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A Bioética na Odontologia

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Artigos científicos

Luiz Antonio Gaieski Pires


Joaquim Cerveira

A Bioética na Odontologia
Bioethics in Dentistry

RESUMO
Os autores buscam através deste artigo propor reflexões sobre questões da bioética na Odontolo-
gia. São abordados assuntos sobre o comportamento bioético nas relações profissional-paciente, esten-
dendo a reflexão bioética ao desenvolvimento do ensino odontológico bem como à condução das pesqui-
sas científicas.
Palavras-chaves: Bioética, odontologia, profissional-paciente, ensino odontológico, ética na
pesquisa.

ABSTRACT
The authors suggest, in this paper, a reflection on bioethical issues in Dentistry. Subjects about
bioethical behavior in practioner-patient relationship are approached, extending the bioethical reflection
to dental school teaching, as well as to the conduction of scientific researches.
Key words: Bioethics; Dentistry; Practioner-patient; Dental School teaching; Research ethics.

INTRODUÇÃO na, digna e sustentável” (SOUZA, 2003). A ética


pode ser didaticamente estudada sob dois pris-
“Ética é a abordagem criteriosa dos fenô- mas, a teórica ou filosófica, e a aplicada. As teo-
menos humanos em seus aspectos relacionais mais rias éticas são consideradas princípios de valida-
profundos e determinantes, na medida em que estes de universal, embasadas em problemas gerais (a
se constituem nos fundamentos de toda e qual- liberdade, a distinção entre o bem e o mal, a au-
quer idéia de realização de uma sociedade huma- tonomia, etc.) e constituem valores da humani-

______
Luiz Antonio Gaieski Pires é Professor de Materiais Dentários e Prótese da Faculdade de Odontologia da ULBRA.
Joaquim Cerveira é Professor de Odontologia Social e Preventiva I e II e Legislação e Ética em Odontologia da
Faculdade de Odontologia da ULBRA.
______
Endereço para correspondência: Luiz Antonio Gaieski Pires
Rua Mostardeiro 157 sala 801 Fone: (51) 32225205 ou 33954447
E-mail: gaieskipires@cpovo.net

Stomatos
Stomatos v.9, n.17,
Canoas
jul./dez. v.2003
9 n.17 jul./dez. 2003 p.7-12 7
dade, formulados e discutidos por filósofos clássi- a)Cirurgião-dentista e o paciente
cos (BRANSON, 1980). Esta ética teórica ou filo- Uma das principais preocupações atuais da
sófica constitui o propósito da filosofia moral que ética é com a relação entre o profissional de saúde
de acordo com BARTON, BARTON (1984) con- e o paciente no que concerne ao uso do poder,
siste em questionar o que é correto ou incorreto, o adquirido pelo saber de um, em relação ao ser,
que é uma virtude ou uma maldade nas condutas inerente à existência do outro. É preciso que o
humanas. Nessa perspectiva a moral seria res- profissional saiba administrar este poder de ma-
ponsável por tais questionamentos em um âmbito neira a não interferir na individualidade e na li-
maior que é o âmbito das sociedades humanas. berdade de seu paciente.
Ordenar o comportamento social e, por conse- Esta preocupação extrapola os limites esta-
guinte, o das pessoas na sociedade compete à belecidos pela ética deontológica e passa a ser dis-
moral que utiliza para tal suas leis e seus códigos cutida no âmbito da bioética, especialmente a bi-
(por exemplo, o Código Civil). Esta conotação oética principialista. De acordo com CLOTET
identifica a moral e a ética social dentro de um (2003): “É preciso contar com alguns princípios
mesmo contexto filosófico reflexivo. que ajudem os profissionais a decidir e agir corre-
A ética aplicada surgiu em decorrência de tamente, pois a ciência embora sendo a grande es-
situações específicas e conflituosas, enfrentadas na perança, se apresenta também como uma grande
civilização contemporânea e que, segundo BAR- ameaça para a vida humana”.
TON, BARTON (1984) está representada por um Vale registrar aqui que a bioética baseada em
conjunto de normas que regulamentam o com- princípios é complementada pela “bioética do coti-
portamento de um grupo particular de pessoas diano” na busca constante de explicar os conflitos
(ética profissional, por exemplo). Estas normas, emergentes nas relações dos profissionais de saúde,
nesse caso, estão expressas nos códigos deontoló- seus pacientes e a sociedade. Este trinômio consti-
gicos das diversas profissões. tui o foco da discussão bioética contemporânea.
Somadas, a ética teórica e aplicada, remon- Enquanto a relação profissional-paciente
tam à boa parte da história da filosofia e da pró- estabeleceu-se na base do paternalismo benefi-
pria história da humanidade (ESTRELA, 2001). cente alicerçado na ética deontológica os princípi-
Qualquer que seja a esfera de discussão ética – os da beneficência e da não maleficência foram
social, particular ou deontológica – ela tende a valo- pacificamente aceitos, especialmente pelos profis-
rizar a maneira correta de agir baseada na razão, sionais de saúde. Entretanto, quando essas rela-
nos valores, nas ideologias, enfim nas representa- ções passam a ser reguladas em bases bioéticas
ções daquilo que se quer como ideal para os seres que trazem para a centralidade das relações o
humanos (FOUREZ, 1995). Nessa linha conceitual principio da autonomia do paciente e dão outra
a Bioética representa, segundo CLOTET (2003) “a conotação aos princípios da beneficência (promo-
resposta ética aos novos casos e situações originadas ver o bem ponderando benefícios e danos) e não
da ciência no âmbito da saúde”. maleficência (não causar o mal, inclusive aten-
Baseados nestes conceitos os autores tem tando para males - danos futuros), o saber não
como objetivo através deste artigo propor refle- soberano em relação ao ser, a aceitação por parte
xões sobre questões da bioética na Odontologia. dos profissionais de saúde é mais conflituosa.
Nas relações dos cirurgiões –dentistas com
seus pacientes o principio da autonomia pode ser
REVISÃO DE LITERATURA explicitado através do consentimento esclarecido
do paciente e formalizado no “plano de tratamento”
Na Odontologia num primeiro momento es- inserido no prontuário próprio do mesmo. Há,
tas questões éticas refletem-se diretamente no exer- contudo, algumas condições para se caracterize
cício profissional, abordando assuntos sobre o com- este consentimento esclarecido. Para JUNGES
portamento bioético nas relações profissional-paci- (1999), a primeira delas diz respeito ao ato vo-
ente. Devemos, também, estender a reflexão ética/ luntário de consentir, concordar, sem qualquer tipo
bioética ao desenvolvimento do ensino odontológi- de indução ou coação por parte do cirurgião-den-
co bem como à condução das pesquisas cientificas. tista. A segunda diz respeito à informação que deve

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ser dada de forma clara e no nível cognitivo de mesmo tempo em que se discute implantes ou o
quem esta sendo informado. Ainda, para corro- uso de materiais estéticos, os serviços odontológi-
borar esta necessidade de, nas relações profissio- cos oferecidos no setor público delimitam uma
nais X pacientes, haver esclarecimento pleno so- outra realidade: a dos excluídos. A exclusão social
bre as condutas, inclusive com explicação de con- que permite que 20% dos brasileiros nunca te-
dutas alternativas, sobre riscos, sobre as alterna- nham tido acesso a qualquer serviço odontológico
tivas de materiais, sobre preços, sobre duração e para resolver seus problemas de saúde bucal mais
outras existem as normas que estão expressas no básicos.
Código de Defesa do Consumidor. Assim a condu- Na rede pública criam-se condicionantes
ta profissional correta, sob a perspectiva bioética, para o acesso aos programas de saúde bucal, e
no que diz respeito a autonomia do paciente deve estes ainda sofrem limitações na natureza de suas
contemplar, no prontuário desse, um plano de tra- ações o que nos oferece uma outra realidade para
tamento, baseado em um correto diagnóstico, que ser refletida: a realidade dos desdentados por fal-
contenha os elementos e as características de in- ta de próteses, de endodontias, de tratamentos
formação, conforme anteriormente delineado e, periodontais, enfim de por falta de atenção as ne-
também o consentimento voluntário do paciente cessidades de média complexidade em odontolo-
formalizado através da sua assinatura em con- gia que, também, não são resolvidas. Some-se a
cordância ao tratamento proposto. isto, de um lado, as condições de trabalho dos
Contribuindo ainda, para reforçar esta ne- profissionais, muitas vezes precárias (cadeiras com
cessidade de mudança de conduta, para COHEN, ergonomia desfavorável, auxiliares pouco prepa-
MARCOLINO (1995) é preciso que os profissio- rados, falta de materiais, agendas lotadas, salári-
nais da área atentem para o fato que cada paci- os indignos), de outro lado usuários impacientes
ente é um sujeito social e que, portanto, traz con- e, ainda, os coordenadores exigindo produtivida-
sigo uma carga de concepções e valores próprios de. Todos estes fatores, unidos, influem na condu-
sobre o mundo, a vida. A abordagem tem que ser ta do profissional, que, todavia, não deve abdicar
individual e diferenciada para cada paciente e sua da ética em sua atividade profissional. É urgente,
autonomia respeitada. Só se reconhece a autono- portanto, que os Cirurgiões-dentistas passem a
mia de alguém quando se dá a esta pessoa liber- interessar-se por ao invés de cuidar de no que tan-
dade para optar. Ou seja, quando se abre a possi- ge aos problemas e políticas de saúde bucal neste
bilidade de poder pensar levando-se em conta es- contexto brasileiro.
sas opções, que por sua vez necessitam de liber- Na luta pela conquista da universalidade e
dade para se realizarem. da eqüidade no direito ao atendimento igualitário
Os profissionais, de uma maneira geral, se não se pode deixar de lado a autonomia dos cida-
acostumaram a agir de forma paternalista com dãos. Para GARRAFA (1997), é preciso que os
relação aos pacientes. Isto é, baseados no conhe- esforços teóricos e práticos sejam direcionados na
cimento técnico, nos princípios da beneficência e busca de “um caminho autônomo, mas justo” em
não-maleficência, os profissionais de saúde deci- consonância com diferentes pontos de vista sobre
dem por seus pacientes o que é melhor para eles intervenções que devam ser feitas ou não no con-
ou ainda lhes sonegam informações sobre prog- traditório contexto sanitário.
nósticos de tratamento, além de realizarem pro- Há que se pensar, também, sobre a forma-
cedimentos sem discutir possíveis alternativas. ção dos novos profissionais que são lançados aos
No nosso contexto, contudo, uma outra re- milhares a cada ano no mercado de trabalho.
flexão torna-se necessária. No Brasil, onde mi- Grande número de Faculdades de Odontologia
lhões de cidadãos não têm acesso aos serviços mais estão sendo abertas com a maior facilidade, sem
básicos para manutenção da saúde bem como à que sejam questionadas sua necessidade e a qua-
educação, que lhes tornariam pessoas capazes de lidade de ensino. Os futuros profissionais deveri-
argumentar, exigir e questionar; é preciso que am ainda ser estimulados a refletir sobre virtu-
outro princípio ético – o da justiça – seja conside- des tais como a tolerância, a solidariedade (que
rado. difere de caridade), a prudência, a liberdade; tão
Com relação à odontologia brasileira, ao ou mais importantes para o exercício da profis-

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são do que noções de marketing e propaganda sa forma eliminando o comércio ilegal de dentes
de materiais cuja eficácia não tenha sido total- que ainda existe nos meios odontológicos. Outra
mente comprovada. função do BDPH é zelar pela eliminação da in-
O cirurgião-dentista deve encarar seus atos fecção cruzada que existe no manuseio indiscri-
profissionais como parte do campo das relações minado de dentes extraídos (ESTRELA, 2001;
humanas onde um está apto e é competente para NASSIF et al., 2003). Para cumprir suas funções
assumir a responsabilidade pela cura que lhe é regularmente é necessário que o BDPH esteja vin-
solicitada pelo outro. Mas, lembrando sempre que culado a uma instituição de ensino, o que deter-
o outro é uma pessoa autônoma inserida num mina preferência por Faculdades de Odontologia.
contexto sócio-econômico-cultural e que, quando Para tal, as normas de implementação devem se-
bem informada, será capaz de se tornar também guir as estabelecidas pela instituição de ensino para
co-responsável pela tomada das decisões que di- a instalação de laboratórios (NASSIF et al., 2003).
zem respeito ao seu benefício, a sua própria vida
e a sua dignidade humana. c)Pesquisa Científica
A pesquisa é um processo de construção de
b)Ensino Odontológico conhecimento que tem como metas principais ge-
A utilização de dentes humanos é fundamen- rar novo conhecimento e/ou corroborar ou refu-
tal para o aprendizado do aluno de odontologia, tar algum conhecimento preexistente. É basica-
que é obrigado, em quase todas as faculdades, a mente um processo de aprendizagem tanto do in-
“arrumar” o material. Alguns professores nem divíduo que a realiza quanto da sociedade na qual
questionam como o aluno adquiriu os dentes, que esta se desenvolve. Quem realiza a pesquisa pode,
são geralmente comprados em clínicas particula- num nível mais elementar, aprender as bases do
res, cemitérios ou com colegas já formados (SIL- método científico ou, num nível mais avançado,
VA, 2001). Na maioria dos casos, essa prática leva aprender refinamentos técnicos de métodos já co-
ao cometimento de pelo menos duas infrações. nhecidos. A sociedade e a comunidade benefici-
Primeiro isso é ilegal, porque o dente é um órgão am-se com a aplicação do novo conhecimento
do corpo humano e, como tal, está submetido à gerado nos indivíduos que a compõe. Para poder
lei de Transplantes Brasileira, Lei nº 9.434/97, com ser chamada de científica, a pesquisa deve obede-
pena prevista de três a oito anos de prisão, além cer aos rigores que impõe o método científico, sen-
de multa para quem remover, post-mortem, ór- do a principal propriedade a reprodutibilidade
gãos, tecidos e partes do corpo humano de pesso- (CLARK, CASTRO, 2003).
as não identificadas. O seu comércio é considera- Para ESTRELA (2001) a pesquisa pode ser
do um ato criminoso, pelo Artigo 15 do Código classificada em três grupos, conforme a finalidade:
Penal Brasileiro. Soma-se a isso mais um a três 1. pesquisa básica (concentra-se na aquisi-
anos no caso de uma sepultura ou uma urna fu- ção de novos conhecimentos não aplicados; rela-
nerária ter sido violada, entre outras punições do ciona-se às áreas fundamentais: morfológica, ge-
Código Penal. A outra infração refere-se ao as- nética, imunológica, dentre outras).
pecto ético, já que muito provavelmente esses den- 2. pesquisa tecnológica (aplica-se ao desen-
tes não vêm acompanhados de um termo de con- volvimento de novas tecnologias e equipamentos,
sentimento, previsto na Resolução 196/96 (SIL- por exemplo: laser, computação, etc.).
VA, 2001; NASSIF et al., 2003). 3. pesquisa aplicada (trata da aplicação em
Segundo dados da Faculdade de Odontolo- determinado contexto; na área da saúde, refere-
gia da USP, estima-se que cerca de 700 mil dentes se aos procedimentos de diagnóstico e de trata-
no Brasil são utilizados por ano para treinamento mento), ou, quando realizada em seres humanos,
laboratorial e para pesquisas (SILVA, 2001). denomina-se “pesquisa clínica”.
A implementação de um Banco de Dentes De forma genérica, todos esse tipos de pes-
Permanentes Humanos (BDPH) tem como pro- quisa são relevantes e contribuem para a com-
pósito suprir as necessidades acadêmicas, forne- preensão em áreas específicas do saber (ESTRE-
cendo dentes humanos para pesquisa ou para trei- LA, 2001).
namento laboratorial pré-clínico dos alunos, des- As descobertas científicas se acentuaram, nas

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ciências da saúde, principalmente nos últimos 50 envolva o ser humano de forma direta ou indire-
anos. Muitas dessas novidades provocaram, e al- ta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o
gumas ainda provocam, discussões éticas. O ad- manejo de informações ou materiais”. Essa defi-
vento da anestesia e da penicilina, a descoberta nição é de fundamental importância, pois não
da dupla hélice do DNA, o primeiro transplantes restringe o conceito de pesquisa com seres hu-
de rim, as máquinas para diálise, a pílula anticon- manos apenas àquelas realizadas nas ciências da
cepcional, o transplantes de coração, o primeiro saúde. Inclui toda modalidade de pesquisa que
bebê de proveta, a epidemia da AIDS, o projeto direta ou indiretamente envolva seres humanos
genoma humano, e recentemente, a clonagem de e, mais,que o manejo de informações e a utiliza-
seres humanos, são exemplos palpáveis e concre- ção de partes do corpo, como por exemple den-
tos da importância da pesquisa cientifica, mas, tes, são consideradas pesquisas com seres hu-
também, da pertinência da discussão sobre ética manos e devem seguir parâmetros éticos. Tam-
na pesquisa (ARAÚJO, 2003). bém define Comitês de Ética em Pesquisa (CEP)
Estudar o curso natural das doenças ou das como: “colegiados interdisciplinares e indepen-
anomalias, o efeito dos medicamentos ou materi- dentes, com múnus público, de caráter consulti-
ais dentários, como no caso da Odontologia, uti- vo, deliberativo e educativo, criados para defen-
lizando seres humanos é obviamente relevante para der os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua
o conhecimento científico, pois propicia entender integridade e dignidade e para contribuir no de-
o seu comportamento ao longo do tempo, ou com- senvolvimento da pesquisa dentro de padrões
parar com a eficácia de algum tratamento, mas éticos”. E, Comissão Nacional de Ética em Pes-
realizá-los sem oferecer qualquer tipo de trata- quisa-CONEP/MS como: “uma instância
mento ou sem o consentimento do paciente não é colegiada, de natureza consultiva, deliberativa,
eticamente correta (ESTRELA, 2001). normativa, independente, vinculada ao Conse-
Basicamente, há três documentos internaci- lho Nacional de Saúde” (ARAÚJO, 2003).
onais, dos quais o Brasil é signatário, que dispõe Desta forma toda a pesquisa que envolva
sobre a necessidade de seguir normas éticas em direta ou indiretamente os seres humanos tem
pesquisas e experimentos humanos (SILVA, 2001). obrigatoriamente que ser apreciada por um CEP.
O primeiro documento sistematizado que abor- Ás vezes por mais de um CEP, como no caso dos
dada a ética em pesquisas com seres humanos foi estudos multicêntricos, quando o mesmo proto-
elaborado em 1947, denominado de Código de colo tem obrigatoriamente que ser analisado por
Nuremberg. Mais tarde, em 1964, a Associação tantos CEPs quantas instituições participarem da
Médica Mundial elaborou a Declaração de Hel- pesquisa (PALÁCIOS et al., 2002).
sinque. E o terceiro documento foi elaborado em As pesquisas cientificas são fundamentais
1980 pela Organização Mundial de Saúde, deno- para o desenvolvimento humano, principalmente
minado de Diretrizes Internacionais Éticas em Pes- aquelas que envolvem seres humanos devem e
quisas Biomédicas (SILVA, 2001; ESTRELA, podem ser executadas dentro de padrões éticos
2001; ARAÚJO, 2003). (ARAÚJO, 2003; CLARK, CASTRO, 2003). Mas,
No Brasil, o Conselho Nacional de saúde a simples observância de normas, leis e recomen-
(CNS) aprovou um documento que teve como dações éticas não garantirá a eticidade da pesqui-
objetivo criar parâmetros éticos para as pesqui- sa. A discussão sobre o tema deve ser incentivada
sas na área da saúde, A Resolução CNS 01 (1988). e estar presente nos cursos de graduação e pós-
Posteriormente, esse documento foi substituído graduação, bem como nos eventos e periódicos
pela Resolução CNS 196 (1996). A partir desse científicos (ARAÚJO, 2003).
documento, CNS 196, e da s resoluções comple-
mentares, o desenvolvimento das pesquisas com
seres humanos, no Brasil, tomou um novo rumo CONSIDERAÇÕES FINAIS
e os pesquisadores tiveram que se adaptar ou
estão se adaptando a essa nova realidade. Essa A Odontologia sob a ótica destes novos con-
Resolução define pesquisa com seres humanos ceitos bioéticos encontra-se num momento de re-
como aquela “que, individual ou coletivamente, flexão e discussão que envolvem desde as rela-

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ções dos profissionais com seus pacientes, se es- BRANSON, R. The ethics of dental research: an overview of
tendem sobra a necessidade imperativa de uma basic principles. J Dent Res, v. 59, p.1214-1220, 1980.
CLARK, O.A.C., CASTRO, A.A. A pesquisa. Pesqui Odontol Bras,
sociedade mais justa que tenha no ser humano, v.17 p.67-69, 2003.
na dignidade da vida, na supremacia do ser so- CLOTET, J. Bioética: uma aproximação. Porto Alegre:
bre o ter sua essencialidade, atingem o ensino Edipucrs, 2003. p.15-26.
odontológico numa perspectiva mais qualitativa COHEN, C., MARCOLINO, J.A.M. Relação médico-paciente.
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do que quantitativa de formação e a pesquisa
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pesquisa e com conseqüente encolhimento do Es- FOUREZ, G. A construção das ciências: introdução à filosofia
tado nesse setor. A bioética, na sua plenitude será e à ética das ciências. São Paulo: Ed. Universidade Esta-
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capaz de oferecer as bases suportivas para o en- GARRAFA, V. Bioética e Odontologia. In: KRIGER, L.(org.).
caminhamento das soluções destes conflitos que Promoção de saúde bucal. São Paulo: ABOPREV/Artes
se estabelecem na sociedade e na Odontologia, Médicas, 1997. p.467-474.
tendo o ser humano e a dignidade da vida como JUNGES, R.J. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo:
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categorias essenciais.
NASSIF, A.C.S. et al. Estruturação de um Banco de Dentes
Humanos. Pesqui Odontol Bras, v.17, p.70-74, 2003.
PALÁCIOS, M., REGO, S., SCHRAMM, F.R. A regulamentação
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BARTON, BARTON, 1984. Apud in: SEGRE, M., COHEN,
SOUZA, R. T. Comunicação pessoal, 2003.
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