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ALCANCE DA VITIMOLOGIA
A Vitimologia é traduzida pela maioria dos doutrinadores como sendo
um ramo da Criminologia, não chegando a caracterizar uma ciência. Ela teria o
caráter específico de “diagnosticar” a vítima do fenômeno delitivo, através da
experiência psicológica, biológica e social. Ter dominação de ciência ou não,
não implica em maiores importâncias causais, a relevância dos objetivos
explicativos sobre a vítima e seus entrelaçamentos é que indicam sua
magnitude.
Desde o surgimento da Vitimologia, em relação a aspectos múltiplos,
pretendia-se estudar a personalidade da vítima, buscando entender por que
certas pessoas tendem a este destino; ademais, buscava explicar a relação
entre delinquente/vítima, esta como sendo a possível fonte de
desencadeamento do crime. No entanto, podemos sintetizar em seis os
aspectos mais atuais, importantes e contributivos da Vitimologia para com a
sociedade:
[...] 1. Uma nova imagem da vítima. Diversas variáveis
relacionadas com a pessoa da vítima (físicas, psíquicas,
situacionais etc) condicionam o sucesso do crime e o
próprio risco de suceder ser vítima dele. Não se pode,
pois, prescindir da vítima no momento de explicar
cientificamente o delito e seu concreto modo de ocorrer;
2. Vítima e prevenção do delito. Os programas de
prevenção da criminalidade devem contar, também, com
a vítima, operando sobre aqueles grupos que exibam
mais elevados riscos de vitimização; 3. Vítima como
informadora. A vítima pode auxiliar o Poder Público e os
cientistas no estudo da criminalidade oculta pela “cifra
negra”, como demonstram as “pesquisas de vitimização”;
4. Vítima e efetividade do sistema legal. A alienação da
vítima provoca o perigoso incremento da “cifra negra” e,
com ele, o desprestígio do sistema mesmo, a
deterioração de sua capacidade dissuasória e sua
imprescindível credibilidade; 5. Vítima e medo de delito.
O medo do crime – o temor de converter-se em vítima de
crime – é um problema real, tanto quando dito medo tem
uma base crítica, objetiva, como quando se trata de um
temor imaginário, difuso e sem fundamento. Em qualquer
caso, altera os hábitos da população, fomenta
comportamentos não solidários em face de outras
vítimas, desencadeia inevitavelmente uma política
criminal passional, e, em momentos de crise, se volta
contra certas minorias as quais os formadores de opinião
pública culpam como os responsáveis dos males sociais;
6. Vítima e política social. A vítima não reclama
compaixão, mas sim respeito de seus direitos. A efetiva
“ressocialização” da vítima exige intervenção positiva dos
particulares e do Poder Público, dirigida a satisfazer
solidariamente as necessidades e expectativas reais
daquela. (MOLINA apud CALHAU, 2003, p.40).
Desse modo, é plausível a contribuição da Vitimologia no âmbito
criminológico, político-criminal, político-social e no estudo da gênese do crime.
2. VITIMIZAÇÃO
2.1. Risco de vitimização
Um dos aspectos estudados pela Vitimologia é a vitimização, que é o
processo ou o meio que percorre um indivíduo até se transformar em vítima –
por meio de conduta alheia, fato da natureza ou até mesmo por conduta
própria. Nesse sentido:
Iter Victimae é o caminho, interno e externo, que segue
um indivíduo para se converter em vítima, o conjunto de
etapas que se operam cronologicamente no
desenvolvimento de vitimização. (OLIVEIRA apud
NOGUEIRA, 2004).
Estudar os processos que levam um indivíduo a se tornar vítima é de
suma importância, pois o atual quadro da vítima como sendo um personagem
dinâmico gera a necessidade de analisar melhor o seu papel nas diversas
fases do delito: cogitação, preparação, execução e consumação. A cogitação é
aquela onde o agente idealiza no seu íntimo o fato criminoso; a preparação é
aquela onde se busca os meios e instrumentos necessários para realização da
conduta delitiva; concluídos os atos preparatórios passa-se a execução, fase
que o vitimizador realiza a conduta almejando o resultado esperado; ao final, a
consumação, aquela que indica a realização da ação delituosa.
Como mencionado acima, umas das fases do iter criminis (caminho do
crime) é a preparação, e é nesta etapa que o agente escolhe a vítima e passa
a execução. Logo, se pudéssemos interromper ou pelo menos dificultar a
escolha do delinquente, poderíamos diminuir, substancialmente, o número de
crimes na sociedade. Deságua daí a necessidade suprema da prevenção
vitimal, substrato de uma realidade contemporânea de não apenas criar
programas de prevenção diante o infrator potencial, mas preencher tais
políticas criminais observando, também, à vítima potencial. Devendo entender,
assim, como forma eficaz de neutralização do crime, buscando proteger as
possíveis vítimas; afinal, o delito é algo baseado na seletividade, onde se
buscam o momento, o lugar e a vítima certa. Portanto, esse questionamento
não pode ser deixado de lado como foi na Criminologia Clássica, onde todas as
políticas criminais voltavam-se ao criminoso, como sendo a única forma de
evitar a criminalidade. Todavia, a Criminologia moderna corrigiu este
pensamento, afirmando a possibilidade de prevenir a criminalidade objetivando
programas voltados para a vítima; não tendo um caráter substitutivo, mas
complementar. Segue a lição:
[...] Se o risco de vitimização se configura, segundo as
estatísticas, como um risco diferenciado (isto é, risco que
se distribui não de forma igual e uniforme – nem
caprichosa – senão de forma muito discriminatória e
seletiva, tendo em vista as variáveis), parece, então,
razoável a possibilidade de evitar com eficácia muitos
delitos dirigindo específicos programas de prevenção aos
grupos ou subgrupos humanos que possuem maiores
riscos de vitimização. Detectados os indicadores que
convertem certas pessoas ou grupos de pessoas em
candidatos qualificados ou propícios ao status de vítima,
um meticuloso programa, cientificamente desenhado, de
conscientização, informação e tutela orientado para os
mesmos, pode e deve ser mais positivo em termos de
prevenção que o clássico recurso à ameaça da pena ou
a mensagem indiscriminada e abstrata a um hipotético
infrator potencial [...]. (MOLINA, 2006, p.77).
Dessa forma, devemos apagar a imagem completamente passiva da
vítima, como figura atípica no iter criminis e totalmente indiferente ao
delinquente.
Bom, para continuarmos vejamos a exposição de Molina:
[...] Pouco a pouco, a Vitimologia foi ampliando seu
objeto de investigação. E, do estudo dos protagonistas
do fato criminoso (autor e vítima) ou dos fenômenos de
interação assinalados, passou a se ocupar de outros
temas, sobre os quais, começa a subministrar uma
valiosa informação, por exemplo: atitudes e propensão
dos sujeitos para se converterem em vítimas de delito
(“risco de vitimização”), variáveis (sexo, idade, raça etc.)
que intervêm no processo de vitimização e classes
especiais de vítimas (tipologias), danos que sofrem a
vítima como conseqüência do delito (vitimização
primária), [...] comportamento da vítima (que dá notícia
ao fato criminoso) como agente de controle social penal,
programas de prevenção do delito por meio dos grupos
de pessoas com elevado risco de vitimização, programas
de reparação do dano e de assistência às vítimas do
delito, autoproteção, iter victimae [...]. (2006, p.69).
De todos estes aspectos relativos à vitimização, um deles é a
vulnerabilidade da vítima, fator que ocasiona um risco real para si próprio. Os
vários fatores de vulnerabilidade de um indivíduo (físicos, psíquicos,
socioeconômicos etc.) têm função ativa na averiguação do risco de vitimização;
pois, na fase preparatória do crime o agente busca a pessoa certa (vítima fácil),
sendo que vulnerabilidade do sujeito passivo pode caracterizar o surgimento do
crime. Todavia, é bom deixar claro que estes fatores têm um risco diferencial
que varia de crime e de pessoa.
Através deste entendimento – da vítima como “ente ativo” em relação
ao evento criminoso – são realizadas de tempos em tempos, no mundo todo,
as denominadas “pesquisas de vitimização”; são entrevistas realizadas a uma
massa da população, objetivando saber dos indivíduos da sociedade se já
foram vítimas de crimes, se foram, quais crimes, quantas vezes e quais foram
os lugares; pesquisam, também, a classe socioeconômica do vitimado, a
escolaridade, os hábitos, a idade, o sexo, os prejuízos gerados etc. Essas
pesquisas surgiram nos Estados Unidos nos anos 60 como maneira de calcular
a quantidade de delitos sofridos por determinada população e não
comunicadas aos órgãos públicos. Elas não vieram substituir os dados oficiais
das entidades públicas governamentais, apareceram como um complemento
que buscava estimar a chamada “cifra negra”. No entanto, hoje, as pesquisas
têm por fim dar substrato as políticas criminais.
Essas investigações demonstram claramente os grupos sociais e os
lugares mais visados pelos delinquentes; vejamos: os que fazem parte de
profissão visada; pessoas do sexo frágil; as que têm limitação física (baixa
capacidade de defesa, sensibilização) ou psíquica (indecisão, imagem de
perdedor ou de fraqueza); fatores ligados a escolhas sexuais da pessoa
humana (enseja provocação e irritação em alguns delinquentes); o maior
potencial econômico, a idade crítica e/ou a baixa inteligência; pessoas que
costumam atribuir os acontecimentos a forças como o destino e/ou a fatalidade,
pois andam sempre desatentas; etc.
A título de exemplo temos a pesquisa de vitimização realizada no Brasil
em 2002, através de uma parceria entre Ilanud (Instituto Latino Americano das
Nações Unidas Para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente), o
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e a
Fundação Instituto de Administração da USP (FIA-USP). A pesquisa foi
realizada no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Vitória, com 2800 pessoas,
sendo 700 em cada cidade. Nela pode ser constatada, dentre outros, que nos
crimes contra o patrimônio a classe mais visada é a que tem uma renda familiar
superior a R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), ou seja, tendem a
acontecer com maior incidência em determinados bairros de uma cidade e com
pessoas que preencham tal “requisito”. Ademais, a pesquisa mostrou que
escolaridade segue o mesmo patamar da renda, uma vez que se percebe que
quanto maior a escolaridade, maior a renda; consecutivamente, maior o nível
de risco. Evidenciou-se, também, que a idade da vítima é uma importante
variável, pois nos crimes em geral a faixa etária mais vitimada é a intermediária
(de vinte e seis a trinta e cinco anos). Quanto ao sexo da vítima, observaram
que as mulheres são sempre mais suscetíveis a se tornarem vítimas. Outro
fator de risco é a ostentação dos indivíduos, pessoas de alto poder aquisitivo
adoram, com exceções, mostrar tal potencial ao mundo. Como é bem passível
de averiguação em nossa sociedade, existe um desejo imensurável de ostentar
tudo que se tem, consubstanciado no prazer de ir além do mero usufruto dos
seus bens. Tal ostentação, como sinônimo de vantagem e superioridade, gera
certa provocação, principalmente nas classes menos favorecidas – por não
terem o poder de compra compatível. Assim, surge a fantasia de outrem em ter
o mesmo bem ou vantagem iguais do ostentador, e às vezes reputa-se na
necessidade de possuir os mesmos, acarretando, portanto, no risco iminente
de vitimização.
Repercute em risco, também, o chamado medo de delito; afinal,
atualmente, existe no nosso meio social uma insegurança coletiva acerca da
criminalidade, em razão da angústia de um dia se converter em vítima. Tal
insegurança é causada, dentre outros fatores, pela desconfiança das pessoas
em relação à efetividade dos órgãos públicos.
O medo, o temor, é uma resposta individual típica
psicologicamente condicionada de quem foi vitimizado. A
experiência vitimária explica uma angústia que, por certo,
determinados processos psicopatológicos podem
atualizar, reviver e, inclusive, perpetuar. Mas, o medo,
que aqui e agora interessa (enfoque político-criminal)
transcende essa dimensão clínica e individual: refiro-me
ao medo de se converter em vítima do delito como
vivência ou estado de ânimo coletivo, e não
necessariamente associado a uma prévia vitimização.
(MOLINA, 2006, p.80-81).
O medo do delito é muitas vezes algo real, ou seja, o problema que faz
emergir a insegurança existe; mas, em muitos casos não, pois é causada por
uma visão errônea da realidade, puramente emocional. Tal percepção falsa
pode ter nascido dos meios de comunicação ou, até mesmo, por grupos
manipuladores (grupos interessados), exemplo: empresas de armas de fogo.
Surge daí o medo causado pelo imaginário. Entretanto, ambas as situações
produzem consequências reais ao vitimado, alterando seu cotidiano e/ou lhe
causando transtornos psíquicos.
No Brasil há uma grande manipulação da mídia quanto à criminalidade,
impedindo que através de um diagnóstico científico e sem interesses difusos
sejam divulgados os dados reais sobre esse fator. A mídia gera falsas opiniões
na população acerca de quem são os delinquentes, quais são os crimes mais
comuns, quais são as pessoas que têm maior chance de se tornarem vítimas,
etc.
Assim, os que mais temem o delito (terceira idade) não
são, em termos estatísticos, as pessoas mais
vitimizadas; nem delinqüem mais (fatos mais graves e
com mais freqüência) os indivíduos mais temidos pela
sociedade: os jovens; tampouco são estatisticamente
mais previsíveis os delitos que, de fato, suscitam mais
alarme (os violentos). (MOLINA, 2006, p.81).
Portanto, as pesquisas de vitimização são de fato um aparato confiável e
veraz a cerca da criminalidade real versus a criminalidade “registrada”, capaz
de ceder um diagnóstico empírico para futuros programas de prevenção. Logo,
não podendo ser descartada pelas autoridades públicas.
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de Vitimização 2002 e avaliação do PIAPS. São Paulo, 2002.
tanto com o criminoso como com o meio. Já que se entende que a vítima tem
um comportamentodinâmico perante um fato delitivo, precisamos buscar
fato delitivo”, ao passo que a Vitimodogmática, por sua vez, “trata de examinar
que contribuem ao fato delitivo pode conduzir a se afirmar que estas são
seja por quem é, por como se porta, por o que possui ou por onde está”.
Ainda na concepção de SYDOW (2013), a soma destes fatores faz com que a
vítima, no ambiente informático, tenha um papel diferenciado das demais
vítimas de delitos praticados em outros ambientes, pelo que, a conduta das
vítimas no ambiente informático tem especial relevância não só para a
consecução do delito como para sua prevenção. Assim, a imaginada
passividade da vítima é substituída, no ambiente virtual, por um
comportamento dinâmico e complexo, caracterizador de determinado papel
social que, frente às suas peculiaridades, gera expectativas sociais e pode
aumentar ou mesmo implementar, por si só, o risco ao bem jurídico da própria
vítima.
“o computador está cada vez mais presente na vida das pessoas, de modo a
sendo verdadeira alfabetização que, uma vez certificada, tem validade em mais
significativo do delito, também será por isso uma importante condicionante para
do cibercrime”.
REFERÊNCIAS
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Saraiva, 2013.
NOTAS
[1] Perfil psicológico, social e cultura; locais de frequência da pretensa vítima;
nível de escolaridade e educação; perfil de autoproteção ou descuido entre
outros.