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Projeto de Pesquisa – Kasimir Malevitch e o mundo não-objetivo

(Material de apoio às disciplinas AUH 2802 – Introdução à arte e à arquitetura e


AUH 2804 – Introdução à arte e à arquitetura II)

Aluno: Bruno Schiavo


Número USP: 5403287
Matriculado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Orientador: Prof. Dr. Agnaldo Farias

Bolsa de Iniciação Científica PIC USP/CNPq – 2009/2010


1. TÍTULO DO PROJETO

Kasimir Malevitch e o mundo não-objetivo.

2. JUSTIFICATIVA

“Alegramo-nos por poder publicar, pela série Bauhausbücher1, o presente trabalho do


significativo pintor russo Kasimir Malevitch, por maior o distanciamento que tome em relação ao
nosso ponto de vista a respeito de questões fundamentais. O outro lado até aqui por nós
desconhecido joga luz sobre a pintura russa moderna e as concepções referentes a Arte e a Vida
daqueles que a sustentam.
Dessau, Novembro de 1927
O comitê editorial”2

“Wir freuen uns, das vorliegende Werk des bedeutenden russischen Malers malevitsch in der Reihe
der Bauhausbücher veröffentlichen zu können, obwohl es in grundsätzlichen Fragen von unserem
Standpunkt abweicht. Es beleuchtet jedoch die moderne russische Malerei, die Kunst und
Lebensauffassung ihrer Träger von einer neuen, uns bisher unbekannten Seite.
Dessau, November 1927
Die Schriftleitung”

Em 1922 acontecia em Berlim a Primeira Exposição Russa das produções artística,


arquitetônica e relacionadas ao design provenientes do recém-formado Estado soviético, organizada
por El Lissitzky. Desta mostra participaram, entre outros, Vladimir Tatlin, Aleksander Rodchenko e
Kasimir Malevitch, reunindo assim as principais linhas teóricas em desenvolvimento dentro da
vanguarda construtivista russa: o produtivismo e o suprematismo. Apesar do forte impacto e da
influência exercidos pela totalidade da produção soviética apesentada, a cada uma dessas linhas coube
uma assimilação diferente por parte da Bauhaus, guardando a primeira maiores semelhanças com as
transformações por que passava a escola alemã. Tal transição ocorria na direção do abandono do
caráter artesanal e expressionista que havia predominado em sua produção até então e, do ponto de
vista programático, na incorporação do princípio da industrialização de bens em larga escala,
cristalizando-se gradualmente o conceito de forma-função como diretriz teórica.
Ao longo da década de 20 coube a Malevitch crescente isolamento no seio das vanguardas
construtivas, tanto por parte da fração alemã quanto da soviética3. Por um curto período (1924-26),
entretanto, pôde o mesmo ter sido diretor do GINChUK, Instituto Estatal de Cultura Artística, sediado
em Leningrado. Ali, tentando munir-se de espírito científico mais apurado, Malevitch pretendia
implementar um programa semelhante àquele que levara a cabo durante curto período em 1919
quando no grupo UNOVIS, cujos traços mais característicos seriam a ênfase no experimentalismo em
práticas artísticas e projetuais e diversas tentativas de novas formas de aprendizado coletivo, revelando
uma atitude de autonomia do artista diante das contingências exteriores à sua ligação com a matéria
das obras, ou aquelas relacionadas às convenções acadêmicas de “conteúdo” narrativo ou temático.
Salvo algumas semelhanças programáticas em relação curso da Bauhaus, sua proposta de 1919 e
mesmo aquelas pré-1917 já seriam capazes de assinalar distanciamentos teóricos de base simplesmente
1 Dirigida por Walter Gropius e por Laszlo Moholy-Nagy, a editora Bauhausbücher publicou 19 obras teóricas de artistas
próximos das concepções da escola Bauhaus, dentre eles o próprio Gropius, Paul Klee, Oskar Schlemmer, Ludwig
Hilberseimer, Kasimir Malevitch, J.J.P. Oud, Theo van Doesburg e Piet Mondrian.
2 MALEWITSCH, Kasimir. Die Gegenstandslose Welt. Mainz: Florian Kupferberg Verlag, 1980, p. 7. O editor que
redige este prefácio é Laszlo Moholy-Nagy, para a primeira edição de 1927, em alemão, traduzida por Alexander von
Riesen (Malevitch não falava alemão). A reedição que temos em mãos é um fac-simile publicado em série de
relançamento de títulos da Bauhausbücher sob o nome de Neue Bauhausbücher. A parte referente ao texto de Kasimir
malevitch possui 100 páginas, com ilustrações.
3 Wassily Kandinsky fora, da mesma forma, repudiado por seu “misticismo” no INChUK (Instituto de Cultura Artística,
Moscou, 1920). Curiosamente, ao abandonar a Rússia devido à circunstância, foi admitido como professor da Bauhaus
a partir de 1922.
por não assumir como força-motriz para a concepção e a construção de objetos, as necessidades
colocadas pela vida prática cotidiana, ou seja, o sentido que amplamente dava-se ao conceito de forma-
função na Bauhaus. O elemento exterior que deveria ser evitado na arte deixa de ser a “figura” e passa
a ser seu caráter de utilidade, que da mesma forma eliminaria a atividade especulativa na arte.
Aprofundava-se a crença do artista plástico de que a finalidade última da arte (e aquela que asseguraria
sua soberania em relação a qualquer outro tipo de conhecimento) seria a de agir sobre o espírito por
meio do sensível, não podendo ser confundida com “fins utilitários”. O autor traz como inerentes à
experiência artística características supostamente imateriais, ou “transracionais”.
Tal polarização do debate teórico encontra-se em ponto máximo de tensão com a publicação,
em 1927, pela então editora da escola Bauhaus, do volume redigido por Malevitch, Die
gegenstandslose Welt (O mundo não-objetivo), que pretendemos tomar como objeto de uma primeira
tradução para o português. O suprematismo é apresentado como o ponto final de uma suposta evolução
das artes plásticas, o funcionalismo expressamente negado como alternativa de criação; são trazidos
aspectos teórico-filosóficos reveladores de mais profundo sentido para seus quadros e esculturas.
Imediatamente posto fora do círculo de debates dentro da Bauhaus, por décadas os escritos de
Malevitch passaram ignorados no mundo todo e mais do que sua obra plástica. Somente na década de
1960 a partir de levantamento realizado por Camilla Gray4, os artistas russos começariam a ser
reavaliados pela crítica, enquanto no campo da prática artística o próprio Malevitch era tomado
possivelmente como o mais influente entre todos eles, como vemos em obras de Gerhard Richter, na
Alemanha, ou de Hélio Oiticica e Lygia Clark, no Brasil. Índices do interesse tardio porém crescente
pelo tema foram as exposições, em 1978, no Centro Georges Pompidou em Paris de uma vasta coleção
da arte da vanguarda russa, e em 1994, na Bienal de São Paulo, tendo uma seção inteiramente dedicada
a Kasimir Malevitch, pela primeira vez fora da Rússia.

3. OBJETIVOS

3.1 Objetivos Gerais

Temos como objetivo o amadurecimento dos possíveis métodos de pesquisa e análise científica.
Pretendemos, com a pesquisa, dar continuidade e aprofundar o estudo de linhas gerais da história da
arte moderna e contemporânea, estabelecendo critérios mais apurados para a compilação de fontes
bibliográficas, e buscando a ampliação do repertório de obras e teorias artísticas de fins do século XIX
até hoje. Entretanto, teremos como foco a década de 1920, em que se encontra o referido texto.
Esperamos com o tema escolhido alcançar desdobramentos relevantes ao âmbito teórico, já tendo
investigado suas imediações até aqui de forma independente, a partir de orientações de professores.

3.1.1 Da Metodologia

Procuraremos tratar o objeto geral, com respeito à metodologia, a partir da observação das
obras plásticas realizadas pelos artistas ou grupos em questão, passando à leitura de textos dos
próprios, com o apoio da produção acadêmica realizada por comentadores até aqui. Posteriormente,
com o retorno às obras, poderemos elaborar análises próprias que tragam consequência para as
questões artísticas tratadas, tanto nas obras plásticas quanto nas teóricas e nas intersecções entre
ambas. Analisaremos as subsequentes realizações por outros artistas que tiverem dado continuidade ou
que expressarem rupturas diretas em relação aos pontos levantados pelo período em questão,
especialmente aquelas que tratarem da polarização traçada em linhas gerais no item 2.
(JUSTIFICATIVA) deste projeto de pesquisa.

3.2 Objetivos Específicos

Como expresso no item 3.1 (Objetivos Gerais), a obra plásticas dos artistas ou grupos em

4 GRAY, Camilla. The Russian Experiment in Art 1863 -1922. London: Thames & Hudson, 1996.
questão são de profunda importância para nossa abordagem metodológica. Assim, coloca-se como um
dos produtos específicos resultantes da pesquisa um acervo de imagens de apoio, a ser trabalhado em
conjunto com os acervos já disponíveis para as aulas de história da arte dentro da faculdade.
Avaliaremos as imagens já existentes, quantitativa e qualitativamente, buscando complementá-las e
aperfeiçoá-las, através de meios digitais, em trabalho conjunto ao da própria pesquisa. Desta forma,
daremos continuidade a uma das atividades realizadas durante a monitoria iniciada no segundo
semestre de 2008, para as disciplinas AUH 2802 – Introdução à arte e à arquitetura e AUH 2804 –
Introdução à arte e à arquitetura II, referntes ao curso de Design da FAU-USP.
Outro ponto específico a ser desenvolvido é a capacitação para a tradução do texto em questão,
quanto à admissão do campo semântico adequado a respeito dos termos e conceitos presentes no tema,
fazendo-se para tanto imprescindível tanto o aprofundamento expresso no item 3.1 (Objetivos Gerais)
quanto o acompanhamento específico do professor orientador ao longo das etapas da tradução. Não
será ignorada a urgência de familiarização com as teorias existentes no campo da tradutologia.

4. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DA PESQUISA

Atividades/Etapas de Projeto Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul

Levantamento de imagens existentes ■ ■ ■ ■ ■ ■


Atendimento individual com o orientador ■ ■ ■ ■ ■
Leitura de textos de apoio ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■
Pesquisa de Imagens ■ ■ ■ ■ ■ ■
Tradução ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■
Entrega de relatório ■ ■

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Aracy. Arte Construtiva no Brasil – Coleção Adolpho Leirner. São Paulo: Melhoramentos/
DBA, 1988.
ARGAN, G. C. Arte Moderna. São Paulo: Cia. Das Letras, 1992.
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de suas técnicas de reprodução”. In: Os Pensadores.
Walter Benjamin. São Paulo: Nova Cultural, 1975.
BOWLT, John. Russian Art of the Avant-Garde: Theory and Criticism. London: Thames & Hudson,
c.1988.
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo:
Cosac&Naify, 1999.
CHIPP, H.B. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
DEMPSEY, A.Guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo: Cosac&Naify, 2002.
FARIAS, Agnaldo. Arte brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2002.
FAVARETTO, Celso. A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992.
GARCIA, Hernan C. VKhUTEMAS/VKhUTEIN BAUHAUS Hochschule für Gestaltung Ulm:
Experiências didáticas comparadas. Tese de mestrado apresentada à FAU USP, 2001.
GRAY, Camilla. The Russian Experiment in Art 1863 -1922. London: Thames & Hudson, 1996.
HANSEN-LÖVE, Aage. Kasimir Malevic. Gott ist nicht gestürtzt! Schriften zu Kunst, Kirche, Fabrik.
München/Wien: Carl Hanser Verlag, 2004.
HARRISON, Charles; WOOD, Paul. Art in theory: 1900/1990. Oxford: Blackwell, 1993.
LAWTON, Anna. Russian futurism through its manifestoes. Ithaca: Cornell University Press, 1988.
MALEWITSCH, Kasimir. Die Gegenstandslose Welt. Mainz: Florian Kupferberg Verlag, 1980.
MOUNIN, Georges. Os problemas teóricos da tradução. São Paulo: Editora Cultrix, 1970.
PEDROSA, Mário. “Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica”. In: Dos murais de Portinari
aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981.
SHADOVA, Larissa. Suche und Experiment. Dresden, 1978.

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