o episcopado no Brasil. Sua maior contribuição foi ter sido um “estágio” para
futuros líderes. Trabalhou com homens um pouco mais cultos e conhecedores do mundo
que os líderes da primeira e segunda ondas, e sugeriu-lhes um modelo pentecostal mais
culturalmente solto. Deu-lhes também uma formação indispensável para que se
tornassem independentes: segundo um ex-pastor, “a primeira coisa que aprendi na Nova
Vida foi como levantar uma boa oferta”.[17] Em sintonia com isso, a mensagem devia
ser sempre positiva. Era o transplante do que havia de mais recente na religião
americana, no estilo dos novos pregadores televisivos. A Vida Nova foi berço de três
grupos da terceira onda: a IURD, a Igreja Internacional da Graça de Deus (fundada por
Romildo R. Soares, cunhado de Edir Macedo, após um cisma na IURD) e a Igreja
Cristo Vive.

Uma influência significativa na Igreja de Vida Nova e no surgimento do movimento


neopentecostal como um todo foi a incipiente renovação carismática norte-americana.
Esse movimento surgiu de modo distinto no início dos anos 60 com a ocorrência de
fenômenos pentecostais fora das estruturas denominacionais do pentecostalismo
clássico, ou seja, nas chamadas igrejas históricas e em grupos não denominacionais.[18]
No Brasil, a chamada “renovação” produziu divisões em quase todas as igrejas
históricas, com a criação de grupos como a Igreja Batista Nacional, a Igreja Metodista
Wesleyana e a Igreja Presbiteriana Renovada. Para tornar esse quadro ainda mais
complexo, os anos 60 também testemunharam o aparecimento da “renovação
carismática católica”, que, apesar de uma relação nem sempre fácil com a hierarquia,
tem adquirido crescente visibilidade em anos recentes. Em contraste com o
pentecostalismo clássico, o movimento carismático, seja em sua modalidade evangélica
ou católica, tem atraído principalmente pessoas de classe média, daí a sua maior
preocupação com o decoro e a respeitabilidade do que se vê nos grupos populares.

Ao lado das manifestações espirituais extraordinárias como glossolália, curas, profecias


e exorcismo, os carismáticos e neopentecostais brasileiros caracterizam-se por uma forte
ênfase na “teologia da prosperidade,” outra influência norte-americana, difundida por
líderes como Kenneth Hagin e Benny Hinn. Este tem sido um dos principais elementos
do maior fenômeno ocorrido no protestantismo brasileiro nas últimas décadas: a Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD).[19] A igreja foi fundada por Edir Macedo
(nascido em 1944), filho de um comerciante fluminense. Macedo trabalhou por 16 anos
na Loteria do Estado do Rio de Janeiro, período em que subiu de contínuo até um cargo
administrativo. De origem católica, ele ingressou na Igreja de Nova Vida na
adolescência, deixando essa igreja para fundar a sua própria, inicialmente denominada
Igreja da Bênção. Em 1977, deixou o emprego público para dedicar-se integralmente ao
trabalho religioso. Nesse mesmo ano surgiu o nome Igreja Universal do Reino de Deus
e o primeiro programa de rádio. Macedo residiu nos Estados Unidos de 1986 a 1989.
Quando retornou ao Brasil, transferiu a sede da igreja para São Paulo e adquiriu a Rede
Record. Em 1990, a IURD elegeu três deputados federais. Macedo esteve preso por
doze dias em 1992, sob a acusação de estelionato, charlatanismo e curandeirismo.[20] O
acontecimento que deu maior publicidade à IURD nos últimos anos foi o episódio do
“chute na santa,” quando, em um programa de televisão transmitido em 12 de outubro
de 1995, o bispo Sergio von Helde referiu-se de modo desairoso à virgem Maria, dando
alguns chutes numa imagem da mesma.[21]

Outro grupo neopentecostal que também dá grande ênfase à teologia da prosperidade e


tem despertado muito atenção da imprensa nos últimos meses é a Igreja Renascer em
Cristo, fundada em 1985 pelo “apóstolo” Estevam Hernandes e sua esposa, a bispa ou
“episcopisa” Sônia Hernandes. À semelhança de outros líderes pentecostais, Estevam
teve uma origem humilde como filho de um jardineiro de cemitério e começou a
trabalhar aos 7 anos, fazendo carreto em feiras livres. Mais tarde, desiludido com o
catolicismo, filiou-se a uma igreja pentecostal, onde conheceu a futura esposa. Sete anos
depois, casaram-se e decidiram fundar sua própria igreja, que hoje conta com cerca de
50 mil fiéis e mais de 200 templos.[22] À semelhança dos pastores da IURD, o casal
Hernandes tem grande habilidade em conseguir contribuições dos fiéis; todavia, ao
contrário de Edir Macedo, ostenta com orgulho sinais de riqueza, como roupas caras,
jóias e automóveis importados. O casal é proprietário da rentável Rede Gospel de
Comunicação e procurou assumir o controle da Rede Manchete de televisão.

Devido às suas características intrínsecas e à sua capacidade de adaptação às


necessidades e expectativas de vastos setores da população brasileira, o movimento
neopentecostal está longe de perder o seu ímpeto. É possível que surjam novos
segmentos e os antigos grupos tomem rumos ainda insuspeitados.

2. Características do neopentecostalismo
Obviamente, o neopentecostalismo ou “pentecostalismo autônomo”[23] partilha das
mesmas convicções, valores e práticas do pentecostalismo clássico: ênfase nos dons
espirituais, especialmente os mais extraordinários (línguas, profecias, curas); forte
emotividade, especialmente nos cultos; ênfase à pessoa e atividade do Espírito Santo;
valorização da figura do líder (o “ungido do Senhor”); preocupação constante com as
forças do mal; e grande ênfase ao conceito de “poder.”

Todavia, os grupos neopentecostais distinguem-se da sua matriz ou por darem uma


ênfase incomum a determinados aspectos da herança pentecostal (por exemplo, curas,
revelações e exorcismo), ou por adotarem novas idéias e práticas, muitas delas
provindas dos Estados Unidos (como batalha espiritual, o “evangelho” da prosperidade,
maldição hereditária e assim por diante). Aliás, um dos traços mais marcantes do
neopentecostalismo é sua criatividade, sua capacidade de inovação. No esforço de
manter o interesse dos fiéis e evitar a rotina, continuamente são apresentados novos
slogans, ensinos e práticas. O melhor exemplo é a Igreja Universal do Reino de Deus,
com suas correntes de oração e suas campanhas de prosperidade (por exemplo, a
“fogueira santa de Israel”).

É curioso como a América do Norte continua a ser a fonte de inspiração para os


neopentecostais brasileiros, assim como o foi e continua sendo para os pentecostais
clássicos. Autores e pregadores como Kenneth Hagin, Morris Cerullo e Benny Hinn têm
exercido poderosa influência através dos seus livros, vídeos, programas de televisão e
visitas ao Brasil. Benny Hinn tem sido especialmente influente por encarnar alguns dos
valores mais apreciados em muitos círculos neopentecostais, como o sucesso e a
prosperidade, apesar de muitos de seus ensinos serem questionados por diferentes
observadores. Há alguns anos os fenômenos ocorridos na famosa Igreja do Aeroporto de
Toronto, no Canadá, também despertaram enorme curiosidade e desejo de imitação.
Essa igreja inicialmente estava filiada ao ministério Vineyard, fundado por John
Wimber na Califórnia, sendo depois desligada do mesmo devido aos seus excessos. A
chamada “bênção de Toronto” incluía práticas como gargalhadas incontroláveis (o “riso
santo”), cair no Espírito, ficar estendido no carpete, emitir sons de animais (urros,
latidos), tudo supostamente como conseqüência da presença do Espírito Santo.

Vejamos de modo mais específico algumas características neopentecostais nas áreas


doutrinária e prática.

2.1. Atitude quanto às Escrituras

A questão básica, da qual decorrem todas as demais, tem a ver com o lugar ocupado
pelas Escrituras na teologia das igrejas neopentecostais. Três fatores, entre outros,
contribuem para tornar relativo o valor das Escrituras em muitas igrejas:

(a) A ênfase na experiência: quando a experiência pessoal se torna um critério de


verdade, a Escritura tende a ficar em segundo plano; se, por exemplo, uma determinada
prática produz resultados ou faz a pessoa sentir-se bem, isso é o que importa.

(b) O apelo a revelações: obviamente, se alguém acredita que Deus continua a revelar-se
de maneira direta, imediata, isso tende a relativizar as Escrituras; elas não mais são a
revelação final de Deus, a única regra de fé e prática para o crente. Quando um pregador
diz “o Senhor me revelou ou o Senhor me mostrou isso ou aquilo”, tudo pode acontecer,
e é proibido questionar, pois é palavra do Senhor.

(c) Uso questionável das Escrituras: quando as Escrituras são utilizadas, muitas vezes
isso é acompanhado de interpretações tendenciosas, uso seletivo de certas passagens ou
ênfases inadequadas. Muitos ensinos e práticas neopentecostais têm alguma
fundamentação bíblica, mas recebem uma ênfase muito maior do que se vê nas próprias
Escrituras, no ensino de Cristo e dos apóstolos ou na prática da igreja primitiva.
Veremos adiante alguns exemplos disso.

Nesse aspecto, os reformadores do século 16 têm muito a nos ensinar:

Em primeiro lugar, com o seu princípio fundamental de “sola Scriptura”. Ou seja,


reagindo contra as tradições extrabíblicas do catolicismo medieval, os reformadores
afirmaram que somente a Escritura deve ser a norma, o padrão de fé e de conduta para o
cristão. Tudo o que não está de acordo com as Escrituras ou que não pode ser
claramente fundamentado nelas, deve ser firmemente rejeitado.

Em segundo lugar, através de princípios saudáveis e equilibrados de interpretação


bíblica: não isolar o texto do seu contexto, considerar o que a Bíblia inteira diz acerca
de um determinado assunto (a “analogia da Escritura”), levar em conta as circunstâncias
em que o texto ou livro foi escrito e a intenção original do autor (método histórico-
gramatical).

Em terceiro lugar, mostrando que não se deve fazer separação entre o Espírito e a
Palavra. Sendo o Espírito Santo o autor último das Escrituras, ele não pode dizer uma
coisa na Bíblia e outra coisa através de revelações especiais que conflitam com a
Escritura. Por exemplo, ele não pode dizer na Bíblia que ninguém sabe o dia da volta de
Cristo e depois revelar a alguém que Cristo vai voltar no ano tal e tal.

Neste último ponto, Calvino foi muito enfático em suas Institutas (Livro I, Capítulo IX),
ao condenar os “entusiastas” ou “libertinos” que queriam chegar a Deus por outros
meios que não as Escrituras. O reformador aponta para a reverência demonstrada pelos
primeiros cristãos para com a Escritura e mostra a contínua importância, necessidade e
validade da Palavra de Deus escrita (2 Tm 3.16-17). O Espírito Santo foi enviado, não
para revelar coisas novas, mas para lembrar aos cristãos o que Cristo havia ensinado (Jo
14.26). Qualquer “revelação” que vá além do evangelho bíblico deve ser rejeitada como
mentirosa (Gl 1.6-9). O Espírito Santo sempre atua em consonância com as Escrituras,
que dele provêm. Por outro lado, é o testemunho interno do Espírito que nos permite
reconhecer a Escritura como Palavra de Deus e experimentar a sua eficácia.

2.2 Ensinos e práticas

Vejamos alguns ensinos e práticas neopentecostais que revelam um entendimento


equivocado das Escrituras ou ênfases incompatíveis com as mesmas. É importante
lembrar que nem todas as igrejas apresentam as mesmas ênfases.

(a) Confissão positiva: esse ensino também é conhecido como “palavra da fé”. Segundo
o mesmo, se o cristão crê firmemente em algo e o declara de modo convicto e explícito,
aquilo que ele confessa irá acontecer, pelo poder da fé. Assim, a fé é vista como um
poder que tem eficácia em si mesmo. A idéia é que Deus já nos deu as suas bênçãos, as
suas promessas. A única coisa que temos a fazer é nos apropriar das mesmas, pela fé. A
fé libera o poder e as bênçãos de Deus. Sem essa fé, Deus nada pode fazer. E o que ativa
essa força ou poder da fé são as palavras. Se alguém fala palavras de fé, obtém bons
resultados e vice-versa (confissão positiva ou negativa). Tudo o que nos acontece é
conseqüência direta das nossas palavras. (Esses ensinos foram emitidos por autores
como Kenneth Copeland e Kenneth Hagin.)[24]

Esse conceito faz da fé e das palavras de fé algo mágico, supersticioso, como um


talismã. A Escritura ensina que a fé é um dom de Deus e que Deus atua e abençoa
mediante a fé ou independentemente dela, como Senhor que é. Por outro lado, fé não
significa força ou poder, mas uma atitude de confiança e dependência de Deus.

Associada com a confissão positiva está a idéia de posse, herança, como nas palavras de
um conhecido corinho: “Tudo que o Senhor conquistou na cruz, é direito nosso, é nossa
herança”. Assim, o crente deve “exigir” que Deus conceda as bênçãos e cumpra as
promessas. Com isso, o relacionamento com Deus deixa de ser baseado na sua livre e
soberana graça para concentrar-se em direitos e exigências.

(b) Saúde e prosperidade: essa é outra criação norte-americana que tem exercido um
fascínio tremendo em um país carente de recursos como o Brasil. Na realidade, essa
ênfase está mais de acordo com os valores da cultura americana do que com os valores
do evangelho. Certamente Deus promete bênçãos materiais aos seus filhos, entre as
quais se incluem saúde física e prosperidade financeira. Todavia, isso nunca foi uma
parte central da mensagem pregada por Cristo ou pelos apóstolos. Esses temas nunca
tiveram nos ensinos e na pregação deles o destaque que ocupa no culto e na vida de
tantas igrejas modernas.

Um dos aspectos mais preocupantes é a insistência unilateral em bênçãos materiais,


muitas vezes em detrimento de saúde e prosperidade na vida espiritual, no
relacionamento com Deus, na vida emocional, nas relações familiares, na vida
comunitária. Essa preocupação materialista e individualista casa-se muito bem com os
interesses da sociedade de consumo, mas não com o evangelho que nos conclama a
repartir, a ser solidários com os outros, que nos convida a amar a Deus pelo que Deus é,
independentemente do que ele possa nos dar.

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) é a que mais se destaca nessa área, pois
que toda a sua atividade gira em torno do trinômio exorcismo-cura-prosperidade. Daí
vermos, pela TV ou em outros ambientes, cenas desagradáveis de pregadores que
condicionam o recebimento de bênçãos à entrega das maiores ofertas possíveis, ou,
como costumam dizer, ao “sacrifício” dos fiéis. Esse não é o evangelho da graça
anunciado por Cristo e pregado pela igreja apostólica, um evangelho que não se baseia
em merecimentos humanos ou conquistas humanas, mas que se fundamenta no amor de
Deus oferecido gratuitamente em Cristo. (“De graça recebestes, de graça daí” – Mt
10.8b; ver 1 Co 2.12). Jesus ensinou claramente os seus discípulos a não buscarem
prioritariamente bênçãos materiais, e sim a buscarem em primeiro lugar o reino de Deus
e a sua justiça, “e todas estas coisas [alimento, vestes, saúde] vos serão acrescentadas”
(Mt 6.33).

(c) Batalha espiritual:[25] dentre as várias correntes de batalha espiritual, uma das mais
populares no Brasil é aquela liderada por C. Peter Wagner, diretor e professor da Escola
de Missões Mundiais do Seminário Fuller, na Califórnia. Wagner é também um dos
principais expoentes do “movimento do crescimento da igreja”. Um ensino
característico dessa corrente é a noção de “espíritos territoriais”, isto é, demônios que
mantêm determinadas regiões geográficas sob o domínio da incredulidade e do pecado.
No Brasil, uma das principais divulgadoras dessas idéias é a autora Neuza Itioka, que já
escreveu vários livros sobre o assunto.

A batalha espiritual vê a realidade acima de tudo em termos de um conflito mortal entre


Deus e o maligno, tendo como campo de batalha o mundo e as vidas dos crentes. Deus
passa a ser visto como um Deus guerreiro, um “homem de guerra”, e existe um grande
número de corinhos que explora essa temática. Com muita freqüência essa questão é
abordada em termos triunfalistas: como o Senhor está ao nosso lado, ninguém pode
conosco, nenhum mal nos atingirá, como afirmam certos versículos dos Salmos e outros
livros. Nos últimos anos, incorporaram-se ao vocabulário evangélico certas expressões
que antes nunca haviam sido usadas pelos crentes: “Eu repreendo isso ou aquilo” ou
“Está amarrado em nome de Jesus”.

Novamente, o problema com esse ensino não é o seu caráter extrabíblico. A Escritura
certamente fala, e muito, sobre o conflito entre Deus (e seus filhos) e as hostes do mal,
como na conhecida passagem de Efésios 6.10-20. O problema está em certas
implicações ou conclusões, nem sempre fundamentadas de modo claro nas Escrituras,
mas derivadas da imaginação fértil dos autores. Alguns exemplos: demônios territoriais,
cristãos possuídos pelo demônio, demônios com nomes fantasiosos, demônios coloridos
ou mal-cheirosos e assim por diante. Nada disso é apoiado pelas Escrituras.

Outra tendência preocupante é relacionar todo problema ou pecado com algum


demônio. Se a pessoa é preguiçosa, está possuída ou influenciada pelo demônio da
preguiça; se é ansiosa ou depressiva, está sob a influência do demônio da depressão. Daí
a preocupação em expulsar ou em amarrar demônios a torto e a direto. Esses ensinos,
que muitas vezes não passam de meras opiniões, deixam de levar em conta o ensino
bíblico de que vivemos em um mundo decaído, que sofre as conseqüências do pecado e
do juízo de Deus contra o mesmo. Nem todo “mal” vem do demônio: há males que
decorrem das nossas limitações, das circunstâncias do mundo (catástrofes naturais, por
exemplo, que atingem tanto crentes quanto descrentes) e o próprio Deus pode enviar
males com propósitos de juízo ou de disciplina (Is 45.7; Hb 12.4-13).

A preocupação desmedida com as forças malignas não reflete o ensino equilibrado das
Escrituras, cria temores desnecessários nas pessoas e pode ser um instrumento de
manipulação emocional. Por outro lado, pode minimizar a responsabilidade individual
ou coletiva por muitos pecados e erros: é mais fácil justificar certas coisas atribuindo-as
à ação do inimigo. A obsessão pelo diabo também pode obscurecer a glória de Deus.
Ainda que o maligno seja poderoso, ele não é todo-poderoso, como às vezes se imagina.
Somente Deus é o Senhor supremo de todas as coisas. O próprio demônio está debaixo
da sua autoridade.

Certamente, não devemos subestimar as forças espirituais do mal. O Senhor mesmo nos
ensinou a orar: “Livra-nos do mal”. Mas nessa luta temos de usar as armas oferecidas
pelo próprio Deus e não os artifícios humanos e as práticas supersticiosas que têm sido
apregoados por tantos.

(d) Maldição hereditária: essa é outra área de sérias distorções. Toma-se um texto
isolado como Êxodo 20.5, onde Deus afirma que castiga a maldade dos pais nos filhos
até a terceira e quarta gerações, e se constrói toda uma doutrina a partir daí, uma
doutrina que nunca foi ensinada por Cristo e pelos apóstolos. Para a libertação ou
quebra da maldição seria necessário fazer uma árvore genealógica da família, identificar
as pragas, maldições, pecados e pactos com demônios feitos pelos antepassados e anulá-
los, quebrando-os e rejeitando-os em nome de Jesus Cristo.

Porém, qual é o ensino mais amplo das Escrituras sobre o assunto? Se é verdade que os
pecados de uma geração podem ter sérias conseqüências para os seus descendentes,
existem outras passagens sobre o assunto que devem ser levadas em consideração. É o
caso de Ezequiel 18, em que Deus mostra que a responsabilidade moral é pessoal e
individual: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai...”
(vv. 4b, 20). Pela conversão e retidão de vida, o indivíduo está livre da “maldição” dos
pecados de seus antepassados (vv. 14-19). O segundo mandamento (Êxodo 20.5) prevê
a visitação do juízo divino sobre os descendentes de ímpios que também aborrecem a
Deus como seus pais. Além disso, o Novo Testamento nos ensina que Cristo resgatou os
crentes da maldição da lei (Cl 2.13-15; Gl 3.13) e que nenhuma condenação resta para
os que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1).

Isso nos leva a um outro ponto importante, que é a tendência de muitos neopentecostais
de tirarem conclusões apressadas de passagens do Antigo Testamento, sem procurar
entendê-las à luz da revelação mais plena de Deus em Jesus Cristo e no Novo
Testamento. É preciso lembrar sempre que o Novo Testamento é a chave para a
interpretação do Antigo. Como Jesus disse: “Ouvistes que foi dito aos antigos... eu,
porém, vos digo...”.

(e) Exorcismos: a maneira como a expulsão de demônios é praticada em muitas igrejas


ou mesmo em programas de televisão soa muito estranha à luz do ensino bíblico sobre a
matéria. Jesus ocasionalmente expulsou demônios e o mesmo fizeram os apóstolos. Em
igrejas como a IURD e outras, os exorcismos são parte regular dos cultos, recebendo
uma ênfase totalmente desproporcional à sua importância. Novamente repete-se o
mesmo padrão: toma-se um ensino ou elemento bíblico e dá-se a ele uma ênfase muito
maior do que a encontrada nas próprias Escrituras.

Não raro, as sessões de exorcismo transformam-se em verdadeiros shows cheios de


teatralidade, com a finalidade de impressionar o auditório. Os exorcistas dialogam com
o “demônio”, brincam com ele e submetem a pessoa possessa a grandes humilhações,
expondo o seu sofrimento diante de todos. Curiosamente, a maior parte das pessoas
possessas pertence ao sexo feminino, como se as mulheres fossem mais pecadoras ou
mais frágeis espiritualmente que os homens.

(f) Profecias: outra prática comum de certos grupos neopentecostais são as profecias,
supostamente recebidas mediante revelações. Com freqüência, tais profecias expressam
meros desejos ou expectativas do “profeta” em relação a uma pessoa ou grupo, mas são
proferidas em tom dogmático, como se fossem tão inspiradas quanto a Bíblia. Muitas
vezes, as profecias não se cumprem, os seja, são falsas profecias, o que faz de seus
anunciadores falsos profetas, mas ninguém se lembra de pedir desculpas, de reconhecer
que errou, que não estava falando a palavra do Senhor.

Em seu livro Evangélicos em crise, Paulo Romeiro cita uma profecia feita por Benny
Hinn no dia 16 de março de 1994, quando falava na Igreja Renascer, em São Paulo.[26]
Ele começou, dizendo: “O Deus Todo-Poderoso está me dizendo que esta cidade de São
Paulo vai se dobrar ao nome de Jesus”. A seguir, ele afirmou que brevemente ocorreria
a destruição dos poderes satânicos que controlavam a cidade e que dentro de seis meses
a atmosfera espiritual de São Paulo iria começar a mudar. Como prova disso uma
mulher muito conhecida, que estava enfeitiçando milhares de pessoas, iria morrer.
Líderes políticos nasceriam de novo. Dentro de dois anos (1996), os crentes iriam dizer:
“Deus tem feito grandes coisas”. Por fim, ele afirmou que Deus iria usar Estevam
Hernandes para ser uma influência poderosa sobre os líderes políticos do Brasil, e
concluiu: “Marquem minhas palavras. Não é Benny Hinn quem está falando. Assim diz
o Senhor!”

Uma área em que as profecias continuam se multiplicando, apesar dos repetidos


malogros de predições anteriores, diz respeito à data da volta de Cristo. Isso ocorreu de
modo especial ao aproximar-se o ano 2000. Paulo Romeiro também narra as afirmações
feitas pela conhecida pastora Valnice Milhomens no programa “Palavra da Fé”,
transmitido em 1990 pela Rede Bandeirantes.[27] Ela afirmou inicialmente: “Deus
reservou para nossa geração a plenitude de todas as coisas... Esta é a geração que verá
cada palavra que está escrita na profecia vindo ao seu cumprimento. Nos próximos dez
anos haverá mais profecias se cumprindo do que em todos os anos passados”. A seguir,
apelando para várias revelações e fazendo uma série de cálculos aritméticos, ela
concluiu que tudo se cumprirá na presente geração (40 anos), que começou em 1967 e
terminará no ano 2007.

(g) Questões éticas: outra área que tem gerado preocupação quanto a algumas igrejas e
líderes neopentecostais refere-se ao aspecto ético. É claro que todo e qualquer cristão
está sujeito a cair, a cometer erros de maior ou menor gravidade. Todavia, certas
práticas são difíceis de justificar à luz dos padrões bíblicos. Alguns exemplos: (1) Área
financeira: existem igrejas e ministérios que não são transparentes quanto à maneira
como recolhem e gastam as contribuições dos fiéis. Há alguns anos atrás, nos Estados
Unidos, houve alguns casos notórios de desonestidade que resultaram até na prisão de
um conhecido líder carismático, Jim Baker. Um caso famoso de chantagem na área
financeira foi protagonizado pelo conhecido evangelista Oral Roberts. Será que no
Brasil seria diferente? As práticas da IURD e o estilo de vida do casal Hernandes não
têm contribuído para projetar uma boa imagem dos evangélicos junto à sociedade
brasileira. (2) Área política: o crescente envolvimento dos neopentecostais com a
política partidária não tem sido salutar para o testemunho evangélico em nosso país.
Apesar do discurso de defesa dos interesses da comunidade evangélica ou da sociedade
em geral, o que provavelmente está em vista é a defesa de agendas bem mais específicas
e menos edificantes. Os precedentes nessa área não são nada animadores, como a troca
de votos por concessões de rádio na época do presidente Sarney e a triste participação
de evangélicos nas falcatruas do orçamento do Congresso, há alguns anos. (3) Área
moral: o culto à personalidade que caracteriza certos movimentos e a noção de que não
se pode tocar no “ungido do Senhor,” abre as portas para que certos líderes caiam em
pecado e continuem a encontrar seguidores.

Conclusões
Muito mais poderia ser dito sobre o movimento neopentecostal. Estes são apenas alguns
pontos salientes, que obviamente não esgotam o assunto. Por uma questão de justiça, é
preciso reconhecer que há muitos pastores, crentes e igrejas neopentecostais que são
íntegros, bem-intencionados e fiéis ao Senhor. Esses irmãos têm sido instrumentos para
a conversão e transformação de vidas de milhares de brasileiros, muitos deles
anteriormente escravizados pelos vícios, vivendo em miséria e violência. Um número
incontável de pessoas tem encontrado nas igrejas pentecostais e neopentecostais um
ambiente de calor humano, dignidade e valorização pessoal que jamais haviam
experimentado até então. As igrejas neopentecostais têm trabalhado entre grupos não
alcançados pelas igrejas tradicionais: de um lado, favelados, viciados, aidéticos,
presidiários e outras pessoas marginalizadas; de outro lado, atletas, artistas e outros
grupos mais elevados na escala social. Todavia, por mais que admiremos estes
elementos positivos e sejamos gratos a Deus por eles, não podemos fechar os olhos para
os aspectos preocupantes apontados anteriormente.

Há 250 anos viveu nos Estados Unidos o notável servo de Deus que foi Jonathan
Edwards (1703-1758).[28] Um legítimo descendente dos puritanos, esse pastor e
teólogo calvinista foi um dos instrumentos do Grande Despertamento ocorrido nas
décadas de 1730 e 1740. Edwards foi um atento observador e crítico desse grande
reavivamento, deixando suas impressões nos diversos livros que escreveu sobre o
assunto. Ele constatou que o avivamento tinha aspectos positivos e negativos. De um
lado, conversões, consagração de vidas, mudanças nos relacionamentos, atuação social;
de outro lado, emocionalismo exacerbado, superficialidade, manipulação por pregadores
inescrupulosos, atração por fenômenos espetaculares. Ele mesmo e a sua esposa tiveram
experiências que consideraríamos incomuns. Sua conclusão geral sobre o assunto é que
existem certos sinais, evidências ou frutos visíveis que demonstram se uma determinada
experiência religiosa é genuína ou não: convicção de pecado, seriedade nas coisas
espirituais, preocupação com a glória de Deus, apego às Escrituras, mudança no
comportamento ético, relações pessoais transformadas e influência regeneradora na
comunidade.

Portanto, o que se espera de nós, crentes presbiterianos, herdeiros da tradição


reformada, diante do desafio do neopentecostalismo, é uma posição de equilíbrio e
coerência, procurando aprender com o que as novas igrejas têm de positivo e saudável,
mas rejeitando firmemente, com base nas Escrituras e na fé cristã histórica, os desvios,
os exageros, as distorções humanas.

Algumas recomendações práticas:

a) Procuremos ler bons livros sobre o assunto, principalmente aqueles escritos de


uma perspectiva reformada.[29] Infelizmente, existe muita coisa ruim nas nossas
livrarias evangélicas.

b) Sejamos como os crentes bereanos (Atos 17.11), julgando todas as coisas e


retendo o que é bom (1 Ts 5.21).

c) Observemos o conselho de Paulo, seguindo a verdade em amor (Ef 4.15) e


crescendo em tudo (inclusive na maturidade e discernimento) naquele que é o cabeça,
Cristo.

d) Sejamos estudantes sérios e criteriosos das Escrituras, dos nossos padrões


doutrinários e da história da igreja.

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[1] Ver o estudo da Comissão Permanente de Doutrina da IPB. Igreja Universal do


Reino de Deus: sua teologia e sua prática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p.
20-21.

[2] Ver Alderi S. Matos. Edward Irving: precursor do movimento carismático na igreja
reformada. Fides Reformata 1:2 (Jul-Dez 1996), p. 5-12.

[3] Ver o estudo de Émile-G. Léonard, O iluminismo num protestantismo de


constituição recente (São Paulo: Programa Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências
da Religião, 1988). Para o professor Léonard, “iluminismo” significa misticismo,
iluminação interior.
[4] Para as origens teológicas e históricas do pentecostalismo norte-americano, ver
Donald W. Dayton, Theological roots of Pentecostalism. Peabody, Massachusetts:
Hendrickson Publishers, 1987.

[5] Paul Freston. Breve história do pentecostalismo brasileiro. Em: Alberto Antoniazzi e
outros. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo.
Petrópolis: Vozes, 1994, p. 70-71.

[6] Fazendo um levantamento do protestantismo brasileiro em 1931, Erasmo Braga


curiosamente menciona apenas de passagem as igrejas pentecostais. Todavia, os dados
estatísticos que aduz ao final do livro mostram que a Assembléia de Deus já despontava
como uma das principais denominações presentes no país. Erasmo Braga e Kenneth G.
Grubb. The Republic of Brazil: a survey of the religious situation. Londres: World
Dominion Press, 1932, pp. 69, 101s, 141.

[7] Freston faz uma observação interessante sobre a Assembléia de Deus: no período em
questão (1910-1950), ela tornou-se a igreja protestante nacional por excelência, sendo a
única grande igreja evangélica a implantar-se e irradiar-se fora do eixo Rio-São Paulo.
“Breve História”, p. 70-71.

[8] Escrevendo em 1952, o professor Émile-G. Léonard opinava haver nas


Congregações Cristãs “uma profunda fraqueza, que faz com que não as possamos
considerar absolutamente protestantes” – o limitado papel reservado à Bíblia. O
protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. São Paulo:
JUERP/ASTE, 1981, p. 350.

[9] Freston, “Breve História”, p. 72.

[10] Duncan Alexander Reily. História documental do protestantismo no Brasil. 2ª


impr. rev. São Paulo: ASTE, 1993, p. 388-391.

[11] Ibid., 376-378; Freston, “Breve História”, p. 124-25. Freston opina que a filiação
foi um “casamento de conveniências”. O CMI precisava de pentecostais e Manoel de
Mello, embora discordasse da teologia do CMI, queria publicidade e auxílio para
projetos sociais.

[12] Reily, História Documental, p. 378-79.

[13] A Igreja Deus é Amor até hoje não utiliza a televisão, mas é proprietária de uma
rede de emissoras de rádio e transmite os seus programas para toda a América Latina.
Ver Leonildo S. Campos, O milagre no ar: levantamento de técnicas persuasivas num
programa radiofônico em São Paulo. Simpósio – Revista Teológica da ASTE 5/2
(dezembro de 1982).

[14] Freston, “Breve História”, p. 71.

[15] Nesse sentido, designa aqueles grupos pentecostais que surgiram fora das grandes
denominações brasileiras, pentecostais ou protestantes, fundados e liderados por
empreendedores religiosos que preferiram estabelecer-se por conta própria, sem
vínculos, inclusive, com missões estrangeiras. Ver Leonildo Silveira Campos, Teatro,
templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal.
Petrópolis e São Paulo: Vozes/Simpósio/UMESP, 1997, p. 18.

[16] Leonildo Silveira Campos, “Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil:


Aproximações e Conflitos,” em Na Força do Espírito: Os Pentecostais na América
Latina – Um Desafio às Igrejas Históricas (São Paulo: Pendão Real, 1996), 84.

[17] Freston, “Breve História”, p. 132-33.

[18] Ver Charismatic movement, em Stanley M. Burgess e Gary B. McGee (orgs.).


Dictionary of Pentecostal and Charismatic movements. Grand Rapids: Zondervan,
1988, p. 130.

[19] Sobre a relação entre a IURD e a teologia da prosperidade, ver Freston, “Breve
História”, p. 146-153.

[20] Freston, “Breve História”, 153-56. Para uma análise completa da IURD em toda a
sua complexidade, ver a obra de Leonildo S. Campos, Teatro, Templo e Mercado.
Campos é professor da Universidade Metodista de São Paulo, no programa de Ciências
da Religião.

[21] A revista Veja publicou uma entrevista com o bispo Von Helde na sua edição de 1º
de novembro de 1995, p. 50-53. O episódio do “chute na santa” exacerbou ainda mais
uma confrontação entre a IURD e a Rede Globo que vinha ocorrendo há vários meses.

[22] Revista Veja, 20 de janeiro de 1999.

[23] Por “pentecostalismo autônomo” são designadas as denominações dissidentes do


pentecostalismo clássico (oriundo dos Estados Unidos) e/ou formadas em torno de
lideranças fortes.

[24] Ver Hank Hanegraaff. Christianity in crisis. Eugene, Oregon: Harvest House
Publishers, 1993, p. 61-102.

[25] Sobre esse tema, ver o excelente estudo do Dr. Augustus Nicodemus Lopes. O que
você precisa saber sobre batalha espiritual. 2ª ed. revisada e ampliada. São Paulo:
Editora Cultura Cristã, 1998.

[26] Paulo Romeiro. Evangélicos em crise: decadência doutrinária na igreja brasileira.


3ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1997, p. 88-89.

[27] Ibid., p. 183-84.

[28] Ver Alderi S. Matos. Jonathan Edwards: teólogo do coração e do intelecto. Fides
Reformata 3/1 (Jan-Jun 1998), p. 72-87.

[29] Por exemplo, John F. MacArthur, Jr. Os carismáticos: um panorama doutrinário. 3ª


ed. São José dos Campos: Editora Fiel, 1995.

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