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Resumo:
A compreensão do Museu como um simples ‘modo de narrar e apresentar
alguma coisa’ demonstra uma posição passiva frente àquilo que é narrado e
apresentado pelo museu. Isto é, o visitante não é incentivado a participar de forma
ativa desta experiência. Faz-se então necessário uma relação dialógica entre público e
Museu, que possibilite uma atuação deste último com ênfase no desenvolvimento
social e como espaço de diálogo entre os diversos atores e as diversas versões
acerca do Real.
1
Texto baseado na monografia de final de curso, ‘Museologia é coisa séria! Humor gráfico, Museu e produção de
sentidos’, do curso de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, de abril de 2005.
2
SCHEINER, Tereza C. M. Apolo e Dioniso no Templo das Musas: Museu – gênese, idéia e representações em
sistemas de pensamento da sociedade ocidental. 1998. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) - ECO/
UFRJ, Rio de Janeiro
3
SANTAELLA, Lúcia. Cultura das Mídias. São Paulo: Experimento, 1996. p. 160
Entendido no âmbito da mediação, o Museu pode ser visto como processo de
construção, no qual os discursos promovidos por ele tornam-se potências de
mudança, transformação e conhecimento, auxiliando na construção de novas
realidades, ou, ainda, de reprodução, veiculando e firmando uma ordem e uma
verdade já estabelecidas por grupos hegemônicos, que têm no museu um espaço de
legitimação e difusão. Assim, Museus podem ser compreendidos como discursos e
como lugares privilegiados de manifestação destes, cujas estratégias discursivas se
desenvolvem, principalmente, através da linguagem expositiva.
Como instância mediadora, o Museu deve promover a comunicação, sempre
numa ‘via de mão dupla’, entre o público e o seu discurso, expresso através das
linguagens utilizadas na exposição, em função dos seus acervos. No entanto, para
que o processo de comunicação se efetue de fato, é necessária a coexistência de
algum elemento reconhecível entre Museu e público. E, além de expressar-se de
forma compreensível ao público, o Museu também deve incentivar a sua participação
expressiva, permitindo o diálogo necessário para a construção do museu como espaço
social interativo, potência de reflexão e dinâmica social.
Contudo, se Museu e público não falam a mesma língua, não produzem
movimentos compreensíveis entre si e não compartilham qualquer forma de
identificação necessária para o diálogo verbal ou não-verbal, a relação que pode ser
construída na exposição passa de potência à inércia.
A inexistência de compreensão dos termos, das realidades ordenadoras, de
funções que podem ser desempenhadas enquanto promotor simbólico e cultural e a
total falta de identificação afetiva do público cerceiam qualquer tipo de interação e
diálogo criativo que possa existir entre o visitante e o Museu. Dessa maneira, o Museu
torna-se instância na qual o público não se vê representado ou não se reconhece
como sujeito individual ou coletivo, portanto, torna-se alheio à sua realidade. Isto pode
dificultar o processo comunicacional e a circulação e produção de sentidos, abrindo
precedentes para sua compreensão como um simples ‘modo de narrar e apresentar
alguma coisa’.
A compreensão do Museu como ‘um modo de narrar e apresentar’ demonstra
uma posição passiva frente àquilo que é narrado e apresentado pelo Museu. Isto é, o
visitante não é incentivado a participar de forma ativa desta experiência. Sua
participação se resume, basicamente, à posição de receptor passivo4 que não
intervem e elabora na construção dos significados. Assim, espera respostas prontas e
que não dependem da elaboração mental, pois tudo já se encontra racionalmente e
coerentemente pronto por especialistas, pessoas que possuem a legitimação da fala
nestes espaços. No entanto, esta relação que se baseia apenas na recepção passiva
do visitante – como se este não fosse capaz de participar e sugerir diálogos -, pode
gerar desinteresse e apatia, dificultando a compreensão e a construção do museu e da
exposição como espaços interativos e de dinâmica social.
Martín-Barbero5, propondo a mudança de foco dos meios para as mediações,
permite-nos compreender que caso as mensagens, os conteúdos e os temas não
sejam ligados aos cotidianos dos receptores, dificilmente a experiência será vivida de
maneira intensa e criativa. Cury6, respaldada no autor citado anteriormente, afirma que
“a comunicação museológica só se efetiva quando o discurso do museu é incorporado
pelo visitante e integrado ao seu cotidiano, agora como um novo discurso”.
Parte fundamental da constituição do Homem, o afeto está presente e constitui-
se em suas relações com o Mundo. Também fazem parte os sentidos (visão, tato,
4
Na verdade, sabemos que o receptor nunca é passivo, pois ele sempre compreende os enunciados a partir de textos
previamente experimentados por ele enquanto sujeito social. Desse modo, utilizamos o termo receptor passivo para
nos referirmos à etapa posterior à interpretação, quando os sentidos produzidos pela decodificação das mensagens da
exposição não são (re)significados pelo visitante de maneira criativa no seu cotidiano.
5
MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações – comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2003.
6
CURY, Marilia Xavier. Os usos que o público faz do museu: a (re)significação da cultura material e do museu. MUSAS
– Revista Brasileira de Museus e Museologia, Rio de Janeiro, IPHAN/DEMU, vol.1, n.1,2004. p. 91
olfato, audição e paladar) e as emoções. Seria então possível conceber uma
exposição em que tais elementos não estivessem presentes, em momento algum – e
aqui lembramos que a exposição não deve se encerrar quando o circuito acaba -,
enquanto linguagens da exposição?
O afeto, como valor intrínseco ao patrimônio, e os sentidos e as emoções,
lançados como linguagens, podem ser estratégias utilizadas como forma de efetuar
não somente a comunicação, mas também a identificação entre dois elementos
produtos e produtores de sentidos, enunciadores e enunciatários de discursos.
Expondo e propondo objetos e idéias, o Museu deve investir nos aspectos
subjetivos e na estrutura cognitiva de cada visitante, de modo a incitar a percepção do
destinatário a ligar a sua história, a sua visão de mundo, aquilo que observa no
Museu. É neste sentido que Schouten7 afirma que a eficiência de uma exposição não
deve ser medida apenas quando os visitantes deixam uma galeria, mas também pela
curiosidade que demonstram pelo assunto abordado pela exposição.
Assumindo identidades que não são únicas, constantes e imutáveis, mas sim
plurais, fragmentadas e, principalmente, como ressalta Hall8, relativizadas de acordo
com as situações, o homem contemporâneo vivencia o Real de acordo com sua
compreensão e posicionamento frente ao mundo e a si mesmo. As memórias afetivas
constituem-se em elementos por vezes determinantes na maneira de vivenciar e
expressar estas experiências que envolvem as relações, como num sistema de trocas,
dele com ele próprio e dele com a sociedade e o meio.
Dessa maneira, torna-se relevante que a exposição, Principal instância de
mediação dos museus, tenha ligação direta ou indireta com o contexto de produção
de sentidos do visitante, para que assim haja diálogo. Para tal, é preciso que o
visitante compreenda não só o tipo de linguagem utilizada, como também se sinta
entusiasmado a participar dialogicamente, partindo do pressuposto de que será ouvido
e influenciará de forma ativa no diálogo. E, caso isto signifique o riso ou o choro, o
grito ou o silêncio (pois o Homem contemporâneo já se permite surpreender-se, sentir-
se incomodado, rir e se apaixonar), estes devem ser compreendidos como respostas e
demandas por novas experiências.
7
SCHOUTEN, Fransz. Visitor's Perception: the right approach. In: Exhibition design as an educational tool.
Reinwardt Studies in Museology, (Col.) Leiden: Reinwardt Akademie, 1983.
8
HAll, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.
meios de legitimação de seus discursos determinam como a única possível ou dotada
de significado.
Estas exposições, ainda que guardando as devidas proporções, procuravam
produzir sentidos acerca da identidade brasileira, buscando construir uma memória
nem sempre de acordo com a realidade heterogêna brasileira. Nelas, a ausência de
participação popular estava clara não somente na seleção de termos, conteúdos e
estruturas organizacionais para elaboração de mensagens e conteúdos que deveriam
ser passados durante as exposições, mas também na ausência de referências à
realidade plural brasileira, sempre representada de forma parcial, levando a crer que
aquela era a única forma de representação possível.
O Museu Histórico Nacional, idealizado como uma ‘ação salvadora’ para
ensinar o povo a amar o passado, e os objetos que o representavam9, teve como
função construir uma representação oficial e gloriosa acerca da história brasileira,
sem, contudo, considerar a historia brasileira plural, cheia de diversidades e
autoritarismos. Criado pelo Estado com o objetivo de produzir sentidos acerca do
imaginário da população sobre a grandiosa Pátria, seus homens, seus
elementos/artefatos culturais e simbólicos, o Museu Histórico Nacional constituiu-se
num ideário formulado pela elite acerca de uma Nação brasileira idealizada, sem
indícios de participação popular.
9
TOSTES, Vera L. B. Museu Histórico Nacional, A.D. 2002 – Oito décadas de um projeto museológico em movimento.
In: HISTÓRIA REPRESENTADA: O DILEMA DOS MUSEUS, 2003, Rio de Janeiro. Livro do Seminário Internacional.
Rio de Janeiro: Livros do Museu Histórico Nacional p.63 – 74.
10
PINTO, Milton J. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos, 2a. ed., São Paulo: Hacker
Editores, 2002.
O grau de participação do visitante pode se dar de distintas maneiras, mas é
fundamental que ele perceba que aquela não é a única maneira de se compreender e
se reinventar a realidade, sentido-se livre para reconstruir aquela experiência em seu
interior. A exposição é um diálogo entre o Museu, seja qual foi a sua categoria
conceitual, e o público. É essencial que o visitante consiga compreender, à sua
maneira, o quê, por quê, para quê e para quem está se falando. Para tal, não somente
a língua, os códigos lingüísticos sociais e a classificação e organização das formas e
conteúdos devem ser levados em consideração, mas também elementos que
propiciem identificação, interesse, curiosidade e, principalmente, liberdade para que o
visitante possa, dialogicamente, se expressar, como observador e interventor da
realidade.
O Museu não deve estar condenado a possuir uma única forma em cada
conjuntura ou período. Constituindo-se como elemento potencialmente dinâmico e de
produção de conhecimento, o Museu é capaz de gerar curiosidade, debates e
reflexões, podendo atuar com ênfase no desenvolvimento social e como espaço de
diálogo entre os diversos atores e as diversas versões acerca do Real. No entanto,
para que isso aconteça, é fundamental o respeito e a compreensão do tempo do
visitante, além da liberdade de possibilidades de interpretação.
Acreditamos que ao Museu não cabe dar respostas, mas dar/produzir os
elementos necessários para que cada visitante experimente reconstruir no seu interior
o processo expositivo, a fim de que os sujeitos possam se interessar cada vez mais
pelos assuntos abordados, incentivando a busca do conhecimento produzido como
processo e não como elemento previamente dado e encerrado. E aqui ressaltamos
que a exposição pode ser um processo que viabiliza experimentos educacionais,
comunicacionais e sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: