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O poder do perdão

"E, se pecar contra ti sete vezes no dia, e sete vezes no dia vier ter
contigo, dizendo: Arrependo-me; perdoa-lhe. "
Lucas 17:4

P ERDOAR É LIBERTADOR . Diante dos desafios da con-

vivência humana, muitos guardam rancor e mágoa, raiva e ira


acumulados como veneno da alma. Esses fantasmas
ameaçadores da felicidade alimentam um quadro interno de
angústia a tal ponto pernicioso que se gera verdadeiro
purgatório de sentimentos destrutivos e daninhos. A mente do
homem passa a viver num círculo vicioso, em que confabula mil
e uma vinganças e retaliações as mais comezinhas,
frequentemente delírios impossíveis de se cumprirem, muito
embora factíveis, em alguns casos. Tais pensamentos circun-
dam o psiquismo de modo mais ou menos intenso, geralmente
despendendo tempo, energias e emoções,

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pois encontram ressonância interna quase imediata. Perdem-
se muitas horas, principalmente à noite, ao se delinear cada
desforra e arquitetar cada resposta, que se apresentam sempre
com um conteúdo intenso, apaixonado e revoltoso; logo ao
amanhecer, chega-se à conclusão de que jamais se colocarão
em prática os planos de revide elaborados e esmiuçados
durante o período que deveria ser destinado ao repouso rege-
nerador do sono. Perde-se o sono, perde-se o tempo e,
sobretudo, desgastam-se as emoções em decorrência de algo
que, provavelmente, jamais se concretizará — graças a Deus.
Esse comportamento, bem mais comum do que se possa
imaginar, responde por grande parte dos dissabores do dia a
dia, da insatisfação com o resultado de várias experiências
cotidianas, pois torna a alma cansada, as emoções
desgastadas e, naturalmente, a produtividade fica
comprometida. Nos mais diversos aspectos, reduz — se a
capacidade de realizar ou sofre-se com a má qualidade do que
é feito. O ser entra numa espécie de viciação mental; não se
libera nem se liberta para viver a vida de maneira mais
produtiva, satisfatória e feliz.

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Perdoar assume, então, um papel de magna im-
portância, pois tira o peso de sobre a alma, suavizando a
experiência humana. Perdoar não é algo que beneficia o
ofensor. Pelo contrário, e de forma especial, liberta aquele
que supostamente foi alvo da ofensa; livra o ser do peso
esmagador das noites difíceis, quando dedica seu tempo a
maquinar táticas e métodos de revide. Rompe-se o círculo
mental vicioso, que o leva a pensar incessantemente nas
palavras que o ofenderam, nas atitudes que o magoaram e no
alvo de tanto desafeto. Perdoar é libertador; é uma das forças
mais poderosas do universo.
De outro lado, quando se tem algo mal resolvido
consigo mesmo, que assoma teimosamente à memória,
perdoar-se é o melhor remédio. Ao relembrar o fato ou
refletir sobre o passado, em que alguma atitude foi tomada
de maneira a produzir sofrimento ou arrependimento,
perdoar-se é o melhor remédio. Permitir que o universo
conspire a seu favor, perdoando-se, libertando-se do peso da
culpa ou do remorso, ainda é o melhor caminho. Muitos não
se permitem experimentar a felicidade nem reconstruir sua
caminhada porque

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permanecem tempo dilatado demais fixados mental e
emocionalmente em determinado acontecimento, o que
agrilhoa a alma ao lodo da culpa.
Alguns sábios do passado aconselhavam uma oração
simples, porém eficaz, de extremo poder para liberar a mente
desse circuito de emoções e pensamentos que prendem o ser à
retaguarda, impedindo-o de crescer e experimentar novas
emoções, libertadoras e realizadoras. Aconselhava-se a pessoa
que não se perdoou a repetir a frase: “Eu me perdoo”, dirigindo-
se à própria mente, aos arquivos da memória espiritual. E a
afirmativa "Eu te perdoo" era aplicada quando se desejava li-
bertar-se de lembranças ruins em relação a quaisquer pessoas
de seu relacionamento, quando não se havia conseguido
perdoar ao ofensor. Ao lançar mão dessa técnica simples, a
mente passa a absorver a mensagem direcionada a cada célula,
a cada átomo, contrapondo-se ao que fora ali registrado pela
força de pensamentos destrutivos e mal orientados, de emoções
oscilantes e de conteúdo daninho. Alem do mais, o ato de se
perdoar e dizer a si próprio que se perdoa faz brotar na
intimidade um novo estado de espírito, renovado a

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cada dia pelo exercício do perdão, do autoperdão. Por
extensão, à medida que a pessoa aprende a perdoar-se, exala
da alma a capacidade de perdoar o próximo naquilo que se
julga haver ofendido. Perdoar-se e perdoar são uma e a mesma
habilidade, e é sobre isso que nos advertem as palavras do rabi
nazareno: "Porque com o juízo com que julgardes sereis
julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de
medir a vós". 1
Contudo, é bom esclarecer que perdoar, conforme
enfatizamos, não implica baixar a guarda e permitir que se
repita a experiência daninha, que o levou a uma atitude de
autodefesa, embora de maneira nociva para si mesmo. Perdoar
significa libertar-se da opressão das emoções que te mantêm
cativo, seja ela decorrente da situação vivida com aquele que tu
julgas te haver ofendido, seja decorrente das atitudes do
passado que te submergem na culpa. Perdoar é não boicotar os
anseios de felicidade do outro — tampouco os teus. Per-

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Mt 7:2. (Todas as citações bíblicas foram extraídas da fonte a seguir, exceto quando

indicado em contrário, bíblia de referência Thompson. São Paulo: Vida, 1995.

Tradução contemporânea de João Ferreira de Almeida.)

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doar é permitir que o universo continue canalizando recursos
para teu crescimento.
Como não há fórmulas para o total esquecimento de
situações indesejáveis, o perdão surge como a força que
movimenta o peso da alma, deslocando-o para um estado em
que não afetará mais a caminhada nem será veículo de
boicote da felicidade tanto própria quanto alheia. Perdoar
liberta e libera a alma para viver num patamar mais elevado,
numa frequência mais ampla, respirando um ar mais leve, de
maneira que a felicidade e a satisfação possam ter livre
acesso ao interior.

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